Terra Livre CRISE, PRÁXIS E AUTONOMIA ESP AÇOS DE RESISTÊNCIA ESPAÇOS E DE ESPERANÇAS Desde 1934 Associação dos Associação dos Geógrafos Brasieliros Geógrafos Brasileiros 1 Associação dos Geógrafos Brasileiros Diretoria Execut va Nacional Executiva Gestão 2008/2010 Presidente Alexandrina Luz Conceição - AGB Aracaju Vice Presidente Nelson Rego - AGB Porto Alegre Secretaria Djoni Roos - AGB Marechal Cândido Rondon Tesouraria Sinthia Cristina Batista - AGB Cáceres Coordenação de Publicações Edvaldo César Moretti - AGB Dourados Alexandre Bergamin Vieira - AGB Presidente Prudente Mestres de Edição Hindenburgo Francisco Pires Pedro Henrique Oliveita Gomes Tiago Bassani Rech Representação junto ao Sistema CONFEA/CREA Titular: Cristiano Silva da Rocha – AGB-Porto Alegre Suplente: Victor Alberto de Souza Junior Representação junto ao Conselho das Cidades Arlete Moyses Rodrigues – AGB - São Paulo/SP Suplente: Yure Silva Lima Correio eletrônico: nacional@agb.org.br Página na internet: http://www.agb.org.br 2 ISSN 0102-8030 Terra Livre Publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros ANO 26 – V ol. 1 Vol. NÚMERO 34 Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 1-281 Jan-Jun/2010 3 TERRA LIVRE Conselho Editorial Adauto de Oliveira Souza (UFGD) Ailton Luchiari (USP) Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS) Alexandrina Luz Conceição (UFS) Anselmo Alfredo (USP) Amélia Cristina (AGB-RJ) Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS) Ana Fani Alessandri Carlos (USP) Ângela Massumi Katuta (UEL) Antonio Carlos Vitte (UNICAMP) Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente) Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP) Arthur Magon Whitacker (UNESP/Pres. Prudente) Beatriz Ribeiro Soares (UFU) Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP) Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente) Charlei Aparecido da Silva (UFGD) Cristiane Cardoso (AGB-RJ) Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP) Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS) Douglas Santos (PUC/SP) Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente) Flaviana Gasparotti Nunes (UFGD) Francisco Mendonça (UFPR) Genilton Rocha (AGB-RJ) Hindenburgo Francisco Pires (AGB-RJ) Horácio Capel Sáez (Universidade Barcelona/Espanha) João Cleps Júnior (UFU) João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon) Jones Dari Goettert (UFGD) Jorge Montenegro Gómez (UFPR) José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha) Larissa Mies Bombardi (USP) Marcelino Andrade Gonçalves (UFMS/Nova Andradina) Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon) Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão) Márcio Cataia (IG/UNICAMP) Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP) Maria Franco García (UFPB) Maurício A. de Abreu (UFRJ) Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília) Nélson Rego (UFRGS) Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo) Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB) Rafael Straforini (AGB-RJ) Regina Célia Bega dos Santos (IG/UNICAMP) Renato Emerson dos Santos (AGB-RJ) Ricardo Antunes (UNICAMP) Rogério Haesbaert da Costa (UFF) Selma Simões de Castro (UFG) Sérgio Luiz Miranda (UFU) Silvio Simione da Silva (UFAC) Valéria De Marcos (USP) Virgínia Elisabeta Etges (UNISC) Wiliam Rosa Alves (UFMG) Xosé Santos Solla (Univ. Santiago de Compostela/Espanha) Editores responsáveis: Alexandre Bergamim Vieira (AGB-Presidente Prudente) e Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS) Editoração e formatação eletrônica: Tiago Bassani Rech (AGB– Porto Alegre/RS) Arte da capa: Tiago Bassani Rech (AGB – Porto Alegre/RS) Fotografia capa: Silvana Ap. Lucato Moretti (AGB-Dourados) Tiragem: 300 Impressão: Solidus Gráfica e Editora (solidus@graficasolidus.com.br) Av. Antônio de Carvalho, 2079 cep: 91430-001 - Porto Alegre - RS Endereço para Correspondência: Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN) Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade Universitária CEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758 ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SP e-mail: terralivre@agb.org.br Ficha Catalográficca Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986. São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico 1986 – ano 1, v. 1 1987 – n. 2 1988 – n. 3, n. 4, n. 5 1989 – n. 6 1990 – n. 7 10. Geografia – Periódicos 10. AGB. Diretoria Nacional 1991 – n. 8, n. 9 1992 – N. 10 Revista Indexada em Geodados www.geodados.uem.br ISSN 0102-8030 1992/93 – 11/12 (editada em 1996) 1994/95/96 – interrompida 1997 – n. 13 1998 – interrompida 1999 – n. 14 2000 – n. 15 2001 – n. 16, n. 17 2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19 2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21 2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23 2005 – Ano 21, v.1, n. 24 2005 – Ano 21, v. 2, n. 25 2006 – Ano 22, v. 1, n. 26 2006 – Ano 22, v. 2, n. 27 2007 – Ano 23, v. 1, n. 28 CDU – 91 (05) 2007 – Ano 23, v. 2, n. 29 2008 – Ano 24, v. 1, n. 30 2008 – Ano 24, v. 2, n. 31 2009 – Ano 25, v. 1, n. 32 2009 – Ano 25, v. 2, n. 33 2010 – Ano 26, v. 1, n. 34 Solicita-se permuta / Se solicita intercambio / We ask for echange 4 SUMÁRIO EDITORIAL 09 ARTIGOS 15 REDES AS E GEOGRAFIA EM REDE: AS NOV TIV SOCIAIS COLABORA TIVAS COLABORATIV NOVAS AS FORMAS DE APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO SOCIAL NO SÉCULO XXI 17 - 36 HINDENBURGO FRANCISCO PIRES CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESP ACIAL. FETICHE DO CAPIT AL E SPACIAL APITAL SOCIABILIDADE CRÍTICA. 37 - 62 ANSELMO ALFREDO A TRAJETÓRIA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: UMA BREVE INTERPRETAÇÃO AÇÃO INTERPRET 63 - 68 ROBERTO LOBATO CORRÊA AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE. CRISE NAS CIDADES OU CRISE DAS CIDADES? 69-78 REGINA CÉLIA BEGA DOS SANTOS “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS DO “DESMUNDO”: AÇO EM “DOBRAS” DA LITERA TURA E DO CINEMA ESPAÇO ITERATURA PENSANDO O ESP JONES DARI GOETTERT 79-108 ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA? DAS PRÁTICAS E DOS SABERES ESP ACIAIS À CONSTRUÇÃO DO ESPACIAIS CONHECIMENTO GEOGRÁFICO NA ESCOLA 109-124 MARCOS ANTÔNIO CAMPOS COUTO GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO: A DIMENSÃO AS NO ENSINO TIV ESPACIAL TIVAS AFIRMATIV ACIAL DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMA ESP 125-140 ALEX RATTS ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO: QUESTÕES A PARTIR DA LEI 10.639 141-160 RENATO EMERSON DOS SANTOS VÍDEOS, RRESISTÊNCIAS E GEOGRAFIAS MENORES LINGUAGENS E MANEIRAS CONTEMPORÂNEAS DE RESISTIR WENCESLAO MACHADO DE OLIVEIRA JR 161-176 5 LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO ENSINO DE GEOGRAFIA SHOKO KIMURA COMPLEXIDADE DO ESP AÇO AGRÁRIO BRASILEIRO: O ESPAÇO AGROHIDRONEGÓCIO E AS (RE)EXISTÊNCIAS DOS POVOS CERRADEIROS MARCELO MENDONÇA A DESCONTRUÇÃO DA VIMENTO NO DOUTRINA DO DESENVOL DESENVOLVIMENTO ESPÍRITO SANTO - BRASIL PAULO CÉSAR SCARIM NOT AS NOTAS CONSELHO DAS CIDADES – UMA AVALIAÇÃO 177-188 189-202 203-220 221 ARLETE MOYSES RODRIGUES 223-230 RELA TÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE RELATÓRIO CAMPO XV ENG - 2008 231-252 DIETER HEIDEMAN FERNANDA PINHEIRO LÉA MALINA MAÍRA PINHEIRO MARCELA DIAS RESENHA. 253 A DOBRA – LEIBNIZ E O BARROCO 255-258 DELEUZE,, GILLES. A DOBRA – LEIBNIZ E O BARROCO. CLÁUDIO BENITO O. FERRAZ NORMAS NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 261-266 COMPÊNDIO 267 COMPÊNDIO 6 259 DOS NÚMEROS 269-280 SUMMAR Y/SUMARIO SUMMARY/SUMARIO FOREWORD/EDITORIAL 11 ARTICLES/ ARTÍCULOS 15 REDES SOCIALES DE COLABORACIÓN Y GEOGRAFÍA EM RED: NUEV AS UEVAS FORMAS DE APROPIACIÓN DEL CONOCIMIENTO SOCIAL EN EL SIGLO XXI COLLABORA OLLABORATIVE TIVE SOCIAL NETWORKS AND GEOGRAPHY IN THE N ET: NEW FORMS OF SOCIAL APPROPRIA Y PPROPRIATION ENTURY TION OF KNOWLEDGE IN THE XXI CENTUR HINDENBURGO FRANCISCO PIRES 17 - 36 IMMANENT CRISES, SPATIAL ABSTRACTION. FETISH OF CAPIT AL AND CRITICAL APITAL SOCIABILITY ANSELMO ALFREDO THE TRAJECTOR Y OF THE BRAZILIAN GEOGRAPHY TRAJECTORY TRA RAYECTORIA YECTORIA DE LA G EOGRAFÍA B RASILEÑA ROBERTO LOBATO CORRÊA 37 - 62 63 - 68 THE CITIES AND URBANIZA TION IN CONTEMPORAR Y TIMES. CRISIS CRISIS IN URBANIZATION CONTEMPORARY CITIES OR TOWNS? LAS CIUDADES Y LA URBANIZACIÓN EN LA ÉPOCA CONTEMPORÁNEA. CRISIS DE LA CRISIS EN LAS CIUDADES O PUEBLOS? REGINA CÉLIA BEGA DOS SANTOS “DE-IMAGINING” BY THE MARGINS OF “DE-WORLD”: THINKING THE TURE AND C INEMA ACE IN FOLDS OF THE LITERA ITERATURE SPACE SP EL MUNDO POR LAS IMÁGENES DEL “DESMUNDO”: PENSANDO ACIO EN “DOBLAS” DE LA LITERA TURA Y DEL C INEMA ESPACIO ITERATURA EL ESP JONES DARI GOETTERT THE “DESIMAGINANDO” 69-78 WORLD PRÁCTICAS Y CONOCIMIENTO DEL ESP ESPACIO ACIO A LA CONSTRUCCIÓN DEL DE CONOCIMIENTO GEOGRÁFICO EN LA ESCUELA PRA RATIQUES SAVOIR ESPACE TIQUES ET DU SA VOIR DE L’ESP ACE A LA CONSTRUCTION DES CONNAISSANCES GÉOGRAPHIQUE À L’ÉCOLE MARCOS ANTÔNIO CAMPOS COUTO 79-108 109-124 GEOGRAPHY, ETHNIC-RACIAL RELA TIONS AND EDUCA TION: THE SP RELATIONS EDUCATION SPA ATIAL DIMENSION TIVE ACTION POLICIES IN EDUCA TION AFFIRMATIVE EDUCATION OF AFFIRMA GÉOGRAPHIE, RELA TIONS ETHNIQUE- RA TIALES ET ÉDUCA TION: LA DIMENSION RELATIONS RATIALES ÉDUCATION TIVES DANS L’ENSEIGNEMENT AFFIRMATIVES SPA SP ATIALE DES POLITIQUES D’ACTIONS AFFIRMA ALEX RATTS 125-140 THE TEACHING OF GEOGRAPHY AND CURRICULUM: MA MATTERS TTERS FROM THE LAW 10.639 LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA Y EL CURRÍCULO: CUESTIONES A PARTIR DE LA LEY 10.639 141-160 RENATO EMERSON DOS SANTOS VIDEOS, RESISTENCES AND MINOR GEOGRAPHIES: LANGUAGES AND Y WAYS OF RESISTING CONTEMPORARY CONTEMPORAR VIDEOS, RESISTENCIAS Y GEOGRAFIAS MENORES LENGUAJES Y FORMAS CONTEMPORÁNEAS DE LA RESISTENCIA 161-176 WENCESLAO MACHADO DE OLIVEIRA JR 7 LANGUAGE AND PRODUCTION OF MEANING IN THE TEACHING OF GEOGRAPHY LANGUE ET PRODUCTION DU SENS DANS L’ENSEIGNEMENT DE LA GÉOGRAPHIE SHOKO KIMURA 177-188 COMPLEJIDAD DEL ESP ACIO AGRARIO BRASILEÑO: EL ESPACIO (RE)EXISTENCIAS DE LOS PUEBLOS CERRADEROS COMPLEXITY OF THE BRAZILIAN AGRARIAN SP ACE: THE SPACE: AGROHYDROBUSINESS AND THE (RE)EXISTENCES OF THE CERRADEIROS PEOPLES M ENDONÇA MARCELO 189-202 THE DECONSTRUCTION OF DEVELOPMENT DOCTRINE IN ESPÍRITO SANTO BRASIL LA DECONSTRUCCIÓN DE LA DOCTRINA DEL DESARROLLO EN EL ESPÍRITO SANTO - BRASIL PAULO CÉSAR SCARIM 203-220 AGROHIDRONEGOCIO Y LAS NOTES/NOT AS NOTES/NOTAS COUNCIL OF THE CITY - AN EV ALUA TION EVALUA ALUATION CONSEJO DE LA CIUDAD - UNA EV ALUACIÓN EVALUACIÓN ARLETE MOYSES RODRIGUES COMMISSION REPORT OF FIELD WORK XV ENG - 2008 INFORME DE LA COMISIÓN DE TRABAJO DE CAMPO XV ENG - 2008 DIETER HEIDEMAN FERNANDA PINHEIRO LÉA MALINA MAÍRA PINHEIRO MARCELA DIAS RESENHAS 221 223-230 231-252 253 THE PAIR - LEIBNIZ AND THE BAROQUE LA PAREJA - LEIBNIZ Y EL BARROCO 255-258 DELEUZE,, GILLES. A DOBRA – LEIBNIZ E O BARROCO. CLÁUDIO BENITO O. FERRAZ ST ANDARDS/NORMAS STANDARDS/NORMAS 259 STANDARDS FOR PUBLICATION NORMAS PARA PUBLICACIÓN 261-266 COMPENDIUM/COMPENDIO COMPENDIUM OF THE PREVIUS NUMBERS COMPENDIO DE LAS ANTERIORES 8 267 269-280 EDITORIAL Estamos finalizando nossa Gestão (2008-2010) com a certeza do dever cumprido. Nossa certeza está fundamentada na luta contínua para o pensar e o fazer uma AGB em Movimento. A nossa Associação tem basicamente a mesma origem do Curso de Geografia no Brasil, e durante os 76 e 78 anos que se distanciam no tempo e espaço da resistência por uma geografia comprometida com o conhecimento científico, a Revista Terra Livre é fruto desse processo. Estamos publicando a Revista Terra Livre número 34. Temos também a satisfação de ter garantido a colocação no sítio-web da entidade de forma digitalizada de praticamente todos os números da nossa Revista. Neste último número, nosso objetivo foi o de trazer debates que se apresentam no XVI ENG, que se realiza na cidade de Porto Alegre, e que têm como temática central: “CRISE, PRÁXIS E AUTONOMIA: ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA E DE ESPERANÇAS”. A proposta do tema é fomentar a discussão da CRISE. O que vemos hoje é uma sociedade paralisada e atônita, que tomou como natural a pobreza, o analfabetismo, a indigência, o agronegócio, a monocultura, a falta de terra, a falta de moradia, a falta de comida, a falta de ar puro, a falta de trabalho. Dentro deste contexto, que não é só mundial, mas é também regional e local, propomos que a Geografia sirva de instrumento para balizar esta discussão. Nessa dimensão, é que remetemos à PRÁXIS do geógrafo, à sua formação, experiência; AUTONOMIA que se expressa em uma dimensão latente nas diferentes escalas de atuação dos/as geógrafos/as e nas diferentes concepções sobre o conhecimento geográfico. Produzir significa pensar e analisar o existente, ir além dele como idéia e práxis, produzir é praticar as utopias. É dialogar com o indeterminado; o que surge como expressão de práticas, na luta nos ESPAÇOS DE RESISTÊNCIAS, e na busca dos ESPAÇOS DE ESPERANÇA. Convidamos para apresentar esta discussão todas/os palestrantes das Mesas do XVI Encontro Nacional de Geógrafos. Desses, 12 atenderam nossa solicitação enviando seus textos para serem publicados, que colocamos à disposição nesse número 34 da TL. É compreendendo que a AGB é o campo de força da práxis, que trazemos também neste número 34 a publicação de um texto relatando a importante e motivadora atividade do Trabalho de Campo realizado no XV ENG, na cidade de São Paulo em 2008, como também o texto CONSELHO DAS CIDADES – UMA AVALIAÇÃO, texto elaborado por Arlete Moysés Rodrigues, nossa Representante da AGB no segmento Entidades Acadêmicas, Profissionais e de Pesquisa, com a contribuição dos colegas da Coordenação Executiva da 4ª. Conferência das Cidades (2010), em especial pela comissão de sistematização. É com as palavras escritas que cantam o Grande Sertão: Veredas, que afirmamos, “[...] tudo não acabava sem um fim”. COLETIVO DA DIRETORIA EXECUTIV A NACIONAL GESTÃO 2008 - 2010 XECUTIVA 9 10 EDITORIAL Our Management (2008-2010) is about to come to an end and we are sure to have fulfilled our duty. This confidence is based on our constant struggle in order to think and to make an AGB in Motion. Our Association has basically the same origin of the Geography Course in Brazil, and during the 76 and 78 years that come apart due to time and space of the resistance to the Geography which is compromised with the scientific knowledge, the Magazine Terra Livre (Free Land) is the fruit of this process. We are publishing the Magazine Terra Livre (Free Land), number 34. We also have the satisfaction to have guaranteed that all the editions of our Magazine are now available in the website in a digital format. In this last edition, our aim was to bring to light the debates that were presented in the XVI ENG, which happened in the city of Porto Alegre, and whose central thematic was “CRISES, PRAXIS AND AUTONOMY: SPACES OF RESISTANCE AND OF HOPES “. The proposal of the theme is to initiate the discussion about CRISES. What we see today is a paralyzed and thunderstruck society that understands aspects as poverty, illiteracy, indigence, agrobusiness, monoculture, and lack of land, lack of housing, lack of food, lack of fresh air, and lack of employment as something natural. Within this context – that is not only a worldwide one, but also a national and local one –, we suggest that Geography should play the role of an instrument that is to lead such discussion. In this dimension, we address the PRAXIS of the geographer, their formation, experience; AUTONOMY that is expressed in a latent dimension in the different performance scales of the geographers and in the different conceptions of the geographic knowledge. Producing means thinking and analyzing what exists. It is going beyond as idea and praxis. Producing is going for utopias. It is talking with the uncertain. Hence, this comes about as the expression of the practices, in the struggle in the SPACES OF RESISTANCE, in the quest for the SPACES OF HOPE. We invited all the lecturers in the Boards of the XVI National Geographers’ Meeting to present this discussion. Among those, 12 have complied with our request by sending their texts to be published, and these are available in this number 34 of our magazine. By understanding that the AGB is the force field of the praxis that we also bring in this number 34 a text reporting an important and motivating activity in the field work performed in the XV ENG, in the city of São Paulo in 2008, as well as the text CITIES COUNCIL – AN EVALUATION, a text written by Arlete Moysés Rodrigues, our AGB representative in the segment ‘Academic, Professional and Research Entities’ with a contribution from the colleagues from the Executive Coordination from the 4th Cities Conference (2010), specially by the systematization commission. And with the words sung in Grande Sertão: Veredas, that we state, “[...] tudo não acabava sem um fim” – “[...] everything never finishes without an end”. BOARD OF THE NATIONAL EXECUTIVE DIRECTORSHIP / MANAGEMENT 2008 - 2010 11 12 EDITORIAL Estamos finalizando nuestra Gestión (2008-2010) con la seguridad de deber cumplido. Nuestra seguridad está fundamentada en la lucha continua para el pensar y el hacer de una AGB en Movimiento. Nuestra Asociación tiene básicamente el mismo origen del Curso de Geografía en Brasil, y durante los 76 y 78 años que se distancian en el tiempo y espacio de la resistencia por una geografía comprometida con el conocimiento científico, la Revista Terra Livre es fruto de ese proceso. Estamos publicando la Revista Terra Livre numero 34. Tenemos también la satisfacción de haber garantizado la colocación en el sitio de la entidad de forma digitalizada de prácticamente todos los números de nuestra Revista. En este último número, nuestro objetivo fue traer debates que se presentaban en el XVI ENG, que ha sido realizado en la ciudad de Porto Alegre, y que tuvo como temática central: “CRISIS, PRAXIS Y AUTONOMIA: ESPACIOS DE RESISTENCIA Y DE ESPERANZAS”. La propuesta del tema es fomentar la discusión de la CRISIS. Lo que vemos hoy es una sociedad paralizada y atónita, que tomó la pobreza como algo natural, el analfabetismo, la indigencia, el agronegocio, el monocultivo, la falta de tierra, la falta de vivienda, la falta de comida, la falta de aire puro, la falta de trabajo. En este contexto, que no es solo mundial, pero también regional y local, proponemos que la Geografía sirva de instrumento para balizar esta discusión. Esa dimensión es la dimensión en que remetemos a la PRAXIS del geógrafo, a su formación, experiencia; AUTONOMÍA que se expresa en una dimensión latente en las diferentes escalas de actuación de los/las geógrafos/as y en las diferentes concepciones sobre el conocimiento geográfico. Producir significa pensar y analizar lo que ya existe, ir más allá de su propio significado como idea y praxis, producir es practicar las utopías. Es dialogar con lo indeterminado; lo que surge como expresión de prácticas, en la lucha en los ESPACIOS DE RESISTENCIAS, y en la búsqueda de los ESPACIOS DE ESPERANZA. Invitamos a presentar esta discusión a todas/os conferenciantes de las Mesas del XVI Encuentro Nacional de Geógrafos. De estos, 12 atendieron nuestra solicitud enviando sus textos para publicación, y ellos están disponibles en ese numero 34 de la TL. Es comprendiendo que la AGB es el campo de fuerza de la praxis, que traemos también en este número 34 la publicación de un texto relatando la importante y motivadora actividad del Trabajo de Campo realizado en el XV ENG, en la ciudad de São Paulo en 2008, y también el texto CONSEJO DE LAS CIUDADES – UNA EVALUACIÓN, texto elaborado por Arlete Moysés Rodrigues, nuestra Representante de la AGB en el segmento Entidades Académicas, Profesionales y de Investigación, con la contribución de los compañeros de la Coordinación Ejecutiva de la 4ª Conferencia de las Ciudades (2010), en especial por la comisión de sistematización. Es con las palabras escritas que cantan el Grande Sertão: Veredas, que afirmamos, “[...] tudo não acabava sem um fim” - “[...] todo no terminaba sin un fin”. COLECTIVO DE LA DIRECCIÓN EJECUTIV A NACIONAL G ESTIÓN 2008 - 2010 JECUTIVA 13 14 ARTIGOS 15 16 REDES SOCIAIS AS E TIV TIVAS OLABORATIV COLABORA GEOGRAFIA EM REDE: AS NOV AS OVAS FORMAS DE APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO SOCIAL NO SÉCULO XXI REDES SOCIALES DE COLABORACIÓN Y GEOGRAFÍA EM RED: NUEV AS FORMAS DE UEVAS APROPIACIÓN DEL CONOCIMIENTO SOCIAL EN EL SIGLO XXI COLLABORA OLLABORATIVE TIVE SOCIAL NETWORKS AND GEOGRAPHY IN THE NET: NEW FORMS OF SOCIAL APPROPRIA PPROPRIATION TION OF KNOWLEDGE IN THE XXI CENTUR Y ENTURY HINDENBURGO FRANCISCO PIRES UERJ http://www.cibergeo.org Resumo: A difusão do conhecimento científico da área de Geografia, na Internet, vem sendo efetuada através de revistas eletrônicas e online, e também a partir da apropriação e do uso, de sítios de entidades e instituições, redes sociais e acadêmicas, espaços públicos eletrônicos (listas), blogs, cursos e materiais didáticos, banco de dados, livros eletrônicos (e-Books) e bibliotecas digitais, etc. Esta pesquisa financiada pela FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, tem os seguintes objetivos: a) debater os conceitos de saber vivo e trabalho imaterial na formação da razão contra-hegemônica ao capitalismo; b) analisar a participação das redes sociais colaborativas no processo de apropriação pública do conhecimento científico; c) contribuir para fortalecer as pesquisas sobre a Geografia em Rede; d) revelar como a criação de Geotecnologias surge da práxis colaborativa de seus desenvolvedores; e) evidenciar o papel da Educação na nova economia do conhecimento. Nessa pesquisa, foram propostas algumas perspectivas metodológicas para os estudos sobre a apropriação social do conhecimento através de redes sociais colaborativas, para organização e difusão do trabalho científico e para articulação de ações colaborativas e educacionais. Palavras chaves: Redes Sociais Colaborativas - Geografia em rede Saber Vivo -Trabalho Imaterial - Revistas Eletrônicas. Resumen: La difusión de los conocimientos científicos en el campo de la geografía, en la Internet, se lleva a cabo a través de revistas electrónicas y online, y también de la apropiación y uso de los sitios web de organizaciones e instituciones, redes sociales en colaboración y redes académicas, espacios públicos electrónicos, blogs, cursos y material didáctico, bases de datos, libros electrónicos (e-Books) y bibliotecas digitales, etc. Esta investigación financiada por FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, tiene los siguientes objetivos: a) examinar los conceptos de saber vivo y el trabajo inmaterial en la formación de la lucha contra-hegemónica, b) analizar la participación de redes sociales en el proceso de colaboración para la propiedad pública de los conocimientos científicos, c) contribuir a fortalecer la investigación en la Geografía en Red, d) explicar cómo la creación de Geotecnologías surge de la práctica de colaboración de sus desarrolladores; e) poner de relieve el papel de la educación en la nueva economía del conocimiento. En este investigación, proponemos algunas perspectivas metodológicas para el estudio de la apropiación social del conocimiento a través de redes de colaboración social, para la compilación y difusión del trabajo científico y de la articulación de acciones educativas y de colaboración. Palabras clave: Redes Sociales de Colaboración - Geografía en Red Saber Vivo -Trabajo Inmaterial - Revistas Electrónicas. Abstract: The dissemination of Geography scientific knowledge on the Internet has been carried out by means of electronic journals online and also by the appropriation and use of entities and institutions sites, social and academic networks, electronic public spaces (lists), blogs, courses and teaching materials, data banks, e-Books and digital libraries etc. This research funded by FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro intends: a) to debate the concepts of live knowledge and immaterial work in the formation of capitalism counterhegemonic reason; b) to analyze the participation of collaborative social networks in the process of public appropriation of knowledge and in the promotion of Geography in the Net: c) to contribute to strengthen researches on Geography in the Net; d) show as the creation of Geotechnologies emerges from collaborative praxis of its developers; e) to highlight the role of Education in the new knowledge-ruled economy. In this research, some methodological perspectives were proposed for the studies about the social appropriation of knowledge through collaborative social networks, so that the scientific work can be organized and disseminated and collaborative educational actions can be articulated. Key words: Collaborative Social Networks – Geography in the Net – Live Knowledge – Immaterial Work – Electronic Journals Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 17-36 Jan-Jun/2010 17 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... INTRODUÇÃO Esta pesquisa1 é originária da necessidade de se investigar temas complexos que se articulam com a Geografia, tais como: internet, geografia do ciberespaço, redes sociais colaborativas, trabalho imaterial, economia do conhecimento, softwares livres, computação em nuvens ou “cloud computing” 2, inovações tecnológicas e acadêmicas, entre outros. O estudo em conjunto de todos esses fatores reflete a necessidade de atualização do pensamento geográfico brasileiro, frente aos desafios colocados para o fortalecimento de uma práxis colaborativa, que assegure a apropriação pública da produção social do conhecimento no limiar do século XXI. Neste sentido, torna-se crucial também pesquisar como os atores dessas redes interagem (Markusen, 2005, p.58)3, utilizam e governam o ciberespaço enquanto mosaico de redes sociotécnicas4 interligadas (Dias, 2004 p.167; Cohen Egler, 2007, p.34) por redes de telecomunicações, computação em nuvens, interfaces e bancos de dados (Pires, 2009b). Assim este artigo tem como propósitos: a) debater os conceitos de saber vivo e trabalho imaterial na formação da razão contra-hegemônica ao capitalismo; b) analisar a participação das redes sociais colaborativas no processo de apropriação pública do conhecimento científico; c) contribuir para fortalecer as pesquisas sobre a Geografia em Rede; d) evidenciar o papel da Educação na nova economia do conhecimento. Nessa pesquisa, também foram propostas algumas perspectivas teóricas e metodológicas para o estudo do processo de apropriação pública do conhecimento através de redes sociais colaborativas, para organização e difusão do trabalho científico e para articulação de ações colaborativas e educacionais. SABER VIVO E FORMAÇÃO DA RAZÃO CONTRA-HEGEMÔNICA No artigo que escrevi, em 1992, “As “Metamorfoses” Tecnológicas do Capitalismo no Período Atual”, inspirado em leituras que havia efetuado dos Grundrisse (manuscritos) de Karl Marx (1857-1858), fiz uma breve reflexão sobre o processo de negação do trabalho vivo ocasionado pelos avanços da ciência e pelas inovações tecnológicas. Nessas leituras, constatei assim como também o fez André Gorz (2005, p.15-16), baseado na leitura de Marx, que a participação da ciência, enquanto modalidade de produção do conhecimento social (Social Knowledge), havia alterado a composição do trabalho, do valor e do capital, dentro do processo produtivo capitalista. E que às conquistas produzidas pelas inovações oriundas do avanço técnico-científico acentuaram “em nome de um pretenso progresso científico, o processo de apropriação privada do caráter social da produção científica, convertendo-a mais em ameaça do que em benefício para a forma material da produção social ... O uso de técnicas científicas no processo de produção capitalista, 1 Essa pesquisa recebe o apoio do Programa de Bolsa de Estudos para Estágio Pós-Doutoral no Exterior da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 2 Na Web 2.0, as nuvens computacionais constituem uma convergência complexa de hardwares e softwares, estruturada em um ambiente virtual colaborativo, que pode ser utilizado para congregar atividades e serviços a serem operados em multiplataformas por empreendedores, usuários e consumidores. 3 Segundo Ann Markusen, no artigo: “Mudança econômica regional segundo o enfoque centrado no ator” (2005, p.58): “Em narrativas causais, os atores foram substituídos por processos, tais como aglomeração. Em vez de atores dando forma à geografia econômica, atribuem-se papéis causais a fenômemos subteorizados tais como ‘aprendizagem’ e ‘redes’.” 4 Leila Christina Dias, no artigo: “A importância das redes para uma nova regionalização brasileira: Notas para discussão.” (2004, p.167), apoiada nas idéias de Milton Santos, também procurou destacar o papel dos atores na modelagem das redes: “... a interação entre as redes e os territórios pressupõe reconhecer que estamos diante de duas lógicas distintas. De um lado, a lógica das redes, definida pelos agentes hegemônicos que desenham, modelam e regulam. Parece essencial conhecer suas ações, identificando as estratégias dos agentes e a maneira como as redes são desenhadas e administradas. De outro lado, a lógica dos territórios, aqui concebidos como arenas ...” 18 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 muitas vezes, foi condicionado pelos investimentos em pesquisa, pela busca constante de obtenção de lucros, competitividade, produtividade e poderio bélico”. (Pires, 1992) Nos Grundrisse também constam anotações referentes ao uso do conhecimento como a principal fonte de riqueza na produção. Nestes manuscritos, Marx afirmou que trabalho vivo iria, por conseqüência, deixar de ser a medida da riqueza criada e esta por sua vez prescindiria do tempo de trabalho e do quantum de trabalho despendido; ela passaria a depender cada vez mais do emprego da ciência e dos avanços nas técnicas de produção. A apropriação privada do caráter social da produção científica é processo lógico da acumulação capitalista. No período atual, as tecnologias de informação revalorizaram as imprescindíveis formas do saber, pois elas são inerentes a cada ser humano, são subjetivas: “o saber da experiência, o discernimento, a capacidade de coordenação, de auto-organização e de comunicação” (Gorz, 2005). Esse conjunto de subjetividades forma o saber vivo que se transforma em capital humano nas empresas. O incremento do saber vivo e do conhecimento social acumulado no processo de produção, Marx chamou de composição de trabalho abstrato, hoje a produção de bens não tangíveis requer uma composição de trabalho abstrato ou imaterial constituído sob a forma de software 5. No limiar do século XXI, o que presenciamos, é um momento potencialmente diferenciado de emergência de uma razão contra-hegemônica, em que a sociedade através de suas redes sociais passa a se re-apropriar da produção social do conhecimento e do saber vivo. Segundo André Gorz: “O saber em princípio não aceita ser manipulado como mercadoria. Os custos de sua produção muitas vezes não podem ser determinados, e seu valor mercantil não pode ser auferido de acordo com o tempo de trabalho necessário que foi gasto em sua criação”. (Gorz, 2005) Este movimento de apropriação social do conhecimento livre está fortalecendo ações contra-hegemônicas em favor da socialização do conhecimento, essas ações são efetuadas voluntariamente através de redes sociais colaborativas, não comerciais, formadas eminentemente por educadores, cientistas, artistas e leigos, que trabalham em pró da produção do software livre ou código aberto. A computação em nuvens ou “cloud computing” agrega sistemas, serviços e ambientes virtuais que ampliam as possibilidades do trabalho colaborativo. Outra importante forma de redes sociais colaborativas são as comunidades de espaço coletivo. Designers de várias regiões do mundo utilizam esta forma de produção coletiva, o exemplo mais notável é o Cargo Collective (http://cargocollective.com/). A adesão de inúmeros cientistas e pesquisadores a esta forma de produção coletiva, não competitiva, constitui o princípio motor do novo paradigma da colaboração (Dowbor, 2008). PERSPECTIV AS TEÓRICAS RECENTES ERSPECTIVAS SOCIAL DO CONHECIMENTO SOBRE REDES SOCIAIS E APROPRIAÇÃO Na área da Sociologia, os estudos sobre rede social representam um campo de investigação de longa tradição. O aperfeiçoamento das pesquisas e a análise de suas relações ajudaram a fundamentar a Teoria das Redes. Alguns estudos e pesquisas, nesta direção, na área da sociologia e da economia refor5 Os autores do Livro “Capitalismo cognitivo: trabalho, redes e inovação, no Prefácio sobre a importância do software no período atual, destacaram: “o software funciona como elo estratégico entre essa base operacional e as formas de cooperação social que se estabelecem entre os usuários, principalmente os produtores de informação e conhecimento. Daí o forte embate do movimento do software livre contra a propriedade intelectual e corporativa dos recursos operacionais dos computadores”. (Cocco et al, 2003, p. 9) 19 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... çaram o escopo das reflexões sobre o tema ao tratar do surgimento da economia do conhecimento, do trabalho imaterial e das relações de trabalho nas redes sociais de colaboração ou de cooperação (Sáez, 2004; Sádaba, 2009). Na área da Geografia, os estudos atinentes à rede social fortaleceram as pesquisas sobre a Geografia das Redes (Pires, 2009b) e, mais recentemente, estão aprimorando as pesquisas sobre a Geografia em Rede (Pires, 2004; 2009a; Capel, 2009, 2010). Ao longo de sete anos de trabalho ministrando a disciplina “Ciberespaço e Sociedade da Informação” no mestrado de Geografia da UERJ (2003-2010), tive a possibilidade de desenvolver estudos e pesquisas na área de pesquisa da Geografia do Ciberespaço. O resultado desse trabalho tem sido apresentado em eventos acadêmicos nacionais e internacionais e tem se concretizado através de um conjunto de publicações que se inter-relacionarem e se complementam (Anexo, Quadro1). O conjunto dessas pesquisas é fruto de estudos que venho efetuando para o aprimoramento dos conteúdos referentes ao campo de conhecimento da disciplina Ciberespaço e Sociedade da Informação, o fato de ter participado e ter debatido com colegas em vários eventos nacionais e internacionais, conduziram-me à necessidade de investigar temas complexos que se articulam com a Geografia como: ciberespaço, redes, trabalho imaterial, economia do conhecimento, inovações tecnológicas e acadêmicas. REDES ACADÊMICAS E PESQUISAS DA GEOGRAFIA DO CIBERESP AÇO IBERESPAÇO Existem duas perspectivas metodológicas para os estudos da Geografia do Ciberespaço: a primeira, a Geografia das Redes, que está relacionada ao estudo da gênese da implantação e do planejamento urbano das redes tecnológicas que compõe o ciberespaço; a segunda, a Geografia em Rede, que estuda a apropriação e o uso sociais dessas redes para organização e difusão do trabalho científico e para articulação de ações colaborativas e educacionais. Nesta pesquisa, nosso objeto de estudo tem sido a Geografia do Ciberespaço, que é ao mesmo tempo uma resultante do aprimoramento e da fusão destas duas perspectivas de enfoques metodológicos da Geografia: a Geografia das redes e a Geografia em Rede. A diversidade da produção na área da Geografia do Ciberespaço6, para além da representação de uma alucinação, já foi evidenciada por Martin Dodge e Rob Kitchin7. Esta subárea de pesquisa, denominada, por várias instituições internacionais, de Geografia do Ciberespaço, também foi chamada de Geociberespaço, por Henry Bakis (2001), Cibergeografia, por David Horn (2003) e Tecnoespaço por Angelo Turco (2002). Esses estudos constituem um esforço recente que vem se expandindo principalmente pela necessidade de se estabelecer as bases conceituais e metodológicas que expliquem como se organizam, no território, as redes de: telecomunicações, computadores, programas, interfaces, bancos de dados e como essas redes vêm se modificando pela dinâmica da expansão da internet O esquema teórico (Quadro 2) a seguir revela e delimita como estes dois enfoques ou perspectivas formam e articulam os cenários da pesquisa que iremos desenvolver. 6 O termo ciberespaço foi utilizado pelo autor de ficção científica William Gibson, no livro Neuromancer, para descrever a experiência cognitiva (alucinação) vivenciada diariamente por bilhões de indivíduos, em todas as nações, extraída dos bancos de dados de todos os computadores do sistema humano (Gibson, 2008, p. 69). O ciberespaço de Gibson nos remete à Internet enquanto “dimensão” virtual abstrata, cuja natureza aparentemente é “não-territorial”, “pós-orgânico”, “imaterial”, presente na experiência de seus usuários. 7 Consultar na Internet “The Geography of Cyberspace Directory”: http://personalpages.manchester.ac.uk/staff/m.dodge/cybergeography/geography_of_cyberspace.html 20 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 Quadro 2 Perspectivas Teóricas e Metodológicas da Geografia do Ciberespaço 1º Perspectiva - Geografia das Redes a) Estudos e pesquisas sobre: 1. Gênese e tipologia das redes; 2. Técnica e tecnologia empregadas; 3. Arquitetura e topologia de rede; 4. Políticas públicas e planejamento da rede nacional de pesquisa. 2º Perspectiva - Geografia em Redes a) Estudos e pesquisas sobre: 1. Redes sociotécnicas; 2. Redes sociais colaborativas; 3. Redes acadêmicas e científicas; 4. Práxis nas redes: colaborativas e pedagógicas; 5. Usos sociais das redes: produção, difusão e apropriação do conhecimento. b) Enfoque ontológico – conhecimento do b) Enfoque epistemológico – conhecimento do saber ser. ser. - análise da natureza das relações. - análise do significado/ análise do discurso. c) objeto – o em si, (ênfase na techné e na c) objeto – o para si, a representação, o physis). significado e seus sujeitos (ênfase no logos). - forma, estrutura, organização. - conteúdo, processo, articulação, colaboração. d) A cibergeografia das redes tecnológicas, d) A cibergeografia nas redes acadêmicas de acadêmicas e de pesquisa tem por objetivo Geografia tem por objetivo estudar como se analisar e desvendar suas origens, articula e organiza o saber geográfico através articulações, relações e fluxos (Geografizar de uma rede (Geografizar em rede). a rede). Esquema Teórico: Elaborado pelo autor, 2010. Embora as pesquisas sobre a geografia das redes estejam sendo realizadas e já esteja acontecendo a Geografia em redes no Brasil, a institucionalização da Geografia do Ciberespaço ainda está para ser realizada na grande totalidade das Instituições de Ensino Superior - IES - que possuem curso de Geografia nas suas unidades acadêmicas. O ciberespaço brasileiro é hoje um complexo territorial articulado de redes sóciotecnológicas em conexão e em permanente expansão. A história da “informatização do território”, da implantação de estruturas virtuais de acumulação ou da formação do ciberespaço brasileiro é fruto da ação de sujeitos sociais, dos avanços tecnológicos, da evolução das redes acadêmicas (Gráfico1) e também da espacialização dos pontos de presença (pops) no backbone da RNP. (Pires, 2010). 21 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... No Brasil, a Geografia das Redes possui uma extraordinária diversidade de enfoques teórico-metodológicos (Quadro 3), a maioria desses enfoques busca compreender a origem, a forma, a estrutura, a função e a organização das redes no território. Essa diversidade é representada pelos seguintes pesquisadores e campos temáticos: Pedro Pinchas Geiger: evolução da rede urbana brasileira (1963); Roberto Lobato Corrêa: rede urbana (1988, 1994); Helena Kohn Cordeiro: rede nacional de telex e mudanças na localização das sedes bancárias no centro de São Paulo (1989, 1992); Milton Santos: urbanização brasileira, redes sociotécnicas e a geografia das redes (1993, 1996); Milton Santos e Maria Laura Silveira: redes e estruturas de engenharia do Brasil (2001); Leila Christina Dias: redes sociotécnicas, rede de telecomunicações e redes bancárias (1996, 2004, 2005). Entretanto, os estudos sobre redes, desde o período de Pedro Pinchas Geiger (1963) a Milton Santos (1993, 1996), trabalharam em um contexto diferente do atual, por isso é necessário propor outras teorias, métodos e procedimentos para a investigação das novas formas de produção e de apropriação do conhecimento geográfico em redes no século XXI. 22 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 Quadro3 Enfoques teórico-metodológicos da Geografia das Redes Enfoques teóricos-metodológicos Evolução Da Rede Urbana Brasileira Redes Territoriais de Comunicação Redes Urbanas e de Gestão Serviços, Firmas, Bancos Redes Sociotécnicas; Redes Técnicoinformacionais, Sistemas de Engenharia, Acréscimos Redes Técnicoinformacionais Sistemas de Engenharia, Acréscimos Redes Transacionais Política, Economia Redes Geográficas Estudos sobre origem das Redes Redes Urbanas e Econômicas Serviços, Petróleo Redes Sociotécnicas: Estudos sobre origem das Redes, Bancos, Telecomunicações Redes Técnicas: Bancos, Ciberespaço, Estruturas Virtuais de Acumulação, Redes de Sociais e Acadêmicas Redes Técnicas e Redes Urbanas Autores Pedro Pinchas Geiger Helena Kohn Cordeiro Correa, Roberto Lobato Ano 1963 1989 1989 Santos, Milton 1995 Silveira, Maria Laura e Santos, Milton Machado, Lia Osório 2001 1998 Ribeiro, Miguel Angelo 2000 Egler, Claudio Antônio & Pires do Rio, Gisela Dias, Leila Christina 2003 2004 Pires, Hindenburgo Francisco 2005 Spósito, Eliseu Savério 2005 Quadro: Elaborado pelo autor, 2010 A pesquisa “Planejamento Urbano do Ciberespaço: A formação territorial de redes comunitárias acadêmicas” (Pires, 2010) segue a orientação do enfoque metodológico da Geografia das Redes, que desenvolvemos recentemente se caracteriza pelos estudos sobre: gênese e tipologia das redes; técnica e tecnologia empregadas (techné); arquitetura e topologia de redes (physis); políticas públicas e planejamento de redes no território. Nesta pesquisa já foram efetuados o estudo histórico sobre as cinco fases de estruturação do ciberespaço no Brasil e a pesquisa sobre a implantação das Redes Comunitárias de Ensino e Pesquisa – Redecomep em Belém, Recife e Rio de Janeiro. O SURGIMENTO DA ECONOMIA DO CONHECIMENTO “A economia do conhecimento que atualmente se propaga é uma forma de capitalismo que procura redefinir suas categorias principais - trabalho, valor e capital – e assim abarcar novos domínios”. (Gorz, 2005) 8 Para André Gorz, o capital do conhecimento, reconhecido como a principal forma do capital humano, é tão antigo quanto o capitalismo industrial, e com as sucessivas inovações tecnológicas que atualmente se processam em intervalos de tempo menores no mundo, o emprego desse tipo de capital, ganha cada vez mais ênfase no atual processo de acumulação capitalista, pois exige mais empenho do saber vivo, do conhecimento técnico, realizado 8 Citação extraída do livro André Gorz “O Imaterial: Conhecimento, Valor e Capital”, p.09. 23 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... através do trabalho imaterial. O valor das mercadorias deixou de ser mensurado em unidades de tempo por produto. A criação de valor passou a ser regida e impulsionada cada vez mais por uma composição relativa de trabalho imaterial. A hegemonia da economia do conhecimento, baseada no trabalho imaterial, transformou o conhecimento e a ciência em motores do processo de acumulação. A inteligência, a criação, o saber vivo e a imaginação são as bases da nova economia do conhecimento. Segundo André Gorz “o coração, o centro da criação de valor, é o trabalho imaterial”. O modelo de produção no capitalismo informacional ou cognitivo passou a requisitar trabalhadores com uma bagagem cultural mais ampla, proveniente de habilidades desenvolvidas fora do ambiente de trabalho e adquiridas com softwares, jogos, esportes, artes, etc. As empresas passaram a considerar vários fatores e externalidades para a estruturação e a composição de seu “capital humano”, pois a inteligência, a imaginação e o saber, juntos, constituem esse capital humano ECONOMIA DO CONHECIMENTO E REDES SOCIAIS Na nova economia do conhecimento em rede, o trabalho passou perversamente a se autoproduzir ou a produzir a si próprio. Este processo está pondo em risco a formalização das relações de trabalho e o assalariamento, que aparentemente estão em vias de extinção. Segundo André Gorz, no auto-emprendimento: “A pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela deve se tornar, como força de trabalho, um capital fixo que exige ser continuamente reproduzido, valorizado. Nenhum constrangimento lhe deve ser imposto do exterior, ela deve ser sua própria produtora, sua própria empregadora e sua própria vendedora, obrigando-se a impor a si mesma constrangimentos necessários para assegurar a viabilidade e a competitividade da empresa que ela é. Em suma, o regime assalariado deve ser abolido”.(Gorz, 2005, p. 23) Segundo, Lazzarato e Negri, o advento do trabalho imaterial representa a superação da divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho material, e nos revela a criatividade como processo social sob dois aspectos: “a) O trabalho se transforma integralmente em trabalho imaterial e a força de trabalho em “intelectualidade de massa” (os dois aspectos que Marx chama General Intellect). b) A intelectualidade de massa pode transformar-se em um sujeito social e politicamente hegemônico.” (Lazzarato & Negri, 2001, p.27) Esta criatividade subversiva sob a forma de General Intellect se manifesta hoje através das redes sociais colaborativas. Segundo Giovanni Alves: “A constituição de uma inteligência coletiva, através das redes digitais, é uma dimensão particular, qualitativamente nova, do processo de virtualização, que é intrínseco a todas as formas sócio-históricas de cooperação social.” (Alves, 2002, p. 113). Uma nova forma de produção coletiva está fortalecendo a produção autônoma de conhecimento através de redes sociais de colaboração. São exemplos desta nova práxis as seguintes iniciativas (Figura 1): Wikipédia; SourceForge; Comunidade Linux; Public Knowledge Project - PKP; YouTube; Flickr; Projeto Genoma; Indimedia; Skype; Second Life; Joomla, Moodle; etc. 24 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 FIGURA 1 Essas redes sociais de colaboração e as redes sociais de relacionamento (Figura 2), em todas as áreas, se expandiram de forma impressionante entre os países 9. Figura 2 9 O mapa de Manyeyes da IBM mostra detalhadamente a concorrência das empresas pelo controle e liderança dessas redes em escala global e como se dá a distribuição das redes sociais mais populares na Internet: <http:// manyeyes.alphaworks.ibm.com/manyeyes/visualizations/most-popular-social-media-networks> 25 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... No que se refere à área de Geografia, pode-se encontrar uma vasta produção de revistas eletrônicas, sítios de entidades e instituições, redes sociais e acadêmicas, espaços públicos eletrônicos ou listas (Lemos, 2002, p.34), blogs, cursos e materiais didáticos, banco de dados, teses, bibliotecas virtuais, etc. Esta modalidade de produzir a Geografia, aos poucos, está se fortalecendo e se formalizando nas instituições de ensino superior e nas redes sociais relacionadas à área de Geografia. Esse universo do ciberespaço tornou-se o objeto de estudo da Geografia em rede. Assim, a Geografia em rede está sendo definida, a partir dessa pesquisa, como a Geografia que se faz com uso de recursos de mediação tecnológica disponíveis na Internet e das novas mídias. Ela vai se constituir a partir de um enfoque metodológico mais orientado à compreensão da natureza dos processos que interferem ou possibilitam a organização, a apropriação social e a difusão do conhecimento em rede. A partir desses estudos é possível a verificação do padrão dominante para a promoção e desenvolvimento de novas redes colaborativas com maior articulação. GEOTECNOLOGIAS E PRÁXIS COLABORA TIVA COLABORATIV A TIV Outra importante rede social colaborativa é a que promove o desenvolvimento das Geotecnologias. Esta rede é resultante da práxis colaborativa de seus desenvolvedores. As Geotecnologias é um conjunto de tecnologias que possibilita a obtenção, a representação de dados e o tratamento de informações georreferenciadas a serem empregadas para a análise geográfica e o planejamento ambiental. As áreas mais fortemente vinculadas ao uso e ao estudo das geotecnologias são: Cartografia; Geomática; Engenharia dos Transportes; Computação Aplicada; Geofísica; Geografia Física. As tecnologias mais utilizadas nesta rede social colaborativa são: Softwares; SIGS; GPS; Imagens de satélites; Google Maps, Google Earth e do WikiMapia, etc. As ações desenvolvidas pelas redes sociais colaborativas e as políticas públicas são essenciais para universalização do acesso à internet, mas têm sido dificultadas pelos custos tanto dos hardwares quanto dos softwares. As dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria dos países Asiáticos, Africanos e da América Latina, para pagarem as taxas exigidas para introduzirem softwares proprietários10 em seus sistemas produtivos e educacionais, principalmente no uso das Geotecnologias (Figura 3), estão praticamente induzindo e forçando às nações que desejam se inserir minimamente na era digital a adotarem softwares de código aberto ou livre. Figura 3 10 Os principais softwares proprietários e de código aberto, baseados na plataforma Windows da Microsoft, utilizados na área das Geotecnologias são: ArcGIS; AtlasGis; Idrisi; Autocad, etc. 26 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 A busca pela liberdade de criação e disseminação solidária de aperfeiçoamentos dos softwares livre e de código aberto (Figura 4)11, entre eles o Linux, foi o impulso necessário e vital para o crescimento, o amadurecimento e o desenvolvimento das redes sociais colaborativas na área de Geotecnologias. Figura 4 A Produção do Conhecimento Geográfico em Rede e Revistas Eletrônicas A produção do conhecimento vem se consubstanciando principalmente através das revistas eletrônicas. No Brasil, 598 revistas eletrônicas brasileiras de diferentes áreas (Gráfico 2) adotaram como sistema padrão o software Open Journal Systems (open sources), desenvolvido pelo Public Knowledge Project, da Universidade British Columbia, traduzido para o Português, pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), com o nome de SEER. 11 Os principais softwares livres e abertos baseados na plataforma Linux – GNU, utilizados pela área das Geotecnologias são: Quantum GIS (QGIS); Spring (1991); gvSIG (Generalitat Valencia - Espanha - Java); PostGIS (British Columbia, Canadá); OSGeo - Mapserver (The Open Source Geospatial Foundation); FreeGis, etc. O Projeto Sistema de Informação Geográfico Livre (FreeGis) já reúne hoje, no sítio-web, mais 351 softwares para uso público e gratuito: http://www.freegis.org/database/?cat=0 (Free Geographic Information Systems) 27 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... A partir de um levantamento preliminar no banco de dados Qualis Periódicos da Capes, elaborado em 2007, constatamos que, na área de geografia, já há mais 35 revistas eletrônicas (Anexo, Quadro 4) que utilizam o SEER como sistema de editoração eletrônica. Existe uma difusão regional (Grafico 3) assimétrica do SEER entre as IES brasileiras, 74% desta difusão está concentrada nas regiões Sudeste e Sul. Constatamos também em um levantamento preliminar, a partir de uma pesquisa prévia nos sítios de outras revistas eletrônicas de Geografia, que aproximadamente mais de 21 revistas eletrônicas e online (Anexo, Quadro 5) não utilizam o SEER como padrão de editoração, mas trabalham com outros sistemas de indexação compartilhada 12, tais como: a) Rede Pergamon, com o sistema Indexação Compartilhada de Artigos de Periódicos- ICAP, que possui 34 IES cadastradas, 120 periódicos, 13.146 artigos e 4.746 artigos online. Nesta rede existem mais de 220 artigos online da área de Geografia; b) Sistema GeoDados de Indexação, que possui 33 revistas indexadas na área de Geografia, mas poucas on-line, e 13 Programas de Pós-Graduação com sua produção acadêmica indexada; c) Sistema Integrado de Bibliotecas da USP - SIBi/USP, que possui uma biblioteca virtual, Florestan Fernandes, com um acervo gigante de publicações na área de geografia; d) Rede Scielo Brazil, que possui mais de 210 artigos com temas relacionados à área de Geografia e vários artigos de áreas correlatas; e) Portal de Periódicos da CAPES, que possui 15.475 periódicos13 indexados nas várias áreas de conhecimento, dos quais 618 revistas nacionais e internacionais são da área de Geografia. 12 Consultar os endereços dessas redes na Internet em: a) Rede Pergamon - ICAP, In: http://www.pergamum.pucpr.br/icap/titulo.php; b) Sistema GeoDados de Indexação, In: http://www.geodados.uem.br/pesquisa.php3; c) Sistema Integrado de Bibliotecas da USP - SIBi/USP, In: http://www.geodados.uem.br/pesquisa.php3; d) Rede Scielo Brazil, In: http://www.scielo.br/; e) Portal de Periódicos da Capes, In: http://www.periodicos.capes.gov.br/portugues/index.jsp 13 Consultar esta informação, na Internet, em: http://www.capes.gov.br/servicos/sala-de-imprensa/36-noticias/ 2984-portal-ultrapassa-marca-dos-15-mil-titulos. 28 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 A maioria dessas revistas surgiu na versão impressa, em formato papel, depois migrou para a versão online e, atualmente, a maioria dessas revistas online passou a ser revista eletrônica com editoração eletrônica e indexação compartilhada. Livros Eletrônicos e Difusão do Conhecimento Vários foram os fatores que ajudaram o processo de difusão do conhecimento e da cultura, em escala planetária: a) O processo de automação da digitalização do acervo de importantes bibliotecas nacionais e internacionais, como a Biblioteca Brasiliana Digital e o surgimento da Biblioteca Digital Mundial da ONU - World Digital Library, etc.; b) A expansão de tecnologias P2P e Bluetooth, principalmente em celulares 3G; c) O surgimento de leitores de livros eletrônicos (e-Books) capazes de interpretar diferentes formatos de codificação (AZW, DOC, DOCX, PDF, HTML, TXT, RTF, JPEG, GIF, PNG, BMP, PRC, FLASH, EPUB, MP3, MP4, etc.), como: Kindle da Amazon, Ipad da Apple, Nook Barnes and Noble, Sony Reader Touch PRS 900, E-Reader ASUS DR-950, etc.; d) A padronização dos sistemas de codificação e editoração eletrônica no formato EPUB. Quase todos os leitores de livros digitais utilizam o Kernel do Linux (2.6.10) nos seus sistemas operacionais14. Atualmente existe uma extraordinária quantidade de softwares livres dedicados à produção e ao consumo de livros eletrônicos, são exemplos destas tecnologias: Calibre, Adobe Digital Editions, Reader Library da Sony, etc. Com o crescimento do uso dos de leitores de livros eletrônicos, a venda de livros eletrônicos aos poucos começa a superar a venda de livros em formato de papel. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O PAPEL DA EDUCAÇÃO NA NOV A ECONOMIA DO OVA CONHECIMENTO Na economia do conhecimento, a educação tem papel de destaque quando se apropria do novo espaço do saber no ciberespaço, e quando consegue estimular, através de políticas públicas, novas formas informatização do processo mediação pedagógica. No Brasil e em vários países de cultura anglo-saxônica na Europa e nos Estados Unidos é muito comum o uso de redes sociais colaborativas e de Blogs para construção de ambientes de interação, mobilização e cooperação. As redes sociais colaborativas em plataforma online que permitem a criação de ambientes virtuais de aprendizagem possibilitam a professores de vários países a utilização de tecnologias de groupware mescladas com mídias online como: Youtube, Slideshare, Slideboom. Existe uma grande diversidade de plataformas de gestão de sistemas de conteúdos de códigos abertos (PHP-NUKE, DRUPAL, JOOMLA, SEER/OJS, MOODLE, DJANGO), de tecnologias de groupware e a maioria está disponível no mais importante provedor de desenvolvedores de softwares de código aberto e colaborativo do mundo, a SourceForge.net, que tem por objetivo controlar e manter o desenvolvimento de softwares de código aberto, atuando como o maior repositório de códigos fontes, com mais de 230.000 projetos de softwares e 2 milhões de usuários, em 2008. No período atual de hegemonia e consolidação do trabalho imaterial, torna-se crucial a alteração do paradigma educacional, a migração digital dos modelos de educação e interação está se tornando um imperativo. Segundo Léa Fagundes, as Instituições de Educação que têm como meta a inclusão digital na nova economia do conhecimento, devem promover, nesta direção, as competências de seus educadores, dos alunos, da própria escola e de suas comunidades. É preciso incentivar os processos de apropriação e de familiarização com geotecnologias e novas tecnologias de informação, bem como promover o debate sobre a importância des14 Consultar esta informação, na Internet, em: http://en.wikipedia.org/wiki/Comparison_of_e-book_readers 29 PIRES, H. F. REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... sas NTICs nas escolas e nas IES. É importante também cotidianizar o uso de novas tecnologias e fortalecer os instrumentos de comunicação em rede sociais colaborativas, para que as famílias possam melhor interagir com os seus membros. As redes sociais colaborativas constituem uma forma inovadora e poderosa de fortalecimento da identidade dos grupos de estudo e pesquisa, portanto devem se tornar parte da precondição para a formação de educadores e para o desenvolvimento de uma aprendizagem colaborativa, ou seja, estas devem ser incentivadas e consideradas como essencial para a formação de uma cibercultura educacional (Pires, 2009a). É preciso também incentivar a criatividade e estimular a autoria intelectual de novos materiais (TV, CD-Rom) e de conteúdos na WEB, através do YouTube. Há um enorme desafio de consolidar e promover as novas alternativas de mediação pedagógicas e educacionais, utilizando as novas tecnologias de informação e de comunicação no cotidiano da escola e do trabalho. BIBLIOGRAFIA ALVES, Giovanni. 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Terra Livre - n. 34 (1):17-36, 2010 35 PIRES, H. F. 36 REDES SOCIAIS COLABORATIVAS E GEOGRAFIA EM REDE... CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESP ACIAL. FETICHE SPACIAL AL E DO CAPIT APITAL SOCIABILIDADE CRÍTICA. Resumo: A crítica ao capital exige um pensamento sobre a crise, porque nele se expressa a negatividade. Para tal as contradições do capital são categorias identificadas pela contradição simultânea e intemporal, de modo a se porem, tais contradições, como a negatividade do tempo, isto é, espaço. A extensão da crise, contudo, fetichiza as contradições e, na perda da substancialidade do capital, forma uma consciência prática que é a reposição da falta de substância, também enquanto prática, tornando esta, contraditoriamente, teórica. Põe-se, assim, o desafio de compreender onde está o alvo da crítica. Elementos sobre a crise de 2008 busca fundamentar os sentidos de uma teoria prática que carece construirse como prática-teórica. Palavras chave chave: Crise, crítica, espaço, teoria prática e prática teórica. IMMANENT CRISES, SPATIAL ABSTRACTION. FETISH OF CAPIT AL APITAL AND CRITICAL SOCIABILITY Abstract: The critic to the capital demands thinking about the crises because the negativity is expressed in this thinking. For that the contradictions of the capital are categories identified through the simultaneous and no-time contradictions. These put themselves as negativity of the time, it means, the space. The extension of the crises fetishizes these contradictions and, in the loss of substantiality of the capital, forms a practical conscience becoming (this conscience) theoretical, however. This put a challenge: to know where the target of the critic is. Some elements of the crises in 2008 tries to fundament the meanings of a practical-theory that needs to built itself as theoretical-practice. ANSELMO ALFREDO Key words: Crises, critic, space, practical-theory and theoreticalpractice DG-FFLCH-USP USP Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 37-62 Jan-Jun/2010 37 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... INTRODUÇÃO Crise e crítica são formas distintas de expressar um mesmo processo, quando se refere à modernização. Para Marx, a relação entre termos contraditórios e identitários desta sociabilidade, efetividade de uma razão irracional detém a necessidade de se mostrar oposta a sua forma de ser. Resultado disto está o delinear de uma relação entre sujeito e objeto em que a subjetividade é a consciência objetiva e objetivada de uma i-razão que se mostra, nesta forma de consciência, como estrita racionalidade. Tal coisificação, fetichismo, é a forma de consciência necessária que possibilita a efetividade da contradição porque aparece como não-contradição. A crítica à economia política levada a cabo por Marx, entretanto, é uma distinção entre o ser e o aparecer ser do capital, sendo um e outro determinações contraditórias de sua efetividade. Se se acentua a contradição identitária do capital entre acumulação e crise, tal contradição deve aparecer como mera reprodução ampliada, não revelando a sua identidade negativa posta pela crise que, entretanto, se põe como imanência e não como vazia contingência do conceito. Nesta medida, a crítica ao moderno coincide com a exposição da crise do capital, esta não somente como acaso histórico de sua efetividade, mas como êmbolo lógico de seu ser e aparecer. CRISE E CRÍTICA. ASPECTOS DA ABSTRA TA S IMUL TANEIDADE E SP ACIAL BSTRAT IMULT SPACIAL Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias. Marx A leitura sobre a modernização remete, necessariamente, ao pensamento marxiano, pois que analisou não só o capital em sua totalidade contraditória, mas incorporou nesta a relação entre as dimensões concretas e o próprio pensamento, efetivada, tal relação, sob uma lógica profundamente específica, aquela da contradição entre concreto e abstrato, determinações da dialética do capital e de O Capital. Não que se depreenda daqui uma analogia entre abstração e pensamento. Nem mesmo Hegel, em sua Ciência da Lógica, considerava o pensamento como o abstrato, pois que a forma de pensar a contradição era o que se lhe apresentava como a concretude do próprio Real. Antes, a contradição entre as determinações abstratas e concretas desta sociabilidade, para Marx, se apresenta fetichizada como forma específica de pensamento, o que remete a uma nova leitura da relação entre sujeito e objeto, onde o concreto, ainda que posto, é pressuposto para efetivar-se como fetiche de uma sociabilidade determinada por abstrações, por metafísicas. É desta maneira que se torna necessário, na exposição de O Capital, delinear os sentidos do fundamento ou da substância social, a força de trabalho, como trabalho abstrato. Ou seja, a expressão abstrato que se coloca aparentemente adjetivando trabalho, tão somente observa a condição inevitável que trabalho adquire como substância do processo social e moderno. Não se trata de mera contraposição ao trabalho concreto, mas de expressar que na sua inevitabilidade abstrata, o concreto fetichiza a sua própria substancialidade de modo que a necessidade de expressá-lo desta maneira é mais determinada pelo fetichismo de concretude, que incorpora o fetiche da mercadoria e do capital, do que pressupor uma distinção entre trabalho abstrato e trabalho concreto como formas de atividade entre trabalhador e meios de produção. Desta maneira, em acordo com Ruy Fausto (1997), a lógica de O Capital não põe uma contraposição entre trabalho concreto e trabalho abstrato, mas entre trabalho abstrato e matéria, porque é na materialidade física da mercadoria, enquanto forma fenomênica de ser da abstração trabalho, que se tem uma forma de consciência sobre um processo que não se apresenta enquanto processo, mas tão somente como valor-de-uso. É através deste que a abstração trabalho se põe como forma fenomênica e, entretanto, é nesta e como esta concreticidade que o trabalho se apresenta, aparece [erscheint]. Diante de tal analogia, tem-se, assim, uma consciência invertida a respeito do modo de ser desta produção social – 38 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 sendo a consciência fetichista sobre ela mesma determinação de seu modo e de sua reprodução – em que, como bem expressa Marx, no primeiro parágrafo de sua obra madura, o capital aparece como uma monstruosa [ungeheure] produção de mercadorias. Esta, em sua condição coisificada1 de valor-de-uso é o que determina a consciência objetivada da subjetividade, sob o capital. Em última instância, trata-se de, nesta consciência concreta, não se permitir observar a crise de valorização do valor, porque o aumento de tal monstruosa coleção aparece como mero crescimento da riqueza e da capacidade de o capital acumular. A contradição basilar entre acumulação e crise, nesta consciência coisificada, tão somente se apresenta como crescimento material do capital. A sociedade posta pela e para a valorização do valor traz em si a necessidade de sua expressão sem a qual não põe a possibilidade de se efetivar enquanto sociabilidade, já que demanda uma forma de consciência subjetiva para tal. Isto porque a sociedade do valor socializa a reposição de seus pressupostos no processo de troca, onde a mercadoria, enquanto forma, carece do fetichismo para sua socialização. Nesta medida, a valorização do valor, posta enquanto processo produtivo é uma forma de linguagem (GIANNOTTI, 2000) que inclui não somente o modo pelo qual as categorias se relacionam na realização da valorização do valor, mas que para tal é necessária uma forma de consciência – fetichista – que medeie a própria contradição como não contraditória. Não sem motivos, Marx salienta o quanto há a necessidade de o guardião das mercadorias passar a língua na mesma para fixar o seu preço, ao mesmo tempo em que expõe um diálogo hipotético entre as mercadorias, cujo resultado é a formação de uma linguagem criptografada, em hieróglifos. O valor de ferro, linho, trigo etc., embora invisível, existe nessas coisas mesmas; ele é imaginado por sua igualdade com ouro, uma relação com o ouro que, por assim dizer só assombra suas cabeças. O guardião das mercadorias tem, por isso, de meter sua língua na cabeça delas ou pendurar nelas pedaços de papel para comunicar seus preços ao mundo exterior. Como a expressão dos valores das mercadorias em ouro é ideal, aplica-se nessa operação também somente ouro ideal ou imaginário. (MARX, 1988, 87) Ou seja, o passar a língua pode ser compreendido como o passar o valor a uma forma de linguagem cuja expressão integra sua forma de ser. Em outros termos, não se é possível ver o valor a não ser na forma pela qual o mesmo se expressa e, através desta expressão se faz como sociabilidade ao mesmo tempo em que se a repõe. A forma valor, portanto, apresenta-se como a expressão fenomênica da substância valor, e por isso mesmo não coincide com ela, mas coisifica-a identificando-se objeto com a forma objetiva e coisificada da consciência subjetiva e moderna. A mercadoria enquanto objeto é uma forma de pensamento que, assim não percebido, torna o pensamento coisificado. Já que posta sob a contradição entre forma equivalente versus forma relativa, tal contradição se expressa pela equivalente de modo que as determinações abstratas do trabalho, do valor e do tempo de trabalho, a sua medida, se apresentam qualitativamente através do valor de uso, resultado material do processo produtivo. Mas é necessário considerar ainda que Marx está constituindo o modo pelo qual valor se transforma em preço, este é o processo abstrato e real que se define como resultante desta passagem. Ainda que se apresente a possibilidade de o preço se definir como condição de uma relação de valor, o problema que nos interessa, entretanto, é observar a relação desta forma preço - a régua que busca expressar a medida de sua substância, o valor - e a originalidade desta medição. Tal originalidade está em que o fetiche da mercadoria – mediação da contradição entre valor de uso e valor de troca – esconde a crise imanente desta medida como condição objetiva da própria identidade do capital. A monstruosidade do capital enquanto forma de sociabilidade se põe como sua identidade, não como equívoco de sua operacionalidade lógica e social. Não obstante, trata-se 1 Coisificação, ou consciência coisificada, não se pode confundir aqui com consciência sobre os objetos. Tal noção advém da lógica hegeliana, em que a contradição ou dupla determinação é observada unicamente através de um de seus pólos, tomando por coisa aquilo que é relação identitária pelo negativo. Se isto, no capital, passa pela consciência da mercadoria como objeto, e não como contradição entre valor-de-uso e valor-de-troca, o próprio objeto, enquanto materialidade, é uma forma de consciência, mas não objeto mesmo que, então, é mercadoria. Isto é, faz parte do modo de ser da mercadoria a consciência que dela se toma como objeto e não como identidade pela contradição, que a desobjetificaria. 39 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... de uma das inversões da dialética marxiana em relação à dialética hegeliana, referente, aliás, à doutrina do ser. Em primeira instância diga-se que a passagem formal do capital pressupõe uma forma, o valor, para outra forma, a própria forma-valor que é, a reiteração de uma forma sobre ela mesma, expressa fenomenicamente na reiteração do dinheiro como condição e resultado do processo social, isto é, D-M-D’. Diante desta identidade lógica, o capital é a égide da forma em detrimento do conteúdo, onde a alteridade formal, própria da lógica hegeliana, não efetivada, não permite uma relação entre forma e conteúdo, a não ser de modo negativo, ou seja, a forma é o conteúdo dela mesma, sendo o valor e sua valorização condição e resultado do processo social. Dada esta i-racionalidade (inversão da razão hegeliana) não se define, enquanto capital, uma determinação qualitativa do ser do capital em que a sua variação quantitativa, que lhe dá a qualidade de ser capital, seja definida por uma medida efetivando aquilo que, na Ciência da Lógica, evita a determinação qualitativa, ou seja, a extensão da quantidade independente de uma medida que, para Hegel, e isto coincide com Marx, é a monstruosidade. O fato é que para Marx isto se põe como sociabilidade efetivada. Se em Hegel a passagem de uma dada quantidade – acima ou abaixo de determinada medida – é uma mudança de qualidade, porque muda a medida que rege tal variação e, entretanto, permanece-se a variabilidade quantitativaXqualitativa no interior de uma nova medida, em Marx, a medida do capital, posta pela reiteração da forma para a forma, sem passagem de conteúdo, é a ascensão numérica e quantitativa que, para ser capital, isto é, D-M-D’, a sua qualidade de ser é a negação de toda e qualquer medida, é a posição negativa, no entanto, da própria qualidade. Ser determinado pelo quantitativo, entretanto, é a qualidade de ser do capital que, assim posto, inevitavelmente, prescinde da medida para efetivar a sua identidade contraditória enquanto medida que qualifique uma dada formação social. A média social, abstração generalizada e determinante da sociabilidade capitalista (POSTONE, 2003), é tão somente a expressão fetichista de uma régua cuja expressão é o fetichismo de sua medida, pois que se faz descartando tempos sociais que a efetivaram enquanto média, mas que, na consumação da mesma, ficam além dela. É na força de trabalho posta como tempo social médio de trabalho que se coloca a contradição entre trabalho individual e trabalho social. A socialização dos trabalhos individuais, posto que se tem uma sociedade da troca, se realiza no comércio de mercadorias, o que implica numa troca entre todos os tempos de trabalhos individuais, ainda que expressos pela forma-valor, ou forma-preço. Os tempos individuais dos distintos capitais postos na mercadoria, ao se definirem equalizados na troca põem o tempo de trabalho, em sua média, como abstração de segundo grau. Não se abstrai somente a condição qualitativa e concreta dos trabalhos individuais como tempo de trabalho, mas o próprio tempo individual, abstração, se abstrai na média determinante da trocabilidade pressuposta (porém, enquanto tempo individual) ainda não posta. A posição desta trocabilidade, entretanto, é crítica, já que se tem a formação de uma medida a posteriori dos trabalhos individuais que, assim, podem não realizar o pressuposto de sua trocabilidade. A média, enquanto esta abstração determinante da sociabilidade capitalista, é uma forma lógica que retroage determinando a validade daqueles trabalhos que tornaram possível a sua própria forma de média que, neste caso, coincide com mediação social. A formação desta medida, que nada mais é do que a passagem do valor à condição de preço é a efetividade da desmedida enquanto aquilo que dá a qualidade a-qualitativa do ser capital. A-qualitativa não somente porque a qualidade em sua condição de valor-de-uso subordina-se à determinação do valor de troca na relação entre forma relativa e forma equivalente, mas porque é uma forma negativa de ser da qualidade, pois que esta negativa qualidade é a configuração de um ser, cuja qualidade é a quantidade não determinada pela medida. Tem-se aqui uma nova forma de expressão do fetichismo da mercadoria. Aquilo que se põe como a régua mensurante do processo social, o preço, que deve expressar o valor, é redução niveladora das diferenças que, em sua expressão média, não revela os tempos sociais realmente existentes em cada mercadoria, mas faz aparecer este preço como se fosse o valor. O fetiche, na medida em que sua determinação é não revelar o que nele aparece, adquire a potência de substituir a apresentação essencial pela própria essência, destituindo a existência enquanto contradi- 40 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 ção entre essência e aparência de modo que ele mesmo se efetiva enquanto a essencialidade reprodutora do modo de ser do moderno. Em última instância, a concorrência entre os capitais se apresenta, quando muito, como qualidade distinta de consumo das diferentes mercadorias no mercado e a acumulação, enquanto tal, não se apresenta, pois que o preço, enquanto essa expressão fetichista do valor, esconde a transferência de mais valia entre os distintos capitais possibilitado por esta forma média que atinge o trabalho como tempo de trabalho. Não obstante, à medida que tal média mostra tão somente a trocabilidade, sem sua contradição (a não trocabilidade como resultado e pressuposto da troca) incorporada na condição material (valor de uso) da mercadoria, o preço aparece como que da natureza da mercadoria e a contradição interna entre valor de uso e valor de troca ao se externalizar na forma preço (entre forma equivalente e forma relativa) fetichiza o seu fundamento, isto é, os trabalhos e seus respectivos tempos, e se coloca como contradição e fetiche do capital e não estritamente da mercadoria, pois que a não trocabilidade como forma antitética e identitária da trocabilidade, leva a uma crise da valorização do valor. A formação do tempo médio, abstração e simultaneidade espacial de segundo grau, é determinada pela crise de efetividade dos tempos individuais que se expressa pela falência dos capitais que não atingiram este tempo médio, ou ainda, pela incorporação destes capitais aos capitais mais lucrativos. A medida, formada a posteriori dos trabalhos individuais que serão por ela medidos, põe cada produção individual determinada pela crise de sua efetividade, o que, aliás, define a necessidade de maior economia de tempo de trabalho para cada trabalho individual, já que o processo, como diz Marx (1988), passa às costas dos sujeitos sociais. Cada tempo individual de trabalho, entretanto, é uma desmedida em relação à medida que se efetivará. Não obstante, tal medida é tão somente a forma de ser social que remete à crítica reprodução determinada pela possibilidade de uma ampliação da capacidade social de produzir. Tal medida posta a posteriori não resolve a contradição entre qualidade e quantidade, ao contrário, fundamentada pela concorrência entre os capitais, leva à possibilidade de um novo padrão de desmedida, dado pelo necessário desenvolvimento das forças produtivas que daí se origina. A posição da média, no entanto, é o alicerçar contraditório de um novo padrão de crise da própria medida, visto que os capitais que se realizaram enquanto tais se o fazem retirando os tempos de trabalho individuais menos produtivos que contribuíram na formação da última média. Assim, a formação da nova medida, uma vez mais, é desconhecida e a crise da efetividade dos capitais que desta formação decorrerá é o que move uma nova redução do tempo social médio de produção posto como necessidade da reprodução ampliada do capital. Resulta que, estar na medida, exige produzir mais em menor tempo, sua formação a posteriori é determinação a priori. O desenvolvimento das forças produtivas, entretanto, é determinado por esta média que, formada a posteriori, retroage para definir a validade dos trabalhos que a formaram. Tem-se, assim, a imanência da crise como categoria condicionante da reprodução ampliada do capital. É só nesta condição abstrata e negativa do tempo, enquanto negação da sucessão, que o espaço, tal qual esta negação, se põe duplamente. Em primeiro lugar expressa-se a forma lógica através da qual a contradição torna-se forma de conhecimento, isto é, a forma pela qual a contradição pode ser conhecida. Neste sentido, é a intemporalidade da identidade posta pelos contrários que faz do espaço a negatividade do tempo. Em segundo lugar, resultante disto, o espaço determina-se como método e não estritamente como objeto de análise. O espaço, enfim, é a forma da contradição obscurecida pela dimensão temporal do próprio pensamento. A contradição em Marx, numa importante inversão de Hegel, não é o plano do estritamente racional, mas de uma razão irracional, na medida em que nega, como primeira negação, a Lógica de Hegel, cuja resultante é uma i-racionalidade social, já que se tem na lógica de O Capital uma dimensão abstrata posta como sociabilidade. Diante de tal identidade, o fetichismo de razão, através de um pensamento temporal, posto como consciência da troca simples e na forma valor é a mediação necessária da contradição entre razão e irrazão. Não seria possível para Marx, entretanto, tecer sua significativa crítica à economia 41 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... política se não se observasse o ser do capital posto na identidade pela contradição entre o modo de ser e o de sua apresentação. É nesta distinção que se torna possível observar, aliás, a imanência da crise que destitui, como forma lógica e operacional de o capital, os seus próprios fundamentos. A crise dos tempos de trabalhos individuais sendo a efetividade desta destituição. Isto leva Marx a expressar em O Capital, a efetividade de uma lógica negativa do capital. É de se perguntar, aliás, como construir os pressupostos de uma crítica ao moderno e à modernização se não reconhecer a crise do capital para com ele mesmo como forma de sua negatividade? Ou ainda, como tecer tal crítica se o pressuposto da análise é de que o capital acumula independente de sua determinação crítica? Isto levaria necessariamente ao argumento da condição indelével do próprio capital enquanto tal. Não sem motivos é oportuno considerar que o velho Marx é um teórico da crise, mas como a acumulação é o seu par dialético, é necessário expressar como que a crise aparece, no tempo, como acumulação de capital, e só em determinados momentos da história do capital é que seria possível efetivar a própria crise. É, entretanto, suprimindo o tempo, pondo crise e acumulação como simultaneidades contraditórias e espaciais, que se torna possível considerar a crítica ao capital. Simultaneidade, aliás, que, negada no plano analítico, se colocou como economia política na periferia do capital, expressa em sua versão desenvolvimentista (ALFREDO, 2008). Neste processo lógico é de se considerar, nos termos de Adorno (1975), que a subjetividade que se forma como forma de consciência é resultado de um processo social e, entretanto, a sua forma de ser de liberdade – posta como livre arbítrio, a partir da Critica da Razão Prática, de Kant – nada mais é do que a reprodução daquilo que nega a sua própria condição de indivíduo. Ser indivíduo livre é deter esta contradição enquanto sua identidade, portanto, negativa. A razão prática não se configura a não ser como forma de repor esta identidade que é a pujança do social subjetivada como indivíduo e livre arbítrio que, tão somente, se põe para a reprodução de sua negação, o social. Se este se põe como a condição objetiva que passa às costas dos sujeitos sociais, como pressuposto da efetividade de uma dada sociabilidade chamada capital, a liberdade e o indivíduo só podem se pôr como negação sendo isto tão somente a sua possível efetividade. A ilusão de sujeito, aliás, advém deste fetichismo da subjetividade moderna que não se compreende como subjetivação necessária da objetividade posta como capital. A crítica, entretanto, inevitavelmente remete a uma crítica da razão prática porque esta detém, ela mesma, esta dimensão negadora daquilo que se pretende afirmar, se pondo como o contrário daquilo a que se propõe efetivar. Isto porque, como dito, toda prática é o âmbito de uma ação que busca preservar o social. Assim posta, resulta dela tão somente a forma negadora do indivíduo e de sua própria liberdade posto que tal ação leva necessariamente à reposição do que está posto – o social - e ser indivíduo livre é tão somente a sua ilusão de sujeito, sendo esta ilusão a efetividade da liberdade individual e do próprio indivíduo enquanto consciência fetichizada. A teoria prática, entretanto, propositiva, é identificada por uma contradição que nega aquilo a que se propõe afirmar. Neste particular aspecto, é necessário inverter os termos daquilo que se propõe, num viés pro-positivo, a relação entre teoria e prática. Não se põe entrementes a necessidade de uma teoria prática, mas de uma prática teórica, que permita reconhecer não a potência da ação de um sujeito ilusoriamente volitivo, mas os limites e as contradições desta ação que se quer o contrário do que é. Cabe, portanto, se questionar: Onde está o alvo da crítica? A crise imanente do capital, como delineamos um dos seus principais aspectos mais acima, é uma negatividade do capital para com ele mesmo. O problema de uma consciência crítica leva necessariamente ao reconhecimento de que a lógica categorial do capital define uma relação necessária cuja efetividade é a negação de sua condição categorial, sendo a crise do trabalho a forma mais expressiva desta razão irracional. A crítica objetiva do capital carece subjetivar-se enquanto forma de consciência prática em que o capital não detém esta negatividade para com ele mesmo. A busca de uma forma posterior de sociabilidade não se configura como crítica, visto que isto evita o conhecimento da forma pela qual a contradição e a negatividade do capital para com ele mesmo se expressa, inclusive não revelando a sua crise imanente. A busca do dever ser é a expressão cuja verdade é a carên- 42 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 cia de verdade, como bem analisou Hegel em sua Fenomenologia do Espírito. Deste modo, é na negatividade categorial (KURZ, 2007) e em seu reconhecimento que se fundam os termos de uma crítica à economia política e ao capital, visto que nesta a crise coincide com a expressão crítica do capital. É teoricamente que se faz, entretanto, uma crítica prática, ao mesmo tempo em que se reconhecem os limites de nossa capacidade crítica como, contraditoriamente, profundidade da crítica. Não se põe isto, meramente, como um jogo de palavras. É de se notar que a crise categorial do capital é o realizar de uma contradição em que as categorias – ainda que fetichistas – capazes de explicitar o movimento do real, posto como capital, se destituem sem que necessariamente se apresentem outras categorias sociais que se façam, ao mesmo tempo, como formas de pensamento. Afinal, é em sua condição negativa que as categorias do capital ganham em efetividade na reposição de uma sociedade determinadas, no entanto, pelo capital. O não-trabalho, sejamos claro, não é o fim do trabalho, mas a condição antitética e identitária do próprio trabalho, isto é, o trabalho é trabalho e não-trabalho, sendo esta contradição a identidade da categoria substancial da modernização. Numa perspectiva temporal, a realização do trabalho é sua destituição. Ao apresentar-se pelo negativo (através da precária noção de desemprego), como forma de ser de sua posição social, recobra, sob o fetichismo categorial do capital, não somente um pensamento propositivo dado o praticismo como ilusão de sujeito; mas tem-se a necessidade de reconhecer que a própria crítica está posta no limite da compreensão de negação a que atingem, neste momento histórico, as categorias do capital posta pela relação contraditória que lhes dá identidade. Ou seja, a identidade categorial do capital é sua negação categorial. Isto leva, necessariamente, à destituição das formas propositivas como ilusão de superação. Em outras palavras, a crise desvela, não como história do capital, mas como sua imanente lógica, que a propositividade reconstituinte das categorias negadas do capital pelo próprio capital é uma forma de contradição nos próprios termos, porque busca repor o que, caso reposto, se remeteria a sua imanente lógica negadora, visto que esta é a identidade das categorias que se busca repor. A crítica, entretanto, negativa, não (pro)positiva, expressa uma necessidade teórica porque só a partir dela se põe o limite tanto da crítica como, especialmente, o da prática. É na crise do capital que se põe o fundamento da crítica. SOBRE A QUEDA TENDENCIAL DA TAXA DE LUCRO A produção capitalista engendra uma infinidade de contradições, não sem motivos as suas categorias só se o fazem na medida em que a identidade das mesmas se realiza por relações antagônicas. Ser uma categoria do capital deve necessariamente identificar-se por uma contradição definida por uma relação de necessidade. Nesta medida, valor de uso e valor de troca são a contradição identitária da mercadoria; valor é a relação necessária à desvalorização, lucro identifica-se pela contradição entre taxa de mais valia e massa de mais valia, trabalho é tão somente a forma antitética e identitária de não trabalho, postos pela relação contraditória entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, dentre outras. A lógica fundante destas categorias que faz destas uma identidade na diferença é a mais que conhecida contradição capital trabalho. Tão conhecida quanto desconsiderada para se refletir a contradição identitária do próprio capital identificado positivistamente como reprodução ampliada. O repetir e bafejar esta contradição aqui e acolá, deu-nos a ilusão de que sua pertinência teria sido esgotada, porque confundida com a forma pouco pertinente que se a pronunciava, tornando-a inócua, vazia de sentido. A expressão, como é próprio do fetichismo que paira sobre nós como forma de consciência, se confundiu com o expressado e a inocuidade da teoria bafejadora iludiu tal contradição como destituída de pertinência. Marx, em passagens tanto de O Capital, quanto dos Grundrisse, expressa as determinações críticas de uma sociedade que se identifica pela contradição entre trabalho individual e trabalho social. O capitalismo da Grande Indústria, como o denominou, advindo daquilo que se faz como o capital em seu conceito, isto é, o desenvolvimento das forças produtivas, é um momento em que há uma intensificação da contradição capital trabalho. Advindo desta ele intensifica-a, pondo-a como pressuposto e resultado do capital sendo isto 43 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... o posicionar do capital em seu conceito. O resultado deste processo, do ponto de vista do capital variável como momento do capital, é o trabalhador se pôr como mero vigia do processo produtivo, em que as forças produtivas já teriam atingindo tal desenvolvimento que a força de trabalho se o fazia como desnecessidade de trabalho. O desenvolvimento das forças produtivas, observe-se, ganha estatuto categorial, na medida em que a razão movente de sua efetividade nada mais é do que desenvolver as forças produtivas. Na medida em que isto é substituição do trabalho vivo em detrimento do trabalho morto, ou seja, aumento da composição orgânica do capital, produtividade e improdutividade do capital se fazem como formas contraditórias e simultâneas de sua própria identidade: tão mais produtivo é o capital, quanto menos capaz é de produzir valor. Se o seu sentido, isto é, estar em seu conceito, é desenvolver as forças produtivas, a improdutividade é a forma de ser de sua condição produtiva. Se isto se remete ao expressar da contradição entre taxa de mais valia e massa de mais valia, o capitalismo da Grande Indústria leva-a a sua forma mais profunda e contundente. A redução da massa de mais valia não mais é compensada pela extensão de sua taxa, resultado necessário daquilo que se põe como desenvolvimento das forças produtivas, o que faz, aliás, que capital seja capital. Afinal, a expansão da taxa de mais valia, é a forma pela qual o capital se mantém no processo de valorização de valor mediado pela concorrência entre os capitais. Neste aspecto, há dois processos daqui resultantes. Um primeiro é o de que a redução da massa de mais valia (em seu contradizer identitário está a expansão da taxa de mais valia) leva à necessidade de que esta relação contraditória mova o capital a se expandir geométrica e inversamente proporcional à redução da quantidade de trabalho vivo que tal contradição põe. A forma ilusoriamente possível de se superar esta contradição sem de fato deixar de ser uma sociabilidade capitalista – tautologia real do capital - é expandir os investimentos em capitais de modo que se promova a formação da classe trabalhadora na mesma medida em que o desenvolvimento das forças produtivas a dispensa. Um segundo é que, contudo, dado o grau de desenvolvimento das forças produtivas, cada expansão, numa duplicação destas forças, isto é, numa redução pela metade da classe trabalhadora necessária no processo imediato de produção, significa a necessidade de quatro vezes mais investimentos para repor a mesma massa de mais valia anteriormente relacionada ao capital. Contudo, se isto já se faz sob uma composição orgânica maior de capital, tanto mais o próprio capital produz, como identidade contraditória desta relação, a superpopulação relativa, a ponto que a sobreposição da dispensabilidade da força viva de trabalho sobre sua incorporação torna impertinente a noção de exército industrial de reserva. Pensando o mesmo pelo caráter da valorização do valor: tanto mais produtivo o capital quanto menos possível é o mesmo de produzir um valor que possa se colocar como sua auto-valorização. Tem-se aqui, no entanto, determinações da simultaneidade espacial do capital (negação da sucessão) que, postas sob uma consciência coisificada do antes e do depois, fetichiza a contradição como vazia razão e, entretanto, racionalismo. O desenvolvimento do capitalismo em sua forma de Grande Indústria é a capacidade que atinge o capital de investir em forças produtivas que, contraditoriamente, advém de um excedente de acumulação que está, portanto, acima daquilo que se pode destinar para repor a relação capital trabalho nos termos do processo de produção imediata do capital, isto é, como produção de mais valia. Quanto maior a produtividade do capital, tanto mais tempo disponível (disposable time) tem o próprio capital na medida em que se pode esperar um tempo maior para que se invista no processo produtivo mesmo. Isto porque, em dada produtividade, há uma contínua redução do tempo necessário de trabalho, de modo que cada vez mais o capital necessita de menos tempo de trabalho para produzir o tempo necessário, tal contradição pode assim ser observada: quanto mais produtivo o capital menos tempo necessário a sua disposição. Em contrapartida e simultaneamente há cada vez mais excedente de tempo de mais trabalho. Dado que o capital é reprodução ampliada de si mesmo, e que esta depende da redução dos custos de produção, posto pela forma crítica de sua medida discutida mais acima, este tempo disponível na forma de capital ocioso (porque o tempo necessário tende a desaparecer e não mais ser apropriado na relação entre traba- 44 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 lho necessário e mais trabalho) é necessariamente investido na produção de meios de produção, isto é, em trabalho futuro. Quanto maior a disponibilidade de investimentos do capital em desenvolvimento das forças produtivas, em máquinas, em infra-estrutura, transportes, etc. tão mais ocioso e tão mais determinado pelo tempo disponível está o capital. Tempo disponível é carência de tempo de produção de mais valia, em relação à capacidade de investimentos do próprio capital, daí a sua condição ociosa. Resulta que ao capital cabe incorporar este tempo de não trabalho em sua forma positiva como trabalho e o desenvolvimento das forças produtivas em sua forma infra-estrutural: transportes, rodovias, aquedutos, oleodutos, energia nuclear, ciência e tecnologia dentre outros, se faz como desenvolvimento social das forças produtivas, constituindo um trabalho social que nada mais é do que a crise de seu anteposto, o trabalho individual, seja este personificado na subjetividade trabalhador ou nos capitais propriamente individuais. Não se tem somente esta intensificação das forças produtivas em capitais produtivos. Ao contrário, generaliza-se uma sociedade que em todas as suas instâncias carece solucionar a insolucionável contradição entre trabalho individual e trabalho social e cujo resultado é o desenvolvimento social das forças produtivas, não mais deste ou daquele capital. A crise do capital aparece, fetichizada, como acessibilidade da sociedade às pretensas benesses da modernização. O fato é que, com os investimentos postos no desenvolvimento das forças produtivas a contradição entre capital fixo e circulante (fluido) desencadeia a necessidade de a sociedade como um todo se pôr como excessivamente consumidora, pois, a redução relativa da massa de mais valia produzida carece passar o valor do capital fixo num volume cada vez maior de produção de mercadorias, forma única, mas impossível, de o capital valorizar o valor posto como máquinas e bens de produção (capital fixo). Desta maneira, quanto maior a proporção de capital fixo na sociedade da Grande Indústria, tanto maior a necessidade de matérias primas (capital fluido) para passar este valor do fixo nas mercadorias que lhe retornarão o valor investido. Diante desta exacerbação quantitativa, a sociedade capitalista deixa de se determinar pela produção para se produzir pelo consumo. Nos termos de Marx: Quanto maior sejam, pois, a parte do capital composta de capital fixo – ou seja, quanto mais atue o capital no modo de produção que lhe é adequado, com maior aplicação de força produtiva produzida, e quanto mais duradouro seja o capital fixo, isto é, quanto mais prolongado seja para o mesmo o tempo de reprodução, quanto mais corresponda seu valor de uso e sua definição-, com tanto maior freqüência a parte do capital que está determinada como circulante terá que repetir o período de sua rotação e tanto mais prolongado será o tempo total requerido pelo capital para recorrer a órbita de sua circulação total. (...) Mas no capital fixo a interrupção, enquanto seu valor de uso se aniquila no ínterim necessariamente, e de maneira relativamente improdutiva, isto é, sem substituir-se como valor, é destruição de seu valor original mesmo. Não é, portanto, senão com o desenvolvimento do capital fixo que a continuidade do processo produtivo, correspondente ao conceito do capital, é posta como conditio sine qua [non] para sua conservação; daí, assim mesmo, a continuidade e o crescimento contínuo do consumo. (1997, 247 [607]) O tempo disponível, entretanto, deve ser incorporado à reprodução crítica do capital tanto na sua exacerbada forma de consumo como no desenvolvimento das ciências que tornam o próprio pensamento uma força produtiva. Neste momento a sociedade é uma força produtiva geral e toda forma de ser da reprodução social sob o capital é uma economia de trabalho, aprofundando em seu contradizer a crise da valorização do valor. Quando todo trabalho individual participa da reprodução como trabalho social, o capital realiza a sua condição conceitual e valorização e desvalorização mostram a sua unidade contraditória. O tempo disponível, como força produtiva e como consumo é, entretanto, a negatividade do trabalho e não o oposto. Se o pressuposto do capital em investir em forças produtivas é ampliar a massa de mais valia, devido, contraditoriamente, ao aumento da taxa de mais valia, isto é, de sua produtividade que dispensa trabalho, toda expansão das relações de produção do capital são já uma negatividade do trabalho, o que torna a produção de mais valia mesmo uma impossibilidade ao capital. Todo investimento, seja infra-estrutural, seja na base de investimentos financeiros se coloca como mera promessa de trabalho. Um aspecto determinante desta realidade, tanto do ponto de vista de suas relações 45 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... quanto da forma pela qual as mesmas se formam enquanto pensamento, é a forma simultânea de fenômenos necessariamente contraditórios. Se a expansão do capital é fundamentada pela crise e, assim, crise e expansão são faces de uma só unidade, é de se pressupor que a simultaneidade, como negação do tempo, é a forma espacial de ser do capital enquanto forma da contradição. Deste ponto de vista, o espaço se põe mais como método, isto é, a forma pela qual se torna possível pensar a contradição identitária do capital, do que propriamente um objeto. A simultaneidade posta como produtividade e improdutividade do capital repõe, nos termos de Ernest Mandel (1985) e Robert Kurz (1993) a extensão do trabalho improdutivo sobre o produtivo. Isto implica não somente na extensão de serviços, em detrimento do setor produtivo, devido à necessidade de o capital rotar-se a si mesmo, mas de um capital monetário e creditício que não mais encontra a possibilidade de expandir a sua reprodução nos termos da exploração produtiva do trabalho. Isto especialmente após a terceira revolução industrial posta pela microeletrônica (MANDEL, 1985; KURZ 1993) em que toda expansão do capital se põe como forma de expansão de sua crise, dada a restrição definitiva de trabalho vivo no processo produtivo, tanto em termos absolutos como relativos. Desta maneira, há um descolamento da base creditícia e monetária em relação à substância valor produzida pela sociedade. Na redução desta, todas as formas de riqueza monetária se tornam excedentes e encontram na circulação financeira a forma fetichizada de sua remuneração. Toda produção de valor é reduzida em relação aos investimentos necessários para esta mesma produção. A produção de mais valia daí resultante não mais paga estes mesmos investimentos tornando o lucro tanto mais reduzido (em sua queda tendencial) quanto maior a mais valia relativa que este capital produz, ou seja, o aumento relativo de mais valia é relativamente cada vez menor àquilo que se necessita para remunerar os investimentos postos para produzi-la. Resulta uma migração dos capitais do setor produtivo para a circulação financeira. CAPIT AL FICTÍCIO, FETICHISMO DO DINHEIRO APITAL FICCIONALIZADA. E CONSCIÊNCIA A queda tendencial da taxa de lucro, entretanto, desloca o dinheiro de sua base substancial, o valor, o que leva a que toda expressão monetária de valor se coloque como uma ficção do valor, na medida em que se põe como crédito, isto é, promessa de trabalho, numa sociedade cujo tempo de trabalho é o tempo zero de trabalho, isto é, a sua plena improdutividade. Não obstante, retomemos aqui a compreensão marxiana do dinheiro enquanto equivalente geral. Sua forma de equivalente se põe na relação entre a massa de valor realmente produzida e a quantidade de dinheiro necessária para expressar, representar um valor que é o tempo de trabalho existente para a produção de mercadorias. Nesta medida o valor, isto é, o tempo de trabalho social, a substância do capital, está nas mercadorias que o dinheiro tão somente representa, expressa. A dessubstancialização do capital, entrementes, é - desde que o tempo de trabalho, ainda que zero, seja a abstração determinante da busca da valorização ainda que a mesma não ocorra – a posição de toda e qualquer soma de dinheiro, em suas diferentes expressões, como um excesso de capital. De modo claro, Marx (1988) explicita que o valor não está no dinheiro, mas nas mercadorias e que aquele tão somente é a forma de expressão, enquanto preço, do valor que há nelas. O problema é que ao se colocar como expressão do valor, em sua forma de preço, toma o lugar do expressado e assim o dinheiro adquire a condição fetichista daquele que tem o valor, esta é a expressão mais acabada do que Marx (1988) se propõe considerar como o enigma da forma equivalente, cujo sentido é a sua forma sem sentido posta como dinheiro, o equivalente geral. Já que posto nesta condição de geral, equivale a tudo, incluindo à equivalência do valor numa sociedade posta negativamente como produtora de valor. Se em condições produtivas o fetiche do dinheiro se põe como fetichização do valor que não está nele – ou seja, o dinheiro não tem valor – mas que aparece como sendo dele, na crise deste fetichismo é necessário 46 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 fetichizar a posição de um valor que se nega. A circulação monetária, entretanto, é tanto resultante da produtividade do capital social, geral, quanto da necessidade sempre crescente, na redução de sua capacidade de produzir mais valia, de pôr o crédito como o substituto da mesma que não é produzida. Ou seja, a intensificação da necessidade de o capital investir cada vez maiores montantes de valor no processo produtivo, decorrente do desenvolvimento das forças produtivas, faz com que o crédito, na redução necessária da massa de mais valia daí resultante, seja mero substituto da sua produção, redobrando-se o endividamento e a massa de capital financeiro como a determinação contraditória da própria produção de valor. Isto implica em que circular o dinheiro torna-se menos desvantajoso do que torná-lo produtivo, pois a demanda por créditos aumenta o preço do dinheiro e torna os juros mais rendosos do que a própria taxa média de lucro, o que leva a uma imposição do capital a juros na reprodução crítica de uma sociedade fundamentada na produção do valor. Os juros, originalmente determinados pela produção, isto é, pelo lucro, substituem o mesmo na medida em que produzir valor é a determinação negativa do capital produtivo. O mercado de capitais, dada a sua ociosidade produtiva, é maior do que o mercado de capitais produtivo, de modo que o primeiro se independe do segundo e o capital se torna capital especulativo, isto é, capital que espreita a sua valorização não mais posta na relação capital trabalho, mas na própria oferta e demanda de capitais, ações, dívidas públicas e privadas dentre outras formas de capitais propriamente financeiros. A produção de valor atinge o seu grau mais desenvolvido, isto é, a sua forma mais crítica em que a valorização do valor é meramente fictícia, pois o tempo zero de trabalho posto por esta produtividade torna todo trabalho concreto um trabalho improdutivo. Se o capital a juros se põe, mesmo enquanto capital produtivo, como a forma mais abstrata e fictícia do capital, como expressa Marx (1988, Vol. III), na improdutividade crítica do capital em seu maior grau de desenvolvimento das forças produtivas, os juros devem ficcionalizar o próprio trabalho numa sociedade do não trabalho. NEGÓCIOS IMOBILIÁRIO E ESPECULAÇÃO FINANCEIRA TOS DA CRISE DE 2008. DO CAPIT AL. ELEMENAPITAL Marx observara os sentidos contraditórios entre expansão da taxa de mais valia e a redução de sua massa, sendo uma necessariamente determinada pela outra, constituindo isto a identidade contraditória do próprio lucro. A expansão do dinheiro e a inserção dos negócios imobiliários como forma prevalecente da reprodução do capital, a partir dos anos 1970, é uma das formas de ser da determinação da crise da valorização do valor. A análise de alguns dados sobre a economia norte americana talvez nos ajude a compreender os fundamentos da ficcionalização da consciência enquanto indivíduo moderno. Não obstante a extensão mundial do dinheiro em circulação, a economia norte americana, numa ascensão do número de postos de trabalho entre os anos 1964 e 2008, acresce de 58.391 mi de empregos totais (indústria e serviços) para 136.167 mi em 2008. Contudo, no primeiro ano deste período 33,79% constituíam empregos na indústria, contra 68,21% de empregos no setor de serviços. A passagem da década de 50 para a 60 constitui o momento de transposição do setor de serviços por sobre o ramo propriamente industrial. Para ficarmos com o extremo deste processo, observe-se que, em 2008, a relação é de apenas 15,36% de trabalhadores industriais, contra 84,64% em serviços (ERP, 2009). Intensifica-se a contradição identitária do capital se observarmos, ainda, dois fenômenos relacionados. Um primeiro, que é a redução dos postos de trabalhos na indústria simultaneamente a um significativo aumento da produção física industrial. Para o mesmo período, considerando-se 2002 o índice 100, a produção industrial de 1964 é de 32,1 sendo 15,13 o número índice de empregados na indústria (equivalente a 19.733 mi de trabalhadores). Este índice, numa seqüência qüinqüenal de 1964 a 2008 varia: no ano de 1964 15,13; seguindo 17,50; 17,9; 19,17; 17, 90; 18,40; 17,40; 16,70 e 16,00, em 2008. Isto implica que variou de 19.733 mi de trabalhadores em 1964 a 20.920 mil em 2008, sendo o ano de maior ascendência de trabalhadores industriais da seqüência o de 1979, com 24.997 mil de ocupados na indústria. Nesse sentido, com uma curva descendente de número de postos de traba- 47 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... lhos industriais há uma significativa ascensão da capacidade produtiva dessa mesma indústria. Assim, em 1964 tem-se o índice para a produção industrial de 32,1; 1969 = 43,3; 1974 = 50,2; 1979 = 57,8; 1984 = 60,5; 1989 = 69,1; 1994 = 76,8; 1999 = 99,5; 2004= 103,8; 2008 = 107,3 (Ver Gráficos 1 e 2). A curva, no entanto, tende ao inversamente proporcional, mostrando que cada vez mais o capital carece de menos trabalho para produzir uma massa maior de produção material e, do ponto de vista de sua composição de valor, cada vez mais menos trabalhadores movem uma massa cada vez maior de valor posto na forma de capital constante, resultando tanto numa produção menor de valor quanto numa distribuição cada vez mais fragmentada, em cada mercadoria produzida, deste valor reduzido. A ascensão dos investimentos no setor de microeletrônica de alta tecnologia, aliás, determina uma redução absoluta da massa de mais valia na medida em que a redução do volume de capital variável pela micro-eletrônica – segundo a série de 1974 a 2008, com índice 100 para 2002 – é estrutural do ponto de vista da economia mundial. Ou seja, o tempo médio de trabalho socialmente necessário é aquele definido pela determinação do não-trabalho sobre o próprio trabalho, isto é, há uma dilatação do trabalho improdutivo sobre o produtivo. Se em 1974 este índice da produção microeletrônica está a 0.5 a sua contínua ascensão até 2008 chega a 267.3. Isto tudo numa contraposição aos índices de produção industrial como metais primários, borracha e plástico, para ficarmos com alguns (gráfico 3). (ERP, 2009) Some-se a isso um encarecimento – ascensão dos preços – de matérias primas industrializadas que atingem especialmente os químicos e metais (ERP, 2009)2, encarecendo a produção industrial para os produtos finais. Tal capacidade produtiva, que vai necessariamente junto com a redução da capacidade relativa e absoluta de o capital produzir valor, fundamenta uma necessária desvalorização do valor que se expressa através de uma economia inflacionária. Isto, aliás, analisamos mais pormenorizadamente para os anos 1950 nos EUA (cf. ALFREDO, 2008). Este processo inflacionário, em outros termos, está determinado por esta forma negativa de valorização do valor que leva não só à extensão do setor de serviços que torne capaz de circular o capital, dada a sua estabilização em sua figura de mercadoria M...M, como redunda num aumento do volume monetário, isto é, de capitais monetários excedentes. A contínua necessidade de maiores investimentos na renovação da capacidade produtiva exige montantes sempre maiores de fundos de reservas que, postos sob a custódia do capital bancário e financeiro, reúnem-se na forma de capital de empréstimos que acabam por reduzir o tempo de investimentos na renovação dos capitais produtivos. Especialmente quando, devido à concorrência e ao desenvolvimento do departamento I da economia (produtor de bens de produção) esta inovação se faz necessária antes mesmo da rotação total do capital constante. A ascensão do volume de dinheiro e crédito (Gráfico 4) juntamente com a queda tendencial da taxa de lucro – expressão que categoriza o fenômeno estatístico aqui apresentado – conduz, no mínimo, à equalização da taxa de lucro à taxa de juros, tornando a transferência do capital produtivo para o setor financeiro uma resultante. Deslocando-se do setor produtivo para o setor financeiro carece ao capital encontrar formas de sua auto-remuneração, determinada, contraditoriamente, pelo tempo zero de trabalho necessário. 2 Economic Report of the President, documento do governo norte americano. 48 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 Gráfico 1 - Estados Unidos da América índice de Emprego e Produção Industrial (2002=100) Fonte: ERP, 2009 Organizador: Anselmo Alfredo, 2010. Gráfico 2 - Estados Unidos da América - Emprego Industrial e em Serviços 1964-2008 Fonte: ERP, 2009 Organizador: Anselmo Alfredo, 2010. 49 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... Gráfico 3 - Estados Unidos da América - Índice de Produção Industrial (2002=100) 1974 - 2008 Fonte: ERP, 2009 Organizador: Anselmo Alfredo, 2010. Gráfico 4 - Unidos da AméricaEstoque de Dinheiro e Crédito 1969-2008 E adots Fonte: ERP, 2009 Organizador: Anselmo Alfredo, 2010. 50 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 A ascensão do setor imobiliário como um dos principais ramos de investimento do capitalismo mundial, a partir dos anos 1970, constitui parte integrante da independência do dinheiro em relação ao setor propriamente produtivo. Na exposição de Mandel (1990) De novo, não há nada de acidental nessas bancarrotas espetaculares. O boom de 1972/1973 havia sido essencialmente especulativo. A especulação imobiliária – da mesma forma que a especulação de matérias-primas – é um produto inevitável da inflação acelerada. Quanto mais o investimento produtivo se enfraquece ou estagna e quanto mais os bancos dispõem de uma abundância de liquidez, buscam alocações lucrativas em outro lugar, portanto também nos negócios imobiliários. A crise da indústria de construção civil foi – com a crise da indústria automobilística – o detonador da recessão de 1974/1975. Ela devia forçosamente provocar um desmoronamento dos preços de terrenos para construção e, portanto, a insolvabilidade de numerosas sociedades especializadas no financiamento imobiliário. É a própria lógica do sistema que conduz a essas falências em cadeia. (67) Neste sentido, há uma ascensão mundial do setor imobiliário na medida em que o capital excedente derivado de sua alta produtividade não encontra parâmetros remunerativos em seu investimento propriamente produtivo, ou naquilo que a economia política chama de capital real. O setor imobiliário é especulativo não necessariamente porque visa, na ascensão do preço do imóvel, a uma valorização, mas porque a sua forma de operacionalizar permite uma circulação do capital financeiro. A crise imobiliária dos anos 1990, com sua deflagração em 2008, nos Estados Unidos, advém somada por uma característica peculiar na crise da valorização do valor em nível mundial. Os países da periferia do sistema capitalista, especialmente da Ásia e Oriente Médio constituíram importantes reservas financeiras na expectativa de se livrarem de uma possível nova crise interna, reunindo-se para esta possibilidade a alta do preço do petróleo. Parte considerável desta poupança se constitui em investimentos nos EUA e aumenta os ativos do Tesouro Americano (títulos pretensamente de baixos riscos) que acabaram por aumentar significativamente tal oferta reduzindo, assim, a taxa de juros que os mesmos ofereciam. Isto especialmente àqueles que tinham como lastro as hipotecas imobiliárias das maiores investidoras mundiais do setor, as norte americanas Fannie Mae e Freddie Mac (ERP, 2009, 63). É certo que tais transferências não são a causa da baixa da taxa de juros de tais títulos, mas tão somente resultadas de uma sociedade em que o setor propriamente produtivo não significa uma remuneração de menor risco que o setor financeiro mesmo. De qualquer maneira, tal barateamento do dinheiro levou a economia americana, ao longo da década de 90, a restringir significativamente a expansão do crédito através dos títulos dos ativos do tesouro, como forma de conter a queda da taxa de juros. Em última instância, os considerados países em desenvolvimento, reuniam-se ao centro do capitalismo mundial através de uma impossibilidade de valorizar o valor, participando, entretanto, da mesma ciranda financeira que era a do capitalismo mundial. A disponibilidade de capital fictício, entretanto, ao mesmo tempo em que diminui a taxa de retorno, leva à necessidade de se investir em títulos hipotecários de mais alto risco, que oferecem maior retorno, compensando a queda geral desta remuneração junto aos títulos mais seguros. O resultado é uma extensão significativa do setor imobiliário financiado pelas hipotecas que permitem uma passagem dos empréstimos entre agências bancárias de vários formatos. Empresas como as “Fannie” acima citadas, produzem títulos dos empréstimos imobiliários que são vendidos aos bancos, ao mesmo tempo em que repassam o dinheiro às instituições financeiras para serem cedidos, na forma de empréstimos, aos, finalmente, compradores ou mutuários. Os títulos bancários são negociados na forma de crédito e ações no mercado financeiro mundial ampliando a base fictícia do capital. Em tal circulação está inclusa a solvabilidade da produção e comercialização de mercadorias tanto no plano do consumidor final – crédito para consumo de bens duráveis, por exemplo - quanto no plano das trocas entre nações. Tudo tendo como lastro a solvabilidade insolvável do setor imobiliário. A circulação deste capital financeiro é, entrementes, dividido em empréstimos de curto e de longo prazos, ampliando a base fictícia de tais montantes que é, então, circulada através do setor bancário em nível mundial. Contudo, a expansão dos empréstimos a longo 51 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... prazo – no setor produtivo, por exemplo - têm como lastro fictício os pagamentos de curto prazo que permitem (tais empréstimos) uma constante renovação de dívidas e novos empréstimos, incrementando a oferta imobiliária. É o volume de capital ocioso que acresce a demanda do setor imobiliário que, assim, é fundado por um capital improdutivo, pois o volume produzido de imóveis advém como demanda de capitais improdutivos e não através da demanda dos salários.3 Efetivamente, o crescimento do preço se dá por esta demanda que, inevitavelmente, está acima daquilo que se põe como necessidade solvável pela sociedade, pois tais investimentos são já oriundos de uma produtividade contradizente à valorização do valor no setor propriamente produtivo. Resultam, no entanto, de uma impossibilidade de se tornarem salário, dado o desenvolvimento das forças produtivas e a contradição entre taxa e massa de mais valia. Tal volume, enfim, é resultante da forma como os salários e, então, a relação capital trabalho, já está posta. A promessa de trabalho que efetiva a sua forma de crédito é uma contradição nos próprios termos. São expressão da insolvabilidade do capital enquanto capital e não da insolvabilidade da sociedade a essa expansão das hipotecas, ainda que desta maneira apareça. Este processo não se põe, assim, como crise de consumo, mas de superprodução em seu sentido categorial, que leva à desvalorização do valor pelo excesso de capacidade produtiva. A massa de créditos cedidos à sociedade mundial e americana em particular advém não de uma falta de regulamentação do setor financeiro. Ao contrário, do excesso de capitais produtivos que, ao restringirem a oferta governamental de tais títulos teve de se fazer através de uma expansão dos títulos não garantidos por seguros e com baixíssima exigência do controle sobre a possibilidade de seu pagamento pelos mutuários, expressando-se, na ascensão do risco de tais ativos, a insolvabilidade do capital enquanto capital. A oferta destes ativos – os famigerados subprimes - cresce através de uma série de facilidades de acesso, a ponto que as hipotecas dos mutuários torna-se maior do que o valor de suas próprias casas, além de uma série de facilidades de pagamentos, em parcelas das prestações, que incentivam a expansão da circulação fictícia deste capital. A ascensão do preço dos imóveis, dada por esta fictícia demanda, torna ilusória a possibilidade de que, em qualquer dificuldade, a venda do imóvel, com preço ascendente, poderia permitir uma satisfação dos compromissos hipotecados. Contudo, com excesso da oferta do setor imobiliário o preço dos imóveis começa a variar e os bens hipotecados tornam-se menores do que a dívida que por eles são garantidas. Os mutuários se indentificam numa situação “underwater” (ERP, 2009, 65-66), isto é, de submersão nas dívidas, e tendem a desfazer-se de seus bens incrementando ainda mais a oferta e restringindo, abruptamente, a expansão de novos investimentos em construção imobiliária (ERP, 2009, 69-70) (cf. gráfico 05). A inadimplência (cf. gráfico 06) é tão somente a expressão da ficcionalidade do preço em relação ao valor. Isto evidencia a ficcionalidade de tais capitais e desvaloriza títulos e ações lastreados nesta ficcionalidade que circulam os negócios mundiais. Tem-se, assim, uma crise que ascende à reprodução do próprio capital fictício, não mais do capital produtivo que se tornou financeiro e os próprios bancos não são capazes de solver os créditos por eles emprestados porque os pagamentos de curto prazo não mais ocorrem. A circulação do capital fictício pôs-se uma autolimitação lógica, revelando que a expansão do setor imobiliário não é a fronteira salvadora dos capitais ociosos, visto que não se baseia numa valorização do espaço, tornando, aliás, tal categoria um fetichismo em relação à forma crítica pela qual se dá a reprodução das relações sociais de produção. A produção do espaço urbano não é, entretanto, a tábua de salvação do capital, como pretende Harvey (2009). Tal categoria se põe, assim, conservadora, porque não desvela a crise que carece ser observada. 3 As determinações da demanda imobiliária pelo volume de capitais ociosos foram observadas também por Robert Kurz (1993), especialmente no capitulo O fracasso da modernização. 52 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 Gráfico 5 - Estados Unidos da América - Débito Imobiliário Hipotecário a Prestação 1949-2008 - em US$ bi Fonte: ERP, 2009 Organização: Anselmo Alfredo, 2010. Gráfico 6 Fonte: ERP, 2009 Organização: Anselmo Alfredo, 2010. 53 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... O sentido será, entretanto, uma produção imobiliária, tal qual o processo produtivo industrial, que é desvalorização do valor. É este capital excedente que, nas mãos dos mutuários, simula, ficcionaliza salários, isto é, trabalho necessário, mas cuja resultante é a circulação de capital que põe um preço cuja relação com o próprio valor é negativa. A queda dos preços é própria desta lógica, pois, a médio prazo, o resultado é um crescimento do setor imobiliário que põe uma oferta que, na queda inevitável dos preços, revela que a capacidade produtiva representada por este dinheiro põe o setor como desvalorização de capital ocioso e é, assim, desvalorização da desvalorização. A condição especulativa se dá, justamente, porque a ascensão dos preços imobiliários se faz descolada da própria produção do valor e como mera circulação de créditos. Tal fenômeno, aliás, se expressa quando a oferta do setor imobiliário conjuntamente com o crescimento das dívidas não pagas faz com que o preço geral dos imóveis se torne menor do que as dívidas adquiridas pelos mutuários evidenciando que o lastro do suposto valor posto pelas hipotecas é criticamente menor que o montante de crédito advindo deste mesmo lastro. Tem-se, entretanto, uma independência do dinheiro e do crédito em relação ao processo produtivo, efetivando os sentidos que deu Marx (1988, vol. III) à noção de capital fictício. Para Marx, esta forma de ser do capital ficcionaliza a sua relação substancial, isto é, a produção de valor. Para tal, expande a base monetária e creditícia para além daquilo que a valorização do valor teria condições de remunerar. Resulta que há uma ficcionalização da relação categorial que só em sua determinação ilusória tem possibilidade de pôr o processo de circulação de capital. Tal circulação, enquanto circulação geral do capital, isto é, o capital enquanto capital circulante, se o faz sem se pôr em sua figuração de capital produtivo e é a forma fetichista de ser do capital que se faz como potência de sua própria reposição, ainda que crítica. A ficcionalização da substância valor é, entretanto, a ficcionalização de tudo, pois aquilo que está em tudo é o que dá a identidade de substância, sendo a ficção a forma de ser desta substancialidade é de se compreender que a substância é a ficção. Contudo, o indivíduo, ou melhor, a consciência individual, se faz enquanto tal no desenvolver da forma crítica da reprodução do capital. Na ficcionalização substancial do capital, a sua forma de ser enquanto indivíduo é uma consciência invertida ao processo ficicionalizado e, portanto, fetichista. Tal processo, ao ser a dessubstancialização do valor tem de aparecer invertidamente na subjetividade individual moderna como produção de valor, isto, aliás, é ser indivíduo em sua contraposição ilusória ao social. Não somente porque, caso contrário, não se faz sentido falar em ficção, afinal, a noção de capital fictício remete, necessariamente, a uma dimensão da consciência para que o mesmo se efetive enquanto tal. Mas especialmente porque esta ficção se lhe permite mover a reprodução do capital sob a égide de seu conceito ainda que lhe falte a substancialidade que dá fundamento às categorias que o formam. Neste aspecto, que dizer da substancialidade de um pensamento crítico? A própria ação prática não se configuraria como a resultante teórica de uma sociedade ficcionalizada em seus fundamentos? O Contra-senso de uma T eoria Prática e a Necessidade de uma Prática Teoria Teórica. O que dizer da prática? Kant, em sua Metaphysique des Moeurs (Metafísica dos Costumes), buscava não somente os caminhos de uma prática, mas que, para tal, era necessária a construção de uma crítica. Isto se configura em sua exposição como a forma de desvelar a necessidade de se antepor o próprio pensamento à ação que então conformava uma inversão em relação àquilo que se compreendia ser a ação. O conceito de liberdade e de moral teriam de se fazer como a determinação regente da própria ação. A pré-posição do pensamento em relação à ação que, para Kant, constitui o a priori de liberdade, ou o princípio universal do direito é a forma de definir a liberdade segundo uma determinação mentada que pré-dispõe, contudo, a ação dos indivíduos a sua realização, ainda que não atingida, desde que a ação prática não se relacione destituindo o sentido de liberdade que fundamente este a priori. Em última instância, a indeterminação de liberdade, isto é, a sua 54 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 determinação negativa, ou seja, o fato de ela não se pôr como forma de ação prática dos indivíduos entre si, deve, necessariamente, guiar a postura e ação interindividuais de modo que esta não recuse ou negue a forma idealizada a que liberdade se nos remete. O imperativo categórico - sintético e não hipotético-, entretanto, estrutura a ação prática que, assim, é determinada idealmente, poderíamos dizer: teoricamente. A crítica advém do reconhecimento de uma não liberdade, mas que, posta pela negativa, define o sentido da ação interindividual da luta de todos contra todos a um sentido que não negue este pressuposto de liberdade. Mediada por uma dimensão abstrata e mentada, teórica, diríamos, o sentido deste interagir se leva, necessariamente, a uma concepção que conduz, nos termos de À Paz Perpétua, a reunião da realidade à letra. Mas posta sobre o imperativo categórico segundo o qual “‘É justa toda ação que pode ou cuja máxima pode deixar coexistir a liberdade do arbítrio de cada um com a liberdade de todo o mundo segundo uma lei universal’” (KANT, s/d, 479), a negatividade da condição de liberdade anteposta, tão somente permite efetivar o oposto daquilo a que se pretende. O livre arbítrio posto como a forma prática desta liberdade nada mais é do que uma determinação formal de justiça que limita a ação segundo os pressupostos que põem a condição de indivíduo e de sujeito numa contradição insolúvel, ao contrário da racionalidade em que esta doutrina kantiana se fundamenta. A liberdade individual nada mais é do que a reposição no indivíduo do processo social, sendo esta contradição a condição identitária e fetichista de indivíduo. Ao que pese a necessidade de se desenvolver ainda este aspecto, acrescente-se que não se faz a apologia do indivíduo contra a sociedade, mas que o livre arbítrio assim posto é uma coação que leva, necessariamente, à sobredeterminação do social sobre o individual, tornando inócua a própria posição do indivíduo nesta constelação lógica e social, a não ser como fetichismo de sujeito e da própria ação. Deter, aprioristicamente, os limites da ação é, na ante-sala, dizer sobre os limites a que estão condicionadas as ações individuais, sendo estas, entretanto, tão somente a reprodução social contra o indivíduo. Ser indivíduo, entretanto, é deter a consciência fetichista de sujeito e de ação. Nestes estritos termos, a própria condição de liberdade e de indivíduo deve estar sujeitada a esta condição fetichista e só nestes termos pode-se falar tanto em liberdade como em sujeito. Na expressão de Adorno (1975, 232), “Toda causalidade que proceda da liberdade, corrompe a esta convertendo-a em obediência.” Desdobrar a liberdade, entretanto, como a prática individual e subjetiva, aquilo que poria um sentido de sujeito no e do processo social, condiciona o apriori de liberdade a se colocar como as tábuas da lei, isto é, como as categorias determinadas da ação individual que nada mais são do que a reposição das mesmas expressas em liberdade individual. A ação prática assim posta é a vontade que se faz determinada pelas formas pré-concebidas da sociabilidade cuja necessidade objetiva desta reprodução põe-se subjetivada como consciência individual. A razão prática, entretanto, na medida em que se faz em sua relação necessária com o social, isto é, com as leis gerais de reprodução do social é, tão só e contraditoriamente, a forma subjetiva da objetividade do Real moderno. O indivíduo é a ilusão como efetividade, posto pelo e pressuposto do social. Desenvolvendo-se o aspecto segundo o qual: a liberdade individual nada mais é do que a reposição no indivíduo do processo social, sendo esta contradição a condição identitária e fetichista de indivíduo, a cisão entre sujeito e objeto, entretanto, se define segundo o pressuposto da modernização em que a objetividade da forma de ser da reprodução das relações sociais deve conter uma dimensão da consciência como momento – no sentido hegeliano, isto é, intemporal – da reposição geral destas mesmas relações. O indivíduo e sua concepção de liberdade individual, que leva à consciência da ação, é tão somente a forma necessária de consciência fetichizada como fundamento da cisão entre sujeito e objeto. Ser esta cisão, que se define, do ponto de vista do pólo subjetividade como a ação ou a prática, é esta forma de consciência e não outra. O objeto, entretanto, não está lá, como o ser em si fora de mim, mas já que forma de pensamento (KANT, 1980) é, ao mesmo tempo, - na superação hegeliana da estética transcendental kantiana - o pensamento enquanto seu próprio objeto, superado idealmente no conceito; concebe-se o ser lá tão somente como momento negativo do pensamento e não o ser lá inatingível. Na pretensão prática, aliás, 55 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... reside uma contradição entre prática e teoria que leva necessariamente a considerar a prática em sua forma estritamente fetichista. Se ação prática é ela mesma pressuposta pelas categorias abstratas da sociedade a que está sujeita, de per si, sua ação e posição no Real assim definido nada mais é do que uma forma teórica de expressar-se fetichistamente enquanto tal, isto é, como prática. A ação prática em sua forma inevitavelmente fetichista, entretanto, leva a uma concepção de que o fazer se contrapõe ao não fazer quando em realidade a ação se faz como a reprodução das determinações abstratas, categoriais da sociedade moderna e, inconscientemente, é realização teórica porque objetiva, subjetivação da objetividade da forma de ser da sociedade moderna. Ser o indivíduo é contradizê-lo, na medida em que ele é posto e reposição pelo e do social. Isto, contudo, não implica que estamos na dimensão de uma prática teórica, mas na dos sentidos fetichistas de uma teoria prática, pois que esta não se compreende como a reprodução daquilo que se pretende contra. Desvela-se, em verdade, as contradições insolúveis de uma pretensão prática diante de uma sociedade em que tal consciência prática é condição de sua própria efetividade, justamente porque não se faz como prática. Se o pressuposto da ação individual é uma lei geral que resulta numa reposição do social a própria individualidade é uma contradição que fetichiza o indivíduo, subjetivação da objetividade contra a qual busca se posicionar. A ação prática, assim posta, é teórica, mas a militância, encarnando a ontologia da ação posta no movimento de nervos e músculos, como aquilo que transhistoricamente se faz como ação, não se permite observar como uma forma teórica e abstrata de ser, na medida em que seu resultado é a reposição das categorias abstratas que determinam esta forma invertida de consciência como momento do Real. Considere-se, inclusive, que trabalho humano abstrato, trabalho humano, desgaste de nervos, cérebro e músculo, postos na leitura de Marx (1988), primeiro volume de O Capital, são já formas abstratas de ser da própria atividade, enquanto trabalho produtivo e ação e, assim, realização de uma forma teórica de prática que Marx, buscando explicitar esta síntese contraditória, por bem denominou-a de abstração real. Se isto se subjetiva enquanto ação individual, a noção de personificação, posta por Marx no primeiro prefácio de O Capital (MARX, 1988), nada mais é do que a forma de compreender a relação entre sujeito e objeto como uma consciência invertida das determinações objetivas compreendidas como determinação do sujeito. Tal cisão se põe tão somente se invertida estiver. Pensar as determinações sociais como oriundas da ação do sujeito, ao invés de se compreender a ação individual (ou de sujeitos coletivos) como a consciência subjetivada (fetichista) da objetividade social, isto é a relação sujeito objeto. A inversão, isto é, o indivíduo e o sujeito postos como ilusão de indivíduo e de sujeito, é a coisificação do social que, posto lá, fora de mim, porque em mim estariam as determinações individuais do social, coisifica o Real. Isto implica em desconsiderar o Real no âmbito de suas contradições em que o pensamento lhe é uma de suas determinações. Desta maneira, a própria inversão é uma coificação, pois que, só deste modo, cindindo o social entre sujeito e objeto é que tal relação se põe e, entretanto, a sua inversão é uma ilusão, pois que desinvertida não se forma mais a própria cisão sujeito objeto. Dizer, nos termos de Marx, o capital, ou o dinheiro é o sujeito do processo social, nada mais é do que identificar a objetivação completa do processo social em que a subjetividade, nos termos da relação entre forma e conteúdo (na alteridade de forma mais acima elaborada) é uma ilusão de alteridade. Não há a passagem entre sujeito e objeto nos mesmos termos da Fenomenologia hegeliana, em que, o objeto posto como forma de pensamento é já um momento do pensamento a ser superado enquanto tal. Na consciência fetichizada do indivíduo moderno, o objeto, ao se identificar com a materialidade objetual do processo social coisifica o pensamento e, assim, não permite a compreensão disto como forma de pensamento. Disto resulta que o indivíduo, materialidade coisificada em carne e osso, é o osso do espírito, segundo Hegel (1991), é indelével, do ponto de vista da consciência moderna. Para Adorno (1975), a relação sujeito objeto assim posta não se faz meramente como um fetichismo reprodutor. A dilatação do social, cindida entre indivíduo e sociedade, é não só uma forma contundente de expressar um limite classista na compreensão do Real e de consciência sobre o mesmo, mas que esta relação entre o Universal (social) e o particular 56 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 (individual) se faz numa contradição em que a identidade negativa de sua dialética não se resolve na conservação identitária do próprio conceito. Sem considerar aqui as questões de método a que isto remete, não implica necessariamente em desconsiderar o conceito como regência, mas tão somente de explicitar que só negativamente está posto. Deste modo, a sua regência é ilusória, ainda que efetiva como ilusão, e a conciliação dos contrários na unidade do conceito, do ponto de vista de uma dialética materialista, implica numa passagem do social para o individual cuja alteridade entre a forma individual e a social é tão somente a ilusão de passagem, pois se reitera a forma abstrata social como ilusão de individual. Seguindo os passos da dialética hegeliana, que fundamenta a inversão marxiana na forma valor, não se tem aqui uma passagem entre forma e conteúdo. A forma é o conteúdo dela mesma e o conteúdo, enquanto esta alteridade formal necessária é mera ilusão, daí o fetichismo como necessidade intransponível numa sociabilidade posta por esta cisão. A ação prática e a condição subjetiva como algum sentido de alteridade, entretanto, é inevitavelmente uma ilusão necessária. Contudo, a negatividade do conceito – nos termos de uma dialética negativa - que se faz como a reiteração do social como social leva a uma consciência homogênea e de igualdade que se põe como a consciência necessária para uma sociedade que reduz as diferenças pela forma mercantil da equivalência. Eis a expressão prática, se se quiser, destas determinações abstratas, teóricas e sociais: nesta homogeneidade cada um é a substituibilidade do outro, cujo resultado é a vicariedade, a trocabilidade de todos no processo social, pois que cada um é o mesmo do outro e não o outro de si mesmo, como se tece a dialética hegeliana. A forma individual do social é tão somente esta prescindibilidade, pois o indivíduo é a ilusão de indivíduo, esta é a sua efetividade. Nesta razão i-racional, a expressão de Adorno (1975, 364) é significativa, “... a culpa de viver se chegou a fazer irreconciliável com a vida”, pois que estar vivo, nesta sociedade, é já um contrapor-se à liberdade e ao livre arbítrio, porque depõe o pressuposto da prescindibilidade a que todos estamos institucionalmente subjugados4, como condição da própria reprodução social. Isto fundamenta, aliás, a reflexão adorniana da ascensão do número de suicídios no século XX, mas não é só isto. A compreensão daquilo que significa o estar vivo, ainda que isto não seja uma ontologia, é uma análise dos sentidos da morte. A expressividade da violência formal do capital passada à violência física5 - assassinatos, chacinas, estupros, reclusão carcerária, genocídios que acompanham desde sempre o civilizatório moderno, etc. - mas banalizada, vivenciada diariamente sob a égide da espetacularização, nada mais é do que forma ilusória de indignação que esconde o reconhecimento de que ninguém falta. A condição vicária no processo social é de todos e tal forma de indignação mais revela aquilo mesmo que quer esconder, a naturalização e localização da morte. Em sua espetacularização os sentimentos se resolvem como forma de consciência. O clamar pela rigidez legal como forma de coibição de uma realidade cuja crise é a intensificação física e formal da violência de cada um sobre todos reafirma a contradição de liberdade individual a que ela se propõe, afinal, a lei é a reposição do social sobre o individual sendo, a sociedade civil, entretanto, o obscurecer desta contradição, ao mesmo tempo que a realiza. A pena de morte é expressão máxima de que esta banalização é um aceitar da prescindibilidade do outro e de cada um, iludida pela defesa de uma liberdade individual que não seja o mesmo que se está recusando. Afinal, não é a nação mais liberal do planeta que a exerce em nome do livre arbítrio? A 4 A formação do trabalhador e de seu respectivo trabalho é a forma institucional, enquanto sociedade civil e fetichismo de igualdade, fundamento dela, desta prescindibilidade de todos e de cada um. Em última instância, a concorrência de cada trabalhador em relação ao outro pode ser compreendida do ponto de vista de que o mesmo subjetivou como sucesso pessoal – caso consiga se manter e ascender na ordem do trabalho – aquilo que é a forma de subjetivação da objetividade da forma trabalho que se fez na ruptura do trabalho complexo ao trabalho simples. A passagem da manufatura para a maquinofatura e, posteriormente, à grande indústria - para ficarmos na expressão industrial deste problema - é a destituição das condições artesanais do trabalho para uma forma automatizada do processo social em que as tarefas pré-postas pela mecanização do trabalho define a atividade do trabalhador tornando as habilidades pessoais uma barreira que o capital superou na sua forma social tautológica posta como valorização do valor. Neste percurso, forma-se o mercado de trabalho que é a homogeneidade de todos e, assim, a necessidade de cada um a não ser como mediação para a sua própria vicariedade. 5 Uma análise desta violência sob a justificativa ecológica pode ser vista na Livre Docência de Amélia Luísa Damiani (2008). 57 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... eliminação dos julgados de morte, ainda que se faça em nome da liberdade individual, é determinada pela expressão que está neles da i-racionalidade que esta mesma liberdade se põe para com ela mesma, pois que o criminoso tão somente exacerba esta personificação quando do ato de seu crime. É, no entanto, a revelação da contradição entre liberdade e prescindibilidade, posta na figura do condenado, forma de ser do livre arbítrio, que a pena de morte mata. A pena fatal em defesa do livre arbítrio fetichiza a contradição que defende: cada indivíduo será a lei social que é a vicariedade de todos, quando revelada, mata-se; eis a liberdade do indivíduo, eis o resultado de sua ação prática, ou seja, da defesa de uma legalidade posta como manutenção das categorias do capital. Se “Auschwitz confirma a teoria filosófica que equipara a pura identidade com a morte” (ADORNO, 1975, 362), o terrorismo, entretanto, não é uma razão posta num tempo e num espaço, mas é a forma social de ser do moderno, a sua expressão no holocausto dos anos 1940 é o momento da integração absoluta posta pela homogeneização (ADORNO, 1975, 362), pela forma mercadoria que, enquanto uma das mediações sociais, põe o terrorismo como próprio do moderno. “Quando no campo de concentração os sádicos anunciavam a suas vítimas: ‘amanhã te serpentearás no céu como fumaça dessa chaminé’, eram expoentes da indiferença pela vida individual a que tende a história. De fato, o indivíduo é já em sua liberdade formal tão disponível e substituível como o foi logo sob as patadas de seus liquidadores.” (ADORNO, 1975, 362) Revela-se a classe como limite da opressão que o capitalismo concorrencial punha como inconsciência social. A subjetivação moral desta forma social terrorista como prática e liberdade individuais, não só se generaliza, ao longo do século XX, através da expansão imperialista do capital monopolista e sobrepõe o indivíduo sobre as classes sociais (desdobramento de uma só violência). Mas a crise desta reprodução intensifica tal lógica terrorista, expressão de sua impossível eternidade quase desvelada pela crise. Expressão disto é a exacerbação da violência. Nesta medida, diante da equivalência, redução da dialética entre igualdade e diferença, a crise carece do fetichismo da permanência, negação de sua identidade como passagem, no sentido intemporal de essência (gewesen) em Hegel (1968). A ontologia, passível de não mais ser considerada como algo próprio do homem, ou mesmo da sociedade, tende a uma des-ontologização, na medida em que a crise é uma crise das relações categoriais que formam a consciência fetichizada do indivíduo enquanto indivíduo. Nesta medida, é necessário um aprofundamento daquilo que se põe como naturalização das relações às quais especificam as condições sociais do próprio individual. Não se fala tão somente da ontologia do trabalho, este compreendido como sendo da natureza do humano, mas da ontologia da existência que, enquanto posta como a forma de ser do capital, torna-o insuperável, daí um fetichismo do existencialismo. Na crise do fundamento do capital, em sua possível desnaturalização enquanto forma de consciência, torna-se ainda mais premente a dicotomia não dialética entre o orgânico e o inorgânico, nos termos da Fenomenologia do Espírito de Hegel (1991). A natureza (orgânico) posta como o além-lá é o impensado, existente de per si e assim, o indelével, intocável pela consciência que é prescindível para explicitar aquilo que, nesta forma, prescinde da mesma. É tão somente a necessária prescindibilidade da consciência na compreensão do natural (orgânico) que faz da natureza a própria natureza. Neste sentido, na Fenomenologia do Espírito, o ser do natural nada mais é do que uma forma de pensamento – como o que não detém o pensamento, ou mesmo a razão – que não se compreende como tal. O natural é esta inconsciência de um momento do pensamento que o identifica e, assim, constitui parte de sua própria razão. Para Hegel (1991), entretanto, tudo o que é impensado se torna natureza. Contudo, a negação do pensamento, como o natural, nada mais é, para Hegel (1991), que o reconhecimento do próprio pensar. Sendo assim, o natural se conserva enquanto tal, na medida em que é um momento da razão, contradição entre orgânico (natural) e inorgânico (espírito). O orgânico, como o observável, o que se contempla, se põe como momento da reflexão, na medida em que observar é o reconhecimento de que a razão se faz negativa a si mesma na forma da contemplação e, assim, a identifica como razão, pondo o refletir como necessidade. Neste movimento, há uma refle- 58 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 xão dela para com ela mesma, sendo o natural, ou o orgânico, unidade identitária entre racional e irracional, de modo que a razão é a desnaturalização da natureza. Em última instância, para Hegel, não existe natureza, a não ser como momento do pensamento a ser superado. Contudo, não é esta a dialética que se faz enquanto forma de sociabilidade posta pelo sentido tautológico do próprio capital. O que se coloca, nos termos de Lukács (2003), é a naturalização das relações sociais de produção, de modo que o próprio capital se torna algo que identifica a natureza do homem. As leis sociais, assim, se colocam como que da natureza e, portanto, imutáveis, impensadas. Resulta-se uma cisão entre tais processos cegos, na expressão de Marx (1988, vol I), e aquilo que personifica os mesmos, isto é, o indivíduo. Personificado o processo social como natureza humana, ou mesmo humano, a irracionalidade que é do não pensamento sobre tais processos se constitui numa interpretação orgânica do indivíduo socializado pela mercadoria, enquanto que o processo que o personifica é tido como pura racionalidade. O indivíduo personifica a natureza tornando irracional o homem e racional os processos sociais, não se compreendendo que esta é uma distinção aparente, porque posta como forma de consciência necessária e integrante do processo social de onde é oriunda e, ao mesmo tempo, partícipe. Neste pressuposto, a cisão entre o orgânico e o inorgânico se faz numa distinção entre humanidade e natureza, que retoma, de modo precarizado, a clássica questão filosófica sobre o que distingue o homem de outros animais. Distinção que se apresenta ao indivíduo fetichizado de modo, portanto, invertido. O irracional humano (biológico e natural) se identifica versus o racional natureza (espírito) que, sob muitos aspectos, tal inversão se desvela na espúria versão científica de ação antrópica. Se o capital é da natureza do homem, ao mesmo tempo, personificado enquanto natureza no homem faz deste o irracional (porque o impensado, o vazio posto) e, ao contrário de ser personificação do irracional social, a sua contraposição ao natural (porque humano) é tão somente o expressar de algo que está fora de sua natureza, ou seja, da racionalidade estrita da valorização do valor. O equilíbrio ecológico fetichiza as contradições do capital nesta forma tornando tanto natureza como capital, como homem, uma extensividade do natural. Nada aqui é objeto da reflexão e tudo é posto em sua estrita e insuperável positividade. Nesta inversão, cujo cabimento só se faz pelo fetichismo a que se presta, o ecologismo se fundamenta numa contradição in adjecto, ou seja, a razão é o natural que, enquanto tal, só pode ser a forma de pensamento cujo fundamento é a ausência de razão – porque dada e pronto, dádiva - que a identifica enquanto tal, isto é, natureza ou orgânico e, portanto, não pode ter nem ser razão. Como resultado, a totalidade é a natureza, isto é, tanto o humano como o natural. A distinção entre natural e artificial é puro fetichismo ecológico, pois que tudo posto na forma natural do positivo impensado. O ecologismo é, exatamente, o oposto do que se pretende ser. Mas é em nome desta i-racionalidade que tudo se justifica, por isso mesmo, a defesa naturalista é o fetichismo da diferença, o romantismo facista e totalitário de um capital que precisou esmagar a distinção entre razão e irracionalismo para tornar a irracionalidade do capital a única forma de extermínio aceitável diante de uma possível des-ontologização histórica da modernização. Em nome do verdismo burocrático, econômico e estatista, tudo se justifica. Mas, em última instância, é a eliminação do que se pressupõe considerar como “homem” que fundamenta toda a justificativa. É em nome desta morte que se busca preservar a vida, porque posta a razão no inorgânico (o que não detém o pensamento) é o irracional (humano) que deve ser eliminado. Neste particular aspecto, é a pura identidade formal do racional (ou seja, o não tensionamento entre razão e irracional) como meramente racional que se resguarda e, portanto, a morte. O romantismo em sua versão ecológica no colapso da modernização é o holocausto de nossos dias. Na distinção entre humano e racionalidade, não se observa que aquilo que aparece como racionalidade posta numa concepção de natureza é uma totalização da irracionalidade como forma de pensamento, afinal, o natural é o meramente posto, o ser em si lá e, assim, o impensado. Se a natureza aparece como uma totalidade sistêmica que independe do pensamento para ser o que é, seu pressuposto é o irracional, porque nela não se pode ter o pensamento, como se razão por natureza fosse e, nesse nonsense, defende-se a irracionalidade do capital – que é esta consciência do natural - como se fosse a defesa de uma razão natural do social. Assim, 59 ALFREDO, A. CRISE IMANENTE, ABSTRAÇÃO ESPACIAL... é o puro impensado que carece ser preservado. Contudo, é só como forma de pensamento que se faz como impensado, posto, positividade inquestionável. É justamente isto que tal crítica ecológica não se permite compreender. A crítica de Hegel (1968 e 1991) ao ser-em-si, lá, kantiano é tão mais atual quanto mais antiquada se a queira fazer. A natureza, entretanto, não se faz como uma forma social de se pensá-la. Isto é o que parece, porque sob este pressuposto ela continua positiva, é o ser-em-si-lá. Antes, a natureza é uma forma social de se pensar a própria sociedade, inversão que desvela o totalitarismo posto neste novo romantismo verde da passagem do século XX para o XXI. Não se pode negar que esta é mais uma das formas de ser de uma teoria prática, afinal, não é no apelo de se trocar as borrachinhas de nossas torneiras que se prima pela preservação do irracional? Subjetivismo facista quanto mais tosco se o faça! Mas não é a crise mesmo que se põe como o fundamento deste praticismo? Tanto mais exigido quanto mais crítica a reprodução dos pressupostos da modernização! A crise da reprodução se põe como aprofundamento da crise do pensamento sobre a crise, desvelando-se o que Henri Lefebvre (2009) busca considerar como um estado crítico, isto é, uma situação generalizada de crise em que, fundamentada por uma crise econômica, todos os aspectos da reprodução, dentre eles o próprio pensamento, se colocam impossibilitados de reflexão. A restrição, entretanto, do pensamento, como crise da reflexão tanto deste como das categorias do moderno, leva à necessidade de um pensamento cujo limite é a busca de repor as categorias em crise, sendo este, aliás, o limite da crítica numa situação em colapso da modernização (KURZ, 1993), tornando-se ela (a crítica) uma inocuidade prática, porque estritamente teórica. Na condição fictícia da reprodução social é de se notar que esta se afirma como uma ficcionalização da consciência, como já expusemos, em que a existência (enquanto uma ontologia) das categorias do capital regulam o pensamento no sentido de pôr como inquestionável a reprodução daquilo que perece. Nesta ação prática, enquanto algo transformador, a ilusão é de se tratar de prática, porque ela mesma é uma ficção, visto que o sentido negativo das categorias é o que não se pode evitar e é este mesmo evitar que faz da consciência uma consciência prática. Resgatando a potência da estética transcendental de Kant (1980), o apriori é a forma de ser da consciência moderna em que as categorias do presente são o limite de nossa reflexão sobre o real moderno, segundo Adorno (1975). Neste sentido, a própria ação é sua ficção cujo vazio a que inevitavelmente leva é fundamentada (a ação) pelo fetichismo do dinheiro que, em sua condição de equivalente geral, ficcionaliza o valor e faz tudo parecer como se estivéssemos assentados numa fundamentação hegeliana da contradição. Deste modo, há uma ficcionalização da prática porque, posta sob os pressupostos categoriais do moderno a ação é anterior ao pensamento, porque ela está pré-moldada pela consciência categorial do moderno. Sua ação é, assim, teórica. São os termos do que Robert Kurz considerou chamar de “práxis-teórica”, ou seja, uma condição teórica da própria ação, porque enquanto ação é uma forma de consciência fetichista posta como reposição categorial daquilo que se imagina ser contrário, sem o ser. A ação está sob pressupostos abstratos que a determinam. Na crise categorial intensificada, a ficcionalização da prática é duplicada, pois ficcionaliza uma reposição não mais possível, a não ser como fetiche. Contudo: Enquanto reflexão separada ‘sobre’ a totalidade social transmitida em si, bem como sobre as partes e aspectos desta, ela é teoria da práxis e, na verdade, de toda a práxis dominante, inclusive de si mesma (isto é, também como meta-reflexão afirmativa sobre o caráter da teoria em tais circunstâncias, da teoria enquanto aspecto separado da práxis social). (KURZ, 2007, 07) A contradição do capital leva, contundentemente, à necessidade de se reconhecer os limites do pensamento crítico como momento de um pensamento negativo. Na crise categorial, não deixamos de ter nosso pensamento limitado aos pressupostos do moderno, contudo, a crítica, ou melhor, o pensamento negativo, é a análise e a explanação desta crise. É nesta que se conforma a perda da ilusão de prática, ilusão a que o pensamento reformador remete. A prática, entretanto, é teórica, não se trata de uma teoria prática. Daí a pertinência da afirmação adorniana: 60 Terra Livre - n. 34 (1): 37-62, 2010 Contudo, quando é impossível fazer nada sem que ameace a redundar em mal ainda querendo o bem, há que limitar-se ao pensamento. Tal é sua justificação e a da felicidade espiritual. Seu horizonte não tem por que ser de modo algum o da clara relação a uma práxis possível no futuro. (...) (ADORNO, 1975, 244) CONSIDERAÇÕES FINAIS A contradição não resolvida entre sujeito e objeto leva fundamentalmente à necessidade de se pensar os sentidos de uma teoria prática que, posta sob a perspectiva da manutenção social é teórica, porque busca manter o perecível, cuja essência é a sua passagem. Neste sentido, reconhecer os termos de uma prática teórica é contraponto necessário de um pensamento reflexivo. BIBLIOGRAFIA ALFREDO, Anselmo. Crítica à economia política do desenvolvimento e do espaço, mimeo, 2008. ADORNO, Theodor. Dialéctica negativa. Madrid. Taurus, 1975. DAMIANI, Amélia Luisa. 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A primeira aborda as continuidades e descontinuidades na geografia brasileira, relativas aos periódicos, núcleos de pesquisa, temas e sub-temas. A segunda discute a crescente complexificação de paradigmas na geografia brasileira que, nascida sob influência francesa, torna-se progressivamente mais complexa, plural. Os anos de 1969, 1978 e do início da década de 1990 constituem marcos temporais dessa complexificação. A terceira apresenta a geografia da geografia brasileira a partir da difusão da geografia acadêmica pelo espaço brasileiro. É possível construir um mapa da geografia produzida no Brasil. O texto termina com proposições de pesquisa sobre a geografia brasileira. Palavras-Chave: continuidades, descontinuidades, paradigmas, difusão, centros e relações. Abstract Abstract: This study focuses on the trajectory of the Brazilian geography from 1934 until the end of the first decade of the 21st century. It is organized in three parts in which one complements the other. The first approaches the continuities and the discontinuities in the Brazilian geography relative to the newspapers, research nuclei, themes and sub-themes. The second part discusses the increasing complexification of paradigms in the Brazilian geography which – born under the French influence – has progressively become more complex and plural. The temporal milestone of this complexification were in 1969, 1978 and in the beginning of the 90s. The third part presents the geography of the Brazilian geography based on a diffusion of the academic geography all over the Brazilian space. It is possible to construct a map of the geography produced in Brazil. The text ends with some propositions for further research about the Brazilian geography. ords: continuities, discontinuities, paradigms, diffusion, Key W Words: centers and relations. Resumen Resumen: Este estudio centra en la trayectoria de la geografía brasileña desde 1934 hasta el fin de la primera década del siglo XXI. Él está organizado en tres partes, que se complementan mutuamente. La primera cubre las continuidades y discontinuidades en la geografía brasileña sobre los periódicos, núcleos de investigación, temas y subtemas. La segunda analiza el crecimiento cada vez más complejo de paradigmas en la geografía brasileña, nacida bajo la influencia francesa, y que se progresivamente convierte en algo plural y más complejo. Los años de 1969, 1978 y principios de los noventa constituyen marcos temporales de esta complexificación. La tercera muestra la geografía de la geografía brasileña desde la difusión de la geografía académica por todo el espacio de Brasil. Es posible construir un mapa de la geografía producida en Brasil. El texto termina con proposiciones de investigación de la geografía brasileña Palabras Clave: continuidades, discontinuidades, paradigmas, difusión, centros y relaciones. Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 63-68 Jan-Jun/2010 63 CORRÊA, R. L. A TRAJETÓRIA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA... A trajetória da geografia brasileira pode ser analisada de diversos modos, mas qualquer que seja será sempre seletiva, sendo apresentados e discutidos aqueles pontos julgados pertinentes por aquele que a apresenta. A interpretação de um processo ou objeto é, em realidade, uma construção. Entre os modos possíveis há um que é rejeitado. Trata-se da narrativa cronológica, na qual são apresentados uma sucessão de eventos, instituições, autores, paradigmas, práticas e suas relações, que ocorreram entre 1934, quando se dá a institucionalização da geografia, e 2010. A rejeição se dá porque a narrativa cronológica pode levar a uma visão teleológica, na qual são os fatos passados que determinam os fatos seguintes e assim por diante, negando a relativa autonomia de cada presente. No texto que se segue a trajetória da geografia brasileira será apresentada segundo três eixos não independentes entre si, cada um focalizando um angulo dessa trajetória, angulos avaliados como importantes para se compreender pontos significativos dessa trajetória. Os três eixos são os seguintes: continuidades e descontinuidades de matrizes, procedimentos operacionais e temas; crescente complexidade paradigmática; e a geografia da geografia brasileira. Diferenças de percursos, acumulação de conhecimentos e o olhar geográfico são crenças e modo de ver que justificam os três mencionados eixos. Nas considerações finais algumas sugestões para investigação serão enunciadas, muitas delas diretamente vinculadas aos pontos aqui tratados. CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES A trajetória de um dado campo do conhecimento científico não é descrita por meio de uma linha regular e ascendente, mas por meio de linha irregular, que pode apresentar continuidades, descontinuidades, podendo desaparecer. A trajetória, por outro lado, pode ser longa ou curta, ou ter momentos de ascensão e momentos descendentes. Isto se verifica não apenas ao se considerar um dado campo do conhecimento, mas também face aos seus sub-campos.A trajetória variável, não previsível de antemão, deriva de uma combinação de condições externas ao campo de conhecimento, de condições locais de pesquisa, das motivações dos pesquisadores e das relações entre condições externa, interna e interpessoais, que incluem relações de poder. A variabilidade da trajetória se dá ao se considerar o conjunto do campo em escala nacional e em escala local. As continuidades e descontinuidades são evidências do desigual e combinado processo de produção de conhecimento científico. A trajetória da geografia brasileira evidencia isto. Continuidades e descontinuidades manifestam-se de diferentes modos, incluindo a continuidade de periódicos, a exemplo do GEOSUL e do Boletim de Geografia Teorética ou ainda do Boletim Paulista de Geografia, e o desaparecimento da Revista Brasileira de Geografia (1939 a 1995) ou ainda as trajetórias de núcleos locais da AGB, exemplificado com o do Rio de Janeiro. Continuidades e descontinuidades se fazem sentir em sub-campos e seus temas. A geografia urbana constitui-se em exemplo de sub-campo marcado por continuidade ascendente, sendo o mais bem organizado da geografia brasileira. Contudo, em seu interior, há descontinuidades quando se compara os estudos sobre a rede urbana e aqueles voltados para o espaço urbano. O primeiro deles exibe descontinuidade, enquanto o segundo, mais recente, caracteriza-se pela continuidade. A geografia econômica, por outro lado, apresenta-se como um sub-campo marcado por descontinuidades, a despeito da importância das transformações econômicas que o país vem passando, sobretudo a partir de meados da década de 1950. É verdade que muitos estudos de geografia agrária poderiam ser enquadrados como de geografia econômica e, nesse sentido, a observação se aplica mais aqueles estudos voltados para a geografia das indústrias e do comércio. A denominada geografia teorético-quantitativa é outro significativo exemplo. Entre 1968 e 1977 aproximadamente, a revolução teorético-quantitativa no Brasil gerou grupos de pesquisa em Rio Claro (UNESP) e no Rio de Janeiro (IBGE) tendo sido criados na primeira cidade uma associação (AGETEO – Associação de Geografia Teorética) e um periódico (Boletim de Geografia Teorética). Contestada que foi os geógrafos desta perspectiva produziram muito, mas a partir dos anos 80 verificou-se uma diminuição no impacto, chegan- 64 Terra Livre - n. 34 (1): 63-68, 2010 do mesmo a desaparecer entre os geógrafos do IBGE. A descontinuidade se faz presente quando, a partir dos anos 90 surge e se desenvolve, sem as severas críticas feitas aos geógrafos de Rio Claro e do IBGE, o SIG (Sistema de Informação Geográfica), um conjunto de técnicas associadas a programas de computação, que realiza inúmeras operações geograficamente referenciadas. Trata-se, assim, entendemos, de um renascimento da tradição positivista e neo-positivista na geografia. Muitos que adotam o SIG desconhecem suas raízes e o aplicam sem preocupações teóricas, como meras, inocentes e úteis ferramentas. O movimento crítico na geografia brasileira, iniciado em 1978, perdeu o fôlego na década de 1990, mas reaqueceu mais recentemente com a criação de grupos de estudos dedicados aos movimentos populares, a exemplo do NUPED (Núcleo de Estudos e Pesquisas de Desenvolvimento) no Rio de Janeiro, e do grupo dedicado ao estudo do gênero e sua espacialidade, tema escassamente considerado anteriormente. As continuidades e descontinuidades manifestam-se de diversos modos, como já afirmado, necessitando de estudos acurados e profundos sobre os diferentes sub-campos da geografia brasileira. As reflexões sobre esta temática nos permitiram sugerir uma tipologia de continuidades e descontinuidades: · continuidade ativa e ascendente; · continuidade sem expressão, à margem; · descontinuidade fragmentada, com inúmeros hiatos; · descontinuidade temporária, com uma única interrupção. A sugestão acima, muito provisória, procura descrever a intensidade e o ritmo do processo de produção do conhecimento. CRESCENTE COMPLEXIDADE PARADIGMÁTICA A trajetória da geografia brasileira caracterizou-se por crescente complexidade de paradigmas, na qual matrizes distintas, antagônicas ou complementares, foram sendo incorporadas, gerando no começo do século XXI, um nítido e enriquecedor pluralismo. Reconhecemos que este pluralismo é saudável e nele residem, em parte, motivações para o debate e a possibilidade de avanços na geografia brasileira. O monismo paradigmático é nefasto e tende a levar à decadência aquele campo da ciência que se manteve atrelado a um único paradigma, incontestável e não raras vezes transformado em retórica da verdade. Em outras palavras e resumidamente, as diferenças são bem-vindas. Sob a influência da geografia francesa a geografia brasileira nasceu com o propósito de ser vidaliana. Tanto na USP (1934) como na atual UFRJ (1936) ou no IBGE (1939) foram geógrafos franceses, Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines e Francis Ruellan, que fundaram a geografia brasileira. O monismo vidaliano, apreendido sem a densidade da proposta de Paul Vidal de la Blache, foi largamente dominante até 1956. O Congresso da UGI (União Geográfica Internacional) realizado na cidade do Rio de Janeiro, colocou os geógrafos brasileiros em contato com outros modos de ver a geografia, ainda que predominantemente francesa. Jean Tricart, Pierre George e Michel Rochefort, entre outros, trouxeram novos aportes à geografia urbana e econômica. A complexidade se põe em marcha. A partir de 1970, aproximadamente, verifica-se um progressivo movimento de complexificação paradigmática na geografia brasileira, já em processo de diversificação iniciado após 1956. Com cerca de 15 anos de atraso a denominada revolução teoréticoquantitativa desembarca no Brasil. Polêmica que foi, a inovação tardia possibilitou uma crítica à perspectiva vigente, marcada por uma visão excepcionalista, e a adoção de métodos matemáticos e estatísticos. O uso de modelos formais e a preocupação com leis, princípios e conceitos constituíram-se em avanços e em pontos de discordância. O Boletim de Geografia Teorética é uma criação desse movimento em Rio Claro. A década de 1970 veria também o desenvolvimento de uma perspectiva crítica, fortemente influenciada pelo materialismo histórico e dialético. Este movimento de complexificação se dará no final da década, tendo como marco o Congresso da AGB em Fortaleza em 1978, congresso no qual Milton Santos reaparece após longa ausência desde 65 CORRÊA, R. L. A TRAJETÓRIA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA... 1964, quando da realização do congresso da AGB em Poços de Caldas. Os dois movimentos, nascidos em contextos políticos distintos e com propostas antagônicas, estão inscritos na história da geografia brasileira. Ambos não têm mais a força que cada um teve a seu tempo. A geografia teorético-quantitativa sobrevive sobretudo por intermédio de um mais pobre descendente, o Sistema de Informação Geográfica, enquanto a denominada geografia crítica apresenta muito mais uma postura crítica, de esquerda, do que análises solidamente alicerçadas na teoria marxista. Mas ambas compõem o quadro de complexidade paradigmática da geografia brasileira atual. Com atraso também da ordem de 15 anos, no começo da década de 1990 emerge a geografia cultural, sub-campo de longa tradição nos Estados Unidos. Na década de 1970 tanto lá como na Inglaterra emerge uma renovação que se caracteriza por privilegiar a cultura “como mapas de significados”. É na cidade do Rio de Janeiro, na UERJ, que é criado o NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura), que desenvolve pesquisas sobre a dimensão cultural do espaço. Como inovação o movimento, à semelhança da geografia teorético-quantitativa e da geografia crítica, foi submetido a inúmeras críticas, mas difundiu-se e hoje compõe o perfil plural da geografia brasileira. Paradigmas alicerçados no positivismo (na maioria dos casos não se poderia falar em neo-positivismo), no materialismo histórico e dialético (em muitos casos um marxismo superficial) e na heterotopia que caracteriza a geografia cultural (nem sempre o conceito de cultura é clarificado, caindo-se no senso comum), definem, basicamente, a crescente complexidade paradigmática da geografia brasileira, rica, polêmica, alimentada pelos embates entre estas três visões distintas. Não se pode falar em “Escola Brasileira de Geografia”, que tem como um suposto a natureza monotônica de seu pensamento, de suas análises alicerçadas em um único paradigma. Pode-se falar em Geografia Brasileira, que teve uma trajetória que partiu do monismo para chegar ao pluralismo. Neste pluralismo convivem, em maior ou menor grau, conceitos e formulações teóricas advindas de fontes diversas, expressas nas contribuições de autores, entre outros, Bakhtin, Barthes, Cassirer, Castoriadis, Deleuze, Dilthey, Durkheim, Eliade, Engels, Foucault, Geertz, Gramsei, Hall, Heidegger, Lefébvre, Lenin, Marx, Merleau-Ponty, Panofsky, Weber e Williams. A lista está longe de ser completa, mas os nomes aqui mencionados eram desconhecidos, senão por todos, pela grande maioria dos geógrafos brasileiros anteriormente a 1970. Há mesmo textos que fazem aquilo que Geertz denominou ‘mistura de gêneros’, isto é, co-existência em um mesmo texto de matrizes e autores distintos mas que, na perspectiva rizomática da ciência, possibilitam complementaridades enriquecedoras. A GEOGRAFIA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA Uma dada trajetória não envolve apenas o tempo, uma diacronia. Envolve também o espaço, adquirindo assim uma espacialidade. A trajetória é simultaneamente temporal e espacial, sendo dotada de uma espaço-temporalidade. Mas a lógica desta espaçotemporalidade é complexa, revelada por complexos mapas de difusão espacial, no qual os pontos de irradiação e recepção apresentam tamanhos e densidades distintos, assim como datações que não seguem nenhum modelo pré-estabelecido. Este eixo justifica-se com base na crença de que “a geografia está em toda parte”, conforme disse Denis Cosgrove, embora nem sempre sejamos suficientemente geógrafos para assim perceber, acrescentaríamos, parafraseando Bruno Latour. Dois focos iniciais, São Paulo e Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país, a primeira em ascensão econômica e a segunda a capital política do país, constituíram-se nos pontos de partida da espacialidade da geografia brasileira. A irradiação foi lenta, tendo como base a formação de geógrafos nestes dois centros que em breve iriam participar senão da criação de outros departamentos, como membros do corpo docente paulistano e carioca. Neste processo de difusão a preponderância da USP é inconteste, em parte, devido à existência, já em 1945, do curso de doutorado nessa universidade. A difusão a partir da USP prossegue nos anos subseqüentes, dada a força de seu quadro docente. Criam-se departa- 66 Terra Livre - n. 34 (1): 63-68, 2010 mentos de geografia a partir de geógrafos formados por aqueles que 10 ou 20 anos antes estudaram na USP. Há, assim, uma temporalidade na espacialidade da geografia brasileira, podendo-se falar em focos iniciais, centros de primeira geração e centros de segunda geração. O Rio de Janeiro aparece como foco inicial secundário, cuja força é menos intensa e mais recente. Isto se deve, em parte, à mais tardia criação de seu curso de doutorado apenas em 1992. Há, contudo, focos criados autonomamente, independentes de São Paulo e Rio de Janeiro. Salvador e Recife são os melhores exemplos. A difusão de cursos de Geografia prosseguiu para outras metrópoles e capitais estaduais, a seguir espraiando-se para cidades menores, capitais regionais em muitos casos. Dois períodos caracterizam essa difusão. O primeiro, de 1934 a 1968, foi lento, enquanto o segundo, após a reforma universitária de 1968, caracterizou-se por enorme rapidez. Esta rapidez, por outro lado, caracterizou a criação de programas de pós-graduação em Geografia, que teve grande salto a partir dos anos 90. Neste processo metrópoles regionais, capitais regionais e mesmo centros menores foram beneficiados com cursos para os quais nem sempre estavam adequadamente preparados. Manaus, Santa Maria e Maringá são exemplos de metrópoles (Manaus) e de capitais regionais (Santa Maria e Maringá) beneficiados. A difusão dos cursos de pós-graduação também beneficiou cidades menores, a exemplo de Francisco Beltrão, Paranavaí, Catalão e Três Lagoas. Os efeitos qualitativos desse processo de difusão estão para ser avaliados, para isto não se prendendo aos modelos de avaliação do CNPq e da CAPES. Levanta-se a temática da formação de redes de geógrafos, a exemplo do GEU (Grupo de Estudos Urbanos) do grupo que estuda as cidades médias, do NEPEC (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura) e NEER (Núcleo de Estudos sobre Espaço e Representação). Que espacialidades foram criadas e o que significam? Estas redes são as substitutas das conexões regionais que haviam na geografia brasileira? Qual a estrutura de poder que alicerça estas redes? CONSIDERAÇÕES FINAIS A interpretação acima apresentada não é a única possível. A perspectiva construcionista, que dá forte crédito à imaginação, viabilizando a polivocalidade, possibilita outras interpretações nem melhores nem piores, mas enriquecedoras pelas diferenças que cada uma contém. A trajetória da geografia brasileira pode e deve ser pensada por diversas vozes, revelando que a objetividade aparente transforma-se em inúmeras subjetividades, produzindo interpretações que traduzem olhares diferentes e mutuamente enriquecedores. Indiquemos, para finalizar este pequeno texto, alguns pontos da trajetória da geografia brasileira que julgamos pertinentes de análise. Outros pontos podem ser apontados. · O papel dos estrangeiros na formação, consolidação e mudanças na geografia brasileira. · As condições, atores e meios pelos quais mudanças paradigmáticas ocorreram na geografia brasileira. · A contribuição de Milton Santos para a geografia brasileira. · A trajetória específica de sub-campos da geografia, a exemplo da geografia econômica, geografia política, geografia do turismo e geografia cultural. · O confronto entre Rio de Janeiro e São Paulo pela hegemonia na geografia brasileira. · O embate pelo controle da geografia brasileira, ou o papel de ‘coronéis’, ‘mandarins’ e ‘gurus’. · Os impactos da política de incentivos do CNPq e CAPES sobre a produção geográfica brasileira. · O papel da Associação dos Geógrafos Brasileiros e da ANPEGE na construção da geografia brasileira. · As relações entre a geografia da academia e a da formação do cidadão comum. 67 CORRÊA, R. L. 68 A TRAJETÓRIA DA GEOGRAFIA BRASILEIRA... AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE. CRISE NAS CIDADES OU CRISE DAS CIDADES? THE CITIES AND URBANIZATION URBANIZA TION IN CONTEMPORAR Y CONTEMPORARY TIMES. CRISIS CRISIS IN CITIES OR TOWNS? LAS CIUDADES Y LA URBANIZACIÓN EN LA ÉPOCA CONTEMPORÁNEA. CRISIS DE LA CRISIS EN LAS CIUDADES O PUEBLOS? REGINA CÉLIA BEGA DOS SANTOS Unicamp rcsantos@ige.unicamp.br Terra Livre Resumo Resumo:: A re-estruturação das forças produtivas é uma das possibilidades encontradas pelo capital e seus empresários para o enfrentamento das chamadas crises cíclicas ou estruturais do capitalismo. Ocorre com o aprofundamento do processo de concentração e centralização de capitais. A crise também é das cidades, e pode ser vista no cotidiano de seus moradores pelo recrudescimento da exclusão e da segregação sócioespacial. Há, no entanto, uma articulação da diversidade de ações responsáveis pelos usos do território, sendo, portanto, fundamental compreender o significado dessas ações empreendidas pelos diversos agentes e sujeitos e como as mesmas subordinam-se ou não às formas hegemônicas de regulação contemporâneas. A dialética de reestruturação das cidades compreende não apenas as formas hegemônicas de produção do espaço urbano, mas, também outras possibilidades, relacionadas aos agentes e sujeitos não-hegemônicos e mesmo às subjetividades e que, embora subordinadas aos processos estruturais, têm também um importante papel no desenvolvimento de formas de uso e, portanto de reorganização dos lugares, a partir das “cotidianidades” estabelecidas, muitas vezes relacionadas ao surgimento dos chamados “contra-poderes”. Palavras-chave: Crise, re-estruturação produtiva e espacial, sociedade civil, participação popular, resistência. Abstract Abstract: The restructuring of the productive forces is one of the possibilities found by capital and its entrepreneurs to face the socalled structural or cyclical crises of capitalism. Occurs with the deepening of the process of concentration and centralization of capital, so with. Cities capitalists also participate in this process, which is also a crisis of cities, and can be seen in everyday life of its residents, the recrudescence of exclusion and spatial segregation. There is, however, an articulation of the diversity of responsible actions by the uses of the territory, and is therefore essential to understand the significance of these actions taken by various players and how the same subject and subordinate to or not to hegemonic forms contemporary regulation. The dialectical restructuring of cities includes not only the hegemonic forms of production of urban space, but also other possibilities related to the agents and subjects and even non-hegemonic subjectivities and, although subordinated to the structural processes have an important role in developing ways to use and therefore reorganization of places, from “everyday” set, often related to the emergence of so-called “counter-powers.” Resumé: La restructuration des forces productives est l’une des possibilités trouvé par le capital et ses entrepreneurs à faire face aux crises dites structurelles ou conjoncturelles du capitalisme. Se produit avec l’approfondissement du processus de concentration et centralisation du capital. La crise est aussi dans les villes, et peut être vu dans la vie quotidienne de ses habitants par la résurgence de l’exclusion et la ségrégation spatiale. Il ya, cependant, une articulation de la diversité des actions responsables par les utilisations du territoire, et il est donc essentiel de comprendre l’importance de ces mesures prises par les différents acteurs et comment le même sujet et qui lui sont subordonnées ou non contemporaine formes hégémoniques de la réglementation. La restructuration dialectique des villes comprend non seulement les formes hégémoniques de la production de l’espace urbain, mais aussi d’autres possibilités liées à des agents et des sujets et même non hégémonique subjectivités et, bien que subordonné aux processus structurels ont un rôle important dans le développement des moyens à utiliser et donc la réorganisation des lieux, de «tous les jours” set, souvent liées à l’émergence de ce qu’on appelle «contrepouvoirs.” Mots-clés Mots-clés: crise, de restructuration et de l’espace productif, la société civile, la participation populaire, la résistance. São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 69-78 Jan-Jun/2010 69 SANTOS, R. C. B. AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO ... APRESENT AÇÃO PRESENTAÇÃO Este artigo foi escrito para a Mesa Redonda que tem por título: Por uma Leitura Crítica sobre as Cidades Contemporâneas e será apresentado durante o XVI Encontro Nacional de Geógrafos, organizado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, em Porto Alegre, em julho de 2010. A Mesa em questão faz parte do Eixo o2: Escalas da Crise: Fragmentação e T otalidade. O tema geral do Encontro é: “CRISE, CRISE, PRÁXIS E AUTONOTotalidade. MIA: ESP AÇOS DE RESISTÊNCIA E DE ESPERANÇAS” ESPAÇOS INTRODUÇÃO: ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS Quando pensamos ou indagamos sobre as cidades na contemporaneidade ou sobre as tendências na estruturação das mesmas nos ocorre algumas hipóteses sobre a articulação entre a reorganização, a regulação e o uso do território com a re-estruturação das forças produtivas para acirrar ainda mais a centralização, a acumulação e a concentração de capitais. Esta re-estruturação é uma das possibilidades encontradas pelo capital e seus empresários para o enfrentamento das chamadas crises cíclicas ou estruturais do capitalismo. A re-estruturação bem sucedida, na ótica do capitalismo, ocorre com o aprofundamento do processo de concentração e centralização de capitais, portanto com muitas baixas entre o empresariado dos setores produtivo ou financeiro e com graves consequências para a população trabalhadora, com a diminuição dos níveis de emprego e de salários. As cidades capitalistas participam deste processo de re-estruturação produtiva e as diversas faces da crise - que é também crise das cidades - bem como, as consequências de seu enfrentamento pelos grupos hegemônicos, podem ser vistas no cotidiano das cidades, através do recrudescimento da exclusão e da segregação sócioespacial, para ficarmos apenas com alguns exemplos. Contudo, há uma solidariedade contraditória na estruturação dos espaços das cidades, que se realiza pela articulação da diversidade de ações responsáveis pelos usos do território. É fundamental compreender o significado dessas ações empreendidas pelos diversos agentes e sujeitos e como as mesmas subordinam-se ou não (possibilidades de resistência) às formas hegemônicas de regulação contemporâneas. A dialética de reestruturação das cidades compreende não apenas as formas hegemônicas de produção do espaço urbano, mas, também outras possibilidades, relacionadas aos agentes e sujeitos não-hegemônicos e mesmo às subjetividades e que, embora subordinados aos processos estruturais, têm também um importante papel no desenvolvimento de formas de uso e, portanto de reorganização dos lugares, a partir das “cotidianidades” estabelecidas, muitas vezes relacionadas ao surgimento dos chamados “contra-poderes”. Milton Santos (1994) entende o espaço geográfico como um sistema indissociável e solidário de objetos e de ações mediatizados por normas.. Este entendimento pode nos ser útil., pois as normas (socialmente produzidas: hegemônicas ou não) conduzem as ações realizadas pelos indivíduos. Os objetos geográficos são, não apenas os instrumentos utilizados pelos indivíduos para o agir, mas são também produzidos ou reproduzidos pela sociedade, a partir de determinadas intenções, tendo, assim, determinadas funções, relacionadas àquelas intenções, ou podem ter suas formas refuncionalizadas, representativas de novas funções, modificadas através de processos relativos a uma determinada estrutura sócioeconômica, que, sendo capitalista, será, portanto, sempre contraditória e produtora e reprodutora de crises conjunturais e/ou estruturais. Assim, o espaço geográfico pode ser visto como o lugar onde as relações homemobjeto tomam forma. Estamos falando da relação dialética entre trabalho-morto e trabalho-vivo. “O trabalho morto, sobre o qual se exerce o trabalho vivo, é a configuração geográfica e os dois, juntos, constituem exatamente, o espaço geográfico.” (Santos, 1994, p.115) O que estamos querendo frisar aqui é o entendimento do espaço geográfico como 70 Terra Livre - n. 34 (1): 69-78, 2010 instância social, isto é, como um dado do próprio processo social, atuando ou interagindo para que se dêem as transformações na sociedade. Como questiona Harvey (2005), qual é o papel da urbanização na transformação social sob as relações sociais e de acumulação capitalistas? De acordo com este autor, a paisagem física e social da urbanização é moldada por critérios capitalistas distintos, o que impõe limites ao desenvolvimento capitalista. Harvey trabalha com a ideia de relação entre reciprocidade e dominação, isto é, o processo de criação da cidade é, ao mesmo tempo, produto e condição dos processos sociais que conduzem às transformações recentes no mundo contemporâneo. O espaço geográfico é, assim, a materialização da sociedade, a partir das transformações produzidas pela mesma no próprio espaço, a partir de uma base territorial pré-existente (historicamente determinada). Materialização de formas e de tempos históricos, produzindo uma formação sócio-espacial, na qual diversos tempos estão inscritos em um mesmo momento histórico e resultante do desenvolvimento desigual e combinado das forças produtivas e das transformações nas relações sociais de uma dada sociedade. A formação sócio-espacial concretiza-se no lugar lugar,, isto é, no território circunscrito em um lugar. “É o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de sua realização mais eficaz. Para se tornar espaço espaço, o Mundo depende das virtualidades do Lugar.” (Santos, 1996, p. 271) O tratamento geográfico da cidade passa por esta revisão teórica. A cidade é, assim, compreendida como uma situação espacial caracterizada pela concentração de uma dada sociedade em um lugar, de modo a maximizar no mesmo a densidade e a diversidade de interações. (Levy, 1999) A cidade é fundamentalmente um conceito espacial. É uma configuração geográfica particular fundada na copresença, ou seja, é o lugar onde ocorre a concentração de uma dada sociedade, maximizando a densidade e a diversidade de interações sociais, estabelecendo-se diferentes níveis de urbanidade (Levy, 1999). Isto permite que a cidade seja um lugar privilegiado onde o exercício da cidadania pode ser aprimorado, já que ela é o meio de existência para a maior parte das pessoas (Santos, 1987). A compreensão da dimensão espacial da vida em sociedade permite desvendar os segredos da cidade, que pode ser vista como uma estrutura produtiva, em fase com as outras estruturas produtivas. Por isso é importante considerar a forma diferenciada e combinada com que o processo de acumulação incorpora o campo. Daí a importância da economia política que nos ajuda a desvendar estes processos. (Santos, 1996) A partir de sua configuração produtiva, a cidade inserida em uma determinada divisão sócio-territorial do trabalho, estabelece uma dinâmica de relacionamento com os demais lugares. A cidade deve ser compreendida como um fenômeno dentro de uma dinâmica regional,, ou seja, se estrutura e se relaciona com as demais cidades em diferentes escalas: local, regional, nacional e mesmo internacional e participa de uma dinâmica da sociedade que interage com esta estrutura urbana, a partir dos diferentes tipos de solidariedade que se estabelecem relacionados à divisão sócio-territorial do trabalho. As ações solidárias e contraditórias se estabelecem na constituição dos lugares a partir de relações hegemônicas e hegemonizadas, em parceria ou em luta contra as primeiras. As ações hegemonizadas ocorrem no chamado espaço banal, assim denominado por François Perroux, referindo-se às contiguidades, em contraposição às redes, domínio das relações hegemônicas. A esse respeito, Santos (1996), alerta que: “Além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois da redes, com as redes, há o espaço banal, o espaço de todos, todo o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns.” (Santos, 1996, p.16). Este mesmo autor argumenta que os mesmos lugares constituem-se no “espaço das redes” ou no “espaço banal”, mas têm diferentes funções, às vezes divergentes e até opostas. As ações ou as possibilidades de empreendimento de ações pelos grupos subordinados pela opressão causada pela hegemonia da ordem capitalista ocorrem no espaço banal – o espaço de todas as pessoas, de todas as empresas e de todas as instituições. (Santos, 1996). 71 SANTOS, R. C. B. AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO ... O espaço banal é o da relação comunicativa entre os lugares e as pessoas. Já o espaço das redes corresponde a imposição de arranjos organizacionais baseados em racionalidades de origem distantes vindas através da informação, sobretudo. No primeiro caso, os lugares se organizam a partir da solidariedade, no segundo a solidariedade é produto da organização. Estas argumentações corroboram a ideia de que a crise é, também, a crise das cidades inseridas no processo de urbanização capitalista. Fazem parte das crises estruturais inerentes ao desenvolvimento contraditório do capitalismo, relacionadas aos limites para a realização do capital. Nas cidades prevalecem os interesse dos grupos empresariais que detém o monopólio sobre a produção do espaço urbano. A solidariedade capitalista atua no sentido da valorização da terra urbana, o que faz com que o acesso à mesma, a partir das leis do mercado, seja reprodutor das desigualdades, aprofundando a segregação urbana ou socioespacial. É este o nome que devemos dar à crise das cidades inseridas no modo de produção capitalista. APROPRIAÇÃO DO ESP ESPAÇO AÇO URBANO E POSSIBILIDADES DE RESISTÊNCIA Contudo, há outras formas de apropriação do espaço da cidade, por meio das ações de grupos não hegemônicos, ou socialmente excluídos, criando novas espacialidades/ territorialidades, como as ocupações de terrenos ociosos públicos ou privados, ou mesmo as favelas. A cidade é, assim, o lugar privilegiado para ocorrer a convergência de momentos, com a condensação de interesses convergentes e divergentes que se concretizam em ações. Estas ações relacionam-se com os modos de vida, com a precariedade ou não das condições de existência, com a forma como os indivíduos vivem o seu cotidiano e podem interpretar estas situações – de forma individual ou coletiva. As experiências vividas no presente, redefinidas por acontecimentos vivenciados anteriormente, devem apontar para o futuro. Com relação às experiências, vale a pena frisar que não se trata de mera somatória de experiências anteriores: as lutas do passado são referencias importantes, mas o presente apresenta algo de novo quando se redefinem as forças sociais, gerando espaços para desdobramentos futuros. Por isso, é preciso politizar o discurso sobre o urbano, com o alargamento da esfera do político, para se poder entender a dinâmica transformadora. As possibilidades de atuação dos diversos agentes e sujeitos produzem esta dinâmica. Estes agentes fazem parte do governo, e da sociedade civil. Mas o que é exatamente a sociedade civil? Quais as diferenças entre Estado, governo e sociedade civil? E de que Estado estamos falando? O Estado democrático? Mas o que é democracia? É preciso redefini-la? Refundar a democracia? Democracia renovada? Democracia participativa? Com participação popular? Quais as possibilidades para a mesma? Quais os limites para o alargamento da esfera do político? Na análise que propomos, baseando-nos em Gramsci (1972), o Estado, não é considerado um instrumento, nem a encarnação de uma classe, mas a condensação material e histórica de relações de força, que possibilitam a concretização de conjunturas políticas diversas, que levam às diferenciações regionais e locais. O que está em discussão é o deslocamento da base histórica do Estado. A sociedade pode conservar ou perder a sua hegemonia na luta contra o novo, ou como expressão do novo, para destruir as resistências que encontra em seu desenvolvimento. Esta concepção constata que a força por si só não basta para o exercício do poder. Só é possível exercê-lo se, além das relações de força, a classe dominante obtém o consenso dos grupos sociais que lhe estão próximos ou são seus aliados. A hegemonia realiza-se dentro de um determinado “bloco histórico” (Macciochi, 1977). Propomos uma reflexão sobre o cotidiano dos moradores da cidade referenciado também pelas ações do Estado e do governo, enfatizando que estes termos não são sinônimos. A identificação liga-se à confusão que se faz entre sociedade civil e sociedade política. Nesse sentido, o Estado é maior do que o governo, pois representa a sociedade política juntamente com a sociedade civil, sendo que a hegemonia da sociedade política sempre aparecerá 72 Terra Livre - n. 34 (1): 69-78, 2010 revestida de coerção. A sociedade política procura exercer a direção e manter a liderança ideológica sobre a sociedade civil. Através da ideologia enfim, se exprime o poder de uma classe. O reino da ideologia “é uma prisão de mil janelas... cuja força reside menos na coerção que no fato de que suas grades são tanto eficazes, quanto menos visíveis se tornam. É esse ato da vida do Estado que Gramsci busca elucidar.” (Macciochi, 1977, p. 151). Existe uma ética da sociedade civil na concepção burguesa que é a do mercado, que pode cumprir da melhor maneira possível o papel de regulador universal das atividades entre os homens. Portanto, a sociedade civil reproduziria a relação social que assegura a superioridade da classe hegemônica, isto é, da burguesia. “Isto permite canalizar institucionalmente a demanda social de grupos e de classes fragilizadas e de fragmentá-las. É fácil cooptar certas organizações voluntárias, religiosas ou laicas, sobretudo nas ações de alívio à pobreza.” (Houtart, 2003, p. 312). a concepção popular de sociedade civil, a chamada sociedade civil de baixo, a mesNa ma é representada pelos grupos sociais mais desfavorecidos ou oprimidos. Para esta concepção a sociedade é entendida através das relações sociais que produzem as desigualdades. As instituições e organizações existentes na sociedade podem representar interesses de classes divergentes. Os grupos dominantes, por exemplo, agem mundialmente, utilizando os Estados para controlar as populações e a sociedade civil. Isto pode ser feito através de limitações dos fluxos imigratórios provenientes de países pobres para os mais ricos, ou dos apoios aos tratados de livre mercado, às privatizações da seguridade social e dos serviços de saúde, às reformas jurídicas do ensino, à diminuição de subsídios para a pesquisa social e de apoio às organizações populares, à imposição de tutela sobre as ONGs etc. (Houtart, 2003). Esta sociedade civil de baixo está na base das resistências que, atualmente, se organizam e se mundializam. Luta pela cidadania para aqueles que foram dela excluídos. Boaventura Souza Santos (1999) é de opinião que, na contemporaneidade, a sociedade civil parece estar, por toda parte, a reemergir do jugo do Estado e a autonomizar-se em relação a ele, capacitando-se para o desempenho de funções que antes estavam confiadas ao Estado. É delegada à sociedade civil a organização dos novos movimentos sociais (ecológicos, antinucleares, pacifistas, feministas). Seria uma sociedade civil pós-burguesa e antimaterialista. Esta última concepção de sociedade civil não foi pensada através da distinção Estado/ sociedade civil tal como esta se constitui historicamente. Este autor pergunta como foi possível a noção do “econômico” como um domínio separado e autônomo e das correspondentes noções do “político” e do “jurídico” como atributos exclusivos do Estado? Discute que no capitalismo o trabalho necessário e o sobretrabalho reproduzem-se por si, na esfera privada da fábrica. Parece assim que, não compete ao Estado e à política lidar com as relações de produção que seria uma questão econômica e privada entre indivíduos privados dentro da sociedade civil. Esta seria a origem da concepção liberal de separação entre Estado e sociedade civil. Para ele, a separação entre o político e o econômico permitiu, por um lado, a naturalização da exploração econômica capitalista. A SOCIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS NA LUT LUTA A PELO DIREITO À CIDADE No atual momento, o de mundialização da economia capitalista, evidencia-se o caráter hegemônico das empresas transnacionais, e as fronteiras deixam de ser uma barreira para as relações econômicas. Esta nova dinâmica de funcionamento das empresas permite que se formule perguntas em relação ao destino do Estado-nação, na contemporaneidade. (Santos, 1994). Inúmeras vezes vimos o setor estatal auxiliando o setor privado através da concessão de subsídios, liberações de impostos e taxas ou, mesmo, particularmente no período néo-liberal, promovendo privatizações de empresas públicas que podem ocorrer de acordo com critérios facilitadores para o grande capital, definidos pelo Estado. Com isso, muitos 73 SANTOS, R. C. B. AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO ... dos serviços públicos (principalmente na área de infraestrutura) que tradicionalmente eram oferecidos pelo Estado, tornaram-se responsabilidades de empresas particulares, passando a ser administrados pela ótica do lucro e não pela do atendimento das necessidades sociais não-mercantis. A conscientização a respeito de direitos sociais não garantidos pode criar as possibilidades para se lutar por eles, levando à uma maior inserção da sociedade no setor estatal – a socialização da política, que pressiona para mudanças na orientação das políticas públicas. O seu oposto, isto é, contentar-se com a garantia de direitos individuais representa a manutenção do status quo, ou seja, não há perspectivas para mudanças sociais. Os direitos individuais são aqueles considerados fundamentais e relacionados à cidadania cívica e política na democracia representativa (direito à propriedade, igualdade perante a lei, direito de ir e vir, direito de expressão, livre-escolha, votar e ser votado). Sem dúvida, são importantes, e caracterizam a sociedade efetivamente democrática. Representam a garantia de uma sociedade burguesa separada do Estado – de acordo com os ideais liberais das revoluções burguesas do século VXIII. É através da luta por direitos sociais – relacionados à cidadania social – que a sociedade penetra no Estado. É a partir da transformação da questão social em questão de direito que ocorre a integração do Estado com a sociedade civil. O aprofundamento das contradições urbanas pode contribuir para acirrar as pressões exercidas pelas camadas populares contra o Estado. Contudo, isso não significa que elas estejam, por si só, na origem dos movimentos sociais. A relação não é linear ou mecânica, se assim o fosse, toda situação de carência de serviços, de bens ou de infraestrutura geraria uma reação de pressão que poderia, no limite, conduzir a transformações sociais. Graves problemas urbanos sempre existiram. Em muitos países latino-americanos com desenvolvimento industrial igualmente tardio o processo de crescimento econômico não foi acompanhado de desenvolvimento social, e conseqüentemente, urbano. Em alguns casos, como em São Paulo ou Bogotá a situação piorou a partir da década de 50. Kowarick (2000) analisa que as lutas urbanas não podem permanecer isoladas no âmbito da acessibilidade aos bens de consumo coletivo, acesso à terra ou à habitação. É preciso relacioná-las à pauperização proveniente das relações de trabalho. São situações que se encontram e desse encontro pode ocorrer a fusão de conflitos e de reivindicações. A segregação socioespacial pode exemplificar bem esta discussão – a da transformação da questão social em questão de direito. Uma política urbana para ser eficiente em relação a seus objetivos sociais deve alterar os mecanismos da dinâmica especulativa responsável pela escassez social da terra urbanizada. Através da produção elitizada, o capital imobiliário produz e vende a escassez. A segregação socioespacial é, assim, gerada pela disputa por espaços da cidade, aqueles onde as condições urbanas de vida são melhores, serão os mais caros. A política da escassez social da terra é produzida pela lógica fundiária e relaciona-se à venda da diferenciação material e simbólica do espaço urbano, baseadas na existência de uma profunda desigualdade social, aprofundada com o encarecimento da terra e da moradia. A pauperização e a espoliação urbana (Kowarick, 2000) abrem possibilidades para novas frentes de luta como aquelas pelo direito ao espaço geográfico ou à cidade, tendo em vista que, invariavelmente, as intervenções do poder público são realizadas de acordo com os interesses de grupos hegemônicos. Portanto, como bem interpreta Saule Jr. (1993), a tendência é de não se priorizar investimentos sociais e não se implementar políticas públicas, conforme as necessidades sociais e em áreas essenciais como saúde, saneamento, educação, habitação e transporte, a não ser quando estes investimentos convergem com os interesses dos grupos empresarias. O poder público tende a reproduzir um modelo de gestão centralizador e tecnocrático, que privilegia o atendimento a setores detentores de poder econômico, especialmente o capital imobiliário. Harvey (2005) analisa este mesmo processo, a partir da mudança do gerenciamento para o empresariamento ocorrida dos anos 60 para os anos 70/80, em uma onda neoconservadora, relacionada às dificuldades que atingiram as economias capitalistas a partir de 1973, o que acarretou a desindustrialização, os desempregos estruturais, a auste- 74 Terra Livre - n. 34 (1): 69-78, 2010 ridade fiscal, e fortes apelos à racionalidade do mercado e à política de privatizações: as cidades passam a possuir um comportamento empresarial em relação ao desenvolvimento econômico, formulando-se políticas urbanas e estratégias de crescimento urbano, com o intuito de se beneficiarem de novos investimentos. O espaço urbano produzido por este modelo guarda as marcas da exploração da força de trabalho e da não fixação de uma efetiva política social. Os discursos de necessidade de modernização ou de ajustes econômicos macro-estruturais (como os realizados por exigência do FMI e do Banco Mundial) tentam justificar as opções. Talvez porque, uma das tendências marcantes desta fase contemporânea seja a redução progressiva da parcela da economia controlada de dentro do país. O comando externo é cada vez maior em virtude da ampliação do campo de ação das transnacionais, e o Estado precisar desenvolver pesados esforços para contrariar essa influência desagregadora. (Santos, 1979) Nesta mesma direção, Harvey (2005) pondera sobre a maior ênfase na ação local relacionada também ao declínio do poder do Estado-Nação no controle do fluxo monetário multinacional, negociados entre o Capital financeiro internacional e os governos locais, os quais procuram maximizar a atratividade local. Para ele a urbanização deveria ser considerada como “um processo social espacialmente fundamentado, no qual uma amplo leque de atores, com objetivos e compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração específica de práticas sociais entrelaçadas. Em uma sociedade vinculada por classes, como a sociedade capitalista, estas práticas sociais adquirem um conteúdo de classe definido, o que não quer dizer que todas as práticas sociais possam assim ser interpretadas,” (HARVEY, 2005, p. 170). CONSIDERAÇÕES FINAIS Sob o capitalismo há que se considerar a questão da hegemonia, que está com as classes relacionadas à circulação do capital, à reprodução da força de trabalho e das relações de classe e à necessidade de controle da força de trabalho. Para a reversão deste quadro é necessário o envolvimento da sociedade civil em um projeto de modificação radical da realidade social. No Brasil, com o Estatuto da Cidade, que reconheceu como direito subjetivo o direito à moradia de quem estiver na posse de uma área urbana pública atendendo os mesmos requisitos do usucapião urbano, o poder público passou a dispor de vários instrumentos para a reforma urbana, disciplinando o regime de propriedade, intervindo para que o exercício desse direito esteja voltado para beneficiar a coletividade, com base no princípio da função social da propriedade. Nesse sentido, a reforma urbana pode contribuir para a efetivação da cidadania, que só ocorrerá com a execução de uma política urbana comprometida em assegurar a todo cidadão condições de vida digna e justiça social. A execução desta política urbana dependerá de como evoluirão as relações entre poder público e sociedade-civil. Mesmo porque conforme ressalta o Fórum Nacional de Reforma Urbana, no Texto Base para a 3ª Conferência Nacional das Cidades, Desenvolvimento Urbano com Participação e Justiça Social: Avançando na Gestão Democrática das Cidades, de 2007, estas conquistas são importantes para o movimento pela reforma urbana brasileira que tem como principais bandeiras a garantia e a institucionalização da participação popular na gestão democrática das cidades e a garantia do acesso a terra urbanizada com base no princípio da função social da propriedade imobiliária. Mas os resultados destas conquistas ainda são pequenos, em termos de mudanças significativas na qualidade de vida da população, na cultura política e na forma de gestão das cidades brasileiras com participação popular, e expressam um processo em construção e com muito a ser aperfeiçoado. Há, portanto, um evidente descompasso entre aquilo que é proposto e executado e o resultado final. Este resultado é a síntese de múltiplas determinações, ou seja, no espaço as contradições entre os objetivos, as propostas e as ações dos diferentes agentes se materia- 75 SANTOS, R. C. B. AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO ... lizam nas diferentes formas de uso e ocupação. A realidade, ou em outras palavras, a dinâmica da sociedade para sermos mais precisos, acaba se impondo a médio e a longo prazos. As ações dos técnicos e daqueles que exercem os poderes econômico e político, muitas vezes de cunho apenas tecnocrático, podem se sobrepor, num determinado período de tempo, permitindo supor que o exercício desses poderes é inquestionável e nada mais nos resta – enquanto sociedade civil – a não ser nos curvarmos diante de tão fortes desígnios. Desígnios que utilizam o planejamento para moldar o espaço geográfico, já que este possui uma forma que se pretende adequada a um determinado processo de organização, que é sempre político. O planejamento é um instrumento importante para essa adequação. Muitos crêem se tratar de um instrumento meramente técnico, o que é um equívoco. Pois, a forma que se pretende é definida ideologicamente dentro de um determinado bloco histórico, que corresponde à hegemonia de uma determinada classe social, sendo que esta definição deve se dar na esfera pública, que é o lugar de mediação entre interesses privados e a totalidade social. A palavra hegemonia está sendo usada de acordo com o sentido dado por Gramsci (1972), que foi o teórico marxista que melhor elaborou este conceito, inicialmente utilizado por Lênin para indicar liderança política na revolução democrática. Gramsci desenvolve o conceito de forma mais completa nos Cadernos do Cárcere, aplicando-o ao modo como a burguesia estabelece e mantém a sua dominação. Bottomore, utilizando as ideias gramscianas esclarece que: “Nas condições modernas (...) uma classe mantém o seu domínio não simplesmente através de uma organização específica da força, mas por ser capaz de ir além de seus interesses corporativos estreitos, exercendo uma liderança moral e intelectual e fazendo concessões, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados num bloco social de forças (...) bloco histórico. Este bloco representa uma base de consentimento para uma certa ordem social, na qual a hegemonia de uma classe dominante é criada e recriada numa teia de instituições, relações sociais e idéias.” (Bottomore, 2001 p. 177) Ou seja, é no âmbito do Estado, portanto, que se estabelecem os relacionamentos entre interesses divergentes que darão o conteúdo para as formas espaciais. Elas poderão ser mais ou poderão ser menos excludentes, ou segregacionistas dependendo das características daquele “bloco histórico”. Portanto, o que está sendo ressaltado aqui é que as formas de ocupação do solo nas cidades e mesmo a definição de políticas habitacionais decorrem da intermediação de diferentes interesses: dos proprietários fundiários, das empresas de construção civil, do “promotor imobiliário”, do incorporador, do poder público, da população envolvida através de movimentos organizados, ou não. Encerramos lembrando a proposição de Boaventura Souza Santos (1999), a respeito da “repolitização global da prática social” no rumo para a democracia renovada com participação popular por meio dos movimentos organizados, que podem abrir um canal de comunicação com o poder público e os seus técnicos, permitindo que o planejamento urbano reflita a ampliação do campo do político, a partir de relações de autoridade partilhada. Só assim poderemos enfrentar e vencer a crise das cidades, ou seja a produção e a reprodução de formas espaciais segregacionistas. BIBLIOGRAFIA BOTTOMORE, Tom. 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B. 78 AS CIDADES E A URBANIZAÇÃO ... “DESIMAGINANDO” MUNDO PELAS O MARGENS DO “DESMUNDO”: AÇO PENSANDO O ESP ESPAÇO EM “ DOBRAS” DA LITERA TURA E DO ITERATURA CINEMA “DE-IMAGINING” THE WORLD BY THE MARGINS OF “DEWORLD”: THINKING SPACE ACE IN FOLDS THE SP OF THE LITERA ITERATURE TURE AND CINEMA “DESIMAGINANDO” EL MUNDO POR LAS IMÁGENES DEL “DESMUNDO”: PENSANDO EL ESPACIO ESP ACIO EN “DOBLAS” DE LA LITERA ITERATURA TURA Y DEL CINEMA JONES DARI GOETTERT AGB DOURADOS FCH-UFGD jonesdari@ufgd.edu.br Terra Livre Resumo: Um texto em margens e dobras. Partindo de narrativas e de imagens da Literatura e do Cinema (em especial dos livros “Livro de pré-coisas”, “O deus das pequenas coisas” e “O último voo do flamingo”, e dos filmes “Babel”, “Caché” e “Terra vermelha”), procuramos “desimaginar” o Mundo “Maiusculinizado” do Modo de Produção Capitalista: sua Cultura, seu Tempo, seu Espaço e seu Corpo. Em contrapartida, misturamos margens e dobras de culturas, de tempos, de espaços e de gentes de “desmundos”, em movimentos de palavras e de imagens, em escrituras elas mesmas em margens, em dobras. O movimento do movimento, porque, aqui, em um processo de dobrar, desdobrar e redobrar práticas e representações de mundos, começos e fins se misturam em meios que esperamos continuem, sempre, abertos, dobráveis. Palavras-chave Palavras-chave: Mundo; Espaço; Imagens; Representações; Dobras. Abstract: A text in margins and folds. Starting from narratives and images from Literature and Cinema (especially from the books “Livro de pré-coisas”, “O deus das pequenas coisas” and “O último voo do flamingo”, and from the films “Babel”, “Caché” and “Terra vermelha”), we tried to “de-imagine” the “Capital-Letter-Manned” World (“Maiusculinizado” World) from the Capitalist Production Mode: their culture, their time and their body. As a contrast, we mixed margins and folds as for culture, times, spaces and people from “de-worlds” in motion of words and images, in scriptures about themselves in margins, in folds. The movement of the movement since here in a process of folding, unfolding and refolding practices and representations of the worlds, beginnings and endings are mixed together by means of what we expect to continue always open, foldable. Key words words: World; Space; Images; Representations; Folds. Resumen: Un texto en márgenes y doblas. Partiendo de narrativas y de imágenes de la Literatura y del Cinema (en especial de los libros “Livro de pré-coisas”, “O deus das pequenas coisas” y “O último voo do flamingo”, y de los filmes “Babel”, “Caché” y “Terra vermelha”), buscamos “desimaginar” el Mundo “Maiusculinizado” del Modo de Producción Capitalista: su Cultura, su Tiempo, su Espacio y su Cuerpo. Por otro lado, mezclamos márgenes y doblas de culturas, de tiempos, de espacios y de personas de “desmundos” en movimientos de palabras y de imágenes, en escrituras ellas mismas en márgenes, en doblas. El movimiento del movimiento, porque, aquí, en un proceso de doblar, desdoblar y redoblar prácticas y representaciones de mundos, empiezos y fines se mezclan en medios que esperamos que sigan, siempre, abiertos, plegables. Palabras-clave Palabras-clave: Mundo; Espacio; Imágenes; Representaciones; Doblas. São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 79-108 Jan-Jun/2010 79 GOETTERT, J. D. ASP AS NÃO SPAS “DESIMAGINANDO” SE FECHAM... O MUNDO PELAS MARGENS ... ABREM. Primeiras aspas Começar pelas palavras talvez não seja coisa vã. As relações entre os fenômenos deixam marcas no corpo da linguagem. (Alfredo Bosi) O “[...] narrador não está de fato presente entre nós, em sua atualidade viva”, “É que a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção”, escreveu Walter Benjamin (1993 [anos 1930], p. 197) há já um bom tempo. Mas o narrador, de que fala Benjamin, teria desaparecido de qual Mundo? Do Mundo do Centro, daquele no qual a História Única tornou revogáveis todas as estórias não-História? Não teria sido possível “desmapear” aquele mesmo Mundo e “ruar” sem destino, como escreveria décadas depois Mia Couto (2005, p. 101 e 114), que, “Para afastar as más nuvens, sugeri que ruássemos por ali, desmapeados e sem destino”, para “ir lá onde não sombra, nem mapa”? “Deus está morto”, escreveu Friedrich Nietzsche (1995 [1882...]) antes mesmo do fim do narrador, de Benjamin. Mas era, pensaria Nietzsche, porque o Deus daqueles séculos e até milênios todos ia anunciando que, para construir a Religião do Centro, a única alternativa era a crença nas Grandes Coisas e a ocultação da vida nas coisas pequenas? Não teria sido possível apenas que um deus das pequenas coisas “desgovernasse” aquela Metamorfose horrenda, que deixava as gentes pequenas com uma carcaça grande segurando três patinhas enfileiradas em cada lado (“Não há nada mais grotesco, pensou, “do que acordar cedo. O ser humano precisa dormir o suficiente” [Kafka, 2003, p. 9]), para, em seguida, ver reproduzir “Onde ancestrais pálidos com unhas dos pés duras e hálito cheirando a mapas amarelados sussurravam sussurros de papel. [...] Onde lagartos translúcidos viviam atrás de pinturas a óleo. [...] Onde sonhos eram capturados e ressonhados”? (Roy, 2008, p. 315). Sem narrador e sem Deus, tudo virou economia, até o Homem: homo economicus, fazendo todo Espaço e todo Tempo à sua imagem e semelhança (Marx, 1975)... Mas não haveria sequer cacos de espaço e de tempo meio resistentes à economia do homem, nem que fosse, “perdão”, no oco do mundo, lá de onde veio Bernardo? “Venho do oco do mundo. Vou para o oco do mundo. [...] Porque já desde nada, o grande luxo de Bernardo é ser ninguém. Por fora é um galalau. Por dentro não arredou de criança. É ser que não conhece ter. Tanto que inveja não se acopla nele” (Barros, 2007, p. 47-48). Porque se a esperança virou ideologia, é necessário “desesperançar” o Mundo para fazer das dobras/margens desse mesmo Mundo os “desmundos” de tempos e espaços de esperança (cf. Harvey, 2004). “Desmundar” o Mundo pelas margens da linguagem, das imagens, das representações e das poesias da literatura e do cinema. Do “moçombicano” Mia Couto (seus vôos [2005]). Do “deslimitado pantaneiro” Manoel de Barros (suas précoisas [2007]). Da “indiazinha indiana” Arundhati Roy (suas pequenas coisas [2008]). De “Babel”, sua “polifonia dos espaços” (em aproximação a Guattari, 1992, p. 157) e dos tempos. De “Caché”, suas “clarividências” e “ocultações”. De “Terra vermelha”, como de a terra das gentes saíste e às gentes voltará...1 Arrisco apenas, agora, anunciar o Encontro. E não dizer Adeus. Para que, assim como quiseram todas e todos acima, fique tudo meio aberto, entrecortado, como uma dobra para redobrar, desdobrar. Até porque, se as aspas não se fecham, abrem, então que este texto seja um grande “entreaspas”. Sem limites, “deslimitado”. E que possa ajudar a “desimaginar” o Mundo, a “desglobalizar” a Globalização... e a “dessonhar” o Sonho do Progresso e em seu lugar sonhar outros sonhos, outros espaços, outros tempos e outras gentes, para além dos Indivíduos que consomem, para além dos Sonhos de Consumo. Existo, logo sonho. 1 No final do texto, em “Apêndice” e em referências, apontamos com maior precisão os três filmes e os três livros que “suleiam” este texto 80 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 “DESEMENT AR” A ESEMENTAR 2 EMENTA A EMENT Dizer o mundo é condição necessária para agir no mundo. Digo. Ajo. Enuncio. Anuncio. Digo, logo existo. Ajo, logo mundo. Log-in. Plugo. Conecto. Estou na rede: existência ou “des-existência”? Usuário e senha. “Tem alguma coisa pra dá?” “Vc ta afim de sair hoje sim não eu to ou quer fazer sexo na rede :&”. Mas, de qual mundo eu digo, tu diz, ele diz, nós dizemos, vós dizeis, eles dizem? Do mundo entre a grade de minha casa de um lado o guaranizinho e de outro, eu? 3 Ou o mundo webgooglehotmailblogonlineonpagesite.com.mundo? Respondo, no mundo primeiro: “Tem”. Respondo, no mundo segundo: “Fui”... Que mundo? Sim. Diferentes formas de linguagens, representações e tecnologias revelam e ocultam dizeres sobre o mundo. O Modo de Produção Capitalista produz e reproduz suas linguagens, representações e tecnologias. A linguagem do consumo: compro, logo existo. A representação da vida: nascimento sem passado, a existência no trabalho, a dignificação no futuro e o epitáfio derradeiro que ninguém mais tem tempo de ler: “Devia ter amado mais/ Ter chorado mais/Ter visto o sol nascer/Devia ter arriscado mais/E até errado mais/Ter feito o que eu queria fazer...” (“Titãs”, 2005). A tecnologia do poder: cada pessoa é um “panóptico” (em aproximação a Foucault [1996; 2008]). Um indiozinho Guarani produz e reproduz suas linguagens, representações e tecnologias. A linguagem dos velhos: a língua guarani silenciada. A representação pelo outro: “meu cachorro sumiu, só pode ter sido levado pelos índios”. A tecnologia da sobrevida: “o quilo de mandioca ta um e cinquenta”. Linguagens, representações e tecnologias que dizem o mundo. Ouvimo-las, quais? Como são as linguagens, representações e tecnologias utilizadas/reinventadas para dizer o mundo a partir da vontade de resistir e reapresentar as diferenças que o modo único de pensar procura ocultar? Mundo, mundos. Os vasos comunicantes entre-mundos, comunicam-se? Comunicam? Não comunicam? Ou seria o caso de pensar – e dizer – em processos de “descomunicação”? É preciso, pois, “descomunicar” o Comunicado Oficial do Mundo. É preciso uma “deslinguagem” para “desdizer” o Dito, “desrezar” a Oração Sagrada, “dessacralizar” as Liturgias Canônicas e “desdesfazer” os “mal-ditos” Civilizatórios. É preciso “desdizer” o Mundo Único “desrepresentando-o” através da representação dos mundos ocultados, escondidos, à margem/às dobras da temporalidade e da espacialidade lineares do Progresso ad infinitum. “Deslimitar” o Mundo. “Destecnologizar” os processos de morte em nome de tecnologias sociais “desracionalizantes”... “dessonhando” e re-sonhando o Mundo... em mundos. Mas como “desdizer”, imaginar ou representar os mundos com os dizeres, imaginações e representações do nosso Mundo? Talvez seja o momento de “desembrenhar” palavras, “descomer” frases, “descompor” poemas e “desengravidar” metáforas para “desdizer” o Mundo, pois, como ensinou Mia Couto (2005, p. 9), “o que passou só pode ser contado por palavras que ainda não nasceram”, ao passo que, digo eu, tudo o que está por “desnascer” merece “despalavras” para nomear o “desnomeado”, “desdizendo” o jeito único de dizer o Mundo. Mia Couto (2005) “vocabolia”, “instantania”, “gentania”, “bazarinha”, “desfala”, “labirintoa”, “desirmana”, “destece”, “metafisica”, “descapota”, “descompara”, “desmeretriza”, “despoeira”, “nhenhenha”, “acachorra”, “desfarrapa”, “desmazela”, “desilusiona”, “desmunda”, “desvive”, “apequenina”, “desacontece”, “terreia”, “tresandarilha”, “remoreja”, “desconsegue”, “desilumina”, “inautoriza”, “varandeia”, “irrequieta”, “cabritrotea”, “maldispunha”, “desconsegue”, “desdita”, “pedinchora”, “rua”, “desmapeia”, “desacrê”, “si2 Ementa para a mesa-redonda “Linguagens, Representações, Tecnologias e Resistência” (XVI ENG – Porto Alegra – 2010): “Dizer o mundo é condição necessária para agir no mundo. O que diferentes formas de linguagens, representações e tecnologias revelam e ocultam nos seus dizeres sobre o mundo? O que se quer dizer do mundo? Como são as linguagens, representações e tecnologias utilizadas/reinventadas para dizer o mundo a partir da vontade de resistir e reapresentar as diferenças que o modo único de pensar procura ocultar?” 3 Como em praticamente todas as ruas da cidade de Dourados (MS), a cada dia, em quase todas as horas. 81 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... lhueta”, “desminage”, “indomestida”, “descomporta”, “devagarzita”, “desnegocia”, “redesiste”, “desfinca”, “urgenta”, “despromove”, “enduvida”, “remoça”... Como “O último voo do flamingo”, Mia Couto “desmia” e “descoita” palavras que “desnascem” para contar o “descontado” (, mas, curioso: o “descontado” de uma Geografia e de uma História reta, linear, fragmentada e hegemônica; ou o “descontado” do que ainda está para ser contado, e cantado?). Seus sujeitos narrados são “desgraciosamente” “desnomeados”, como a insistir que a obviedade do Colonialismo (do poder, do saber, da civilização, da pedagogia, da psicopatalogia, do espaço e do tempo) não passa disso mesmo, ou seja, a Colonização de tudo o que não for ainda Mundo para ser, também o que ainda não é, um Mundo à imagem e semelhança do Mundo de Deus, do Hemisfério do Alto, do Tempo do Capital, do Espaço Preso em Si Mesmo. Daí que a prostituta “só” pode ter o nome de Ana, mas não de uma Ana Sozinha – até porque é de companhia – e sim de uma “Ana Deusqueira” – como a ser querida por todos os homens, e sendo à imagem e semelhança do Deus do Mundo, também querida e desejada por Ele. Daí que o “pai” de Tizangara (de Moçambiques, de Áfricas, de Margens...) “só” pode ser, por ser do Sul, “Sulplício” – o suplício mais suplicante que o suplício mais suplicado: “Homens perdoai-lhe porque ele não sabe o que fez” (Saramago, 1991), quando Jesus suplica aos Homens para perdoarem Deus, Aquele que não sabe o que fez... E o velho rosto grudado em um jovem corpo “só” pode ser “Temporina”, que guarda o tempo de antes marcado pelo tempo de agora, como a “desdizer” o tempo do porvir monolítico: para outro futuro é preciso “desprecisar” o passado, agora. E o Zeca, meio só, mas ainda feiticeiro das gentes pobres, é o “Zeca Andorinho”: sem lugar e com todos os lugares ao mesmo tempo. Mas, “só”, não faz verão... Manoel de Barros (2007, p. 31 e 33) “transfaz” o Mundo, pelas margens do “desmundo”, na medida em que “As coisas que acontecem aqui, acontecem paradas. Acontecem porque não foram movidas. Ou então, melhor dizendo: desacontecem” (idem a Mia Couto), “Porque a maneira de reduzir o isolado que somos dentro de nós mesmos, rodeados de distâncias e lembranças, é botando enchimento nas palavras. É botando apelidos, contando lorotas. É, enfim, através das vadias palavras, ir alargando os nossos limites”. “Encher” as palavras para “deslimitar”, como também ensinou Manoel: “transfazer”, “insetar”, “existidurar”, “desorbitar”, “desenxergar”, “desnobrer”, “descoisar”, “deseducar”, “desformar”, “desuteizar”, “desteorizar”, “desescrever”, “deventar”, “lesmar”, “despertencer”, “descomer”, “deslimpar” e “desgovernar”, como o jeito de “desajuntar” os pedaços de um Mundo que se quer Único. Quando “Sente-se pois então que árvores, bichos e pessoas têm natureza assumida igual. O homem no longe, alongado quase, e suas referências vegetais, animais. Todos se fundem na mesma natureza intacta. Sem as químicas do civilizado. O velho quase-animismo” (Barros, 2007, p. 34). A narrativa barrosiana fala de um mundo feito de “desmundos” vários, que vivem e morrem, vivendo e morrendo. Mas, cuidado quando as intenções se prestarem a ver coisas demais nas vidas e mortes feitas de árvores, bichos e pessoas: “(Acho que estou querendo ver coisas demais nestas garças. Insinuando contrastes – ou conciliações? – entre o puro e o impuro etc. etc. Não estarei impregnando de peste humana esses passarinhos? Que Deus os livre!)” (Barros, 2007, p. 94). E de longe vem chegando Arundhati Roy (2008, p. 9 e 134), que com suas pequenas coisas leva/traz um rio que “encolhe, e corvos pretos se banqueteiam com belas mangas em árvores imóveis, verde-empoeiradas. [...] Varejeiras dissolutas zunem vagabundas no ar perfumado. [...] As noites são claras, impregnadas de preguiça e de calma expectativa”. Para depois, no tempo da História vinda de fora, fazer do “mesmo” rio apenas aquele que leva de lugar nenhum para lugar nenhum: “Houve tempo em que tinha o poder de evocar medo. De mudar vidas. Mas agora seus dentes haviam sido arrancados, seu espírito exaurido. Era apenas uma fita verde viscosa que carregava lixo fétido para o mar. Sacos plásticos brilhantes voavam sobre a superfície cheia de algas, como flores subtropicais voadoras. [...] Os degraus de pedra que um dia levavam banhistas até a água, e Gente Pescadora à pesca, estavam inteiramente expostos e levavam de lugar nenhum para lugar nenhum”... Também palavras de Arundhati Roy (2008) “desdevolvem”, para o Mundo de sacos 82 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 plásticos brilhantes, mundos de pequenas coisas no qual algumas coisas podem ser ditas, e outras não: “doceenjoativo”, “quefoisso? Oqueaconteceu?”, “calaboca ou váprafora. Prafora ou Calaboca”, “docepegajoso”, “limãolimãodemais”, “óleodecabelo”, “paracáeparalá”, “verdeondulante”, “grossolíquida”, “empelotada”, “claroclaro”, “laranjalimão”, “coméseunome”, “parecomissou”, “desguardada”, “A Cordada”, “A Tenta”, “A Lerta”, “mundoestação”, “resonhar”, “plantabarco”, “floresbarco”, “frutasbarco”, “mundobarco”... Prendendo-se às pequenas coisas. Pequenas coisas que parecem nascer de pequenas gentes, em pequenos espaços – como o da barriga de uma mãe – e que vão se tornando grandes e “tornando” as gentes – agora grandes também – bordas, fronteiras, divisas, margens e limites como que moldadas por um torno que torna separado o que era junto... Naqueles primeiros anos amorfos, em que a memória tinha apenas começado, em que a vida era cheia de Começos e sem Fins, e Tudo era Para Sempre, Esthappen e Rahel pensavam em si mesmos juntos como Eu, e separadamente, individualmente, como Nós. Como se fossem uma rara espécie de gêmeos siameses, fisicamente separados, mas com identidades conjuntas. [...] Seja como for, ela [Rahel] agora pensa em Estha e Rahel como Eles, porque, separadamente, ambos não são mais o que Eles eram ou jamais pensaram que Eles seriam. Jamais. Suas vidas agora têm uma forma e uma dimensão. Estha tem a dele, e Rahel a dela. Bordas, Fronteiras, Divisas, Margens e Limites apareceram como um bando de gnomos em seus horizontes individuais. Criaturas baixas com sombras longas, patrulhando o Final Fora de Foco. Suaves meias-luas formaram-se debaixo dos olhos deles e têm a idade de Ammu [a mãe] quando morreu. Trinta e um. Nem velhos. Nem moços. Mas uma idade morrível viável. (Roy, 2008, p. 11) Porque talvez, neste Mundo Moderno de costas para as suas próprias margens/dobras, seja mesmo preferível morrer nessa idade morrível viável, como fez a mãe de Chieko em “Babel”, como fizeram as guaranis e o guarani nem velhos nem moços em “Terra Vermelha”, e que uma vez mais fez Majid em “Caché”. Todas e todos a perguntar: “vale a pena viver em um mundo só?” Elas e eles optaram “desviver”, “desmundar”... Talvez para que eu, tu, ele, nós, vós e eles “desvivêssemos”, “desmundando” o Moderno Mundo para “desmundar” a “desvida” no Mundo Moderno. Para “desmundar” o Mundo. Para “desculturar” a Cultura. Para “desistorizar” a História. Para “deslimitar” o Espaço. E para “desimaginar” e “desmargear” gentes e espaços “invisíveis”... “Ementando” e emendando mundos virados aqui , em um texto que se quer “desimaginado” e “desmargeado”. Dobrado. “DESMUNDANDO” O MUNDO – Vocês, homens, vem para casa. Nós somos a casa. (Mia Couto) Como assim, “desmundando” o Mundo? Nossas imagens e representações sobre o Mundo, moldadas pela Modernidade, tendem, hegemonicamente, à projeção de um Mundo dividido e fragmentado, mas que, com o Processo Civilizador (cf. Elias [1993; 1994]), tender-se-ia a se ajuntar, “desdividir” e desfragmentar o que antes se fazia em pedaços, pelo poder tempo-espaço – hoje – da “globalização” (em aproximação a Massey [2007]) (e parece-me razoável pensar que nos últimos cinco séculos participamos de mais de um processo de globalização). Como projeto civilizacional, ancorado sobre práticas e concepções que se foram gestando ao mesmo tempo em que nascia a Europa (e seus outros), fomos levados a crer 83 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... (matemática-física-filosófica-científica-racionalmente) na existência de uma “máquinamundo” – ou de um “mundo-máquina” – guiada por forças naturais (físico-químico-biologicamente) arranjadoras de um movimento Perfeito e, portanto, de um Mundo à sua imagem e semelhança. À concepção medieval do Mundo (universal, católica) foi contraposta uma concepção que se queria e se quer Moderna (igualmente universal, mas não necessariamente católica, mas antes um seu desdobramento: a “ética protestante”... e o “espírito do capitalismo” [cf. Weber, 2002]). Articulando monopólios territoriais, de tributação, da força, da política e da economia, a Modernidade também se projetou na monopolização de um seu jeito de pensar, conceber, compreender, sonhar e imaginar o Mundo pelo Homem de si, em si e para si. Uma das mais persistentes tendências da filosofia moderna desde Descartes, tem sido uma preocupação exclusiva com o ego, em oposição à alma ou à pessoa ou ao homem em geral, uma tentativa de reduzir todas as experiências, com o mundo e com outros seres humanos, a experiências entre o homem e si mesmo (Arendt, 2000, p. 266). É esse Mundo da Modernidade que é preciso “desmundar”, se “desocidentar” e se “desorientar”. “Desmundar” o Mundo Ocidental como vôos de flamingos com Mia Couto (2007, 49): “Habitamos assim: a vida a oriente, a morte a ocidente. A morte, a morte mais sua inexplicável utilidade! Minha mãe partira na curva da chuva, saindo a habitar a estrela de nenhumas pontas”... O Mundo Moderno, saindo de uma Europa que germinava sob o Mercantilismo, a Colonização, a Evangelização e a Civilização, foi inventando a Si na mesma medida que em foi inventando o outro. Inventaram a América. Inventaram o índio... Dos outros “bárbaros” das margens dos monopólios centrais dos Estados em formação, na beirada do Atlântico europeu, outros “selvagens” (“bons” ou “maus”, pouco importa) foram, a princípio, os outros sem almas, desalmados. Era preciso alma-los (e não amá-los, que logo observemos). E “almar” com uma alma só, porque se herege era a gente com alma maligna ou sem alma nenhuma, impossível seria, da mesma forma, aceitar a gente com duas almas ou mais. “Vantagem de um estranho é que confiamos essa mentira de termos uma só alma”, segredou a si mesmo o narrador-tradutor de Tizangara, em conversa com o italiano detetive (Couto, 2005, p. 41 e 82). Os outros, com o tempo e já pouco a ver com marcações das antigas, devem se orientar, o que também depois aprendemos que deve, mesmo, é se nortear. O caminho pautado pela Modernidade segue, assim, a “orientação ocidental” (!), pouco importando, já agora, de onde o sol nasce ou para onde ele se esconde (isso é coisa de flamingos do oriente, ou do sul... de um “Sulplício”, como parece querer insistir Mia Couto). Ficamos ali horas trocando nadas, simplesmente adiando o tempo. Alongando o milagre de estarmos ali, na margem da floresta. Já entardecia, ela me avisou: - Volte para a vila, há-de acontecer tantíssima coisa. - Antes de ir, mãe, me lembre a estória do flamingo. - Ah, essa estória está tão gasta. - Me conte, mãe, que é para a viagem. Me falta tanta viagem. - Então, senta, meu filho. Vou contar. Mas primeiro me prometa: nunca siga pelos carreiros onde seguiam aqueles homens que você espreitava há um bocadito. - Prometo. Então, ela contou. Eu repetia palavra por palavra, decalcando sobre a voz cansada dela. Rezava: havia um lugar onde o tempo não tinha inventado a noite. Era sempre dia. Até que, certa vez, o flamingo disse: - Hoje farei meu último voo! As aves, desavisadas, murcharam. Tristes, contudo, não choraram. Tristeza de pássaro não inventou lágrima. Dizem: lágrima dos pássaros se guarda lá onde fica a chuva que nunca cai. Ao aviso do flamingo, todas as aves se juntaram. Haveria uma assembleia para se conversar o assunto. Enquanto o flamingo não chegava, se escutavam os pios em rodopios. Se acreditava em tais ditos? Podia-se e não. Fosse ou não fosse, todos se demandavam: - Mas vai voar para onde? 84 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 - Para um sítio onde não há nenhum lugar. O pernalta, enfim, chegou e explicou – que havia dois céus, um de cá, voável, e um outro, o céu das estrelas, inviável para voação. Ele queria passar essa fronteira. - Porquê essa viagem tão sem regresso? O flamingo desvalorizava seu feito: - Ora, aquilo é longe, mas não é distante. Depois ele foi internando-se nas árvores sombrosas do mangal. Demorou. Só apareceu quando a paciência dos outros já envelhecia. Os bichos de asa se concentraram na clareira do pântano. E todos olharam o flamingo como se descobrissem, apenas então, a sua total beleza. Vinha altivo, todo por cima da sua altura. Os outros, em fila, se despediam. Um ainda pediu que ele desfizesse o anúncio. - Por favor, não vá! - Tenho que ir! A avestruz se interpôs e lhe disse: - Veja, eu, que nunca voei, carrego as asas como duas saudades. E, no entanto, só piso felicidades. - Não posso, me cansei de viver num só corpo. E falou. Queria ir lá onde não há sombra, nem mapa. Lá onde tudo é luz. Mas nunca chega a ser dia. Nesse outro mundo ele iria dormir, dormir como um deserto, esquecer que sabia voar, ignorar a arte de pousar sobre a terra. - Não quero pousar mais. Só repousar. E olhou para cima. O céu parecia baixo, rasteiro. O azul desse céu era tão imenso que se vertia líquido, nos olhos dos bichos. Então, o flamingo se lançou, arco e flecha se crisparam em seu corpo. E ei-lo, eleito, elegante, se despindo do peso. Assim, visto em voo, dir-se-ia que o céu se vertebrara e a nuvem, adiante, não era senão alma de passarinho. Dir-se-ia mais: que era a própria luz que voava. E o pássaro ia desfolhando, asa em asa, as transparentes páginas do céu. Mais um bater de plumas e, de repente, a todos pareceu que o horizonte se vermelhava. Transitava de azul para tons escuros, roxos e liliáceos. Tudo se passando como se um incêndio. Nascia, assim, o primeiro poente. Quando o flamingo se extinguiu, a noite se estreou naquela terra. Era o ponto final. No escurecer, a voz de minha mãe se desvaneceu. Olhei o poente e via as aves carregando o sol, empurrando o dia para outros aléns. Aquela era minha última noite desse retiro nos matos. Manhã seguinte eu já entrava na vila, como quem regressa a seu próprio corpo depois do sono. (Couto, 2005, p. 113-115) Orientação Cristã, Ocidental, Civilizacional e Moderna... Vê se te orienta, menino... A centralidade cartesiana orienta o Mundo e “desorienta” tudo o que não for gravidade, relatividade e caos ordenados. Impossível, então, imaginar aves carregando o sol. Em “Terra vermelha”, a orientação de que a terra Branca deve ser/estar orientada para “Produção Sim, Demarcação Não”4. Em “Babel”, a orientação definidora dos lados de cá e de lá para Amélia, a mexicana que insiste em sair de seu (devido) lugar para ameaçar o Mundo Branco “não mestiço” do lado de lá. Em “Caché”, a orientação desde criança para que Majid, o argelino “inoportuno” na França fundadora da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, permaneça eternamente oculto ou escondido, porque sua presença desorienta o centro certinho do Branco Georges, crítico literário de uma literatura que permite o outro apenas como forma de letra em “alfaebeta” de abcdefghijklmnopqrstuvwxyz, desde que não escreva nem por linhas retas e muito menos por linhas tortas. Em “O deus das pequenas coisas”, a orientação transmitida por uma antena parabólica. [...] um novo amor. Baby Kochamma instalara uma antena parabólica no telhado da Casa Ayemenem. De sua saleta, ela dominava o Mundo pela TV via satélite. A impossível excitação que isso engendrou em Baby Kochamma não era difícil de entender. Não foi algo que aconteceu aos poucos. Aconteceu do dia para a noite. Loiras, guerras, fomes, futebol, sexo, música, golpes de Estado, tudo chegava no mesmo trem. E em Ayemenem, onde antes o som mais alto que se 4 Slogan que tem aparecido com certa frequencia em faixas em frente de casas de bairros nobres e em adesivos de camionetas novas, em Dourados, em protesto do agronegócio contra os processos de identificação e demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul. 85 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... ouvia era a buzina musical de um ônibus, agora guerras inteiras, fomes, massacres, pitorescos e Bill Clinton podiam ser convocados como se fossem criados. E assim, enquanto seu jardim ornamental murchava e morria, Baby Kochamma acompanhava os jogos da liga NBA norteamericana, partidas de críquete de dia inteiro e todos os torneios do Grand Slam. Nos dias de semana, ela assistia The bold and the beautiful e Santa Barbara, onde loiras quebradiças de batom e penteados duros de laquê seduziam andróides e defendiam seus impérios sexuais. Baby Kochamma adorava suas roupas brilhantes e os diálogos espertos e perversos. Durante o dia, trechos desconexos voltavam-lhe à mente e ela ria (Roy, 2008, p. 35). Em “O último voo dos flamingos”, a orientação para que aquele povo mítico de Tizangara acredite “no poder de o trabalho criar futuro”, de que a estória de “amor pelos vivos” e de “respeito pelos mortos” não passe de pretexto para a negação do Progresso, pois o importante é ocupar tudo, desde a “puta” Ana Deusqueira à toda a gente tizangarana: “O que fizeram esses brancos foi ocuparem-nos. Não foi só a terra: ocuparam-nos a nós, acamparam no meio de nossas cabeças. Somos madeira que apanhou chuva. Agora não acendemos nem damos sombra. Temos que secar à luz de um sol que ainda não há. Esse sol só pode nascer dentro de nós” (Couto, 2005, p. 154). Daí, a orientação sempre dada, pela “Razão de Estado” (em aproximação a Foucault [2008]), pelo “sol físico”, redondo e da mais intensa claridade: o Iluminismo nos guiando e orientando para a Razão, para a Luz (nada de sombras, já advertiam Sócrates, Glauco e Platão... e Deus). Em “Livro de pré-coisas”, a (des)orientação para que o menino deixe de ver “bunda” onde só existe um morro: “- Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem – o menino falou”, ao mesmo instante em que também devem se (des)orientar as gentes a inibirem-se de imaginar que “Os homens deste lugar são uma continuação das águas” (Barros, 2007, p. 13). Que arrebentação, achar que homens são águas e que águas são homens. E achar, do mesmo jeito, que “a terra é um ser: carece de família, desse tear de entrexistências a que chamamos ternura” (Mia Couto, p. 110). Porque, afinal de contas , o Modo de Produção Capitalista (como a própria Modernidade) é também um modo de pensar, imaginar, sonhar, dançar, andar, viver, comer, sorrir, desejar... em um modo de subjetivação capitalístico (em aproximação a Guattari & Rolnik, 2005). “Desmundar” o Mundo é “desmargeá-lo” de sua “Maiusculinidade” e fazê-lo mundos em outros encontros possíveis, outras imaginações, outras gentes, outros sonhos. E demos ouvidos a Ana Deusqueira (em Couto, 2005, p. 173): “Não me basta um sonho. Eu quero ser um sonho”. “DESCUL TURAR” ESCULTURAR A CUL TURA ULTURA Quando meus olhos estão sujos da civilização... (Manoel de Barros) É curioso como, conjuntamente à Modernidade e talvez ainda mais junto ao “meio técnico-científico-informacional” (cf. Milton Santos, 2004), tenhamos feito de Cultura a oposição à Natureza, a tudo o que é natural. “Cultura-me”, logo existirei. A linha da Modernidade carrega em seus extremos a Barbárie, em sua parte inferior, e a Civilização, em sua parte superior. De um lado ainda o folclore, as lendas, os mitos, o artesanato e os cocares; e, de outro, Van Gogh, Picasso, Mozart, Fellini, von Trier, Niemeyer... e Bill Gates. Quanto mais “aculturados”, mais próximos estamos do Mundo Abstrato e menos carregados do Mundo da Natureza. Frantz Fanon (2008 [1952]) já denunciava, em meados do século passado, que o nosso estado atual de Cultura “desculturaliza” o outro ao passo que “desnaturaliza” o Branco: “Ter a fobia do preto é ter medo do biológico. Pois o preto não passa do biológico. É um animal. Vive nu. E só Deus sabe...” (p. 143). A civilização européia, no seio do que Jung chama de inconsciente coletivo, caracteriza-se pela presença de um arquétipo: expressão dos maus instintos, do lado obscuro inerente a qualquer ego, do selvagem não civilizado, do preto adormecido em cada branco. [...] O preto infalivel- 86 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 mente permanece no seu canto. Na Europa, o preto tem uma função: representar os sentimentos inferiores, as más tendências, o lado obscuro da alma. No inconsciente coletivo do homo occidentalis, o preto, ou melhor, a cor negra, simboliza o mal, o pecado, a miséria, a morte, a guerra, a fome. Todas as aves de rapina são negras (Fanon, 2008, p. 159 e 161). E aves de rapina, como qualquer ser unicamente instintivo, é “aculturado”, sem cultura. Criamos – e inventamos e imaginamos, nos termos de Said (2007), Hobsbawm (1997) e Anderson (2008) – o nosso outro. Se a Cultura é nossa, ela não pode pertencer a mais ninguém. Ao homo occidentalis, cabe a missão de orientar. [...] É [o Orientalismo – a invenção do Oriente pelo Ocidente] a distribuição de consciência geopolítica em textos estéticos, eruditos, econômicos, sociológicos, históricos e filológicos; é a elaboração não só de uma distinção geográfica básica (o mundo é composto de duas metades desiguais, o Oriente e o Ocidente), mas também de toda uma série de “interesses” que, por meios como a descoberta erudita, a reconstrução filológica, a análise psicológica, a descrição paisagística e sociológica, o Orientalismo não só cria, mas igualmente mantém; é, mais do que expressa, uma certa vontade ou intenção de compreender, em alguns casos controlar, manipular e até incorporar o que é um mundo manifestadamente diferente (ou alternativo e novo); é sobretudo um discurso que não está absolutamente em relação correspondente direta com o poder político ao natural, mas antes é produzido e existe num intercâmbio desigual com vários tipos de poder, modelado em certa medida pelo intercâmbio com o poder político... [...] Na verdade, o meu argumento real é que o Orientalismo é – e não apenas representa – uma dimensão considerável da moderna cultura político-intelectual e, como tal, tem menos a ver com o Oriente do que com o “nosso” mundo. [...] Se isso estimular uma nova maneira de lidar com o Oriente, na verdade, se eliminar completamente o “Oriente” e o “Ocidente”, teremos avançado um pouco no processo do que Raymond Williams chamou de “desaprender” o “modo dominador inerente” (Said, 2007, 40-41 e 60). “Desaprender” a Cultura. Apreender as culturas... O que não parece fácil. Ao que parece, quase todos os grupos humanos tendem a perceber determinados outros grupos como pessoas de menor valor do que eles mesmos. O grau de estigmatização pode variar de um caso para o outro, e as ações que devem tornar claro para o grupo outsider o fato de seus membros serem um objeto de maior desprezo podem ser ruidosas e bárbaras, ou aparecerem em uma tonalidade mais amena. Seja como for, relações estabelecidos-outsiders têm sempre algo em comum (Elias & Scotson, 2000, p. 199). A Cultura Moderna é, como muitas outras, uma cultura das dicotomias, das ambivalências, das dualidades, dos maniqueísmos e dos jogos de oposições. Eu/Outro. Nós/ Eles. Branco/Negro. Branco/Índio. Ocidente/Oriente. Passado/Futuro. Perto/Longe. Erudito/Popular. Homem/Mulher. Belo/Feio. Dentro/Fora. Moderno/Arcaico. Novo/Velho. Adulto/Criança. Evolução/Atraso. Civilização/Barbárie. Sociedade/Natureza. Homem/Meio. Humano/Físico. Puro/Impuro. Cultural/Natural... Por vezes, como aqui, é então preciso recorrer a certa etimologia e epistemologia do pertencimento. Delas, passamos a saber que cultura, culto e colonização derivam todos do verbo latino colo: eu moro, eu ocupo a terra (Bosi, 1999, p. 11). Porém, qual é a condição Moderna do eu moro, eu ocupo a terra? Condição, que condição? Condição toca em modos ou estilos de viver e sobreviver. [...] Condição traz em si as múltiplas formas concretas da existência interpessoal e subjetiva, a memória e o sonho, as marcas do cotidiano no coração e na mente, o modo de nascer, de comer, de morar, de dormir, de amar, de chorar, de rezar, de cantar, de morrer e ser sepultado (Bosi, 1999, p. 26-27). O Modo de Produção Capitalista é apenas um modo de como as marcas do cotidiano no coração e na mente se fazem. Nascemos e morremos de um modo: “do pó viestes e ao pó voltarás”, ou, se quisermos, da terra viestes e à terra voltarás... Não, talvez não! Invertamos a condição: a terra, das gentes saíste e às gentes voltará. 87 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... “TERRA VERMELHA” (Fotograma [1h23min40s]) Em “Terra Vermelha”, o cacique Nádio come a terra, menos para fazer-se terra, mais para “desrefazer” a terra, Guarani. A terra, por isso, não pode ter dono, apenas colo. Não porque é mãe, mas porque é embalada na memória e nas práticas das gentes que nela deixaram os seus mortos. “Cultus é sinal de que a sociedade que produziu o seu alimento já tem memória. [...] O morto é, a um só tempo, o outro absoluto fechado no seu silêncio imutável, posto fora da luta econômica, e aquela imagem familiar que ronda a casa dos vivos: chamada, poderá dar o consolo bem-vindo nas agruras do presente” (Bosi, 1999, p. 13 e 19). “Do pó ao pó ao pó ao pó ao pó” (Roy, 2008, p. 15). Porque, no mesmo embalo, mais que a terra fazer as gentes, são as gentes que fazem a terra. Porque se nos fazemos, fazemos o mundo todo à nossa imagem e semelhança. Em “Caché”, a terra de Majid é seu sangue. E o sangue se fez Majid. Oculto e ocultado, sua terra não tinha lugar no Mundo Francês da “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Era “preciso” morrer, fazendo da terra estrangeira, sangue, terra Majid. “CACHÊ” (Majid, um outro, morrendo) (http://www.cinephileonline.com/... [acessado em 24/05/2010]) “Por isso às vezes sei que necessito/Teu colo,/teu colo,/eternamente teu colo” (Pablo 88 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 Minanés & Chico Buarque, 1983). O direito ao colo. O direito à terra... Do colo e da terra que cada gente faz como seu, como sua. A terra fazendo-se colo. A terra sendo feita gente. Daí as margens do colo, da terra e das gentes. Nas margens/dobras do “desmundo”, bolhas saltam, sóis explodem... Que as bolhas explodem e que os sóis brilham já sabemos, mesmo assim temos que continuar insistindo na “desculturação” da Cultura, para que, em vez de uma Maiúscula Única, possamos fazer da terra colos minúsculos multiplicados, não para crescer e multiplicar, mas para multiplicar crescendo os colos da terra, que são gentes, que são terra. Cada cultura prolifera em suas margens. Produzem-se irrupções, que designamos como “criações” relativamente a estagnações. Bolhas saltando do pântano, milhares de sóis explodindo e se apagando na superfície da sociedade. No imaginário oficial, elas figuram como exceções ou marginalismos (Certeau, 1995, p. 242). É preciso, então, e novamente, “desmargear” e “desmarginalizar”. O imaginário oficial é apenas um, e não o. E por que como aceitamos, assim simplesmente, a “servidão voluntária” (cf. La Boétia, 1982) se diante de um somos mil, milhões? 5 – “DESISTORIZAR” O TEMPO Os dentes novos de Rahel estavam esperando dentro de suas gengivas, como palavras dentro de uma caneta. (Arundhati Roy) – E eu não sei viver no seu mundo? – Não, não sabe. [...] – Sabe o que devia fazer? Contar a sua estória. Nós esperamos que vocês, brancos, nos contem vossas estórias. – Uma estória? Eu não sei nenhuma estória. – Sabe, tem que saber. Até os mortos sabem. Contam estórias pelas bocas dos vivos. (Couto, 2005, p. 105 e 106) Um Mundo Único só pode inventar uma História Única. Tudo o resto virou lenda, mito, miragem, fantasia, misticismo, estória. A História Maiúscula define o caminho entre a origem a o destino. A Idade Moderna rompe com a Idade das Trevas do medievo. Deus dá lugar ao Homem. O Teocentrismo cede ao Antropocentrismo. A Razão rouba a História assentada nas crenças ao eleger o Fato como definidor da Verdade. Fonte, logo existo. A Verdade Matemática. A Verdade Moderna. A Moderna Verdade. A Verdade Moderna criou o seu Tempo. Todos os outros tempos são avassalados (porque vassalos) pelo Tempo do Mercado. Historicizado, o Tempo Moderno vira História Moderna e depois História de Cada Habitante da Terra, a História Contemporânea. Mas também, como Modernos que somos, criamos o passado de antes da Modernidade: da PréHistória passando pela História Antiga e pela História Medieval. Inventamos o nosso Passado (assim, com Maiúscula): se nem Tudo é pré, pelo menos Tudo é antes, antigo, do meio e nunca junto de Nós, pois no meio está o medievo. Não que o Moderno se inicie necessariamente com a História Moderna, mas que a História Moderna fora imprescindível para a produção do Moderno, suas relações, suas coisas, sua Gente, sua Razão. É nisso que Cremos. A questão central aqui é, então, quando a História Moderna toma para si a História do Mundo e a faz, outra vez, à sua imagem e semelhança. Uma História e um Mundo que definem os seus processos: Evolução, Progresso, Desenvolvimento, Modernização... Fora deles, a aceitação das possibilidades de narrativas outras é subjugada à “folclorização” do desencaixado. Assim se resume o tempo sob o capitalismo, segundo Nicos Poulantzas (1990, p. 126, 129 e 131): 89 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... O maquinismo e a grande indústria, o trabalho em série implicam um tempo segmentado, serial, dividido em momentos iguais, cumulativo e irreversível pois orientado para o produto e, através dele, para a reprodução ampliada, a acumulação do capital: em suma, um processo de produção e de reprodução que tem uma orientação e uma finalidade, mas não tem fim. Um tempo mensurável e estritamente controlável pelos relógios, cronômetros dos contra-mestres, pelos relógios de ponto e calendários precisos. Tempo que, aqui também, estabelece, por sua unificação e sua universalização: dominar o tempo ao relacionar as temporalidades múltiplas como uma medida homogênea e única, que não reduz as temporalidades singulares (tempo operário e tempo burguês, tempo do econômico, do social, do político) salvo se codifica seus intervalos. Mas cada temporalidade traduz as características de uma mesma matriz: e mais ainda (e é isso que escapa a inúmeros autores que insistem na “universalização” do tempo capitalista), é esta matriz temporal que estabelece, pela primeira vez, as temporalidades singulares como temporalidades diferenciais, ou seja como variações de ritmo e de escansão de um tempo serial, segmentado, irreversível e cumulativo. Tempo cujos momentos se encadeiam e se sucedem, se totalizam num resultado, sendo o presente uma transição do antes para o depois. A historicidade moderna é assim de tipo evolutivo e progressivo, a de um tempo que transcorre na medida em que ele se percorre, cada momento produzindo o outro no sentido irreversível, num encadeamento de acontecimentos voltados para um futuro sempre renovado. [...] O Estado moderno materializa igualmente essa matriz na adaptação dos sujeitos sobre os quais seu poder se exerce e nas técnicas de exercício de poder, notadamente nos procedimentos de individualização do povo-nação. [...] A formação social capitalista, o Estado-nação, é também um processo homogeineizado pelo Estado. [...] Dominar e unificar o tempo ao constituí-lo como instrumento de poder, totalizar as historicidades ao apagar as diferenças, serializar e segmentar os momentos para orienta-los e reuni-los, dessacralizar a história para englobá-la, homogeneizar o povo-nação ao forjar e ao apagar seus próprios passados: as premissas do totalitarismo moderno existem na matriz temporal inscrita no Estado moderno, já implicada pelas relações de produção e pela divisão social capitalista do trabalho. O Tempo é o tempo do produto, da mercadoria, ilimitadamente, sem fim. Produção, distribuição, circulação e consumo. Consumido, tudo volta outra vez, para uma nova volta, na linearidade-circular da vida. O Tempo Moderno é, quando muito, fragmentado nos Tempos dos Estado-nações, não porque são estes que dominam aquele, mas porque aquele define o ritmo destes: [...] os economistas liberais não podiam operar sem o conceito de “economia nacional”, pois era fato inegável que havia o Estado com o monopólio da moeda, com finanças públicas e atividades fiscais, além da função de garantir a segurança da propriedade privada e dos contratos econômicos, e do controle do aparato militar de repressão às classes populares. Os economistas liberais afirmavam por isso que a “riqueza das nações” dependia de estarem elas sob governos regulares e que a fragmentação nacional, ou os Estados nacionais, era favorável à competitividade econômica e ao progresso. [...] o desenvolvimento da nação era o ponto final de um processo de evolução, que começava na família e terminava no Estado. A esse processo deuse o nome de progresso (Chaui, 2000, p. 17-18). Fora da Ordem das Nações, tudo e todos são desordem. Fora da Ordem do Progresso, tudo e todos são aniquilados pela oposição Estabelecidos/Outsiders. 90 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 “BABEL” (fronteira México-Estados Unidos) (Fotograma [0h32min31s]) A História do Mundo como a História dos Estado-nações. A fragmentação temporal-espacial de um Mundo que se repete para o destino teleologicamente definido, o Progresso, em primeiro Metrópoles e Colônias, depois Dependentes e Independentes, Países de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo, Países Desenvolvidos e Subdesenvolvidos, Países Desenvolvidos e Em Desenvolvimento, “Emergidos”, Emergentes... e “Imergidos”. A Ordem. Para aquém ou além das contradições Capital/Trabalho, todas as estórias e causos foram subsumidos à História Única, apenas multiplicadas em suas versões correlatas, Nacionais, mas, sempre, Únicas. O início do Brasil foi a Descoberta em 1500. O início dos Estados Unidos foi a Migração e Colonização das Colônias do Nordeste, coroados com a Independência em 1776. A Inglaterra Gloriosa em 1688. A França Revolucionária em 1789. A Alemanha Unificada em 1971. A Itália, idem. E etc... Assim, a Ordem das Nações é a Ordem do Mundo, distribuída em História Mundial feita de Histórias do Brasil, dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, da Alemanha, da Itália etc... No Brasil, o Tempo Histórico é aquele do processo de Miscigenação das Três Raças: Branca, Negra e Índia. Os tempos todos, dos imigrantes portugueses aos imigrantes chineses e senegaleses, dos bantos aos Guarani e Ashaninka, todos se inserem Naquela de letras Maiúscula, a História. Em desdobramento, todos os tempos são enquadrados no Quadro Geral da História, que começa com o Mundo da Natureza e termina com o Mundo do Progresso. O presente é apenas o tempo magicamente neutro que une as duas pontas da História. Historicismo e Futurismo, mediados pelo Presentismo, definem o caminho sem volta. Brasil: o País do Futuro. Assim, o passado não interessa (que o digam os velhos e moribundos). O presente não pode parar. E o futuro é o ponto sempre de chegada. A trajetória definida a priori e 91 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... nada mais sendo necessário para o Progresso, que não deve parar. “Todas as estórias de progresso unilinear, modernização, desenvolvimento, a sequência de modos de produção... representavam essa operação[:] A Europa Ocidental é “avançada”, outras partes do mundo encontram-se “um pouco atrás” (Massey, 2008, p. 107). A Evolução, o Progresso, o Desenvolvimento e a Modernização transcendem a História e se alojam como Trajetória do Homem Inteiro, do início ao fim do Mundo. (opinioesdetodoseasminhas.blogspot.com/2009... (acessado em 10/04/2010) Uma Humanidade Inteira que cabe dentro dos Continentes e Países, igualmente Inteiros. (doidagenteboa.wordpress.com/2010/03/15/evolucao/ (acessado em 10/04/2010) 92 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 O Mundo Evolui, Progride, se Desenvolve e se Moderniza em uma Linearidade basilar da qual todas as outras linearidade se desdobram... Porém, é preciso “desorientar” o Mundo, “desistoricizando” o tempo, desordenando “[...] assim o tempo da linha ou a linha do tempo” (Derrida, 2004, p. viii). Talvez devêssemos “desdesenvolver”, como acentuou Ruy Moreira (2006), “De volta ao futuro”: “deslinear” o tempo puxando os clássicos do passado para seguirmos o futuro: o devir começa lá trás... Mas também mulheres e homens, índios e negros, nas margens/dobras do Tempo da História do Mundo e do Brasil, voltam para o futuro ao “deslinear” a linha do tempo quando reivindicam a identificação, a demarcação e o reconhecimento de suas terras a partir do passado. Para comunidades índias e negras, o futuro depende das memórias, das estórias e das práticas imemoriais cravados no passado. O futuro passa pelo passado, que passa pelo presente. Não pode haver, para índios e negros, futuro que não seja ele mesmo a parabólica temporal que “dialetiza” tempos e se sintetize em seus territórios. Territórios Indígenas e Territórios Quilombolas (como processos de “dissemiNação”, nos termos de Homi K. Bhabha [1998]). Tempos temperando espaços e espaços temperando tempos. De todos eles – tempos e espaços – outras trajetórias se fazem para além da linearidade sempre Certa, sempre Iluminista, sempre Moderna, sempre Linha e sempre a Ordem passadopresentefuturo. “Desistoricizar” o tempo para “desimaginar” o Mundo e sua sempre Trajetória Única. “Desimaginar” a Trajetória Única e imaginar outras, muitas outras trajetórias... Da linearidade do tempo para a dialética e “fenomenologia do redondo” (Bachelard, 2000, p. 235)... O ser é redondo, é uma bola, por isso ciranda. Ciranda José Pancetti (1941) (29fragmentos.blogspot.com/ [acessado em 12/04/2010]) Da História do Mundo para “o espaço como uma simultaneidade de estórias-atéagora” (Massey, 2008, p. 29). Em canto, encanto e em “c(h)oro”... 93 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... Chorinho Candido Portinari (1942) (schetini.wordpress.com/.../18/sambinha-chorado/... [acessado em 12/04/2010]) Imaginando outras trajetórias, talvez possamos sentar e contar nossas outras estórias. Mas eu não sei nenhuma estória. – Sabe, tem que saber. Até os mortos sabem. Contam estórias pelas bocas dos vivos. ... De volta ao futuro... A passagem pelo passado. “Deslimitar” o espaço O Espaço Moderno é uma “reinvenção”, nos termos de Douglas Santos (2002, p. 185186). Num lento (para os parâmetros de hoje) mas seguro processo de exclusão/inclusão, ampliam-se as fronteiras do cristianismo, das línguas européias, dos estados nacionais, da propriedade privada, do novo ritmo de trabalho: do ponto de vista da dimensão espacial, esses movimentos estruturais são o que efetivamente poderíamos chamar de globalização. É uma nova geografia que se constitui, tanto do ponto de vista do entendimento do significado da planetaridade quando da própria prática dos percursos e estabelecimentos (os fluxos e os fixos de Milton Santos?) dos processos de produção, circulação e gestão. E “fez-se” o “espaço métrico” (cf. D. Santos, 2002, p. 30). A medição do tempo correspondeu à medição do espaço. Mas como espaço é produção e reprodução, mais que a medição do espaço (pois como o tempo não é apriorístico, mas relações e processos) é a medida das relações humanas – as gentes são a medida de todas as coisas. A Terra metrificada em coordenadas de meridianos e paralelos, de longitudes e latitudes, de linhas, retas e pontos, em x, y e z, é a própria e necessária medição das relações demasiadamente humanas capitalista, matemática e racionalmente produzidas, fetichizadas em “relações do Capital” (como se o Capital – e o Trabalho – pairasse acima de nossas cabeças como uma “superestrutura” sobre uma “infra-estrutura”! “Desculpe, a franqueza não é fraqueza: o marxismo seja louvado, mas há muita coisa escondida nestes silêncios africanos. Por baixo da base material do mundo devem de existir forças artesanais que não estão à mão de serem pensadas...” [em Couto, 2005, p. 74]). A metrificação do espaço é correspondente, portanto, à quantificação das relações humanas: “Quanto vale ou é por quilo?” (2005). As “relações capitalistas” são essas mesmas relações feitas corpos e mentes que agem e pensam capitalisticamente. Assim, se “tempo é dinheiro”, é porque o espaço é dinheiro, as gentes são dinheiro... com todo o risco de uma 94 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 sempre super desvalorização cambial, que é, ela mesma, uma desvalorização de nossas relações de troca. Negociar: eis o verbo que se fez carne e habitou entre nós. Se negociamos tudo é porque também negociamos a vida: tudo é negócio. O Mercado, mais que apenas assumir o Centro, tomou de assalto a condição nossa, humana (cf. Arendt, 2000). E para que nada fique de fora do espaço capitalista, como modo de produção espacial para o Capital, o Estado-nação Moderno funciona como um grande, senão o maior, “panóptico” do Grande Olho. Nicos Poulantzas (1990, p. 118-123) apresenta nos termos seguintes o que define por “matriz espacial capitalista”: [...] um espaço serial, fracionado, descontínuo, parcelário, celular e irreversível... [...] O espaço moderno nasce: um espaço no qual desloca-se infinitamente ao se transpor as separações, em que cada lugar se define por seu isolamento dos outros, espaço sobre o qual expandese ao assimilar-se novos segmentos que ele homogeneíza deslocando as fronteiras. [...] [...] o Estado tende a monopolizar os procedimentos de organização do espaço. O Estado moderno materializa nesses aparelhos (exército, escola, burocracia centralizada, prisões) esta matriz espacial. Ela adapta por sua vez os sujeitos sobre os quais exerce seu poder: a individualização do corpo político em monadas idênticas, porém separadas diante do Estado, releva da ossatura do Estado inscrita na matriz espacial implicada pelo processo de trabalho. Os indivíduos modernos são os componentes do Estado-nação moderno: o povo-nação do Estado capitalista é o ponto de convergência de um espaço cujas fronteiras são os contornos pertinentes das tomadas de poder materiais e de seus sustentáculos. [...] Separar e dividir para unificar, fracionar para enquadrar, celularizar para englobar, segmentar para totalizar, estabelecer balizas para homogeneizar, individualizar para suprimir as alteridades e as diferenças, as raízes do totalitarismo estão inscritas na matriz espacial materializada pelo Estado-nação moderno, já presente nas suas relações de produção e na divisão social capitalista do trabalho. E assim se cartografa a vida em suas mais triviais relações. E nos fazemos e nos imaginamos enquadrados, hoje, primeiro, pelas geometrias de poder tempo-espaço da globalização, e, segundoterceiroquarto... pelas geometrias de poder sobre o corpo ao adequálo às roupas da moda, e não a moda ao corpo. Uma Moda de Produção. Um Modo de Produção. Um jeito de ser... moderno. Em “Babel”, Amélia, em corpo mestiço, índio e mexicano, é “não-moda” e “sem-modo” quando fala: seu inglês travestido de espanhol denuncia sua condição de estrangeiridade em terra da Estátua da Liberdade. Também em “Babel”, a menina Chieko, em Tóquio, ao não falar e ouvir devido à mudez-surdez se faz mundo quando se despe diante dos meninos da paquera, do policial preocupado e do pai viúvo pelo suicídio da mulher. Amélia e Chieko: voz, mudez, surdez e nudez participando de um Mundo de paradoxos assombrosos: se falo, prisão; se calo, solidão... Seres modernos. A Modernidade: de Sacrobosco a Newton e de Newton a... “Esses são os nomes pelos quais chamamos os milhões de homens e mulheres que foram mudando a maneira de viver, sufocando velhos desejos em nome do desejo de modernidade, em nome do progresso, em nome de uma promessa que os mapas T-O escondiam: o caminho de um paraíso, geometricamente traçado e, portanto, materialmente conquistável” (D. Santos, 2002, p. 78). Ao reinventarmos o espaço e o tempo, re-imaginamos o Mundo enquadrando tortuosidades humanas e curvas planetárias em linhas retas (como um Deus a escrever por linhas tortas). Desde a invenção do cronômetro, em 1761, por John Harrison, que permitiu o cálculo exato das longitudes, a superfície curva de todo o planeta havia sido submetida a uma grade geométrica que enquadrava os mares vazios e as regiões inexploradas dentro de quadriculados medidos com precisão. A tarefa de, por assim dizer, “preencher” esses quadriculados ficava a cargo de exploradores, topógrafos e soldados. No Sudeste Asiático, a segunda metade do século XIX foi a idade de ouro dos topógrafos militares-coloniais e, pouco depois, tailandeses. Eles se mobilizaram para deixar o espaço sob a mesma vigilância que os recenseadores tentavam impor às pessoas. Triangulação por triangulação, guerra por guerra, tratado por tratado, assim avançava o alinhamento entre o mapa e o poder (Anderson, 2008, p. 239). No entanto, os desejos da cartografia colonialista muito longe andavam das cartografias do desejo, daquele desejo de “desmapear-se” para longe dos mapas do poder. Pois, 95 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... mapear significava também, de alguma forma, “desmapear” as gentes de seus desejos em terras pertencidas, em comidas conhecidas, em festas de abraçar os tempos e em danças de driblar os “maus olhados”. Cartografar: uma forma de olhar. É preciso “deslimitar” o olhar para “deslimitar” o Espaço. E “descartografar” os Territórios de Poder, cartografando territórios da autonomia e territórios alternativos (em aproximação a Souza [2007] e Haesbaert [2002]). Em espaços “heterotópicos” reais e virtuais5, ou “vice-versamente” (cf. Couto, 2005, p. 96). Em territórios de bocas que não falem sós, mas que falem línguas compreendidas como línguas tocantes logo a seguir a um piscar de olhos. – Sabe, filho? A boca nunca fala sozinha. Talvez na terra desse branco. Mas aqui não.[...] – Aprenda uma coisa, filho. Na nossa terra, um homem é os outros todos. (Couto, 2005, p. 140). Territórios dos outros todos, das outras todas. Antes que as “heteronomias” tomem conta dos mundos todos ao passo de “desviver” as gentes todas, menos um... [...] relatar a realidade com que confronto: que todo este imenso país [Tiganzara] se eclipsou, como que por golpe de magia. Não há território, nem gente, o próprio chão se evaporou num imenso abismo. Escrevo na margem desse mundo, junto do último sobrevivente dessa nação [de Massimo Risi, italiano, em relatório à ONU] (Couto, 2005, p. 219). “Deslimitar” o Espaço hegemônico como a denunciar que as Certezas de Agora não passam de apenas certezas. E que o que É, Como É e Onde É são relações completamente inacabadas... Como um cágado. [O cágado] É cheio de vestígios do começo do mundo, por isso nos parece inacabado. Mas quando metade da terra estava por decidir se seria de pedra ou de água – já estava decidida a sua desforma. E quando ainda ninguém ousava de prever se o inseto nasceria de uma planta ou de uma larva – já ele estava deformado e pronto. O cágado é pois uma coisa sem margens; feio por igual; feio sem defeito (Barros, 2007, p. 50). Se o cágado é “desmargeado”, porque os outros espaços todos não podem sê-lo? “DESIMAGINANDO” E “DESMARGEANDO” GENTES E ESP ESPAÇOS AÇOS “INVISÍVEIS” Tinha que chegar antes que ela desmundasse. (Mia Couto) Imaginar o Mundo Moderno é imaginar um mundo feito margens, pedaços recortados de um espaço desigual, mas combinado. Pedaços para cada País, Povo para cada um deles. Fora disso, a invisibilidade6 paira, prepondera e hipostazia Um Espaço, Um Tempo, Uma Sociedade, Uma Cultura, Um Mundo. É preciso imaginar outras gentes e outros espaços; espacializar e temporalizar outros espaços e outros tempos, e outras gentes. Pois os espaços não se fazem espaços quando habitamos neles, mas quando os espaços passam a habitar em nós. Em tempo menor que a passagem da geração de nossos avós para à de nossos filhos (talvez até bem menos que isso, pois “O mundo não muda mais de dez em dez anos, mas de ano em ano”, como apontou Félix Guattari [1992, p. 159]), desabitamos uma condição de comunidade dada pela família ampliada para habitar a fábrica e dali para habitar a casa com a televisão e o computador e, neste, para viver em segundas vidas – virtuais – em 5 Com base em Anselmo Peres Alôs (2009). Partindo de base referencial foucaultiana, o autor ressalta que “No cenário teórico contemporâneo, não seria abusivo afirmar que a internet ganha espaço como uma das mais potentes heterotopias a produzir identidade. [...] Compreender a estruturação desta heterotopia virtual possibilita compreender melhor as identidades que nela nascem e morrem. Em tempos de individualismo e consumo massivo, a velocidade das redes digitais possibilita novos arranjos de poder e novas maneiras de se contestar o status quo sem a necessidade de que o indivíduo saia de sua própria casa” (p. 243-244). 96 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 mundos virtuais, como em “Second Lite” ou em “World of Warcraft”. (“Virtuais” disposta em itálico tem o seu sentido: ao pensarmos a vida e o Mundo em “dobras”, já nos é difícil a separação entre o ontem, o hoje e o amanhã, entre o aqui, lá e acolá... e entre, dentre outros entres, o que imaginamos como real e como virtual.) “Deixando” as segundas vidas de lado, mesmo que temporariamente, naveguemos por instantes em um dos sistemas de busca mais presentes em nossas tentativas de “achamento” atuais e virtuais, o “Google”. Ali, por alguns instantes, o invadimos para trazer à mostra gentes como a gente. Em busca de algumas gentes, fomos observando as cem primeiras imagens (“Google Imagens”), como que querendo compreender como vão se dispondo as imagens, por exemplo, daquilo que a História do Brasil identificou como o “melting pot” brasileiro: a mistura de brancos, negros e índios. Assim, um tanto que meio desconfiadamente, navegamos em imagens que podem mostrar pouco e ao mesmo tempo muito, mesmo sabendo que mudam a toda hora, pois, como no Mundo Real, o virtual é inundado velozmente por novas imagens, nem que apenas para re-mostrar o que já estava mostrado. Vejamos, então, os nossos brancos (“branco” e “brancos”), negros (“negro” e “negros”) e índios (“índios”... e “caboclos”)” imaginados no mundo das imagens “Google Imagens” (a busca se deu sobre as cem primeiras imagens de cada grupo). Google Imagens Pessoas Animais Obj etos/Mercad orias Imagen s Abstratas Pais agens Quadrinhos/Piad as Conflitos étnicos “Uniões” b ranco /negro Doenças/ dramas Pênis/Sexo -sensual Imagem “antiga” (“história”) Racism o Desenhos/Lendas/ Imagen s/Folclore Violência “do í ndio” Protesto indí gena Out ros “Branco” (683 mil) “Bran cos” (177 mil) “Ne gro” (4,73 mi) “Negros” (566 mil) “Índios” (209 mil) “Caboclos” ( 39,6 mil) 11 20 31 19 8 2 - 36 20* 30 2 1 2 1 - 26 9 -** 12 22*** 7 7 4 1***** - 51 3 -** 3 7 2 8 70 - 2 ** ** * 14 10 13 3** ** - - - - 1 - 10 74 9 8 12 9 3 1 6 10 (http://www.google.com.br/images (acessado em 10 e 11/04/2010) * Gatos, tigres, cavalos, leões... ** Para “preto”: 65% para imagens abstratas e objetos/mercadorias. *** 14 “buracos negros”. **** Casas de palha. ***** Para “mulatos”: 19% para sensual-sexual. As imagens destacadas para “branco” e “brancos” mostram um considerável número de imagens que classificamos por “animais” e “objetos/mercadorias” (20% e 30,5%, respectivamente). Para o primeiro grupo (“animais”), é elucidativa a mostra de imagens de animais brancos e, em muitos casos, de pequenos animais (gatinhos, cachorrinhos, passarinhos...). 6 Da invisibilidade pública: “desaparecimento intersubjetivo de um homem no meio de outros homens”, expressão de dois fenômenos psicossociais, a humilhação social e a reificação. A humilhação social “É expressão da desigualdade política, indicando exclusão intersubjetiva de uma classe inteira de homens do âmbito público da iniciativa e da palavra, do âmbito da ação fundadora e do diálogo, do governo da cidade e do governo do trabalho”. A reificação “configura-se como processo pelo qual, nas sociedades industriais [mas também pós-industriais], o valor (do que quer que seja: pessoas, relações inter-humanas, objetos, instituições) vem apresentar-se à consciência dos homens como valor sobretudo econômico, valor de troca: tudo passa a contar, primeiramente, como mercadoria” (Costa, 2004, p. 63-64). 97 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... Talvez trivial, porém, a brancura nos (a)parece bastante associada às coisas puras, à docilidade, à inocência e à luz... “Brancos” (http://inusitatus.blogtv.uol.com.br/img...) Semelhante leitura podemos fazer em relação às imagens “objetos/mercadorias”, que, se apenas em “branco” e “brancos” elas aparecem, é porque também a relação é íntima entre “Mundo Branco” e “Mundo do Mercado”. (Como todas as ressalvas possíveis, mas podemos dizer que para cada “raça” existem os seus “objetos/mercadorias”, na medida em que “O sistema mundo moderno-colonial, e sua Geografia, se conformou por meio da discriminação racial” [Porto-Gonçalves, 2007, p. 11], ao mesmo tempo em que a idéia de “raça” participa da “base da divisão mundial do trabalho e do intercâmbio, e na classificação social e geocultural da população mundial” [Quíjano, 2007, p. 49], também tende a se construir uma participação desigual das “raças” em uma divisão mundial do consumo.) “Brancos” (pt.dreamstime.com/fotografia-de-stock-royalty...) Para “negro” ou “negros”, os “animais” e os “objetos/mercadorias” praticamente desaparecem. Chamou-nos a atenção, por outro lado, além do maior número de imagens que 98 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 relacionamos à “pessoa”, o expressivo número de imagens em “paisagens”, com catorze “buracos negros”, quatro imagens de “doenças/dramas”, três de “pênis/sexo-sensual” (aumentando consideravelmente se buscamos imagens para “mulatos”), e catorze imagens para “imagem ‘antiga’ (‘história’)”. Se são negros os buracos, é natural que sejam “buracos negros”... Mas, se em “branco” e “brancos” não apareceu nenhuma imagem relacionada ao que classificamos como “doenças/dramas”, na busca de “negro” e “negros” elas começam a aparecer. Uma, em especial, foi ao mesmo tempo marcante e chocante. “Negro”” (http://ci.i.uol.com.br/noticias/2009/06/mangue-negro-560-div.jpg) E do grupo “pênis/sexo-sensual”... “Negros”” (attambur.com/Noticias/20033t/negros_de_luz.htm) Entendemos que (como também observaremos em relação aos grupos “índios” e “caboclos”) se a Modernidade elegeu o Futuro, a Evolução, o Progresso, o Desenvolvimento e a 99 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... Modernização como seus substantivos mais ricos, seria de se supor que “negro” e “negros” aparecessem expressivamente em “imagem ‘antiga’ (‘história’)” (com catorze imagens contra nenhuma para essa classificação em “branco” e “brancos”)... A volta a Frantz Fanon (2008 [1952], p. 160 e 138) é inevitável: O negro, o obscuro, a sombra, as trevas, a noite, os labirintos da terra, as profundezas abissais [os “buracos negros”], enegrecer a reputação de alguém; e, do outro lado: o olhar claro da inocência, a pomba branca da paz, a luz feérica, paradisíaca. [...] Diante do negro, com efeito, tudo se passa no plano genital. [...] eles têm a potência sexual. Pensem bem, com a liberdade que têm em plena selva! [“imagem ‘antiga’ (‘história’)”] Parece que dormem em qualquer lugar e a qualquer momento. Eles são genitais. Com a “liberdade sexual”, talvez tenhamos deixado de lado nossas fantasias e “desfantasias” sexuais imputando a um Outro a condição de “genitais”. Talvez, com o desenfreado “retorno” à Natureza e ao seu endeusamento ancorado por práticas discursivas ambientalistas, Ela, a Natureza, agora é espiada, visitada e inundada pelo nosso prazer civilizacional de Viver a Natureza como o “paraíso perdido”, fazendo-nos mulheres e homens azul-esverdeados como os Navi, em “Avatar”. Assim, de possa do Sexo e da Natureza, e sempre tendo à frente o Futuro do Mundo do Corpo e do Corpo do Mundo, perfeitos, harmônicos e “hormônicos”, atribuímos a outros não mais a condição de “perversão sexual” ou de “estado de selvageria”, mas de seres históA clarividência ricos, ou melhor, de gentes que ficaram na História e de lá não saíram. do “Google Imagens” em “índios” (e também em “caboclos”), de trazê-los para a História (para um Passado o quanto mais distante, melhor), é expressiva e elucidativa. Se para a classificação “Imagem ‘antiga’(‘história’)”, “índios” aparecem dez vezes, para “Desenhos/ Lendas/Imagens/Folclore”, os “caboclos” são imaginados setenta e quatro vezes (o número de setenta imagens para “pessoas”, para o grupo “índios”, também não é exceção à regra...). Os índios, as crianças e a Infância. “Índios”” (http://www.fmc.am.gov.br/port/Fotos_am/Imagens/indios.jpg) A caravela, os índios e tapando as suas vergonhas. 100 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 “Índios”” (http://www.grupoescolar.com/a/b/41B48.jpg) Os “caboclos”, o Velho... “Caboclos”” (http://www.doutorbasilio.com.br/userimages/caboclos-de-umbanda.jpg) E a perpetuação do Exótico. Há pouco tempo, viajávamos para a Europa, por exemplo, e a nós só eram dirigidas, no cotidiano dos encontros, perguntas relativas às nossas praias, ao nosso futebol, ao nosso carnaval, ao nosso candomblé e à nossa macumba. Hoje, as perguntas mudaram: só é questão dos nossos meninos de rua, da violência de nossas ruas, dos arrastões, do extermínio dos índios, da dizimação de nossas matas, da anomia de nossa sociedade. Há pouco tempo, um psicanalista francês em visita ao Brasil me dizia emotivamente: “eu não poderia dormir com todas essas crianças abandonadas nas ruas”. Só pude responder devolvendo-lhe a pergunta implícita em sua observação: “como então você consegue dormir?!” (Souza, 1994, p. 194). É nas gentes, e em seus corpos, que a reprodução da invisibilidade do outro vai se fazendo como condição para a visibilidade de corpos bem alinhados, de roupas bem costuradas e de carros do último ano com modelos já do ano que vem... 101 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... O corpo, essa “estratégia de acumulação” (Harvey, 2004, p. 135). O corpo, esse “território da cultura” e “exercício da territorialidade” (Castro & Bueno, 2005, p. 10). O corpo, esta “mímesis”, esta “intangibilidade”, esta “integralidade”, este “fragmento” (Takahashi, 2003, p. 147). O corpo, estas “geografias imaginativas” (Greiner, 2005, p. 104). “Não existem coisas nem espíritos, só existem corpos...” (Deleuze, 1987, p. 91). O corpo, em dobras: “A dobra do corpo sobre si mesmo é acompanhada por um desdobramento de espaços imaginários” (Guattari, 1992, p. 153). O corpo, dentre outros corpos, como “um projeto inconcluso” (Harvey, 2004, p. 136) porque um corpo político, um corpo que (também) pode. O corpo, estas experiências (cf. Sennett, 2008, 374)... “Desimaginemos”, pois, por um brevíssimo instante, o corpo índio Branco e “desmargeemos” o corpo índio Guarani, tirando-o da “invisibilidade” e trazendo-o ao nosso lado, como “El cuerpo que habla”, nos dizeres de Mark Münzel (2009, p. 27). O corpo Guarani que tem ele mesmo uma geografia, donde o conhecimento (séculos XVI, XVII e XVIII) sobre “os órgãos externos e as partes externas do corpo superam em quantidade às que se referem aos órgãos internos...”7 (Chamorro, 2009, p. 150). O tempo é “outro” e hoje, parece-nos, continuamos a ver apenas a externalidade/aparência indígena, na qual os corpos ainda estigmatizados se reproduzem. Na rua de casa, em corpos de carroças e roupas velhas. “Tem alguma coisa pra dá?”” (Índios Guarani) (Foto de Jones Dari Goettert [2009] – rua do Parque Alvorada – Dourados – MS) Em corpos de papel dependurados por cordas de “tirar o fôlego”. “Mais Dourados” Mais um índio se suicida em Dourados (sábado, 13 de março de 2010) (Foto de Osvaldo Duarte [http://www.opantaneiro.com.br/noticias/policial/95156/mais-um-indio-se-suicida-emdourados]) 7 Tradução livre: “[...] los órganos externos y las partes externas del cuerpo superan en cantidad a los que se referen a los órganos internos”. 102 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 Peritos da Polícia Civil de Dourados identificaram há pouco o índio que se suicidou na aldeia Jaguapiru, reserva indígena de Dourados. [...] De acordo com informações de familiares, o jovem tinha problemas com bebida e havia se separado da esposa há alguns dias (de Dourados News, do mesmo site da foto acima). Mas o espaço, em dobras, desdobras e redobras, se mostra e se oculta simultaneamente. O corpo, idem. O corpo como dobras, tem suas dobras ajeitadas, desajeitadas, rejeitadas e re-ajeitadas a todo instante, em todo lugar. O corpo Guarani se vê pelo menos duplamente dobrado: dobrado para a interioridade de si mesmo, Guarani; e dobrado para a exterioridade, não-indígena. O corpo Guarani (como espaço, como qualquer outro espaço), em dobras, é mais que a oposição como em “dedo sempre em riste” a mirar e minar o inimigo. O corpo, os espaços, os lugares, os territórios, são agora (como certamente sempre foram) híbridos, hibridizados e “hibridizantes”, sempre em processos de verdade e nunca a verdade ela mesma pronta e acabada. O “verdadeiro” é sempre marcado e embasado pela ambivalência do próprio processo de emergência, pela produtividade de sentidos que constrói contra-saberes in media res, no ato mesmo do agonismo, no interior dos termos de uma negociação (ao invés de uma negação) de elementos oposicionais e antagonísticos (Bhabha, 1998, p. 48). Em Dourados, para aquém-além do cotidiano do “Tem alguma coisa pra dá?” e dos suicídios, quatro jovens Guarani fizeram do corpo a dobradura radical de um entre-lugar entre a necessidade e o desejo de se mostrarem Guarani, como alma-e-corpo, e a possibilidade de serem “desinvizibilizados” em um ritmo-e-poesia fundado entre gentes “periféricas” da cidade e da aldeia, como corpo-e-alma RAP. Eu comecei a ouvir RAP foi mais na escola, quando a professora da cidade trouxe um CD do Fase Terminal, do Higor. A professora ajudou a fazer uma letra e eu então cantei na escola. Um dia apareceu aqui o Higor, e eu pensei que ele fosse um daqueles cantores de música REGGAE. Depois chegaram o Clemerson, o Kelvin e o Charles. Daí, formamos o “BRÔ MC’s”. “Brô” de Bruno, porque eu sou Bruno, mas “Brô” também de “brother”, porque nós somos os brothers do “BRÔ MC’s”. Se não estivéssemos no grupo e nem cantando, certamente seríamos mais quatro índios cortadores de cana para as usinas da região. Agora somos “BRÔ MC’s”, e todo mundo daqui gosta, até já fizemos vários shows. Os velhos e rezadores também incentivam, porque o nosso RAP mistura o português com o guarani, e é uma forma de continuar assim como nós somos, índios Guarani. Meus pais no início estranharam, até com essas calças que diziam que era pra roubar melancia, de tão largas que são (em conversa com Jones Dari Goettert, em 21/ 05/2010). Corpos índios viraram corpos índios-rappers. Os corpos Guarani invadiram o RAP e o RAP invadiu os corpos Guarani. Dobrados, os corpos índios-rappers “desdobram” as dobras do corpo, e o espaço Guarani todo é partícipe de uma “multi/transterritorialidade” (em aproximação a Rogério Haesbaert [2004; 2009]), sendo cada vez mais complexa precisar o limite entre índio e rapper, entre interioridade e exterioridade. “Deslimitado”, o espaço “BRÔ MC’s” vira batida, letra, canto, break e CD a partir da socialização de tecnologia desenvolvida pela grupo Fase Terminal, e disseminada também através de oficinas desenvolvidas pela Central Única das Favelas – CUFA – de Dourados. 103 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... “BRÔ MC’s”” (Capa do CD [http://cufadouradosms.blogspot.com/] – em 20 de maio de 2010) Eles vivem na segunda maior reserva indígena do país, cantam rap misturando guarani e português, uma inusitada mistura que soa diferente aos ouvidos num primeiro momento, mas logo depois você se acostuma e fica bem interessante essa mistura genuinamente brasileira. [...] Estou falando do grupo Brô, um grupo de jovens indígenas. Eles Vivem na Aldeia Jaguapiru, em Dourados – MS. A Reserva possui hoje mais de 30 mil habitantes e esses jovens, através das oficinas de hip hop ministradas pelo MC Higor Marcelo, do grupo Fase Terminal, se identificaram com as letras de protesto do rap nacional e decidiram criar seu próprio estilo com composições em português e em sua língua nativa. [...] No começo era só mais uma lição das aulas, mas depois que viu as letras, Higor decidiu que o rap dos meninos não poderia ficar confinado àquela aldeia, ele tinha que ganhar o mundo e foi assim que surgiu o projeto do primeiro cd de um grupo de rap indígena do Brasil. [...] Em dezembro [2009] foi o lançamento do cd, no festival Conexão Hip Hop, realizado pela CUFA Dourados e os meninos, minutos antes de subir no palco, estavam apreensivos, ansiosos, com medo até de esquecer a letra, mas segundo eles, foi só subir no palco que tudo passou, foram muito aplaudidos pelo público local e no fim todo mundo queria saber de onde vinham aquelas palavras incompreensíveis aos nossos ouvidos, eles só diziam “é a língua verdadeira do Brasil”. [...] Hoje as poucas cópias feitas de maneira artesanal já andam pela cidade de Dourados e alguns lugares do país, instigando e encantando aqueles que curtem o rap e também por aqueles que se interessaram por esse modo novo de cantar a realidade de onde eles vivem, o amor, o protesto (do mesmo site da foto acima). “DESMARGEANDO-SE”... ... DE ONDE VINHAM AQUELAS PALAVRAS INCOMPREENSÍVEIS AOS NOSSOS OUVIDOS... “Desmargeando” as margens, “desdesdobrando” as dobras O corpo como dobra. O corpo que dobra. O corpo índio dobrado break. O RAP “corporeando” o corpo Guarani. O relato “BRÔ MC’s” é o relato do mundo. De que lugar fala? Da aldeia para o mundo, do mundo para a aldeia, da aldeia para Dourados, de Dourados para a aldeia... De que lugar fala o “BRÔ MC’s”? Das margens do mundo, e como de margens o mundo é feito, fala, Mano, do mundo (Higor Marcelo Lobo Vieira – grupo RAP Fase Terminal – Dourados [27/05/2010, durante II Semana dos Geógrafos e III Expogeo – UFGD]). Fala o mundo. Fala para o Mundo e para os mundos, para fora e para dentro dele, deles... O corpo que se dobra, desdobra e redobra para fora de si e para si mesmo. Para o mundo e para aldeia. Da escala do corpo à escala global. Um corpo “nômade”: “[...] o [nômade é] homem da terra, o homem da 104 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 desterritorialização – ainda que ele seja também aquele que não se move, que permanece agarrado ao meio, deserto ou estepe” (Deleuze, 1977, p. 162). “Desterritorializado” ou territorializado em mais de um lugar, em mais de um tempo? Como corpo participante de modos de subjetivação (que também se fazem em modos de objetivação), a condição de “multiterritorialidade”/”transterritorialidade” é a simultaneidade sempre inconclusa dos processos de territorialização-desterritorializaçãoreterritorialização (a partir de Haesbaert [1997; 2004]). É toda uma geografia do pensamento que se coloca em movimento e o nômade é aquele que, mesmo sem sair do lugar, foge para todos os lados, para não se deixar capturar pelas armadilhas do instituído. [...] A dobra deleuziana é a curvatura ou a inflexão destas linhas [temporais e espaciais] infinitamente móveis que percorrem o plano da imanência cuja superfície é povoada por singularidades anônimas e nômades. A dobra exprime a desaceleração deste movimento infinito, produzindo a convergência das singularidades em um dado momento, criando assim um dentro que é coextensivo a um fora, e que é a condição para que um mundo comece. A dobra é, portanto, a expressão de um mundo possível. Este mundo possível não corresponde ao melhor dos mundos, segundo a forma leibniziana, mas significa que o mundo mesmo é acontecimento, é produção contínua do absolutamente novo. Partir do mundo, da série infinita que é o mundo, implica traçar um plano de imanência – cujo pressuposto é a multiplicidade – e inventar um personagem conceitual – o nômade – que possa habitar esta multiplicidade e montar sua tenda em qualquer lugar (Silva, 2004). Mas “deixemos”, por aqui, as dobras deleuzianas... Pensamos que Milton Santos (2002), em “o espaço é a acumulação desigual de tempos”, já indicava o espaço como dobras, em certa dialética das dobraduras. Os tempos se acumulam em dobras de espaço, ao passo que o próprio espaço também se acumula em dobras no tempo. Porém, como dobras, o espaço é ele mesmo tempo como um “nômade” entre-lugar, pressupondo, assim, a quebra da dicotomia espaço/tempo. E como “acumulação desigual de tempos”, o espaço como dobras é processo indefinido a cada novo rearranjo espacial, pois cada movimento a dobra dobra tudo o resto. E “Pelo espaço”, também pensamos que Doreen Massey (2008, p. 28), em “o espaço como uma simultaneidade de estórias-até-agora”, apresenta um modo de compreender o espaço como dobras. (Mas não estamos querendo dizer, nem para Doreen Massey e nem para Milton Santos, que haja neles uma filiação deleuziana...) As “estórias” como dobras em simultaneidade, que podem ser entendidas como os tempos desigualmente acumulados. Em cada momento, as dobras (tempos, estórias) se rearranjam, produzindo novas/ outras acumulações desiguais de tempos, produzindo novas/outras simultaneidades de estórias-até-agora. * É preciso “transfazer” os verbos hegemônicos (ou dominantes). Menos que negá-los, talvez o importante seja metamorfoseá-los em movimentos nunca lineares, sempre dialéticos, “dialetizados” e “dialetizantes”. “Desprogredir” em vez de progredir. “Desevoluir” em vez de evoluir. “Desdesenvolver” em vez de desenvolver, “Desmodernizar” em vez de modernizar... Porque a questão é mais que não-desenvolver, mas “desdesenvolver” imaginando e fazendo um novo envolvimento, em misturas de tempos e em misturas de espaços... “Desimaginar” o Mundo. As margens/dobras do “desmundo”. Tomarmos, para nós, a condição humana... Em “Babel”, Chieko reencontra o pai. Em “Livro de pré-coisas”, Bernardo “aplaina as águas”. Em “Terra vermelha”, a terra reencontra Guarani. Em “O deus das pequenas coisas”, os gêmeos Rahel e Estha se reencontram como “estranhos que haviam se encontrado por acaso”, mas que já “se conheciam antes da Vida começar”. Em “Caché”, Pierrot e o filho de Majid se encontram marcando um novo encontro. Em “O último voo do flamingo”, os ossos de Sulplício reencontram o corpo “na margem de um infinito buraco”. 105 GOETTERT, J. D. “DESIMAGINANDO” O MUNDO PELAS MARGENS ... “Desimaginar” o Mundo. Imaginar os mundos... Um encontro entre Sulplício e o grupo “Brô”, entre Ana Deusqueira e Bernardo, entre o vespral de arraia e Temporina, entre Chieko e Pierrot, entre Rahel e o Guarani... Como espaços de simultaneidade de trajetórias de estórias-até-agora ou de (des)acumulações múltiplas de tempos. Com “Todos os nomes”, pois “[...] que o tempo, ainda que os relógios queiram convencer-nos do contrário, não é o mesmo para toda a gente” (Saramago, 1997, p. 47). ... Nem o espaço. “Babel”” (um abraço) (Fotograma [2h15min08s]) APÊNDICE Terra vermelha vermelha. Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. Depois de (mais) dois suicídios de jovens Guarani, o cacique Nádio e seu grupo resolvem ocupar terras de um antigo Tekoha. Por entre conflitos, tensões e negociações, o grupo sofre uma emboscada e Nádio é morto. É a vitória do fazendeiro? Babel Babel. Marrocos, Estados Unidos/México e Japão. Um incidente na África se desdobra, desigualmente, para vidas e gentes de perto e de longe. Fronteiras formais, étnicoculturais e corporal-subjetivas se adensam em pequenos/grandes dramas humanos. Caché Caché. França. Georges e a esposa Anne recebem fitas de vídeo com imagens feitas em frente de casa; depois, junto a desenhos estranhos. Quem enviava? Pouco a pouco, um espaço oculto de Georges vai tomando o centro ao (des)invibilizar o argelino Majid. O último voo do flamingo flamingo. Tizangara. De um lugar fictício moçambicano-africano, soldados da ONU explodem, só restando intacto e visível o pênis. Um italiano detetive é deslocado para investigar as causas, mas a comunicação entre Mundo Colonizador e os mundos de Sulplício, Ana Deusqueira, Zeca Andorinha e Temporina parecem impossíveis. Livro de pré-coisas pré-coisas. O Pantanal “deslimitado”. Mundos em “transfazimento” são o próprio Pantanal se fazendo, desfazendo e refazendo. Ali, águas, bichos e árvores viram gente, e gentes viram tudo outra vez em um espaço “mundofágico”. O deus das pequenas coisas coisas. Ayemenem, Índia. Irmã e irmão gêmeos nascem e vivem os primeiros anos como Nós, em identidades juntas. Separados, vivem os seus Eus. Agora, mais de vinte anos depois, voltam e se reencontram em mundos indianos marcados pelas tradições e por estrangeiridades, que mais se excluem que se aproximam. 106 Terra Livre - n. 34 (1): 79-108, 2010 BIBLIOGRAFIA ALÔS, Anselmo Peres. Heterotopias do desassossego: literatura e subversão sexual na América Latina. Revista Cerrados. N. 27. Literatura: trânsitos e desassossego. Brasília: PPGLiteratura/UnB, 2009, p. 231-249. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. ARENDT Hannah. A condição humana. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: EdUFMG, 1998. BOSI, Alfredo. A dialética da colonização. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. COSTA, Fernando Braga da. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo: Globo, 2004. CASTRO, Maria Lucia & CASTRO, Ana Lúcia de (Orgs.). Corpo, território da cultura. São Paulo: Annablume, 2005. CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Assunção: Editorial Tiempo de História; Fondec, 2009. CHAUI, Marilena. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu Abramo, 2000. DELEUZE, Gilles. 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O texto desenvolvese na seqüência sugerida à prática pedagógica: exposição dos significados das práticas e dos saberes espaciais, seus desdobramentos psicopedagógicos; e apresentação do conceito de produção do espaço e seu conteúdo no presente momento histórico, que permita pensar o papel da geografia na escola e a relação entre os conceitos e os conteúdos. Propõe-se à metodologia do ensino da geografia o processo de ascensão do abstrato ao concreto em que o ponto de partida constitui-se dos conhecimentos prévios dos alunos (resultantes de sua prática social) e, simultaneamente, da maneira como a geografia questiona os problemas desta prática. Tanto os conhecimentos prévios quanto os conhecimentos geográficos são abstrações (de um concreto) com qualidades distintas que, conjugadas, devem conduzir à reprodução, no pensamento, do concreto como síntese de muitas determinações. Palavras-chave: ensino de geografia; práticas espaciais; consciência espacial; conhecimento geográfico; construção de conceitos. Resumen: El objetivo es discutir la metodología de la enseñanza de la geografía a través de la intersección y articulación de las prácticas y los conocimientos de los estudiantes a conceptos geográficos espaciales, lo que permite la construcción de conformar una conceptos didácticos en la escuela. El texto se desarrolla en la secuencia sugerida de la práctica pedagógica: exposición de los significados de las prácticas y espacio de conocimiento, su evolución psico-pedagógico; la presentación del concepto de producción del espacio y sus contenidos en este momento histórico, para sugerir el papel de la geografía en la escuela y la relación entre los conceptos y el contenido. Se propone la metodología de la enseñanza de la geografía del proceso de ascensión de lo abstracto a lo concreto en qué punto se es la puesta en marcha de ‘antes conocimiento de los estudiantes (como resultado de su práctica social) y, simultáneamente, la forma en la geografía piensa los problemas esta práctica. Tanto los conocimientos previos sobre los conocimientos geográficos son abstracciones (de hormigón), con cualidades distintas que, en conjunto, deberían conducir a la reproducción, la idea del concreto como síntesis de múltiples determinaciones. Palabras-clave: enseñanza de la geografía; las prácticas del espacio; la conciencia espacial; el conocimiento geográfico; la construcción de conceptos. MARCOS ANTÔNIO CAMPOS COUTO AGB-Niterói Dgeo FFP-UERJ ilanamarcos@gmail.com Título da Mesa 16 - EIXO 06 - A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE AUTONOMIA E LIBERDADE – do XV Encontro Nacional de Geógrafos. Porto Alegre-RS: AGB, 2010. Terra Livre Résumé : L’objectif est de discuter de la méthodologie de l’enseignement de la géographie dans l’intersection et l’articulation des pratiques et des connaissances des élèves à l’espace des concepts géographiques, permettant la construction de se conformer certains concepts didactiques à l’école. Le texte est développé dans la séquence proposée de la pratique pédagogique: exposition de la signification des pratiques et de l’espace des connaissances, de ses développements psycho-pédagogique; la présentation de la notion de production de l’espace et son contenu dans ce moment historique, de proposer le rôle de la géographie à l’école et la relation entre les concepts et les contenus. Il est proposé à la méthodologie de l’enseignement de la géographie du processus d’ascension de l’abstrait au concret dans lequel le point de départ est composé de »avant les connaissances des étudiants (issus de leur pratique sociale) et, simultanément, la façon dont la géographie pense que les problèmes cette pratique. Les connaissances a priori sur les connaissances géographiques sont des abstractions (en béton) avec des qualités distinctes qui, pris ensemble, devraient conduire à la reproduction, la pensée du béton comme une synthèse de nombreuses déterminations. Mots-clés: enseignement de la géographie; les pratiques spatiales; conscience de l’espace; les connaissances géographiques; la construction de concepts. São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 109-124 Jan-Jun/2010 109 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... INTRODUÇÃO Desde pelo menos o 1° Fala Professor (Brasília, 1987) se propõe à pesquisa sobre o ensino de geografia e à prática dos professores a compreensão do espaço como produto do trabalho social - produzido pela sociedade ao longo de sua história -, considerando a realidade e os saberes dos alunos, seus espaços de vivência e outros espaços Desta proposição distinguimos três temas para análise e articulação, considerando a sua potencialidade questionadora da metodologia do ensino da geografia na escola: 1. O da produção social do espaço, do seu conteúdo no presente momento histórico e do sistema de conceitos que permitam sua interpretação; 2. O da consciência espacial, saber geográfico produzido na prática social do espaço; 3. O da prática espacial, prática social mediada por imposições espaciais. A reflexão sobre a produção do espaço permite definir os objetivos gerais da geografia na escola neste momento histórico, tanto nos níveis de ensino quanto nos anos escolares, bem como estabelecer os critérios de seleção dos conceitos e conteúdos – o que é fundamental ensinar e aprender na atual conjuntura histórica. A consciência espacial é reveladora do universo cultural, dos conhecimentos prévios e do nível de compreensão da realidade que os alunos possuem. A prática espacial dos alunos permite contextualizá-la nas relações sócio-espaciais do capitalismo. A articulação dos três temas sugere uma prática pedagógica que se inicia e se conclui com a problematização das práticas e dos saberes espaciais, intermediada pelo processo de construção do conhecimento geográfico. Na renovação do discurso geográfico, Milton Santos (1986) defendeu a idéia de que é necessário reconhecer um objeto à geografia - bem como suas categorias fundamentais. Para ele, “trata-se da produção do espaço” (p. 111): são os fatos referentes à gênese, ao funcionamento e à evolução do espaço [tal qual ele se apresenta, como um produto histórico] que nos interessam em primeiro lugar” (p. 117). Esta historicidade do espaço significa que a geografia deve ocupar-se em investigar “como o tempo se torna espaço” (p. 105). O autor combatia o empiricismo abstrato e o caráter descritivo e fragmentário do método de investigação e de ensino, marcantes na história de uma geografia a serviço de um projeto imperial. Esta concepção, por um lado, transforma as relações entre os homens em relações entre objetos, e, por outro, substitui – na pesquisa e no ensino - o espaço real das sociedades em seu devir, pela história dos historiadores, pela natureza natural e pela economia neoclássica (Santos, 1986, p. 83 a 93). No ano de 1986 foi publicado o livro A geografia do aluno trabalhador – caminhos para uma prática de ensino (Resende, 1986)1, cujo conteúdo foi o resultado da investigação da consciência espacial, isto é, do “saber geográfico pré-escolar do aluno trabalhador, com vistas a seu aproveitamento pelo ensino sistemático de geografia” (Resende: 1989, p. 83), apontando para uma renovação prático-pedagógica que trabalhe os conteúdos de maneira crítica, considerando alunos e professores como produtores de conhecimento. Resende (1989, p.84) criticava a idéia, que se reproduz nas práticas de ensino, de que o aluno é “um ser neutro, sem vida, sem cultura, sem história... entidade alheia ao momento histórico e aos espaços geográficos determinados”, cuja conseqüência é não reconhecer potencialidades de sua ação de produção e transformação da história e da geografia, desconsiderando-o como sujeito do processo de conhecimentos e portador de um saber espacial. No livro A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, publicado no Brasil em 1988, Yves Lacoste (1988) faz a crítica da neutralidade científica da geografia 1 Este livro está esgotado e parece que não houve outra edição. 110 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 dos professores e propõe a tese da espacialidade diferencial, conteúdo central das práticas espaciais da geografia do capitalismo. Combatendo o caráter aparentemente neutro, desconectado da prática social, ingênuo e enfadonho da geografia dos professores, Lacoste (1988) põe o discurso geográfico e o mapa no cerne da prática social, explicitando o significado político dos saberes e das práticas espaciais no contexto da sociedade capitalista. Desde a década de 1980 estes temas desenvolveram-se na pesquisa em geografia em pelo menos dois âmbitos: no campo da epistemologia, do questionamento dos significados do que seja a geografia, seu sistema de conceitos a partir da produção social do espaço, seus métodos de pesquisa e ensino; outra direção seguida foi o da crítica pedagógica, envolvendo as teorias da aprendizagem e as pesquisas da psicogênese do pensamento através da construção de conceitos. O objetivo do presente texto é debater a metodologia do ensino de geografia através da identificação, entrecruzamento e articulação das práticas e dos saberes espaciais dos alunos aos conceitos geográficos; que permita conformar uma didática da construção de conceitos na escola. Tal empreitada exige o difícil esforço de (re)construir a unidade dos aspectos epistemológicos e psico-pedagógicos que fundamenta teórico-metodologicamente a pesquisa em ensino e a prática de ensino de geografia. Esta unidade permite responder àquelas perguntas permanentes dos professores de geografia - O que ensinar? Porque ensinar? E como ensinar geografia? (Almeida: 1991) e Como aprender geografia? – indispensáveis a uma prática pedagógica consciente e crítica. Hegel (1995) estabeleceu o que ele denomina de um fio condutor para uma nova elaboração da filosofia conforme um método idêntico ao conteúdo. O que se propõe, então, é partir da problematização do conteúdo das práticas sociais/espaciais do presente momento histórico para, de sua análise teórica, debater caminhos para a metodologia de ensinoaprendizagem. O texto desenvolve-se na mesma seqüência sugerida à prática pedagógica, cujo ponto de partida é o conhecimento dos alunos. Em primeiro lugar, são expostos os significados das práticas e dos saberes espaciais, sua problematização a partir do enfoque psico-pedagógico. Em seguida, é apresentado o conceito de produção do espaço - os conceitos correlatos – e seu conteúdo no presente momento histórico; que sirva à definição dos objetivos da geografia na escola, como critério da seleção dos conceitos e conteúdos e ao questionamento dos problemas das práticas e saberes espaciais dos alunos. DAS PRÁTICAS ESP ESPACIAIS ACIAIS AOS SABERES GEOGRÁFICOS Por fazer parte do cotidiano, a geografia é uma forma de saber que goza de muita popularidade. Isto decorre da presença dos mapas, do contado com as paisagens, e das práticas espaciais, isto é, do “fato de que todo dia fazemos nosso percurso geográfico, de casa para o trabalho, do trabalho para a escola, da escola para o trabalho, pondo a geografia na própria intimidade das nossas condições de existência” (Moreira: 2010, p. 45). As práticas espaciais se inscrevem na relação homem-meio e na luta pela sobrevivência. A continuidade - e acúmulo dos produtos - das práticas espaciais “vai levando o homem a distinguir os melhores locais” para o cultivo e criação para prover-se cada vez melhor dos meios de sobrevivência. Esse processo envolve experimentações, sistematização de experiências, comparações, abstrações, transformações das práticas, ou seja, um conjunto de saberes sociais/espaciais. Yves Lacoste (1988) inicia suas reflexões sobre as práticas e representações espaciais quando explica o grande interesse pelos fenômenos geográficos dos estados-maiores militares e das corporações financeiras. Para ele tal interesse é conseqüência das diversas representações de espaço que são/estão diretamente ligadas ao conjunto das práticas sociais e da importância estratégica e econômica dos fenômenos de localização. Das mudanças que ocorreram ao longo da história nas práticas sociais em relação ao espaço, Lacoste caracteriza as práticas e representações espaciais. 111 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... Nas primeiras sociedades, a prática social era inscrita no quadro de um mesmo espaço, relativamente limitado e em muitos casos percorrido a pé, onde os indivíduos reconheciam seus pontos de referência com muita facilidade; um espaço contínuo cuja representação era marcada pela experiência pessoal e concreta. Conhecer o terreno e os seus limites (da comuna, da paróquia, etc): “A maioria das práticas espaciais habituais (deslocamentos para os trabalhos agrícolas e para a caça, por exemplo) do grupo aldeão (e mesmo de cada família) se inscreve num pequeno número de conjuntos espaciais de dimensões relativamente restritas e encaixadas umas nas outras” (Lacoste, 1988: p. 21). As práticas sociais dos chefes de guerra ou príncipes alteraram esse quadro, pois foi preciso representar outros espaços, territórios dominados ou a dominar, que exigiram a produção de conhecimentos sobre estradas, distâncias, regiões distintas. Da experiência pessoal - do espaço percorrido e do olhar que alcança a paisagem -, foi necessário avançar para a representação dos espaços em diferentes escalas: “O imperador deve ter uma representação global e precisa do império, de suas estruturas espaciais internas (províncias) e dos Estados que o contornam” (p. 20). A geografia existe, pelos menos, desde que existe o Estado e seus aparelhos, sendo percebida como um saber estratégico a serviço do poder. Com “o auxílio das cartas” os Oficiais decidem “a sua tática e a sua estratégia”. Os burocratas estruturam o “espaço em províncias, departamentos, distritos”. Os exploradores “preparam a conquista colonial e a ‘valorização’” decidindo sobre a localização de investimentos nos níveis regional, nacional e internacional. Esta geografia é um “conjunto de representações cartográficas e de conhecimentos bem variados, visto em sua relação com o espaço terrestre” (p. 12). No contexto das sociedades mercantis, com o aparecimento das grandes cidades e expansão do comércio e, atualmente, com o desenvolvimento do capitalismo ao nível mundial, as pessoas se referem a muitas representações do espaço, resultante das mais diferentes práticas sociais. Relações sociais que funcionam sobre distâncias mais ou menos amplas; em que alguns constroem “uma idéia precisa de sua extensão e de sua configuração” (por exemplo, a delimitação da influência de uma empresa ou produto ao nível local, regional, nacional e internacional), enquanto a maioria os ignora. O espaço, as “diferentes redes não se dispõem com contornos idênticos, elas “cobrem” territórios de portes bastante desiguais e seus limites se encavalam e se entrecruzam” (p. 20). Hoje as práticas sociais se realizam sobre distâncias cada vez mais consideráveis; pessoas percorrem trajetos de espaços ignorados e conhecem apenas os pontos de partida e de chegada. Além do vai-e-vem diário (casa-trabalho-escola-casa), há ainda os deslocamentos de fins de semana ou dos feriadões, em que muita gente sai dos grandes centros urbanos em direção às áreas de veraneio, na praia ou na serra. Com os automóveis, “as ligações rodoviárias a distâncias mais ou menos grandes se multiplicaram e se intensificaram, e as práticas espaciais se estenderam e se diversificaram socialmente” (p. 22); ou seja, se multiplicaram as práticas sociais mediadas por práticas espaciais. Por isso, agora a “diversidade das práticas espaciais... podem se traduzir sobre a carta num grande número de conjuntos espaciais, com contornos e dimensões bem diferentes uns dos outros. Ou seja, “as diversas práticas sociais têm, cada qual, uma configuração espacial particular.... uma superposição de conjuntos espaciais que se interceptam uns aos outros” (Lacoste: 1988, p. 22). No cotidiano se faz referência a representações do espaço de tamanhos muito diferentes ou conjuntos espaciais superpostos: “As práticas sociais se tornaram mais ou menos confusamente multiescalares” [...] Hoje, nossos diferentes “papéis” se inscrevem cada um em migalhas de espaço, entre os quais nós olhamos sobretudo nossos relógios, quando nos fazem passar, a cada dia, de um a outro papel (p. 23). São deslocamentos sonâmbulos. Assim, afirma o autor, vive-se “numa espacialidade diferencial feita de uma multiplicidade de representações espaciais, de dimensões muito diversas, que correspondem a toda uma série de práticas e de idéias, mais ou menos dissociadas” (p. 23). A partir desta nova realidade, Lacoste reconhece a razão de existir da geografia: A impregnação da cultura social por um amontoado de representações espaciais heteróclitas faz com que o espaço se torne cada vez mais difícil de ser ali reconhecido, mas também cada vez 112 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 mais necessário, pois as práticas espaciais têm um peso sempre maior na sociedade e na vida de cada um. O desenvolvimento do processo de espacialidade diferencial acarretará, necessariamente, cedo ou tarde a evolução a nível coletivo de um saber pensar o espaço, isto é, a familiarização de cada um com um instrumento conceitual que permite articular, em função de diversas práticas, as múltiplas representações espaciais que é conveniente distinguir, quaisquer que sejam sua configuração e sua escala, de maneira a dispor de um instrumental de ação e de reflexão. (Lacoste: 1988, p. 24) Ao colocar a geografia no cerne da práxis social, Lacoste propõe a articulação das práticas e das representações espaciais à familiarização de um instrumental conceitual, que permita – pela sua interpretação – a transformação da realidade. Resumidamente, as práticas espaciais são práticas sociais de: localização e de reconhecimento de pontos de referência; deslocamentos e fenômenos que conformam um determinado conjunto espacial com configuração e limites próprios; conquista e domínio de territórios; representação dos espaços em diferentes escalas; delimitação de espaços e interligação entre eles; entrecruzamento de diferentes conjuntos espaciais. As representações espaciais têm o sentido amplo de apropriação de mundo pelo pensamento, impregnado de significados geográficos, o que inclui percepções e imagens de muitas cidades e de diferentes ambientes do mundo, pontos de referências, cartografias do viver e de diversos lugares, etc, conformando uma determinada consciência espacial. Márcia Maria Spyer Resende (1986, 1989) investigou a percepção e a consciência espacial que emerge da vivência prático-social do espaço de alunos-trabalhadores de Belo Horizonte-MG. Esta consciência espacial - um saber geográfico pré-escolar – é mediada pela inserção dos alunos nas relações de trabalho no contexto da luta pela sobrevivência: “Subordinada à lógica do trabalho, essa percepção do espaço está visceralmente ligada à experiência vivida, a um espaço que, de certa forma, a experiência vivida seleciona e ordena” (Resende, 1989, p. 86). Resende identifica alguns eixos de interpretação da experiência espacial dos alunos, a partir de seus relatos de vida. Para os alunos-trabalhadores de origem rural, a integração natureza/trabalho tem o espaço familiar camponês como ponto de partida: “espaço de trabalho, onde os códigos da criança e do adolescente estão, de certa forma, já subordinados ao mundo adulto do trabalho e da sobrevivência” (p. 87). As primeiras recordações de seu espaço de origem “são automaticamente descritos através do trabalho dos pais” (p. 88) na roça, as vezes como meieiro numa fazenda, na lida com animais, na zona da mata, no município tal, etc. Esta origem de trabalhador rural faz emergir um conjunto de conhecimentos sobre os fenômenos naturais: as estações do ano – época de plantio e de colheita; as mudanças do clima – momentos de cheia e de seca; as características do terreno – viabilidade ou não para a lavoura; conhecimentos diretamente ligados à (re)produção da sobrevivência2. Desta forma, a natureza é “percebida de maneira dinâmica em relação à dialética com o trabalho do homem”, em que “o espaço ganha uma dimensão eminentemente social... ele nunca é neutro, aberto, sem divisões, sem donos” (Resende: 1989, p. 95)3. Para alunos que nasceram e foram criados em Belo Horizonte, a percepção dos fenômenos naturais quase desaparece, pois a natureza já não se configura diretamente como fonte do trabalho e da sobrevivência. O espaço urbano é um lugar do existir: Trata-se muito mais de um cenário (até porque móvel e substituível, como tudo enfim na vida urbana), que de um ambiente stricto sensu, um espaço do qual se guardam – e se mencionam – certos acidentes geográficos que impregnaram a consciência. E isto não se dá, obviamente, porque as vivências, no meio urbano, sejam menos intensas do ponto de vista psicológico ou 2 “... se o rio permite, a boiada segue; se chove, a lavoura resiste; se não chove, não haverá o que comer; se alaga, a carroça não passa; se é setembro, começa o plantio...“. (Resende: 1989, p. 100, 101). 3 Resende informa que dos alunos que nasceram na roça, 80% do relato de vida ocupa-se do convívio familiar do trabalho nas áreas rurais e do íntimo convívio com os fenômenos naturais; sobre o espaço urbano, apenas um punhado de frases. 113 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... afetivo. Ao contrário, até onde se possa especular, a vida urbana tende a oferecer experiências psicológicas e afetivas se não mais profundas... pelo menos mais variadas. No entanto, justamente essa mobilidade de vida, essa qualidade instrumental e descartável do espaço, tornado agora apenas invólucro da vivência e não mais um elemento ativo dela, quase um co-sujeito, como acontecia na roça, faz com que o homem, o trabalhador, se olvide da natureza, reduzindose esta a pura e simplesmente um local onde as coisas acontecem, por onde se passa, onde se mora e de onde se muda, sem que isso altere grande coisa. (Resende: 1989, p. 100) Entretanto, o trabalhador de origem urbana não está alheio à lógica produtiva e ao seu trabalho no contexto da luta pela sobrevivência; porém suas primeiras impressões do espaço e de sua organização se manifestam de forma distinta dos trabalhadores urbanos de origem rural. Na cidade, desde o início, afirma Resende (1989) “o espaço para o aluno trabalhar é sobretudo o lugar de moradia, articulado por sua vez com o lugar de trabalho”. O empregado não vive no trabalho, necessitando “lutar pela moradia” (Resende: 1989, p. 103, 104)4. E nesta luta por emprego e moradia – que une trabalhadores oriundos da cidade e do campo -, os alunos percebem - mesmo que de forma incompleta - a divisão social do espaço (bairros dos pobres, bairros dos ricos, favelas no centro, condomínios em áreas verdes, etc) e o caráter privado da reprodução do espaço urbano. Assim, o espaço é político, pois “é sempre percebido como ‘cercado’, dividido, possuído ou não, mas de qualquer forma nunca um espaço inteiriço e universal, pelo qual a sociedade se distribuiria mais ou menos aleatoriamente” (p. 95). No livro de Resende (1986) estão reproduzidos os conteúdos das entrevistas realizadas com os alunos-trabalhadores, onde é possível explorar outros aspectos desta consciência espacial produzida na prática social do espaço. Embora ricos de significados geográficos - por reproduzir uma concepção integrada da relação sociedade-espaço-natureza -, nem sempre estes raciocínios conseguem realizar toda a potencialidade do jogo do particular e do universal, do próximo e do distante, do visível e do invisível, do todo e da parte; jogo que caracteriza o movimento dos conceitos científicos. Antes de ser teórico, todo conhecimento é prático; é um fato que nasce das práticas sociais e da relação dos seres humanos com a natureza (Lefevbre: 1987). A escola não deve prescindir deles, mas elevá-los para níveis maiores de universalidade; o que requer uma prática pedagógica que os levem em consideração e os transformem em conhecimento teórico-científico. DA PROBLEMA TIZAÇÃO DA PRÁTICA ESP ACIAL À PEDAGOGIA DA CONSTRUÇÃO PROBLEMATIZAÇÃO ESPACIAL DE CONCEITOS O que se propõe é traduzir esta prática/saber espacial em problematização da prática social - ponto de partida e de chegada do processo de ensino-aprendizagem. A partir da crítica da pedagogia tradicional e da pedagogia escolanovista de resolução de problemas, mas também dos limites das teorias critico-reprodutivistas, Dermeval Saviani (1984) propõe uma pedagogia histórico-crítica em que o ponto de partida e de chegada seja a prática social. De Saviani (1984) e de Gasparin (2007) traduziu-se os 5 passos para uma didática baseada no método dialético: · 1° passo: o conhecimento da prática social, práticas/saberes espaciais do universo cultural e do contexto sócio-espacial dos alunos. · 2° passo: a problematização das práticas/saberes espaciais; transformação em problemas significativos do ponto de vista de quem aprende – oriundos de sua prática social -, mas também do ponto de vista dos processos espaciais/sociais-naturais do mundo globalizado. · 3° passo: a instrumentalização, isto é, a construção e apropriação de instrumentos teóricos e práticos, de ferramentas culturais e científicas, indispensáveis ao 4 Nas próprias condições de moradia, os fenômenos naturais “reaparecem”, ‘cobrando’ a sua fatura, pois são nos momentos das tempestades que as encostas – e as favelas – desmoronam, os rios transbordam e alagam as vias de transporte e as casas que se localizam nas partes baixas do terreno. 114 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 equacionamento dos problemas levantados das práticas e saberes espaciais. · 4° passo: a catarse, isto é, a · síntese superior a partir dos saberes sincréticos, sua transformação em sínteses de muitas determinações da realidade concreta. · 5° passo: a prática sócio-espacial, como ponto de chegada da unidade teoria e prática, sua compreensão mais consciente e sua possibilidade de transformação por parte dos alunos. O que se propõe é que o ponto de partida da prática pedagógica não seja nem a preparação dos alunos cuja iniciativa seja a do professor e nem apenas a atividade que seja iniciativa exclusiva dos alunos (Saviani, 1984, p. 73). Da mesma forma, a problematização se inicia com a prática social e não com os problemas lógicos, epistemológicos, propostos a partir da lógica da ciência ou do conteúdo das disciplinas escolares. A aprendizagem de novos conceitos e conteúdos serve a reflexão dos problemas oriundos das práticas sociais/ espaciais dos alunos no contexto da produção capitalista do espaço, da unificação e fragmentação dos lugares, do processo de urbanização da vida, da desterritorialização/ reterritorialização, enfim dos problemas da universalização perversa. Desta forma, o conteúdo das práticas de ensino da geografia se aproxima das práticas espaciais reais e se desenvolve a partir dos percursos dos alunos, sem distorcer o objeto de estudo a ser ensinado. Isto supõe o diálogo do ensino com a aprendizagem, de quem ensina com quem aprende (Weisz, 2007), reconhecendo o conhecimento que os alunos já possuem e estabelecendo pontes com os conteúdos a serem ensinados. O tópico anterior serviu a reflexão do primeiro e do segundo passos - o conhecimento da prática e do saber espacial. Veja a seguir o processo de instrumentalização e de catarse, cujo cerne é o processo de construção de conceitos. O conceito científico: o concreto-pensado Na terminologia da psicologia da aprendizagem (Piaget, Vygotsky) os saberes préescolares são considerados conceitos espontâneos, enquanto na escola são os conceitos científicos que deve(ria)m ser construídos. Lana de Souza Cavalcanti (1998) escreveu um importante livro sobre a transformação dos conceitos espontâneos em científicos, com destaque para a representação dos conceitos da geografia dos alunos e dos professores do ensino fundamental5. Antes de verificar como o processo de construção de conceitos transforma tanto a forma como o conteúdo do raciocínio dos alunos, é necessário apresentar o que se entende por conceito. Na produção teórica do conhecimento o pensamento deve elevar-se do abstrato para o concreto e da forma para o conteúdo, de maneira a reproduzir o concreto no pensamento como concreto-pensado (Marx: 1986). O veículo deste caminho é o conceito (Hegel: 1995). Superando, pela reflexão dialética, as oposições entre forma e conteúdo, mediato e imediato, abstrato e concreto, o conceito, para Hegel, é uma forma (abstração) que “em si encerra, e ao mesmo tempo deixa sair de si, a plenitude de todo” o conteúdo (concreto): o conceito é a abstração de um concreto, é um concreto-pensado (ibidem: p. 292, 293). Por isso, podemos incluir, como momentos do conceito, a abstração e a essência, contanto que fundamentadas na atividade prática dos seres humanos (Lefebvre: (identidade), da particularidade (diferença) e da singularidade (fundamento), como unidades inseparáveis. Esta conexão necessária significa a unidade do abstrato com o concreto, do geral com o particular, do imediato com o mediado, da forma com o conteúdo, do visível com o invisível. Este conjunto de conexões - sínteses de muitas determinações - é o conteúdo das formas lógicas, dos conceitos científicos. 5 Cavalcanti (1998) entrevistou alunos de 5ª e 6ª séries e professoras do ensino fundamental de 1ª à 4ª e de 5 ª à 8ª séries. A forma como todos compreendem os conceitos da geografia é rica de significados e seu conhecimento é fundamental para sua reconstrução pelo trabalho pedagógico. 115 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... Tratando-se dos conceitos geográficos, este movimento do abstrato para o concreto supõe uma abordagem dos conceitos/conteúdos da geografia no ensino a partir das conexões e contradições da universalidade (espaço global) com a singularidade (práticas espaciais dos indivíduos), mediadas pela particularidade (escalas intermediárias do espaço geográfico). Isso também implica em abordar o espaço, a paisagem, o território, o lugar, a região, a rede, a escala6 a partir dos significados que estes conceitos possuem na vida concreta das pessoas nos dias atuais. Ou seja, pensar a geografia (globalização) que existe no meio social e com o qual o aluno toma contato através de sua própria participação em atos que envolvem sua espacialidade, isto é, em práticas sociais mediadas pelas práticas espaciais. Este movimento da forma para o conteúdo e do abstrato para o concreto também é o movimento da teoria para o método. Da teoria da produção social do espaço, destacam-se os conceitos de território e paisagem. O método deve esclarecer o movimento destes conceitos na captura do conteúdo geográfico da história. Inspirado em Pierre George (Os métodos da geografia), Moreira (2007) propõe o caminho que vai do visível ao invisível, e do invisível ao visível. No primeiro caso, parte-se da indagação dos arranjos da paisagem, passando por sua análise em termos de recortes de domínio (territórios), para chegar ao espaço enquanto conteúdo de organização da sociedade. No caminho inverso, parte-se do conteúdo mais profundo e estrutural da (re)produção do espaço até retornar à paisagem como uma rica totalidade de determinações e relações diversas. Neste vai-e-vem dialético entre a paisagem, o território e o espaço, propõe-se tornar o mundo em concreto-pensado. Entretanto, o conceito não é apenas produzido pelos cientistas e métodos da ciência, mas também construído pelo sujeito em sua relação com o mundo. A construção de conceitos: o processo de generalização Do ponto de vista dos processos psicológicos, o conceito é uma generalização, na medida em que encarna a articulação dos momentos da universalidade (geral) com o da singularidade, passando pela particularidade. Interpretado como “uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas” (Vygotsky: 1989, p. 46), o conceito, enquanto forma (de um conteúdo), é plasmado no significado das palavras; e enquanto processo é a generalização. Generalizar é estabelecer significado às coisas do mundo e do viver humanos. Neste processo, o pensamento (e o agir, a práxis) sintetiza impressões desordenadas, estabelece relações entre o geral e o particular (e vice-versa), distingue e agrupa objetos/fenômenos, examina “elementos abstratos separadamente da totalidade da experiência concreta de que fazem parte” (ibidem, p. 55), estabelece relações lógicas e abstratas entre os fenômenos, articula análise à síntese, forma ao conteúdo, imediato ao mediado. A partir da interpretação dos aspectos tipicamente humanos do comportamento, baseada em três perspectivas de análise (a relação dos seres humanos com seu ambiente, o processo de trabalho, e a relação do uso de instrumentos com o desenvolvimento psicológico), Vygotsky distingue o comportamento humano através das funções mentais superiores (a consciência, a abstração e o controle), comportamento superior que faz referência a combinação entre o uso do instrumento e o signo (desenho, escrita, leitura, uso de sistema de números) na atividade psicológica. As funções mentais superiores caracterizam-se essencialmente pela estimulação autogerada (e não do ambiente, mas na relação com ele), coerente com a perspectiva de auto-criação do homem pelo processo do trabalho. Trabalho é troca metabólica entre a natureza-homem e a totalidade da natureza, em que o homem transforma a natureza ao mesmo tempo em que se transforma. Todas as funções da consciência surgem originalmente da ação, mas as funções mentais superiores fundamentam-se nas relações reais entre indivíduos humanos. Por isso Vygotsky conclui que a “internalização 6 Citei as categorias da geografia, mas este método também serve aos conceitos/conteúdos do espaço geográfico: agrário, urbano, natural, político, etc. 116 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana” (1989a, p. 65); em conseqüência, a construção do conhecimento é um processo essencialmente social e histórico. As funções mentais superiores permitem aos alunos centrar a atenção, abstrair, sintetizar, simbolizar e resolver problemas e, com isso, construir a consciência de estar consciente, base para o controle do ambiente e para o auto-controle do comportamento. Vygotsky apresenta o desenvolvimento das funções mentais superiores no processo de formação de conceitos, em que: .... todas as funções [intelectuais] existentes são incorporadas a uma nova estrutura, formam uma nova síntese, tornam-se partes de um novo todo complexo; as leis que regem esse todo também determinam o destino de cada uma das partes. Aprender a direcionar os próprios processos mentais com a ajuda de palavras ou signos é uma parte integrante do processo da formação de conceitos. A capacidade para regular as próprias ações fazendo uso de meios auxiliares atinge o seu pleno desenvolvimento somente na adolescência. (Vygotsky: 1989, p. 51) Portanto, a formação de conceitos modifica tanto a forma de raciocínio quanto o conteúdo do pensamento das crianças. Ao responder ao que acontece na mente da criança com os conceitos científicos que lhe são ensinados na escola, Vygotsky (1989, p. 71/72) esclarece que quando uma palavra nova é apreendida pela criança, o seu desenvolvimento percorre um longo processo, pois o “desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar”. Por isso, conclui o autor, o ensino direto de conceitos é infrutífero e impossível. Tolstoi (apud Vygotsky) afirma que o fundamental é criar oportunidades “para adquirir novos conceitos e palavras a partir do contexto lingüístico geral”: Quando ela ouve ou lê uma palavra desconhecida numa frase, de resto compreensível, e a lê novamente em outra frase, começa a ter uma idéia vaga do novo conceito: mais cedo ou mais tarde ela... sentirá a necessidade de usar essa palavra – e uma vez que a tenha usado, a palavra e o conceito lhe pertencem.... (Tolstoi apud Vygotsky: 1989, p. 72) Daí a idéia de construção e não de assimilação de conceitos. Em seus estudos (Vygotsky: 1989, 1989a) há indicações metodológicas inspiradoras de procedimentos pedagógicos para a construção de conceitos pela criança, entre as quais se destacam: 1. O método de dupla estimulação, em que dois conjuntos de estímulos são apresentados ao sujeito: “um como objetos da sua atividade, e outro como signos que podem servir para organizar essa atividade” (1989, p. 49). Nas tarefas pedagógicas isto pode significar a descrição de uma paisagem para compreensão e definição das formas de vida naquele lugar, a localização e a relação de fenômenos num mapa, a leitura de um texto para relacionar acontecimentos ocorridos em diferentes lugares, etc. 2. A proposição de problemas que exijam a aquisição de novos conceitos para serem solucionados. A problematização da prática e dos saberes espaciais, um questionamento, uma tarefa a ser resolvida, etc, para constituir-se em proposta pedagógica, deve exigir do estudante a aprendizagem de novo conteúdo para sua solução; e, para isso, deve contar com atividades em que o aluno utilize o seu aparato de percepção e palavras (conceitos). 3. Dirigir a ação pedagógica sobre a zona de desenvolvimento proximal, situação em que o aluno está quase conseguindo realizar uma determinada tarefa. O processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos escolares deve caminhar à frente do desenvolvimento mental - se convertendo nele -; criando desafios que sejam difíceis e ao mesmo tempo possíveis de serem realizados pelos alunos e que tais dificuldades só sejam superadas através da aprendizagem de novos conteúdos. Aqui também se explicita a mediação social da produção do conhecimento, na medida em que a transformação do desenvolvimento proximal 117 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... em real depende da colaboração de um amigo que o ajuda ou do professor que lhe propõe problemas. 4. O desenvolvimento de um sistema hierárquico de inter-relações que caracterizam os conceitos científicos impulsiona a consciência reflexiva, o pensamento abstrato e o controle deliberado e intencional do comportamento (funções intelectuais superiores). A inter-relação significa que o conceito de espaço, por exemplo, possa se converter em território, lugar, paisagem, etc, permitindo compreendê-los, incluindo os seus conteúdos concretos; ou reversivamente, que a compreensão do primeiro exija sua relação com os demais; e assim, sucessivamente. Resguardadas as singularidades próprias, indicou-se as similaridades entre a produção teórica de conhecimento e o processo de aprendizagem e construção de conhecimento na escola. Os materiais de estudo e as atividades pedagógicas devem estar a serviço de uma prática conceitual, pois os estudantes dominam o conceito quando e porque aprendem a atuar conceitualmente, por que sua práxis torna-se conceitual (Leontiev in Davydov: 1982). Isto sugere que as situações didáticas devem: · Permitir a apropriação do mundo como concreto-pensado através das tarefas do processo de ascensão do abstrato ao concreto7. · Incluir os propósitos, conteúdos e conceitos da geografia, através dos quais problematiza os modos de viver, amar, sofrer e de transformar a vida. OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS: AS FORMAS-CONTEÚDO DA GEOGRAFIA DO PRE- SENTE As práticas e os saberes espaciais dos alunos devem ser questionados pelo conhecimento geográfico8. Vygotsky compreende que grande parte do caráter científico dos conceitos – que impulsiona a consciência reflexiva - vem de sua trama de conexões na forma de um sistema hierárquico. Por outro lado, a tradição descritiva, taxonômica e fragmentária da ciência fez (ou faz) da geografia um armário repleto de conteúdos fragilmente conectados. Além disso, o formalismo pedagógico faz com que se abordem a paisagem, o espaço e o território, mas nem sempre os arranjos paisagísticos vividos pelos alunos, a espacialidade de sua prática e as territorialidades que disputa. Daí a importância de definir os conceitos-sínteses da geografia, ou melhor, os significados das formas geográficas para compreensão dos modos de vida da história humana e, assim, estabelecer a razão de ser/estar do ensino de geografia na escola. E, da forma geográfica, analisar o seu conteúdo no presente momento histórico, sinalizador da coerência dos conceitos que o analisam. 9 A produção do espaço Quanto aos significados da geografia, os marxistas têm respondido com a idéia de produção do espaço, a forma geográfico-espacial de reprodução das sociedades. De acordo com Milton Santos (1986), a produção do espaço é um “verdadeiro campo de forcas”, é uma forma-conteúdo: “um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais 7 As tarefas constituem os movimentos (teóricos e práticos) dialéticos da forma para o conteúdo, do imediato ao mediado, do abstrato para o concreto; mas também os movimentos dos diferentes momentos da totalidade, desde a universalidade até a particularidade e a singularidade. 8 Da mesma forma que o conhecimento geográfico deve ser questionado pelas práticas e saberes espaciais dos sujeitos. 9 Ou o enfoque geográfico do mundo do homem. 118 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 que estão acontecendo diante de nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções” (p. 122). Como ser e como existência, o espaço expressa o jogo dialético entre o conteúdo (ser) e a forma (existência): enquanto o ser é a estrutura social (a totalidade), a forma é a existência. O tempo é processo e função. Para Santos, a totalidade e o tempo são as categorias fundamentais do estudo do espaço. Como forma-conteúdo, o espaço é materialidade: a “casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos, são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e comandam a prática social” (Santos: 1986, p. 137). Por sua condição de materialidade, as formas geográficas são resistentes ao tempo10. Daí a idéia de permanência (inércia) das formas geográficas em diferentes tempos, mesmo que num contexto de mudanças (dinâmica) de seus conteúdos (funções, processos, estrutura social). Utilizando-se do conceito de prático-inerte de Jean-Paul Sartre11, Santos vai definir a especificidade do espaço por sua inércia dinâmica, ou seja, pelo fato de que “as formas são tanto um resultado como uma condição para os processos” (ibidem, p. 148). A mesma forma com diferente conteúdo significa uma mudança na história e, assim, um novo espaço, uma nova forma-conteúdo. Desta maneira: O papel específico do espaço como estrutura da sociedade vem, entre outras razões, do fato de que as formas geográficas são duráveis e, por isso mesmo, pelas técnicas que elas encarnam e as quais dão corpo, isto é, pela sua própria existência, elas se vestem de uma finalidade que é originariamente ligada, em regra, ao modo de produção precedente ou a um de seus momentos. Assim mesmo, o espaço como forma não tem, de modo algum, um papel fantasmagórico, pois os objetos espaciais são periodicamente revivificados pelo movimento social. (Santos: 1986, p. 149) Embora resistentes ao tempo, as formas espaciais não são fixas e congeladas, não dispõem de autonomia de comportamento, embora possuam autonomia de existência (ibidem, p. 150). Desta forma, através do espaço, a “história se torna, ela própria, estrutura, estruturada em formas. E tais formas, como formas-conteúdo, influenciam o curso da história, pois elas participam da dialética global da sociedade” (p. 152). Como sugeriu Henri Lefebvre é preciso explicar o espaço a partir de sua produção: “Só através de sua produção é que o conhecimento do espaço é atingido” (Santos: 1986, p. 128). O ato de produzir é simultaneamente um ato de produzir espaço, pois ao se tornar produtor, o “homem se torna ao mesmo tempo um ser social e um criador de espaço” (ibidem, p. 4), impondo uma forma particular de arrumação dos objetos e instrumentos através dos quais ele transforma a natureza (Santos: 1986, p. 162). Desta forma, “o espaço geográfico é a natureza modificada pelo homem através do seu trabalho” (p. 119). Essa práxis, processo de troca metabólica entre o homem (historia social) e natureza (histórica natural), está na origem de uma dialética do espaço, movimento em que uma forma de natureza (primeiro momento) está sempre prestes a se transformar em outra (segundo momento), uma dependendo da outra para se realizar. Assim, a “concepção de uma natureza natural... cede lugar a idéia de uma construção permanente da natureza artificial ou social, sinônimo de espaço humano” (Santos, 1986, p. 119). Como forma-conteúdo, o espaço ou o meio geográfico é um meio de vida, um híbrido de materialidade e relações sociais, uma realidade objetiva. A significação geográfica dos objetos resulta “do papel que, pelo fato de estarem em contigüidade, formando uma extensão contínua, e sistematicamente interligados”, desempenham na história humana (Santos: 2004, p. 63). De produto das relações sociais de produção, o espaço torna-se reprodutor 10 Santos usa o verbete rugosidade para se referir a esta persistência das formas espaciais: “as rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizados“ (Santos: 1986, p. 138). 11 Retirado do livro Critica da Razão Dialética. Sartre, Jean-Paul (2002). São Paulo: DP&A. 119 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... e regulador da história, interferindo em seus rumos: “efeito de ações passadas, ele permite ações, as sugere ou as proíbe” (Lefevbre apud Santos: 1986, p. 15212). Como meio de vida, híbrido de materialidade e relações sociais e produto da história, o meio geográfico “é a cristalização da experiência passada, do indivíduo e da sociedade, corporificadas em formas sociais [espaço] e, também, em configurações espaciais [território] e paisagens” (Santos: 2004, p. 32613). Para Ruy Moreira (1987) a sociedade não apenas produz, organiza ou se relaciona com o espaço: a sociedade é espaço. A partir da sugestão de Yves Lacoste, Moreira (2005, 2008) propõe o conceito de geograficidade como o ser-estar espacial do homem no mundo. O espaço é uma das formas de realização da sociedade, correspondente à organização espacial do homem, resultante do processo de transformação da natureza em sociedade através do processo de trabalho. Por isso este meio geográfico é a própria sociedade, realizando-se por intermédio do arranjo espacial, resultado da ação que impulsiona, regula e controla o intercâmbio do homem e deles com a natureza (Moreira: 2005). O espaço é uma coabitação dos contrários, unidades geográficas construídas pelo ser humano diante de um mundo formado pela diversidade (Moreira, 2008, p. 167-168). Daí a tensão entre diferença e identidade como constituidora da ontologia do espaço. Este “ser do espaço”, fundamentado na “hominização do homem pelo próprio homem através do metabolismo do trabalho”, configura-se “enquanto essência da existência deste homem nos diferentes espaços geográficos da superfície terrestre” (Moreira: 2005, p. 7, 8). O resultado é a geograficidade, o ser-estar espacial do homem no mundo (Moreira, 2005, 2008). Esta geograficidade é criação e criadora da construção espacial das sociedades, levada a cabo por intermédio das práticas espaciais14 (Moreira, 2005, 2007). Categorias do empírico, as práticas geográficas são mediações que fazem da compreensão do espaço a compreensão da sociedade e da teoria do espaço uma teoria da sociedade (e vice-versa). As práticas espaciais - e os saberes espaciais que lhes são correspondentes - conformam a reprodução geográfica das sociedades. Sua compreensão requer princípios lógicos, conceitos e categorias, entre os quais se destacam o espaço, o território e a paisagem. Ao longo da história, a humanidade experimentou diferentes modos de vida, modos de produção da existência, cada qual produzindo e exigindo um determinado arranjo espacial, uma forma espacial de arrumação da sociedade. O método exige a articulação do caráter geral – a produção social do espaço – com suas características específicas e particulares de cada modo de produção. A seguir é exposto o conteúdo das formas geográficas neste momento da história. A produção capitalista do espaço e o conteúdo das práticas espaciais Milton Santos (2004, p. 114/115) assinala a emergência, se não de um espaço global, mas de espaços da globalização, a partir da noção de totalidade que “permite um tratamento objetivo”, pois hoje se convive com uma “universalidade empírica”, que nos permite examinar “as relações efetivas entre a Totalidade-Mundo e os Lugares”. Num mundo difícil de apreender, de muitos deslocamentos, de fluidez, de velocidade e de alusão a diferentes e distantes lugares, o corpo e seu entorno tornam-se lugares seguros. Daí este confronto da Universalidade com a particularidade, cujo produto (síntese) é a singularidade. O confronto da universalidade com a localidade é a própria totalidade em movimento, entendida como trama e como acontecer solidário, próprio do processo espacial, que inclui a escala. 12 13 Passagem de Henri Lefebvre do livro ‘La production de l’espace (1974). Paris: Ed. ANTHROPOS, pág. 88-89. O prático-inerte de Sartre. 14 Segundo Ruy Moreira (2005), as práticas espaciais são ações humanas que combinam a localização e a distribuição. A localização transforma-se em distribuição e a circundância se arruma como uma rede diferenciada de distribuição de localizações. A combinação localização-distribuição da origem a extensão, constituindo a unidade geográfica do mundo do homem. 120 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 Para Santos (2004), o ponto de partida na análise da geografia do presente é a compreensão do sistema técnico atual, dado que o seu conhecimento é fundamental ao entendimento da estruturação, do funcionamento e da articulação dos territórios. Movida pela produção de uma mais valia planetária, a técnica tornou-se forma de fazer (produção), forma de ser (ação humana), forma de informação (discurso, interlocução), mas também território. Desde os macrossistemas (barragens, aeroportos, telecomunicações, etc) até os produtos da chamada revolução científico-técnica (rádios, televisores, microcomputadores, máquinas fotográficas, etc.), o atual sistema técnico se difunde rapidamente, implanta-se de forma integrada e sem necessidade de articulação com heranças culturais locais, tornando-se indiferente ao meio e elemento exógeno para a maior parte da humanidade. Sua tese central, a respeito deste período geográfico da história, é a de que “a marcha do processo de racionalização, após haver (sucessivamente) atingido a economia, a cultura, a política, as relações interpessoais e os próprios comportamentos individuais, agora, neste fim de século XX, estaria instalando-se no próprio meio de vida dos homens, isto é, no meio geográfico” (p. 290). O resultado é a incorporação ao chão que se pisa no dia-a-dia do “casamento” da ciência com a técnica, na forma de produção de um meio técnico-científico (Santos: 1994, 2004). A unicidade técnica, a unicidade do tempo e a unicidade do motor da vida econômica e social são as manifestações de uma inteligência planetária produzida pelo atual sistema técnico: essas “três unicidades são a base do fenômeno de globalização e das transformações contemporâneas do espaço geográfico” (Santos, 2004, p. 189). De acordo com Ruy Moreira (1994), este meio geográfico - mais denso de ação e de história - tem um fundamento paradigmático, alicerçado num tempo-espaço15 métrico, inorgânico e universal que sincroniza as ações e produz um sincronismo espacial, através do qual unifica e disciplina os ritmos de vida e trabalho, regularizando o cotidiano e a comunidade. Trata-se da uniformidade do mundo pela técnica num espaço globalizado, em que a superfície terrestre é integrada num conjunto espacial em que se fundem os meios de circulação de objetos e os meios de circulação do pensamento. Dissociado do ambiente local em função de seu conteúdo cada vez mais universal, uniforme e tecnificado, o homem é desenraizado territorial e culturalmente, na escala de mundo. Este desenraizamento é um processo que se inici(a)ou com a expropriação do campesinato e sua transformação em trabalhador “livre” (proletariado moderno), e que atualmente significa os desligamentos freqüentes de sua territorialidade, vida de flutuação e de mobilidade territorial campocidade, campo-campo, cidade-cidade e no interior das grandes metrópoles. A metrópole – o moderno processo de urbanização dos meios de vida - é a constituição corpórea desta espacialidade, um meio geográfico impessoal em que as personalidades dos homens e mulheres se fragmentam em múltiplos pedaços espaciais (espaços da moradia, do trabalho, do lazer, do saber, da política, da saúde, etc.), fazendo do cotidiano um vai-e-vem permanente. Com isso, se reproduz uma vida urbana de horários corridos, de uma racionalidade instrumental, na cidade e no campo, fazendo do espaço uma vigorosa fonte de alienação dos homens, processo do qual um elemento essencial é a grande mobilidade das pessoas que mudam de lugar como turistas, desempregados, imigrantes. A cultura e a política reagem a esta unificação dos espaços pela técnica e pelo Estado, confrontando esta universalização perversa (Santos: 1986). Esta racionalidade hegemônica que permite maior fluidez do território tem conseqüências, que também podem ser vistas como os seus limites. A crise ambiental é a quebra dos nexos locais, a obediência a uma lógica extra-local de frações do território. O desastre ecológico significa e resulta de um esvaziamento político dos sujeitos locais (lugar), regionais (região), nacionais (Estado-nação), em detrimento dos agentes da mais-valia global, que “impõe” investimentos públicos, projetos de infra-estrutura e regulamentações que permitem a sua livre circulação. Outro limite é a produção de uma grande exclusão, o empobrecimento agudo e generalizado de uma grande parcela da humanidade; pobreza econômica que é a conversão/tradução da 15 Abstrato, matemático; do mecanismo do relógio. 121 COUTO, M. A. C. ENSINAR A GEOGRAFIA OU ENSINAR COM A GEOGRAFIA?... pobreza espiritual dos homens nesta forma de sociabilidade. Entretanto, a escassez e a discriminação são, também, fontes de outras racionalidades, forjadas na relação com o outro, na contigüidade, na cooperação, na comunicação, no por em comum as situações da vida (Santos: 2004). Por outro lado, a escassez e a opressão também são produtoras da luta e organização política e sindical dos trabalhadores que ao lutarem por seu estatuto de sujeitos e por melhores condições de vida e trabalho, acabam por lutar pelo direito a cidade (ao espaço urbano, H. Lefebvre) e pelo direito a terra, o que pode significar um novo enraizamento cultural e territorial (Moreira, 1994). Por isso, então, que se o mundo globalizado torna-se o lugar do engano, o lugar pode revelar-se como arma para a construção de outras formas de viver. As práticas espaciais e os saberes correspondentes se realizam neste contexto de produção capitalista do espaço, ora se conformando, ora reagindo a ele, mas de qualquer forma vivenciando todas as tensões postas por este projeto de sociedade. CONCLUSÃ O ONCLUSÃO O movimento que vai das práticas e saberes espaciais à construção dos conceitos geográficos exige o caminho inverso, aquele em que a teoria social do espaço permite compreender melhor e transformar a prática e reconstruir os saberes. A aula constitui-se das duas direções, simultaneamente. Propôs-se à metodologia do ensino da geografia o processo de ascensão do abstrato ao concreto. O ponto de partida constitui-se dos conhecimentos prévios dos alunos (resultantes de sua prática social, de seu universo cultural) e, simultaneamente, da maneira como a geografia16 permite refletir sobre os problemas desta prática social. Tanto o primeiro (conhecimentos prévios) quanto o segundo (conhecimentos geográficos) são abstrações (de um concreto) com qualidades distintas que, conjugadas, devem conduzir à reprodução, no pensamento, do concreto como síntese de muitas determinações, na forma de concreto-pensado. Nesta proposta é indispensável explicitar os significados das formas geográfico-espaciais de compreensão do modo de vida dos alunos e de suas famílias, pressuposto de uma visão integrada (não fragmentada) dos conteúdos e articulada com a realidade dos sujeitos da aprendizagem. Para isso, o papel dos conceitos (geográficos) é fundamental, na medida em que articula o universal, o particular e o singular, a forma ao conteúdo, o visível ao invisível, o abstrato ao concreto, permitindo problematizar os conteúdos das práticas espaciais dos alunos no contexto da produção capitalista do espaço. Territorializar-se coletivamente (na escola, no bairro, no campo, na cidade, no país e no mundo...) talvez seja o convite para que os alunos sintam-se sujeitos (e não apenas produtos) da história e da produção de conhecimentos. A conquista da sobrevivência no contexto da universalidade perversa significa o resgate do enraizamento territorial e cultural, a luta contra a opressão e a exploração; pelo direito a terra, ao trabalho, a cidade e ao lugar. A história do lugar também é o lugar de cada um na história. Por isso, como canta o sambista, pra se entender tem que se achar. Buscou-se articular dois eixos de investigação. Por um lado, o que propõe uma metodologia do ensino que articule as práticas e saberes espaciais aos conceitos geográficos. E, por outro, uma pedagogia da problematização da prática social, intermediada pela instrumentalização teórico-científico-cultural. A intenção é continuar debatendo uma didática da construção de conceitos no ensino de geografia. O que se propõe, afinal, é ensinar e aprender a geografia na escola a partir da (e com a) geografia da vida dos alunos. 16 Essa forma constitui-se dos elementos do raciocínio geográfico: o mapa, os conceitos e métodos da geografia, a paisagem, o espaço, o território, a escala, etc. 122 Terra Livre - n. 34 (1): 109-124, 2010 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Rosângela Doin de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o ensino de Geografia. Revista Terra Livre. São Paulo: AGB /Marco Zero, n. 8, p. 83-90, abril 1991. ANAIS. 1° Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor. Brasília-DF: AGB, 1987. CARVALHO, Hermínio Bello de e VIOLA, Paulinho da. Sei Lá Mangueira. In CARDOSO, Elizeth – Disco de Ouro. Rio de Janeiro: Copacabana (99030), 1969. CASTELLAR, Sonia. A psicologia genética e a aprendizagem no ensino de geografia. In Castellar, Sonia – organizadora. Educação geográfica – teorias e práticas docentes. São Paulo: Contexto, 2005. CASTELLAR, Sônia e VILHENA, Jerusa. 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Ática, 2007. 124 GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E EDUCAÇÃO: ACIAL A DIMENSÃO ESP ESPACIAL DAS POLÍTICAS DE AS TIV AÇÕES AFIRMA TIVAS AFIRMATIV NO ENSINO GEOGRAPHY, ETHNICRELATIONS RACIAL RELA TIONS TION: THE AND EDUCA EDUCATION SP ATIAL DIMENSION SPA OF AFFIRMA AFFIRMATIVE TIVE ACTION POLICIES IN EDUCATION EDUCA TION GÉOGRAPHIE, RELATIONS RELA TIONS ETHNIQUERA TIALES ET RATIALES ÉDUCATION ÉDUCA TION: LA ATIALE SPA DIMENSION SP DES POLITIQUES D’ACTIONS AFFIRMATIVES AFFIRMA TIVES DANS L’ ENSEIGNEMENT Resumo: O mito de um país formado harmonicamente por três raças – indígena, branca e negra – é uma “ideologia geográfica” que permeia as interpretações da nação e do território brasileiros, desde aos anos 1930. Um paulatino aparecimento político de negros, quilombolas e indígenas no cenário nacional marca o debate público e os estudos acadêmicos desde os anos 1970 e levou à adoção de políticas de Ações Afirmativas no século 21. No que diz respeito à Geografia e ao ensino da disciplina, nota-se o crescimento do interesse acerca desses temas bem como em situações que perpassam da escala local à mundial: conflitos fundiários, segregação espacial, e constituição de lugares étnicos (expressões espaciais da identidade negra, indígena, quilombola, cigana) num mundo racializado. Palavras-chave: geografia, educação, relações étnico-raciais, ações afirmativas Abstract: The myth of a country formed harmony by three races – indigenous, black and white – is a “geographical ideology” which permeates the interpretations of the nation and Brazilian territory, since the 1930s. A gradual emergence of political black, Maroon and indigenous national marks landscape public debate and academic studies since the 1970s and led to the adoption of Affirmative Action policies in the 21st century. In the field of Geography, with indications for teaching discipline, noted the growth of interest about these themes as well as in situations that extend from local scale to global scale: land conflicts, spatial segregation, and constitution of ethnic places (spatial expressions of black, indigenous, Maroon, Gypsy identity) in a world racialized. Keywords Keywords: geography, education, ethnic-racial relations, affirmative actions Instituto de Estudos Sócio-Ambientais / Universidade Federal de Goiás - UFG Résumé: Le mythe d’un pays formé harmonieusement par trois races - indigène, blanche et noire - est une « idéologie géographique » sur laquelle se fondent les interprétations de la nation et du territoire brésiliens, depuis aux années 1930. Une emergence politique progressive des noirs, des quilombolas et des indigènes dans le scénario national, marque le débat public et les études académiques depuis les années 1970 et conduit à l’adoption des politiques d’Actions Affirmatives dans le siècle XXI. En ce qui concerne la Géographie et l’enseignement de cette discipline, on remarque un intérêt croissant relatif à ces sujets ainsi qu’aux situations qui s’étendent de l’échelle locale a l’échelle mondiale: conflits agraires, ségrégation spatiale, et constitution de lieux ethniques (expressions spatiales de l’identité noire, indigène, quilombola, gitane) dans un monde racialisé. alex.ratts@uol.com.br Mots-clés : géographie, éducation, relations ethnico-raciales, actions affirmatives ALEX RATTS Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 125-140 Jan-Jun/2010 125 RATTS, A. INTRODUÇÃO: GEOGRAFIA, RELAÇÕES O MITO DAS 3 RAÇAS ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... E OUTRAS IDEOLOGIAS GEOGRÁFICAS O mito de um país formado harmonicamente por três raças – indígena, branca e negra – é uma “ideologia geográfica” (MORAES, 1988) que permeia as interpretações da nação e do território brasileiros, desde aos anos 1930. Tal mito que parece inclusivo, mas que não abriga ciganos, asiáticos, árabes e latino-americanos que também formam a sociedade brasileira, corresponde a uma explicação de mundo para determinada coletividade (HISSA, 2002). É narrado de maneira fragmentada e é “acionado” quando alguém expõe as diferenciações e desigualdades étnico-raciais seja no plano local, regional ou nacional. Para alguns essa narrativa nos tranqüiliza face a outras formações socioespaciais em que o racismo ou o etnocentrismo parecem mais rígidos na vida e no espaço social. Podemos dizer que essas representações se encaixam numa “geografia imaginativa”, expressão com a qual Edward Said (1990) caracteriza o orientalismo, o conjunto erudito e de longa duração e formação de discursos acerca do Oriente, que aqui se estende para a África e a América, para africanos, ameríndios e afro-americanos. Outros sujeitos, originários de grupos étnico-raciais historicamente subalternizados (e mais alguns a eles solidários) formulam outras ideologias geográficas, outros discursos acerca do território. Um paulatino aparecimento político de negros, quilombolas e indígenas no cenário nacional marca o debate público e os estudos acadêmicos desde os anos 1970. No que concerne ao marco legal, fruto dessas mobilizações, destaca-se, de um lado, a Constituição Federal de 1988, que criminaliza o racismo e reconhece direitos de indígenas e quilombolas, e de outro, a lei 10639/03, que altera a Lei de Diretrizes e bases da Educação (LDB) e institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira (Brasil, 2003). No século que se inicia, o prolongamento de um quadro de diferenciações e desigualdades raciais, reconhecido inclusive por órgãos governamentais como IBGE e IPEA e apontado por organismos internacionais como PNUD/UNESCO, tornou-se também alvo de análises e proposições acadêmicas e políticas, entre as quais se ressalta a adoção de ações afirmativas dirigidas sobretudo para a população negra, mas também para indígenas e quilombolas. No campo da Geografia, com desdobramentos para o ensino da disciplina, nota-se o crescimento do interesse acerca desses temas conquanto tem implicações diretas na reinterpretação da formação étnica, racial, social e territorial brasileira, bem como de situações que perpassam da escala local à mundial, passando por conflitos fundiários, segregação espacial, e constituição de lugares étnicos (expressões espaciais da identidade negra, indígena, quilombola, cigana, migrante) num mundo cada vez mais racializado. O APARECIMENTO ARECIMENTO DE NEGROS E ÍNDIOS NAS PÁGINAS GEOGRÁFICAS AP Desde as navegações européias da passagem entre os séculos XV e XVI vimos o capitalismo, enquanto modo de produção e de existência, tornar-se hegemônico em todo o planeta, processo que pode ser considerado como o “branqueamento da terra” (SORRE apud DAMIANI, 2004, p. 61-62), tendo, por exemplo, homens europeus e eurodescendentes à frente da maior parte das instituições econômicas, políticas e culturais centrais nas formações socioespaciais americanas. No mundo antigo há indicações de um proto-racismo (Moore, 2007), constituído no contato entre africanos, árabes e europeus, mas seguramente a racialização do mundo é elemento constituinte da modernidade. As transformações sociais da segunda metade do século XIX podem ser vistas em uma correlação que inclui o declínio do tráfico negreiro, a formação dos estados-nações europeus, a revolução industrial, a abolição da escravidão nas Américas e a recolonização da África. É nesse quadro que a Geografia Moderna se constitui pelo pensamento de autores – homens de ciência (Schwarcz, 1993) – que compartilham de teorias racialistas da época, o que não é possível analisar aqui, mas pode ser identificado nitidamente no pensamento de Ratzel, de La Blache, de Reclus estendendo-se a geógrafos posteriores como Max. 126 Terra Livre - n. 34 (1): 125-140, 2010 Sorre. Raça e etnia eram noções de ampla utilização na geografia tradicional e podem ser encontradas nos livros didáticos que se coadunam com suas idéias. 1 Outras transformações também inter-relacionadas e que são interpretadas como póscoloniais se processam por todo o século XX, especialmente na sua segunda metade: a segunda guerra mundial, a emergência dos Estados Unidos como potência mundial, a independência de países africanos, a formação de movimentos negros na diáspora africana (Estados Unidos, Caribe, América Latina, Brasil) e de outros movimentos de emancipação, a exemplo das mulheres e do feminismo. Os ares dos anos 1960, que seguem os ventos da mencionada descolonização africana e do movimento pelos direitos civis negros nos Estados Unidos, são marcados por uma face plural – jovem, hippie, universitária, popular, feminina, feminista, homossexual – e tocam por dentro e por fora as fronteiras disciplinares acadêmicas. Lefebvre (1970) trata este processo como uma passagem da particularidade à diferença e também como constituição de forças diferencialistas. No cenário brasileiro, a ditadura militar (1964-1985) se opõe à expressão de comunistas e socialistas, de operários e estudantes, de intelectuais e educadores(as), mas também de mulheres, negros e homossexuais, muitas vezes tratados como subversivos. A repressão ideológica persegue particularmente proposta educacionais críticas e emancipatórias. É nesse cenário mundial e nacional que se delineia, nos anos 1970, um novo paradigma que se denominou de crítico ou radical na Geografia brasileira e mundial. Neste campo, alguns trabalhos tocaram mais ou menos diretamente a questão étnico-racial, tendo em vista um horizonte político e se voltando para o campo da educação ou mesmo do ensino da disciplina. Milton Santos, ao tratar dos cidadãos incompletos que ele denomina de “mutilados”, menciona, de passagem, a população negra no quadro da educação, com base em estudos da PNAD e do economista Ladislau Dowbor: Dos brasileiros sem instrução até 30 de idade, cujo montante nacional era de 54%, em 1982, uma repartição segundo a cor mostra que eram 18,1% entre os amarelos; 44,4% entre os brancos; 66,9% entre os considerados mestiços e 68,6% entre os negros (L. Dowbor, 1986, p. 53) Mas os negros não ultrapassavam em 1980, os 45% da população (Santos, 1987, p. 20). Notamos que a população negra – composta pela categorias censitárias de pardos e pretos, que correspondem aos “negros” e “mestiços” do autor, estava sobre-representada entre a população sem instrução. Em seguida Santos, insere a variável cor no quadro da desigualdade de renda no Brasil: Os brasileiros ganhando menos de dois salários mínimos eram 60,9% da população total em 1982, mas o percentual sobe para 70,8% e 77,5% para os pardos e negros2, cuja participação na população era, então, estimada em 7% e 35% respectivamente. Ao contrário, os que ganhavam mais de cinco salários-mínimos eram 4,4% do total da população brasileira nesse mesmo ano, os índices correspondentes a pardos e negros sendo de (0,6% e 0,1% do total respectivamente. (PNAD, 1982 e L. Dowbor, 1986, pp. 55 e 56) (Santos, 1987, p. 20) O autor demonstra um quadro perverso que perdura: os sem instrução sendo majoritariamente negros e um cenário de pobreza negra e a riqueza branca. Santos não aprofunda a introdução da variável cor na análise espacial, mas retoma esse tema posteriormente. Ao fazer a crítica do ensino de geografia no que tange à formação étnica da população brasileira, Márcia Spyer Resende (1986) se interrogava acerca do modo como poderia ser abordada a situação da população negra: 1 Não é possível abordar esse tema no escopo desse artigo. Além dos autores estrangeiros citados, sugerimos consultar obras de Delgado de Carvalho e Aroldo de Azevedo, dentre outros. 2 Aqui, provavelmente o autor estava mencionando pretos e pardos. 127 RATTS, A. GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... Quem são os negros brasileiros e em que sua cor altera a situação que ocupam no espaço geográfico que estudamos? Por que as elites dominantes no Brasil são esmagadoramente brancas? Aos negros, enquanto coletivo racial, estão vedados certos espaços sociais? Se tal ocorre, deve-se ao “preconceito racial” ou a que outro(s) motivo(s)? (p. 38.) Ciente das argumentações vigentes, a autora continua indagando: Certo, já prevejo a objeção: “Mas estes são problemas antropológicos, culturais e éticos, não dizem respeito ao objeto de estudo da Geografia. Afinal, a Geografia não pode estudar/ensinar tudo”. De fato, a Geografia não pode fazê-lo e seria absurdo exigir-lhe esforço semelhante. Como focalizar, entretanto, a etnia do brasileiro marginalizando a sua significação social? Esta atitude equivale pura e simplesmente a destruir o seu sentido por meio da análise que diz persegui-lo. (p. 38. Grifo da autora). Observa-se que este excerto de Resende recupera um momento da crítica aqueles que traziam para a o campo da Geografia Crítica os temas da diferença étnico-racial. Parece-nos que a autora não retomou, naquele período, esse ponto de suas indagações. Ainda nos anos 1980, outros(as) geógrafos(as) abordam a situação de grupos indígenas brasileiros quando discutiam a questão territorial e/ou Ambiental (PORTO-GONÇALVES, 1989), especialmente quando focalizam a Amazônia (VALVERDE, 1982; SADER, 1986; BECKER, 1989). À mesma época, uma outra autora estrangeira realiza pesquisa acerca de índios e negros nos livros didáticos de geografia veiculados durante a última ditadura militar brasileira. Ladouceur (1992) identificou que estes livros perpetuavam a interpretação de um país em que negros e índios pouco marcam sua presença no território nacional3: O Brasil constitui um espaço plurinacional caracterizado por diversas identidades culturais. Este espaço é dominado por uma ideologia dominante [sic] com elementos brancos euroamericanos. O Estado brasileiro constrói sua geografia na base da territorialidade desigual estabelecida contra as nações autóctones e a maioria negra (p. 417). Na sua pesquisa que pode ser considerada um dos principais estudos geográficos da questão étnico-racial no período, Ladouceur identifica que quase não há uma representação diferenciada de índios e negros no território brasileiro: Os índios e negros são desterritorializados e dissolvidos na identidade nacional enquanto a pertença a um território próprio é destruída nas representações geográficas. A territorialidade dos índios e dos negros elabora-se unicamente a partir das relações inter-étnicas pela conquista do território (...) autóctone e a conquista do sexo feminino (implícito nos Livros) permitindo a miscigenação. Encontramos só um mapa que ilustra a presença territorial das nações autóctones, mas nenhum mapa ilustrando a territorialidade negra (p. 420). No nosso entender, as questões contidas nestes trabalhos tem pouca ressonância nos debates geográficos e, em específico, no ensino de Geografia, em face do primado de certas leituras do marxismo em que a classe social é considerada a principal variável, senão única da desigualdade socioespacial. Além disso, na análise do conflito entre capital e trabalho havia pouca ou nenhuma condição de incluir a variável raça, mesmo se tratando de uma sociedade como a brasileira em que as relações de trabalho restauraram uma forma précapitalista de produção como o escravismo, apoiada, sobretudo, na mão de obra africana e afrodescendente. Olhando para a geografia brasileira, podemos dizer que na vertente crítica que se tornou hegemônica, o que era rarefeito quase desaparece. Dizendo de outra maneira, os estudos acerca de grupos étnicos ficam restritos e tratam sobretudo da questão territorial. No entanto, no que se convencionou denominar de virada cultural ou humanista, os temas concernentes a negros, índios e outros segmentos étnico-raciais, assim como a mulheres e 3 Artigo síntese da tese Brésil: espace pluriculturel et géographie nationale, 1964-1985. Tese de Doutoramento. Université Laval, 1990. 473 p. 128 Terra Livre - n. 34 (1): 125-140, 2010 homossexuais, também quase não entraram em cena. O aparecimento político (MARTINS, 1993) de coletividades negras, quilombolas é um emergir espacializado e não é recente: A emergência dos povos originários e dos afro-latino-americanos na luta política se inscreve como das mais importantes quando analisamos seu potencial emancipatório posto que trazem consigo a própria constituição contraditória do sistema mundo moderno-colonial. Esclareça-se logo que não se trata de um protagonismo que se inicia agora, mas sim de um protagonismo que ganha visibilidade agora. (Porto-Gonçalves, 2007, p.8) No caso do ensino de geografia, havia sinais de que a questão étnico-racial merecia tratamento adequado, quer se tratasse da formação étnico-racial da sociedade brasileira, das áreas indígenas ou da presença negra urbana e rural. REDESENHANDO O MAP MAPA A ÉTNICO-RACIAL BRASILEIRO: NEGROS, QUILOMBOLAS E O TERRITÓRIO NACIONAL Como dissemos, nossos “antigos” livros didáticos de geografia do Brasil, tratam de brancos, negros e índios na composição étnica do país, trazendo fotografias, índices populacionais e, algumas vezes, mapas. Nesta geografia imaginativa, considerada não como falsificação, mas como representação, os índios se situam em aldeias muito distantes dos centros urbanos, como se seu ambiente próprio se reduzissem a florestas e matas. São como “orientais” numa terra ocidentalizada. Os negros são igualmente originários de um distante, vasto e misterioso território: a África. No Brasil, parte do Novo Mundo, igualmente exótico, misterioso e distante dos olhos europeus. Neste imaginário o pais seria, de modo genérico, mais indígena no Norte e Centro-Oeste, negro ao Nordeste e parte do Sudeste e branco ao Sul. No entanto, no senso comum geográfico praticamente não existiria mais índios nas regiões Nordeste (com exceção do Maranhão), no Sudeste e no Sul. Nas duas últimas regiões mencionadas a existência da população negra e quilombola era posta em questão (LEITE, 1996). Este quadro começa a ser revisto pela permanência por vezes incômoda dos “diferentes” e pelo reconhecimento muitas vezes tardio que alguns atores sociais hegemônicos fazem das identidades de grupos subalternos. Um mapa da população negra por faixas percentuais e com dados recentes nos mostra sua distribuição geral nos estados e regiões brasileiras. 129 RATTS, A. GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... Mapa 1 – Brasil, População negra por estado - 2004 Desde os anos 1960, e, sobretudo, a partir de 1970, estudiosos(as) das relações raciais passam a fazer análises mais sistemáticas das desigualdades entre negros e brancos4. No entanto, a expressão espacial dessas diferenciações e assimetrias raramente era colocada em discussão. Mesmo após a retomada da variável cor/raça no censo de 19805 poucos estudiosos empreendiam levantamentos e análises da dimensão espacial dos segmentos étnicoraciais. Alguns órgãos públicos como a FUNAI (Fundação Nacional de Amparo ao Índio), costumeiramente produziam mapas das áreas indígenas no Brasil, o que passa a ser feito em outras bases por ONGs como o ISA (Instituto Socioambiental) que elaborou a Enciclopédia dos Povos Indígenas e cujo sítio eletrônico traz uma seção de cartografia e mapas6. O curto capítulo referente aos índios inserido na Constituição Federal que traz é fruto de toda uma mobilização indígena e indigenista que pode ser considerado um enfrentamento territorial em várias escalas, desde o local ao nacional. Um segmento étnico que passou por processos de escravidão, extermínio, assimilação e tentativas autoritárias de integração, teve o reconhecimento de “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” (Brasil, 1988). É no mesmo marco legal que pela primeira vez se reconhece a existência e o direito de “remanescentes de comunidades de quilombos” no Artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocu4 Referimo-nos aos estudos dos sociólogos Florestan Fernandes, Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale e Silva, assim como das intelectuais e ativistas negras Beatriz Nascimento (RATTS, 2007) e Lélia Gonzalez (RATTS & RIOS, 2010). 5 As categorias de identificação de “cor ou raça” são branco, preto, pardo, amarelo e indígena. O termo pardo, para o IBGE, abriga aqueles que se autodenominam mulatos, morenos e outras denominações para os mestiços. Os estudiosos do tema agregam pretos e pardos e os classificam como negros. 6 http://www.socioambiental.org/inst/index.shtm 130 Terra Livre - n. 34 (1): 125-140, 2010 pando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988). No mesmo sentido. No caso do estado do Ceará que estudamos nas décadas de 1980 e 1990, o discurso acerca de etnicidade, raça e território, dizia que não havia índios nem negros. Como contraponto (quase um contra-senso), diversas comunidades negras rurais e indígenas estavam em processo de aparecimento político e sendo notados por pesquisadores e repórteres (Ratts, 1996). Cabe ressaltar para o município de Aquiraz, onde fora sediada a primeira capital cearense, a identificação por um grupo de geógrafos de localidades brancas (a sede municipal e distrital), indígenas (um grupo da lagoa da Encantada que posteriormente foi apresentado pelo etnônimo de Jenipapo-Kanindé) e negras (NUGA-UECE, 1982). Posteriormente, estudamos essas localidades (Ratts, 2001). Um dos primeiros mapeamentos de quilombos realizado por Anjos (2000) e divulgado em 2000 assinalava 843 localidades, em todas as regiões, mas ausentes nos estados de Roraima, Amazonas, Acre e Rondônia, além do Distrito Federal. Em 2005, o mesmo autor aponta a existência de 2228 localidades quilombolas, incorporando aquelas situadas nos estados de Amazonas e Rondônia, o que expressa um aumento de mais de 250% (Mapa 2). Nestes dois trabalhos Anjos contou com uma “base informacional oriunda de organismos oficiais das esferas federal, estadual e municipal, documentos provenientes de entidades negras representativas e das pesquisas existentes nas principais universidades brasileiras” (Anjos, 2005). Dentre os órgãos federais, destacamos o INCRA que desde 2003 é responsável pela regularização fundiárias das áreas quilombolas. No entanto, para os órgãos oficiais este número fica aquém do que pesquisadores(as) e os movimentos sociais apontam. Mapa 2 – Brasil, Municípios com comunidades quilombolas - 2005 É esse processo que do ponto de vista dos sujeitos ligados a instituições como universidades e órgãos políticos e midiáticos que denominamos de “longa descoberta dos quilombos” (Ratts, 2000). No entanto, podemos considerá-lo um processo de “aparecimento político” 131 RATTS, A. GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... (Martins, 1993), posto que esse emergir é cercado de demandas sociais, territoriais, educacionais específicas. No caso das regiões Norte e Sul, há outro processo referente à desconstrução da idéia de que não foram áreas de escravidão africana e, portanto, não seriam áreas negras nem quilombolas. Já na segunda metade dos anos 1990 historiadores (Reis & Gomes, 1996) e antropólogos (Leite, 1996) voltaram suas atenções para estas regiões. Todavia, é necessário ressaltar o surgimento, em todo o país, de um movimento quilombola (especialmente a Comissão nacional de Articulação dos Quilombos – a CONAQ), em parte diferenciado do movimento negro, composto em geral por militantes de áreas urbanas, ainda que alguns integrantes sejam originários de zonas rurais e/ou quilombolas. No caso das regiões Centro-Oeste e Nordeste tem crescido os estudos de geógrafos, a exemplo dos estados de Goiás (Paula, 2003; Leite, 2008) e da Paraíba, (Marques, 2009; Moreira, 2009). Ainda em Goiás podemos destacar os estudos que têm como foco a questão ambiental e o uso de espécies vegetais do cerrado por quilombolas (Almeida, 2010). Para o sudeste, destacamos o estudo de Carril (1996) que se iniciou no Vale do Ribeira, São Paulo. Há ainda situações que tem visibilidade relativamente recente para órgãos públicos e instituições acadêmicas como os chamados quilombos urbanos e os índios na cidade. No caso dos quilombos situados em áreas urbanas, podemos destacar os casos identificados em Belém, São Luís, Salvador, Recife, Rio de Janeiro (ANJOS, 2009: p. 124-125) e os noticiados para Belo Horizonte e Porto Alegre7. A inclusão de negros e quilombolas, mas também de indígenas e ciganos constitui-se num redesenho do mapa étnico do país, na reformulação de nosso discurso acerca do território e da formação da população brasileira, além de ser um tipo de reparação para estes grupos étnico-raciais historicamente subalternizados. AÇÕES AFIRMA AS TIV TIVAS FIRMATIV ÉTNICO-RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR A educação formal no Brasil colonial e imperial se fez no sentido da integração (ou assimilação) de indígenas e sem voltar-se diretamente para populações pobres, negras e femininas. Bacharéis negros (médicos, engenheiros ou advogados), quase todos homens, costumam ser citados por autores como Freyre (1998) como exceções, permitidas pelo mito da democracia racial, e como exemplos de mérito individual. Somente em tempos recentes, nos anos 1960 e 70 é que tomou vulto o “protesto negro”, na expressão de Florestan Fernandes, e a análise de estudiosos apontando as desigualdades raciais neste âmbito. Em se tratando do reconhecimento de processos de desigualdades que atingem grupos específicos – étnicos, raciais, etários, de gênero e outros, alguns países, desde os anos 1940, aplicaram medidas compensatórias que vieram a ser denominadas de Ações Afirmativas ou de “discriminação positiva”, a exemplo de Índia, Malásia e posteriormente estados Unidos (MOORE, 2005). Um dos primeiros grupos a tratar das cotas raciais no Brasil foi o comitê Pró-Cotas para Negros na Universidade de São Paulo que teve atuação entre 1995 e 1996, formado por estudantes negros de distintos cursos de graduação e pós-graduação daquela instituição. No âmbito governamental o Ministério da Justiça promoveu em Brasília, em 1996, o seminário internacional “Multiculturalismo e racismo: o papel das ações afirmativas nos Estados democráticos contemporâneos.” Uma das questões centrais das Ações Afirmativas é a utilização da variável raça em políticas públicas, o que, para seus opositores, indicaria uma ação racista ou uma espécie de “racismo às avessas”. A raça aqui considerada não é uma categoria biológica, advinda do mundo natural. É, sobretudo, uma construção social da diferença baseada em marcadores de corporeidade, em traços fenotípicos como a cor da pele, a textura do cabelo, o formato de nariz e lábios, elementos que não constituiriam um grupo social, mas contribuem, por exem7 Os Tambores de um quilombo. Brasíila, 15/08/2006. Fonte: http://www.irohin.org.br; Quilombo dos Silva: um marco na luta quilombola . Coletivo Catarse, 28/01/2010. www.coletivocatarse.com.br 132 Terra Livre - n. 34 (1): 125-140, 2010 plo, para a identificação racial de quem é negro ou branco no Brasil. A diferença racial, assinalada desta maneira, compõe e agrega ônus ou bônus à trajetória sócio-espacial dos indivíduos racializados. Paulatinamente agregando adesões, em face da demonstração das desigualdades raciais na educação, particularmente no ensino superior, e superando as restrições ao uso das variáveis étnicas e raciais nos seus processos seletivos, muitas Instituições de Ensino Superior (IES), notoriamente públicas, adotaram processos seletivos diferenciados para estudantes egressos de escolas públicas e/ou negros, além de indígenas, quilombolas e portadores de necessidades especiais. O salto foi de 4 IES em 2002, para 85 no início de 2010, inaugurando uma nova etapa no âmbito universitário8. No quadro abaixo, mais à frente sintetizado em um mapa, temos uma visão da adoção de processos seletivos diferenciados para estudantes egressos de escola pública, negros, indígenas e quilombolas. Ìnicialmente identificamos que o acesso para estudantes negros(as), se faz muitas vezes de forma combinada com a origem social dos estudantes na escola pública. 8 As IES aqui compreendem Universidades Federais e Estaduais, Institutos Federais (antigas Escolas Técnicas) e Faculdades Municipais. 133 RATTS, A. GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... Quadro 1 – Ações Afirmativas Sociais e Étnico-Raciais nas Instituições Públicas de Ensino Superior – 2010 Região Norte UF AM AP PA RR TO UF AL BA MA PB PE PI RN SE UF DF GO MT MS * IES UEAM UEAP UFPA UFR UFT* IFT IES Uncisal UFAL IFBA* UEFS UESB UESC UFBA UFRB UNEB* UFMA UEPB UFCG* UFPB IFPE UFPE UFRPE UPE UESP UFPI UERN IFSE UFSE IES UnB ESCS UEG UFG* UNEMAT* UEMT UEMS UFGD* Escola Pública • Negros Indígenas • • Quilombolas • • Região Nordeste Escola Pública Negros • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Indígenas Quilombolas • • • • • • • • • Re gião Ce ntro-Oeste Escola Pública Negros Indígenas • • • • • • • • • • • • • • • • Quilombolas • IES que tem curso de licenciatura para estudantes indígenas com processo seletivo próprio. Região Sudeste 134 Terra Livre - n. 34 (1): 125-140, 2010 UF ES MG RJ SP UF PN RS SC IES UFES UEMG UFJF UFMG ∗∗ UFSJ UFVJM UNIMONTES IFRJ FAETEC UFF UENF UERJ UEZO FAMERP ** FATEC ** UNIFABC Uni-FACEF UFSCar UNICAMP ** UNIFESP USP ** IES UEL UEM UEPG UFPR UNIOSTE UTFPR Várias∗∗∗ UERGS URFGS UFSM Unipampa USJ UFSC Região Sudeste Escola Pública Negros • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Região Sul Escola Pública Negros • • • Indígenas Quilombolas • • • • • • • • Indígenas Quilombolas • • • • • • • • • • • • • • • • • • Fonte: Sítios eletrônicos das IES. Organização: VAZ, L. F. & RATTS, A. 2010. ** IES que aplica um bônus na nota do vestibular para estudantes egressos de escola pública ou que se declarem pretos e pardos. *** 15 faculdades estaduais paranaenses que reservam vagas para integrantes das sociedades indígenas do estado. 135 RATTS, A. GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... Ao sintetizarmos estas informações em um mapa, podemos fazer outras inferências. Numa primeira visada observamos que em todas a s regiões brasileiras e em quase todos os estados vem sendo adotadas ações afirmativas no ensino superior público, o que indica que estão sendo superados os obstáculos à adoção de políticas diferenciadas de acesso com base no pertencimento étnico ou racial do(a) estudante. Não identificamos a adoção de Ações Afirmativas nos estados de Acre, Rondônia e Ceará. As ações afirmativas para a população negra, seja na modalidade cotas (reserva de vagas) ou bônus (para pretos e pardos), seguem apenas parcialmente o mapa racial brasileiro. Em todos os estados do Centro Sul brasileiro há ações afirmativas que utilizam a variável racial para o ingresso de estudantes nos cursos de graduação. No entanto, sua ausência é notória em parte significativa das regiões Norte (Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e Nordeste (Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte) onde há um contingente de população negra. Pode-se considerar que as IES que não adotaram cotas ou bônus com base no pertencimento racial, mas tenham feito cotas para egressos(as) de escolas públicas, tenham presumido que estas últimas bastariam para elevar a representação negra em seu quadro discente, discurso utilizado sobejamente na reação à reserva de vagas para estudantes negros. As políticas de Ações Afirmativas voltadas para a população indígena no ensino superior estão presentes em todas as regiões brasileiras o que pode ser interpretado como um reconhecimento da presença destes grupos étnicos e de suas demandas educacionais em todo o país. No entanto, estão ausentes também em estados de quatro regiões que tem populações indígenas em áreas delimitadas ou demarcadas: Norte (Acre, Amazonas, Pará e Rondônia), Nordeste (Alagoas, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte), Sudeste (Espírito Santo) e Sul (Santa Catarina). Para estudantes quilombolas somente duas IES tem acesso diferenciado: a UESC e a UFG. As ações afirmativas, no entanto, não se resumem à modalidade cotas, pois compreendem políticas do conhecimento. No caso daquelas que se voltam para a população negra 136 Terra Livre - n. 34 (1): 125-140, 2010 é reivindicação de intelectuais e pesquisadores(as) negros(as) a introdução da temática étnico-racial em todas as áreas do conhecimento, a exemplo do que se pode observar com a expansão e consolidação de áreas como etnobotânica, etnomatemática e dos estudos de saúde da população indígena e negra. No caso da ciência geográfica, torna-se relevante a abordagem dos temas tratado nas seções anteriores deste artigo. Ao contrário de sistemas racistas que marcam explicitamente o uso do espaço e/ou as normas jurídicas nos Estados Unidos e na África do Sul, consideramos que há no Brasil um racismo institucional (Silvério, 2002) em que indivíduos negros (e outros considerados não brancos, a exemplo de indígenas) acumulam ônus em seus deslocamentos sócio-espaciais ao longo da vida, resultando em limitadores de sua ascensão e emancipação social. Neste sentido, ocorre entre nós o racismo acadêmico (Carvalho, 2005) em que a população negra ainda está sub-representada nos corpos discente, na graduação e sobremaneira na pós-graduação, e na composição do corpo docente. É no campo da cidadania que poderão ser percebidos os efeitos dessas políticas: uma universidade pública mais diferenciada étnica e racialmente, com uma atuação em termos de ensino, pesquisa e extensão que mantenha trocas com a diversidade étnica, racial, cultural e social do país, considerando negros, indígenas, quilombolas e outros segmentos sociais como sujeitos de conhecimento. LUGARES ÉTNICOS E MUNDOS RACIALIZADOS: A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL E OS PLANOS ESCALARES Os estudos geográficos referentes à questão étnico-racial podem ser desenvolvidos em vários planos escalares. Desde a formação das sociedades africanas da antiguidade ao tempo presente e tendo em vista a triangulação entre Europa, África e América denominada de Atlântico Negro, que se constituiu num patamar de interações políticas e culturais (GILROY, 2001), temos um quadro extenso de estudos e pesquisas. A diáspora africana nas Américas que produziu fenômenos nacionais e transnacionais como os quilombos (ou maroons, na área de colonização inglesa e cimarrónes, palenques e cumbes na área de colonização espanhola), as religiões afro-americanas (a exemplo do vodu no Haiti, santería em Cuba; mina, candomblé, xangô, batuque e umbanda no Brasil). No quadro nacional pode ser listada uma gama de possibilidades de pesquisa que correlacionem a questão étnico-racial e o ensino de geografia: a abordagem das terras e territórios indígenas, quilombolas e de outros grupos étnicos; a relação entre etnicidade, raça e a dimensão regional. No plano local, podem ser considerados lugares a aldeia (ou a Terra Indígena que pode conter várias aldeias), o quilombo (urbano ou rural), o terreiro das religiões de matriz africana, o bairro onde jovens do movimento hip-hop se aglutinam como espaço de apresentações de break ou do exercício do grafitti, assim também onde uma congada se territorializa a partir das casas de referência de capitães ou “donos” de ternos (RODRIGUES, 2008). Categorias geográficas como território e mobilidade espacial se mostram profícuas para os estudos geográficos étnico-raciais. Grupos negros e indígenas qualificam o espaço, produzem territórios, fixos ou móveis (RATTS, 1996; RATTS, 2003; RATTS, 2004). A mobilidade espacial pode ser estudada desde a perspectiva étnica e/ou racial: os deslocamentos de pessoas originárias de agrupamentos negros entre o rural e o urbano e entre regiões do país (RATTS, 2001), as trajetórias sócio-espaciais de professoras negras (SOUZA, 2007) ou domésticas (LOPES, 2008). É nessa movimentação que a corporeidade negra (SANTOS, 2000) aparece como dado da pesquisa em sua relação com o espaço. Em se tratando de estudos de geógrafos contemporâneos, cabe mencionar nominalmente além dos trabalhos de Rafael Sanzio Araújo dos Anjos (UnB), as pesquisas e publicações de Renato Emerson dos Santos (2007) e Andrelino Campos (2005) da UERJ, os estudos e orientações de Maria de Fátima Ferreira Rodrigues (UFPb) e Paulo Scarin (UFES) acerca de quilombos e de Jeovah Meireles (UFC). relativos ao racismo e justiça ambiental. 137 RATTS, A. GEOGRAFIA, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO... Considerações finais: traços étnicos e marcas raciais na Geografia Em princípio todos/as os/as brasileiros/as em fase de formação escolar e também os/ as que são educadores, na sua formação continuada, tem idéias a respeito de raça e etnia, de indígenas, negros, brancos, ciganos, árabes e “orientais”. De um lado, como sujeitos, estamos informados/as pela “geografia imaginativa” a que aludimos. De outro, também como sujeitos, estamos em processo de abertura para o reconhecimento da diversidade étnica, racial e cultural no país e no mundo, abordando-a nos contextos de desigualdade e de reparações de situações históricas de subalternidade. Nos marcos da geografia contemporânea, o que compreende as “viradas” crítica e cultural, delineia-se uma abordagem teórica, metodológica e política, uma geografia humana, humanista, que focaliza indivíduos e coletividades desumanizadas pelo racismo e outras formas de discriminação, a exemplo do sexismo e da homofobia. É uma pedagogia política que se faz com o objetivo da emancipação dos sujeitos colonizados e subalternizados. A ciência geográfica e a Geografia Escolar tem amplo potencial de reflexão e intervenção neste cenário. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Maria Geralda de. 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Petrópolis: Vozes, 1982, p. 185-195. 140 ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO: QUESTÕES A PARTIR DA LEI 10.639 THE TEACHING OF GEOGRAPHY AND CURRICULUM: MATTERS MA TTERS FROM THE LAW 10.639 LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA Y EL CURRÍCULO: CUESTIONES A PARTIR DE LA LEY 10.639 RENA TO EMERSON ENATO SANTOS DOS FFP/UERJ renatoemerson@yahoo.com.br Terra Livre Resumo : A Lei 10.639 é um instrumento do Movimento Negro na luta pela promoção de uma educação para a igualdade racial. Ela expressa a atuação do movimento como um ator social na disputa pela construção do currículo. A partir dela, diversas pautas se impõem no processo de escolarização, e uma delas é mudança nos conteúdos ensinados, o que representa inserção e revisão de conteúdos. O artigo discute conseqüências e possibilidades desta alteração no ensino de Geografia. Partindo do pressuposto de que a idéia de raça, que regula comportamentos e relações sociais, tem uma componente espacial de validação, sendo uma referência geocultural, aponta-se como a Geografia que é ensinada contribui para hierarquias raciais. Como alternativa, apresenta-se um conjunto de discussões que podem ser trabalhadas no ensino escolar de Geografia, um temário que tenta atender às diretrizes de inserir e rever conteúdos para atender às demandas postas pela Lei 10.639. Abstract Abstract: Law 10.639 is an instrument of the Movimento Negro (Negro Movement) in the fight for the promotion of an education that promotes social equality. It expresses the action of the movement as a social actor in the dispute for the construction of the curriculum. Based on this, several topics are imposed in the schooling process and one of them is the change in the contents which are taught, thus this represents the insertion and the review of the contents. The article discusses the consequences and the possibilities of this alteration in the teaching of Geography. Based on the presupposition that the idea of race, which regulates behaviors and social relations, has a spatial component of validation, being a geocultural reference, it is possible to show the way that Geography contributes to the racial hierarchies. Alternatively, a group of discussion is presented and it may be worked in the schooling teaching of Geography, a theme that tries to supply the guidelines in order to insert and review the contents imposed by the Law 10.639. Resumen Resumen: La Ley 10.639 es un instrumento del Movimento Negro (Movimiento Negro) en la lucha por la promoción de una educación para la igualdad racial. Ella expresa la actuación del movimiento como un actor del currículo. A partir de ella, muchas pautas se imponen en el proceso de escolarización y una de ellas es el cambio de los contenidos enseñados, y eso representa la inserción y la revisión de contenidos. El artículo discute las consecuencias y posibilidades de esta alteración en la enseñanza de Geografía. A partir del presupuesto de que la idea de raza, que regula los comportamientos y relaciones sociales, tiene un componente espacial de validación, siendo una referencia geocultural, es posible apuntar como la Geografía – que es enseñada – contribuye para las jerarquías raciales. Como alternativa, se presenta un conjunto de discusiones que pueden ser trabajadas en la enseñanza de Geografía, un tema que intenta atender las directrices de insertar y rever los contenidos para atender a las demandas de la Ley 10.639. São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 141-160 Jan-Jun/2010 141 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... No período recente, processos políticos vêm permitindo que diversos atores sociais consigam se inserir nas disputas pela educação escolar. Estas disputas vêm tendo impactos na construção dos currículos escolares. Compreendemos currículo de maneira ampla, como conjunto de saberes veiculados, difundidos, produzidos e reproduzidos no ambiente escolar - e que se relacionam com as esferas de construção e regulação da educação, em processos múltiplos de disputas em diversas arenas, e em torno de diversas pautas. O currículo é, portanto, um “fluxo”, mais do que um documento, listagem de conteúdos ou um conjunto de indicações de caráter prescritivo; ele é algo em constante disputa, que aparece nestas “materializações” e nas práticas cotidianas na escola e na sala de aula, onde também há atores sociais disputando intensamente o processo de formação humana no seio da escolarização. Além do Estado, “comunidades epistêmicas” – que dizem respeito Lopes (2006), às comunidades disciplinares – disputam a construção curricular, tanto no âmbito das prescrições quanto no das políticas e naquele das práticas efetivadas no cotidiano escolar. Fazemos coro aqui às idéias defendidas por Lopes, de que “tais comunidades fazem circular, no campo educacional, discursos que são base da produção de sentidos e significados para as políticas de currículo em múltiplos contextos, em uma constante tensão homogeneidadeheterogeneidade” (pg. 35). Defendemos o alargamento deste conceito de comunidades epistêmicas para pensar também a atuação de movimentos sociais nas disputas curriculares. Em particular, nosso olhar se dirige a tensionamentos trazidos pelo Movimento Negro, em sua luta anti-racismo, sobre a construção curricular. Com efeito, a educação sempre foi um dos principais campos de atuação e disputa do Movimento Negro (ver, entre outros, Santos, SALES; Nascimento, ELISA). Entretanto, a promulgação da Lei 10.639, em 2003, requalifica esta atuação. De conquista, a Lei é transformada pelo movimento social em instrumento para fortalecimento da luta, e isto lhe coloca novas pautas: articulação e capacitação de secretarias, escolas e professores, produção de materiais de referência, pesquisa e produção de conhecimento, revisões de currículos, advocacy frente ao não cumprimento da lei, entre tantas outras. Todas estas pautas são articuladas na busca pela construção de uma educação para a igualdade racial, que é o objetivo das lutas do Movimento Negro no campo da educação. Buscamos neste trabalho discutir alguns desdobramentos desta disputa curricular no âmbito do ensino de Geografia. A partir do acompanhamento das práticas de 5 professores da rede pública da região metropolitana do Rio de Janeiro, nossa tentativa é de pensar possibilidades de inserção e revisão de conteúdos trabalhados pela Geografia, enquanto saber sobre o mundo, que constrói visões de mundo, de si e do outro, influenciando comportamentos nas relações raciais. GEOGRAFIA, RAÇA E ENSINO: POR QUE A GEOGRAFIA É IMPORT ANTE NAS IMPORTANTE RELAÇÕES RACIAIS Está sempre presente nos discursos e no senso comum a idéia de que a Geografia serve para conhecer o mundo, é um saber sobre o mundo. Mais do que isso, a Geografia contribui para a formação humana, constituindo referenciais para inserção do indivíduo no mundo, em seus espaços de socialização. É por isto que o sentido do aprender e ensinar a Geografia é se posicionar no mundo1. E, precisamos assumir uma dupla acepção do que chamamos “se posicionar no mundo”: (i) conhecer sua posição no mundo, e para isto o indivíduo precisa conhecer o mundo; (ii) tomar posição neste mundo, que significa se colocar politicamente no processo de construção e reconstrução desse mundo. Se posicionar no mundo é, portanto, conhecer a sua posição no mundo e tomar posição neste mundo, agir. Saber Geografia é saber onde você está, conhecer o mundo, mas isto serve fundamentalmente para você agir sobre esse mundo no 1 Desenvolvemos esta idéia em Santos, 2007. 142 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 processo de reconstrução da sociedade: se apresentar para participar. Os conhecimentos que são trabalhados na Geografia permitem aos indivíduos e grupos relacionar o “mundo como um todo” ao seu “mundo vivido”. É por isso que saberes da Geografia começam a ser trabalhados nas séries iniciais do Ensino Fundamental abordando o espaço vivido do aluno – sua casa, seu trajeto da casa para a escola, seu bairro, o próprio espaço da sala de aula. Isto serve para a construção de raciocínios de abstração espacial, que vão permitir que as informações sobre o mundo como um todo – inapreensíveis à percepção humana – ganhem sentidos e relações com a vivência e a experiência. E, vivemos e experimentamos o mundo construindo-o. Assim, os conceitos estruturantes do saber geográfico (espaço, território, região, escala, urbano, agrário, centro, periferia, etc.) são, na verdade, referenciais, estruturas analíticas que constroem para cada indivíduo a sua leitura de uma totalidade-mundo. Ao servir para conhecer o mundo e indicar onde você se encontra nesse mundo, esse referencial serve para nos localizarmos, para nos orientarmos (ou, nos ocidentarmos!) no mundo. Quando separamos o espaço em rural e urbano, e tentamos mostrar conhecimentos para que o aluno saiba diferenciar o que é rural e o que é urbano, isto serve para que ele saiba se posicionar. Quando começamos a tratar das lógicas de construção do processo de urbanização e conceitos como o de Região Metropolitana, trabalhar a estrutura social e espacial metropolitana como contendo centros e periferias, contendo centralidades e perifericidades, estamos apontando que centro e periferia são relações de dominação espacialmente estruturadas - a periferia só é periferia porque existe centro -, estamos mostrando a lógica de construção desse espaço no mundo para que o aluno saiba se está numa área central ou periférica. Isso informa a sua posição dentro de um espaço físico e material, e também dentro do espaço social, econômico: se você mora em uma área periférica a sua perspectiva de encarar o mundo tem de ser diferente de alguém que se encontra na área central e que ocupa espaços de centralidade desse mundo - centralidade como sendo aí os lugares de concentração da riqueza e do poder. Além dos conceitos e categorias fundamentais de análise do espaço, temos que destacar que os mapas também são poderosos instrumentos de construção de visões de mundo e de posição no mundo. O que eles mostram e o que deixam de mostrar são critérios de verdade, de construção de existências e não-existências. Se reconhecer, e a forma como se é representado e se é reconhecido num mapa também é instrumento poderoso de construção de posturas e tomada de posições. Acostumar a ver o mundo através da projeção de Mercator - que coloca a Europa no centro, e que além disso confere ao Hemisfério Norte uma área que é quase sempre pelo menos uma vez e meia o Hemisfério Sul - é um eficaz meio de reafirmar o eurocentramento do mundo e a superioridade do Norte sobre o Sul. Da mesma forma, ver ou não o seu grupo social num mapa é uma eficaz política de identidade. Conhecer a sua posição e tomar posição são aspectos vinculados, e para os quais o ensino de Geografia tem papel pronunciado. Esta compreensão deve, portanto, ser norteadora (ou suleadora!) da contribuição da Geografia trabalhada dentro de sala de aula: as noções que aprendemos/ensinamos sobre a geografia servem para saber interpretar esse mundo, conhecer a sua posição no mundo e agir neste mundo. Isto implica conceber o espaço geográfico como sendo estrutura – e, a partir disso, estudar sua organização, seus elementos, seus objetos, etc. -, mas também como experiência: as posições que os indivíduos e grupos sociais ocupam, bem como as relações que eles vivenciam, condicionam trajetórias sociais que são, também, trajetórias espaciais, o que nos permite apontar as inscrições sócio-espaciais de indivíduos e grupos como sendo experiências espaciais das relações sociais, econômicas e de poder. A Geografia serve então para a construção de referenciais posicionais do indivíduo no mundo – e, aqui, falamos de “mundo” como uma noção que atenta para a complexidade espaço-temporal das relações sociais do/no espaço vivido, relações que o constroem, o influenciam, são influenciadas por ele, enfim, o constituem bem como são por ele e nele constituídas, numa relação de imanência que torna indivíduo e mundo algo tão indissociáveis quanto estrutura (social, econômica, espacial, etc.) é em relação à experiência. Isto torna a leitura espacial das relações raciais uma tarefa importante, pois a raça é um princípio 143 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... social de classificação de indivíduos e grupos, construído artificialmente para o ordenamento de relações de hierarquias e poder. Enquanto tal, ela regula comportamentos e relações, interfere nas trajetórias de indivíduos e na inserção social de grupos, sendo então um fator crucial na constituição da nossa estrutura social e espacial. Neste sentido, partimos do que nos coloca Mesquita (1995, pg. 127): “Um geógrafo amigo meu me fez notar certa vez, que o estudo do tempo, a história, é (ou pode vir a ser) a descoberta de nós mesmos através da memória dos que nos antecederam, enquanto que o estudo do espaço, do território, é (ou pode vir a ser) a descoberta do outro, dos outros. Aprofundando um pouco esta questão, percebo hoje que o estudo do território também pode nos auxiliar, através da descoberta do outro, a descoberta ou redescoberta de nós mesmos.” A autora chama a atenção para o papel da Geografia (bem como de outras disciplinas) na construção de referenciais posicionais. É neste sentido que apontamos aqui que, se acreditamos que a raça é um elemento que regula as relações sociais, de alguma forma suas manifestações estão imbricadas na Geografia. A sociedade brasileira, cujas elites e Estado já tiveram um projeto de branqueamento da população, e que durante muito tempo se proclamou uma democracia racial, vem cada vez mais admitindo que tem no racismo um de seus persistentes (e, incômodos) pilares. E, isto tem dimensões espaciais. Afinal, como nos diz Carlos Walter Porto-Gonçalves, “(...) uma sociedade que constitui suas relações por meio do racismo, (...) [tem] em sua geografia lugares e espaços com as marcas dessa distinção social: no caso brasileiro, a população negra é francamente majoritária nos presídios e absolutamente minoritária nas universidades; (...) essas diferentes configurações espaciais se constituem em espaços de conformação das subjetividades de cada qual” (2002, pg. 4). Existem, portanto, geo-grafias do racismo e das relações raciais: o racismo, ao definir clivagens sociais e hierarquizar indivíduos e grupos a partir de seus pertencimentos raciais, se expressará na constituição de “lugares” (nos sentidos espacial e social) onde a presença dos desfavorecidos será majoritária (lugares da pobreza, da despossessão, da subalternidade) e lugares onde a sua presença será minoritária (lugares da riqueza, do poder, do saber socialmente legitimado, etc.): lugares com as marcas desta distinção social. Segundo a perspectiva de Porto-Gonçalves, esta construção - que tem o (espaço) material e o simbólico como indissociáveis - está na própria base da conformação das subjetividades e das identidades dos grupos. As relações raciais, o racismo e, evidentemente, as lutas contra este são, portanto, grafadas no espaço e, no mesmo movimento em que nele se constituem, também condicionadas por ele. Podemos falar, portanto, de “expressões espaciais das relações raciais, do racismo e das lutas anti-racismo”. A compreensão destas expressões fornece novos temas a serem trabalhados pela Geografia, na busca de uma educação anti-racista. Exploremos um pouco as relações entre relações raciais e o espaço. GEOGRAFIA E RAÇA – ESP ACIALIZAÇÃO DA RAÇA E DAS RELAÇÕES RACIAIS OU SPACIALIZAÇÃO A CONSTRUÇÃO RACIALIZADA DAS RELAÇÕES SOCIAIS NO ESP AÇO ESPAÇO A regulação das relações sociais operada a partir da idéia de raça tem relação direta com o espaço. Afinal, como bem nos aponta o sociólogo peruano Anibal Quijano (2007), quando falamos em “negros”, remetemos diretamente à idéia de uma comunalidade, se não biológica, de origem histórico-geográfica: África. Quando falamos em “brancos”, o mesmo se repete, com a idéia de uma origem que remete a Europa. O mesmo para “índios”, associados à América; “amarelos”, associados à Ásia. Estes referenciais são absolutamente fruto de distorções, são construções artificiais que servem para produzir visões de mundo, visões do outro, orientar e regular comportamentos e relações – e, aqui, estamos mais especificamente falando do padrão brasileiro de relações raciais raciais. Relacionamos “negro” a África mesmo sabendo que já há muito tempo boa parte da África é habitada (também) por grupos que, no padrão de relações raciais brasileiro, não são classificados como “negros” – a chamada “África branca”, que muitos autores também 144 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 questionam. Sabemos também que indivíduos e grupos que no nosso padrão de relações raciais seriam classificados como “negros” estão presentes em populações antigas de outras partes do mundo – como alguns grupos aborígenes na Austrália e algumas castas na Índia. Mas, aqui, “negro” tem a ver com África, confundimos a origem dos fluxos de escravizados trazidos para cá como a única região do mundo onde habitavam homens e mulheres de pele escura antes do tráfico atlântico, como se as relações entre a África e o resto do mundo fossem inauguradas com as chamadas “Grandes Navegações” – ou, poderíamos dizer para ser mais explícitos na idéia que nossa visão de mundo constrói, o contato da África com o mundo começa e se dá pelo protagonismo dos Europeus. Esquecemos que o tráfico atlântico não é a única, mas sim “mais uma” onda de dispersão populacional a partir da África. Carlos Moore (2008), falando dessa visão que ele qualifica de “perda de memória histórica” (tanto nossa quanto de povos descendentes de africanos que hoje habitam Oriente Médio até a Ásia Meridional - Ìndia, Paquistão e Sri Lanka – e a Oceania), nos mostra como a presença negros em diversas regiões do mundo remete a uma complexificação da História. Relacionamos “branco” a Europa, mesmo sabendo que não é apenas lá que habitavam historicamente homens e mulheres com estas características, e também que parte significativa dos indivíduos que no padrão de relações raciais brasileiro são classificados como “brancos” não são oriundos do que chamamos de Europa. Aliás, do ponto de vista geofísico, Europa é muito mais uma península da EurÁsia do que um continente em si – o processo de individuação espacial que transforma Europa num continente é, em si, uma distorção sob este ponto de vista. Ásia também não é um continente onde há apenas aqueles que no nosso padrão são chamados de “amarelos”, mas sim, uma diversidade de grupos que classificamos, dividimos e agrupamos “racialmente”. Ou seja, há um conjunto de associações artificiais que sustentam – tentando, de certa forma, “naturalizar” - o constructo de “raça”. Mesmo sendo difundido que biologicamente as divisões raciais não se sustentam, elas seguem funcionando como critério de verdade, orientando e regulando comportamentos baseados nesta associação de grupos raciais a regiões do planeta. Sérgio Pena, discutindo esta tortuosa e conflituosa polissemia e a multiplicidade de sustentações da idéia de raça, admite que “Raça pode também denotar origem em uma região do globo, assumindo o significado de ‘ancestralidade geográfica’ – fala-se então de uma raça africana, raça oriental etc.” (2005, pg. 323). Estas associações são, eminentemente, geográficas. Raça passa a ser, por esta ótica, um conceito geográfico, uma noção que se assenta sobre leituras espaciais. A Geografia está, portanto, de uma forma muito subliminar, na base da construção da idéia, das relações e dos comportamentos baseados no princípio de classificação racial. Assim, raça deixa de ser um princípio de classificação biológica para ser um princípio baseado em “identidades geoculturais”, identidades baseadas em referenciais espaciais. Aníbal Quijano nos ajuda a compreender esta construção: “critério básico de classificação social universal da população mundial, de acordo com a idéia de “raça” foram distribuídas as principais novas identidades sociais e geoculturais do mundo. Por um lado, “Índio”, “Negro”, “Asiático” (antes, “Amarelos”), “Branco” e “Mestiço”; por outro, “América”, “Europa”, “Ásia”, “África” e “Oceania”. Sobre ela se fundou o eurocentramento do poder mundial capitalista e a conseguinte distribuição mundial do trabalho e do intercâmbio. E, também sobre ela, se traçaram as diferenças e distâncias específicas nas respectivas configurações específicas de poder, com as suas cruciais implicações no processo de democratização de sociedades e Estados, e da própria formação de estados-nação modernos.” (2007, pg. 43) Segundo esta perspectiva, o constructo “raça” não apenas se assenta sobre bases espaciais, mas é também instrumento de poder em diferentes escalas: intercontinental, com o eurocentramento do poder mundial; intra-nacional, com a difusão da dominação por aqueles que são identificados com a Europa, os “brancos” e, secundariamente em alguns contextos, “mestiços”. Quem nos informa sobre esta última dimensão da “raça”, construída a partir de referentes espaciais, servindo como orientador e regulador de relações de poder – na mesma linha de Quijano – é Ramon Grosfoguel, quando aponta que “a noção de ‘europeu’ nomeia uma localização de poder na hierarquia etno-racial global. Por isso ‘europeu’ 145 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... aqui se refere não apenas às populações da Europa, mas também às populações de origem européia em todas as partes do mundo, que gozam dos privilégios da supremacia branca em relação a populações de origem não-européia. Me refiro por ‘europeus’ aos euronorteamericanos, euro-latinoamericanos, euro-australianos, etc.” (2005, pg. 1). A “raça” é então um constructo que, ancorado em leituras do espaço, estrutura também relações de poder com o espaço e no espaço. Leituras de espaço estão, portanto, na base de conformação do nosso padrão de “relações raciais”: primeiro, porque leituras de espaço orientam a própria constituição e naturalização da idéia de “raça” e as classificações em grupos raciais; segundo, porque são leituras de espaço que estruturam e autorizam as hierarquizações entre os grupos raciais – o que confere supremacia aos “europeus” que qualifica Grosfoguel é, na verdade, uma visão de mundo que aponta a Europa como superior aos outros continentes (melhor dizendo, superior às outras regiões geoculturais do planeta). Onde e como se constrói esta visão de mundo? Quais são os veículos de sua difusão e reprodução? Esta visão de mundo, ressalte-se, não é apenas leitura de espaço, mas sim, leitura de espaço e de tempo. A hierarquia que coloca em situação de superioridade um continente, uma região geocultural, uma “raça” sobre as outras é resultante de um conjunto articulado de pressupostos e conclusões constituintes de uma associação cultura-raça-espaço-tempo, e outros elementos que lhes servem de suporte. Estamos aqui falando daquilo que Boaventura de Souza Santos chama de “monocultura do tempo linear”, que caracteriza o pensamento ocidental, uma forma de ler o mundo segundo a qual “a história tem sentido e direção únicos”, sempre rumo a um futuro que é concebido como progresso, desenvolvimento, revolução, modernização, crescimento, globalização, entre outros. A tecnologia aqui, desprovida de seus multi-topológicos processos de desenvolvimento histórico, joga papel central como indicador: parece que todo o desenvolvimento tecnológico do mundo nos últimos séculos deve-se à revolução industrial, e que esta foi gestada exclusivamente na Europa. Nada mais multi-topológico, multi-localizado do que a chamada Revolução Industrial. Ela só foi possível graças ao fato de que as múltiplas formas de relação colonial que a Europa estabeleceu com as diversas partes do mundo a partir do século XV eram relações de exploração e apropriação de recursos naturais, de força de trabalho e... saberes! Conhecimentos, técnicas de fazer, de produzir, de organizar, que foram aprendidos, apreendidos, experimentados por todo o mundo, foram a base da constituição da Revolução Industrial que, nas narrativas hegemônicas, aparece como algo exclusivamente europeu. Mas, ao invés de aprendermos/ensinarmos que os avanços tecnológicos e de conhecimento que constituíram o mundo atual são frutos de saberes de todas as partes deste mundo, o que se reproduz é que este processo é linear, evolutivo e ocorreu na Europa. Esta concepção linear do tempo e da história – segundo a qual o presente acaba sendo reduzido a um ponto, comprimido entre um passado dilatado e um futuro infinito –, transforma culturas, técnicas e formas de relação cujas existências são simultâneas em elementos sucessivos sucessivos. Diferenças são transformadas em assimetrias temporais e, no confronto, uma realidade é remetida ao passado, e outra ao presente ou futuro – diz-se de um contexto ou formação social (lugar, região, país, etc.) que é “atrasado” ou “avançado”, “adiantado”, p.ex., ou “moderno” e “primitivo”, hierarquizando-os. Esta leitura, que transforma experiências sociais simultâneas, contemporâneas, em experiências sucessivas, tem como referência crucial os países centrais, estes alçados à condição de única possibilidade de futuro (projeto) desejável para os não-centrais. Tal lógica é base para a constituição de uma narrativa (pretensamente) universal da história, mas cuja referência é o eurocentramento espaço-temporal do mundo. Tudo que não se assemelha a esta referência é alçado à condição de “(...) residualização que, por sua vez tem, ao longo dos últimos duzentos anos, adotado várias designações, a primeira das quais foi o primitivo, seguindo-se outras como o tradicional, o pré-moderno, o simples, o obsoleto, o subdesenvolvido” - como nos diz Boaventura de Souza Santos (2002, pg. 37). Assim, culturas, povos, regiões geoculturais são hierarquizadas, através da adoção de uma visão de mundo, de história e geografia universais, que é uma visão de espaçotempo que transforma simultaneidades em sucessividades. Com isto, a narrativa universal 146 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 do mundo o interpreta a partir de dicotomias hierarquizantes, como nos exemplifica mais uma vez Ramon Grosfoguel: “Passamos dos povos sem escrita (pictografia no lugar de letras) no século XVI, aos povos sem história no século XVIII, aos povos sem civilização no século XIX, aos povos sem desenvolvimento em meados do século XX e agora aos povos sem democracia no começo do século XXI” (2005, pg. 2). Mais do que isto, esta leitura legitima e “naturaliza” as relações de dominação entre os grupos que a partir delas se referenciam. Assim, poderíamos também falar de como, no século XIX, povos sem Estado foram agrupados e divididos ao bel prazer de colonizadores. Ou seja, os exemplos são múltiplos, mas a dicotomização legitima a dominação – aliás, como critica Boaventura de Souza Santos (2004, pg. 78), “A relação de dominação é a conseqüência e não a causa dessa hierarquia e pode ser mesmo considerada como uma obrigação de quem é classificado como superior (por exemplo, o ‘fardo do homem branco’ em sua missão civilizadora).” A dominação aparece como algo “natural” e uma “obrigação” daqueles que, segundo esta visão de mundo, aparecem como “superiores”. Isto se coaduna com a imagem de espaço decorrente da monocultura do tempo linear permitindo a construção de uma narrativa de história universal que é apenas a história de uma parte do mundo ou, a história contada a partir de uma parte do mundo. Nesta, os referenciais temporais (as periodizações, as transformações, os processos, as temporalidades) são todos construídos a partir desta parte que se torna o centro do mundo, e as outras partes “aparecem e desaparecem” na medida em que se relacionam com grau de importância com o (ou, para o) centro do mundo/centro da narrativa. A história universal eurocentrada é um exemplo disto, mas poderíamos também observar como a narrativa da história do Brasil a partir da Teoria dos Ciclos Econômicos produz, grosso modo, imagens espaciais semelhantes: durante cada ciclo, apenas a região produtora da mercadoria – ou seja, aquela alçada à condição de centro dinâmico da economia colonial ou nacional – é mencionada, e as outras regiões parecem estar quase em “subsidência geológica”, tal seu desaparecimento nas narrativas. Isto é um poderoso instrumento de produção de “não-existências”, de desqualificações que legitimam a dominação. Na verdade, esta narrativa produz a imagem espacial segundo a qual os processos históricos de “contato” entre a região centro e as demais apareçam como um “transbordamento” de processos internos àquela que é o centro da narrativa. A narrativa de mundo que aprendemos – pela articulação entre os ensinos de História e Geografia -, que aponta o mundo atual como continuidade e desdobramento de eventos nomeados de “descobertas imperiais européias” a partir das chamadas “grandes navegações”, é talvez o principal exemplo deste caráter parcial e localizado (geográfica e epistemicamente) de visão de mundo – a visão eurocêntrica. A partir dela, os elementos constituintes do mundo atual – como o capitalismo, a globalização, a ciência – são únicos e têm sua gênese na Europa. Este eurocentramento tem, como primeira idéia-força, o discurso do “descobrimento” – contato que, apresentado desta forma, é como uma “via de mão única”, o que em outro texto Boaventura de Souza Santos também critica2. Esta leitura de mundo, visão de espaço-tempo, se combina então com uma leitura das relações de poder e dominação que se estabelecem no mundo, e que é necessário aqui abordar. Se estamos apontando que a “raça” é um princípio de classificação universal da população mundial que estrutura relações de poder, e concordamos com Quijano também 2 “Apesar de ser verdade que não há descoberta sem descobridores e descobertos, o que há de mais intrigante na descoberta é que em abstrato não é possível saber quem é quem. Ou seja, o ato da descoberta é necessariamente recíproco: quem descobre é também descoberto, e vice-versa. Porque é então tão fácil, em concreto, saber quem é descobridor e quem é descoberto? Porque sendo a descoberta uma relação de poder e de saber, é descobridor quem tem mais poder e mais saber e, com isso, a capacidade para declarar o outro como descoberto. É a desigualdade de poder e de saber que transforma a reciprocidade da descoberta na apropriação do descoberto. Toda a descoberta tem, assim, algo de imperial, uma ação de controle e de submissão. Este milênio, mais do que qualquer dos que o precedeu, foi o milênio das descobertas imperiais. Foram muitos os descobridores, mas o mais importante foi, sem dúvida, o Ocidente, nas suas múltiplas encarnações. O Outro do Ocidente, o descoberto, assumiu três formas principais: o Oriente, o selvagem e a natureza.” (Santos, 2002) 147 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... que este é um dos mais importantes instrumentos de dominação social nos últimos 500 anos, temos que colocar em discussão, juntamente com Grosfoguel, a idéia de “Sistema Capitalista”, na configuração deste Sistema-Mundo que diversos autores vêm qualificando como moderno-colonial. Se a história da Globalização é também a história da construção do Capitalismo (e das inúmeras lutas contra ele), temos que requalificá-lo, para compreendermos o papel crucial da “raça” em sua constituição. Além de compreender que o Capitalismo não é um processo de gênese intra-européia que se difunde para o resto do mundo – como, por exemplo, narrativas evolucionistas baseadas na forma de relação de trabalho fazem crer -, mas sim um fruto de combinações de diferentes processos e experimentos complementares por todo o mundo. Podemos exemplificar discutindo a divisão do trabalho, e temos de recordar que aspectos cruciais para a indústria, como o confinamento de seres humanos num ambiente (espaço e tempo) dedicado exclusivamente ao trabalho, bem como a coletivização em massa de ritmos de trabalho, foram largamente “testados” nas experiências de escravidão nas Américas e na África. Não são, portanto, criações exclusivas de “corporações de ofício” ou de manufaturas européias, como comumente se aponta. Ou seja, temos que alargar e, como nos diz Grosfoguel, “descolonizar” o conceito de Capitalismo, conferindo a ele a complexidade do cruzamento de múltiplas formas de dominação e exploração que o caracterizam enquanto experiência social. Ramón Grosfoguel faz um profícuo esforço de descolonização conceitual do Capitalismo. Junto com outros autores (Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Santiago Castro-Gómez, entre outros), propõe um “giro decolonial” do pensamento, a idéia de que o eurocentramento do mundo se dá através da imposição de uma relação de dominação batizada de “colonialidade” (do poder, do saber e do ser). Segundo esta, a modernidade se estabelece como padrão universal juntamente com uma contra-face, a colonialidade – que, diferente de colonização, a qual implica a existência de uma administração colonial. A colonialidade é um padrão de poder que articula diversas dimensões da existência social. Trabalho, subjetividade, autoridade, sexualidade, cultura, identidade, entre outras, são todas dimensões constituintes das experiências sociais de indivíduos e grupos, e são constitutivas de um pacote de múltiplas relações de poder que, imbricadas, servem à “colonialidade”. Esta se vale, portanto, de hierarquias sexuais, políticas, epistêmicas, econômicas, espirituais, lingüísticas e raciais de dominação, operando em diversas escalas, desde a global até as interações entre dois indivíduos. Esta conceituação nos auxilia a compreender que, ao pensar o capitalismo, não podemos reduzi-lo ao primado da exploração e dominação no âmbito das relações de trabalho, a dicotomia capital-trabalho, mas compreender que ele se vale de diversos eixos de dominação e hierarquização para se fazer existir. Grosfoguel nos indica que o capitalismo se vale de um conjunto de hierarquias enredadas que envolvem: “1) uma hierarquia de classe, onde o capital domina e explora uma multiplicidade de formas de trabalho (...); 2) uma divisão internacional do trabalho entre centros e periferias (...); 3) um sistema inter-estatal global de organizações e instituições político-militares controlada pelos homens europeus e institucionalizada em administrações coloniais; 4) uma hierarquia étnico/ racial global que privilegia os homens europeus sobre os povos não europeus; 5) uma hierarquia de gênero que privilegia os homens sobre as mulheres e o patriarcado europeu sobre outras formas de relações de gênero; 6) uma hierarquia sexual que privilegia aos heterossexuais sobre os homossexuais e as lésbicas (...); 7) uma hierarquia espiritual que privilegia os cristãos sobre as espiritualidades não cristãs ou não ocidentais (...); 8) uma hierarquia epistêmica onde se privilegiam os conhecimentos ocidentais sobre as cosmologias e conhecimentos não ocidentais, institucionalizados através do sistema global de universidades (os outros produzem folclore, mitos, mas nunca teoria ou conhecimentos; 9) uma hierarquia lingüística entre línguas européias e línguas não européias, onde na produção de conhecimentos e na comunicação se privilegia as primeiras e subalterniza as segundas como criadoras de folclore ou de culturas, mas nunca de teoria ou de conhecimentos.” (2005, pg. 4, tradução própria) Carlos Walter Porto-Gonçalves (2007) acrescentaria também a divisão e hierarquia humanidade-natureza, que autoriza a apropriação destrutiva desta na busca incessante do lucro, o que também impulsiona e organiza relações de dominação e exploração. Ressalte- 148 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 se que não há, nesta abordagem, hierarquias entre as hierarquias. Uma não é mais importante do que a outra, uma não engloba a outra, a solução de uma não contém automaticamente a solução da outra – diferentemente do que algumas ideologias propõem, por exemplo, ao colocar que a hierarquia capital-trabalho “engloba” todas as outras, e que resolvendo-se esta, estarão resolvidas toda as outras relações de dominação, exploração e hierarquização. Elas são todas imbricadas, e são diferencialmente sentidas/vividas/percebidas na experiência social de acordo com o lócus do indivíduo ou grupo. Um homem/branco/europeu/heterossexual/anglófono terá uma experiência de capitalismo distinta de alguém que seja homem ou mulher, mas negro ou mestiço, africano ou americano do sul, homossexual ou heterossexual, falante da língua do colonizador ou de uma língua originária, e ambos terão uma experiência distinta de uma mulher, indígena ou negra, brasileira ou boliviana, aymara ou baiana, praticante do candomblé, falante de quéchua, etc. Dizer para estes não homens, não brancos, não europeus, não heterossexuais, não falantes de línguas do colonizador (e ainda também há hierarquias entre estas línguas e dentro delas, pela dimensão regional!), que a única dominação constituinte do capitalismo é a do capital sobre o trabalho é ignorar as vivências de poder que cotidianamente os oprime constituindo sua experiência. O Capitalismo precisa de diferentes sistemas de dominação, exploração, hierarquização, que funcionem como matrizes de conflitos e conflitualidades. Afinal, capitalistas precisam das disputas entre trabalhadores até mesmo para impor a sua ordem. Que o digam os barões do agronegócio, de quem a expansão da fronteira agrícola se vale em grande medida de conflitos entre posseiros e índios, quilombolas, ribeirinhos e outras populações tradicionais. Ou, mesmo, de conflitos entre estes próprios grupos. É o racismo, a desqualificação cultural – “índios são preguiçosos”, “índios não trabalham, não produzem, não precisam de tanta terra” -, a desqualificação de formas de relação com a natureza que permitem estas conflitualidades cruciais para o capitalismo. Não é apenas a relação capital-trabalho que explica as violências sofridas por estas populações. Reduzir a isto é empobrecer a própria complexidade inerente ao sistema mundo capitalista, que é moderno-colonial (Grosfoguel prefere utilizar “Sistema-Mundo Europeu/euronorteamericano moderno/colonial capitalista/patriarcal”) e não tem estas outras hierarquias como meros aditivos, mas sim, como elementos e instrumentos cruciais de dominação e reprodução. Esta crítica, que aponta a colonialidade como multiplicidade de eixos de poder, nos é muito fecunda, pois ajuda a compreender a articulação entre os sistemas de dominação inerentes ao capitalismo, raça e relações raciais, e as visões de mundo, de espaço-tempo que compõem a geograficidade e a historicidade de indivíduos e grupos. Nos ajuda a pensar como o ensino de Geografia (e, evidentemente, de História e das outras disciplinas também) é instrumento crucial para a reprodução das hierarquias apontadas, dentre as quais a racial, ao reproduzir e difundir uma visão eurocentrada do mundo. Sendo um saber que serve para indivíduos e grupos se posicionarem no mundo (nas múltiplas escalaridades das relações vividas, percebidas e concebidas), ele é parte inerente aos sistemas de inculcação de valores que orientam comportamentos, ações. Se vivemos numa sociedade, ou num mundo ordenado racialmente, a Geografia deve atentar para isto, mas como? Discutiremos algumas notas, de caráter exploratório, na seção seguinte. EUROCENTRISMO NO ENSINO DE GEOGRAFIA Discutimos, anteriormente, as formas como a raça e as relações raciais são princípios de ordenamento do mundo, de poder, e como isto se reproduz sobre bases espaciais e de leitura do espaço. Também vimos como estas relações são cruciais para a ordem atual, do sistema mundo moderno/colonial capitalista. O objetivo foi trazer para a discussão o quanto leituras de mundo trabalhadas, difundidas e reproduzidas no (e, através do) ensino de Geografia (além de outras disciplinas, é claro) tem papel crucial na reprodução desta ordem. Vale retomar sintetizando alguns pontos. 149 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... O ensino de Geografia é um dos principais veículos : (i) Da associação entre grupos raciais e regiões (geoculturais) de origem, que dá esteio à permanência da idéia de raça4 enquanto reguladora de comportamentos, valores e relações sociais, econômicas e de poder; (ii) Da divisão dicotômica do mundo (desde Ratzel) entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos – e, no meio deles, os países “em desenvolvimento”, o que (a) reforça a idéia de uma evolução linear cujo futuro único do mundo é seguir o caminho dos chamados “desenvolvidos”, e (b) confere poder nas relações sociais aos indivíduos e grupos cuja historicidade, geograficidade e “corporeidade”5 são remetidos à herança e ligação com estes países e povos ditos “desenvolvidos” e, portanto, superiores; (iii) Da difusão da monocultura do tempo (espaço) linear, pela forma como se trabalha o papel da técnica como dimensão evolutiva, o que é feito com toda intensidade na maneira como é trabalhado o conceito de paisagem, através da divisão entre “paisagens naturais” e “paisagens humanizadas”, estas últimas sendo sempre (evolutivamente) a expressão dos avanços tecnológicos sobre a materialidade terrestre, o que conduz à compreensão de paisagens fruto de experiências simultâneas como sendo paisagens do passado, paisagens do presente e paisagens do futuro; (iv) Da separação entre humanidade e natureza, cristalizada na dualidade “Geografia Física” versus “Geografia Humana” – e nem a recente tendência de aproximação da parte do ensino que trata da chamada “Geografia Física” de uma chamada “Educação Ambiental”, que em alguns momentos tenta provocar um sentimento de proximidade entre seres humanos e natureza é capaz de reverter esta separação que é estrutural e estruturante do ensino da disciplina; (v) Da visão do mundo contemporâneo como sendo o transbordamento de processos econômicos, políticos, sociais, militares e culturais da Europa – o que aparece com toda força na forma como se ensina sobre os outros continentes, cujos referenciais históricos e espaciais de periodização e regionalização aparecem sempre como resultantes diretos dos processos e interesses eurocentrados, portanto, como se não houvesse protagonismo neles; (vi) Da difusão de uma visão tecnicista e cartesiana de mundo, p. ex., pela forma como ensinamos Cartografia. De uma forma de representação espacial, ela é transformada em única forma de expressão espacial do mundo, critério de verdade e de existências naturais e sociais, decorrente das possibilidades da racionalidade técnica subjacente ao processo de elaboração dos mapas - que são, melhor dizendo, limitados por esta racionalidade às formas científico-ocidentais de ver o mundo, de expressar referenciais de espaço, de tempo e das existências sociais. Esta forma como se trabalha e ensina a Cartografia Escolar dá aos mapas oficiais um caráter de expressão da verdade que é poderoso instrumento de poder através da produção de não existências de grupos sociais, conflitos, saberes, experiências e formas de relação com o mundo. 3 3 Falamos de tendências hegemônicas no Ensino de Geografia. Há, evidentemente, textos, professores, escolas e experiências críticas que tentam romper com estes traços que estamos apontando aqui – algumas das quais temos acompanhado em nosso grupo de pesquisa através do projeto “A Lei 10.639 e o Ensino de Geografia”. Entretanto, registre-se que os próprios professores e coordenadores pedagógicos que acompanhamos revelam suas dificuldades de romper com estes cânones. 4 Aqui falamos em sentido amplo, de permanência da idéia de raça no senso comum, no imaginário social, e mesmo nas “sociologias espontâneas” e no “senso comum científico”, de que falam Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999), englobando assim também visões de mundo que exercem influências sobre as próprias investigações científicas sobre o mundo e sobre as relações raciais – aquilo que os autores denominam “prenoções”: “(...) opiniões primeiras sobre os fatos sociais [que] apresentam-se como uma coletânea falsamente sistematizada de julgamentos com uso alternativo. (...) ‘representações esquemáticas e sumárias’ que são ‘formadas pela prática e para ela’, retiram sua evidência e ‘autoridade’, como observa Durkheim, das funções sociais que desempenham.” (p. 23-24). Estas povoam os discursos de agentes distintos, que ocupam posições diversas em relação à problemática em questão, e se apresentam com diferentes acúmulos de reflexão. 5 É importante a menção à corpo-política e à ego-política do conhecimento, de que falam Frantz Fanon e Gloria Anzaldua (apud Grosfoguel, 2005, 2006). 150 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 Todas estas dimensões do Ensino de Geografia contribuem para a construção de referenciais de leitura do mundo que conferem poder a indivíduos e grupos nas múltiplas interações e relações. Têm papel crucial nas relações raciais, no racismo e nas desigualdades raciais que se constroem e aparecem no plano das interações cotidianas entre indivíduos e grupos (ver Sansone, 1996), na construção da lógica e comportamento de instituições (ver Bento, 2002), na definição do acesso aos bens materiais e simbólicos da sociedade (ver Hintzen, 2007, e Paixão, 2003). Sustentam, também, a naturalização das práticas que configuram o racismo e as suas conseqüências sociais – sobretudo, as chamadas desigualdades raciais -, com os quais aprendemos e acostumamos a viver e conviver. No caso brasileiro, esta construção de leituras que naturalizam as práticas cotidianas do racismo em nossas leituras do social está inclusive, na base de um dos pilares ideológicos da ideia de nação, através do chamado “mito da democracia racial” (Guimarães, 1999). Leituras criticando as porosidades desta pretensa democracia racial – indicando, por exemplo, a existência de desigualdades raciais -, já começam a aparecer em livros didáticos, mas ainda é comum os capítulos (ou melhor, quase sempre, o subcapítulo) que aborda a formação do povo brasileiro atentar para a diversidade de origens dos brancos e menos dos negros e dos índios. Mais do que isto, nossas pesquisas vêm indicando que as imagens dos grupos raciais não são em nada democráticas6. Alterna tivas ao eurocentrismo Alternativas Para mudar estas diretrizes e contemplar a Lei 10.639, combatendo o eurocentramento do currículo do Ensino de Geografia, e buscando a desconstrução das narrativas que estruturam as leituras de totalidade-mundo, tornam-se necessárias revisões conceituais, o de conteú dos revisões de estruturas, enfim: inserção de conteúdos mas também a revisã revisão conteúdos dos, conforme indicamos anteriormente. Neste sentido, ao longo do ano de 2008, fizemos esforços para a construção de um temário temário, um conjunto de assuntos que são ou não trabalhados nas aulas de Geografia, e que acreditamos que podem contribuir nesta tarefa de descolonização do Ensino desta disciplina. No âmbito das atividades do projeto “A Lei 10.639 e o Ensino de Geografia”, desde o ano de 2008 temos reuniões mensais com um grupo de 5 professores da 5ª à 8ª série (ou, do 6º ao 9º ano) analisando seu currículo praticado, sua estrutura, seus temas, metodologias, materiais utilizados, seus enfrentamentos cotidianos, etc. A partir deste diálogo e do acompanhamento de suas práticas – e, a partir disto, dialogando diretamente com o currículo praticado nas aulas de Geografia e, secundariamente, com os programas curriculares oficiais dos PCNs - elencamos seis conjuntos temáticos num primeiro exercício: (i) O debate raça & modernidade modernidade, que aponta como a raça é um princípio regulador de relações sociais fundamental para a afirmação do capitalismo a partir do século XIX, permitindo a estruturação de sistemas de dominação em escala internacional e intercontinental (o eurocentramento do mundo), e intranacional e no cotidiano das relações sociais e sócio-espaciais - a dominação dos brancos, ou, eurodescendentes, que se reproduz ao redor de todo o mundo (Quijano, 2007; Hintzen, 2007) e a hierarquização racial da força de trabalho permitindo ao capital aumentar as taxas de exploração de grupos raciais discriminados e também dos aparentemente favorecidos. Tentamos aqui introduzir também a ideia de uma leitura de totalidade de um sistema-mundo-moderno-colonial, defendida (ou, construída) por Wallerstein (1991), Quijano (2000, 2005, 2007), Mingolo (2003, 2004) e Porto-Gonçalves (2005, 2007), entre outros. (ii) O ensino sobre a África África, marcado hoje pela influência das narrativas eurocentradas. Os marcos estruturantes do que se fala sobre a África (a colonização, a “partilha”, a descolonização, os conflitos pós-independência como expressão da disputa entre blocos capitalista e socialista, entre outros) são quase todos remetidos ao contato com a Europa – o mesmo se aplica às Américas e à Ásia, quando a recíproca não é verdadeira: a 6 Ver Santos (2008). 151 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... colonização só é definidora do que são os continentes periféricos, mas o papel dela para as revoluções industriais, econômicas, sociais e políticas na Europa não é abordada. Esta narrativa é, na verdade, fruto de um conjunto de “generalizações e simplificações que pretendem ‘encaixar’ a África no esquema desenvolvido para explicar linearmente o progresso civilizacional do Ocidente” (Meneses, 2008, p. 7-8). Omissões, distorções, ausências, fabricações e estereótipos constroem uma narrativa sobre a África onde ela aparece como um continente desistoricizado e desgeografizado – as referências tanto de periodização quanto de organização espacial são todas exógenas7. Desconstruir e reconstruir a ideia de totalidade-mundo e fazer o mesmo para a África é, portanto, um exercício fundamental. Como seria uma periodização e regionalização da África que tomasse como ponto de partida a sua dinâmica anterior às chamadas “Grandes Navegações”? A África é retratada no ensino sempre através de seus aspectos pejorativos, tragédias sociais, associação a estereótipos degradantes (primitivismo, p.ex.), enfim, uma abordagem que referencia num quadro social adverso de África o quadro de inserção social subalternizado e inferiorizado dos descendentes de africanos na experiência da diáspora. Livros didáticos de Geografia apresentam narrativas sobre a África que se iniciam pelo quadro natural e, em seguida, para falar dos processos históricos do continente africano, passam diretamente ao século XVI com a construção das rotas de comércio EuropaOriente e o tráfico negreiro. Daí, novo salto é dado até o estabelecimento de administrações coloniais européias na África, no século XIX, seguido da descolonização no século XX e algumas realidades atuais sempre socialmente catastróficas. O salto entre a instauração do tráfico negreiro e o processo de colonização do século XIX acaba sendo, às vezes, justificado pela natureza: o relevo acidentado (as escarpas que dão acesso do litoral ao planalto africano), a vegetação e outros elementos naturais (como, p. ex., a selvageria dos animais!) explicam por que o europeu demorou a “conseguir penetrar” na África. Nenhuma menção é feita a povos, reinos, comerciantes, grupos de poder estabelecidos, com interesses próprios e com uma geopolítica ou circuitos internos ao continente africano que interferissem na possibilidade de “penetração” dos europeus entre os séculos XVI e XIX. O papel do fim do tráfico transatlântico enfraquecendo povos, reinos, comerciantes e grupos de poder africanos consolidados por esta inserção em circuitos comerciais intercontinentais é algo distante. E, dentro do processo de colonização africana, as resistências jamais são mencionadas – nem o emblemático caso da Etiópia, notabilizado no período do reinado de Hailé Selassié pela resistência às invasões italianas. O único fator a imprimir resistência à “penetração” européia é a natureza. O processo de descolonização é apresentado como uma troca de comandantes de regimes de exceção: da opressão colonial pelos brancos europeus à opressão por ditadores negros africanos, nada muda, nem sequer as linhas de fronteiras, herança colonial que define, na verdade, fragmentações de povos e a união (desastrosa) de etnias em estados nacionais apresentados como (eternamente) sem identidade. O movimento intelectual de construção de um pensamento pós-colonial a partir destes processos de independência, jamais é mencionado. As articulações e formulações políticas de lideranças do processo de independência, berço do Pan-Africanismo, do terceiro-mundismo, utilizando o cenário de disputa da Guerra Fria para se fortalecer, são mostradas ao inverso: a África é que aparece relatada como transformada em cenário da disputa entre EUA e URSS. Toda a riqueza política e teórica que forma lideranças como Frantz Fanon, Aimé Césaire, Léopold Senghor e Amílcar Cabral, entre outros, é apagada, pois as menções feitas são a ditadores como Mobutu (Zaire), Idi Amin Dada (Uganda), Mugabe (Zimbábwe), entre outros, criações das elites (locais e européias) que lutam para transformar o derrubado colonialismo em colonialidade. Ensinar sobre as lutas é ensinar a lutar. Ensinar apenas sobre as ditaduras póscoloniais da África, ignorando os processos políticos e intelectuais que articularam africanos e afrodescendentes na diáspora no século XX contribui para a reprodução do racismo 7 Meneses (idem, p. 4) aponta que “As mudanças introduzidas pela história moderna produziram a localização do sujeito africano num espaço exterior ao desenvolvimento universal”. 152 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 enquanto sistema de dominação mundial. Que leitura sobre as relações raciais teríamos se nosso ensino mostrasse a importância do Pan-Africanismo, das idéias de líderes afrodescendentes como W.E.B. Du Bois, Marcus Garvey e o movimento “Volta a África”, sua influência nos processos de independência na África e mesmo na criação da Organização da Unidade Africana, em 1963, por Hailé Selassie, imperador da Etiópia? Qual seria a visão de África se o ensino mostrasse as articulações do Pan Africanismo, sua abrangência no espaço e no tempo? Falar de uma articulação é falar de relações espaciais, redes socioespaciais, pontos de vista e de enunciação a partir de lócus distintos e com direções distintas. Falar do Pan Africanismo é falar das relações políticas de África, Caribe, Europa, Américas; é mudar o foco do protagonismo no próprio processo de descolonização africana, que é visto/apresentado como sendo um movimento apenas de relação entre África e Europa - de “saída” das forças coloniais européias dos territórios africanos -, e não um processo marcado por fortes ligações entre lideranças de África e da diáspora africana. Esta leitura nos leva a repensar não apenas a imagem que temos sobre a África, mas sobre as construções políticas no mundo inteiro. A Geografia do século XX não é apenas a Geo-grafia8 da disputa entre Capitalismo e Socialismo, da afirmação de um modelo de industrialização que instaura centros e periferias - Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos -, ela é também a Geo-grafia de diversas redes políticas - nacionais, internacionais, intercontinentais – de luta contra diversas formas de dominação. Centrar o ensino/aprendizagem nas lutas é forma de construir outras visões de mundo, voltadas para a transformação. Desconstruir e reconstruir a idéia de totalidade-mundo e fazer o mesmo para a África é, portanto, um exercício fundamental. (iii) Branqueamento da População & Branqueamento do T erritório - No programa Território de Geografia Escolar da 6ª série/7º ano, quase sempre dedicado à Geografia do Brasil, um dos pontos de conteúdo é a formação do povo brasileiro. Este ponto aparece em quase todos os livros didáticos, ressaltando a composição racial da população brasileira, suas origens (européias, africanas e autóctone; alguns falam também de asiáticos) e contribuições culturais dos diferentes grupos que compõem nossa população. Apesar de falar quase sempre da composição racial de nossa população, normalmente, o que se ensina em Geografia (e, também, em História), não problematiza as relações raciais na formação do Brasil. Algumas coleções de livros didáticos de Geografia, mais recentemente, vêm incorporando informações sobre desigualdades raciais, falando sobre racismo e seus impactos, mas, ao falar disso, não abordam o fato de que as relações raciais são historicamente um dos pilares ideológicos da idéia de nação no Brasil. Encontra-se até mesmo em alguns volumes a menção e a crítica à idéia da “Democracia Racial”, mas raramente se aponta sua importância na construção de projetos de país – na verdade, importância da forma como se estruturam as relações raciais. Antes da independência do Brasil isto já era uma questão posta, que se acentua ao longo do século XIX e ganha centralidade até hoje, estando nas bases dos projetos e idéias de nação. O ensino de Geografia não aborda a existência, até praticamente a metade do século XX, de um projeto de branqueamento da população, que foi levado a cabo através de várias estratégias, diferenciadas no espaço e no tempo: imigração, utilização de não brancos em pelotões de guerra (muitas vezes, desarmados!), miscigenação, assimilação e desaculturação, extermínio através de conflitos violentos, enfim, um leque variado de formas de branquear a população (Skidmore, 1976). Observe-se que, se estamos falando da construção da nação, a própria Geografia (enquanto ciência e enquanto narrativa) tem papéis na estruturação deste projeto. O ideário de superioridade racial, étnica, cultural, econômica – em suma, civilizacional -, era um dos pilares da Geografia Ratzeliana, e teve influências fortes também no Brasil. Se atualmente os livros não utilizam mais tal abordagem, também não podemos afirmar que ajudam a promover a igualdade racial – o que é bem explorado por Tonini (2002). 8 Tomamos aqui de empréstimo a expressão “geo-grafia”, de Carlos Walter Porto-Gonçalves, que assinala que a “geografia” também diz respeito ao ato de grafar a terra. Ao transmutar o significado da geografia de descrição (substantivo) a ato (verbo), ele nos indica configurações associadas diretamente a protagonistas, fenômenos ou processos, que criam geo-grafias particulares. 153 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... Deixar de falar de superioridade racial, dentro de um contexto de fim da política de branqueamento, não nos parece suficiente para a promoção de uma educação para a igualdade. Defendemos aqui que esta política, central para a construção do ideário de nação no país, deve ser objeto de problematização, deve ser trabalhada no ensino de Geografia – não apenas a política, mas sua dimensão espacial, o que pode revelar o quanto suas conseqüências são atuais e estão grafadas nas dimensões concreta e simbólica do território e das regiões brasileiras. A política de branqueamento foi praticada em diversas regiões do mundo, como aprofundamento da colonização e da colonialidade eurocentradoras. Em cada contexto – lugar, país ou região -, ela cumpriu funções distintas, e a partir dela foram construídos distintos padrões de relações raciais. Qualquer comparação, por exemplo, entre o Brasil, Uruguai, Argentina, ou países andinos da América do Sul, revelará peculiaridades em meio a similitudes. Paradoxos não faltam – um exemplo é o da miscigenação e da mestiçagem, fatos biológicos, mas, acima de tudo, sociais e culturais que se definem a cada contexto. Países onde o projeto de branqueamento logrou êxito relativo maior, como a Argentina e mesmo o Uruguai, têm expressões culturais originalmente negras entre as suas principais – p. ex., o tango e o candombe, respectivamente. Este paradoxo na verdade nos indica que a política de branqueamento da população merece ser compreendida, em realidade, como uma política de branqueamento do território território. Isto envolve, como propomos aqui, três dimensões: a. branqueamento da ocupação do território - que indica a multiplicidade de interesses que entrelaçam o branqueamento às dimensões econômica e geopolítica de gestão do território. O debate que nos traz Carlos Vainer (1990), ao mostrar que o destino dos imigrantes se alternava entre a diretriz econômica de fornecer “braços para a lavoura” mais dinâmica e crescente – no final do século XIX e início do século XX, as plantações de café, principalmente em São Paulo – e a diretriz geopolítica de ocupação de “espaços vazios”, na verdade, áreas de fronteira de ocupação, alargando a área de controle do Estado e de hegemonia da civilização ocidental. “Fronteiras Externas” (p. ex, região Sul), “fronteiras internas” da ocupação (p. ex, o Espírito Santo, mas antes, áreas como Nova Friburgo, no Rio de Janeiro), configuraram “espaços vazios”, a serem “preenchidos” com imigrantes. Muitos destes eram áreas em que havia uma ocupação por não brancos, como nos exemplificam Gioconda Lozada (com o caso de Nova Friburgo, onde havia quilombolas) e Maurício Selau (com o caso do sul catarinense, onde a imigração se deu, entre outras, em área dos índios Xokleng). Em ambos os casos, fica evidente que o branqueamento da população era, ao mesmo tempo, o branqueamento da ocupação do território, contra a ameaça representada pela ocupação não branca; b. branqueamento da imagem do território – as áreas que passaram pelo processo de branqueamento da ocupação têm suas histórias, quase sempre, contadas a partir da chegada dos imigrantes, que são normalmente denominados “colonos” – e, nunca, “colonizadores”. Este artifício discursivo é instrumento de ocultação do conflito como um elemento do processo de formação dos territórios, e permite a constituição de narrativas que monopolizam a historicidade dos territórios reduzindo-a a chegada do branco – o território aparece, nesta narrativa, como sendo fruto exclusivo dos processos detonados a partir da chegada dos imigrantes, primeiro passo para o branqueamento da imagem do território. A eliminação da presença de outros grupos enquanto protagonistas dos processos históricos tem impactos fundamentais sobre a constituição de pertencimentos de indivíduos e grupos com o território, o que está na própria base da função da Geografia enquanto saber escolar: eles pertencem ao território e o território lhes pertence. Pertencem ao território – por exemplo, por nascerem nele; “somos do Brasil, somos brasileiros” -, e o território lhes pertence – “nosso país, nossa pátria e nossa terra”. Este duplo sentido de pertencimento localiza indivíduos e grupos em relações de poder, na definição dos projetos de sociedade que são também, na verdade, projetos de território. Isto faz o branqueamento da imagem do território um instrumento de exclusão, hierarquização e subalternização social; e c. branqueamento cultural do território – que diz respeito à construção da primazia de matrizes, signos e símbolos culturais que constituem e identificam territórios, lugares e 154 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 regiões. É o que aparece no ensino de Geografia quando se fala em “humanização da paisagem”. O maior exemplo é a forma como se trabalha a região sul do Brasil, em que todos os livros didáticos são enfáticos em mostrar a arquitetura européia (principalmente alemã), que é normalmente exemplo quando aborda os temas “Paisagem” e “Formação do povo brasileiro”. A presença e as contribuições indígena e negra são ocultadas destas narrativas. (iv) As Comunidades Remanescentes de Quilombos – que são, hoje, milhares catalogadas em quase todos os estados do país (Sanzio, 2007). Elas são marcas espaciais (rugosidades, no dizer de Milton Santos) das resistências dos negros à escravidão, portanto, uma geo-grafia de lutas históricas que ressignificam o que é ser descendente de escravos. Com efeito, a primeira inversão que a promoção e valorização social que o reconhecimento do direito aos remanescentes de quilombo faz é combater a tese – ainda hoje bastante difundida - de que o negro foi escravizado porque se adaptou à escravidão, diferentemente do indígena. Esta tese, que é repetida continuamente no ensino, às vezes afirma que o índio não se adaptava às condições de trabalho na escravidão (quantidade, intensidade, ritmo); às vezes aponta que o índio não se acostumava às violências imanentes à escravidão; às vezes aponta que o índio, por ser autóctone do território e, portanto, conhecê-lo, fugia. Em oposição, esta tese apregoa que o negro se adaptava ao trabalho excedente e forçado; se adaptava às violências da escravidão; e, não fugia, por isso sua viabilidade no sistema escravocrata. Ou seja, o negro não resistia à escravidão, é a conclusão automática. As consequências desta tese na construção de subjetividades, visões de si e do outro, ao apregoar que o negro se adapta a toda ordem de sofrimentos, são infinitas. Ela legitima e autoriza violências de ordem psicológica e física no cotidiano escolar e nas relações sociais, e presta forte contribuição à naturalização e banalização do racismo, da discriminação e seus impactos. O reconhecimento de milhares de comunidades remanescentes de quilombos derruba esta tese da adaptação e não resistência dos negros à escravidão. Sempre lembrando que a quilombagem é apenas mais uma dentre diversas formas de resistência dos negros à escravidão, a constituição de mapas mostrando a distribuição espacial destes remanescentes pelo território mostra que a resistência é algo presente onde quer que tenha havido senhores e escravos. E temos que lembrar que estas são remanescentes, o que leva a crer que durante a vigência das relações escravistas, havia muito mais quilombos. O mapa das comunidades remanescentes de quilombos, então, é um registro de marcas espaciais (rugosidades, no dizer de Milton Santos) das resistências dos negros à escravidão, portanricas dos negros – na verdade, rugosidades que atualizam históricas to, uma geo-grafia de lutas histó o passado, muitas vezes esquecido e negado, no espaço presente. São a marca também de que a luta pela terra hoje tem um componente racial radical (Fernandes et al, 2007). Acrescente-se a isso o fato de que muitas destas lutas (assim com lutas de indígenas, ribeirinhos, seringueiros, povos da floresta, entre outras chamadas “populações tradicionais”) não são apenas lutas pela terra, mas lutas por territórios (Arruti, 1999, 2002), o que envolve a preservação de suas práticas, saberes, heranças culturais, história, formas de relação com a natureza, enfim, uma complexidade de anseios que configura uma resistência (ou, ao menos, uma tentativa de controle e ressignificação) ao avanço do meio técnicocientifico-informacional de que nos fala Milton Santos, e uma resistência frontal ao epistemicídio promovido pela onda da modernização eurocêntrica. (v) As “Experiências de Espaço” de diferentes indivíduos e grupos grupos, debate que diz respeito a como a vivência do cotidiano de cada um é influenciada por uma organização espacial das relações raciais: há contextos (temporal e espacialmente organizados) em que o dado racial é um elemento mobilizador, como regulador das relações sociais e “contextos de interação” (Goffman, 1975) onde esse dado não é relevante – ambos podem se dar no mesmo “cenário” em momentos distintos, ou em distintos cenários ao mesmo tempo. Sansone (1996) nos fala de “áreas moles” e “áreas duras” das relações raciais, contextos organizados no espaço e no tempo em que a raça é ou não importante nas relações sociais. Isso impacta as experiências de espaço, o ir-e-vir, na medida em que indivíduos e grupos subalternizados causarão, em determinados contextos, sentimentos de espanto, estranhamento e até mesmo repulsa – contextos e lugares onde sua presença é indesejada. Depoimento colhido em 155 SANTOS, R. E. ENSINO DE GEOGRAFIA E CURRÍCULO... entrevista que já realizamos com uma das professoras que integram nosso grupo apontou trabalhar isto com os alunos no momento em que ela discute o conceito de “fronteira”: ela fala de “fronteiras visíveis” e “fronteiras invisíveis”, sendo estas últimas exatamente aquelas que se impõem através constrangimentos a indivíduos e grupos indesejados em lugares e contextos determinados. É mais um desafio para a aula de Geografia. (vi) Toponímia / Marcas Históricas da Presença Negra - A toponímia, definição dos nomes dos lugares, é algo que normalmente está presente no ensino de Geografia das séries iniciais do Ensino Fundamental. É comum aprender sobre o nome do lugar em que se vive, sua formação e sua história. Chamamos aqui a atenção para a necessidade de politização e “desbranqueamento” desta discussão, em diversos contextos. Aprender a toponímia é aprender sobre a história do território, é algo que informa sobre a construção do território e, portanto, é elemento constitutivo das narrativas que elaboram nossos sentimentos de pertencimento em relação a ele. É neste sentido que atentamos aqui para toponímias indígenas e negras como marcas históricas apagadas da construção e formação do nosso território, fruto de narrativas de território “branqueadas”. Dar nome, nomear, representar, está na base da criação do mundo – é o primeiro ato de poder sobre o mundo, o poder de representar, que nos informa Bourdieu (1989). São as “(...) lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer grupos.” (p. 113) A toponímia revela, portanto, relações de apropriação dos lugares, apropriação que é reconhecida por quem legitima e reproduz os nomes que são expressão desta apropriação. Ela é expressão da existência de disputas pela apropriação, portanto, de relações sociais de poder – relações que conformam a história do território, as histórias dos lugares. Saber quem nomeou um território ou um lugar é saber quem se apropriou dele, quem disputou e definiu os critérios do “dentro” e “fora” do lugar, quem disputou a definição dos seus limites. Em resumo, quem construiu em algum momento a história do território ou do lugar. Esta reflexão nos leva a pensar as toponímias do território brasileiro, e confrontá-las às narrativas que aprendemos e apreendemos de nossa história, bem como confrontá-las às imagens de espaço e de sua constituição histórica que fazemos. Nos leva a repensar, por exemplo, o mito do “descobrimento do Brasil”, em 1500, pelos portugueses, como o marco inicial da história do nosso território. Afinal, quantos nomes de lugares, quantas toponímias temos de origem indígena, anterior a 1500? Albuquerque Jr. reflete sobre isto e nos provoca ao levantar que “ (...) como diz Michel de Certeau, intelectual francês do século passado, nomear é uma das primeiras formas que o homem desenvolveu de demarcar e tomar posse de um território, de dominá-lo, de colonizá-lo. Nomear é dar sentido, é também demarcar diferenças em relação aos territórios vizinhos, é estabelecer fronteiras. Ao chegar às costas brasileiras, uma das primeiras preocupações dos portugueses foi dar um nome para a terra recém-encontrada. Embora o nome cristão e católico que escolheram, Terra de Santa Cruz, não tenha conseguido se sobrepor ao nome vulgar, o de terra do Brasil, do pau-brasil, madeira que foi a base da primeira atividade econômica de exploração colonial deste território, a colonização, a dominação, a posse portuguesa se inicia por este ato de nomeação.” (Albuquerque Jr., 2007, p. 8-9) Este embate é o mesmo que Porto-Gonçalves indica hoje para o que o Ocidente nomeou América, depois de chamar de Índias Ocidentais. Alguns povos autóctones (nomeados pelos Europeus de Indígenas...) nomeavam Abya Yala, denominação que hoje movimentos indígenas vêm retomando. Mas, é na escala do local que a toponímia mais revela sobre os ocultamentos históricos. Mesmo falando-se (pouco) de “América pré-colombiana”, aprendemos que nosso marco zero histórico é a chegada dos europeus. Entretanto, na maioria dos lugares, a toponímia é, fortemente, indígena. Como compreender que a história é contada mostrando um processo civilizatório do europeu sobre os “primitivos” indígenas, quando os nomes dos lugares guardam marcas de uma apropriação indígena? Chamamos aqui também a atenção para topônimos relacionados aos negros. Nomes de lugares que remetem a lutas dos negros; nomes que revelam uma presença histórica negra; e nomes que remetem a africanidades, também marcas da presença negra. Bernardo Mançano 156 Terra Livre - n. 34 (1): 141-160, 2010 Fernandes, estudioso do Movimento dos Sem Terra (MST), ao lançar um olhar sobre toponímias de assentamentos do movimento, identificou em 19 estados assentamentos cujo nome se remete à memória do Quilombo dos Palmares. A lista, que ele publicou em Fernandes (2007, p. 152-153), traz nomes como Zumbi dos Palmares, Quilombo, Dandara, Palmares, entre outros. Um olhar mais aguçado sobre topônimos dos 1.451 assentamentos que ele observou, certamente revelaria uma quantidade muito maior de nomes relacionados às lutas dos negros, sua presença e africanidades. O autor comenta: Nos mapas verificamos a presença desses assentamentos que carregam consigo a marca dessa história de resistência da população negra no país, desde o período colonial brasileiro. Esse levantamento dos assentamentos, elaborado pelo projeto do NERA, denota que a luta pela terra no Brasil, segundo o imaginário, a cultura e a consciência política transmitida entre os membros e militantes do MST, remonta ao Quilombo dos Palmares que tem como figura ímpar neste processo a figura de Zumbi dos Palmares. Essas denominações são significativas, na medida em que demonstram uma consciência social e uma identidade política com o movimento palmarino do Século XVII.” (p. 152) O fato de encontrar assentamentos em 19 estados, e em estados onde a presença negra é apagada do imaginário e da memória coletiva, como Paraná e Santa Catarina (neste, no município de Fraiburgo, área de colonização alemã, há um assentamento com o nome de Dandara), nos leva refletir sobre história e consciência social, como Fernandes nos aponta. Por todo o país encontramos topônimos que revelam a presença negra, remetem às suas lutas ou a africanidades. Em municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, encontramos bairros como Cubango (Niterói), Colubandê, Mutondo e Monjolos (São Gonçalo), nomes que são também de regiões ou cidades na África – ou seja, são marcas de africanidades na toponímia. *** Enumeramos aqui apenas alguns ensaios que já iniciamos na construção de um temário onde deve incidir a inserção e revisão de conteúdos para atender à Lei 10.639. Muito ainda há para ser discutido, desvendado, proposto, testado, construído, para o pleno atendimento ao propósito de construção de uma educação para a igualdade racial, e um ensino de Geografia que não hierarquize o mundo para legitimar a hierarquização de indivíduos e grupos neste mundo é tarefa ainda longa. BIBLIOGRAFIA Albuquerque Jr., Durval Muniz. Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: As fronteiras da discórdia. São Paulo: Cortez, 2007. Arruti, José Maurício. “Propriedade ou território?”. 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São trazidos para compor o texto muitos autores de escritos e imagens, destacando-se entre eles as ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari, sobretudo a de minoridade, e as obras de Lot Amorós, com destaque para o vídeo Cartografando Gaza. Entrecruzados a eles há poetas das palavras e das imagens, pensadores dos mais diversos campos do conhecimento que tocaram as questões da política, da linguagem e do espaço geográfico. Ao final, o texto cria mais linhas de fuga que sugere certezas. Palavras-chave Palavras-chave: Linguagem, vídeo, resistência, geografia menor, Gaza Abstract Abstract: This essay is written from notes about the interface between resistance and languages in the context of contemporary geography. The idea of resistance is taken in the sense of creation of other possible ways of existing. The text is divided into three movements: resistances as subversion of the language itself; resistances in the language of the video, taken as audiovisual, digital or online creation; resistances in video-film that assemble minor geographies. Many authors’ writings and images are brought together in order to compose the text, among them, in particular, the ideas of Gilles Deleuze and Felix Guattari, especially the concept of minority, and the works of Lot Amorós, especially the video Cartographing Gaza. Intertwined, there are poets of words and images, thinkers from various fields of knowledge who have addressed the issues of politics, language and geographical space. In conclusion, the text creates more lines of flight than it suggests certainty. Key-words Key-words: Language, video, resistance, minor geography, Gaza WENCESLAO MACHADO DE OLIVEIRA JR OLHO FACULDADE DE EDUUNICAMP CAÇÃO/UNICAMP Resumen Resumen: Ensayo escrito a partir de notas sobre la conexión entre resistencia y lenguajes en el contexto de la geografía contemporánea. La idea de la resistencia es asumida como la creación de otras formas posibles de existir. El texto se divide en tres movimientos: resistencias materializadas en la subversión de la propia lengua; resistencias en el lenguaje del video, tomado como la creación audiovisual, digital y online; resistencias en video-cine que crean geografías menores. Son llamados para componer este texto muchos autores de escritos e imágenes, principalmente Gilles Deleuze y Félix Guattari, de los cuales tomo la idea de minoridad; así mismo, tomo aspectos de las obras de Lot Amorós, especialmente el video Cartografiando Gaza. Entrecruzadas con ellos, están poetas de palabras e imágenes, pensadores de diversos campos del conocimiento, que tocan temas de la política, de la lengua y del espacio geográfico. Entre tanto, el texto crea más líneas de fuga que certezas. Palabras-clave: Lenguaje, vídeo, resistencia, geografía menor, Gaza Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 161-176 Jan-Jun/2010 161 OLIVEIRA JR, W, M. VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o sobre. Manoel de Barros Há muitas maneiras de resistir. Há muitas maneiras de gestar resistências, de ser resistente. De maneira geral, pensamos que há tantas maneiras de resistir quantas forem as forças que tomamos como contrárias, seja porque elas nos impedem de realizar algo, seja porque elas nos obrigam a realizar algo. No entanto, pensar desta maneira geral, nos leva a pensar que resistir é sempre resistir a algo já existente e este “resistir a algo nos remete a uma relação bipolar de contraposição direta, termo a termo. Já passamos por esse tempo de criar movimentos de oposição direta ao Estado, para tomar o Estado, inclusive, tomar o seu lugar”. (Aspis, 2010, p.9) “Poderíamos dizer que buscamos uma ação política de resistência hoje que fosse uma ação de recriação, aquilo que poderíamos chamar de resistência afirmativa, aquela que cria” (idem, p.10) no embate mesmo entre as forças que, para além de se oporem, se capturam e se imiscuem umas nas outras. Resistir tomado como “re-existir, insistir em existir, conjurar a formação do Estado no pensamento, tornar o pensamento uma máquina de guerra”. (idem, p.11) Assumo aqui a “resistência como constante movimento de afirmar a vida que nos está sendo constantemente subtraída”. (idem, p.11) Vida tomada como aquilo que prolifera em diferenças de si própria, cada diferença reafirmado a própria vida em sua proliferação. É esta vida proliferadora que nos está sendo subtraída pelas formas prontas de pensar e viver oferecidas pelo Estado, pelos capitalistas e demais donos dos poderes dispersos atuais – televisão, escola, ciência...) como pacotes fechados de modos de subjetivar-se, direcionados modos de pensar, modelados modos de agir, enfim, empacotados modos de existir. Neste ensaio, portanto, mobilizado por conceitos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, acima traduzidos nas palavras de Renata Lima Aspis, quero apontar a resistência como criação, como potência na gestação e experimentação de outras maneiras de existir. Portanto, o foco não será nas maneiras com que lutamos, com e através das linguagens, contra algo, mas sim a favor de algo. Em outras palavras, estarei deslocado da relação que fazemos entre resistir e negar, uma vez que estarei focado na relação entre as ações de resistir e proliferar. Resistência assim pensada é toda ação que faz proliferar outras formas de viver, outras formas de pensar, para além e aquém daquelas formas que já temos vivido e pensado. Por isto, resistência aqui estará fortemente ligada à ideia de versão ou mesmo de sub-versão, estando estas duas palavras associadas diretamente à política como ficção e à poética como verso versado antes submerso na língua. 1. PRIMEIRO MOVIMENTO: RESISTÊNCIAS NO INTERIOR MESMO DAS LINGUA- GENS Inicio esta parte do texto trazendo a negação da ideia de representação como uma maneira de resistir no sentido que destaquei acima. Digo isto porque ao tomarmos as imagens ou outras grafias quaisquer como sendo representações de algo que não elas mesmas, estamos evitando lidar com, no mínimo, duas questões que nos fariam mobilizar o pensamento, fazê-lo proliferar vida. Busco aqui dizer que 1) tanto as linguagens nas quais as obras são elaboradas/grafadas 2) quanto o movimento do desejo nas pessoas que elaboram estas obras agem no deslocamento da ideia/forma inicial para outro lugar, para uma obra que é antes uma apresentação de algo e alguém naquela forma final com que a obra se apresenta ao mundo – com que a obra ganhou existência pública –, do que representação da ideia inicial ou da realidade captada na imagem. A realidade da obra é sobretudo a realidade da imagem como produto humano e de suas linguagens, não a do conteúdo impresso ou descrito na obra (mapa, filme, vídeo, texto escrito...). 162 Terra Livre - n. 34 (1): 161-176, 2010 Além disto, toda obra elaborada numa dada linguagem é também a fala daquela linguagem (uma poesia é a fala da literatura, da língua escrita; um mapa é a fala da linguagem cartográfica; um filme é a fala da linguagem audiovisual), uma vez que as linguagens têm histórias próprias que lhes dão certa autonomia em relação aos seus “usuários”, os quais são submetidos a elas – aos seus códigos, aos seus lugares culturais de entendimento e valorização. Por isto é que podemos dizer, com Arthur Omar (1997), que ao escolher uma linguagem para dar existência a uma obra qualquer – seja um artigo científico, seja um mapa, seja um filme ou uma história em quadrinhos –, estamos escolhendo aquela linguagem que tem maior potência de agir na parte da cultura e da sociedade onde visamos atuar, onde visamos que nossa obra seja acolhida e referendada. Mas para realizar esta obra podemos nos submeter aos cânones desta linguagem ou podemos alterá-los na medida mesma que forçarmos esta linguagem a dizer aquilo que ela se nega a dizer. Pier Paolo Pasolini (1982) chamava cinema de poesia todo filme, todo exercício cinematográfico que buscava ir além dos códigos já estabelecidos pela linguagem cinematográfica. E aqui temos um primeiro tipo de resistência no interior da linguagem, que é a resistência de não se submeter àquilo que Roland Barthes (2007) diz ser o maior risco em relação às línguas: o que elas nos obrigam a dizer. Notar que não é uma resistência ao que a língua nos impede de dizer, mas àquilo que ela nos obriga a dizer para podermos nos utilizar dela para dar existência a alguma obra. Como exemplo desta resistência poderia citar aqui os muitos filmes de Pasolini, mas quero trazer um exemplo da língua escrita e para isto me valho de um escrito do Livro do desassossego de Fernando Pessoa, que, ao final de um poema, no qual conversa com a língua portuguesa em sua obrigatoriedade de concordância de gênero masculino e feminino, assim escreve: “eu direi, «aquela rapaz», violando a mais elementar das regras da gramática, que manda que haja concordância de género, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei falado em absoluto, fotograficamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei falado: terei dito.” (2006, p.19) Ou seja, justo no momento em que ele não se submeteu à língua ele não mais falou somente (pois quando falamos é também a língua que fala em nossas palavras) ele, neste momento, disse, assumiu o controle da língua e a fez dizer o que ele desejava. E também neste exato momento ele fez com que a língua proliferasse a si mesma, fazendo proliferar pensamentos outros sobre o existir daquela rapaz. Resistir ao falar da língua em nós é justamente alcançar subvertê-la, fazê-la versar versões diferentes de pensar, de viver, enfim fazê-la poesia, como diria Bachelard (1972), em relação à língua escrita, ou Pasolini (1982), em relação ao cinema. É importante notar que a resistência aqui não está no conteúdo do poema, mas sim no próprio poema, ou seja, nos elementos da língua que se apresentam no e como poema. Isto distingue esta forma de resistência apontada por Pessoa da que realiza os poemas de Brecht, onde a resistência se dá no conteúdo revelado no poema dentro dos parâmetros da língua. A resistência implicada na poesia de Brecht está fortemente ligada em fazer a língua falar de temas antes nunca ditos em forma de poema. O que também é outra forma de proliferação, outra forma de resistir na poesia, no seio dela mesma. O que chamei de resistência no poema de Fernando Pessoa tem forte proximidade com aquilo que Deleuze e Guattari (2003) denominaram como literatura menor em relação à obra de Franz Kafka. Uma das características salientadas por eles nos escritos do autor theco é sua utilização da língua alemã fora dos padrões de uso comum desta língua, realizando assim uma ação revolucionária no interior mesmo da língua alemã ao estabelecer um embate com ela própria, fazendo estirar seus limites, fazendo delirar os sentidos de suas palavras e de sua gramática, levando-a a proliferar-se a si mesma. Outro tipo de resistência, que pode ser entendida como uma continuidade da apresentada acima, seria aquela que se nega a tomar uma dada linguagem como sendo aquela que necessariamente melhor diz de um tipo de conhecimento. Este me parece ser o caso da geografia e sua histórica aproximação com os mapas e demais obras da linguagem cartográfica, tomando-a como a melhor linguagem para expor o espaço geográfico, para dar 163 OLIVEIRA JR, W, M. VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... visibilidade e inteligibilidade a ele . No meu entender assumir a premissa de que o mapa é a melhor maneira de apresentar o espaço geográfico é uma redução das nossas próprias possibilidades de entender o que vem a ser o espaço geográfico no mundo contemporâneo. Falo aqui apenas do mapa tomado como obra produzida dentro das regras – da gramática – da linguagem cartográfica clássica, que seria mais ou menos aquilo que aprendemos na escola e em muitos cursos de graduação em geografia em termos de unificação do olhar a partir de um único foco de projeção, uma única legenda, uma única escala, uma única forma de localização, uma única referência – as fronteiras estabelecidas pela forma Estado sobre o planeta. Não vou me deter nisto aqui2. Para este texto o importante é salientar que assumir a perspectiva canonizada entre uma grande parte da comunidade dos geógrafos (e que se espalha para uma grande parte da sociedade por meio do ensino de geografia escolarizado), de que o mapa nos dá a visão do que é o espaço, sendo ele, o mapa, a representação fidedigna do espaço geográfico, praticamente impede que o mapa seja tido como uma versão deste espaço, como uma obra da linguagem cartográfica e de uma ou mais pessoais que operaram com esta linguagem para dar a existência a uma obra que visa dizer do espaço. Quando e se o mapa passa a ser tomado como algo mais amplo que isto, ou seja, para além das fronteiras da linguagem clássica da cartografia ocidental, abrindo-se a outras perspectivas de pensar e grafar o espaço – tal como fizeram inúmeros cartógrafos e geógrafos que seguiram o caminho de Harley (1991) – temos implementada uma resistência também no interior desta linguagem e das tecnologias a ela associadas, uma vez que todas as obras que grafam o pensamento espacial podem ser entendidas como sendo um mapa, e este, por sua vez, pode ser entendido como uma versão do espaço/mundo e não como o próprio espaço/mundo manifestado em forma cartográfica. Creio que um dos melhores exemplos disto é o que temos chamado de cartografia social, desenvolvida por muitos grupos sociais (acadêmicos ou não) em vários países da América Latina e no Brasil, capitaneados pelo grupo sediado na Universidade Federal do Amazonas. Mais radical ainda em relação ao deslocamento do mapa (e das linguagens a ele vinculadas) de seu lugar habitual me parece ser o que vem fazendo diversos grupos de pesquisadores e ativistas sociais que expandiram a noção de mapa a partir do conceito de rizoma, cunhado e desenvolvido por Félix Guattari e Gilles Deleuze. Aproximado do conceito de rizoma, o mapa tem proliferado em muitos escritos e se tornado mais potente como forma de criar outras maneiras de existir, outras maneiras de pensar. Há muitos coletivos que atualmente vêm realizando trabalhos, acadêmicos ou não, nesta perspectiva, inclusive no Brasil. Em especial reconheço o trabalho e as obras cartográficas desenvolvidas pelo grupo em torno do site www.hackictectura.net, no qual estão envolvidos desde acadêmicos como José Perez de Lama quanto uma multiplicidade de artistas e ativistas sociais que visam produzir mapas que alterem nossa relação com as fronteiras atualmente constituídas, notadamente a fronteira entre ricos e pobres, em especial a que se manifesta mais fortemente no litoral mediterrâneo da costa espanhola. Estas fronteiras, a que se dizer, são entendidas não somente em suas marcas territoriais, mas também em suas marcas simbólicas3. Trago a vocês, como mote para a próxima parte deste texto e como exemplo dos trabalhos desenvolvidos por estes coletivos que se organizam em torno de hackictectura.net, o vídeo Cartografando Gaza (disponível em: http://vimeo.com/7196063). Ele é obra de um artista, Lot Amorós, com fortes ligações com este grupo. A partir deste vídeo quero chegar 1 1 Uma das intenções deste ensaio é pautar a linguagem videográfica com potente para nos apresentar versões do espaço geográfico contemporâneo. Explorarei isto nos itens 2 e 3. 2 Sobre este assunto ver artigo de minha autoria Apontamentos sobre a educação visual dos mapas: a (des)natureza da idéia de representação. 3 Sobre as atividades desenvolvidas por hackitectura.net ver artigo de José Perez de Lama La avispa y la orquídea hacen mapa en el seno de un rizoma Cartografía y máquinas, releyendo a Deleuze y Guattari. 164 Terra Livre - n. 34 (1): 161-176, 2010 na proposição central deste texto que é a potência da linguagem videográfica nos dias atuais, notadamente quando aglutina numa única obra 1. as estruturas narrativas audiovisuais, 2. os amálgamas de linguagens diversas advindos da digitalidade e 3. a veiculação massiva proveniente da disponibilização online na internet. Além disto, neste vídeo penso ficar mais claro a impossibilidade de se falar em linguagem sem falar em tecnologia, uma vez que elas se imbricam radicalmente nos tempos contemporâneos. 2. SEGUNDO MOVIMENTO: RESISTÊNCIA A PARTIR DA LINGUAGEM DO VÍDEO No contexto de escrita deste texto, o de lidar com as formas de resistência, penso que os escritos sobre o vídeo Cartografando Gaza deveriam ser como um conto ou uma crônica ou mesmo uma poesia, de modo que o dizer acerca do vídeo chegasse aos leitores como um personagem conhecendo a Faixa de Gaza através do que o vídeo apresenta desta região. A resistência estaria em fazer do texto científico-acadêmico literatura, resistindo assim aos cânones postos entre nós, criando, por assim dizer, proliferações de pensamentos acerca de Gaza que um texto mais ajustado ao formato científico-acadêmico não teria potencialidade de realizar em cada um de nós, deste público ao qual ele se destina. No entanto, desisti da empreitada por absoluta falta de tempo para realizá-la de modo que também as potências dos três eixos da linguagem videográfica que quero destacar aqui – audiovisual, digital e online – pudessem ser tratadas e percebidas com tranquilidade. Deixo ao leitor a proposta de que realize este experiência no contato mesmo com as imagens e sons do vídeo Cartografando Gaza. Antes de me dedicar ao vídeo já referido, quero salientar que no livro As extremidades do vídeo, de Christine Mello (2008), há indicações das imensas potencialidades da linguagem videográfica – o vídeo como devir do cinema e da televisão – tanto de produção de imagens, sons e sensações como de inserção em lugares diversos de escalas variadas. Ali a autora nos leva a conhecer as múltiplas capturas que o contexto de produção artística brasileira das últimas décadas fez do vídeo e também as múltiplas contaminações que a linguagem videográfica e suas tecnologias tiveram deste contexto artístico, muitas vezes profundamente sintonizado com o contexto político de lutas sociais e territoriais. Para ficar em apenas uma das características destacadas por Christine Mello, trago para este ensaio uma das potencialidades para a expansão/aparição do vídeo em pontos extremos da sociedade: sua, digamos, discrição em relação a outros meios de produção audiovisual, devido à leveza e tamanho reduzido dos equipamentos necessários tanto para a captura das imagens quanto para a sua veiculação/disponibilização em telas ou outros suportes. Além disto, os softwares de edição não linear são de uso cada vez mais corriqueiro e cotidiano nos computadores pessoais. Não que esta familiaridade tenha levado necessariamente à criação de obras em vídeo que possam alçar à condição de arte, mas certamente esta familiaridade nos levou a uma alteração do lugar cultural que tanto os equipamentos de produção videográfica quanto as imagens e sons por eles criados passaram a ter nos grupos sociais onde eles e elas fazem parte do cotidiano das relações sociais, a ponto de não serem mais notados ou destacados do fluxo rotineiro da vida. Justamente este apagamento, esta sombra que se projeta sobre os equipamentos e imagens potencialmente produtoras de obras videográficas é um dos seus principais adensadores de poder, principalmente quando associado ao sentido de realismo que estas obras ganham por serem pensadas como tendo sido captadas sem intervenção alguma no deslizamento rotineiro do que está sendo apresentado em suas imagens e sons. O real injetado de ficção. O real como política da ficção (Pellejero, 2008). Realidades ficcionadas (Oliveira Jr, 2000). No entanto, do ponto de vista da resistência criativa, é exatamente quando um vídeo se desloca deste lugar de realismo e naturalidade audiovisual que sua potência aumenta, uma vez que é aí que seu criador pode lançar mão deste sentido cultural já dado sem se submeter a ele, fazendo-o oscilar ao se utilizar do realismo projetado pela verossimilhança e confiabilidade do instrumento de captura das imagens e sons para configurar uma versão 165 OLIVEIRA JR, W, M. VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... do mundo que se utiliza das estruturas audiovisuais provenientes da ficção cinematográfica e televisiva como captura e identificação do espectador. Vamos nos aproximar de Gaza pelas mãos e imagens de Lot Amorós, ao mesmo tempo que destacarei cada um dos três eixos já citados que compõem, juntos, a potência do vídeo como resistência no mundo contemporâneo. 2.1. O vídeo como obra audiovisual O vídeo Cartografando Gaza tem sua narrativa organizada em torno de uma ideia central: colapso. Assistimos, portanto, ao colapso sendo narrado. O enredo é dado pela palavra collapse que circula sobre o globo/círculo que centraliza a tela, e é este colapso que é narrado, a partir de Gaza, em linguagem audiovisual, numa obra penetrada por outras obras em diversas linguagens. Alinhavado pela estrutura narrativa audiovisual, que nos captura com inúmeros elementos de identificação, os apenas 10 minutos deste vídeo adensam uma enorme quantidade de informações e emoções que nos afetam com intensidade, tendo grande potência para nos fazer tomar partido no conflito entre Israel e palestinos, que é o pano de fundo político e social sobre o qual deslizam as imagens e sons do vídeo. Tomar partido aqui é entendido como mobilizar o pensamento (que é também sentimento) na direção de algo, que pode ser tanto a injustiça abstrata à qual estão submetidas as populações cercadas territorialmente, quanto a dor concreta à que está submetida a garotinha que nos fala em tom irritado e triste de suas limitações na forma de existir pelo simples fato de morar (ter nascido) em Gaza. A identificação, portanto, pode ser tributária de algo que remete para a macropolítica das relações entre Estados ou povos ou algo que remete para a micropolítica dos processos de subjetivação das pessoas ou ainda, como deseja o vídeo, pode ser tributária de ambas as identificações, o que potencializa muito a intensidade de engajamento de cada um que for capturado pela narrativa do colapso em Gaza. O vídeo, em seu devir audiovisual, tem maior potência porque nos chega como narrativa plena de afeto, não nos chega nunca como um mero relato objetivo, ainda que conserve sob suas imagens e sons algo da sensação de objetividade e neutralidade trazida para diante de nós pela verossimilhança com as experiências visíveis e audíveis cotidianas. Somos afetados pelo desfile de exemplos visuais humanos (Pasolini, 1982) que ali se apresentam conjugados às sonoridades – músicas, silêncios, ruídos etc – que envolvem e intensificam estes exemplos em sentidos amalgamados em sequências normalmente curtas. Estas, por sua vez, adensam em torno de poucas imagens e sons todo um contexto social, todo um pensamento. Além disto, o vídeo se apóia naquilo que podemos chamar de universalidade da leitura audiovisual, muito marcada no cinema mudo e bem exemplificada na sequência que finaliza Cartografando Gaza e centraliza o trecho dedicado ao colapso social. Nesta parte uma menina fala sem parar, ao mesmo tempo que vai mostrando objetos e cômodos bastante degradados de sua casa. Não precisamos entender as palavras ditas por ela em árabe, pois é o tom com que elas são ditas aliado aos gestos e expressões faciais dela que nos afetam de maneira mais intensa, que nos encaminham os sentidos mais fortes de identificação com esta criança indignada. A escolha de uma criança como pessoa-personagem da última aparição e da última fala do vídeo não é um acaso: os sofrimentos impingidos a crianças têm maior potência para gerar indignação nos adultos. O autor-artista-militante do vídeo sabia disto e também certamente sabe que a última imagem de uma obra audiovisual tem força adicional, pois o sentido que nela pulsa – que dela brota em nós – se dobra sobre todas as demais imagens e sons anteriores (Almeida, 1994). É neste ponto que as imagens audiovisuais, como linguagem compreensível por grande parte das pessoas, torna-se mais potente que o inglês para aglutinar desejos, engajamentos e ações dispersas pelo planeta. Entendemos muito do que nos é apresentado num vídeo ou filme sem que tenhamos que entender o que está sendo dito ou escrito nas legendas. O tom de voz da menina, aglutinado às suas expressões e ao cenário apresentado pelas imagens 166 Terra Livre - n. 34 (1): 161-176, 2010 (somado ao contexto de colapso em que fomos colocados pelas imagens anteriores do vídeo), é suficiente para que saibamos ela estar reclamando de uma condição de vida ruim. Não é preciso nem saber árabe para entender as palavras ouvidas e nem espanhol ou inglês para ler a tradução disponibilizada nas legendas. O entendimento, aquilo que nos leva a pensarsentir algo em relação ao que está nos sendo apresentado por esta obra, se dá num amálgama de pensamento e sensações que nos leva a saber se estamos do lado dela ou não, se nos indignamos com a situação de vida que ela nos expõe ou se isto nos é indiferente ou mesmo banal. Quanto mais nos indignarmos, tanto mais agiremos (no pensamento, inclusive) para alterar a situação de vida desta criança, ou seja, tanto mais resistiremos à naturalização da vida como tem sido imposta por Israel aos palestinos de Gaza. Ainda que as imagens visuais sejam mais notadas e sejam tomadas como o eixo da estrutura audiovisual, os sons e palavras – imagens sonoras – são parte indissociável dos sentidos atribuídos às imagens visuais e às obras tomadas em seu conjunto. O alinhavo das imagens (e mesmo seu entendimento) muitas vezes se dá na medida mesma em que se inserem sons (músicas, barulhos, ruídos diversos, silêncios, palavras explicativas) que vão configurando os sentidos e significados das imagens visuais (Oliveira Jr, 2000). O vídeo Cartografando Gaza inicia-se com aquele tipo de chiado que nos remete ao som de uma transmissão de rádio ou de tevê sendo sintonizada, e ouvimos ao longo dele, em meio à musicalidade que cruza muitas de suas sequências, alguém a dizer “..., from Gaza (fulano, de Gaza)”. Com isto o vídeo ganha um de seus sentidos mais fortes, o de alguém se comunicando, com dificuldade, a partir de Gaza. Este alinhavo de sons e imagens se dá sem que nos apercebamos porque a “naturalidade” do produto audiovisual é ser sonoro. Assim ele se configurou como obra cultural e assim toda obra audiovisual se nos aparece. Quando são por demais silenciosas, nos parecem estranhas, tediosas, improváveis, falaciosas. Não que o sejam mais que as outras, mas assim nos parecem, e não porque nos apresentam o real de maneira improvável e falaciosa, mas sim porque a forma como o está apresentando está fora do parâmetro que temos para assisti-la. Por fim, a potência das narrativas audiovisuais está também no fato de podermos tomar cada imagem ao mesmo tempo como única/singular – daquela menina, daquele lugar – e generalizante/conceitual – de qualquer menina, de qualquer lugar no qual possamos encontrar características semelhantes as que estão configurando aquela narrativa. Isto faz com que as diversas escalas em que a vida se faz existente convirjam e adensem-se nas obras audiovisuais, configurando maneiras de afetar os espectadores com maior intensidade. Assistindo a vídeos, filmes, novelas somos, a um só tempo, íntimos e espectadores externos aos personagens e seus cenários – lugares onde vivem, relações que estabelecem. A potência audiovisual atualmente se torna ainda maior quando temos a possibilidade de criar com muito mais facilidade uma obra híbrida em formato digital. O exemplo da obra Cartografando Gaza nos faz notar este hibridismo em relação à linguagem cartográfica – cartografia tomada como criação de rizomas. Isto traz para esta obra a potência de resistência de fazer proliferar a ideia de mapa na direção de outras formas de visualidade, para outras formas de organização do pensamento em formas visuais, uma vez que este vídeo nos dá o mapa do colapso a partir do exemplo de Gaza. 2.2. O vídeo como obra digital Notemos o que escreveu Lot Amorós sobre sua obra: “Este trabajo recoge un catálogo de mapas, software y vídeos coordinados de forma narrativa usando tecnologías avanzadas de descripción del espacio (GIS, Software, Modelado 3D) mostrando aspectos que no serían evidentes en una primera lectura. Pueden ser extrapolados a territorios y contextos de paz sujetos a tensiones y transformaciones en que la arquitectura y el urbanismo tengan una importancia relevante.” (disponível em: http:// vimeo.com/7196063) Apesar de Amorós apontar para a coordenação narrativa – ou seja, baseada numa estrutura audiovisual de narrar com imagens e sons editados em sequência – é em grande 167 OLIVEIRA JR, W, M. VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... medida a digitalidade que permite o amálgama entre obras em várias linguagens e tecnologias. Para melhor exemplificar isto, notemos que em Cartografando Gaza há, no trecho dedicado ao colapso de auto-gestão, uma sequência de imagens em vídeo que nos mostra homens perfurando paredes, percorrendo um túnel estreito, entrando e saindo de buracos no chão. Destaco esta parte do vídeo porque penso estar nela o momento onde se adensa com mais nitidez como a invenção de maneiras de existir inusitadas e intensas são configuradas na relação travada com o espaço pelos habitantes de Gaza. A produção de intervenções no espaço (figurada no vídeo pela construção do túnel) e a imaginação/execução de outras configurações territoriais são tomadas por mim como marcas da produção de vida, sendo estas ações espaciais a manifestação local mais forte da vida que resiste ao criar maneiras de se proliferar, maneiras de permanecer no mundo não mais igual ao que já era, mas diferente, diversa, delirante... num túnel que nos remete ao que Alice caiu para chegar ao País das Maravilhas. No vídeo, a imagem que antecede à sequência citada nos mostra uma fotografia aérea na qual é decalcada uma área branca que nos apresenta um lugar chamado Rafah, que por sua vez é dividido por uma linha amarela, a indicar uma fronteira. De um lado dela está (escrito) o Egito, do outro a Palestina. Só então, várias linhas cruzam esta fronteira a indicar percursos ou caminhos. Em seguida, já em formato de vídeo, a imagem nos mostra uma construção e uma torre. Após esta imagem é que veremos a sequência do túnel. Nela, sobre as imagens capturadas por uma câmera de vídeo, veremos uma espécie de gráfico em perfil de um túnel que passa sob a fronteira das duas Rafah, abaixo da superfície o suficiente para que os instrumentos de detecção do exército de Israel não registrem os movimentos daqueles que por ali passam. Sob o gráfico, vemos imagens de pessoas a andar por um túnel. A junção dos dois tipos de imagens é feita no espectador, num amálgama complexo alinhavado pelas palavras lidas e ouvidas, mas também pela associação das duas formas visuais que nos mostram uma mesma forma espacial em duas linguagens distintas: vídeo e gráfica. A sequência se finaliza quando um homem é puxado para dentro de uma casa egípcia. Em seguida, ao som da mesma música, voltamos ao globo/círculo giratório que irá nos levar ao colapso econômico. A sobreposição e a edição sequencial de imagens de diferentes linguagens realiza aquilo que se tem chamado de convergência digital. Esta convergência pode ser notada com muita intensidade nos trechos que se seguem ao colapso econômico, dedicados aos colapsos de circulação, temporal e bélico. Em todos eles há fortes hibridizações das linguagens e tecnologias, com sobreposições e paralelismos de imagens em várias linguagens. Em grande medida, esta hibridização, sobreposição e paralelismo entre as múltiplas linguagens e imagens foram possíveis devido à digitalidade do suporte em que estas imagens e sequências foram produzidas ou editadas. É na superfície da tela digital que a convergência se dá. Henrique Parra (2009) nos alerta para a profunda alteração no regime de visibilidade implicada na digitalidade da imagem. Por exemplo, quando temos a criação de imagens de síntese estas se colocam fora do âmbito da representação e indiciabilidade, coisas estas típicas do regime anterior, apoiado em imagens analógicas, provenientes principalmente da fotografia e do cinema-televisão. No regime indicial-analógico de visibilidade, no qual vivemos desde o século XIX até muito recentemente, a fotografia e o cinema – depois a televisão e o vídeo – se prestaram a produzir “estudos, documentos, registros com força de ‘verdade’” (Parra, 2009, p. 129) que, devido ao seu funcionamento ‘automático’, forneciam “o elemento indicial para a prova científica” (idem, ibidem). O digital, com a co-presença mais radical e indistinta entre as imagens analógicas e as de síntese, provoca uma ruptura na relação de contiguidade com o real existente nas imagens provenientes das tecnologias e linguagens pré-digitalidade (indiciais), configurando nos tempos atuais um conflito interpretativo intenso, uma vez que as interpretações das obras digitais se dão na tensão mesma entre os dois regimes de visibilidade que se entrecruzam nelas, pois, por uma lado, na maioria das vezes ainda “lidamos com uma cultura visual herdeira da tradição indicial” (idem, p. 271) e por outro 168 Terra Livre - n. 34 (1): 161-176, 2010 “paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a imagem em suporte digital permite colocar por terra o fundamento indicial da imagem técnica [fotografia, cinema], ela produz efeitos de ‘realidade’ em outras bases, a saber: a captura do movimento, o cruzamento de informações dispersas, a produção de bases de dados e sua gestão para o estabelecimento de padrões. (idem, p. 272) É por isto talvez que podemos dizer que o digital apaga as fronteiras entre as linguagens e obras em vídeo e cinema. O primeiro seria mais vinculado ao novo regime digital e o segundo ao antigo regime indicial-analógico. Como exemplo deste apagamento de fronteiras, Inês Gil (2006) nos aponta a presença e a potência do digital na superfície do cinema contemporâneo. Apenas para se ter uma ideia breve do que esta autora nos sugere, pois não há intenção aqui de adentrar nas complexidades da linguagem cinematográfica (audiovisual) que ela nos traz, cito passagens que apontam potencialidades e limites do digital: “A técnica digital permitiu filmar [A arca russa] em continuidade durante uma hora e meia e sobretudo em SteadyCam, o que teria sido impossível para um operador de câmara analógica tradicional. A fluidez do movimento ao longo do filme mergulha o espectador num universo quase onírico. É talvez aqui que se encontra uma das verdadeiras transfigurações do cinema.” (p. 3) “O cinema digital, tem uma vertente espacial de superfície (ruído, pixelização) e não de profundidade porque a sua deterioração situa-se na própria matéria digital (a substituição de píxeis por outros píxeis). Existe um mecanismo interno à superfície da imagem digital que, por natureza, não lhe permite atingir a profundidade do tempo da imagem analógica”. (p. 6) “A verdadeira transfiguração cinematográfica da realidade encontra-se muito além do processo digital que antecipa a percepção do real em vez de o apresentar.” (p. 8) De qualquer modo, mesmo sabendo das limitações da digitalidade para uma radical mudança na linguagem cinematográfica, há uma forte aposta no digital como agende transfigurador de outras dimensões do mundo contemporâneo, como a do design. Inspirada em Sílvio Gallo (2008), quando distingue o grande estrategista da educação maior do pequeno militante da educação menor, Fernanda Pestana agrupa os dois agentes apontados por Gallo ao escrever que, na criação de obras pelo design, “o recurso digital pode ser um grande estrategista, o pequeno ‘faz tudo’ do dia-a-dia, cavando seus buracos, minando espaços, oferecendo resistências’ pois ativa um lado criativo, um lado artístico, que propicia liberdade para uma expressão que não se restringe às convenções, às oposições entre real-ficção, verdadeiro-falso”. (Pestana, 2010, p.3) As conexões com a tese de Henrique Parra citada acima são muitas, sobretudo quando aponta as mudanças e permanências ocorrendo numa mesma obra, impedindo assim que as regulações sociais e de poder de definição do que deve ser considerado documento, verdade ou realidade se interponham sobre ela da mesma forma que antes, quando ainda estávamos sob o regime analógico de visibilidade. Por isto é que o uso do digital na criação artística ou mercadológica do design pode vir a ser mais um lugar onde as resistências podem se configurar. Retomando para dar continuidade, no plano das linguagens podemos supor que o audiovisual tem um forte poder de resistência atual por alcançar com grande potência de identificação (afetação) o maior número de pessoas dispersas pelo planeta. Isto é importante quando as decisões são tomadas pela maioria, dentro do espírito democrático; mas é ainda mais importante quando se descortina que as mais fortes resistências à política imposta pela visão de mundo globalizado e globalizante (restritiva de qualquer singularidade) têm se dado nos coletivos que se auto-organizam em função de engajamentos, muitas vezes momentâneos, de cada parte – grupos e pessoas – deste coletivo. Ora, se as obras audiovisuais – potencializadas pela convergência digital em suas obras – têm grande potência de afetar as pessoas, de levá-las a certos engajamentos, é certo que a criação, a organização e a continuidade das ações políticas vinculadas a estes engajamentos são cada vez mais possíveis devido às redes sociais criadas e/ou potencializadas no ciberespaço, onde estas obras audiovisuais são disponibilizadas e divulgadas em formato digital. Elas podem visar a contaminação do pensamento de mais e mais gente, se estive- 169 OLIVEIRA JR, W, M. VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... rem vinculadas a uma ação que busca afetar a maioria da população; ou podem também buscar contaminar o pensamento de somente um certo tipo de pessoas, se sua ação for voltada a um coletivo pequeno, ainda que poderoso em sua multiplicidade e agilidade de ações possíveis. 2.3. O vídeo como obra online Na mesma tese citada acima, Henrique Parra (2009) nos alerta que “a imagem digital, no contexto de vigilância [das sociedades de controle], dirige-se prioritariamente para o estudo do comportamento da multidão, objetivando estabelecer padrões no tempo presente, mas apontando para a possibilidade de ações no ‘futuro’” (p. 134) Isto se dá, em grande medida, por conta da simultaneidade do registro e transmissão das imagens captadas pelas câmeras digitais distribuídas pelos mais diversos lugares, desde estradas e esquinas, até lojas e estações de metrô, bem como entradas de condomínios ou mesmo celulares conectados a redes de transmissão em tempo real, ao vivo, online. Seguindo com este mesmo autor, dizemos que “a imagem fotográfica ou videográfica digital [...] quando combinadas às redes de comunicação em tempo real vira um importante recurso para a produção de informações, contribuindo para o estudo dos fluxos e para a construção de perfis” (idem, p. 138) uma vez que “ela permite associar um determinado padrão de comportamento a uma manifestação visual” (idem, ibidem), participando ativamente daquilo que é central na chamada sociedade do controle (aquela que vem substituindo passo a passo a chamada sociedade disciplinar), a saber: o estabelecimento de padrões de comportamento facilmente identificáveis, os quais permitem o controle mais efetivo da multidão. Aliás, mais que o controle das ações da multidão no presente, o controle das possíveis ações desta multidão (e de cada um de seus indivíduos) em qualquer futuro. Enfim, um grande programa de direcionamento e, porque não dizer, confinamento das pessoas em certos modos de agir, pensar, viver. Ainda que a grande parte das imagens em vídeo que temos dispersas pelas organizações sociais contemporâneas, notadamente as ligadas ao Estado e às demais formas de poder instituído, tenham o sentido de controle salientado nos parágrafos acima, há também diversas experiências de utilização de obras em vídeo ou de imagens videográficas captadas e/ou transmitidas online que resistem a este controle e buscam proliferar pensamentos outros acerca do mundo. O site Fé en el caos (http://mcm.feenelcaos.org/), redigido e alimentado por Lot Amorós, pode nos servir de exemplo para esta afirmação. Ele abre com a expressão em inglês, Massive Comprehension Machine, que é seguida logo abaixo da frase em espanhol, “una interfaz audiovisual para cartografiar los medios de comunicación del conflicto palestino-israelí”. Esta “máquina de compreensão massiva” é uma estrutura online que se apresenta como “un dispositivo audiovisual de navegación simultánea en dos redes semánticas generadas en tiempo real que se enfrentan a un mismo concepto: el conflicto palestino-israelí, pero abordado desde dos visiones opuestas: los medios de comunicación que operan a un lado y otro de la frontera”. E em seguida se fazem perguntas, “¿Pueden las redes semánticas cartografiar el pensamiento? ¿Pueden revelar estructuras que reflejen la forma de ver el mundo?”, ao mesmo tempo que afirmam que este dispositivo-site de participação ativa “permite la investigación entre las subjetividades e imaginarios de uno y otro bando para, también desde la subjetividad del visitante, enfrentarse a la complejidad de uno de los mayores conflictos heredados del siglo XX”. Mais abaixo, no ítem “¿Por qué cartografiar los medios?”, lemos: “Al mismo tiempo que se lleva a cabo la guerra por los recursos, como el territorio o el agua, aparece una nueva batalla mucho más compleja y de difícil representación: la guerra del pensamiento. Al cartografiar los medios, cartografiamos el conocimiento de miles de personas que parten de esa información para construir su modelo del mundo, de manera indirecta estamos cartografiando el pensamiento humano. El escenario de batalla de esta nueva guerra se lleva a cabo en un escenario muy concreto: el cerebro humano de cada individuo que se posiciona frente al conflicto.” 170 Terra Livre - n. 34 (1): 161-176, 2010 Ao final da página de abertura do referido site está disponibilizado o vídeo Cartografando Gaza, em definição menor que aquela encontrada no link indicado anteriormente. O que lemos nas palavras e perguntas de Amorós é a aposta na interface virtual da internet para agir politicamente no pensamento, para capturar os pensamentos acerca do conflito – o conflito de pensamentos – em seu próprio movimento de configurar-se no contato com as mídias diversas, o próprio site sendo uma delas, inclusive. Tempo real e simultaneidade são as armas desta ação política de descortinar não só o que se pensa dos dois lados da fronteira, mas também de que maneira os meios de comunicação de massa atuam nestas maneiras de pensar. E mais, ao estar online, este vídeo tem potencialmente uma escala mundial de sua ação de engajamento e captura, uma vez que, como foi apontado anteriormente, a linguagem audiovisual não necessita de compreensão linguística completa para ter seu entendimento configurado no espectador. Finalizo esta parte destacando que cada obra veiculada em meios massivos de informação agrupa em torno de si um potencial de convencimento para a versão de mundo na qual ela se engaja, uma vez que ela participa da educação visual da memória (Almeida, 1999; Oliveira Jr, 2009, 2010) a que estamos submetidos pela cada vez mais intensa convivência com as imagens em nossas sociedades contemporâneas. 3. A CRIAÇÃO DE VÍDEO-GEOGRAFIAS MENORES COMO RESISTÊNCIA Uma das grandes potencialidades de um vídeo acerca de um lugar específico, como este da Faixa de Gaza, é a de fazer notar a todos as singularidades que compõem o espaço daquele lugar. Seguindo Doreen Massey (2008) em sua perspectiva de politizar o pensamento sobre o espaço, vídeos como este fazem notar as diferentes trajetórias que configuram cada lugar, além de apresentá-las como trajetórias em aberto, em constante devir, vinculadas e desvinculadas a um só tempo do contexto global atual. Em outras palavras, vídeos como este têm alta potencialidade de resistir à visão acerca do espaço como superfície sobre a qual se dispõem os objetos, fenômenos e processos geográficos, visão esta muito utilizada para configurar a perspectiva de que vivemos, neste período de globalização, uma só e única história de desenvolvimento rumo a um destino comum. Gaza aparece neste vídeo como um espaço/lugar singular, cujas singularidades o tornam vítima do autoritarismo tributário do medo israelense, muito apoiado na difusão massiva feita pela grande mídia americana da visão redutora da associação entre ativismo político árabe e terrorismo. Mas estas mesmas singularidades tornam Gaza um espaço/lugar de resistências várias ao modelo de globalização e paz que busca se colocar como único possível a todos os lugares e sociedades. Escavando túneis, fazendo trocas alternativas dos meios de sobrevivência, lidando com o caos como potencialmente proliferador de formas de existir singulares, os palestinos apresentados no vídeo nos dão exemplos de outras formas de vida, as quais nos dão a ver facetas da vida que eles levam por lá. Mas também podem nos trazer pensamentos acerca do que vem a ser a vida humana em qualquer parte do planeta, a nossa própria vida, a vida na vizinhança, a vida no trabalho. Também podem nos trazer pensamentos acerca do que vem a ser um espaço/lugar colapsado pela opressão de um vizinho mais forte e com medo. Ao fazer proliferar em nós estes e outros pensamentos, já citados ao longo deste ensaio, acerca do espaço geográfico e da vida que nele prolifera, esse vídeo nos dá um exemplo do que tenho chamado de geografia menor, inspirado nos escritos de Gilles Deleuze e Félix Guattari (2003) e Ana Godoy (2008) acerca da literatura menor e da ecologia menor, respectivamente. Cartografando Gaza toma os pensamentos e imagens acerca de um lugar e de um conflito eminentemente territorial e os coloca em movimento, fazendo-os proliferar em direções múltiplas, em encontros inusitados com os variados modos com que a vida se faz no espaço, com que a vida ganha existência ao criar territórios onde ela, vida, continue a proliferar em imaginações e ações espaciais. Este vídeo se estabelece como uma geografia menor também porque é uma obra de arte e política que atua no pensamento geográfico sem ter sido criado na comunidade de 171 OLIVEIRA JR, W, M. VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... geógrafos e, por isto, se colocar como marca do uso que uma minoria faz de um conhecimento maior, neste caso aquele tributário da ciência geográfica. É menor, além disto, porque se utiliza de uma linguagem – audiovisual – que não se encontra certificada como uma daquelas com as quais se produz e se diz da geografia maior e por isto faz expandir as fronteiras desta última ao ter algumas de suas premissas colocadas sob tensão, como é o caso do – conceito de – mapa, que nesta obra resiste a ser tomado apenas como uma forma tributária da cartografia clássica, mas ao mesmo tempo faz as formas clássicas de mapa convergirem e serem mais uma das formas que geraram o rizoma-mapa-vídeo acerca de Gaza. Também o modo – método? – de se aproximar de um lugar, de conhecê-lo, pode ser tomado como uma marca da minoridade deste vídeo, uma vez que ele – método indiretamente proposto para se conhecer Gaza – destoa das formas habituais de se conhecer um lugar indicadas pelos cânones da geografia maior, já que o vídeo aposta num conhecer mediado fortemente pelas estruturas ficcionais audiovisuais, desfazendo-se portanto da prerrogativa do documento crível, sem marcas de qualquer ficcionalização. Para finalizar este ensaio, trago ao leitor dois exemplos de vídeo-filmes menos voltados a provocar resistência em temas de caráter geográfico, mas que mesmo assim criam geografias menores ao tocar de maneira poética na dimensão espacial da vida, seja esta dimensão a cidade, sejam os processos eólicos de erosão e deposição arenosa. Se, então, as resistências apontadas no vídeo Cartografando Gaza são explicitamente engajadas em ações macropolíticas, as imagens dos vídeo-filmes Acidente, de Cao Guimarães (trailer disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=XUu5Q5ed4c&feature=related; pequeno trecho disponível em: http://www.caoguimaraes.com/page2/ principal_new.php), e Vilas volantes – o verbo contra o vento, de Alexandre Veras (trailer disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kxhFuY8JJVs&feature=related), ambos produzidos com recursos do Programa DOCTV do Governo Federal, atuam mais diretamente como agentes na micropolítica4 dos processos de produção das subjetividades ao trazer sons e imagens que, a despeito de remeterem à realidade das imagens comuns – tidas como documentais – de cidades, rompem com esta realidade ao colocar sobre ela camadas poéticas provenientes dos sons sutis – músicas, ruídos, palavras –, as vezes vinculados às imagens (sons provenientes do mesmo ambiente e do mesmo gesto apresentado em imagens) e as vezes em franco desacordo com ela (sons de perto, imagem de longe; sons de vento, imagem de água) e do jogo inusitado entre iluminação e sombras, entre o quadro/ tela e o conteúdo nele apresentado. Poesia em prosa videográfica. Resistência forte ao vídeo como documento do real, sem que dele retirar esta possibilidade; a realidade ondulando diante de nós, colocada à deriva no adensamento poético de imagens e sons. Os vídeo-filmes acima citados podem ser tomados como geografias menores que lidam, burilam, fazem derivar o conceito de cidade para além do pensamento habitual de serem estas formas geográficas algo com movimento intenso, barulho incessante, além de permanente e material em sua localização no planeta e no mapa. Em Acidente, a cidade é lenta, quase parada, plena de sons sutis; em Vilas volantes a cidade é algo que se desloca 4 Sobre a distinção e complementaridade entre os planos da macro e da micropolítica, trago a citação do artigo de Suely Rolnik Memória do corpo contamina museu: “A operação própria ao ativismo, com sua potência macropolítica, intervém nas tensões que se produzem na realidade visível, estratificada, entre pólos em conflito na distribuição dos lugares estabelecida pela cartografia dominante num dado contexto social (conflitos de classe, de raça, de gênero, etc). A ação ativista inscreve-se no coração destes conflitos, se fazendo a partir da posição de oprimido e/ ou de explorado, tendo por objetivo lutar por uma configuração social mais justa. Já a operação própria à ação artística, com sua potência micropolítica, intervém na tensão da dinâmica paradoxal entre, de um lado, a cartografia dominante com sua relativa estabilidade e, de outro, a realidade sensível em constante mudança, efeito da presença viva da alteridade que não pára de afetar nossos corpos. Tais mudanças tensionam a cartografia em curso, o que acaba provocando colapsos de sentido. Estes se manifestam em crises na subjetividade, as quais levam o artista a criar, de modo a dar expressividade para a realidade sensível geradora da tensão. A ação artística inscreve-se no plano performativo – visual, verbal, musical ou outro –, operando mudanças irreversíveis na cartografia vigente. Ao tomar corpo nas criações artísticas, tais mudanças tornam as mesmas portadoras de um poder de contágio em sua recepção. [...] Em suma: do lado da militância, estamos diante das tensões dos conflitos no plano da cartografia do real visível e dizível (plano das estratificações que delimitam sujeitos, objetos e suas representações); do lado da arte, estamos diante das tensões entre este plano e o que já se anuncia no diagrama do real sensível, invizível e indizível (plano dos fluxos, intensidades, sensações e devires). O primeiro envolve sobretudo a percepção e o segundo, a sensação.” 172 Terra Livre - n. 34 (1): 161-176, 2010 com o vento, remetendo-a mais ao mundo da natureza que ao da humanidade; a humanidade retoma aquela cidade pelas palavras, pela memória, ou seja, pela imaterialidade presente nos corpos das pessoas. Também realizam – criam – geografias menores ao fazer poemas com a simples justaposição de nomes de cidades... outras geografias, acidentalmente. O importante aqui é salientar que, assim tomados, como potências menores no sentido deleuze-guattariano, estes vídeo-filmes abrem brechas no subjetivar hipnotizado denunciado por Suely Rolnik num mundo aparentemente flexível e diversificado: “Hoje, o destino mais comum desta flexibilidade subjetiva e da liberdade de criação que a acompanha não é a invenção de formas de expressividade movida por uma escuta das sensações que assinalam os efeitos da existência do outro em nosso corpo vibrátil. O que nos guia na criação de territórios em nossa flexibilidade pós-fordista é uma identificação quase hipnótica com as imagens de mundo veiculadas pela publicidade e pela cultura de massa.” (Rolnik, 2006). Programas públicos como o DOCTV e coletivos civis como os que se reúnem em torno do site hackitectura.net têm a potência de resistir a esta identificação hipnótica com os produtos massivos do cinema, da televisão, da escola. Resistem não propriamente por negálos, mas por criar linhas de fuga a partir de muitos elementos neles presentes. Os negam em seu interior, não em oposição a eles. Criam na tensão mesma de fazer o pensamento estar e não estar convivendo com as capturas massivas, tendo que se pautar por elas ao mesmo tempo que se desfazem delas ao forçar seu deslizamento para algo que não se dobra às concepções habituais de documento, de cidade, de verdade, de realidade, de ficção, de fantasia. Estas obras fazem derivar o pensamento. Daí podermos dizer que resistir seria fazer delirar o pensamento, evitar que ele siga direcionado pelo já estabelecido, configurar línguas menores no interior de línguas maiores, figurar geografias menores no interior da geografia maior, onde as proposições, os conceitos, os hábitos e as tradições desta última sejam combatidos, não necessariamente no intuito de negá-los, mas sim certamente na busca de levá-los aos seus extremos. O exemplo dos mapas é elucidativo: criar geografias menores pela via da linguagem do vídeo é levar os mapas a se deslocarem da ideia de representação para a ideia de apresentação, esta última colocando-os sempre como algo novo, como uma nova obra acerca do espaço, como uma nova obra que visa realizar visualmente um pensamento sobre o espaço, mas nunca pensar o mapa como uma obra onde o espaço está manifestado como ele próprio é. Mapa tomado como grafia-pensamento e não como representação, voltado para produção de devires (de modos de pensar e agir) e não para o passado (mostrar como é uma dada superfície). Nesta maneira de resistir, que ao meu ver está fortemente sintonizada com as novas formas de organização social que caracterizam o espaço-tempo contemporâneo, Gaza não deixa de ser a Gaza dos telejornais que a apresentam como gueto árabe, pobre e terrorista, mas sim faz deslizar sobre esta Gaza telejornalística uma outra Gaza que penetra pelos interstícios da primeira fazendo-a fugir de si mesma ao disponibilizar ao nossos olhos e ouvidos a vida que lá se inventa, a vida que lá insiste em permanecer viva, a vida que lá resiste criando vida dos escombros, vida em colapso, vida resistente justamente porque se prolifera em obras como esta, em vídeo. Retomando a epígrafe de Manoel de Barros, digo que é preciso saber fotografar o sobre para que ele não desabe sobre nossa casa. Seria o sobre da paisagem, nos dias de hoje, a imagem? 173 OLIVEIRA JR, W, M. BIBLIOGRAFIA VÍDEOS, RESISRÊNCIAS R GEOGRAFIAS MENORES... CITADA ADA: CIT ALMEIDA, Milton José de. Cinema – arte da memória. 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Essa relação acontece mediante a circulação de discursos expressos por uma variedade de textos, cujos significados contêm tanto o contexto do “falante” e do “ouvinte” como, ao mesmo tempo, mobilizam os chamados conteúdos consagrados como conteúdos geográficos. Não existe discurso sem a existência de signos e, estes, pela sua constituição originária, estão destinados a falar do mundo, estando presentes em todos os tipos de textos. Só através dos signos, formas, figuras, imagens, que são criações incessantes, é que falamos do mundo. A enunciação dos diversos discursos é reveladora da multiplicidade de significados dos textos. Estes contêm a intencionalidade dos sujeitos envolvidos no processo comunicativo, cuja intertextualidade é o diálogo dos textos entre si. Buscar seu sentido pode abrir caminhos para uma re-significação das linguagens no ensino de Geografia. Palavras chave chave: sujeito e objeto do conhecimento – discurso – signos - conteúdos geográficos - produção de sentidos. PRODOC – Grupo de pesquisa sobre a Condição e Formação Docente Summary: Because teaching and learning is a human relationship, we can also consider it a relationship between subject and object of geographical knowledge. This relationship takes place through the circulation of discourses expressed by a variety of texts, whose meanings include both the context of the speaker and the listener, and, at the same time, mobilize the so-called classic content as well as the geographic content. There is no discourse without the existence of signs which, by their original constitution, are destined to speak of the world, and are present in all kinds of texts. Only signs, shapes, pictures and images, which are never ending creations, allow us to talk about the world and to name it. The enunciation of the various speeches reveals the multiple meanings of texts. These texts contain the intentionality of those involved in the communicative process, which intertextuality is the dialogue among the texts themselves. Finding their meaning may pave the way for a re-signification of different languages in the teaching of geography. shokimura@oi.com.br Keywords Keywords: subject and object of knowledge - discourse - signs geographic content – production of meaning. SHOKO KIMURA Faculdade de Educação - UFMG Pesquisadora do Résumé: L’enseignement-apprentissage est une relation humaine et, par conséquent, une relation entre sujet et objet de connaissance géographique. Cette relation se fait à travers de la circulation des discours exprimé par une variété de textes, dont les significations exprime à la fois le contexte de l’orateur et l’auditeur, et, en même temps, mobilisent le contenu soi-disant consacrée et le contenu géographique. On ne parle pas sans l’existence de signes et ils, par leur constitution originale, sont destinées à parler du monde, présents dans tous les types de textes. Ce n’est que par des signes, des formes, des images, qui sont une création sans fin, c’est que nous parlons du monde. L’énonciation des différents discours révèle les multiples significations des textes. Ceux-ci contiennent l’intentionnalité des acteurs impliqués dans le processus de communication, et son intertextualité n’est que le dialogue entre les texts. Obtenez leur signification peut ouvrir la voie à la re-signification de la langue dans enseignement de la géographie. Terra Livre São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 177-188 Jan-Jun/2010 177 KIMURA, S. LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS... INTRODUÇÃO Sertão, arguém te cantô Eu sempre tenho cantado E ainda cantando tô, Pruque meu torrão amado, Muito te prezo, te quero E vejo que os teus mistero Ninguém sabe decifrá. A tua beleza é tanta, Que o poeta canta, canta, E inda fica o que cantá. (...) (ASSARÉ, 2004: 21) Esses versos do poema “Eu e o sertão”, de Patativa do Assaré, colocam-nos diante de muitos dos aspectos sobre os quais pretendemos refletir, dirigindo nosso foco no ensino de Geografia. É também curioso que esse poema faça parte de um livro chamado “Cante lá que eu canto cá”. “Lá” e “cá” são palavras que carregam um forte sentido espacial e, imediatamente, nos indagamos a respeito dos lugares, lá e cá, de onde partem as enunciações, os cantos e evocações que, segundo o poeta, são atemporais. Ao longo de todo o poema (e muito do livro), o sertanejo dialoga com o espaço, ao qual, enquanto objeto de conhecimento e de apreciação, vai destinando atributos e, tamanha é a identidade que sujeito e objeto do conhecimento parecem fundir-se. No entanto, os discursos sobre esse objeto não conseguem ser esgotados, pois são esses muitos atributos que procriam uma multidão de textos, restando mesmo, sempre, ainda, vários discursos. O poeta canta e canta e ainda fica o que cantar. Partimos da assertiva de que o processo discursivo constrói e reconstrói várias linguagens sob a forma de diversos textos. A Geografia lança mãos de muitos deles e, além do mais, goza do privilégio de ter um grande parentesco com a linguagem cartográfica. Tantas linguagens, tantos enunciados, tantos textos estão disponíveis no processo comunicativo e, ainda, somam-se-lhes hoje aqueles filhos da febre da comunicação por meio das tecnologias da computação. No entanto, paira um mal-estar que parece uma sensação de lacunas de sentidos no processo comunicativo. Será esse incômodo fruto de um tempo que não nos permite alçar o sentido do dito (e do não dito), ou será ele um desdouro das nossas linguagens geográficas que teriam encontrado dificuldades para sintonizar personagens da fala, da escuta e os objetos falados e escutados? Essas questões, pensamos, nos põem em uma posição incômoda de encarar frente à frente as linguagens que circulam no ensino de Geografia. Referir-se ao ensino de Geografia focalizando a linguagem como objeto de análise significa que o ponto de partida tomado é a definição social do professor de Geografia na sua condição de comunicador. Foram-lhe conferidos um papel e uma vocação no campo das comunicações, o que torna obrigatório que se debruce sobre as linguagens, referindonos a estas, de maneira bastante simples, como a produção e circulação social de idéias e, na sua esteira, as implicações e práticas que tornam esse processo de grande complexidade. No entanto, tal foco e ponto de partida não dispensam que esse início de análise deixe à margem a necessidade de o professor de Geografia ser visto em um contexto no qual várias determinações se interpõem. Sem entrar no mérito, neste instante, como entendemos essa comunicação, é o pressuposto inicial de sujeito histórico-social do professor de Geografia, como todos nós somos, que obriga a trazer à baila vários processos presentes no seu fazer-se ao longo de um percurso datado, localizado e onde se entrecruzam os vários condicionantes. Insistimos em usar este termo, embora atualmente ele possa dar margem a que sujeitos sócio-históricos sejam considerados simplesmente determinações do contexto. A esse tipo de consideração, por outro lado, parece opor-se a tendência também atual dos sujeitos serem analisados em sua construtividade, agigantando a força da subjetivação 178 Terra Livre - n. 34 (1): 177-188, 2010 como constituinte da própria condição sócio-histórica e obscurecendo os dados da realidade objetiva. Subjetividade e objetividade passam freqüentemente a ser colocadas como pólos de um binômio no qual, mesmo pondo em cena a variedade e a interpenetração das suas relações, ora se elege um, ora outro. Julgamos importante fazer essas reflexões pois podemos incorrer em simplificações às expensas da maneira contraditória em que as determinações tecem a realidade, considerando o ser humano como um feixe de múltiplas injunções que se colocam também contraditoriamente. Paulo Freire (FREIRE, 1983), em suas obras mais antigas, referia-se ao condicionamento histórico-cultural, esclarecendo que as restrições impostas pela imediatez dificultam no ser humano a percepção de um plano mais histórico, em que a transitividade da consciência limita nossa esfera de apreensão, seres inacabados que somos. É a consideração da própria condição histórica-cultural do professor de Geografia que nos obriga a fazer o esforço de vê-lo na contradição, em meio aos marcos de sua trajetória acontecida e nas malhas das perspectivas nas quais ele se põe e que, por sua vez, a sociedade lhe solicita. Por esses motivos, é inevitável referirmo-nos à condição do professor de Geografia enquanto um trabalhador, à organização do sistema educacional, à organização do ensino e da escola, à sua formação inicial e continuada etc. Contudo, não sendo esses aspectos os focos da presente análise, eles são apenas apontados neste texto e é forçoso fazê-lo porque, sendo condicionantes e se não vierem à tona, corre-se o risco de ficar suspenso no ar o discurso sobre o professor. Pode acontecer um mal entendido de que, em seu processo de comunicação dialógica, basta discutir este processo para que sua instalação e orquestração teçam os sons, os tons, as formas e uma gama variada de possibilidades de comunicação, abertos a um ensino de Geografia que articule o sujeito e o objeto do conhecimento. Se fosse dessa maneira, os textos comunicativos nos informariam sobre os discursos do (im)possível pendurados no Cirque du Soleil, enfeitiçando com os rodopios que expressam a maravilha tangente ao romper da lei da gravidade. A história de vida informa, porém, que o discurso do (im)possível se constrói no próprio contexto, na transversal do tempo, levando algum tempo necessário, sim, e percorrendo um espaço construído a ferro e fogo, pois esse contexto em geral é impiedoso ao colocar grandes desafios para cuja superação quase sempre as condições não estão postas, pelo contrário, elas exigem que se faça um grande investimento a contra-pelo. Ao nos propormos a realizar algumas reflexões acerca do processo comunicativo relacionado ao professor de Geografia no qual a linguagem é a ponte e o trampolim, podemos dar a entender que iremos enveredar por um campo tão caro à Geografia, que é a linguagem cartográfica. Esta é por excelência uma forma de comunicação tão próxima da Geografia que, quando na expressão comum, faz-se refere a uma, logo a outra surge como se elas fossem correspondentes, sendo mesmo quase analógicas. Presumimos que nossas reflexões atualmente em curso sobre a linguagem e a produção de sentidos no ensino da Geografia significam esforços também na direção de um compreensão possível da linguagem cartográfica, esforços esses que precisam ser pensados frente a uma vasta e rica produção existente na Cartografia. Tratando a relação entre o professor e os enunciados como objeto de discurso, o presente texto empenha-se em traduzi-los inseridos no fazer desse professor, em meio às muitas injunções que o chamam ora para um discurso ora para outro, ora para uma prática didática ora para outra, ora para uma política educacional ora para outra. Ainda que seja essa a trajetória do professor, parecendo mesmo que ele joga o jogo da cabra-cega, seu instrumento de trabalho continua sendo o conhecimento geográfico e as relações entre sujeito e objeto desse conhecimento, o que precipuamente implica a discussão das linguagens. Para introduzirmos o tema, afirmamos que o professor de Geografia está engessado por uma tradição didática, de concepção de ensino-aprendizagem e, mesmo, de hierarquia de valores no campo do conhecimento. É que existe um nó duro de ser afrouxado principalmente no discurso não só dos professores de Geografia mas no de professores das áreas do conhecimento intituladas ciências. Estas são consagradas como a abordagem mais fidedig- 179 KIMURA, S. LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS... na da realidade e é acompanhada por um discurso que a referenda como a grande reveladora dos mistérios do mundo e isto exige uma enunciação concreta específica com características próprias. Por exemplo, o uso do verbo na terceira pessoal do singular busca denotar a seriedade, a imparcialidade e o distanciamento necessários a um conhecimento que se pretende universal e que, segundo as circunstâncias, faz da neutralidade a condição para a universalidade dos sentidos contidos nesse discurso. Não queremos, com tal consideração, insinuar que faltam às ciências a seriedade de que a sua produção é merecedora, queremos apontar que o nó duro a que nos referimos anteriormente está na grande relação entre o professor de Geografia e os conteúdos que transitam em seus discursos. Estes, muitas vezes, passam desapercebidos como os caminhos pelos quais são percorridos os conteúdos geográficos. Também não iremos nos referir centralmente aqui ao aspecto ideológico dos conteúdos tão debatido na Geografia mas a uma condição anterior de que estamos a todo instante, quando do pleno exercício de construção de discursos, considerando a vasta gama de expressões textuais e sentidos de que eles são portadores. Outro aspecto que deve ser ponderado refere-se à relação do professor de Geografia com os conteúdos geográficos. Ela é tão visceral que, com freqüência, ouvem-se expressões como: “o que vamos dar?”, referindo-se aos tópicos de conteúdos a serem desenvolvidos. É o que acontece também, quando um planejamento de curso reproduz a preocupação do professor em desenvolver todos os tópicos, com a intenção de dotar o aluno da visão de totalidade que se julga essencial. Ainda que, de maneira lúcida, afirme que “a totalidade não significa todos os fatos, significa a realidade como um todo estruturado, dialético, no qual o do qual um fato qualquer (...) pode vir a ser racionalmente compreendido” (KOSIK, 1976: 3, grifos do autor), a preocupação do professor ainda está no âmbito dos conteúdos, ou seja, está focado no objeto do conhecimento. Estamos diante do fruto de uma longa tradição em diversos níveis de ensino em que o que importa é o mundo externo a ser conhecido, deixando em um plano secundário o sujeito do conhecimento. Tal procedimento assemelha-se às praticas do trabalho acadêmico da pesquisa científica, que buscam realizar a descoberta e a produção do conhecimento e que, na transposição didática para o ensino, esperam que o discente esteja pronto a apropriar-se do objeto do conhecimento como um pré-suposto inerente à sua condição de aluno universitário. Talvez porque a universidade coloca a pesquisa como sua vocação principal, ela centralize tal tipo de relação entre sujeito e objeto do conhecimento. Contudo, sua transposição para outros níveis de ensino como no Fundamental e Médio acaba reproduzindo uma comunicação que, podemos dizer, parece uma relação de surdos e mudos sem a compreensão por ambos dos reais sentidos significativos, às vezes da algazarra, às vezes do mutismo instaurados. SUJEITO E OBJETO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO Entendemos que, antes de qualquer análise sobre as linguagens e o professor de Geografia, devemos tecer algumas considerações sobre o processo em que queremos nos situar. O ponto de partida é o discurso ser dotado de significado, qualquer que seja este, levando à construção de um sentido. Assim, se o presente texto, que pode ser objeto de outro tratamento enunciativo, esforça-se em encontrar um diapasão de coloquialidade, isto resulta da intenção desta autora, professora de metodologias e práticas de ensino, de construir textos para um determinado leitor, o professor de Geografia. Quer dizer, a relação intertextual deve necessariamente buscar os elos entre aquele que tomamos a liberdade de chamar de “falante” (denominado por alguns teóricos de emissor do discurso) e o “ouvinte” (denominado de receptor) que, quando em situação presencial, são também, inversa e respectivamente, “ouvintes” e “falantes”, qualquer que seja o discurso que circule entre eles, qualquer que seja o enunciado que lhe deu visibilidade. “Falantes” e “ouvintes” são seres sócio-históricos, com história de vida pessoal e coletiva, e assim, também, o são o professor e o aluno de Geografia. O que eles “falam” e o que “ouvem” estão carregados de construções sociais e pessoais. Em diversos estudos feitos sobre o perfil do professor das escolas de ensino básico seus discursos vêm à tona. 180 Terra Livre - n. 34 (1): 177-188, 2010 Dentre esses estudos utilizamo-nos de uma vasta pesquisa nacional “O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam o que almejam”, patrocinada pela UNESCO e coordenada por professores de universidades do Rio de Janeiro (2004). O discurso comum é o de o professor situar-se e ser situado como integrante da classe média por parte da população em geral. Embora, do ponto de vista econômico, cerca de 33,2% dos professores se auto-classificarem como pobres, tanto do ponto de vista dos seus próprios rendimentos como da renda familiar, eles, mesmo aqueles de menor renda, em geral não se colocam como integrantes dos estratos sociais mais pobres, “o que pode estar evidenciando uma necessidade de preservação da auto-estima e valorização” (2004:66). Sabe-se que já na universidade se realiza o processo de sedimentação hierárquica, cabendo os cursos de licenciatura àqueles de menor poder aquisitivo. No entanto, apesar de todas as condições que têm rebaixado o ensino público, o professor é em geral um sujeito social em processo de ascensão sócio-cultural. Os dados desse mesmo estudo apontam que seu processo de escolarização em relação a seus pais/mães associa a construção de uma carreira docente à possibilidade de mobilidade social . O professor de Geografia não foge a essa regra. Assim como os demais professores, o professor de Geografia é portador de um imaginário que contém tanto os atributos da condição de docente como o processo de sociabilidade do qual ele é um agente. Ele está carregado ou vai impregnando-se cada vez mais do que costuma ser chamado de cultura escolar, seja esta o conjunto de procedimentos socialmente desejáveis, seja ela a depositária da tradição cultural enciclopédica veiculada nos cursos universitários, esclarecendo-se que com o termo enciclopédia, queremos nos referir ao amplo leque de conhecimentos que almejam dar conta do conhecimento do espaço na sua totalidade. O saber que a universidade elabora também vai passando por transformações, porém, será sempre eleito o saber consagrado, e sua transmissão continua sendo responsabilidade do professor. Embora possa parecer estranho, o professor “veste a camisa” dos conteúdos geográficos e, quando a aprendizagem mostrada pelo aluno é o discurso que referenda a competência docente, vê-se de alguma maneira valorizado, reforçando sua auto-estima e identidade. Por outro lado, ocorre a situação oposta quando não é correspondido. Podemos então, entender os enunciados concretos a respeito do desempenho do aluno que freqüentemente ouvimos na sala dos professores, assim como podemos buscar o sentido dos silêncios e indiferenças, que parecem ser o discurso do aparentemente não dito. Quanto ao aluno, oficialmente o “ouvinte” desse processo comunicativo, deve-se destacar que muitos deles são parte integrante do extrato social que ingressa no Ensino Fundamental, hoje, muitas vezes pelas mãos das políticas públicas de inclusão, via o subsídio da Bolsa-Família que obriga sua freqüência às aulas. É um aluno presencial dotado de uma cultura específica, cuja tradição de letramento ainda está por se fazer, cuja oralidade modula diferentes sotaques e significados, cuja corporeidade ainda não se enquadrou entre as quatro paredes da sala de aula, cuja história de vida é também a história da nossa sociedade. Apesar desse quadro, que parece estar na base da identidade do aluno brasileiro, é essencial abrir o leque a respeito do discurso sobre o aluno, mais exatamente sobre a infância e sobre a juventude, sendo mais correto referirmo-nos a eles no plural, a começar pelas características oriundas das diferenças etárias. É nessas circunstâncias que a cultura da escola e a cultura do aluno realizam um intercurso textual, “falantes”/ “ouvintes”, “ouvintes”/ “falantes” ao longo da trajetória no nosso tempo e no nosso mundo dos anos de escolarização, revelando enunciações concretas dos discursos de fato contemporâneos. Não estamos diante de nenhum anacronismo, do atraso educacional, de um projeto educacional desalinhavado, estamos diante do mundo como ele se põe. Quando de meu período de gestão do Ensino Fundamental no Ministério da Educação – MEC em 2004, qual não foi a surpresa, estupefata diante de uma delegação oficial do governo espanhol, para quem a questão central era o fenômeno da repetência dos seus alunos, em uma Espanha com seus novos alunos oriundos do processo migratório atual. Diante desse fato educacional novo, os técnicos espanhóis tinham vindo buscar subsídios com a experiência brasileira. 181 KIMURA, S. LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS... A repetência entre os novos alunos na Espanha permite enfatizar a questão dos entendimentos e dos não-entendimentos, dos discursos que circulam com toda a sua polissemia e polifonia, das expressões faciais e outros gestos discursivos que abrem os conteúdos dessa contextualidade vivida na condição cotidiana de comunicação pelos novos enunciadores, com seus novos significados e novas sonoridades adentrando hoje pelo universo escolar europeu, até então sedimentado pela estabilidade étnica-populacional. É a busca, agora, de novos caminhos diante dos novos interlocutores, compostos por professores europeus e alunos de origem não européia. As obras de Bakhtin e seus colaboradores, especialmente “Marxismo e filosofia da linguagem” (2006) fornecem elementos para tecer algumas reflexões para buscarmos entender a complexidade do mundo escolar contemporâneo não só do Brasil. Entendemos que a questão central é: quais significados estão contidos nos discursos interpostos entre “falantes” e “ouvintes” de um contexto que expõe o processo do intercurso textual que vai do emissor, passa pelos diversos textos e chega ao receptor. Mas, mais do que isso, são discursos de um contexto que revela a complexidade de seus sujeitos sóciohistóricos, cujos sentidos estão meio que escondidos nos significados de seus discursos. “FALANTES” E “OUVINTES” E SUA INTERLOCUÇÃO A tradição conteudista estabelece que, apropriando-se dos conteúdos geográficos, obtém-se o passaporte para a escolarização seqüencial. Realmente, é importante que deles nos apossemos e façamos uso, segundo uma finalidade que pode ser definida social ou pessoalmente. Porém, como descobrir que os alunos são portadores de conhecimentos geográficos além (ou aquém) daqueles consagrados pela escolarização? Como desvendar os sentidos em curso no discurso do aluno, quando este não contempla o saber geográfico que dele esperamos, mesmo na condição de saber inicial prévio? Se partirmos da premissa de que o ensinar-aprender pressupõe uma relação professor-aluno em que os interlocutores precisam conversar entre si, a compreensão do discurso torna-se sua porta de entrada. Implica que nos enunciados concretos há um exercício percorrendo meandros bastante complexos na busca do seu sentido, muitas vezes obstaculizada ou dificultada tanto pela interposição de realidades objetivas como pela construção de diferentes subjetividades entre professores e alunos. Como buscamos apontar anteriormente, são questões tanto da estrutura objetiva da organização escolar como do labirinto cultural onde geralmente nos perdemos, ao qual costumamos chamar de condição e formação docente. Esta requer uma fina sintonia com o interlocutor, como gostaríamos de colocar em destaque através do seguinte enunciado: “Quandeucrece querose motoristadecamião papassá pocima daspessoa”. Esta afirmação foi feita por um aluno das então chamadas 5ªs séries do Ensino Fundamental quando desenvolvíamos a temática urbana nas aulas de Geografia de uma escola municipal de São Paulo, cuja proposta pedagógica de interdisciplinaridade caracterizava a gestão de Paulo Freire enquanto secretário da educação. Dada a época em que aconteceu, o exemplo pode ser considerado extemporâneo, mas a questão que ele contém parece-nos contemporâneo e extremamente didático para as considerações que pretendemos tecer, uma vez que permite explicitar o labirinto em que os professores se encontram. É um enunciado concreto que instaura um enunciador, e a forma de enunciá-lo permite abrir mais do que uma relação dialógica, mas uma polêmica que pode ser travada no mínimo entre duas posições antagônicas. Aos professores que buscam a construção da língua como expressão contendo as regras minimamente colocadas pelo idioma nacional, coloca-se um grande dilema que ainda os dilacera, não sem razão, girando em torno de ensinar ou não gramática na escola, de que maneira e em que processualidade esse ensino se desenvolveria etc. É um enunciado que, além de expressar a subjetividade-objetividade do “falante”, ca e a fragmentação inusitada diante das exigências da construção gramatical oficial. 182 Terra Livre - n. 34 (1): 177-188, 2010 Esse mesmo enunciado contém o que didaticamente buscamos identificar como o saber geográfico prévio do aluno, importante enquanto ponto de partida para o desenvolvimento dos conteúdos a serem desenvolvidos, colocando-se de imediato como um enunciado prenhe de sentidos a virem à tona para outras interpretações, na perspectiva da situação ou do contexto maior em que ele foi emitido. É um enunciado que abre um vasto leque de outros lugares, bem além daquele pretendido pelo seu autor. São muitos sentidos nele contidos e dentre eles destaca-se um soar pungente porque, emitido em um lugar que deveria promover a inclusão, revela o grande processo de exclusão. Ir ao encontro dos significados dos discursos do aluno abre um vasto caminho ao professor de Geografia, para o desdobramento de seus conhecimentos específicos a serem partilhados com esse aluno. Isto quer dizer que os discursos têm sempre seus destinatários, e a situação do professor é ele ser um destes. Esse destinatário tem, também, sua maneira de se colocar frente ao discurso, com sua história de vida que compreende a sua inserção na educação e no seu campo de conhecimento. Ele é um destinatário concreto e, tal qual é, põe-se frente aos discursos, aos sujeitos sócio-históricos que são seus alunos. Com estes, o professor pode até guardar a mesma origem identitária que, no entanto, na trajetória da história de vida, vai se diversificando, até o ponto de distanciar-se e chegando a colocar-se em campos bastante diferentes, até opostos, em especial em seu imaginário social. ENSAIOS SOBRE A IDEOLOGIA E O ENUNCIADO GEOGRÁFICO Diante da situação acima considerada, devemos entrar na análise da ideologia, ainda que de maneira resumida para podermos minimamente buscar a compreensão das diferenças, das dicotomias, dos antagonismos, dos conflitos, enfim, de relações dialógicas que não são sempre (aliás, quase nunca) harmoniosas ou concensuais. É importante destacar que os bakhtinianos não concordam inteiramente com a concepção de ideologia como “falsa consciência”, conforme a concepção de Marx. Embora consideremos, sob certos aspectos, insatisfatória a concepção bakhtiniana de ideologia, devemos citá-la tendo em vista que é um instrumento conceitual que permite dar conta das questões acima apontadas. Lado a lado, tanto a ideologia oficial como a ideologia do cotidiano tecem a produção do mundo imaginário. A primeira é mais estável e dominante, sustentada por uma catedral de poderes, a segunda nasce e renasce diuturnamente nos tempos e espaços, nos encontros mais constantes, nos encontros fortuitos, ou seja, no cotidiano. Ambas as ideologias, em uma relação de concretude, constróem/reconstróem dialeticamente um contexto ideológico de grande complexidade, e é nele que nos fazemos enquanto seres do convívio, da fricção, de julgamento, de silêncios. Porém, tal constituição ideológica guarda uma grande relação com a produção e reprodução social e regula as relações histórico-materiais dos homens. Estas relações, todas elas, são estabelecidas e intermediadas pelos signos que estão presentes necessariamente em todas elas. Ousamos articular o pensamento bakhtiniano, formulado nos inícios do século XX a respeito dos signos presentes em todas as relações sociais, com a formulação de Castoriadis, que referiu-se ao imaginário social negando-lhe a condição de “especular” ou de “fictício”, mas afirmando que estamos criando incessantemente figuras, formas, imagens e somente a partir deles que é possível falar-se de ‘alguma coisa’. (CASTORIADIS, 1982: 13). Para Bakhtin, os signos guardam uma relação direta com a produção e reprodução social mas, para Castoriadis, as figuras, formas e imagens (ou seja, os signos) são criações indeterminadas, mesmo que históricas-sociais e psíquicas. Julgamos que não temos o poder de afirmar a vocação desses signos, imagens, formas, figuras, conseguimos apenas identificar sua existência e a maneira como se fazem presentes na constituição do pensamento. Na relação entre sujeito e objeto do conhecimento, parece-nos mais claro que os sujeitos, “falantes” e “ouvintes”, estejam manifestando-se no processo comunicativo. É bastante doloroso mas é essencial que coloquemos nesse processo alguns detalhes talvez esclarecedores do contexto escolar brasileiro atual. 183 KIMURA, S. LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS... Às vezes, o professor refere-se à chamada questão da disciplina escolar afirmando que “hoje, o pessoal do bolsa-família está impossível”. O “Bolsa-Família” é um signo que contém não só o atributo da condição de pobreza sócio-econômica mas agora, associado àquele aluno caracterizado por um enunciado oral, corporal, gestual específico, ele responde socialmente de tal maneira que já é um signo carregado de vários sentidos, um derivado um do outro. Quem é esse aluno? Será que ele deve ser associado a esses signos construídos? É que, segundo a ótica bakhtiniana, é através dos discursos que identificamos a existência dos interlocutores, havendo um embate, no mínimo, entre dois discursos, o do locutor e o do interlocutor. O principismo essencialista dificulta que possamos aceitar em falar a respeito da existência através do discurso, porém, podemos nos indagar: como dar conta de tantos contextos, ruídos polifônicos, imagens polissêmicas, significados que pululam à revelia, enfim, como podemos compreender tantos enunciados, em cuja algazarra, em geral, nos embaralhamos, participando ou não dela? Parece-nos que a compreensão do discurso é um caminho para a compreensão dos sujeitos, dando maior margem para deixar maior tranqüilidade à pretensão messiânica de compreender o ser humano em sua totalidade. Os signos, formas, figuras e imagens guardam uma estreita relação com a realidade espaço-temporal e, nesse sentido, é fundamental reter a sua importância para a constituição dos sentidos. Estes são concretos, freqüentemente são analógicos em sua relação com o mundo dos entes e das coisas, de tal maneira que destes conseguimos falar segundo um sentido construído. A Geografia é pródiga em desvendar a relação analógica dos signos com a realidade espaço-temporal. Voltando a analisar a frase do menino citada anteriormente, podemos entendê-la com seus significados bastante concretos. A partir desses significados, todo um conjunto de muitos meandros, reflexões, sentimentos e projetos podem ser parte de uma re-significação tanto dos conteúdos que mobilizam o espaço geográfico como do sujeito do conhecimento posto em movimento. Que urbano é esse que suscita no jovem citadino o desejo de se estabelecerem relações de força suficientemente fortes para o esmagamento de pessoas? Certamente as condições da realidade objetiva entram nesse jogo de forças, porém, não se pode garantir que, enquanto sujeito sócio-histórico e psíquico, sua trajetória de vida desemboque inexoravelmente nas intenções contidas no enunciado. Este afirma o desejo de esmagamento, porém, será que não é o contexto do “falante” que permite inferir tratar-se de uma relação mimética? Que sujeitos sociais são esses que desenham relações de semelhança com o urbano onde estão imersos, escolhendo deste a máquina mais poderosa, o caminhão cuja potência arrasa e confere ao seu usuário a força da qual parece carecer? Que sujeitos sociais são esses que, na intertextualidade estabelecida, brandindo um instrumento da própria cultura da escola – a aula de Geografia. Há na cultura escolar uma hierarquia confere-lhe a condição de verdade, aquela que condena a violência, prega a fraternidade apaziguadora, acabando, ao final, por ocultar as relações assimétricas onde estão mergulhados, professor e aluno entre si e entre eles e a sociedade das hierarquias. O aluno cumpre o ritual mas enuncia o avesso. Temos elementos para entender uma sociedade onde jovens citadinos fazem seus discursos tecendo projetos de futuro nos quais, cedo, o enunciado central é encaminhar o sentido da desconfiança nas contradições: “Se as contradições sociais no plano objetivo se apresentam como apropriação privada dos resultados do trabalho social, no plano subjetivo elas são experimentadas como desencontro entre o sonhar e o viver” (MARTINS, 2008: 73). Este autor nos resolve de maneira bastante lúcida o aparente binômio realidade objetiva e realidade subjetiva, auxiliando-nos a melhor compreender os sentidos contidos no enunciado do aluno da 5ª série. Procuramos analisar o texto do aluno buscando os significados e os sentidos dos enunciados por ele emitidos. No entanto, os enunciados pessoais expressam ainda outras realidades. Segundo Bakhtin, “um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo 184 Terra Livre - n. 34 (1): 177-188, 2010 corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide inteiramente com sua própria natureza. Nesse caso, não se trata de ideologia.” (2006: 31) Quer dizer, quando falamos do mundo, o fazemos através de signos, formas, figuras, imagens que construímos desse mundo e, na realidade, sem eles, simplesmente não “falamos”. Eles são físico-materiais, sócio-históricos e, ainda, são objeto de um ‘ponto de vista’ construído a partir de um lugar carregado de valor para representar a realidade. Se eles são inevitáveis pois fazem parte de nosso processo comunicativo, é essencial que a relação dialógica se ponha a tecer e destecer o diversos fios que despontam nos enunciados desses signos, formas, figuras e imagens. Na Geografia é bastante comum que, quando solicitamos aos alunos menores a elaboração de um desenho de uma paisagem montanhosa, nesta, em geral, desfilam elevações semelhantes aos mares-de-morro com seus cumes arredondados. Elas persistem durante muitos anos de escolaridade. Também, curiosamente, os alunos da graduação em Pedagogia continuam a desenhá-los, e alguns da Geografia traçam perfis de montanhas do relevo alpino. Ou seja, a ampliação do repertório de compreensão do mundo é também um aumento do repertório sígnico mas não significa que este vá automaticamente ocupar o núcleo duro do imaginário social em constituição nos alunos. Podemos compreendê-los sob uma perspectiva bakhtiniana, pois cada signo dessa narrativa pertence simultaneamente, do ponto de vista de sua expressividade e do seu relevo na enunciação, a dois contextos que se entrecruzam, a dois discursos diferentemente orientados na sua expressão. De um lado, o discurso contém particularidade das construções enunciativas próprias de cada um, e de outro lado, esse discurso acrescenta sua “história conceitual” que é individual mas é sóciocultural, uma vez que guarda relação com a escolarização. INTERTEXTUALIDADE E DISCURSO GEOGRÁFICO O nosso acesso com a realidade é sempre mediado pela linguagem que construímos a seu respeito e, nesse sentido, podemos dizer que esse acesso não é direto. Assusta-nos a nós, geógrafos, que nossa relação com o mundo seja construída dessa maneira. Parece-nos mais assustador ainda, quando perguntamo-nos o que seja a realidade, uma vez que estamos, quase como um cacoete, fazendo afirmações sobre a realidade tal qual ela é. Podemos nos referir à realidade como algo que existe, porém, por exemplo, o nosso companheiro computador pode não existir para comunidades que o desconhecem. Assim, também, podemos conjecturar que determinada realidade, tão real para determinada comunidade, não existe para nós, ou seja, ela não é realidade. Evidentemente a questão é cultural e, para estabelecermos um mínimo de consenso, podemos considerar genericamente a realidade como uma qualidade que os fenômenos possuem, independentemente de nossa vontade (BERGER e LUCKMANN, 1985: 11). Sendo assim, são essas qualidades, esses atributos que surgem nos discursos de uma determinada realidade, vista por determinados grupos/classes sociais. Os discursos não se relacionam diretamente com as coisas mas com os discursos feitos sobre elas. O processo de sociabilidade nada mais é do que fruto dos discursos que nos são feitos a respeito disso ou daquilo pelos nossos pais e por aqueles que nos circundam desde a infância. Quer dizer, não somos tabula rasa de nada. No entanto, na escola, deixamos de lado tanto esse “passado gnoseológico” como as relações estabelecidas entre os diversos tipos de textos. Quer dizer, os discursos dialogam entre si, estabelecendo uma relação de sentido entre os diversos enunciados do processo comunicativo. O ensino da Geografia estabeleceu um feudo nos marcos da Cartografia, essa rica linguagem repleta de signos e sentidos. Através da linguagem cartográfica são mapeados e 185 KIMURA, S. LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS... re-significados seres, entes, coisas de diversas naturezas. No entanto, comparemos com o exemplo de uma ilustração esquemática do aparelho digestivo do corpo humano, localizando e mapeando seus componentes, guardando, em suas localizações, relações complexas que definem uma espacialidade orgânica do corpo. Talvez, possamos nos referir à espacialidade geográfica como um discurso sobre o espaço com vários enunciados. As coisas, entes e artefatos estão onde estão, vão até vão, contínuos ou parcelares, superpostos ou isolados, semelhantes ou não, enfim, a eles atribuímos um sentido. Este é o esforço de dotar as linguagens de possibilidades de leituras objetivadas, uma vez que, sendo os discursos sempre intersubjetivos, as diferentes subjetividades vão polemizar na estruturação da espacialidade. Podemos dizer, então, que, dentre as diversas subjetividades, as ideologias tentarão dotar de sentido a espacialidade através do mapeamento. Quer dizer, “a consciência é sempre intencional; sempre ‘tende para’ ou é dirigida para objetos. Nunca podemos apreender um suposto substrato de consciência enquanto tal, mas somente a consciência de tal ou qual coisa” (BERGER e LUCKMANN, 1985: 37). Este é um campo muito fecundo para a intertextualidade geográfica. Os enunciados geográficos são passíveis de uma vasta gama de intercomunicação verbal oral, verbal escrita, gráfica, cartográfica, tabelas numéricas e uma imensa paisagem de signos que permitem migrar os significados de um texto para outro, estabelecendo pontes e construindo sentidos discursivos, convergentes ou divergentes. Com a consciência de que “qualquer enunciação, por mais significativa e completa que constitui uma fracção de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta (concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política etc).Mas essa comunicação ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado” (BAKHTIN, 2006: 128). CONSIDERAÇÕES FINAIS Julgamos que o ensino deva ser uma relação entre sujeito e objeto do conhecimento, subentendendo a necessidade de o professor despregar-se dos conteúdos geográficos, sem jamais abrir mão deles. Pode parecer contraditório, porém, nossas reflexões vão no sentido de que o conteúdo seja considerado veículo que circula nas relações dialógicas. A antiga e sobrevivente polêmica entre metodologias e conteúdos, a bem da verdade, focalizava o ensino como instrução. Sem abrir mão seja das metodologias seja dos conteúdos, no entanto, pensamos que, ao privilegiar a relação dialógica entre sujeito e objeto do conhecimento no ensinar-aprender, confere-se a este a condição de relação humana. A Geografia tem muito a fazer por esta relação, na medida em que põe em movimento abordagens que expressam exatamente essa relação humana. O que é a espacialidade senão uma relação humana? Contudo, ela mobiliza a realidade objetiva externa ao homem, movimentando a realidade subjetiva como se fosse uma decorrência daquela, talvez porque nossos arquétipos sejam inconscientemente traçados pelo determinismo físico... Ou, talvez, porque, para não erodir ainda mais a tradição do materialismo histórico, tenhamos dificuldade em romper os termos dessa relação humana, caso as forças que desenham a espacialidade expuserem a primazia da realidade subjetiva. A espacialidade grita em alto e bom som a relação objetiva dos entes e seres, como se eles estabelecessem uma relação entre si guiados por si mesmos. Os sujeitos espaciais, depois de construída a espacialidade, em geral não são visíveis na cena. Os agentes e gestores públicos, o capital financiador, são sujeitos materializados na espacialidade, porém, ficam ocultados na subjetividade, sendo colocados como pessoas, enquanto, como realidade objetiva além de subjetiva, seu lugar social é substituído pela materialidade dos entes e seres presentes na paisagem. Queremos dizer que a espacialidade é uma relação humana mostrada em uma textualidade cuja leitura é considerada relativamente simples pois essa relação, operando por clones que são os artefatos, mostra uma materialidade visível. Esta é o enunciado concreto da paisagem, porém, por vezes é mais complexo identificar os autores do discurso 186 Terra Livre - n. 34 (1): 177-188, 2010 expresso em forma de paisagem. Anos atrás, acompanhando o trabalho de campo coordenado pelo professor Gil Sodero de Toledo, da USP, levamos professores de Geografia de escolas públicas de São Paulo, a uma região periférica da cidade, onde se descontinava uma vasta área de loteamento que, mesmo descontínua à grande mancha urbana, desenhava seus arruamentos e punha à mostra a instalação da infra-estrutura urbana necessária para a transação imobiliária. Os signos estavam todos à mostra e, à pergunta do profº Gil a respeito do que eles estavam vendo, vários professores de Geografia afirmaram estarem vendo o capital. Tratou-se, pois, de um grande exercício de leituras de textos inscritos na paisagem e de busca de seus sentidos, re-significando a materialidade visível. Contudo, reiteramos sempre que somos o nosso tempo e buscamos construir o nosso espaço, e isto acontece em situações nem sempre favoráveis, muito pelo contrário. Daí a necessidade de estarmos sempre lembrando as condições concretas em que se desenvolve o ensino de Geografia. O que podemos dizer da situação atual do ensino nas escolas públicas estaduais de São Paulo, onde a produção de materiais pelo governo e a obrigatoriedade de sua aplicação pelos professores transformam em ventriloquia o discurso docente que deveria mediar a relação entre sujeito e objeto do conhecimento? No entanto, vale a pena lembrar que os enunciados concretos desse discurso passam pela construção de uma textualidade pessoal e criativa. Os gestos, a corporeidade, o olhar e o silêncio, o texto enunciado e não enunciado podem dar ao discurso vários sentidos. Pretendemos, com o foco voltado para o discurso e a busca de sentidos, contribuir para que re-signifiquemos o ensino de Geografia. São muitos os educadores imbuídos dessa intenção e, nesse sentido, Milton Santos apontou a importância da corporeidade, individualidade e socialidade como tratamentos geográficos no ensino de Geografia (1996: 21). Suas reflexões buscavam colocar no centro do ensinar-aprender, via o ensino de Geografia, as relações humanas a serem compartilhadas. Quem sabe, através do nosso exemplo da frase que parece estranha, escrita pelo aluno da 5ª série, possamos repensar a questão da linguagem e dos sentidos nela contidos. É uma empreitada que exige superações mais do que de natureza lingüística e geográfica, provavelmente ela remonte a questões de identidade, vividas ou simplesmente entendidas na alteridade que se possa alcançar. Certa vez, tendo realizado na disciplina Metodologia do Ensino de Geografia um trabalho de campo no curso de Pedagogia, estivemos em uma favela, onde uma criança, curiosa e séria, passou suas mãos em mim. Mais tarde, uma aluna, identificando ser originária de uma favela, explicou-nos que para essas crianças, um mundo diferente representado por uma pessoa de expressão oriental como eu, precisava ser tocado para verificar se é real. Seu discurso corporal procurou através do tato um significado, buscando neste o sentido do real: será ela como as demais pessoas portadoras de expressão facial ocidental? Tomando os exemplos citados neste texto, afirmamos até com uma certa tranqüilidade que alunos e professores poderão, na descoberta dos significados da urbanização brasileira, entender os sentidos que, nesta, eles, enquanto sujeitos sócio-históricos produzem, com suas inserções e as relações de que são, na verdade, cúmplices e parceiros. BIBLIOGRAFIA a) ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 14ª ed, 2004. b) BAKHTIN, Mikhail (Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 12ª ed, 2006. c) CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Jaaneiro: Paz e Terra, 1982. d) FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 15ª ed, 1983. e) KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2ª ed, 1976. 187 KIMURA, S. LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SENTIDOS... f) BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985. g) MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. São Paulo: Contexto, 2008. h) Pesquisa Nacional Unesco. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam. São Paulo: Moderna, 2004. i) SANTOS, Milton de Almeida. Por uma Geografia cidadã: por uma epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia. Porto Alegre: AGB - Seção Porto Alegre, 21, 1996. 188 COMPLEXIDADE DO ESP AÇO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO: O AGROHIDRONEGÓCIO E AS (RE)EXISTÊNCIAS DOS POVOS CERRADEIROS COMPLEJIDAD DEL ESP ACIO ESPACIO AGRARIO BRASILEÑO: EL AGROHIDRONEGOCIO Y LAS (RE)EXISTENCIAS DE LOS PUEBLOS CERRADEROS COMPLEXITY OF THE BRAZILIAN AGRARIAN SP ACE: THE SPACE: AGROHYDROBUSINESS AND THE (RE)EXISTENCES OF THE CERRADEIROS PEOPLES MARCELO RODRIGUES MENDONÇA UFG UFG/CAMPUS CATALÃO mendoncaufg@gmail.com Terra Livre Resumo: O artigo pretende compreender a incorporação dos territórios cerradeiros a economia mundializada, analisando as transformações espaciais ocorridas nas últimas décadas. As áreas de Cerrado apropriadas pelo capital agroindustrial e financeiro, a partir da modernização do capital assegurou novos conteúdos na relação campo-cidade, destacando-se a mobilidade do capital e do trabalho e as novas configurações espaciais das pequenas e médias cidades, bem como, um novo (re)ordenamento do território. O cultivo de soja e, mais recentemente, da canade-açúcar são exemplos que expressam o movimento do capital a partir da modernização conservadora da agricultura, possibilitando uma reflexão sobre a complexidade da questão agrária no Brasil. As áreas de Cerrado vivenciam uma acelerada territorialização dos complexos agroindustriais e financeiros, inicialmente com o complexo grãos-carne e nos últimos anos com o setor sucroalcooleiro, combinados com a construção de dezenas de empreendimentos barrageiros. Aqui, são apresentadas algumas indagações sobre os impactos sociais e ambientais dessas atividades compreendidas no espectro do agrohidronegócio e, algumas considerações, já podem ser mencionadas: a cana-de-açúcar está ocupando áreas férteis e que produzem grãos; e os empreendimentos barrageiros inundam milhares de hectares de terras produtivas, predominantemente ocupada por camponeses, diferentemente do que dizem os apologetas do agrohidronegócio, firmados no discurso do progresso. Essas ações empreendidas ocasionam a desterritorialização de milhares de famílias camponesas, a redução na produção de alimentos, a precarização do trabalho e a destruição ambiental. Como contraponto ao modelo implantado, os Povos Cerradeiros constroem suas (Re)Existências, centradas na luta pela terra e pela reforma agrária e apontam as atividades agroecológicas enquanto contraponto à destruição ambiental e aos problemas sociais decorrentes da adoção pelo capital de práticas (in)sustentáveis. Palavras-Chaves Palavras-Chaves: Questão agrária; Territórios em disputa; Agrohidronegócio; Povos Cerradeiros . Resumen: El artículo pretende comprender la incorporación de los territorios cerraderos la economía mundializada, analizando las transformaciones espaciales ocurridas en las últimas décadas. Las áreas de Bioma Cerrado apropiadas por el capital agroindustrial y financiero, a partir de la modernización del capital aseguró nuevos contenidos en la relación campo-ciudad, destacándose la movilidad del capital y del trabajo y las nuevas configuraciones espaciales de las pequeñas y medias ciudades, bien como, un nuevo (re)ordenamiento del territorio. El cultivo de soya y, más recién, de la caña de azúcar son ejemplos que expresan el movimiento del capital a partir de la modernización conservadora de la agricultura, posibilitando una reflexión sobre la complejidad de la cuestión agraria en Brasil. Las áreas de Bioma Cerrado vivencian una acelerada territorialización de los complejos agroindustriales y financieros, inicialmente con el complejo granos-carne y en los últimos años con el sector sucroalcoholero, combinados con la construcción de decenas de emprendimientos de diques. Acá, son presentadas algunas indagaciones sobre los impactos sociales y ambientales de esas actividades comprendidas en el espectro del agrohidronegocio y, algunas consideraciones, ya pueden ser mencionadas: la caña de azúcar está ocupando áreas fértiles y que producen granos; y los emprendimientos de diques inundan millares de hectáreas de tierras productivas, predominantemente ocupada por campesinos, diferentemente de lo que dicen los apologetas del agrohidronegocio, sostenidos en el discurso del progreso. Esas acciones emprendidas ocasionan la desterritorialización de millares de familias campesinas, la reducción en la producción de alimentos, la precarización del trabajo y la destrucción ambiental. Como contrapunto al modelo implantado, los Pueblos Cerraderos construyen sus (Re)Existencias centradas en la lucha por la tierra y por la reforma agraria y apuntan las actividades agroecológicas mientras contrapunto a la destruición ambiental y a los problemas sociales decurrentes de la adopción por el capital de prácticas (in)sustentables. Palabras-Claves: Cuestión agraria; Territorios en disputa; Agrohidronegocio; Pueblos Cerraderos. Abstract: The article intends to understand the incorporation of the Cerradeiros territories the worldwide economy, analyzing the occurred space transformations in the last few decades. The appropriate the Biome Cerrado areas for the agroindustrial and financial capital, from the modernization of the capital assured new contents in the relation field-city, being distinguished it mobility of the capital and the work and the new average small space configurations of the e cities, as well as, new (re)ordered of the territory. The culture of soy and, more recently, the sugarcane is examples that express the movement of the capital from the modernization conservative of agriculture, making possible a reflection on the complexity of the agrarian question in Brazil. The Biome Cerrado areas live deeply one sped up territorialization of the agro-industrial and financial complexes, initially with the complex grain-meat and in recent years with the sucroalcohol sector, combined with the construction of sets of ten of “barrage peoples” enterprises. Here, some investigations on the social and ambient impacts of these activities understood in the specter of the agrohydrobusiness are presented and, some consideration, already they can be mentioned: the sugarcane is occupying fertile areas and that they produce grains; and the “barrage peoples” enterprises flood thousand of hectares of productive lands, predominantly busy for peasants, differently of what they say ‘apologys’ of the agrohydrobusiness , firmed in the speech of the progress. These undertaken actions cause to the desterritorialization of thousand of families peasants, the reduction in the food production, the precarious of the work and the ambient destruction. As counterpoint to the implanted model, the Cerradeiros Peoples construct to its (Re)Existences , centered in the fight for the land and the agrarian reform and point the agroecologicals activities while counterpoint to the ambient destruction and the decurrently social problems of the adoption for the capital of practical (in)sustainable. Word-Keys: Agrarian question; Territories in dispute; Agrohydrobusiness; Cerradeiros Peoples. São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 189-202 Jan-Jun/2010 189 MENDONÇA, M. R. COMPLEXIDADE DO ESPAÇO AGRÁRIO... INTRODUÇÃO Inicialmente quero agradecer a AGB pela oportunidade e saudar a Comissão Organizadora pelo tema central do XVI Encontro Nacional de Geógrafos CRISE, PRÁXIS E AUTONOMIA: espaços de esperança e pelo convite para proferir a palestra na Mesa AÇO AGRÁRIO BRASILEIRO: o(s) movimentos Redonda A COMPLEXIDADE DO ESP ESPAÇO (s) do agronegócio e as resistências dos sujeitos sociais do campo. O objetivo desta Mesa Redonda é refletir sobre os diferentes movimentos de expansão do capital no campo brasileiro (em especial os complexos grãos-carnes, sucroalcooleiro, agroenergético e madeiracelulose) e as resistências que têm sido impostas pelos diferentes sujeitos sociais (indígenas, quilombolas, camponeses, cerradeiros etc). Esse artigo é parte de reflexões que estamos construindo desde a defesa da tese de doutorado - A urdidura espacial do capital e do trabalho no Cerrado do Sudeste Goiano, defendida na Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, em 2004. Considerando a abrangência da temática e a presença de outros pesquisadores nessa Mesa Redonda, optei por fazer um recorte espacial, considerando o movimento do capital agroindustrial e financeiro nas áreas de Cerrado nas últimas décadas, mediante a crescente territorialização do agrohidronegócio no Planalto Central brasileiro. O Centro-Oeste e adjacências vivencia intenso processo de territorialização das empresas rurais com múltiplas capilaridades que demandam alterações nas formas de uso/apropriação da terra, nas relações sociais de produção e trabalho, nos conteúdos da relação campo-cidade, entre outros. Recentemente, a imprensa, a academia e diversos setores formadores de opinião colocaram na agenda política mundial o aquecimento global, indagando, fortemente, acerca do futuro da humanidade, diante da escalada de destruição sócio-ambiental. Muitos demonstram teses alarmistas e catastróficas, outros salientam a necessidade do planejamento integrado e da imediata diminuição da emissão de gases tóxicos na atmosfera, entre tantas outras possibilidades. Entretanto, são poucos os que abordam a centralidade do problema, qual seja, a intensa crise do capitalismo, enquanto paradigma civilizatório, sendo a questão ambiental a forma mais evidente dos desequilíbrios do processo produtivo na contemporaneidade. Mas, diante da crise capitalista o próprio movimento do capital aponta as alternativas que podem assegurar a sua longevidade, destacando-se a gradativa substituição dos combustíveis fósseis e a ampliação de fontes energéticas renováveis capazes de assegurar o bem estar às condições de produção e reprodução. Não há dúvida que os problemas sócio-ambientais se agravam, porém, poucos são os pesquisadores que se propõem a realizar uma reflexão sobre as causas e as possíveis ações de superação. A maioria adotou o discurso midiático, patrocinado pelos complexos agroindustriais e pelas oligarquias financeiras mundializadas que justificam a elaboração e a execução de políticas públicas consertacionistas para salvar a humanidade. Apresentam como num passe de mágica a solução: a agroenergia, os agrocombustíveis entre tantas outras ações paliativas. É o agronegócio dos agrocombustíveis. Não podemos negar que a agroenergia expressa um movimento na busca de energias renováveis, consideradas mais limpas e autônomas, pois diminui a dependência em relação às áreas extratoras de combustíveis fósseis, implicando num redesenho da geopolítica mundial. São muitos os fatores que podem ser analisados, porém neste artigo, pretende-se discutir a relação entre a ampliação das políticas que intensificam o cultivo de plantas que servem à produção dos agrocombustíveis, com destaque para a cana-de-açúcar no Planalto Central Brasileiro e seus desdobramentos na produção de alimentos e no agravamento das questões sociais e ambientais. Para tanto, o recorte espacial são as áreas de Cerrado, precisamente o território goiano que vivencia uma acelerada territorialização dos complexos agroindustriais e financeiros (grãos-carne, sucroalcooleiro, empreendimentos barrageiros etc). Aqui, são apresentadas algumas indagações sobre os impactos sócio-ambientais dessas atividades compreendidas no espectro do agrohidronegócio. Entretanto, por detrás dos discursos midiáticos 190 Terra Livre - n. 34 (1): 189-202, 2010 fortalecem-se ações devastadoras, sem, no entanto, colocar em pauta as reivindicações para a satisfação das necessidades básicas para milhões de brasileiros, agraciados, com a indigência assistida1 patrocinada pelo Estado e aplaudida pela filantrofia social que clama por justiça, desde que não ocorram mudanças estruturais na sociedade brasileira. Mais uma vez, assiste-se a espetacularização da fome e da miséria para justificar os pactos sociais, os recursos públicos para ampliar os monocultivos (commodities), como se a fome fosse “solucionada” com a crescente produção dessas culturas. Sequer debatem a necessidade da reforma agrária, e/ou mesmo, de pensar as condições de sua viabilização a partir das experiências construídas pelos sujeitos sociais que lutam pela terra, pela água, pelos territórios da vida neste país. Mais uma vez o debate é enviesado entre aqueles que se colocam favoráveis ou não ao agrohidronegócio, no caso a expansão das monoculturas para a produção de energia (cana-de-açúcar, soja, palma etc) combinadas com o represamento dos rios (empreendimentos barrageiros) para garantir energia limpa, abastecimento de água aos grandes complexos agroindustriais e as cadeias produtivas que alimentam a expansão e reprodução do capital. Evidentemente neste artigo não será possível refletir sobre todas as questões pontuadas, mas salientar que todas essas indagações são de natureza política e é no campo da política que necessitam ser discutidas. A CRISE VESTIDA DA QUESTÃO AMBIENT AL DO CAPIT CAPITAL TRAVESTIDA AMBIENTAL AL TRA A conjuntura internacional frente à crise estrutural do capital, aflorada em 2008, fortaleceu as orientações assimiladas pelo Estado brasileiro, que considerou o setor agrícola como prioridade para assegurar os níveis de crescimento econômico e a geração de superávits primários. Assim a modernização conservadora da agricultura é intensificada com a efetiva necessidade de atender as demandas de algumas commodities no mercado internacional. Com o atributo de conservadora, entende-se a modernização como algo capaz de conservar inalterado o espectro de desigualdades, sobretudo, a concentração fundiária, não se associando sequer aos princípios das políticas compensatórias distributivistas, como também, extremamente seletiva, tendo em vista que a apropriação não é realizada por todos, mas apenas por uma minoria. (THOMAZ JUNIOR, 2000). Na década de (19)90 a commoditie selecionada como principal indicador das mudanças na política agrícola do país foi a soja – tornou-se a segunda maior geradora de receitas de exportação da balança comercial brasileira, perdendo apenas para o setor automobilístico – pois o seu cultivo atendia a necessidade de aplicação intensiva de capitais e de tecnologias. A territorialização do agronegócio, principalmente da soja, foi alarmante: são quase 23 milhões de hectares (em 2009, segundo estimativa do IBGE o Brasil plantou 22.914 mil hectares) cultivados e a implementação dessas monoculturas, principalmente nas áreas de Cerrado alterou, sobremaneira, as paisagens cerradeiras. A modernização capitalista se caracteriza como a vivificante arte do fazer-se plenamente, entretanto é “[...] autodestruição inovadora, perpétua mudança e progresso, incessante, irrestrito fluxo de mercadorias em circulação”. Alves (2000, p. 19). A efemeridade e a mudança caótica a que assistimos expressam o movimento do capital na sua inércia dinâmica (SANTOS, 1994 e 2000), produzindo a hibridagem dos espaços, propiciando a exigência da fluidez, sustentada na densidade técnica dos territórios enquanto suportes da competitividade, portanto, da lógica do processo de (re)produção e autoexpansão do capital. A modernização capitalista é o resultado sócio-histórico da concorrência intercapitalista e da luta de classes. Para Bihr (2004, p. 67) o conjunto do mundo capitalista atravessa uma crise estrutural global, mas as pesquisas centram suas investigações somente nos problemas que ela impõe ao capital. “E, sem dúvida, essa crise é, em primeiro lugar, uma crise da reprodução dessa relação social que é o capital.” Contudo, sendo o capital uma relação social, a sua crise, por natureza contraditória, só pode ser apreendida a partir do seu par dialético, o 1 Ver Mendonça (2004). 191 MENDONÇA, M. R. COMPLEXIDADE DO ESPAÇO AGRÁRIO... trabalho. Assim, a crise do capital na contemporaneidade é também a crise do trabalho, portanto, dos movimentos sindicais e sociais. Daí concorda-se com a inversão de perspectiva proposta por Bihr (2004), de que a discussão deve ser realizada a partir dos desafios que as mudanças no capital provocaram sobre os trabalhadores, desde a crise do pacto social democrata e a fragmentação do trabalho, acarretando a heterogeneização, complexificação e polissemização com requintes de precarização das relações de trabalho. A reestruturação produtiva do capital que vem sendo implementada em âmbito mundial e, mais precisamente, nas áreas de Cerrado, mediante a territorialização acelerada do agrohidronegócio, propiciou mudanças nas relações sociais de produção, com profundas alterações no trabalho e, especificamente, na ação política dos trabalhadores. A nova organização da produção e as consequentes mudanças nas relações de trabalho (superexploração, sujeição, precarização etc.) ainda não foram totalmente assimiladas pelas organizações sociais e sindicais (sindicatos de trabalhadores, movimentos sociais, cooperativas, associações etc.), que não conseguiram dar as respostas adequadas às novas investidas do capital, seja no campo, seja na cidade. O agronegócio é o novo nome do modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária capitalista. Porém, esse modelo não é novo, sua origem está no sistema plantation, em que grandes propriedades foram utilizadas na produção para exportação. Desde os princípios do capitalismo no Brasil e em suas diferentes fases, esse modelo passou por adaptações e modificações tecnológicas, aumentando a produtividade e intensificando a exploração da terra e dos trabalhadores. A meu ver, o novo são as mudanças na relação capital x trabalho, fortalecidas pela reestruturação produtiva do capital, e as transformações no trabalho, que ocasionaram dinâmicas espaciais distintas daquelas do plantation. A complexificação, a intensificação e a precarização do trabalho espacializam os (re)arranjos do capital, que, em parceria com o Estado, protagonizam uma das mais ferozes ações contra o Cerrado e os Povos Cerradeiros2. Isso porque compreendemos que, embora, existam peculiaridades geohistóricas, a centralidade é (re)pensar as formas de uso e exploração da terra, precisamente aquelas apropriadas pelo agronegócio que se territorializa e, paralelamente, desenvolve ações conjuntas com os complexos mínero-químicos (fertilizantes), montador-metalúrgico (automóveis e implementos agrícolas) e barrageiro (produção de energia e reserva d’água para os irrigantes), consubstanciando no agrohidronegócio, como forma de assegurar as condições de produção/acumulação do capital. Esse processo conforma novas paisagens, cada vez mais excludentes e com uma diversidade de situações que necessitam ser pesquisadas, pois os territórios cerradeiros têm sido transformados em nome do progresso técnico e científico, implicando numa nova matriz espacial. Mesquita (2004) chama atenção para a natureza excludente e predatória do modelo energético brasileiro quando se expande para as áreas de Cerrado, territorializando uma segunda onda de expropriação dos cerradeiros que teimam em (Re)Existir na terra e/ou construindo ações políticas para retornarem a terra. A modernização da agricultura nas áreas de Cerrado não eliminou as outras formas de exploração da terra construídas por camponeses, pecuaristas tradicionais e trabalhadores da terra, mas atravancou e cerceou a ampliação das formas que não estavam ancoradas nos pacotes tecnológicos, ditos modernos. Poucos camponeses conseguiram resistir e ainda assim, nas piores terras e vivendo situações de precarização social e ambiental em função 2 Refere-se aos trabalhadores/camponeses que experienciam o labor na terra perfazendo formas de ser e viver coadunados com as especificidades edafoclimáticas do Bioma Cerrado. Historicamente constituíram formas de uso e exploração da terra a partir das diferenciações naturais-sociais, experimentando formas materiais e imateriais de trabalho, que denotam relações sociais de produção e de trabalho, quase sempre, em acordo com as condições ambientais, resultando em múltiplas práticas sócio-culturais. A novidade está em que, ao envidarem ações políticas como cavalgadas, passeatas, atos públicos, ocupação de prédios e edificações públicas e privadas, fechamento de rodovias, dentre outras, carregam sentidos permeados pelos saberes-fazeres, fortalecidos pelas práticas sócio-culturais enraizadas a partir do labor na terra. Nesse sentido, compreendemos os trabalhadores/ camponeses que lutam por terra e por Reforma Agrária como parte dos Povos Cerradeiros, pois apresentam ações políticas que objetivam reafirmar ações que expressam (Re)Existência. Maiores informações ver MENDONÇA (2004). 192 Terra Livre - n. 34 (1): 189-202, 2010 da avassaladora ação do capital agroindustrial e financeiro. Para sobreviverem, se organizaram e passaram a disputar territórios com o agronegócio (recursos, apoio do Estado etc.) para se manterem vivos, perfazendo um mosaico nas formas de uso e exploração da terra em Goiás. A agroindustrialização impulsionada pelas necessidades das empresas nacionais e transnacionais propiciou a incorporação de vastas áreas de Cerrado, até então não-aproveitadas racionalmente à agricultura comercial/empresarial o que provocou mudanças significativas na paisagem regional (na organização espacial e na existência de outras modalidades de trabalho e de ordenamento territorial). As migrações campo-cidade e principalmente de outras áreas para Goiás em busca de melhores condições de vida alteraram profundamente a dinâmica das cidades existentes. Essa nova Geografia, que se territorializa no cultivo de soja e nas novas pastagens, nas franjas da Amazônia e da Caatinga (áreas do Norte e do Nordeste) e na expansão dos canaviais e das plantas processadoras, no Centro-Sul, é a principal ação das campanhas milionárias de marketing, por meio das quais o capital impõe sua “leitura” de moderno e de tecnificado, e é pelo mesmo caminho que setores expressivos da sociedade entendem ser essa a bola da vez para o desenvolvimento social e econômico e abertura de postos de trabalho. Considerando o processo geral e as dinâmicas específicas das diferentes expressões do capital agro-industrial-químico-alimentar-financeiro e suas respectivas composições societárias, cada vez mais presentes e marcantes parcelas do capital estrangeiro, está-se diante de uma nova divisão territorial do trabalho. (THOMAZ JUNIOR, 2007). O Cerrado é um ambiente extremamente explorado especialmente pela agricultura modernizada, que nos últimos trinta anos, modificou as paisagens (cumulativos de tempos), com destaque para os extensos chapadões que se tornaram imensos “mares” de soja. Os camponeses e pecuaristas tradicionais que não sucumbiram à modernização capitalista foram “empurrados” para as áreas com declividade acentuada e/ou para os fundos de vales, onde ainda resistem camponeses e alguns pecuaristas tradicionais. A construção de barragens nos rios do Cerrado desaloja esses sujeitos que deixam de ser produtores e se tornam tão somente consumidores, potencializando os já graves problemas urbanos, além de afogar as últimas áreas de refúgio de fauna e flora típicas do bioma Cerrado. (MESQUITA, 2004). O capital tende a ordenar o espaço a partir de uma centralidade difusa, substituindo a antiga concentração piramidal pelo poder resultante da gestão fluída e flexível das redes. Assim, qualquer análise acerca da territorialização do agrohidronegócio nas áreas de Cerrado necessita ser pensada a partir da lógica de expansão do capital industrial e financeiro, materializado nos complexos agroindustriais, conformando substanciais alterações na forma de uso e exploração da terra. EXPERIÊNCIAS E SENTIDOS EM DISPUT A: SABERES/FAZERES, DISPUTA: AIS, CANA- DE-AÇÚCAR E BARRAGENS... MEMÓRIA DA TERRA X SOJA, EUCALIPT EUCALIPTAIS A leitura das transformações agrárias no espaço do Cerrado necessita compreender o movimento do capital, a permanente autoexpansão impulsionada pela agudização das contradições e as novas formas de controle social sobre o trabalho, com o intuito de (des)qualificar a ação política dos trabalhadores e/ou dos sujeitos sociais das áreas cerradeiras. A criação deliberada de novos objetos e equipamentos técnicos, que incorporados ao Meio, aparecem como objetos geográficos, possibilitou mudanças bruscas nas formas de produzir. O impacto sobre as atividades tradicionais foi intenso, e os problemas decorrentes foram mascarados sob pena de comprometer o avanço do capital e de incentivar os movimentos sociais e ambientalistas para as causas sociais e ambientais do Cerrado. Guilherme Cassel em artigo no Jornal Folha de São Paulo (julho de 2007), diz que a agricultura familiar/camponesa é responsável por cerca de 60% dos alimentos que chegam à mesa das famílias brasileiras. Esses dados oficiais demonstram a importância desse setor da economia brasileira, quase sempre, relegado ao esquecimento por parte das políticas públicas no país. 193 MENDONÇA, M. R. COMPLEXIDADE DO ESPAÇO AGRÁRIO... Para os produtos oriundos das lavouras permanentes, as marcas em favor das pequenas unidades de produção são expressivas: 76,0% do algodão arbóreo; 85,4% da banana; 70,4 do café em coco. Tudo isso reflete na superioridade das pequenas unidades de produção (56,8%) no valor da produção (animal e vegetal), e também nas commodities (laranja, café e cacau), enquanto as médias detêm 29,6% e as grandes 13,6%. Em relação ao pessoal empregado, essas grandezas se repetem, pois de um total de 18.000.000 de trabalhadores, as pequenas unidades representam 87,3% e as grandes apenas 2,5%. É importante enfatizar que mesmo diante da superioridade das pequenas unidades, os latifúndios “escondem” a terra improdutiva, sabendo-se que, historicamente, o papel da grande propriedade no Brasil é de servir como reserva patrimonial de valor para as elites e setores hegemônicos, ao contrário das pequenas, que sempre se vinculam à produção, daí sua participação destacada no agronegócio. (OLIVEIRA, 2004). Esses dados reforçam o contraponto às teses que apresentam a homogeneização espacial a partir da modernização conservadora da agricultura, centrada nas grandes empresas rurais e empreendimentos barrageiros (agrohidronegócio) que promovem intensa degradação ambiental e não cumprem a legislação trabalhista. A alternativa, a nosso ver, está na leitura do território a partir da Geografia, enquanto uma ciência que objetiva compreender o processo de apropriação e produção do espaço, portanto, visa, destacadamente, compreender a produção dos territórios. É necessário partir da compreensão de que os territórios são urdidos, tecidos, desenhados e redesenhados, a partir das ações políticas forjadas no cotidiano, mas, também partir do entendimento de que esses territórios são tramados nas relações entre as personas do capital e os trabalhadores. Não são apenas territórios luminosos e/ou opacos, são territórios que denotam relações de poder, conforme a correlação de forças existentes. Caso não percebamos as diferenças que teimam em persistir diante da tão propalada homogeneização espacial, não conseguiremos enxergar as tramas urdidas no processo de produção dos territórios. Não é possível estabelecer, conforme o desejo do mercado, o discurso de que todos podem ser bons empreendedores. Ledo engano. A tentativa de uniformizar e padronizar as diferenças evidencia a habilidade dos protagonistas (empresas transnacionais, Estado) que não querem reconhecer a existência milenar de diferentes formas de uso e exploração da terra, estas coadunadas com as necessidades do Homem e do Meio. Na dimensão teórica faz-se importante recorrer a Thompson (1981) com o conceito de experiência para compreendermos, como um conceito distante3, como de camponês, relações de reciprocidades, memória, dentre outros podem ser estabelecidos. O autor diz que o que descobrimos está num termo que falta: a experiência humana. Os homens e mulheres retornam como sujeitos, dentro deste termo - não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa experiência em sua consciência e sua cultura. Ao vivenciarem suas experiências, esses sujeitos produzem representações sobre si, sobre o mundo e sobre sua ação neste mundo. Cândido (1979) nos apresenta um estudo sobre a vida caipira paulista, buscando apreender os traços constitutivos daquilo que compõe o tipo tradicional do ser caipira. Assim as dimensões da alimentação, habitação, costumes, compõem e reafirmam o que é a cultura do homem do campo. Essas abordagens nos auxiliam a compreender as tramas espaciais considerando o aprendizado coletivo dos sujeitos pesquisados. Há que refletir sobre o alerta de Primavesi (2007), quando ressalta o papel do equilíbrio natural-social, mencionando que na natureza há muitas coisas para as quais não temos respostas e para muitas respostas dizemos: “isso não é científico”! Nesses casos devemos aprender com os sujeitos que ali vivem, pois aprenderam a partir da observação e da experiência, algo que a ciência ainda não descobriu adequadamente. 3 GEERTZ, C. Do ponto de vista do nativo: a natureza do entendimento antropológico. In: O saber local - Novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997 194 Terra Livre - n. 34 (1): 189-202, 2010 Essas lições sequer são lembradas pelo capital. O agrohidronegócio é o portador do progresso, que, ao ser ideologizado pelas elites, se efetiva, enquanto materialidade capitalista. Por isso não se deve desconsiderar os seus aspectos negativos, uma vez que forja um pacto de alianças, não apresentando as contradições que são, inclusive, condição para a sua operacionalização. A construção de ações políticas a partir de elementos sócio-culturais que asseguram nichos identitários e o permanente diálogo com o mundo denota a compreensão de que as questões reivindicadas estão situadas na articulação do lugar com o mundo e vice-versa, apontando para novas sociabilidades aceleradas pelo movimento do capital agroindustrial e financeiro. É nessa interlocução com o sistema mundo que se singularizam e, buscam se afirmar, a partir dos constructos políticos e culturais. São essas motivações/ações que nos farão extrair entendimentos e conhecimentos das respectivas relações sociais vivenciadas pelos trabalhadores, e que podem se externalizar por meio de diferentes atividades (nos campos e nas cidades), como também incidir em mais de uma modalidade para um mesmo trabalhador – daí o conceito de plasticidade ocupar importante contribuição explicativa sobre a dinâmica geográfica do trabalho –, a partir do momento em que realizam diferentes atividades laborativas, em territórios e momentos também diversos e sem nenhuma unidade teórica e analítica que coloque em evidência a atualidade da fragmentação do trabalho. Nesse sentido, as práticas agroecológicas, algumas resgatadas e modificadas em acordo com as novas necessidades técnicas podem expressar a resistência dos camponeses associada aos consumidores que passam a exigir produtos mais saudáveis, inaugurando uma relação diferenciada com o Meio. Essas ações permitem a busca por uma alimentação saudável e propicia a união de esforços na defesa da reforma agrária, no apoio aos homens e mulheres que lavram a terra e, se colocam, contra as agressões ao meio ambiente. Isso pode apontar a unificação orgânica do trabalho, em que os trabalhadores (no campo e na cidade) se juntam para reivindicar novas formas de produção e novas relações de trabalho, valorizando as ações rumo à soberania alimentar. Essa reflexão é fundamental para a Geografia, pois o que está em jogo é a defesa dos territórios (camponês, indígena, quilombola, ribeirinho, seringueiro, cerradeiro). A defesa das condições de vida e de relações adequadas com a natureza é possível a partir da garantia da permanência e do acesso a terra através de uma reforma agrária que assegure dignidade aos trabalhadores/camponeses e que consiga incorporar os saberes da vida. Assim, deve levar em conta as especificidades do solo, do clima, dos recursos hídricos e, principalmente os saberes-fazeres, as experiências e vivências dos sujeitos rumo ao fortalecimento da luta pela terra e pela reforma agrária, pois o que está em jogo não é apenas a sobrevivência do capital, mas a produção de alimentos e sua adequada distribuição para assegurar plenas condições de vida para a maioria da população mundial. A luta contra as barragens e a luta pela terra são ações que objetivam a sobrevivência digna para milhares de famílias, configurando-se em luta concreta pela cidadania. É a partir dessa compreensão que se utiliza a categoria movimentos sociais como condição para efetivar as leituras geográficas, a partir do confronto capital x trabalho na disputa pelo território. A identificação de perspectivas emancipatórias, considerando o direito à diferença, se coloca como um divisor de águas entre a razão hegemonizada pelo capital e as racionalidades que pululam e teimam em (Re)Existir pelos diversos territórios, configurando distintas territorialidades. Os movimentos sociais que lutaram e lutam pela terra, pela água e contra as barragens, pela cidadania plena são legítimos produtores do espaço geográfico, denotando distintos territórios e diferentes formas de concreção espacial, ou seja, as territorialidades. Quando nos referimos aos modos de vida dos Povos Cerradeiros trata-se da forma como se realiza a vida cotidiana, envolvendo os modos de fazer, ser, interagir e representar, produzidos socialmente. AS (RE)EXISTÊNCIAS... Os homens se relacionam a partir do processo de produção e no campo essa relação é 195 MENDONÇA, M. R. COMPLEXIDADE DO ESPAÇO AGRÁRIO... baseada no cultivo e no labor com a terra, uma prática econômica e sociocultural que entrelaça diversos sentidos. Para apreender como esses sujeitos marcam e demarcam seus territórios e temporalidades torna-se fundamental ter como referência o tempo da natureza, que é o de plantar, o de colher, o de armazenar, mas também é o de comer e o de festar. O que nos interessa é a partir da dimensão espacial da modernização do capital nessas terras, compreender o universo camponês e as formas de (Re)Existência construídas. Essas ações são permeadas por lutas pela permanência na terra, mas também por variadas dimensões do ser camponês, como as práticas socioculturais (religiosidade, festas, atividades políticas e oferta/recebimentos de demão, mutirões, “traições”, enfim, o trabalho coletivo etc.) que firma e estabelece laços de solidariedade, possibilitando resolver questões do cotidiano. Outro aspecto, não menos importante, é fazer o contraponto às ações desenvolvidas pelo agrohidronegócio nas áreas de Cerrado, tidas e havidas, como a única forma de uso da terra que gera trabalho, renda e inclusão social, melhorando a vida de todos. Assim, o foco é (des)construir as falácias implementadas pelos empresários rurais e seus apoiadores, sustentados pelo Estado e pelo capital agroindustrial, químico e financeiro transnacionalizados. As transformação no campo, a partir da implementação dos novos sistemas técnicos e tecnológicos, alterou os modos de vida dos trabalhadores/camponeses, mas também trouxe (Re)Existências. Compreendemos (Re)Existência, como a associação da defesa da terra de trabalho às novas ações políticas (protestos, marchas, fechamento de rodovias, ocupação de prédios públicos etc) fortalecidas pelas práticas socioculturais. Esse processo possibilitou aos trabalhadores/camponeses a constituição de várias (Re)Existências, seja nas práticas pedagógicas e/ou socioculturais, seja na ação política na luta contra a desterritorialização, na luta pelo acesso a terra e na luta pela reforma agrária, na luta pela água e contra a s barragens, configurando a defesa dos territórios da vida. Embora diversas ações dessa natureza tenham ocorrido ao longo da história, há que considerar que, com a modernização capitalista no campo, os constructos políticos e ideológicos foram fortalecidos, pois afirmavam a necessidade de aceitar o moderno e, para isso, era preciso desenraizar-se. […] para ser moderno havia que negar as raízes rurais, os valores, os comportamentos, as formas de expressão cultural, enfim, a tradição. Ainda, era necessário se revestir dos valores e das ações que chegavam, trazidas pelo capital industrial e financeiro que apontavam novas necessidades de consumo. Mais tarde, à medida que os trabalhadores foram tendo acesso aos bens produzidos, também incorporaram os novos objetos, reelaboraram suas ações, mas não abandonaram por inteiro as sociabilidades construídas nas áreas rurais, constituindo sociabilidades híbridas. As práticas solidárias de ajuda mútua, mutirão, companheirismo, compadrio e festas religiosas, entre outras, foram transpostas para as áreas urbanas, possibilitando uma simbiose diversa e riquíssima entre experiências intercambiadas no processo de desterritorialização dos Povos Cerradeiros. (MENDONÇA, 2004 p. 137). As práticas sociais e culturais, tipicamente rurais, reconstruídas nos espaços urbanos possibilitam a criação de ações políticas que podem fundir a luta pelos direitos básicos de existência na cidade (moradia, saneamento básico, saúde, educação etc.) com a necessidade da reforma agrária, diante da territorialização dos movimentos sociais que lutam pela terra. A relação cidade-campo apresenta novos contornos que podem potenciar a luta por dias melhores, tanto no campo, com a exigência da reforma agrária, quanto na cidade pelas políticas públicas de gestão do espaço urbano, conforme as necessidades das classes trabalhadoras. Assim a agricultura camponesa se caracteriza pela relação complexa entre terra, trabalho e família e o resgate do cultivo e da cultura com práticas agroecológicas (exemplo o cultivo de sementes crioulas), além de constituir o sustento e a soberania alimentar, garante a (Re)Existência histórica e cultural dos trabalhadores/camponeses. Sabe-se que é possível (des)construir as informações que sustentam os mitos do agrohidronegócio. Todavia, essa atitude implica um posicionamento político e científico que, quase sempre, intelectuais e demais agentes formadores de opinião não desejam e não querem. São muitos os interesses das oligarquias financeiras oligopolizadas, ansiosas pe- 196 Terra Livre - n. 34 (1): 189-202, 2010 las fatias de mercado e por impor novos padrões de consumo a partir da transgenia e da comercialização de novos pacotes tecnológicos, que nos deixam “saudosos” das famigeradas medidas implementadas pela Revolução Verde. Torna-se fundamental se debruçar sobre a geopolítica da água e/ou dos novos recursos, tais como a sociobiodiversidade, as práticas socioculturais que movem e expressam outras racionalidades, portanto, cosmovisões que, paulatinamente, estão sendo apropriadas e incorporadas ao modus vivendi. Há que ter cuidado com os discursos afoitos e as decisões apressadas que aprontadas para dar respostas à crise do capital, não podem e jamais poderiam significar mudanças no processo de produção social, pois na essência o controle do capital se efetiva, de forma mais sutil, mas também de forma mais eficaz, pois travestida de ações humanizadoras agrega pesquisadores, setores progressistas, Organizações não Governamentais, partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais que com a espetacularização dos fatos, aplaudem sem saber ao certo os sentidos e os significados dessas investidas. Não é possível fazer a defesa da agroenergia como uma das soluções para a questão ambiental, embora é sabido que pesquisas sobre fontes alternativas são fundamentais, desde que os seus resultados sejam disponibilizados para os interesses da maioria e não para serem mercantilizados para aqueles que podem pagar mais. Por outro lado, não se pode negar que os agrocombustíveis estão ocupando solos que produzem grãos, impactando a oferta de alimentos no mercado mundial, provocando a elevação dos preços. A questão central é perceber que a agroenergia, os agrocombustíveis e similares fazem parte de uma necessidade de expansão das condições de produção/reprodução do capital, mediante a necessidade histórica de manter os padrões de acumulação. Certamente, é necessário repensar que a civilização contemporânea se baseia na utilização acelerada dos combustíveis fósseis e isso é um dos principais agravantes para assegurar a (in)sustentabilidade ambiental no Planeta. Entretanto, não se pode dissociar essa proposta da necessária discussão sobre as formas de produção e o acesso aos bens produzidos socialmente. O receio é que se fazermos uma reflexão qualificada, daqui a algumas décadas tenhamos veículos movidos a hidrogênio possíveis de serem adquiridos, mas concentrados nas áreas limpas (ricas) em função da manutenção das relações de poder entre as economias mundiais. Em Goiás, em publicação recente realizada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência Regional, Castro et. al (2007), destaca que das 103 usinas listadas (18 em operação, 29 em implantação, 41 com projeto aprovado e 15 com projeto em análise), 77 concentram-se no Sul Goiano, área de maior concentração de infra-estrutura e populacional. Destaca que a questão ambiental (solo, água) deve ser uma preocupação fundamental, pois: [...] mais da metade do território goiano (cerca de 60%) contém solos com elevada a moderada aptidão agrícola para a cultura da cana e relacionada principalmente a latossolos, argissolos e cambissolos, onde 17 mil km2 respondem pelo alto potencial e 85 mil km2 pelo moderado. Em ambos a prática irrigada poderá significar uma maior pressão sobre a oferta hídrica, relacionada principalmente à necessidade de irrigação, em consequência da forte sazonalidade e possível baixa disponibilidade de água nos solos [...] (CASTRO et al., 2007, p. 17). Ainda acrescenta o que mencionamos anteriormente, sobre a substituição e ou a redução das áreas dedicadas ao uso agropecuário, destacando-se o uso agrícola: “Considerando-se o uso dos solos, aproximadamente 60% das usinas estarão instaladas em áreas de uso agrícola associado a culturas anuais em 2003, o que revela tendência de substituição de áreas já tradicionalmente agrícolas praticadas sobre solos com melhor potencial do estado.” Castro et al (2007, p. 17). A principal ameaça é a atuação predatória das grandes empresas transnacionais nos países mais pobres, principalmente na América Latina, na África ou na Ásia. Essas empresas pressionam os governos a adotarem políticas que restringem o acesso das populações mais necessitadas aos recursos hídricos. A estratégia dos conglomerados empresariais internacionais apoiados pelos Estados dependentes, dentre eles o Brasil, consiste na monopolização da água para a viabilização de grandes projetos, como a construção de grandes 197 MENDONÇA, M. R. COMPLEXIDADE DO ESPAÇO AGRÁRIO... barragens (energia, irrigação, hidrovias etc) para assegurar reservas d’água, visando garantir a acumulação de recursos para a produção de mercadorias e um maior controle sobre as populações empobrecidas nessas localidades. Exemplificando, que possamos fazer uma reflexão sobre a ação dos empreendimentos barrageiros. Apenas no Estado de Goiás estão previstas a construção de quase uma centena de usinas hidroelétricas (Pequenas Centrais Hidrelétricas com capacidade instalada de produção inferior a 30 MW e Usinas de Aproveitamento Hidrelétrico acima de 30 MW), controladas por grandes transnacionais da energia, destacando-se a Alcoa e a Tractebel Energia. Nas áreas de Cerrado e, particularmente, no Estado de Goiás (berço das águas) são fundamentais informações científicas da rede hidrometeorológica, bem como, das condições de acesso/uso, principalmente diante das investidas dos megaprojetos hidroelétricos transnacionais que visam assegurar a produção de energia barata para os grandes conglomerados industriais eletrointensivos. Ainda, há que observar a proliferação desenfreada de lagos artificiais de diversas dimensões para assegurar a irrigação sem os procedimentos adequados para atender a demanda das atividades agroexportadoras. Não resta nenhuma dúvida sobre a reinvenção de nomenclaturas, quase sempre, para garantir as velhas formas de sustentação das relações de poder, centradas nas mãos de poucas grandes empresas transnacionalizadas, configurando as disputas pelos territórios sob o argumento de “acabar com a fome”. A fome é uma questão política e não se deve crer que o capital esteja preocupado em incentivar o agronegócio dos agrocombustíveis para diminuir os impactos ambientais e sociais, mas muito mais para ampliar as condições de geração de lucros, aumentando a produção de mercadorias e não de alimentos, uma vez que para ter acesso aos alimentos há que ter dinheiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS A complexificação das configurações geográficas a partir das alterações na forma de produzir valor (desemprego conjuntural e estrutural) promoveram a mais cruel realidade para grande parcela dos trabalhadores brasileiros, sendo que, o empobrecimento é significativamente maior entre os trabalhadores oriundos da terra. Vive-se a espetacularização de alternativas, aparentemente novas, para manter as velhas formas de produção do capital. Isso implica em criar e fortalecer ações que questionam a natureza da produção social na contemporaneidade, buscando, efetivamente, repensar os territórios a partir do conflito, da disputa, da contradição. Isso só é possível a partir da ação dos movimentos sociais. Mas, persistem as travagens impostas pelo estranhamento, impedindo que os trabalhadores concebam o espaço da produção enquanto um espaço social cheio de possibilidades libertadoras. A força dos movimentos sociais reside no processo permanente de espoliação e superexploração vivida pelos trabalhadores, que atira todos os dias, milhares de famílias na indigência assistida. As mudanças no processo produtivo empurram os trabalhadores para as formas precarizadas de trabalho, destacando-se a informalidade, o subemprego, as múltiplas formas terceirizadas e subcontratadas de trabalho e, ainda, a responsabilização social desses sujeitos sociais pelas crescentes condições de miserabilidade. Por fim, preocupam as condições de trabalho em que a maioria dos trabalhadores são submetidos. Os casos de trabalho escravo estão tomando as páginas dos jornais e, lembramos que parcela significativa, acaba não sendo conhecida do público. Entre as diversas denúncias de trabalho escravo no Brasil, o agrohidronegócio de destaca, mas temos que perceber que nos grandes centros urbanos e empresas, tidas como cumpridoras da legislação trabalhista, estão mergulhadas na fétida lista de utilizarem trabalho escavo. Esse é o caso das Lojas Marisa em que a Superintendência Regional do Trabalho e do Emprego do Estado de São Paulo, no dia 18/02/2110, encontrou trabalhadores bolivianos em condições análogas à escravidão em oficinas de costura. Isso demonstra a natureza destrutiva do capital, independe se no campo ou na cidade. Outro aspecto não menos relevante é a aquisição de terras pelo capital estrangeiro. 198 Terra Livre - n. 34 (1): 189-202, 2010 Estima-se que cerca 4,3 milhões de hectares foram comprados por estrangeiros. “Na maior parte das vezes, o capital ‘gringo’ destina-se a subsidiar atividades ligadas ao agronegócio, como a produção de grãos (soja, milho e demais), cana-de-açúcar, algodão (NASCIMENTO, 2009, p. 01). No setor sucroalcooleiro existem informações em que cerca de 20% da capacidade produtiva já está nas mãos do capital agroindustrial e financeiro estrangeiros. Refletir, pesquisar e se posicionar sobre essas realidades espaciais é tarefa de todos aqueles que se preocupam com uma sociedade mais humana, inclusive, para evitar que os erros históricos na forma de apropriação do espaço não se repitam. Denúncias de maus tratos aos trabalhadores, escravidão etc. que, infelizmente, ocorrem diariamente não podem fazer parte do processo de (des)envolvimento. Chega de descaso social e ambiental em nome do progresso. Compreender que as ações implementadas pelo agrohidronegócio são possíveis no marco regulatório do Estado capitalista é um desafio, por conta dos compromissos e interesses entre as classes hegemônicas. Entretanto, o que podemos fazer, minimamente, é exigir o cumprimento da legislação trabalhista e ambiental. Ainda deve-se reivindicar o zoneamento econômico-ecológico, a agregação de valor aos produtos conforme o interesse das populações tradicionais, o aproveitamento adequado dos potenciais produtivos dos territórios, políticas públicas eficazes para a agricultura familiar/camponesa etc., e, isso, exige disposição política, compreensão da realidade sócio-econômica e participação efetiva da sociedade. As tarefas não são fáceis, por isso é preciso (re)agir rumo a compreensão de que todas essas ações são mitigadoras, pois enquanto perdurar as formas de produção capitalistas a ameaça à sobrevivência de bilhões de homens e mulheres será uma constante. REFERÊNCIAS ARCILA, R. A. R. (COMP.). SABERES DE VIDA : POR EL BIENESTAR DE LAS NUEVAS GENERACIONES. SIGLO DEL HOMBRE EDITORES, UNESCO/BOGOTÁ, 2004. ALVES, G. O novo e precário mundo do trabalho trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000. BACZKO, B. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi Einaudi. v.5. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985. BARTRA, A. Marginales, polifônicos, transhumantes: los campesinos del milênio. In: FERNANDES, B. M.; MARQUES, M. I, M.; SUZIKI, J. C. (Org). Geografia agrária teoria e poder poder. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p.85-103. BIHR, A. Da grande noite à alternativa alternativa. São Paulo: Boitempo, 2004. CANDIDO, A. 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Terra Livre - n. 33 (2): 155-170, 2009 A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO VIMENTO DESENVOL NO ESPÍRITO SANTO BRASIL - THE DECONSTRUCTION OF DEVELOPMENT DOCTRINE IN ESPÍRITO SANTO BRASIL LA DECONSTRUCCIÓN DE LA DOCTRINA DEL DESARROLLO EN EL ESPÍRITO SANTO BRASIL PAULO CÉSAR SCARIM UFES pauloscarim@hotmail.com Terra Livre Resumo: Este trabalho busca resgatar a institucionalização do desenvolvimento. O desenvolvimento baseado na predominância de um único sistema de conhecimento expandiu a marginalização e a desqualificação de outros sistemas de conhecimento, a partir dos quais seria possível encontrar racionalidades alternativas às formas de conhecimentos economicistas e reducionistas. Várias versões locais do desenvolvimento foram criadas, a do Espírito Santo (Brasil) foi uma delas. Buscamos neste trabalho demonstrar, por meio do exame das formas, a partir das quais se instalou o desenvolvimentismo , os limites existentes para este projeto, enfocando as ações coletivas dos movimentos sociais, representando a alteridade, possibilitando, assim, enxergar a insurreição discursiva. Summary: This paper tries to rescue the development institutionalization . The development based on the predominance of a single system of knowledge spread the marginalization and disqualification of other knowledge systems, from which it would be possible to find alternative forms of rationalities knowledge economistic and reductionist. Many local versions of the development were created, as the Espírito Santo‘s (Brazil) version . This work aims to demonstrate, through an examination of forms, from which he settled developmentalism, the limits existing for this project, focusing on the collective actions of social movements, representing the otherness, and thus make seeing the insurgency discourse. Resumen: Este trabajo trata de rescatar la institucionalización del desarrollo. El desarrollo basado en el predominio de un sistema único de difundir el conocimiento ha expendido la marginación y la descalificación de otros sistemas de conocimiento, de la que sería posible encontrar racionalidades alternativas a las formas de conocimiento economicista y reduccionista. Diversas versiones locales del desarrollo fueron creados, el del Espírito Santo (Brasil) fue uno. Este trabajo pretende demostrar, mediante un estudio de las formas, de la cual se estableció el “desarrollismo”, los límites existentes para este proyecto, centrado en las acciones colectivas de los movimientos sociales, en representación de la alteridad, y así hacer ver la insurgencia discursiva. São Paulo/SP Ano 26, V.1, n. 34 p. 203-220 Jan-Jun/2010 203 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... 1- INTRODUÇÃO Desconstruir o Desenvolvimento é um desafio, ou uma necessidade vital como argumenta Orlando Fals Borba na introdução ao livro de Arturo Escobar, La Invención del Tercer Mundo (1996). Escobar produz uma obra fundamental, pois descortina a construção do Desenvolvimento, ou seja, daquela ideologia que encontrou conjuntura propícia no período após a Segunda Guerra Mundial, tendo a doutrina Truman como o centro e a O.N.U como instrumento principal de propagação do modelo das sociedades avançadas da época, baseado na urbanização e industrialização, tecnificação da agricultura, rápido crescimento da produção e aceitação dos valores modernos, da sociedade produtora e do consumo de mercadorias. Os principais componentes dessa ideologia eram o capital, a ciência e a tecnologia. Esta doutrina propagava a necessidade de reestruturação das sociedades agora localizadas, cartografadas e hierarquizadas como subdesenvolvidas nas quais saberes deveriam ser erradicados, instituições desintegradas e modos de vida transformados, pois vistos como obstáculos ao progresso econômico. O debate em torno da natureza deste desenvolvimento vai dominar o eixo das discussões no agora denominado terceiro mundo nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Mais que sua formulação, o que chama à atenção é a forma de aceitação e implementação desta doutrina na Ásia, África e na América Latina, pois a crítica ficou muito em torno do tipo de desenvolvimento e menos sobre as incertezas acerca desta doutrina. A realidade, como lembra Escobar (1996), foi colonizada pelo discurso do desenvolvimento, que se converteu em certeza para o imaginário social, dominando o espaço discursivo da época. Transformado num novo campo do pensamento e da experiência, o desenvolvimento constituiu-se também nas próprias estratégias para o enfrentamento dos obstáculos ao mesmo, ou seja, em estratégias para interromper historicidades. Parte da estratégia era discursiva (colonialista), para a qual o terceiro mundo caracterizava-se apenas pela fome, analfabetismo e impotência, necessitando, portanto, da ajuda dos países ocidentais do norte. Escobar fala do desenvolvimento como uma experiência, historicamente singular, caracterizada por criar um domínio do pensamento e da ação, definido por formas de pensamento através do qual ganha existência (objetos, conceitos e teorias), por um sistema de poder que regula a prática e por formas de subjetividade fomentada por este discurso (reconhecimento). Esta formação discursiva dá origem a todo um aparato eficiente que relaciona formas de conhecimento com as técnicas de poder. Se por um lado, Escobar procura mostrar o estabelecimento, a construção e a consolidação do desenvolvimento e o recorrente subdesenvolvimento e como, a partir daí, se estrutura o aparato de conhecimento e poder, por outro, procurou dar visibilidade às cartografias de resistências, aos mapas conceituais das experiências terceiro mundistas e às categorias com as quais se viram obrigadas a resistir. Numa perspectiva desconstrutivista o autor busca expor a imagem do terceiro mundo e identificar as palavras do discurso do desenvolvimento (e seu caráter arbitrário): mercado, planejamento, população, meio ambiente, produção, igualdade, participação, necessidade e pobreza. O desenvolvimento baseado na predominância de um único sistema de conhecimento dilatou a marginalização e a desqualificação de outros sistemas de conhecimento, a partir dos quais seria possível encontrar racionalidades alternativas às formas de conhecimentos economicistas e reducionistas. Várias versões locais do desenvolvimento foram criadas, a do Espírito Santo foi uma delas. Buscamos neste trabalho demonstrar, por meio do exame das formas, a partir das quais se instalou o desenvolvimentismo, os limites existentes para este projeto, enfocando as ações coletivas dos movimentos sociais, representando a alteridade, possibilitando, assim, enxergar a insurreição discursiva. 204 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 2- O DESENVOLVIMENTISMO VIMENTISMO NO DESENVOL ESPÍRITO SANTO Em um primeiro momento cabe desnudar a economia do desenvolvimento – seu elemento mais influente – e o papel dos modeladores que, por meio de um conjunto de técnicas racionais (planejamento, medição, valoração, conhecimentos profissionais e práticas institucionais), organiza a produção das formas de conhecimento e dos tipos de poder. Partiremos, portanto, da forma local do desenvolvimento, seus atores e seus discursos. Na análise econômica recorrente no período desenvolvimentista - focada nos elementos do movimento do capital - o Espírito Santo aparece como região periférica ou de desenvolvimento industrial incompleto. Recuperados os impactos da Segunda Guerra Mundial, uma nova divisão mundial do trabalho passa a ser delineada na conjuntura geopolítica da Guerra Fria. A concentração do capital, a formação de grandes conglomerados econômicos e a ampliação da escala de produção e consumo são marcas importantes deste período. Existem muitas outras. Estas transformações das economias dos países desenvolvidos passam a exigir esforços modernizadores das economias subdesenvolvidas, no sentido de aliar o aparato estatal ao capital internacional e nacional. A criação da Cepal em 1948, do BNDE em 1952 e da SUDENE em 1959 foram elementos da institucionalização do desenvolvimento na América Latina e no Brasil. No Brasil estas transformações provocaram a internalização das dinâmicas internacionais e a internacionalização do capital, o que provocou reassentamentos políticos entre as forças dominantes tradicionais e os propulsores da industrialização-urbanização. A centralização política, as mudanças nas leis e os planos de desenvolvimento são aspectos cruciais nesta reorganização político-institucional. A concepção hierárquica e classificatória da visão de mundo centrada no modelo ocidental-moderno produziu a hierarquização regional, tendo como pano de fundo dois brasis, o moderno e o arcaico. A internalização da visão cepalina e o Plano de Metas (1950-1955) são saídas apresentadas ao suposto atraso das regiões periféricas. Impõem, para tanto, a aplicação de investimentos em infraestrutura de energia e transporte, a integração dependente entre centro e periferia e a substituição das importações. A inserção das regiões periféricas se dará, dentro desta divisão espacial do trabalho e da lógica do capital, como área complementar e de possibilidades limitadas. O Espírito Santo, mesmo fazendo parte da região Sudeste, região moderna-industrial, portanto, não apresentando os níveis de industrialização característicos das regiões centrais foi localizado na periferia desta região, o “Nordeste do Sudeste”, como normalmente passa a ser caracterizado a partir deste contexto de criação das grandes regiões brasileiras (a partir da década de 1940) e do desenvolvimentismo brasileiro (a partir da década de 1950). Esta percepção do atraso produz também uma leitura interna ao solo capixaba de seu presente e de seu passado, como também das possibilidades futuras. Quanto ao passado, o atraso transparece como isolamento colonial, ocupação predominantemente litorânea e reconhecimento das barreiras naturais e institucionais à dominação do solo. O modelo agroexportador baseado em ciclos de monoculturas passa a ser visto como forma-conteúdo do atraso. A palavra-chave deste discurso foi crise do café café. O comércio do café, principal produto exportador, era controlado por grandes mercadores sediados, principalmente, no Rio de Janeiro. Com o aumento da produção e a queda do preço, na década de 1950, as condições para a realização do capital estavam se estreitando. As unidades agrícolas capixabas, principalmente as produtoras de café, eram em sua maioria familiares, com pouco trabalho assalariado e pouco consumo, porque autosuficientes, e foram identificadas como a causa do atraso. A busca, neste trabalho, da compreensão das territorialidades na formação do espaço agrário capixaba revelou um complexo de conflitos demarcados temporalmente por um acúmulo desigual, no território, das experiências de resistências às tentativas de desterritorialização. Este processo de acúmulo, por sua vez, foi se configurando por rupturas nas formas 205 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... e dinâmicas territoriais definindo padrões diferenciados de conflitividade que nos permitiram periodizar este processo em quatro lógicas diferenciadas: a colonial, a moderna colonial, a desenvolvimentista moderna colonial e a global desenvolvimentista moderna colonial. Para se implantar no estado do Espírito Santo, a ideologia desenvolvimentista necessitou produzir uma versão sobre a história, uma concepção sobre o real e uma visão sobre o futuro. Na versão sobre a história, construiu a tese sobre o vazio demográfico, sob a lógica de que a colonização-modernização foi um processo constante de ocupação de terras de ninguém, provocando intencionalmente a invisibilidade e a subalternização de ambientes e povos. Quanto à concepção sobre o real - que se constitui parte e reforço da tese do vazio demográfico - a expansão de áreas subalternizadas deram-se pelo critério da desqualificação das áreas como atrasadas e subdesenvolvidas, num processo autoritário de desagregação da pequena agricultura familiar e de liberação de áreas para outros usos considerados mais modernos e racionais. A visão sobre o futuro busca, a partir da desqualificação e da deslegitimação do conhecimento popular, apoiada no domínio da ciência e da técnica, ordenar o futuro. Para tanto, a razão como única alternativa à saída da crise é apresentada a partir do domínio da razão, escamoteando a defesa radical dos interesses da industrialização. Buscamos analisar os documentos e estudos da época que institucionalizaram a ideologia do desenvolvimentismo e os modos como esta ideologia se propagou atingindo trabalhos acadêmicos da época e também de décadas posteriores. Buscaremos, na análise, expor as ideias fortes e palavras chaves desta construção ideológica. Antes, porém, foi necessário entendermos o contexto na qual estas concepções foram implementadas e quais foram os sujeitos e intencionalidades que nortearam a elaboração do ideário do desenvolvimento. Resumidamente o fortalecimento de Vitória, com seus portos e ferrovias, como centro exportador de café e minérios, ainda no final da década de 1950, acelerando o comércio urbano, vai provocar também transformações nas políticas e nos interesses públicos e privados no estado a partir dos governos de Jones dos Santos Neves (1951- 54) e seus interesses industrializantes; de Francisco Lacerda de Aguiar (1955- 58) e os interesses mercantis exportadores e de Carlos Lindenberg, a partir de 1959, com os interesses agromercantis. A criação das Federações, do Comércio em 1954 e da Indústria em 1958, reforça esta conjuntura. É neste contexto que a Federação das Indústrias do Espírito Santo – FINDES – começa sua atuação, procurando influenciar nas políticas públicas no estado. E, também, o debate sobre o desenvolvimento do estado ganha notoriedade pública. As primeiras iniciativas da FINDES já demonstram as perspectivas de sua atuação no momento em que cria um conselho técnico e realiza um levantamento geoeconômico do estado. Do conselho técnico faziam parte personagens que posteriormente vão assumir importantes posições no governo estadual, grandes empresas e em setores diversos da sociedade capixaba, entre eles Arthur Carlos Gerhardt Santos. A criação do Conselho Técnico da Federação das Indústrias vai transformar a FINDES em órgão auxiliar dos poderes públicos, no que tange aos problemas industriais. Contribuíram para esta efetivação a realização de diversos eventos, seminários, documentos, estudos e intervenções diretas na pauta política e economia local. A criação da SUDENE, em 1959, influencia significativamente tais iniciativas, pois o Espírito Santo, ao ser excluído destes projetos, passa a reivindicar políticas de atração de investimentos e de isenção fiscal, levando o governo local a criar um Grupo de Trabalho – GT, formado pelos representantes das indústrias e das finanças locais, prefeituras e governos estadual e federal. A este GT coube a incumbência de elaborar estudos visando planos de desenvolvimento para o estado. Diante da “crise” financeira que o estado atravessava com a economia “presa” ao café, buscou-se influenciar os líderes locais para libertar o estado desta “monocultura” a partir do fomento à industrialização. Através de subgrupos e de seminários regionais, medidas foram elaboradas para incentivar a industrialização, ampa- 206 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 rar a agricultura e institucionalizar o planejamento. É possível perceber as mudanças nos discursos oficiais nos anos de 1960 e 1961, fortalecendo a visão da promoção do desenvolvimento, visíveis nas articulações para a mudança da sede da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD – para Vitória e com a construção do Porto de Tubarão em Vitória. Assim os discursos oficiais passam, cada vez mais, a ter uma perspectiva industrializante e de crítica ao isolamento do estado. Diversos documentos deste período começam a ressaltar o “problema do café” Em 1961, como um dos resultados destes esforços, foi criado o Conselho de Desenvolvimento Econômico – CODEC, que funcionaria como orientador do governo. Mas as medidas sugeridas pelo conselho, na época, não eram aprovadas pela Assembleia Legislativa, constituída na sua maioria por representantes do setor agromercantil que aprova apenas tímidas medidas de isenção fiscal. Em 1962, o Grupo Executivo de Recuperação Econômica da Cafeicultura – GERCA1 – elaborou um plano com o objetivo de reduzir a produção cafeeira. Os resultados não foram tão expressivos como o esperado. Francisco Lacerda de Aguiar volta ao governo do estado em 1963 e, com ele, a agricultura volta a ser prioridade nos discursos governistas. Algumas medidas são conduzidas neste sentido através do “Plano de Industrialização Rural”, do “Plano Educacional Emergencial”, do estímulo ao processamento de produtos agrícolas tradicionais e ao associativismo de pequenos empreendimentos rurais. Além disso, fortalece a “Associação de Crédito e Assistência Técnica Rural do Espírito Santo”” – ACARES2 – e a assistência rural, que acabaria assumindo o poder político antes conferido aos representantes da FINDES. A criação da Secretaria de Planejamento reduz o poder de intervenção da FINDES. Em 1964, a FINDES propõe a criação da “Comissão de Desenvolvimento do Meio Leste” – COMLESTE – que serviria para atração de investimentos. Propõe também a extensão da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste –SUDENE – para a área ao norte do Rio Doce, ambas propostas negadas pelo governo federal. A partir do Golpe Militar de 1964, institui-se a centralização do poder e das decisões, o crescimento econômico com a política macroeconômica expansionista, e a promoção de investimentos privados através de incentivos fiscais e de linhas de financiamento diretos com taxas de juros subsidiadas. Em 1965, devido a várias pressões locais e federais, o governador Francisco Lacerda de Aguiar renuncia e em seu lugar assume o vice-governador Rubens Rangel, articulado aos interesses das bases industrializantes. Neste governo interino, ganha força a Secretaria de Planejamento e o CODEC. Este último passa a ser presidido por Arthur Carlos Gerhardt Santos que, na época, era do quadro técnico da FINDES, após passar por seis meses de estudos nos EUA. A Reforma Tributária promovida pelo governo federal que se efetivou nos anos de 1966 e 1967, fortalece a centralização do poder, premiando a capacidade de articulação de interesses regionais de cada unidade federativa junto ao poder central e, com a criação de instituições e instrumentos locais de fomento, promove a corrida por recursos federais. Christiano Dias Lopes Filho, que governou de 1967 a 1970 – primeiro governador indicado pelo regime militar –, monta um quadro “técnico” a partir do Grupo de Trabalho constituído no governo anterior por Arthur Carlos Gerhardt Santos, Lélio Rodrigues, Manuel Martins, mais assessores de fora do estado. Ao mesmo tempo vive-se o momento de um governo federal com centralização em Brasília e do recrudescimento do autoritarismo e da violência. É neste contexto que as comunidades indígenas e quilombolas sofrem um dos processos mais rápidos e violento de desterritorialização para plantio de monoculturas de árvores de eucalipto. A influência da FINDES aumenta com Christiano Dias Lopes Filho, o que é visível 1 O Grupo Executivo de Recuperação Econômica da Cefeicultura – Gerca, foi criado pelo governo federal em 1961. 2 A Associação de Crédito e Assistência Rural do Espírito Santo, ACARES, foi criada em 1956 e viria a se desdobrar na EMATER e na INCAPER. 207 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... no seu plano de governo que foi baseado no “Diagnóstico para o Planejamento Econômico do Espírito Santo”, documento elaborado pela FINDES em 1966. É significativo dizer que este pode ser entendido como um “governo da FINDES”. No entanto, o fato é que Christiano Dias Lopes Filho foi o primeiro representante que não pertencia ao setor agrofundiário do Espírito Santo. Além disso, a Federação das Indústrias teve participação ativa neste governo e em vários conselhos estratégicos tais como a SUPPIN - Superintendência de Polarização de Projetos Industriais, a CODEC - Conselho de Desenvolvimento Econômico, entre outros, e diversos quadros da FINDES ocupavam cargos nos escalões importantes da máquina administrativa. Em 1967 é realizada uma reforma administrativa visando maior intervenção do Estado na economia, com discurso da racionalização e do desenvolvimento. A máxima veiculada era a de que a industrialização seria o único meio possível para isso. Assim, as bandeiras da Federação das Indústrias, como a conquista de incentivos fiscais, a da criação de um banco de desenvolvimento e de um centro industrial, são assumidas pelo governo estadual. O Diagnóstico para o Planejamento Econômico do Estado do Espírito Santo Santo, de 1966, elaborado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Social e Econômico – INED – e financiado pela FINDES, com a participação de José Artur Rios e João Paulo Magalhães, serviu de base para o plano de metas e para o discurso de posse de Christiano Dias Lopes Filho. O “diagnóstico” propõe o planejamento como instrumento através do qual o Estado criaria mecanismos de indução do desenvolvimento criando um complexo industrial, já que as atividades tradicionais, café, cacau e madeira, já não ofereciam perspectivas animadoras, pois foram considerados esgotados seus potenciais produtivos. Diante dos resultados inexpressivos do plano de erradicação dos cafezais, elaborado pelo GERCA em 1962, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) e o GERCA estabelecem, para o período de 1966/1967, o segundo programa de erradicação, disponibilizando uma indenização considerada alta para o momento. Os resultados desta vez superaram as expectativas. Este programa acabou possibilitando o estímulo e a liberação de mão de obra para as atividades que, na época, demonstraram capacidade de crescimento para os anos subsequentes, tais como a construção civil, a pecuária e o “setor florestal”. Jones dos Santos Neves assume a direção da FINDES em 1968, permanecendo até 1977. Elabora um plano com 22 pontos dentre os quais constam a criação e atuação de sindicatos empresariais; a articulação com a CVRD; maior articulação, ação e representação nos órgãos governamentais e no planejamento estadual; criação de um centro industrial; revisão da balança comercial; atração de investimentos. Em 1968 com a realização do “Simpósio sobre os Problemas do Espírito Santo”, com a presença do Presidente Costa e Silva, esta articulação da FINDES buscou a concessão de incentivos fiscais, efetivada em 1969 com a transformação da CODES no Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo – o BANDES, com empréstimos via Banco Nacional de Desenvolvimento – BND. Arthur Carlos Gerhardt Santos assumiu a presidência do banco até ser nomeado governador. Em 1969, este sistema se fortalece com a criação do Fundo de Recuperação Econômica do Espírito Santo – FUNRES, gerido pelo Grupo Executivo para a Recuperação Econômica do Espírito Santo – GERES –, com captação de recursos das renúncias de 33,3% do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas residentes na região capixaba em 1966. A força da FINDES, neste contexto, pode ser atestada pela conquista de fornecimento de energia com a criação da Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. - ESCELSA; a criação do Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES; a criação de mecanismos de incentivos fiscais para projetos industriais e agropecuários; de benefícios fiscais para a compra de máquinas e equipamentos; a criação do Centro Industrial de Vitória (CIVIT), em 1969; soma-se também a criação, em 1971, da Superintendência de Polarização de Projetos Industriais (SUPPIN) e da Coordenação de Planejamento Industrial (COPLAN), órgãos com participação direta da Federação das Indústrias. Estes elementos demonstram a força da FINDES neste contexto. A criação em 1969, do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (FUNDAP), marca, também, este surto industrializante: obras de infraestrutura nas estradas, construção de hidrelétricas, construção de usinas de pelotização e o apoio às 208 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 políticas de “reflorestamento”.3 Em 1968, a federação das indústrias elabora o documento “O Espírito Santo como Periferia de Dois Pólos”, no qual, a partir da análise da grave crise econômica do estado, busca a extensão da SUDENE para a zona ao norte do Rio Doce, considerada uma zona geoeconômica bem definida, num estado pobre entre vizinhos ricos que teria sofrido um golpe devastador com a erradicação do café. Estas ações derivam no “Plano de Diversificação Econômica e Desenvolvimento Agrícola do Espírito Santo (1968)”. Ao final do governo de Christiano Dias Lopes Filho várias metas do plano da FINDES obtiveram êxito. No governo de Arthur Carlos Gerhardt Santos (1971-1974), também sob a força da ditadura militar, a FINDES buscou consolidar suas conquistas anteriores e abrir novos espaços para a iniciativa privada com a criação do Fórum de Desenvolvimento Empresarial, entre outras iniciativas; a mesma exerceu bastante influência na elaboração do I Plano Estadual de Desenvolvimento, fortalecendo a busca de atração dos chamados “grandes projetos”, como a fábrica da Aracruz Celulose. No governo de Élcio Álvares (1975 – 1978) foi forte a influência da Federação das Indústrias na busca destes objetivos, ocupando com seus quadros vários postos importantes no governo, tais como BANDES, Secretaria de Indústria e Comércio SUPPIN, entre outros. Neste contexto a FINDES vislumbra uma maior participação do capital capixaba nas oportunidades de desestatização das empresas públicas, visível no documento “Alguns Aspectos Estatizantes da Economia Capixaba”, de 1975, coincidentemente ano em que o governo estadual cria o “Grupo de Trabalho sobre a Desestatização”, que contou com a participação efetiva da FINDES. Em 1977 assume a direção da FINDES Oswaldo Vieira Marques (até 1983) já neste contexto de busca de maior participação das empresas locais no processo de “desenvolvimento”,4 a partir do questionamento da maior participação do capital internacional e da pouca participação dos ramos tradicionais da economia capixaba. Esta postura se traduziu em questionamentos sobre a localização industrial da Companhia Siderúrgica de Tubarão – CST, Samarco Mineradora e Aracruz Celulose, por meio do discurso ambientalista e da exigência de uma política ambiental que fortalecesse os setores tradicionais (cana-de-açúcar, mineração, agroindústrias, construção civil, petróleo e turismo) buscado assim, uma maior participação das pequenas e médias empresas, base de sustentação da Federação das Indústrias, nos investimentos e incentivos fiscais. Este é o momento vivido pelo último governo do período da ditadura, Eurico Rezende, que governa de 1979 a 1982. Resulta desta postura a criação, por este governo, da Comissão Estadual da Indústria da Construção – CEICO, e do Conselho de Desenvolvimento Industrial e Comercial – CEDIC, e na participação direta de diversos quadros da federação das indústrias. No Espírito Santo, ao final do processo descrito anteriormente, a crise do milagre econômico e a ampliação do questionamento político indicando o crepúsculo da ditadura associado à eclosão das vozes silenciadas e a crise mundial do capitalismo, fez com que, a partir da segunda metade da década de 1970, uma renovação dos discursos e práticas começasse a despontar. A partir desta possibilidade, cada vez mais concreta, inicia-se um processo de desestatização das empresas públicas, momento em que a FINDES vislumbra uma maior participação do capital capixaba nas oportunidades que se abririam. A referida federação torna público esse interesse em 1975, através do documento Alguns Aspectos Estatizantes da Economia Capixaba Capixaba. Coincidentemente logo após, o governo estadual criou um Grupo de Trabalho para estudar o processo de desestatização, o que contou com a participação ativa da FINDES. 3 Coloco este termo “reflorestamento” em suspenso devido à sua constante mudança semântica e sua atual polêmica político-acadêmica em torno da “monocultura de árvores”. 4 No mesmo sentido do termo “reflorestamento”, por enquanto manteremos o “desenvolvimento” como um termo em debate. 209 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... Um primeiro fato demarca a mudança da forma de mediação praticada pela elite local frente aos interesses do capital internacional e dos dirigentes nacionais. Em 1977 vem à tona a primeira tentativa do legislativo capixaba em proibir o plantio de eucalipto em terras propicias à mecanização agrícola. O governador Élcio Álvares (período da gestão) veta o projeto e em seu lugar promove isenção de tributos às transações de imóveis destinadas às atividades de reflorestamento como também o financiamento via FUNRES à Aracruz Celulose. Neste contexto de busca de maior participação das empresas locais no desenvolvimento, em 1977, assume a direção da FINDES o Sr. Oswaldo Vieira Marques (até 1983) e, com ele, fortalece-se o discurso de questionamento do disparate entre a participação do capital internacional e a dos ramos tradicionais da economia capixaba. A lógica política de mediação voluntariamente subalterna aos grandes projetos definia a participação de seus quadros na direção nas grandes empresas que ainda eram de controle estatal. Dá-se assim, uma nova troca de função, em 1977, quando Arthur Carlos Gerhardt Santos assume a presidência de recém criada Companhia Siderúrgica de Tubarão, a CST. Assim, as duas usinas de pelotização da CST na divisa dos municípios de Vitória e Serra, da CVRD em parceria com o capital japonês e italiano, conjuntamente com outra usina em Anchieta, esta com a participação do capital canadense, demarcaram no governo Élcio Álvares o fortalecimento da participação das poucas grandes empresas nos indicadores econômicos do estado. Em 1979 entra no governo Eurico Vieira Rezende, com quem as questões centrais do debate governamental passam a ser o saneamento da contas públicas e a regionalização da ação integrada do governo. Esta postura, que se traduziu em questionamentos sobre a localização industrial da CST, SAMARCO e ARACRUZ, em discurso ambientalista e de política ambiental que fortalecessem os setores tradicionais (cana-de-açúcar, mineração, agroindústrias, construção civil, petróleo e turismo), busca a maior participação das pequenas e médias empresas, base de sustentação da federação das indústrias nos investimentos e incentivos fiscais. A referida postura desdobra-se na criação, pelo governo de Eurico Rezende5, da CEICO Comissão Estadual da Indústria da Construção e do CEDIC - Conselho de Desenvolvimento Industrial e Comercial, e na participação direta de diversos quadros da federação das indústrias. O fim da ditadura militar deu-se sob as influências da crise econômica e dos movimentos de recomposições políticas, e fecha-se o ciclo desenvolvimentista com a própria crise. Assim, os primeiros governadores eleitos após a ditadura, Gerson Camata e Max Mauro, buscam, em novos conceitos, outras formas de conviver com a estagnação econômica, com a crise do Estado, com o neoliberalismo, com a desvalorização cambial, com a Lei Kandir em 1986 e buscam apoio para a rearticulação do sistema GERES/BANDES. Como saída a este contexto de crises os governantes, a partir do início da década de 1990, colocam em prática políticas para promover a abertura comercial com a ampliação dos benefícios fiscais e de financiamento de unidades de capital e, principalmente, as privatizações do capital estatal brasileiro, ao mesmo tempo em que praticava a ausência de políticas de desenvolvimento regional. Desta forma, nos governos de Albuíno Azevedo (1991-94) e de Vitor Buaiz (19951998), os interesses do SINDIEX – Sindicato das Empresas Importadores e Exportadores do ES e, principalmente sua articulação, foram fundamentais para a inversão do discurso da valorização da vocação natural para atividades mercantis-portuárias. Assim, retiram-se recursos dos cofres públicos por meio de uma prática do Estado que promove a perda da arrecadação de ICMS pela renuncia fiscal. Neste contexto de guerra dos lugares, os conceitos mudam e, a Integração Competitiva com Especialização, passa a compor os discursos e documentos da política pública estadual. 5 Eurico Rezende governa de 1979 a 1982, último governo estadual do período da ditadura militar. 210 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 Aos segmentos de mármore e granito, agroindústria e metalmecânica, que vinham crescendo com recursos do BNDES, FINEP, CNPq, GERES e BANDES, vão estabelecer novas formas de mediações, recolocando o Governo no campo dos grupos de interesse local. Nos anos 80 assistimos a migração dos apelos industrializantes para a defesa de uma suposta vocação natural da região capixaba para o comercio exterior e para o desenvolvimento do setor de serviço como um todo. Entretanto, esta metamorfose dos conceitos não definiu a total transmutação na ideologia dominante, pois nos anos 90, dos problemas estruturais que impediam a qualificação das forcas produtivas e a formação de um ambiente científico e tecnológico apropriado ao salto de qualidade exigida pelas relações concorrenciais, continuavam a atribuir que o principal problema estava na gestão familiar de pequenas unidades de capital e na desarticulação institucional interna que ainda persistiam na região. Por vários elementos é possível perceber a manutenção de um domínio discursivo centrado no urbano-industrial, na crise e na erradicação dos cafezais, nas especificidades da modernização agrícola no estado a partir de alguns elementos históricos, tais como, na constituição da economia cafeeira baseada na pequena propriedade, nas resistências às tentativas de industrialização, na integração ao mercado nacional, na industrialização modernização agrícola e na necessidade da destruição da base produtiva pretérita. Grande parte dos estudos sobre este processo realimenta as teses do vazio demográfico, da grande disponibilidade de terras virgens e do isolamento, das crises da agricultura de pequena escala, da economia de subsistência e de baixa produtividade e conseguem encontrar o “efeito benéfico” deste processo. Mas apesar das diversas tentativas de desterritorialização camponesa, esta população continuou fortemente presente no território capixaba, como também os discursos do atraso e do desenvolvimento continuaram presentes. Assim, apesar das crises vivenciadas pela atividade econômica cafeeira, esta ainda se apresenta como uma importante opção agrícola capaz de gerar postos de trabalho e renda para uma parcela expressiva da população do campo, constituindo-se ainda, portanto, na “espinha dorsal” da agricultura estadual. Mesmo assim, diversas propostas de sua transformação tinham lugar nas pautas técnicas e políticas, pensadas em termos, tais como, a “Diversificação com café”. Não despontando nenhum outro produto com a capa-cidade de substituir o café enquanto produto básico para a sustentação da economia agrícola capixaba, buscou-se promover as transformações estruturais na produção e na reorganiza-ção do processo de planejamento e acompanhamento da cafeicultura no Espírito Santo. Consideremos aqui, especialmente, o significativo número de pequenos produtores que, historicamente, sustentou econômica e socialmente a população capixaba. A estratégia de diversificação com o café advogou que o crescimento dessa produção no Espírito Santo, ao mesmo tempo em que não advogou o au-mento da área plantada com esse produto, podendo redundar até mesmo na redução da mesma. Aumentar a produção por hectare através da refor-ma dos cafezais existentes, utilizando de matrizes genéticas mais produti-vas, tratos culturais que melhor combinem os vetores custos de produção/ produtividade, técnicas de manejo dos solos que permitam sua recuperação e a utilização racional deste recurso natural. Verifiquemos, pois, que o duplo sentido da lógica desenvolvimentista continua presente, primeiro quando desconsidera as estratégias camponesas e, segundo, porque apresenta um “pacote” de inovações como solução dos problemas, os quais inclusive foram identificados a partir de um padrão “científico” modernizante. Por traz de tais estudos está embutida a inserção subalternizada dos agricultores às grandes empresas, pois a diversificação proposta não advoga a diversifica-ção ao nível das propriedades, o que representa, por um lado, a mera substituição de uma monocultura por outra, ampliando os im-pactos das crises de mercado, buscando a integração “base agrícola x empresas” que deve se dar a partir da atração de empreendimentos novos pelo “escritório de produção” e pelo estímulo à terceirização (sub-contratação) por empresas pré-existentes. Propõem, assim, tais estudos, ações integradoras subordinando o interior à capital e esta ao exterior, formando corredores logísticos. 211 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... Diversas e contraditórias iniciativas (como a lei que reconhece a propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos Quilombos, em atendimento ao artigo 68 da Constituição Federal, no governo Vitor Buaiz; o decreto governamental que expande as áreas de plantio do eucalipto e com o ato da Assembleia Legislativa que derruba o decreto do governo, no início do governo de José Ignácio de Oliveira; a aprovação em 2001 da Lei número 6.557 que dispõe sobre as terras de domínio do Estado e sua atuação no processo de discriminação e regularização fundiária, 2001; a aprovação pela Assembléia Legislativa da Lei número 6.780 proibindo, por tempo indeterminado, o plantio de eucalipto com fins de produção de celulose no Estado do Espírito Santo até que se realizasse um mapeamento agroecológico e o licenciamento ambiental para o plantio de eucalipto; e por fim a Assembleia Legislativa aprova a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI - para apurar a situação da monocultura do eucalipto no estado) vão aprofundar a crise da relação entre o Estado e as empresas na qual a forma de mediação tradicionalmente instituída a partir da ditadura militar dá seus últimos sinais de existência. Assim, a democracia, introduzindo novos sujeitos na cena política, a privatização das grandes empresas, rompendo os laços administrativos entre elas e a elite política local e mais a crise institucional do próprio Estado, questionando a legitimidade de ação pública a partir da matriz neoliberalista, vão forçar uma mudança da ação e do discurso do setor privado, à medida que aquelas formas tradicionais de relação já não eram suficientes para garantir, perante a sociedade local e internacional, a sustentabilidade que antes era garantida pela força do próprio Estado. A partir de 2003 começam a transparecer novas iniciativas que demarcam a transformação política de uma nova forma de articulação entre interesses privados e interesses políticos, evitando, assim, novas hostilidades da classe política aos investimentos estrangeiros. O PEDEAG – Plano Estratégico da Agricultura Capixaba,, construído no início do primeiro governo de Paulo Hartung (2003-2006) e que foi ampliado para 2007- 2010, atribui o papel de pensar a agricultura capixaba a partir do cenário internacional e do processo de globalização. Assim, fica patente a ordem de justificação a partir da globalização, pois segundo o Plano, esta se expressaria, além do “aumento dos fluxos do comércio”, numa “reestruturação das atividades econômicas” em escala mundial, com forte “imposição” dos países desenvolvidos na busca de posições mais favoráveis. O imperativo da globalização substitui, assim, o imperativo da vocação natural do período imediatamente precedente. O processo de construção do PEDEAG foi um ritual de articulação política e busca de apoios. Neste documento, portanto, vão aparecer os elementos desta articulação e torna público o avanço discursivo do agronegócio como articulação de interesses e elaboração teórica. E neste terreno discursivo verificamos a tendência de inclusão de toda a agricultura no âmbito do agronegócio, pois, segundo o texto, a agricultura empresarial era a principal responsável pela geração de divisas além de âncora verde do Plano Real, a partir dos últimos anos, com taxa de câmbio mais favorável, vem contribuindo para gerar superávit nas contas externas. Ao não apresentar a relação desigual entre o número de estabelecimentos e o domínio efetivo e correlativo entre número e área, o documento apresenta seus objetivos maiores ao longo do texto. Um destes objetivos parte da suposta existência de aproximadamente 600.000 hectares de terras degradadas que, segundo o texto, tal fato poderia ser considerado como um forte limitador da expansão de culturas existentes, inclusive para a diversificação dessas culturas. Esta noção de “terra degradada” será a chave discursiva tanto para o silêncio acerca das terras improdutivas ou devolutas, quanto para a introdução da necessidade de atividades que “recuperariam” tais áreas. Além destas terras degradadas, outros fatores limitativos à inclusão às cadeias produtivas e à globalização são apresentados, principalmente aqueles relacionados ao capital humano e social. Estes fatores limitantes não foram identificados em todos os estratos e regiões, mas somente “onde o nível de organização das pequenas comunidades apresentava-se ainda precário”. Estas comunidades poderiam, segundo o texto, “funcionar como fa- 212 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 tor limitador no processo de desenvolvimento.” Os “fatores facilitadores para o desenvolvimento”, segundo o PEDEAG, se localizariam em outros aspectos, ou seja, na sua localização privilegiada e estratégica que lhe garantisse certas vantagens no acesso aos mercados. As principais referências quanto ao nível de excelência foram encontradas em alguns estratos do agronegócio capixaba, ou seja, naqueles que se projetam nos mercados nacional e internacional e, portanto, poderiam ser utilizadas como fator facilitador de acesso a mercados e tecnologias: o mamão, o café, o coco e o eucalipto. Desta forma se elaborou a tese básica de orientação das ações do governo do estado a partir de 2003. Entre as metas apresentadas encontramos a intenção de promover 4.000 assentamentos com crédito fundiário, ampliar significativamente a exportação, aumentar a produtividade e ampliar diversas áreas de plantio, tais como, em 47% a área estadual com fruticultura, em 133% a produção de álcool, ampliar a área de monoculturas de árvores florestal para 290,9 mil hectares, ampliar a produção da pecuária (63% do leite e em 100% a produção anual de carne bovina) e ampliar as ações em agroturismo, artesanato e agroindústria artesanal, entre outras metas. A legitimidade conceitual seria dada, portanto, a partir da articulação entre a competitividade e a existência de áreas degradadas. Ou seja, diante da existência de 600 mil hectares de terras degradadas e dos gargalos representados pela agricultura familiar, os setores de excelência que conseguem comercializar no mercado internacional seriam impulsionados a ocupar estas áreas. É importante ressaltar que estes setores, ou seja, a pecuária, a fruticultura, a cana-de-açúcar, o café e o eucalipto já representavam tendências à concentração fundiária e à monocultura naquele momento. O PEDEAG foi, portanto, um marco do surgimento de novos elementos discursivos apoiados e legitimados em textos programáticos do governo estadual. Outro elemento importante que começa a se tornar visível nos textos e nas ações foi uma nova forma de articulação entre os diversos setores econômicos e políticos atuantes no estado. Esta nova forma de articulação se fortalece a partir da crise institucional dos governos anteriores, na qual as empresas se viram reféns de formas de mediação que não eram vantajosas para as mesmas, pois os questionamentos às suas práticas econômicas, sociais e ambientais começavam a ganhar repercussão internacional. Esta nova articulação se torna textual em 2006, quando a organização não governamental Espírito Santo em Ação elabora o Plano de Desenvolvimento: Espírito Santo 2025, e principalmente quando o governo do estado do Espírito Santo assume como o Plano do Governo (Paulo Hartung). A organização “Espírito Santo em Ação”, criada num contexto de crise do pacto anteriormente forjado, reúne representantes de várias empresas, tais como, a Aracruz Celulose, Águia Branca, CST, Grupo Tristão, CVRD, Samarco, Suzano, Fibrasa, Petrobras, Escelsa, Banco do Brasil, Calimam, Frisa, Nebrax, Itapemirim, Suco Mais, A Futura, A Gazeta, Gaya e Elkem. Além dessas empresas, fazem parte da organização personalidades como Arthur Carlos Gerhardt Santos e líderes da FINDES, do Exército e professores da Universidade Federal do Espírito Santo. A entidade se propõe ser a catalizadora dos interesses originários dos setores empresariais. Uma de suas ações no ano de 2006 foi a publicação de manifestos contra as ações indígenas no norte do estado e a nota de repúdio “aos atos de violência cometidos por índios e não índios (integrantes do MST, CIMI, Rede Alerta Contra o Deserto Verde e outros) contra a Aracruz e a ordem pública”. O projeto ES-2025 aponta para o “novo ciclo de desenvolvimento” do estado, baseado na “integração competitiva, em nível nacional e internacional, de uma economia capixaba diversificada e de maior valor agregado, sustentada pelo capital humano, social e institucional de alta qualidade” (palavras do governador Paulo Hartung no documento síntese do plano). Um dos eixos do documento estabelece “bases sólidas para a construção do futuro” do Espírito Santo após a superação da crise sendo “em sua essência um plano estratégico de desenvolvimento”, que consolida “grandes escolhas” que orientarão o futuro. Uma grande pergunta se coloca: onde queremos chegar? O Plano ES-2025 parte de uma análise retrospectiva focada no fato de que “desde 213 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... meados do século XIX até a década de 1950, os ciclos econômicos no Estado do Espírito Santo estavam intimamente ligados à atividade cafeeira”. Apesar das crises e da redução da renda, “o modelo de produção em pequenas propriedades familiares dificultava a substituição da cultura, em razão do caráter de subsistência de parte delas”. De meados dos anos de 1960 até a metade dos anos de 1980, a economia capixaba, segundo o Plano ES 2025 teria sido marcada por “forte impacto sobre o grau de diversificação de sua base produtiva” passando de uma economia predominantemente agro-exportadora, centrada na produção cafeeira em pequena escala, para uma especialização secundário-exportadora centrada em commodities industriais de produção em larga escala. A partir de 1975, a expansão industrial teria sido mais significativa quando fomentada pelo grande capital estatal e estrangeiro. Até os anos de 1960, segundo o Plano ES2025 o grupo hegemônico estaria relacionado essencialmente ao espaço agrário, centrado nos “interesses particulares da classe política dominante”. Com o segundo ciclo de industrialização baseado nos grandes projetos, diante de uma “nova política institucional” externa, o impulso econômico ocasionado e a forte união entre a União e as lideranças políticas urbanas emergentes “resultou numa forte reconfiguração político-institucional” no ES. Mas, na década de 1990, o ES teria passado por uma “forte crise ética e moral”. Após enfrentar esta crise, aliado à forte conjuntura de crescimento econômico, o ES vive um momento de euforia pelas suas potencialidades: base logística de alta capacidade, segmentos econômicos de competitividade (mineração, siderurgia, celulose, petróleo, agricultura em diversificação e arranjos produtivos locais), abundância de recursos minerais, ativos ambientais de alto valor, estrutura fundiária equilibrada (“milhares de pequenas propriedades produtivas”), janela democrática favorável, diversidade étnica e cultural e posição geográfica favorável em face da dinâmica da globalização. Apesar de lembrarem com euforia de milhares de pequenas propriedades produtivas e da diversidade étnica e cultural, dentre os fatores do contexto capixaba que mais influenciarão o futuro do Espírito Santo, estes desaparecem como sujeitos, incorporados e contidos no interior de alguns elementos, como nos arranjos produtivos locais, na consciência ambiental, nos níveis de pobreza, nos fluxos migratórios e nos gargalos no sistema logístico. No entanto, a principal estratégia do documento é a “importância do comércio exterior para o desenvolvimento econômico” e a demanda de mão-de-obra qualificada. Assim, no novo ciclo de desenvolvimento figurariam como pilares centrais a integração competitiva da economia capixaba ao mundo, o desenvolvimento do capital humano, a eficiência do setor público e o dinamismo e inovação empresarial. Neste contexto são demarcados os poderios político e econômico das grandes empresas no Espírito Santo. Em 2006, das 200 maiores empresas do Espírito Santo, as 10 maiores empresas privadas (CST, CVRD, ARACRUZ, SAMARCO, COTIA, ESCELSA, COIMEX, HERINGER, NIBRASCO E GAROTO) somavam a receita anual de 60 bilhões de reais. Das 200 maiores empresas, 145 estavam na grande Vitória gerando 40.000 empregos. A Aracruz com 3,7 bilhões de reais de receita gerava 2.249 empregos diretos, ou seja, quase dois milhões de reais por emprego. A receita destas 200 empresas gerada no estado era de 49 bilhões de reais, com lucro de 23 bilhões de reais. As exportações somaram 6 bilhões de reais, sendo que destes 45% era do setor de minérios, 25% do aço, 11% da celulose, 10% mármore e granito e 4% do café. Os EUA ficaram na preferência com 23,8%, a China com 9%, 2%, a Coréia do Sul 8,1%, a Holanda 5,8%, a Argentina 4,8% e o Japão 3,9%. Em termos de arrecadação de impostos o cálculo muda. A Aracruz, por exemplo, ficou com o 83° lugar na classificação geral em 2005, gerando 6,3 milhões de reais em impostos. No mesmo ano gastou 174,6 milhões para comprar terras para plantio de eucaliptos. Apenas como parâmetro de comparação, a Aracruz Celulose contribuiu com financiamentos de campanha eleitoral em 2006 com o total de 4.952.389,0 reais. 3- CONCLUSÕES Estes foram os agentes da implantação da doutrina desenvolvimentista no E.S e da tentativa de desterritorialização camponesa, indígena e quilombola de seus territórios. Para 214 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 Milton Santos 1996 o território devia ser considerado como um conjunto com suas divisões, heranças e conteúdos diversos, pois é desse modo que ele constitui, pelos lugares, aquele quadro da vida social onde tudo é intermitente, onde fusões e tensões são registros antigos. E recomposições e capturações, pois, como lembra Guatarri (2000), se as desterritorializações provocam linhas de fuga, o território guarda o sentido da apropriação, da subjetivação fechada sobre si mesmo. Este processo pós-ditadura deixa suas marcas nas territorialidades agrárias no ES. A territorialidade, com a sua múltipla semantização do espaço, lugar, paisagem e região, além das suas dimensões concreta e subjetiva, experiencia outro contraponto, o do movimento, da mobilidade, dos fluxos e das redes. Aos elementos básicos do território (pontos, linhas e área), a mundialização das cidades e das redes acrescenta as questões das escalas e das territorialidades. Atribui, portanto, outras qualidades de ser território, identidade, subjetividade, apropriação, domínio, densidade e fluidez. Outra incerteza é quanto à capacidade de regulação do Estado, pois não são todos que vivem na mesma dinâmica e na mesma velocidade. Milton Santos procurava reconhecer a realidade dos territórios tal como é utilizado pela população como um todo. Argumentava que estes usos são múltiplos e por diferentes velocidades e diversas técnicas, colocando em debate a tese da unanimidade da velocidade como único caminho. (SANTOS, 1996, p.166) Estes elementos colocam a necessidade da reflexão sobre o conhecimento possível diante das incertezas. Walter D. Mignolo (2003) encontra no potencial epistemológico do pensamento liminar a possibilidade de superar a limitação do pensamento territorial, da epistemologia monolítica da realidade. O pensamento objetivista espacial, ao pensar as fronteiras, recairia em estudos sobre áreas. Para escapar disto o primeiro parâmetro, apresentado por Mignolo (2003) é o olhar a partir de outro locus de enunciação, não como novos lugares ontológicos, mas principalmente como irredutíveis diferenças epistemológicas. Menos como fundação e mais como passagens e travessias, não como área a ser estudada e mais como um pensamento que se mova ao longo da diversidade, atento a ouvir, atento à exterioridade, que possibilite refletir para além da ontologização de uma área a ser estudada e caminhar para uma reflexão sobre a historicidade das diferenças. Mais que uma nova localização, é a desconstrução que se coloca em primeiro plano, um pensamento que se mova entre ambas as críticas: a crítica dos discursos imperiais e a crítica dos discursos das identidades. (Mignolo, 2003) Diante do exposto, é possível observar que se trata do lócus dicotômico de enunciação, pois populações que foram desterritorializadas – reterritorializadas de formas e em momentos diferentes ao longo destes quinhentos e poucos anos de dominação colonial – moderno – desenvolvimentista, conviveram e resistiram aos vários processos subjugadores. Desta forma, não buscaremos aqui nem a constatação ufanista do desenvolvimentismo, pois consideramos que este mais esconde que mostra, nem tampouco a busca das identidades essenciais das “minorias”. Partimos do entendimento inicial de que a prática e o discurso desenvolvimentista visavam (e visam) a desterritorialização do campesinato capixaba como forma de liberar mão-de-obra para a indústria, liberar terras para os novos empreendimentos empresariais e estatais e ampliar a base de mercado dos insumos químicos e industriais. O Espírito Santo foi “localizado” como periferia da periferia do centro de um país periférico e o pacote modernizante foi imposto como solução. O caráter agrário e pequeno minifundista familiar do estado eram as características responsáveis pelo “atraso” e a industrialização e a urbanização eram o caminho óbvio. A tecnocracia formada na articulação entre órgãos governamentais, gerência das grandes empresas e universidade criavam a legitimação e fundamentação destas práticas e que foram também muito práticas. A desconstrução de conceitos não pode ser entendida somente como desmerecimento ou abandono, mas, sobretudo como uma forma de realizá-los, levando ao extremo sua compreensão, assim: o conceito de produção nos leva ao de reprodução, como ultrapassagem das dicotomias para abarcar o espaço todo; o conceito de rede, pelos novos processos de territorialização e desterritorialização, leva ao espaço rizomático para dentro e para além 215 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... do próprio espaço. A multiescalaridade, a complexidade e a conectabilidade das redes e das escalas como conteúdo do atual momento vai para além das fronteiras político-administrativo estatal, colocando a questão da continuidade e da descontinuidade. As hierarquias complexas dos espaços e dos conceitos também são repensadas, num processo contínuo de produção e definição que inclui o global, o local e a escala humana: o espaço todo. A realidade apresenta a complexidade, conjunto complexo de sujeitos que atuam em diversas escalas, construindo e reconstruindo recortes políticos conceituais e revendo paradigmas. As resistências e a complexidade sobressaltam as temporalidades diversas das rugosidades. A noção de rugosidade desenvolvida por Milton Santos ao longo de vários momentos de sua obra possui relação com a capacidade organizacional dos lugares e das populações de se apresentarem efetivamente enquanto territórios. Buscamos, aqui, a partir da desconstrução dos sujeitos do desenvolvimento, demonstrar que os atos, os discursos, os documentos e os planos guardavam por trás das ideias uma intencionalidade. Diante da força hegemônica do pensamento neoliberal e sua capacida-de de apresentar sua própria narrativa histórica como conhecimento objetivo, científico e universal e sua visão da sociedade moderna como a forma mais avançada, cabe localizar esta força nas condições histórico-culturais específicas. A eficácia hegemônica se assenta na presunção de naturalização da sociedade liberal como a forma mais avançada e normal de existência humana. Mas a primeira observação a ser feita é que se trata de uma idéia com uma longa história no pensamento social ocidental dos últimos séculos. Cabe a busca de alternativas, a desconstrução do caráter universal e natural da sociedade capitalista-liberal e o questionamento das pretensões de objetividade e neutralidade dos prin-cipais instrumentos de naturalização e legitimação dessa ordem social. Esta busca de alternativas é correlata ao esforço que, em várias partes do mundo, vem sendo feito de forma plural e de muitas dimensões e vertentes. Desta forma torna-se necessário um exercício de retomada destas ideias fortes do desenvolvimentismo e confrontá-las com os elementos históricos e os indicadores agrícolas, possibilitando a desconstrução destas ideias, buscando, ao final, indicar outras possibilidades de entendimento de nosso passado, presente e futuro. Vimos que um dos principais pilares da ideologia desenvolvimentista no ES se referia à construção da ideia de que a produção do espaço capixaba se deu num processo de preenchimento de um espaço vazio, primeiramente pela colonização e posteriormente pela modernização. Analisamos a partir dos elementos históricos que esta tese do vazio não encontra sustentação e a partir destes elementos nos possibilitam confrontar esta tese. Partimos da análise da formação territorial, que aplicada à colonização, propôs seu entendimento como uma relação entre uma sociedade que se expande e os lugares onde ocorre esta expansão, a colônia, e os processos de internalização do agente externo através da conquista. Esta conquista territorial incluía incursões múltiplas de interiorização com suas entradas, bandeiras, mineração e pecuária. Assim colocamos, inicialmente, alguns termos norteadores de nossa análise: território e domínio. Assim, em se tratando de domínio e conquista, já indica uma perspectiva de que estas ações visavam à destituição de outros dominantes do território. Isso pode parecer óbvio, mas perante a tese do vazio não o é. Mas um território pleno de conflitos. A reflexão sobre os conflitos nos conduz à reflexão sobre as ações. Milton Santos (1996) nos pergunta: o que é uma ação, um ato ou uma atuação? As ações dizem respeito a um comportamento orientado a um fim, processo dotado de propósito, subordinado às normas, regulações, rotinas, de longo ou curto prazo, de origem distante, projeto, alienação, conjunto e etapas cada vez mais estranhos aos fins próprios do homem e do lugar. Existem os atores que decidem e os outros. No entanto, é sempre por sua corporeidade que os homens participam do processo de ação, mas seu governo, o do próprio corpo, é limitado. As escolhas se dão pela consciência, razão, técnica, ou seja, instrumental, mas 216 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 também por valores, tradição e afetividade, comunicacional, simbólica e ritualizada. As ações são, em suma, de três ordens: técnica, normativa e simbólica. As ações se geografizam, mas não de modo indiferente ao valor dos lugares onde estas se realizam. Neste aparente impasse revela-se a intencionalidade, pois permite outras leituras críticas da relação indissociável entre sistemas de objetos e ações. A intencionalidade está presente na produção do conhecimento e das coisas. O espaço geográfico é oferta de caminhos, é conduta e ação, como também o direcionamento desta conduta e desta ação. Sem perder a cota do imponderável, rompendo a unicidade, entortando a flecha do tempo, feixes de vetores ganham autonomia, se integram ao meio, gerando eventos múltiplos e lugares de encontro. No decorrer da análise do autor, a noção de evento, que a princípio representava uma complexidade de significados, acontecer solidário, coexistência e trama, se reduz (Santos, 1996). Partindo do pressuposto de que não haveria evento sem atores, este torna-se sinônimo de ação. A teoria do evento torna-se teoria da ação e esta passa a figurar como centro de sua teoria geográfica. Assim legitima-se a classificação, a tipologia, a categorização, o ordenamento, a identificação, a finitude e as separações. E somente aí aparecem os conflitos enquanto eventos históricos, localizáveis. Sua duração é sua eficácia mediante recurso organizacional, com sua área de ocorrência, onde seu impacto determina a escala e sua geograficidade. Vimos que, no processo de sua institucionalização, o pensamento e a prática do desenvolvimento no ES carregavam uma série de paradoxos centrados principalmente nas seguintes tentativas: de imposição da industrialização sobre uma base territorial rural; de imposição do latifúndio sobre uma base de pequena agricultura familiar e comunitária; de imposição da monocultura sobre uma diversidade de práticas e cultivos fundados na manutenção integral da família e da comunidade; de imposição de uma racionalidade única e instrumental sobre uma base de enorme diversidade étnica, social e ecológica de saberes agrários ainda presentes no território capixaba devido às resistências, insurgências e domesticações, formando territorialidades e laços múltiplos. Foi fundamental no aprofundamento destes paradoxos a instalação da ditadura militar a partir de 1964 e a articulação propiciada entre o Estado, o capital nacional e o capital internacional. No caso estudado, o do Espírito Santo, representado pelas articulações entre o grupo político local aliado à ditadura e seus cargos de direção impostos, a elite econômica local, articulada a partir das federações do comércio e das indústrias e entre e os chamados grandes projetos, com a participação dos capitais estrangeiros que tiveram, tanto para o poder econômico como para o poder político locais, também um caráter de imposição. Desta forma, ao longo do período ditatorial, várias políticas foram implementadas procurando liberar terras e mão-de-obra para os projetos desenvolvimentistas justificados por estudos e planos que, por meio de uma linguagem técnica, envernizavam as práticas violentas de expulsão dos indígenas, quilombolas e posseiros de suas terras. Na lógica camponesa, o sistema (terra, ferramentas, material vegetal, insumos diversos, força de trabalho, etc.) não constitui uma finalidade em si, mas está fortemente articulado ao conjunto da vida. A lógica da produção não tem por finalidade a acumulação de riquezas, mas a garantia de produção é necessária à unidade camponesa. Uma dimensão fundamental da sua sobrevivência é a solidariedade, que garante coesão social em caso de dificuldades. A lógica da reprodução camponesa não pressiona necessariamente o agricultor a maximizar sua produção e sua renda, mas procura, principalmente, aperfeiçoar a utilização de sua força de trabalho. A cultura de autonomia desenvolvida na memória coletiva das coletividades rurais entra em conflito com a obsessão manifestada pelas lógicas modernizadoras do Estado e das empresas, no cenário de integração/marginalização, qual seja, a do alinhamento rural na lógica da produção industrial que permite aumentar o excedente mobilizável. Na encruzilhada entre a própria lógica que os ensina a reproduzir-se, mesmo com níveis de vida restritos e uma lógica desenvolvimentista que os convida a produzir mais, mesmo essa produção se efetivando a um custo social exorbitante, a reprodução camponesa 217 SCARIM, P. C. A DESCONTRUÇÃO DA DOUTRINA DO DESENVOLVIMENTO... se faz como resistência. A lógica camponesa pressupõe a existência de um universo rico em particularidades, espaço rico e diverso, espaço produtor de culturas, espaço emancipatório e território fecundo construído na solidariedade. Este espaço é o campo, conceito que pode ser mais bem açambarcado se associado ao de território como lugar marcado pelo humano. O campo são lugares simbólicos permeados pela diversidade cultural e étnico-racial, pela multiplicidade de geração e recriação de saberes. Estes saberes são organizados a partir de lógicas diferentes, de lutas e de mobilização social, de estratégias de sobrevivência. Estes saberes incluem conhecimentos, habilidades, sentimentos, valores, modos de ser, de produzir, de se relacionar com a terra e formas de compartilhar a vida. O campo expressa um conjunto de possibilidades de ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social. O conceito camponês por sua vez se torna polissêmico. Neste caminho de reflexão sobressai a ressalva de Porto-Gonçalves (2001) quando ele diz que os paradigmas são instituídos por sujeitos sociais, histórica e geograficamente situados e, deste modo, a crise desse paradigma é, também, a crise da sociedade e dos sujeitos que o instituíram. Assim sendo, não nos surpreendamos quando vemos emergir novos paradigmas e junto a eles novos sujeitos que reivindicam um lugar no mundo. Estes pensamentos colocam em questão as relações que tiveram que se forjar em situações assimétricas de poder, mas que nem por isso se anularam. O termo que o referido pensador nos oferece é mais do que resistir, é R-Existir (PORTO-GONÇALVES, 2001), pois fala de sujeitos que se reinventaram na sua diferença. A partir da crise na mediação capital/Estado, vivenciada pelo pacto iniciado na década de 1960, que derivou no final da década de 1990 e nos anos iniciais da década atual na necessidade de novas formas de mediação entre o capital e a sociedade, novos padrões de conflitividade se tornam visíveis. Desta forma, a luta das famílias indígenas, a luta das famílias quilombolas e a lutas das famílias camponesas com e sem terra contra o capital demarca o novo padrão de conflitividade, no qual o papel do Estado enquanto mediador é reconsiderado. Colocou-se em marcha outro processo de reprodução da vida na qual as periferias não existiam enquanto tais e não tinham na negação o peso das suas falas. A re-conceituação era uma constante nesta situação de transição paradigmática, onde na qual não somente a ciência passa a ser questionada na sua legitimidade e no seu monopólio de nomeação das coisas como também era questionada a setorização da política e dos sujeitos da política. Como os conceitos passam a ser objetos de disputa e conflitos nos cenários oficializados, nos espaços públicos do debate, também a ciência passa a ser sujeito político ao propor novas conceituações e ao superar teoricamente suas fronteiras, contribuindo para que os sujeitos políticos tradicionais superem suas próprias fronteiras. Desta forma ciência e política passam a se reconhecerem mutuamente como sujeito e objeto. A partir daquele momento viveu-se no estado uma ascendência das lutas pela reforma agrária com a ampliação das ações, o trabalho com as crianças, da educação, das mulheres, da via Campesina, articulações com indígenas Tupiniquim e Guarani, comunidades Quilombolas, Camponeses, Universitários e movimentos populares da cidade. Assim afirmam a questão do habitat tão importante para o pensamento crítico sobre a sociedade atual e resgata elementos da reflexão sobre a relação homem e natureza. Para além da imagem de atraso e incapacidade, o que demonstram as organizações camponesas é o descontentamento diante das matrizes desenvolvimentistas. As resistências elencadas por vários documentos governamentais e empresariais, menos que partindo de um tal subdesenvolvimento, partem da utopia da construção de um outro mundo. 218 Terra Livre - n. 34 (1): 203-220, 2010 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ol.2 Plano ASPLAN. Estudos para o Desenvolvimento Econômico do Estado do Espírito Santo. 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Apresenta, no livro, como as pessoas vão ficando cegas, perdendo seus pontos de referência sem ter como sobreviver. Para nós a cegueira representa a incapacidade de ser solidário, de compreender o mundo fora dos parâmetros estabelecidos e da inconsciência coletiva. As expressões de organizações coletivas rompem com o pensamento único e podem construir o “Ensaio sobre a Lucidez” (titulo de livro do mesmo autor). As conferências de vários temas “representam um experimento institucional cuja função é furar o cerco da unidimensionalidade” (IUPERG, 2010)3 . Desde o início da década de 90 do século XX foram realizadas 80 conferencias nacionais sendo que 86% delas ocorreram de 2003 a 2009 relativos a políticas públicas sobre os temas: Direitos Humanos, Educação, Cultura, Assistência Social, Saúde, Minorias, Meio ambiente, Cidades. As Conferências agregam, no geral, pessoas e grupos que não recebem os benefícios da produção da riqueza, construindo o “Ensaio sobre a Lucidez” 4 (título do livro do mesmo autor, escrito após o ensaio sobre a Cegueira). As conferências permitem a manifestação de minorias políticas e mais do que isso a introdução de suas necessidades na política. Apresentamos a seguir alguns aspectos da importância das conferências AS CONFERÊNCIAS 1- Fortalecem a democracia representativa no Brasil ao introduzir no debate político, novos protagonistas, novos temas, ampliando a representação política; 2- Redefinem as relações entre a Sociedade Civil e o Estado, possibilitando mediações democráticas eficazes, para atender necessidades gerais e específicas; 3- Fortalecem, incentivam a participação e o controle social, elemento fundamental na deliberação de propostas, de parâmetros, programas, projetos e implementação de Políticas Públicas; 4-Colocam em destaque as necessidades da maior parcela da sociedade que antes das conferencias estavam ausentes de debates; 5- Um sistema de Conferências municipais, estaduais e nacional, permite conhecer as realidades locais, estaduais, regionais e estabelecer programas que atendam as especificidades sociais e territoriais 1 - Representante da AGB- Associação dos Geógrafos Brasileiros no segmento Entidades Academicas, Profissionais e de Pesquisa. 2 - Saramago, José ( ....) Ensaio sobre a Cegueira 3 - IUPERJ – 2010 – Entre Representações e Participação – As Conferências Nacionais e o Experimentalismo Democrático Brasileiro – in www.iuperj.gov.br 4 - Saramago, José – Ensaio sobre a Lucidez ... 223 NOTAS: CONSELHO DAS CIDADES – UMA AVALIAÇÃO... 6- Fortalecem o legislativo aumenta a interlocução com a sociedade civil, como se verifica pelo número de Projetos de Leis e de Leis aprovadas nos temas debatidos nas diferentes conferências. 7 - Propicia a articulação nacional de diversos segmentos da sociedade civil como um espaço de encontro e de trocas. 8–Fortalece a criação de Políticas de Estado e não apenas políticas de governos, evitando que os programas não tenham continuidade quando muda o governo garantindo a integração das Políticas de Estado 9 – Permite a formação de redes de informação e difusão sobre problemas a serem enfrentados. 10- Possibilitam manifestações de minorias e a introdução de suas necessidades na política, como se verifica com conferencias sobre Direitos da pessoa com deficiência (200e e 2008); Direitos da Pessoa Idosa (2006 e 2009). SOBRE CONFERENCIAS E CONSELHOS Estudo recente realizado pelo IUPERJ coordenado por Thamy Pogrebinschi5 aponta que: 1-As conferências são desafios para a construção democrática e ao mesmo tempo apontam um processo de alteração da democracia representativa, que passa a contar com um maior grau de participação, do que aquele que se caracteriza a democracia representativa, cuja participação se encerra, em geral, no voto; 2- Entre 1941 e 1988 foram realizadas 12 conferências nacionais todas na área de saúde; 3- Porém entre 1988 e 2009 foram realizadas 80 conferências nacionais com 33 temas diferentes. A grande maioria destas conferências foi realizada entre 2003 e 2009 com introdução de novos temas. 4- As conferências são fundamentais para trazerem à tona as contradições, os conflitos que antes eram resolvidos em gabinetes por lobies. CONFERÊNCIAS DAS CIDADES As Conferencias das Cidades colocam na agenda pública questões urbanas que sempre foram preteridas ou tratadas apenas no âmbito local (ocupação de risco, saneamento ambiental, regularização fundiária, conflitos fundiários urbanos, urbanização de assentamentos irregulares, acesso a moradia para a população de até 3 salários mínimos; mobilidade urbana, entre outros) Permite a formação de redes de difusão de informações sobre a função social da cidade e da propriedade. Fortalecem os Conselhos das Cidades que agem como o interlocutor das propostas aprovadas em plenárias, ampliado a representação; II - Objetivo da 4ª. Conferência das Cidades Realizar “balanço” de avanços, de problemas e de desafios a serem enfrentados, em cada local, estado, região e na União; Manter na pauta nacional a questão urbana para tentar reduzir, eliminar os problemas de desigualdades sociais, espaciais, territoriais. Limites e possibilidades das Conferências das cidades ser num ano eleitoral Limites Limites:: a) o tempo é escasso, os compromissos são enormes; b) Num ano de eleição de governadores, pode ser protelada a criação de Conselhos 5 - Iuperj – 2010 - idem 224 Terra Livre - n. 34 (1): 223-230, 2010 em Estados que ainda não o tem, dificultando a participação da sociedade civil e a integração de políticas. c) dificulta a aprovação em todos os níveis do caráter deliberativo do Conselho das Cidades, em todos os níveis. Possibilidades Possibilidades:: a) Demonstra avanços e dificuldades na Construção da Política de Desenvolvimento Urbano; b) Instrumento para avaliar as conferências anteriores e o encaminhamento das propostas da 1ª, 2ª, e 3ª, pelo Conselho e Ministérios das Cidades, considerando inclusive propostas para o próxima/o presidente eleito; b) Permite que a questão urbana continue na pauta governamental nos próximos anos, desde que o movimento da sociedade civil continue articulado e demonstrando as questões importantes; c) Avança na participação e controle social para a implementação de Políticas Urbanas, que devem ser integradas entre si e entre os órgãos da federação com um sistema de Conselho e de Conferencias; d) Dar continuidade as políticas inclusivas, desde que sejam colocadas cotidianamente em pauta pela sociedade; e) pode-se avançar na idéia do entendimento do desenvolvimento urbano não isolado das demais políticas. As análises das propostas desta 4ª. Conferência das Cidades mostram que a grande maioria das cidades não cumpre sua função social. Estão em descompasso com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade. Um desafio primordial é o cumprimento da função social da cidade e da propriedade. Colocam na agenda a necessidade de criar o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano que leve em consideração a implantação das políticas públicas, infra-estrutura no território. PROPOST AS ROPOSTAS APRESENTADAS ADAS EM VÁRIOS EIXOS APRESENT I - Necessidade de:: a) Reformular programas, projetos; desburocratizar normas que impedem o acesso principalmente de pequenos municípios e da população que recebe até 3 salários mínimos; b) capacitar técnicos e de conselheiros – com recursos das três esferas- considerando a diversidade territorial, as especificidades locais, o tamanho dos municípios; c) ampliar ou criar recursos nas três esferas visando colocar em prática os programas; Estas propostas mostram que existem programas que precisam ser melhorados, adequados as necessidades da maioria e serem políticas de Estado II – Os Conselhos das Cidades devem ser deliberados em todas as unidades da federação. O Concidades não ser deliberativo implica em vários outros aspectos que serão apresentados adiante. III – Formulação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano – integrando políticas, Conselhos e Conferencias. O Conselho das Cidades elaborou, conforme deliberado na Plenária da 3ª. Conferência o arcabouço de um sistema que ainda precisa de acertos para encaminhamento junto ao executivo e legislativo, dada a complexidade do tema. Como o Conselho não é deliberativo há limites para o encaminhamento de Projetos de Leis. IV – Há propostas dos Planos Diretores (e assim os instrumentos do Estatuto da Cidade) sejam obrigatório para todos os municípios, independentemente do tamanho da população. Possibilidades: os estados exigirem, como SP e PR que todos os municípios façam o Plano Diretor ou alterar o Estatuto da Cidade o que é bastante problemático, pois há interesses manifestos em se retirar do Estatuto os Estudos Prévios de Impacto de Vizinhança. Sobre os Planos Diretores: foi realizado um estudo coordenado pela SNPU que avalia 225 NOTAS: CONSELHO DAS CIDADES – UMA AVALIAÇÃO... e os Planos diretores foram realizados com participação e se os instrumentos do Estatuto estão realmente delimitados nos Planos Diretores. A Proposta de estender para todos os municípios a obrigatoriedade do Plano Diretor precisa ser debatida em conjunto com as propostas de criação de novos municípios. Há vários Projetos de Leis e de PECs que propõem o retorno da atribuição sobre criação de municípios para os Estado, sem estabelecer critérios territoriais, econômicos, sociais e políticos e quais as características do distrito sede que quando o município é criado passa a ser denominado de cidade. O critério apresentado nos projetos é populacional (de 5 a 15 mil habitantes dependendo da região), o que implica em contradição com as propostas que pretendem estender a obrigatoriedade de Plano Diretor para todos os municípios. A criação de municípios, sem parâmetros econômicos, sociais, territoriais implica em que estes sobrevivam de recursos federais e estaduais, desviando recursos necessários para que se atinja o direito a cidade. Em 1988, ano da Constituição Brasileira, que definiu que apenas os municípios com mais de 20 mil habitantes seriam obrigados a realizar plano diretor, mais de 50% dos municípios tinham mais de 20 mil habitantes. Ao mesmo tempo a Constituição de 1988 passou a atribuição de criar, desmembrar, remembrar municípios para os estados, sem regras nacionais. Entre 1991 e 2000 foram criados mais de 1000 municípios e hoje apenas 30% de municípios tem mais de 20 mil habitantes, embora concentrem a maior parte da população urbana. Isto implica que 70% dos municípios, que representam a maior parte do território brasileiro, não são obrigados a cumprir a função social da cidade e podem crescer sem nenhum planejamento. V – Em relação ás leis que regem o parcelamento e o uso do solo urbano (Lei 6766/79 e PL 3057 de 2000), o Conselho das Cidades organizou seminários em todas as regiões do pais mas apenas dois estados propuseram a retomada do debate. A resolução aprovada pelo Concidades, na tentativa de contribuir para a alteração da Lei 6766/79, aponta consensos sem mostrar as contradições e conflitos. Falta aprimorar o debate em relação os interesses divergentes e/ou conflitantes. Um desafio a ser empreendido para que a cidade seja entendida em sua totalidade e não em partes separadas entre si e o planejamento seja compreendido como um processo que considere todos os aspectos da dinâmica econômica, territorial, social e política. CONSELHO DAS CIDADES – CONCIDADES Aprovado na 1ª. Conferência com caráter deliberativo foi implementado com caráter consultivo e formulador de políticas urbanas. È fundamental que os Conselhos tenham caráter deliberativo para compor o Sistema de Desenvolvimento Urbano formando um sistema de Conselhos e Conferências. È formado pelos segmentos: Movimentos Sociais; Empresários (ligados á produção do espaço urbano); ONGs: Trabalhadores; Entidades Acadêmicas e Profissionais: Poder Público Federal, Estadual e Municipal e; sociedades civis do legislativo municipal, estadual e federal. Cabe ao Concidades encaminhar as deliberações das Conferências e atuar em questões urbanas entre as conferencias. Os Conselhos são lugar de debate de Políticas. Devem evidenciar contradições, interesses conflitantes entre os diferentes segmentos para construir uma política nacional de desenvolvimento urbano que universalize o acesso à uma vida digna. As contradições precisam ser explicitadas para que o urbano seja entendido em sua concretude, em sua multiplicidade, complexidade para que o planejamento seja participativo, esteja integrado com o Plano Diretor e com as políticas publicas que interferem na vida da cidade. A explicitação de interesses diferentes permite entender que a política não se realiza apenas nos gabinetes. Nas questões contraditórias, conflitantes o papel do Conselho deveria ser o de 226 Terra Livre - n. 34 (1): 223-230, 2010 pactuação, para se obter unidade na diversidade de questões e não forjar consensos. Mas nem sempre isto ocorre: exemplos: o debate sobre as alterações da Lei 6766 /79, com seminários realizados em todas as regiões do Brasil apontaram questões fundamentais que não foram incorporadas na Resolução do Conselho que contem apenas os consensos. Além disso, como o Conselho não é deliberativo as resoluções são remetidas como recomendação e contribuição ao legislativo, sem atuação do Conselho em sua plenitude, mantendo-se a política do Loby nos bastidores para questões não consensuais. O significado das conferências e do Conselho pode ser exemplificado com o que diz Saramago no livro A Bagagem do Viajante6 – na crônica: A Terra. “ como um ser vivo, as cidades crescem as custas do que as rodeia. O grande alimento das cidades é a terra, que tomada no seu imediato sentido de superfície limitada, ganha o nome de terreno, no qual feita esta operação lingüística, passa a ser possível construir (...) o terreno desaparece, e em seu lugar surge o imóvel”. Houve um tempo em que a cidade cresceu devagar (...) as ruas davam para um o campo aberto (...) as terras onde as crianças brincavam. (...) Hoje a cidade cresce tão rapidamente que deixa para trás (...) a fraternidade. Cada um por si. Mas é sina dos homens, ao que parece, contrariar as forças dispersivas que eles próprios põem em movimento ou dentro delas se insurgem (...)recomeçam o aprendizapara nos as do dos nomes das pessoas e lugares e outra vez se sentam em volta da fogueira (para conferencias, conselhos conselhos) falando do futuro e do que todos importa. Para que nenhum deles morra em vão” ANEXOS VI -CONFERENCIAS DAS CIDADES- HISTÓRICO A 1ª. Conferencia (2003), teve como meta contar com a participação social para elaborar o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano, que tem como premissa: o direito a moradia digna em lugar que conta com equipamentos públicos, transporte coletivo publico de qualidade, mobilidade urbano, saneamento ambiental, segurança, saúde e trabalho. Obs. O Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano da década de 70 – tinha como meta o “crescimento econômico”, mas não o atendimento das necessidades, o que demonstra a importância das conferencias para a definição de metas sociais. A 1ª. Conferência resultou em 25 diretrizes: Direito a Cidade como direito coletivo; Aplicação do Estatuto da Cidade em Planos Diretores Participativos; Desenvolvimento Urbano tendo como princípio a igualdade de acesso aos padrões urbanos; Criação de Sistema Nacional de Habitação e Moradia com o principio da moradia digna como direito humano; Saneamento ambiental público como direito humano; alteração da legislação de consórcios intermunicipais (da esfera privada para a esfera pública); criação do Sistema Financeiro de Habitação; O transporte Público coletivo urbano, transito urbano e mobilidade urbana tendo como objetivo democratizar os espaços públicos. Aprovou a criação do Conselho das Cidades e o processo das conferencias municipais, estaduais e nacional. Entre a 1ª. e 2ª. Conferência constitui-se o Conselho das Cidades que atuou para implementar as propostas da 1ª. Conferência. A 2ª Conferencia (2005) apontou 40 diretrizes para A Política Nacional de Desenvolvimento com integração de políticas setoriais integradas no território e nas unidades da Federação em especial em regiões metropolitanas. Após debate os consórcios intermunicipais, que eram da esfera do direito privado passaram, por lei para a esfera do direito público. Definiu-se o marco regulatório do saneamento. 6 Saramago, José – 1996- A Bagagem do Viajante – Cia das Letras 227 NOTAS: CONSELHO DAS CIDADES – UMA AVALIAÇÃO... Propôs-se a regulamentação do FNHIS, após a aprovação da Lei do Fundo nacional de habitação, uma conquista dos movimentos populares. Priorizou a regularização fundiária aplicando os instrumentos do Estatuto da Cidade e atuação na prevenção de ocupação de risco. Apontou a necessidade de enfrentamento das questões habitacionais metropolitanas. Referendou a Campanha Nacional do Plano Diretor concomitante a 2ª. Conferência; propôs capacitação de técnicos e conselheiros. Entre a 2. e 3 ª. Conferência o Conselho das Cidades atuou para implementar as propostas aprovadas. O Conselho foi o protagonista principal da organização da 3ª. Conferência. A 3ª. Conferência (2007) apresentou 22 diretrizes relacionadas: A criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano; Criação de Conselhos das Cidades nos níveis Estaduais e Municipais; Reafirmou que os Conselhos devem ter caráter deliberativo; Estabeleceu mecanismos para a política de Regularização Fundiária. Definiu a implementação da Lei 11.445/2007 do Saneamento básico e ambiental (diretrizes aprovadas nas conferências, elaborado pelo Conselho, em conjunto com o Legislativo e executivo). Definiu como prioridade o transporte urbano público coletivo e a mobilidade urbana. Destacou a necessidade de integração dos meios de transporte, a priorização de transportes sobre trilhos, e o barateamento de tarifas para os transporte publico coletivo. Foi criado o Programa de Habitação de interesse social no âmbito do Conselho Gestor – FNHIS, com critérios para o repasse de recursos. Propôs Assistência Técnica Gratuita transformada em Lei e que agora necessita de regulamentação. Propôs formas para a atuação dos governos na mediação e prevenção de conflitos fundiários. O Conselho realizou seminários para tratar de estabelecer formas de atuação. E esta quarta conferencia pode ser uma marca para a continuidade de políticas que visam o atendimento universal do padrão de vida urbano, com participação e controle social. SÍNTESE AS POR DE PROPOST PROPOSTAS EIXOS Além das questões elencadas destaca-se Eixo I – Criação e Implementação de Conselhos das Cidades, Planos, Fundos e seus Conselhos Gestores nos níveis Federal, Estadual, Municipal e Distrito Federal A) Urgente necessidade de criação de Conselhos com caráter deliberativo, de Fundos Estaduais e Municipais que conte com efetiva participação e controle social, visando construir o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano com o objetivo de articular as políticas setoriais em cada lugar e nos diversos níveis de governo (Federal, estadual Municipal); B) Os Conselhos devem ter caráter deliberativo para evitar as atuais restrições em todos os níveis, diálogo com executivo e legislativo, com outros Ministérios, outros órgãos. Esta não é uma questão retórica pois se observa que uma Resolução de um Conselho deliberativo como o CONAMA em alguns casos se superpõe a Legislação do uso do solo, inclusive da Lei Estatuto da Cidade. C) Capitação de técnicos e de conselheiros, fundamental para implementar conhecimento real sobre os problemas e as políticas urbanas sobre a cidade. È necessário que técnicos, conselheiros e sociedade civil, possam compreender a complexidade da produção do urbano, a relação do desenvolvimento urbano, com a infra-estrutura, com grandes projetos e assim aplicar os instrumentos que viabilizem a função social da cidade e a criação de um sistema de Conselhos e de conferencias. 228 Terra Livre - n. 34 (1): 223-230, 2010 Eixo 2- Aplicação do Estatuto da Cidade e dos Planos Diretores e a efetivação da função social da propriedade do solo urbano A) Obrigatoriedade de planos diretores para todos os municípios, independente da população. Como já dito, esta é uma questão importante para ser tratada na dinâmica territorial; B) Campanha para revisão ou implementação de planos diretores; C) Regulamentação de assistência técnica; D) Pouco destacado, mas fundamental é estabelecer parâmetros para os Estudos de Impacto de V izinhança, como previsto no Estatuto, que não elimina os Estudos de Impacto Vizinhança, Ambiental, mas que tem especificidades relacionadas a vida cotidiana; D) Implantação de cadastro de terras, de imóveis vagos, assim como o de Cadastro Multifinalitário que permitam conhecer a real situação dos municípios para aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade em especial os que se referem a função social da cidade e da propriedade. Eixo 3 A integração da Política Urbana no T erritório: política fundiária, Território: habitação, saneamento ambiental, mobilidade e acessibilidade urbana. A) Instituição do Sistema de Desenvolvimento Urbano (conselhos, fundos, conferências) visando integrar as políticas e permitir acesso universal aos padrões urbanos; B) Integração das políticas urbanas aparece em várias propostas de políticas setoriais (saneamento básico -implementar e regulamentar); habitação (em especial a de interesse social, contando com toda infra-estrutura básica, regularização fundiária, urbanização de assentamentos precários); priorização do transporte coletivo público, implantação de ciclovias; atendimento as normas de acessibilidade para todos. Em todas as propostas verifica-se que a integração é fundamental para construir uma cidade com melhor qualidade de vida, inclusive as que destacam a integração com políticas de infra-estrutura, de energia, de rodovias, grandes obras que ocasionam impactos. Ou seja, são propostas que consideram fundamental pensar o conjunto da cidade e do campo nas diferentes regiões, nas diversas cidades brasileiras. Eixo 4 – Relação entre os programas governamentais – como o Programa de Aceleração do Crescimento e Minha Casa Minha vida e a Politica de Desenvolvimento Urbano O objetivo no texto era averiguar se havia integração do PAC e do Programa Minha casa Minha vida com os demais programas. As propostas indicam a necessidade de integração das Políticas de Estado, de alterar programas, mostrando a necessidade de correção de parâmetros para a implantação do PAC e do Programa Minha Casa Minha Vida. A) Enfatiza-se que as políticas devem ser Políticas de Estado para garantir a continuidade de programas, em todas as esferas e em todos os setores; B) Aparece como fundamental a integração de políticas setoriais e de obras de infraestrutura evitando a reprodução nas cidades da desigualdade social e territorial. Ou seja, é preciso impedir que sejam feitas moradias para os trabalhadores em periferias sem nenhuma infra-estrutura, sem saneamento, sem transportes coletivos públicos de qualidade; C) Mostram a necessidade de integração entre os programas, projetos, vias e meios de transporte, infraestrutura de modo geral, obedecendo aos planos diretores participativos com criação de fóruns democráticos que permita o controle social em todos os investimentos; D) Vários critérios são apresentados para serem introduzidos nos Programas Minha Casa Minha Vida e no PAC: possibilitar compra de terrenos para regularização fundiária, desburocratização dos financiamentos; possibilitar o acesso de cooperativas de movimentos; estender os programas para todos os municípios. Enfim as propostas mostram que houve avanços que precisam ser regulamentados. Mas mostram também os desafios para implementar estes avanços entre os quais a integração de políticas, a integração dos entes federados para se constituir uma Política Nacional de Desenvolvimento urbano que tenha como meta o atendimento universal dos padrões urbanos. 229 NOTAS: CONSELHO DAS CIDADES – UMA AVALIAÇÃO... 230 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 RELA TÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO RELATÓRIO XV ENG - 20081 Dieter Heideman Fernanda Pinheiro Léa Malina Maíra Pinheiro Marcela Dias Uma vez que o ENG seria realizado em São Paulo, a comissão se formou com pessoas ligadas a esta seção local, que se dispuseram a contribuir na organização dos trabalhos de campo. Convictos de que o trabalho de campo é de suma importância na formação do geógrafo, pois não há produção do conhecimento sem a relação entre o empírico e o teórico, procuramos garantir que a atividade possibilitasse essa interação. Historicamente, os trabalhos de campo tiveram um papel importante dentro da AGB, constituindo-se como parte significativa das assembléias e da consolidação das pesquisas geográficas no Brasil. A preocupação com esta tradição agebeana norteou todo o processo de organização desta atividade no XV ENG, valorizando este momento do encontro. Organização das atividades da Comissão Inicialmente foram encaminhados e-mails e cartas convidando à participação professores, grupos de pesquisa e laboratórios do Departamento de Geografia da USP e da PUC-SP, que praticam o trabalho de campo como forma didática e de pesquisa. Houve, desde o princípio, uma busca pela diversidade temática dos trabalhos de campo e da formação de seus coordenadores. Num primeiro momento, recebemos aproximadamente 10 propostas que foram discutidas no âmbito da comissão. Uma vez que a previsão de participação no ENG chegava a 5.000 pessoas a comissão pretendia oferecer trabalhos de campo para aproximadamente 1.000 pessoas. Assim, reforçamos os convites feitos e buscamos diálogo com possíveis proponentes. Foi elaborada uma ficha de inscrição das propostas, solicitando informações que orientassem a operacionalização dos trabalhos de campo, com os seguintes itens: tema, roteiro, duração, quantidade de vagas, monitores, infra-estrutura necessária (transporte, alimentação, materiais), orçamento previsto e observações. Adotamos uma prática de organização em torno de reuniões, internas da comissão, e com os proponentes. As reuniões da comissão eram realizadas semanalmente, e tinham como objetivo definir datas, prazos e o andamento das atividades da comissão, tais como questões orçamentárias, materiais a serem distribuídos, inscrições e pré-inscrições. Já as reuniões com os proponentes dos trabalhos de campo serviam para socializar as propostas da comissão e para ampliar as instâncias de decisão, a fim de possibilitar uma maior inserção de todos na dinâmica da comissão. Não foi fixada previamente a periodicidade destas, a princípio foi marcada uma única reunião em nosso calendário, e foi surgindo a necessidade de encontros constantes com os proponentes. Estes foram marcados com antecedência e comunicados por e-mail. Essa prática possibilitou uma aproximação mais orgânica entre proponentes e comissão, resultando uma boa desenvoltura do trabalho realizado. Em abril tínhamos 19 propostas, e no dia 24 realizamos o primeiro encontro com os proponentes, com a seguinte pauta: 1) O trabalho de campo na história da AGB e dos ENGs; 2) Operacionalização do trabalho de campo durante o XV ENG: caderno de campo 1 Relatório da Comissão de Trabalho de Campo constituída para o XV Encontro Nacional de Geógrafos realizado em 2008 na cidade de São Paulo. 231 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... com ementas, roteiros (mapas), material didático (mapas, textos, etc.), cronograma; transporte; alimentação; orçamento; monitoria; 3) Atividades pré- e pós-campo (eventuais reuniões preparatórias com os inscritos durante o ENG, relatórios posteriores e publicações). Nesta data definimos os seguintes pontos: ª% Existiria a possibilidade de realização de um pré-campo durante a semana do encontro, que poderia acontecer no momento desejado pelo proponente, e deveria constar (data, local e horário) no caderno de campo. ª% A entrega das ementas deveria ser efetuada até o dia 1° de junho, pois, em seguida, as divulgaríamos no site do encontro e iniciaríamos as pré-inscrições. ª% A idéia foi que todos os trabalhos de campo tivessem um caderno explicativo que seria entregue no momento da inscrição do campo (21 de julho de 2008). Este material deveria ser confeccionado pelo proponente e enviado por e-mail à comissão juntamente com a ementa, no dia 1° de junho, para que houvesse tempo de viabilizar a impressão dos mesmos. ª% Foi colocada a possibilidade de organizarmos alguma atividade pós-campo, como por exemplo, a publicação, via Internet, de textos e reflexões sobre os trabalhos realizados, tanto dos participantes quanto dos proponentes. Cadernos e blocos de campo Incentivamos os proponentes a elaborar um caderno de campo a fim de possibilitar uma preparação, mesmo que incipiente, para as saídas, considerada importante na realização desta atividade. O caderno traria informações prévias sobre os locais a serem conhecidos, mas principalmente elementos teóricos para pensar o trabalho. A seguinte estrutura foi sugerida para o caderno de campo: aproximadamente 10 páginas; ementa; informações a respeito de alimentação e outros avisos necessários; roteiro (com cronograma); mapas; textos (do próprio coordenador e/ou outros textos de apoio); questões relevantes para problematização do campo; bibliografia. Com exceção de um trabalho de campo, todos os demais tiveram cadernos confeccionados, pela comissão, a partir do original preparado pelo proponente. O trabalho de campo realizado na Estação Ciência teve material próprio da exposição visitada. Blocos de anotações com 30 folhas foram confeccionados, servindo não só para as observações, mas como uma lembrança da atividade. Na capa traziam uma fotografia antiga de um trabalho de campo realizado pelo Professor Araújo, organizado pelo Centro de Estudos Geográficos Capistrano de Abreu, em Casa Branca, 1958. A primeira página continha um poema de Bertolt Brecht, intitulado “A exceção e a regra”, homenageando o texto clássico sobre trabalho de campo do geógrafo Bernard Kaiser “O geógrafo e a pesquisa de campo”. Os blocos foram produzidos numa gráfica e, com inspiração Roseana, juntamos a cada um deles um lápis com borracha amarrado num barbante. Os cadernos de campo qualificaram essa atividade do ENG, já que proporcionaram uma aproximação prévia dos participantes com textos, mapas e imagens sobre os temas e locais que seriam visitados. Muitos dos proponentes não entregaram o caderno na data prevista, e nós os aceitamos até a semana anterior ao evento, o que possibilitou que todos os trabalhos de campo, menos um, tivessem um material sobre a atividade. Porém, o atraso na entrega dificultou a nossa organização. Os cadernos foram impressos nos computadores no ENG, como já havia sido previamente acertado. No entanto, conseguimos iniciar as impressões somente na semana anterior ao evento, quando também os certificados e diversas outras tarefas que dependiam dos computadores estavam sendo realizadas, conturbando todas as atividades de impressão. Isso resultou na necessidade de horários alternativos para os trabalhos da comissão. Temas e trabalhos Foram realizados 22 trabalhos de campo. As mais variadas áreas da geografia e a 232 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 diversidade de proponentes foram contempladas. Os trabalhos foram realizados durante o sábado dia 26/07, e, excepcionalmente, no sábado e domingo 26 e 27/07. Apresentamos a seguir os temas, proponentes e as ementas dos trabalhos de campo realizados. A cidade de São Paulo compreendida a partir de seu centro histórico. O trabalho de campo como ferramenta para o ensino da geografia Grupo de Estudos “Geograficidade Paulistana” DURAÇÃO: 1 dia – das 9h às 13h. EMENTA: Realizar uma abordagem da cidade de São Paulo possibilitando uma compreensão de seus aspectos histórico-geográficos; Abordar os aspectos culturais existentes no Centro da cidade, bem como compreender sua formação sócio-espacial; Comparar a atual ocupação espacial do Centro da cidade em face das demais. Explorar as técnicas de trabalho de campo em Geografia; Incentivar o desenvolvimento de roteiros de trabalhos de campo a serem praticados no ensino básico de Geografia; Divulgar a produção acadêmica dos alunos da graduação do curso de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. OBJETIVOS Oferecer um viés eficiente e interativo de desenvolver trabalhos de campo de maneira autônoma no ensino de Geografia, salientando a interdisciplinaridade dos mesmos e destacando as potencialidades existentes de qualquer lugar; estudar a realidade concreta que nos cerca, a feição do viver urbano, desvendando sua paisagem. ROTEIRO: Praça da Sé; Largo São Francisco; Pátio do Colégio; Largo São Bento; Praça do Patriarca; Viaduto do Chá/Vale do Anhangabaú; Teatro Municipal. VAGAS OFERECIDAS: 40 INSCRIÇÃO: gratuita APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE: O “Grupo de Estudos Geograficidade Paulistana”, fundado no início de 2007 por alunos da Graduação, atua na busca do conhecimento geográfico atrelado ao caráter social que o trabalho de campo representa como ferramenta interdisciplinar para uma educação pública de qualidade. Proporciona diálogos entre professores da rede municipal e estadual, seus alunos e moradores das comunidades que têm acesso àquelas escolas, visando a capacitação, o crescimento pessoal e o interesse em compreender a cidade onde vivem. Conta com a colaboração de diversos professores do Departamento, tais como Prof. Dr. Francisco Capuano Scarlato, Profa. Dra. Valeria de Marcos, Profa. Dora. Glória da Anunciação Alves e Profa. Dra. Léa Francesconi. A T erritorialização dos monopólios /monopolização do território na Territorialização Agricultura Paulista e a luta camponesa pela reforma agrária Prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira DURAÇÃO: 2 dias EMENTA: Este trabalho de campo visa discutir os conceitos de territorialização dos monopólios e a monopolização do território na agricultura paulista e a luta camponesa pela reforma agrária. Ele será realizado na região de Campinas, Piracicaba e Limeira e constará de visitas a diferentes unidades agroindustriais da produção sucro-alcooleira e da produção de suco concentrado de laranja. Constará também, do trabalho de campo a visita a acampamento e assentamento de sem terras para contato com sua luta contra o agronegócio e pela reforma agrária. Roteiro: 1º dia (26/7): São Paulo, Piracicaba, Araras, Limeira (visita a áreas de domínio dos setores sucro-alcooleiros e citrícola. 2º dia (27/7): Limeira, Americana e Sumaré (visita a acampamento e assentamentos da reforma Agrária). Os participantes deverão levar caderneta de campo, maquina fotográfica e/ou filmadora e gravador. Além disso, deverão levar roupa de cama (inclusive cobertor), pois o 233 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... alojamento será na USP Pirassununga. Será cobrada taxa de R$ 8,00 pelo pernoite. VAGAS OFERECIDAS: 45 INSCRIÇÃO: R$ 11,00 APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE: Professor do Departamento de Geografia da USP, pesquisador da questão agrária no Brasil. Agricultura Camponesa em São Paulo Profª. Drª. Valeria de Marcos DURAÇÃO: 1 dia - das 7h às 19h (saída e chegada na USP) EMENTA: Roteiro: Bairro da Videira (Indaiatuba) – Bairro Reforma Agrária (Valinhos) – Bairro da Roseira/Bairro Nova Odessa (Jundiaí) VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 20,00 APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE: Professora do Departamento de Geografia da USP, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: produção camponesa, produção coletiva, produção comunitária, agricultura camponesa e geografia e anarquismo. Baixada Santista: dinâmica territorial atual Profª Drª Mónica Arroyo e Daniel Monteiro Huertas DURAÇÃO: 1 dia – das 8h às 20h (Saída e chegada na USP) EMENTA: Do planalto ao litoral, propomos observar a dinâmica territorial atual de um dos pontos mais antigos do Brasil. Roteiro: Descida da Serra do Mar pela Via Anchieta. Visita ao Pólo Petroquímico de Cubatão, às instalações do Porto de Santos e ao centro histórico da cidade. Saída pela Ponte Pênsil, em São Vicente. Subida da Serra pela Rodovia dos Imigrantes. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 22,00 APRESENTAÇÃO DOS PROPONENTES: Mónica Arroyo é professora do departamento de geografia da USP, pesquisadora do Laboplan – Laboratório de Geografia Política, Planejamento Ambiental e Territorial, com ênfase em pesquisa em Geografia Econômica, atuando principalmente nos seguintes temas: globalização, regionalização, América Latina, Mercosul, uso do território, fronteiras e comércio internacional. Daniel Monteiro Huertas é Mestre em Geografia Humana pela USP e também pesquisador do Laboplan. Compartimentos geomorfológicos do Estado de São Paulo e alguns solos representativos Profª. Drª. Déborah de Oliveira DURAÇÃO: 1 dia – das 8h às 20h (saída e chegada na USP) EMENTA: Objetivo do trabalho de campo: apresentar os seguintes compartimentos geomorfológicos do Estado de São Paulo, partindo da USP do Campus da Capital, rumo à cidade de São Pedro, no interior do Estado: Planalto Atlântico, Depressão Periférica e Cuestas Basálticas. Percurso previsto: partiremos do Planalto Paulistano, inserido no Planalto Atlântico Paulista, passando pela Depressão Periférica Paulista, na Zona do Médio Tietê, onde veremos alguns solos representativos deste compartimento do Estado, como Neossolos Quatzarênicos, Argissolos Vermelho-Amarelos e Nitossolos. Por fim, subiremos a Serra de São Pedro, no compartimento denominado de Cuestas Basálticas. VAGAS OFERECIDAS: 41 INSCRIÇÃO: R$ 7,00 APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE: Professora do Departamento de Geografia da USP, pesquisadora do Laboratório de Pedologia, tem experiência na área de Geografia Física, com ênfase em Pedologia e Geomorfologia, atuando principalmente nos seguintes temas: sistemas pedológicos, micromorfologia de solos, evolução do relevo a partir da rede de drenagem, capturas fluviais, relação solo/relevo e ensino de solos. 234 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 Das centralidades da cidade à periferia da metrópole: a expansão do eixo empresarial e a constituição da “urbanização crítica” Grupo de Estudos sobre São Paulo – GESP DURAÇÃO: 1dia – das 7h45 às 18h (saída e chegada na USP) EMENTA: A idéia de realizar uma atividade de saída a campo para conhecer algumas localidades da cidade de São Paulo é vista como um momento articulado ao processo de desvendamento teórico dos conteúdos que fundamentam a produção do espaço urbano desta metrópole. Assim, o caminho teórico define um percurso concreto que delimita uma região de estudo. Tal região nos permite identificar exemplarmente um mesmo processo (se bem que distinto temporalmente), no qual o capital financeiro, o setor imobiliário e o Estado produzem uma espacialidade em função de suas estratégias reprodutivas. Este processo produz uma morfologia, uma paisagem que pode ser empiricamente apreendida através de uma visita com intervenções analíticas de pesquisadores que fizeram/fazem daquelas localidades seu objeto de investigação. A idéia é a de que a visita a campo nos permita dar substância e reproblematizar os debates teóricos realizados no âmbito das Comunicações Coordenadas propostas pelo Grupo de Estudos sobre São Paulo – GESP – no XV Encontro Nacional de Geógrafos. O objetivo da atividade proposta é apresentar sucintamente a cidade de São Paulo através de um corte teórico-metodológico (que é uma hipótese central do GESP): o espaço como condição contraditória da reprodução do capital. Assim, procuraremos problematizar a constituição das centralidades de valorização na cidade como processo intrinsecamente associado de expropriação dos mais pobres e explosão das periferias da metrópole. Por isso focaremos nosso trabalho no reconhecimento do movimento espacial da constituição do chamado eixo empresarial até os limites formais/legais da cidade, vislumbrando e percorrendo parte das imensas periferias, particularmente aquelas mais consolidadas. O percurso proposto tem início na área central da cidade, que vem sofrendo recentemente um intenso processo de “revitalização” a partir do distrito da Luz, através do conhecido processo de gentrificação, que acarreta/pressupõe amplas desapropriações e a reintegração daquele espaço ao movimento da reprodução dos capitais imobiliários e financeiros. Trata-se, em certo sentido, de um retorno da capitalização imobiliária e financeira do centro, uma vez que este foi historicamente o primeiro espaço de concentração da atividade terciária, sendo o marco inicial da expansão da valorização fundiária através do eixo sudoeste da cidade em direção à marginal do Rio Pinheiros. O segundo momento do trabalho de campo apresenta as avenidas Paulista (no espigão central), Faria Lima e Luís Carlos Berrini (já na várzea do Pinheiros) como espaços de expansão dos negócios empresariais e do negócio da valorização fundiária propriamente como estratégia imobiliária, respectivamente nas décadas de 60, 70 e 80, que não seguem, todavia, uma cronologia tão linear, uma vez que na década de 90 a expansão da avenida Faria Lima produziu a Operação Urbana Faria Lima, bem como Operação Urbana Água Espraiada na avenida de mesmo nome (atual avenida Jornalista Roberto Marinho), mais ligada à viabilização da circulação viária das áreas residenciais nobres para a avenida Eng. Luís Carlos Berrini e avenida Nações Unidas (marginal Pinheiros). Na seqüência partimos para Santo Amaro, onde poderemos verificar, na região lindeira à Marginal Pinheiros e à Rua Verbo Divino, uma reestruturação espacial ligada à reconversão, pela ação imobiliária, de antigos terrenos com galpões industriais à atividade terciária, atestando a construção de inúmeros empreendimentos não apenas residenciais mas também de equipamentos de lazer e turismo, evidenciando o consumo simbólico do espaço como momento de sua valorização econômica efetiva. A observação desta localidade contribui para que se possa refletir sobre a tese da desconcentração industrial e da desindustrialização relativa de certas áreas da metrópole paulistana face à constituição de uma urbanização sob a égide da economia financeira. Ainda em Santo Amaro, poderemos perceber as estratégias informais de sobrevivência e reprodução das populações mais pobres nos arredores do Largo Treze de Maio, seja aquelas estratégias ligadas ao comércio ambulante, seja aquelas ligadas ao acesso à alimentação como modo de viver as contradições urbanas. Trata-se do reconhecimento do nível social, das práticas cotidianas frente à produção formal/legal do espaço e da vida urbanas. De lá partiremos para o Grajaú, 235 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... região periférica, onde poderemos observar diferenças evidentes quanto ao ambiente construído e ao movimento da vida, que se assentam sobre o que alguns chamam de ausência da cidade, de suas centralidades culturais, dos espaços de lazer, embora estas sejam recriadas e apropriadas nos termos do urbano como processo crítico. Se o Estado e a formalidade da propriedade parecem vacilar nessas áreas, o Centro Educacional Unificado (CEU) Grajaú surge como uma ilha da presença institucional do Estado voltada à população do entorno. Por fim passaremos pelo “bairro” do Panamby, na Vila Andrade (próximo ao Morumbi), que materializa uma expansão para “o outro lado do rio” das estratégias de valorização do espaço e que constituiu, a partir de um Fundo de Investimento Imobiliário (FII Panamby) uma grande região para a instalação de grandes empreendimentos imobiliários residenciais voltados às camadas de rendimento mais elevadas da população. Nesse local poderemos situar os limites e as fronteiras espaciais da valorização, bem como poderemos perceber um perfil de urbanização afeito à lógica da nova economia financeira, que traz inúmeras implicações sócio-espaciais para a vida urbana, como a agudização do processo de homogeneização-hierarquização-fragmentação do espaço, cuja resultante é a autosegregação. Bibliografia CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001. CORDEIRO, Helena Kohn. Centro da metrópole paulistana: expansão recente. São Paulo: Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo, 1980. DAMIANI, Amélia Luísa. As contradições do espaço: da lógica (forma)l à (lógica) dialética, a propósito do espaço; A crise da cidade: os termos da urbanização. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri, DAMIANI, Amélia Luísa & SEABRA, Odette Carvalho de Lima (orgs.). O espaço no fim de século: a nova raridade. São Paulo: Contexto, 1999, pp. 48-61 e 118-131, respectivamente. FERREIRA, João Sette Whitaker. São Paulo: o mito da cidade-global. São Paulo: 2003. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo FIX, Mariana. Parceiros da Exclusão. São Paulo: Boitempo, 2001. __________. São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de uma miragem. São Paulo: Boitempo, 2007. FRÚGULI JR, Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Cortez / Edusp / FAPESP, 2000. HARVEY, David. Los límites del capitalismo y la teoría marxista. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1990. Roteiro: USP, centro de São Paulo; avenidas Paulista, Faria Lima, Berrini, e rua Verbo Divino; Santo Amaro; Largo Treze; CEU Grajaú; Panamby; USP VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 11,00 APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE: O GESP-LABUR (Grupo de Estudos sobre São Paulo - Laboratório de Geografia urbana DG-USP) congrega diversos pesquisadores em torno do objetivo de desvendar os conteúdos da urbanização da cidade de São Paulo, tendo como foco de análise os fundamentos que explicitam a desigualdade vivida concretamente no cotidiano da metrópole, tendo como perspectiva a construção de uma “geografia crítica radical”. Entende-se por “crítica radical” a Geografia capaz de revelar as contradições constitutivas do processo desigual da produção contemporânea do espaço, e que, ao potencializar o “negativo” desse processo, propõe um caminho profícuo para elucidar os conteúdos não revelados da luta pelo “direito à cidade”. Esta orientação torna possível a elaboração de um projeto de sociedade compromissado com a criação de uma “outra cidade” como destino do homem. Diante disso, a proposta do GESP envolve a produção de uma “geografia urbana de São Paulo” como meio de tecer caminhos para a construção teórica de uma “geografia urbana crítica radical”. 236 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 Eixo de expansão periférica: Santo Amaro e Capão Redondo Profª. Drª. Odette C. L. Seabra e Lourdes F. B. Carril DURAÇÃO: das 9h (encontro na Estação Ferroviária Cidade Universitária) às 16h. EMENTA: O objetivo deste Trabalho de Campo é identificar nas modalidades de uso do espaço da Várzea do rio Pinheiros e na expansão periférica em direção a Capão Redondo: o ambiente construído, integração com exclusão, o ambiente construído, as atividades e negócios; presenças e ausências inscritas no espaço urbanizado; sincronias e diacronias. Nesse sentido, refletir que as inovações continuam a impulsionar o movimento da modernidade e, projetando-se nos territórios do urbano, criam espaços de riqueza que contrastam com espaços de miséria, no encadeamento de processos de atualização científica e técnica. Por isso, o Primeiro Mundo pode estar também no Terceiro Mundo. Num movimento de reflexão sobre as continuidades e descontinuidades, concentração, simultaneidade, heterogeneidade e funcionalidade, no tempo e no espaço, os nexos que explicam de que maneiras se formam extensos bolsões de pobreza e de que maneiras estão contidas neles as determinações abstratas, não mais entendendo a periferia apenas pelo seu distanciamento do centro, porque vai também se encontrar nas áreas centrais da metrópole. Roteiro: Esta atividade de campo se estenderá ao longo do Canal do Rio Pinheiros, a partir da Estação de Trens Cidade Universitária. Ordenamos este roteiro segundo os pontos previstos para explanação e diálogo com os participantes, a saber: 1o. Estação Universitária de trens da CMTU 2o. Av.Luiz Carlos Berrini 3o. Distrito Industrial de Jurubatuba 4o. Santo Amaro: Largo Treze de Maio 5o. Capão Redondo VAGAS OFERECIDAS: 20 INSCRIÇÃO: gratuita APRESENTAÇÃO DAS PROPONENTES: Odette C. L. Seabra é professora do Departamento de Geografia da USP, pesquisadora de questões urbanas, com ênfase na metrópole de São Paulo. Lourdes F. B. Carril é pesquisadora do Laboratório de Geografia Urbana (LABUR/DG). Espacialidades periférico-centrais na cidade de São Paulo Prof. Dr. Anselmo Alfredo, Rinaldo P. Gomes, Ana Cristina M. Silva DURAÇÃO: 1 dia – das 8h30 às 17h (saída e chegada na USP) EMENTA : Apresentar elementos para a análise da mobilidade da centralidade na e da realidade metropolitana moderna, considerando-se que as suas mudanças de referência – o que era o centro passa a ser a periferia e vice-versa – correspondem aos momentos constituintes da realidade moderna assentada no mundo da mercadoria, onde será também explorada a presença de formas ilusórias que se estabeleceram como necessidade da efetivação de tais centralidades. A presença dos aldeamentos indígenas refere-se à centralidade estabelecida como momento de conquista do sertão demandada pela racionalidade do lucro comercial onde a própria produção do trabalho, enquanto elemento de valorização daquilo que se punha como lucro comercial de então se estabelece como uma centralidade da realidade propriamente paulista. Desta maneira, a própria constituição de tais aldeamentos se o fizeram como forma não só de instituir uma destribalização das terras, como momento da propriedade privada da terra propriamente, como também, simultaneamente, foram responsáveis pela presença de um trabalho que pudesse tornar a colônia produtiva segundo as exigências do lucro comercial estabelecido. Portanto, no que diz respeito a um momento importante de realização das relações agrário-urbanas do planalto paulista, trata-se de estabelecer o sertão como a centralidade que dava sentido às formas de sociabilidade demandadas por uma lógica que já se firmava a partir dos nexos da mercadoria, do valor. É certo que, juntamente com o processo de apresamento desta mão de obra, tratava-se de constituir, ainda que precariamente, uma ética do trabalho que se punha sob a insígnia da catequese jesuítica, como ilusão necessária daquele momento, cujas contradições iremos discutir ao longo de 237 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... nossos diálogos. Num outro plano, a saída de campo buscará contrastar esta centralidade quando não só o trabalho conquista, por seus mais diferentes percursos (sem uma unidade contínua entre os aldeamentos e a forma de a força de trabalho se instituir atualmente) uma centralidade efetiva na sociedade moderna e, agora, metropolitana de São Paulo. Esta nova forma de centralidade posta, uma vez mais, pela forma valor e seu fundamento (o trabalho), traz os elementos de uma cidade que se faz através do mundo das fábricas e suas respectivas vilas, pondo a vida determinada pelos nexos da produtividade industrial cuja especificidade na periferia do capitalismo foi a determinação crítica de sua própria formação, porque a produção fabril não foi suficiente para acumular os seus pressupostos e, quando da incorporação de capitais estrangeiros para tal fez-se por uma produtividade importada que na realidade periférica era, ao mesmo tempo, crise do trabalho. O momento de nossa atividade de campo que permitirá observar estes elementos será a visita a uma vila operária no Bairro do Jaguaré, antigo bairro industrial de São Paulo. Se este foi o elemento central que estabeleceu os próprios nexos espaciais da cidade de São Paulo, pondo o campo (sertão) como sua periferia, o último quartel do século XX é um momento de aprofundamento desta crise do trabalho produtivo como centralidade da sociedade moderna em todos os seus aspectos, estabelecendo os termos de uma crise da reprodução social do mundo da mercadoria, na medida em que o valor se põe sem o seu elemento que o valoriza, isto é, sem o trabalho. Trata-se, portanto, de uma crise do mundo do trabalho. Assim, se, desde o princípio, o nexo formativo da realidade urbana e agrária brasileira se o fez pelo trabalho, pondo este como fundamento dos centros, que pensar como elemento fundamental das novas formas de espacialidades e centralidades postas pela crise do trabalho? Assim, o objetivo é o de, na visita à considerada periferia urbana, conhecer os elementos de uma nova contradição espacial, entre centro e periferia, onde a esta se põe como um dos planos da generalização do consumo, como forma de reprodução de uma realidade determinada pela forma mercadoria, embora sem o processo fundamental de valorização, isto é, a própria força de trabalho. Se as ilusões o são, agora, a ascensão pela maior capacidade de consumo também na realidade periférica da metrópole, observa-se os termos do que se pode compreender como centralidade ou não da metrópole ainda determinada pelos sentidos da forma mercadoria. Roteiro: Aldeia de Carapicuíba – Bairros periféricos da zona norte de São Paulo. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 11,00 APRESENTAÇÃO DOS PROPONENTES: Anselmo Alfredo é professor do Departamento de Geografia, pesquisador do Laboratório de Geografia Urbana (LABUR/DG) e atuando, especialmente, nos temas sobre modernização, espaço e tempo. Ana Cristina é pósdoutoranda no Departamento de Geografia da USP, atuando principalmente nos seguintes temas: forma urbana, entesouramento, produção do espaço, mobilização, Fortaleza. Rinaldo P. Gomes é doutorando do Departamento de Geografia da USP. Hip Hop em vias urbanas André Simões DURAÇÃO: 1 dia – das 8h30 ás 19h30 (saída e chegada na USP) EMENTA: Este trabalho de campo tem como objetivo introduzir o Movimento Cultural Hip Hop no ambiente acadêmico a partir da prática do trabalho de campo em geografia. Para atingir este objetivo, a proposta é circular por São Paulo e pensar a cidade, nas suas variadas dimensões: circulação, ocupação do espaço (público e privado), os aspectos sociais, tais como pobreza, violência, trabalho; para assim relacionar estes aspectos da vida cotidiana com a identidade simbólica e material deste fenômeno urbano. Buscaremos entender as opções, as mudanças nas trajetórias individuais e coletivas e também na forma de apropriação e circulação na cidade. 238 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 Assim, podemos pensar a apropriação do espaço urbano sob a ótica simbólica. O posicionamento geográfico, bem como seus deslocamentos são importantes para este objetivo na medida em que se articulam com o acúmulo de capital simbólico dos atores. Esse deslocamento é pensado historicamente, e por isso, vai além do uso cotidiano do espaço urbano. Roteiro: Vila Madalena: apreciação do Graffiti. Conversa com Graffiteiros e MCs da região. Centro da Cidade: São Bento (Largo e Metrô); Galeria 24 de Maio. Conversa com trabalhadores das lojas, MCs, DJs e público; Praça Roosevelt. Periferia: Diadema, Canhema, Casa do Hip Hop. Conversa com Nino Brown, Marcelinho e outros artistas. VAGAS OFERECIDAS: 25 INSCRIÇÃO: R$ 5,00 APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE:Graduando em Ciências Sociais pela FFLCH/ USP. Militante do Movimento Cultural Hip Hop desde 1997, atuando em atividades artísticas, culturais e educacionais. É MC do grupo H2P, produtor musical, produtor cultural, um dos idealizadores e coordenadores do Portal Mundo da Rua, sobre cultura Hip Hop. Faz palestras, oficinas e cursos ligados ao Hip Hop e também desenvolve um trabalho de pesquisa sobre os músicos de Rap na cidade de São Paulo. Indígenas e camponeses na metrópole Heitor Antônio Paladim Júnior e Evandro Noro Fernandes DURAÇÃO: 1 dia – das 7h30 às 17h30 (saída e chegada na USP) EMENTA: Neste Trabalho de Campo conheceremos a Aldeia Krukutu do povo Guarani e duas unidades camponesas da Região Sul do Município de São Paulo. Refletiremos sobre as demandas socioterritoriais das questões agrária e indígena brasileira pelo prisma de suas similaridades e diferenças. Nesta expedição teremos contato com lógicas que contradizem entendimentos e compreensões sobre a metrópole paulista. As observações e as vivências também possibilitarão a compreensão da resistência desses sujeitos socioterritoriais em sua luta para conquista e manutenção dos seus territórios. Roteiro: USP – Aldeia Indígena Guarani Krukutu – Bairro Embura, produção de hortaliças e cogumelos shitake - Produção Camponesa em Marsilac - USP. OBS: Na aldeia Krukutu é necessário pagamento de taxa de R$ 7,00 por pessoa. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 15,00 APRESENTAÇÃO DOS PROPONENTES: Heitor Antônio P. Júnior é doutorando do Departamento de Geografia da USP e tem experiência atuando enquanto Geógrafo - Educador principalmente nos seguintes temas: formação de educadores e educadoras, questão agrária e campesinato (educação do campo), reforma agrária, educadores / as da reforma agrária, educação de Jovens e adultos e educação indígena.. Evandro N. Fernandes é mestrando em Geografia Humana pela USP, com pesquisa em Agricultura e Urbanização. Ênfase dos estudos na questão agrária e do meio ambiente, educação ambiental, de jovens e adultos. Migrações para São Paulo Prof. Dr. Heinz Dieter Heidemann DURAÇÃO: 1 dia – das 8h (encontro na estação do metrô Brás) às 18h (na Baixada do Glicério) EMENTA: O trabalho de Campo vai situar os deslocamentos migratórios para Soa Paulo sobre o ângulo do conceito da mobilidade do trabalho entre o momento da formação da ocupação do Estado com migrante estrangeiros em função da ascensão da cafeicultura até os momentos atuais do colapso do processo da modernização. Para este fim será visitado o Memorial do Imigrante (antiga hospedaria), o Bairro do Brás (para conhecer os processos de uma tradicional migração nordestina) até a casa de migrantes da Pastoral dos Migrantes na Baixada do Glicério, que acolhe hoje predominantemente hispano-america- 239 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... nos e africanos. O percurso, com duração com cerca de 9h, será realizado a pé. VAGAS OFERECIDAS: 30 INSCRIÇÃO: gratuita APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE Professor Doutor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Laboratório de Geografia Urbana (LABUR/DG) dos processos migratórios, da mobilidade do trabalho e da teoria social crítica. Nas margens do centro – sobre a vida, a rua e o lixo no Centro de São Paulo Daniel De Lucca Reis Costa DURAÇÃO: 1 dia - das 10h (encontro no Páteo do Colégio) às 16h (na Baixada do Glicério) EMENTA: Este trabalho de campo busca explorar e introduzir a questão das redes de relações que articulam o universo das ruas e do lixo no centro de São Paulo, enfocando os mecanismos estatais, não-governamentais e de mercado que incidem diretamente na reprodução das condições da vida urbana dos, assim chamados, moradores de rua e catadores de materiais recicláveis. Roteiro: A primeira parte inicia-se com uma caminhada atenta pelo triângulo histórico da região central. Esta primeira observação da paisagem permite levantar elementos para a problematização das classes baixas e dos grupos populares da região, os modos de sociabilidade no espaço público, as formas de interação com o ambiente construído e os artefatos urbanos. Num segundo momento, o trajeto desloca-se em direção à Baixada do Glicério. Conhecido como “região problema” pelas autoridades públicas, o Glicério insinuase como uma centralidade que condensa uma grande diversidade de práticas consideradas “marginais” pelos agentes da ordem urbana. Ali, buscar-se-á visitar alguns equipamentos, instituições e espaços de trabalho próprio ao universo dos moradores de rua e catadores de materiais recicláveis. Nestas visitas pretende-se ouvir narrativas e relatos de sujeitos diretamente envolvidos com este universo, de modo a entrecruzar perspectivas e problematizar temas como o assistencialismo, o cooperativismo e a mobilização política na trama de suas relações urbanas. VAGAS OFERECIDAS: 35 INSCRIÇÃO: gratuita APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE: Graduando em Geografia pela USP, possui graduação em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e mestrado em Antropologia social na USP. Atualmente é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana Mestre em Sociologia, estudante de graduação em Geografia. Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar Prof. Dr. Davis Gruber Sansolo DURAÇÃO: 1 dia - das 6h às 23h (saída e chegada na USP) EMENTA: O trabalho de campo buscará por meio de observação da paisagem no Litoral Norte de São Paulo e Sul Fluminense promover o debate sobre as formas aparentes derivadas das relações entre a dinâmica da sociedade e a dinâmica da natureza, considerando o turismo e a conservação ambiental como conteúdos dinamizadores do território e promotores de conflitos sociais. Atividades a serem desenvolvidas: Identificação de Unidades de Paisagem em diversas escalas Observação de formas do meio físico e biótico Observação das formas de uso e ocupação da terra Identificação de formas e estruturas de turismo Identificação de estruturas e formas de conservação da natureza Identificação de possíveis conflitos sociais existentes 240 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 Metodologia Em cada parada será designada atividades para cada dupla para observação e registro de informações que deverão ser plotadas em mapa do roteiro do trabalho de campo. Ao final do dia será apresentado os resultados das observações eventuais entrevistas e registro fotográficos para organização do material de forma coerente como o roteiro. Materiais Necessários: Roupa simples e confortável ( Moleton, calça jeans, roupa de banho para um eventula mergulho ou banho de cachoeitra) Tênis ou bota confortável anti-derrapante, Boné Nessa época do ano não é comum infestação de mosquitos, mas quem é alérgico deve levar um repelente (Off) Garrafa dágua ou cantil Bolachas ou mix de castanhas Sanduíches e outros alimentos portáteis para almoço ( levem algo a mais para que possamos fornecer o lanche para o motorista) Maquina fotográfica Caderno de campo ROTEIRO Rodovia Airton Sena, Carvalho Pinto, Tamoios 1ª Parada: Alto da Serra do Mar 2ª Parada: Orla no Centro de Caraguatatuba 3ª Parada: Praia na região Sul de Ubatuba 4ª parada: Orla Itagua 5ª Parada: Rio Santos próximo a Itamambuca 6ª Parada: Sertão da Fazenda da Caixa 7ª Parada: Praia da Fazenda Almoço no Núcleo Picinguaba 8ª Parada: Vila de Picinguaba Retorno para São Paulo VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 43,00 APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE: Professor do Programa de Mestrado em Hospitalidade Universidade Anhembi Morumbi. É pesquisador associado do Laboratório de Tecnologias e Desenvolvimento Social – LTDS, do Programa de Engenharia de Produção, da COPPE/UFRJ. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Planejamento Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas de pesquisa: turismo, meio ambiente, hospitalidade, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. O centro da cidade e as transformações para sua revalorização Profª. Drª. Glória de Anunciação Alves DURAÇÃO: 1 dia – das 9h (encontro nas escadarias do Teatro Municipal) às 13h EMENTA: A idéia é discutir com os participantes o que significam as transformações da área central de São Paulo, a que interesse estão ligadas e os conflitos resultantes desse processo. Estaria ocorrendo uma gentrificação cultural? Roteiro: Encontro nas escadarias do Teatro Municipal, Viaduto do Chá, Praça Patriarca, Largo do São Francisco, Catedral da Sé, Pátio do Colégio, Rua Boa Vista, Bolsas de Valores e de mercadorias e futuro, Centro Cultural Banco do Brasil, Largo São Bento, Ladeira Porto Geral, Mercado Municipal. VAGAS OFERECIDAS: 30 INSCRIÇÃO: gratuita APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE: Professora do Departamento de Geografia da USP, pesquisadora do Laboratório de Geografia Urbana (LABUR/DG). Atuando principalmente nos seguintes temas: centro, centralidade, apropriação, dominação, uso e São Paulo. O lastro territorial do processo de produção e circulação de mercadorias 241 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... na formação da dita região metropolitana de São Paulo Felipe Saluti Cardoso e Jenifer de Freitas Sabatini DURAÇÃO: 1 dia – das 7h às 18h (saída e chegada na USP). EMENTA: Esta atividade tem por finalidade discutir a dinâmica de consolidação e formação da urbanidade em sua complexidade econômico-territorial, tendo em vista e, para não fugir de foco, a cotidianidade do urbano sob o modo de produção capitalista contemporâneo. Para tanto, é fundamental que os participantes estejam atentos ao trajeto, que foi elaborado através de estudos do processo de produção e circulação de mercadorias na dita região metropolitana de São Paulo. É necessário apresentar aos participantes a redefinição dos arranjos espaciais frente às contradições do modo de produção capitalista a partir do processo de Industrialização no Brasil. Este processo que ocorre com atraso tem início junto à subordinação burguesa brasileira a burguesia dos países centrais a partir de investimentos do Estado. Optou-se por levar os participantes a algumas áreas distantes das outras com o intuito de apresentar como se deu a consolidação do processo de produção e circulação de mercadorias e suas conseqüências no território abrangido. Para isso, haverá discussão durante todo o trajeto, já que se trata de parte do trabalho de campo. A partir da construção da Rodovia Anchieta que liga a cidade de São Paulo à Baixada Santista, tornando-se principal via de circulação e escoamento de mercadorias da Região metropolitana de São Paulo, diversos conglomerados urbanos se formaram devido à instalação de fábricas, com contratação de mão de obra. A discussão em campo terá início a partir do trajeto onde serão apontadas as Indústrias de capital multinacional instaladas na Rodovia Anchieta – São Bernardo do Campo, sendo que haverá uma parada na Indústria Automobilística Volkswagen. Cubatão, um dos primeiros pólos industriais do país e todo o conglomerado urbano que se formou por toda a Rodovia Anchieta, inserido no Parque Estadual da Serra do Mar é parada fundamental deste trabalho, já que demonstra a trajetória de ocupação das comunidades dos bairros chamados cotas que estão intrinsecamente ligados a construção da Rodovia para circulação e escoamento de mercadorias. Haverá três breves paradas pelos bairros inseridos no Parque Estadual. A Vila de Paranapiacaba no Município de Santo André será o próximo ponto a ser visitado. Em 1861, através de um canteiro de obras para construção de uma ferrovia (São Paulo Railway) que ligasse o planalto ao litoral, se inicia a formação da vila de Paranapiacaba. Esta ferrovia nasce para atender às necessidades que vêm de fora, já que é utilizada para escoamento de produtos que chegarão ao porto de Santos para serem enviados aos outros países. Para a construção da ferrovia foram abertos mais quatro patamares na Escarpa. A vila tem em média 2.500 habitantes e é patrimônio cultural do Estado de São Paulo e os moradores vivem do turismo local, havendo uma expropriação da grande maioria dos operários que trabalharam na ferrovia, pois ficaram desempregados e as condições de moradia passaram a se estabelecer de outra maneira. Por fim, haverá parada essencial no centro velho de São Paulo, onde se discute como se deu o princípio da indústria e do operariado paulista. Roteiro: Saída: USP-Butantã. Primeira parada: Município de Cubatão - Bairros cotas (três pontos a serem discutidos). Segunda parada: Vila de Paranapiacaba. Terceira parada: Indústrias de capital multinacional instaladas na Rodovia Anchieta – São Bernardo do Campo. Quarta parada: Belém, Brás e Mooca – Princípio da indústria e do operariado paulista. Chegada: USP-Butantã. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 22, 00 APRESENTAÇÃO DOS PROPONENTES: Felipe Saluti Cardoso: Graduado em Li- 242 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 cenciatura e Bacharelado em Geografia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Centro Universitário Fundação Santo André. Jenifer de Freitas Sabatini: Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Geografia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Centro Universitário Fundação Santo André. Perfil Geológico-Geomorfólogico do trecho São Paulo – Pardinho (SP) Profª. Drª. Bianca Carvalho Vieira DURAÇÃO: 1 dia – das 7h30 às 19h (saída e chegada na USP) 1. EMENTA e OBJETIVOS: Identificar as principais formas de relevo associadas aos diferentes tipos de rochas; Relacionar os diferentes tipos de minerais e rochas com a tipologia do relevo da área; Identificar feições geológico-geomorfológicas; Discutir o tipo de uso e ocupação na área e sua relação com a Geomorfologia e Identificar os processos endógenos e exógenos na formação do relevo da área. 2. NORMAS E ORIENTAÇÕES (HORÁRIOS, ALIMENTAÇÃO, ROUPAS, EQUIPAMENTOS) Usar roupas claras; agasalhos; calça comprida; boné; bota de campo (ou sapato fechado); Levar meias e camisetas reservas e capa de chuva; Equipamentos (sugestão): lupa de bolso; máquina fotográfica; caderneta de campo ou prancheta; lápis, caneta e borracha; Levar água e lanche. A parada para o almoço será por volta das 14:00. Durante a parada à beira de estradas e rodovias, tenha um CUIDADO redobrado com o trânsito de automóveis e caminhões; Algumas paradas são de difícil acesso. Desta forma, tenha cuidado com áreas íngremes e escorregadias. É PROIBIDO o uso de bebidas alcoólicas durante a realização do campo; Em função do grande número de participantes, é necessário que o grupo permaneça junto durante todo o percurso objetivando o melhor desenvolvimento e rendimento do trabalho; 3. ROTEIRO - Rodovia Castelo Branco (SP-280). 1º Parada: Barueri (Km26). Observação do relevo em rochas graníticas 2º Parada: Rodovia Castelo Branco. Observação do relevo em rochas graníticas (Campo de Matacões) 3º Parada: Entrada para Araçariguama (Km 49). Observação do relevo em rochas metamórficas 4º Parada: Próximo ao município de Sorocaba (Km 78). Observação da Depressão Periférica Paulista. 5º Parada: Rodovia Castelo Branco. Parada para o Almoço (Município de Quadra) 6º Parada: Rodovia Castelo Branco. Observação de um dique de Diabásio. 7º Parada: Rodovia Castelo Branco. Observação das Formações Botucatu e Pirambóia. 8º Parada: Estrada em direção ao município de Pardinho. Observação das Cuestas de Botucatu 9º Parada: Estrada em direção ao município de Pardinho. Observação dos mantos de intemperismo provenientes do basalto (Serra Geral) VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 32, 00 APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE: Professora do Departamento de Geografia da USP, pesquisadora do Laboratório de Geomorfologia (DG). É membro da Diretoria da União da Geomorfologia Brasileira na qual atua como tesoureira. Relações de T rabalho e de Produção no campo em São Paulo – a luta pela Trabalho terra e a reforma agrária Profª. Drª. Larissa Mies Bombardi DURAÇÃO: 1 dia – das 7h às 19h (saída e chegada na USP) 243 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... EMENTA: 1. Início da Região Monocultora da Cana-de-Açúcar nas imediações de Campinas e Americana Trajeto pelas rodovias Anhangüera e Bandeirantes Atividades: - Observação e registro do percurso 2. Acampamento Milton Santos (Americana) Trajeto pela rodovia Anhanguera (SP-330). Atividades: - Observação e registro do percurso; - Visita ao Acampamento; -Conversa/entrevista com liderança; -Conversa/entrevista com acampados. (Almoço) 3. Bairro Reforma Agrária (Campinas/Valinhos); Trajeto pela rodovia Anhanguera (SP – 330). Atividades: - Observação e registro do percurso; - Observação do Bairro Rural; Visita a uma propriedade: - Conversa/entrevista com visitantes. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 22, 00 APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE: Professora do Departamento de Geografia da USP e pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária do DG. Atuando principalmente nos seguintes temas: geografia agrária e teoria e método em geografia. Urbanização da metrópole de São Paulo e geografia da natureza: subsídios à geografia escolar Profª. Drª. Cleide Rodrigues e Ana Lúcia Guerrero DURAÇÃO: 1 dia –das 17h30 às 19h (saída e chegada na USP) EMENTA: Roteiro: USP – Parque Villa-Lobos e Planície do Rio Pinheiros – Reservatório de Guarapiranga – Campo Limpo – Espigão da Paulista – Interflúvio Anhangabaú – Tamanduateí ( Centro Velho) – Ponte Grande / Bandeiras VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 11,00 APRESENTAÇÃO DAS PROPONENTES: Professora do Departamento de Geografia da USP, tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geografia Física, atuando principalmente nos seguintes temas: geomorfologia aplicada, processos geomorfológicos, geoindicadores no meio tropical úmido, cartografia geomorfológica e geomorfologia e urbanização. Urbanização município de e turismo no litoral paulista: uma análise de caso para o Bertioga Profª. Drª. Rita de Cássia Ariza da Cruz DURAÇÃO: 1 dia – das 8h às 21h (saída e chegada na USP) EMENTA: Partimos da premissa de que o turismo é uma prática social/atividade econômica que tem como principal objeto de consumo o espaço. Tal premissa nos conduz ao reconhecimento de que se trata de uma atividade que envolve deslocamento de pessoas e a implementação de novos objetos bem como a apropriação de objetos já existentes no território. Outro pressuposto norteador deste trabalho de campo é o reconhecimento de um forte vínculo entre turismo e processo de urbanização, sendo a atividade uma motivadora desses processos. Este trabalho de campo volta-se, assim, para uma análise da dimensão espacial das práticas turísticas e de seus desdobramentos sócio-espaciais, a partir de um estudo de caso: município de Bertioga, Baixada Santista. Roteiro: São Paulo – Bertioga (Ayrton Senna e Mogi Bertioga); em Bertioga (Praia da 244 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 Enseada, Forte de São João, Condomínio Hanga Roa, Loteamento Indaiá, Riviera de São Lourenço). Retorno para São Paulo. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 32,00 APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE Professora do Departamento de Geografia da USP, tem experiência na área de Geografia do Turismo, com ênfase em Ciências Humanas, atuando principalmente nos seguintes temas: turismo, território, políticas públicas, produção do espaço. Usos e T ransformações do Espaço Urbano de Campinas-SP: município de Transformações interior interior,, dinâmica de metrópole Francis Pedroso DURAÇÃO: 1 dia – das 17h30 às 18h (saída e chegada na USP) EMENTA: Saída de São Paulo as 07h30, chegada prevista em Campinas às 09h30. Visita aos Distritos Industriais e Pólos de Tecnologia.Visita ao Centro da Cidade e almoço na área central, pela tarde saída de Campo ao Distrito de Souzas e a APA de Joaquim Egídio, onde fica um dos pontos principais de captação de água do município e depois visita ao Distrito de Aparecida, bairro popular que foi construído durante os anos 1970 e 1980 na periferia de Campinas. Por volta das 16h30 retorno previsto para São Paulo. VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 20,00 APRESENTAÇÃO DA PROPONENTE: Possui graduação em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e graduação e mestrado em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Vale do Ribeira – heterogeneidade ou subdesenvolvimento Carlos Carriel Castro DURAÇÃO: 2 dias (saída às 7h da manhã do sábado na USP e chagada prevista às 18h do domingo na USP) EMENTA: A presente proposta de Trabalho de Campo tem por objetivo o estudo de alguns aspectos de uma região do estado de São Paulo, que se caracteriza pela sua configuração sócio-espacial diferenciada com relação às demais do estado. O Vale do Ribeira apresenta a maior área continua de Mata Atlântica preservada, ainda contém um grande número de ecossistemas preservados e é ocupado por heterogeneidade de grupos sociais, indo de pequenas cidades que criam-se a partir da ação de grandes multinacionais, à comunidades tradicionais, como, ribeirinhos, pescadores, guaranis e quilombolas. O objetivo do estudo é vivenciar e conhecer uma determinada ocupação do território, que resulta em um intenso debate onde temos de um lado, a adjetivação da região, como a mais subdesenvolvida do estado, apresentando os piores índices socioeconômicos, e por outro um olhar onde busca-se entender que tal ocupação, determinada em grande parte pela estrutura geomorfológica e pela biodiversidade da região, gerou uma heterogeneidade de fazeres sociais, que vai de encontro aos critérios de avaliação propostos para outras regiões do estado. Veremos também, que uma leitura do território, onde usa-se critérios homogeneizantes de classificação social, tende a servir aos objetivos de empreendimentos de grandes empresas. A luta contra alguns desses empreendimentos, que hoje são pauta dos movimentos sociais locais, serviram para que tomemos contato e busquemos desvendar a realidade local a partir dos sujeitos que resistem na tentativa de continuar a ordenar o espaço por eles vivido. Roteiro: 1ª parada - 26/07 às 9h30: Registro – visita ao museu da migração japonesa, observação do rio Ribeira de Iguape e estudo do sentido e estrutura da ocupação do Vale a partir desse ponto) 2ª parada – 26/07 às 11h: Comunidade quilombola do Mandira e cooperativa de ostra da comunidade; 245 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... 3ª parada 26 e 27/07: 15h: Cananéia – estudo de alguns aspectos da cidade histórica. 19h30: Debate com Coletivo Educadores do Lagamar, MAB e Idesc, sobre a construção da hidrelétrica do Tijuco Alto. 22h: Atividade cultural com Coletivo. Domingo: 9h: observação da região do lagamar através de passeio de escuna 11h: debate com representantes da Agrofloresta – Cooperafloresta da Barra do Turvo e Ocimar Bim (Parque Estadual da Barra do Turvo). 15h30: retorno a São Paulo VAGAS OFERECIDAS: 47 INSCRIÇÃO: R$ 37,00 APRESENTAÇÃO DO PROPONENTE: Coordenador do Espaço de Dispersão Cultural Terra de Montanhas – Barra do Turvo – Vale do Ribeira, professor da rede publica do Estado de São Paulo, Graduado em geografia pela PUC-SP, membro da direção da AGB-SP – gestão 2005 - 2006). Visita ao Centro de Ciência da USP/Estação Ciência. Exposição “O Planeta Terra e a Preservação Ambiental” Edelci Nunes da Silva, Maria del Carmen M. Ruiz, Job Carvalho DURAÇÃO: 1 dia – das 10h30 (encontro no terminal de ônibus da Lapa) às 12h30. EMENTA : “O Planeta Terra e a Preservação Ambiental”. Composta de maquetes, painéis, objetos, rochas, minerais e mapas explicam os principais conceitos da geociências. Uma animação computadorizada mostra o processo de deriva dos continentes e formação dos fundos oceânicos. Simulador de terremoto, tsunami, exemplares de amostras geológicas, maquete da região metropolitana e de parte do estado de São Paulo, maquete de uma bacia hidrográfica, do Aqüífero Guarani etc. fazem parte da exposição. Trata-se de uma das exposições mais completas e interativas de todo o mundo na área de Ciências da Terra. Curadoria: Instituto de Geociências - IGC / USP. Parceria: Petrobras VAGAS OFERECIDAS: 60 INSCRIÇÃO: gratuita APRESENTAÇÃO DOS PROPONENTES: Edelci Nunes da Silva é graduada em geografia e mestre em saúde ambiental pela USP, e atualmente é Educadora da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geografia Física. Atuando principalmente nos seguintes temas: ambiente, cidade, favela, saúde ambiental, temperatura. Maria Del Carmen M Ruiz possui mestrado em Física pela USP e atualmente é educadora - coordenadora da monitoria da Estação Ciência da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação em museus, formação de estagiários e desenvolvimento de materiais didáticos. Job Carvalho é mestrando em geografia e graduado em biologia pela USP e atualmente trabalha na Estação Ciência, desenvolvendo trabalhos junto às exposições científicas e orientação didático- pedagógicas para professores e alunos. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em meio ambiente, gestão ambiental, turismo, docência no ensino fundamental e médio. Foi visando oferecer trabalhos de campo ao maior número de encontristas, que os convites para formulação de trabalhos estenderam-se aos professores dos departamentos de geografia da USP e da PUC-SP. Não praticamos nenhuma espécie de restrição a qualquer a trabalho proposto, ou sugerido. Chegamos a fazer, no âmbito da comissão, uma seleção de temas que seriam, a nosso ver, importantes de se abordar em trabalhos de campo no XV ENG. No entanto, esta lista ficou esquecida diante das propostas que foram se apresentando. Estimulamos a realização de trabalhos de campo dos quais tínhamos conhecimento, dialogando pessoalmente com professores e estudantes, no entanto a idéia de se contemplar um leque temático a priori, 246 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 não se verificou na prática. Seja porque apareceram diversos trabalhos de temáticas não pontuadas, desdobradas de temáticas mais gerais, seja pois era inviável insistir mais do que havíamos feito através de e-mails e contatos pessoais. Alguns trabalhos foram mencionados, mas não chegaram a se concretizar como propostas formalizadas entregues à comissão. Os prazos de formulação das propostas, e de entrega das ementas foram flexibilizados, e, em última análise aceitamos inclusões em qualquer momento do processo. Verificamos, no entanto que os trabalhos propostos ao final deste, por pessoas mais distantes da dinâmica recente da AGB-SP e do Departamento (FFLCH/USP, uma vez que da PUC-SP não concretizou-se nenhuma propostas) tiveram maior dificuldade de se agregar ao processo de construção da atividade no ENG. Foram estes trabalhos que ficaram na iminência de não se efetivarem, às vésperas do XV ENG. Conforme já mencionado no tópico referente às inscrições, apesar de os trabalhos de campo terem sido bastante procurados nas pré-inscrições pela Internet, na efetivação da inscrição mediante pagamento não se verificou na data estabelecida, nem durante todo o ENG, a lotação das vagas oferecidas, em nenhuma saída paga. Cabe ressaltar que as 5 saídas com inscrição gratuita (nas quais a locomoção ao local do trabalho de campo era por conta de cada participante) tiveram suas vagas totalmente preenchidas. Diante disso, a comissão ponderou sobre o oferecimento dos trabalhos, e optou por não fazer nenhum cancelamento de saída, bem como aglutinação de temáticas. Utilizandonos das verbas oferecidas pela Universidade de São Paulo, os gastos representados pelo montante de vagas ociosas foram cobertos e todos os trabalhos foram realizados, mesmo que com grupo reduzido de participantes. Das 850 vagas disponibilizadas, foram preenchidas 640. Inscrições Ao fazer o planejamento dos trabalhos de campo, a comissão idealizou a existência de uma pré-inscrição para a atividade, a fim de ter uma idéia melhor de quantas pessoas estariam interessadas em participar com alguma antecedência do encontro. Já na primeira conversa com os proponentes, a idéia foi apresentada aos presentes, que concordaram com a realização desta pré-inscrição, e sugeriram que constasse nela as informações sobre o participante (se estudante de graduação, pós-graduação, professor do ensino básico, ou da universidade). Assim, nos organizamos para termos todas as ementas e o orçamento dos ônibus dos trabalhos de campo no começo de junho, para que os interessados pudessem se inscrever até dias antes do início do XV ENG. No site, foi divulgado o seguinte texto: Pré-Inscrições para os Trabalhos de Campo do XV ENG: 16/06/2008 a 14/07/2008 A pré-inscrição não garante a vaga no trabalho de campo. Esta só se confirma na data de inscrição definitiva, no dia 20 de julho, primeiro dia do encontro, mediante o pagamento da taxa de custo correspondente à saída de sua escolha. Os pré-inscritos terão prioridade na efetivação da matrícula definitiva, sendo o período da manhã exclusivo para todos aqueles que estiverem na lista. No decorrer do dia as inscrições para o Trabalho de Campo estarão abertas a todos aqueles que tiverem interesse. INCRIÇÕES (21/07 – segunda-feira no prédio da geografia / história - FFLCH-USP) Pré-inscritos com inscrição no Encontro: 9h – 12h Inscritos no Encontro: 13h – 16h Inscrições abertas aos demais interessados: 16h – 19h OBSERVAÇÕES: - Conforme o número de inscritos, pode, eventualmente, haver remanejamento para outros Trabalhos de Campo, ou cancelamentos. - Os preços anunciados são exclusivamente de transporte. Os trabalhos de campo com inscrição gratuita são aqueles em que os participantes devem se locomover ao local de encontro indicado, por conta própria. - O preço foi calculado considerando um aproveitamento completo das vagas. Na primeira semana de pré-inscrição, quase todos os trabalhos de campo já estavam “lotados”. Houve uma discussão se deveríamos iniciar, através do site, uma lista de reserva de vagas, mas essa idéia não foi levada a cabo pois traria mais uma diferenciação na inscrição, 247 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... dificultando nossa organização prévia, e porque avaliamos que muitos dos pré-inscritos talvez não aparecessem na data da inscrição definitiva, havendo possibilidade de vagas para aqueles que não conseguiram se inscrever pelo site. No local de credenciamento, havia um mural do trabalho de campo com as informações sobre as inscrições, divulgando, com exceção da ementa, o conteúdo do site (proponente, título, preço, tempo de duração, local de saída e retorno e quantidade de vagas). Definimos a dinâmica da inscrição, que ocorreu da seguinte forma: primeiramente as pessoas forneciam seus dados ao monitor e recebiam uma ficha com o preço da inscrição. O pagamento era feito no “caixa” – uma mesa separada para receber exclusivamente o dinheiro dos trabalhos de campo. Em seguida retornavam ao local inicial para receber o caderno e o bloco de campo, finalizando sua inscrição. Na segunda-feira de manhã, muitas pessoas apareceram, porém, grande parte delas não havia feito pré-inscrição. Assim, na segunda à tarde a grande maioria das vagas estavam ociosas, fato que se manteve até o final do dia. Diante disso, decidimos abrir novamente as inscrições na terça-feira, o dia todo. Ao final do dia a maioria das vagas continuava em aberto. Dessa forma, continuamos fazendo inscrições na quarta e quinta no horário do almoço, quando mais algumas pessoas se inscreveram. Mesmo assim, nenhum ônibus estava lotado, e alguns trabalhos tinham bem poucos inscritos. Na quinta-feira definimos as listas finais de inscritos em cada trabalho de campo. Elas foram entregues aos proponentes, previamente por e-mail, e impressas, no sábado, juntamente com certificados. As pré-inscrições, pensadas para balizar nosso planejamento, dando uma noção da quantidade de pessoas interessadas, não teve o êxito esperado, pois a maioria da pessoas que participaram dos campos, não foram as pré-inscritas. Na reunião após os trabalhos de campo, foi levantada a possibilidade de fazer uma pré-inscrição já com pagamento, o que exigiria uma maior organização da parte financeira do evento, o que tornaria o planejamento mais fácil, pois durante o ENG, a atividade já estaria definida. A outra possibilidade seria retomar o esquema utilizado em muitos encontros, de só ter as inscrições durante o evento. Faltou uma preparação maior da ficha de inscrição e uma conversa mais detalhada com os monitores, para padronizar as inscrições, para garantir, por exemplo, que depois tivéssemos acesso a todos os e-mails dos participantes. A inscrição durante o evento, para preencher as vagas ociosas após o primeiro dia, foi feita no horário do almoço, o que foi prático no sentido de não ser necessário uma equipe trabalhando ao longo do dia, e por ser um horário em que muitos dos participantes estavam circulando pelo prédio. Monitoria Nos preparativos, que se intensificaram poucos dias antes do Encontro, contamos com a colaboração imprescindível de monitores e amigos na impressão dos cadernos de campo, na amarração dos lápis nos blocos de anotações. Já no ENG foram os monitores que fizeram todas as etapas de inscrição (preenchimento de dados pessoais, recepção do pagamento, entrega de material) além de fornecerem informações. A comissão de trabalho de campo trabalhou em conjunto com a monitoria, sobretudo nos dois primeiros dias de inscrição. Essa tarefa foi mais intensa no primeiro dia de inscrições, onde atuaram cerca de 25 monitores. Nos demais dias a própria comissão deu conta da tarefa, com eventual colaboração de número reduzido de monitores. Na data da saída dos trabalhos de campo contamos com monitores desde às 6 da manhã, para organizar as chegadas e partidas dos ônibus. A dificuldade foi que esses monitores não integraram o processo total de organização dos trabalhos de campo, e não tinham domínio necessário das informações. Avaliamos como falha da comissão não ter feito uma reunião mais densa previamente com estes monitores, já que estes só se definiram na véspera das saídas de campo, em parte devido a uma má comunicação das nossas 248 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 necessidades por parte da monitoria geral do ENG. A maioria dos trabalhos de campo contaram com monitores próprios, ou seja, os proponentes agregaram ao trabalho estudantes de graduação ou pós-graduação já previamente familiarizados com as pesquisas relacionadas ao tema da saída. Somente poucos proponentes solicitaram monitores do XV ENG. Com exceção de uma saída, que infelizmente não teve adesão de monitor, todos os trabalhos contaram com monitoria. Cabe aqui a autocrítica da comissão: não empreendemos a tarefa direta em “escalar” monitores para qualquer função. Contamos com a dinâmica da comissão de monitoria, que divulgava as tarefas necessárias, alocando, conforme afinidade e interesse os monitores do Encontro. Cabe ressaltar que houve trabalhos com dois ou mais proponentes, ou ainda propostos por um grupo de estudos. Nesses casos os próprios proponentes monitoraram seu trabalho de campo. Orçamento Devido ao grande número de trabalhos de campo a serem realizados, buscamos orçamentos com diversas empresas que tivessem disponível a quantidade de ônibus necessária. Outra preocupação foi a escolha da empresa que tivesse o menor preço no total de campos realizados, pois seria muito complicado o contrato com várias empresas. Assim, foram enviados e-mails com pedidos de orçamentos para as empresas no final de maio. Tivemos dificuldade de encontrar empresas com disponibilidade da quantidade de ônibus e da data a ser realizada, por isso no começo de junho foram enviadas solicitações de orçamentos para mais empresas, e desta vez obtivemos respostas mais favoráveis. Como não havia verba destinada à realização dos trabalhos de campo dentro da estrutura do encontro, pois foi definido em RGC que esta seria uma atividade custeada pelos participantes, decidimos solicitar apoio por parte das pró-reitorias da USP. Para isso, fizemos um projeto em que explicávamos a importância do ENG para a geografia brasileira, e a importância dos trabalhos de campo no evento. O projeto foi entregue em Abril para cada uma das da pró-reitorias da USP (Cultura e Extensão, Pesquisa, Graduação e Pós- Graduação). Sem a certeza se conseguiríamos essa verba ou não, fizemos os cálculos dos custos por participante de cada campo baseados na lotação máxima de cada ônibus. Como já na primeira semana de pré-inscrição, quase todos os trabalhos de campo já estavam lotados, acreditamos que haveria uma procura muito grande pelos campos na inscrição definitiva, e que estes seriam realizados com a maioria das vagas preenchidas. A empresa escolhida oferecia o menor preço total e o maior número de lugares por ônibus, o que ampliava as vagas e diminuía o preço para cada participante. Tivemos alguns problemas de comunicação com a empresa após os acertos feitos em meados de junho. Quando retomamos o contato com a empresa em julho, para confirmação do contrato, a pessoa com a qual vínhamos negociando alegou ter entendido que as datas dos campos seriam em 26 e 27 de junho, e isso aumentaria o preço, pois a data em julho era em um fim de semana. Diante desse impasse, iniciamos a semana do evento e as inscrições sem ter ao certo o valor total que deveríamos pagar à empresa. Mas já sabíamos que com essa alteração do preço, mesmo que todos os campos saíssem lotados, o dinheiro arrecadado com as inscrições não seria suficiente para o pagamento da empresa. Assim, foi com alegria que conseguimos retirar a verba das duas pró-reitorias– PósGraduação e Cultura e Extensão – que haviam destinado parte de seu orçamento para o trabalho de campo do XV ENG, nos valores de R$ 7.000,00 e R$ 5.000,00 respectivamente. Isso porque estávamos com dificuldade de retira-las devido aos trâmites burocráticos da Universidade. No nosso planejamento esse dinheiro seria usado para pagar essa diferença, e o restante serviria para uma publicação pós-encontro. Diante do não preenchimento total das vagas, foi dispensado deste montante cerca de R$10.000,00 para cobrir vagas ociosas garantindo a realização de todos os trabalhos de campo. Detalhamento orçamentário 249 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... Recebemos: R$ 19.674,00 · R$ 12.000,00 das pró reitorias · R$ 7.674,55 das inscrições dos participantes Utilizamos: R$ 17.437,00 · R$ 15.200,00 no pagamento da empresa de ônibus · R$ 1.637,00 no pagamento do combustível e das diárias dos ônibus oferecidos pela FFLCH · R$ 600,00 de custeio de atividades do trabalho de campo: Vale do Ribeira – heterogeneidade ou subdesenvolvimento · R$ 137,55 gastos nas reuniões de avaliação pós-campo Sobra: R$ 2.200,00 Atividades Pós-Campo Imediatamente depois da realização dos trabalhos de campo foi feita uma avaliação interna da comissão e discutido o procedimento pós-encontro. Sem receber informações de todos os grupos, chegaram ao nosso conhecimento apreciações positivas. Foi organizada uma reunião de agradecimentos, avaliação e confraternização com todos os coordenadores e monitores dos trabalhos de campo, no sábado dia 9 de agosto. Dos 22 trabalhos de campo realizados estavam representados 9. Durante uma parte da reunião participaram membros da Diretoria da AGB-SP na discussão. As manifestações destacaram: · O bom êxito dos trabalhos de campo; · O interesse grande dos participantes do ENG na realização de trabalhos de campo; · A proposta de garantir e incentivar a realização de TCs nas seções locais e nos próximos ENGs; · A criação de um grupo temático “Trabalho de Campo” na AGB-SP; · A publicação de relatos dos TCs do XV ENG numa edição da DEN. Sem chegar a uma conclusão definitiva foi novamente problematizado o dia de realização dos TCs no ENG. Continuaram opiniões a favor da quarta-feira, no meio do Encontro, pois evita esvaziamento; e a favor da realização no final do ENG, argumentando com o êxito do XV ENG com 640 participantes. Para dar andamento à publicação a comissão organizadora convidou novamente todos os proponentes para a participação e realizou no dia 30 de agosto um encontro na sede local da AGB-SP. Na ocasião foram tomadas as seguintes decisões: Cronograma inicial da produção da publicação: OBS: Esse cronograma foi alterado devido à dificuldades da comissão. Até 10/09: envio de e-mails para os participantes comunicando da realização da publicação e estimulando o contato desses com os coordenador(es) do trabalho de campo que realizaram; Até 07/10: envio dos textos sob responsabilidade dos coordenadores à comissão; Até 10/10: leitura e possível adequação dos artigos pela comissão; Até 31/10: envio do material a ser publicado à Comissão de Publicações da AGB Nacional. Até 10/12: publicação impressa. Forma dos textos: · 8 a 15 páginas; · Evitar ilustrações coloridas; Composição da publicação: · Texto de abertura da Comissão; 250 Terra Livre - n. 34 (1): 231-252, 2010 · Textos da Mesa Redonda no XV ENG “A AGB e Atividades de Campo em Geografia”, da qual participaram os Professores Heinz Dieter Heidemann, Paulo Roberto Alentejano e José Roberto Tarifa; · Relatos dos trabalhos de campo. A comissão destacou o desejo da participação ampla dos participantes com depoimentos, registros e reflexões. Para isso todos os coordenadores, monitores e participantes foram informados e convidados para contribuir. No dia 20 de setembro foi realizada a primeira reunião do Grupo Temático “Trabalho de Campo” da AGB-SP, discutindo textos do BPG 84, principalmente a experiência de trabalho de campo da professora Valéria de Marcos. Foi estabelecido um ritmo trisemanal para as reuniões e a divulgação ampla das atividades. Avaliação coletiva Conquistas · A firmação desta comissão como um grupo atuante dentro da AGB-SP e o estabelecimento de um grupo de estudos sobre o TC na geografia demonstrou que a escolha das pessoas por entrarem numa comissão pela qual tinham interesse pelo tema pode gerar frutos para além do encontro. · A proposta de uma publicação dentro da AGB nacional acerca das experiências dos trabalhos de campos no XV ENG também reforça essa idéia. · A importância que demos a essa atividade durante o Encontro Nacional de Geógrafos foi também uma reivindicação do trabalho de campo como parte fundamental da formação do geógrafo. · Optamos por propiciar um amplo leque de trabalhos de campo oferecidos, tentando abarcar o máximo de temáticas e abordagens possíveis, a fim de contemplar os interesses distintos dentro da geografia dos participantes do encontro com uma magnitude como o ENG. · A busca, atendendo os prazos necessários, e a obtenção de verbas em órgãos fomentadores da universidade foi imprescindível para podermos manter todas as saídas oferecidas e realizarmos as atividades da comissão com tranqüilidade. · Abrimos a possibilidade para que todos pudessem propor campos (estudantes, professores do ensino básico e professores universitários). Nossa preocupação era em relação à qualidade dos campos disponíveis, não com a origem/momento da vida acadêmica de quem os ministrava. · A partir do leque temático levantado pela comissão, convidamos grupos e professores para proporem trabalhos, sem restringir as idéias, os métodos e os fundamentos teóricos, que nos chegaram, dando liberdade aos proponentes para construírem sua atividade. · O Caderno de Campo produzido pelos proponentes e distribuído para todos os participantes dos TCs foi de grande importância para a atividade, já que esta, inserida dentro do encontro, não permite, a princípio, uma maior discussão sobre as temáticas abordadas nas saídas, nem sobre os métodos utilizados. Com esse recurso, os participantes puderam ter acesso às propostas, roteiros, mapas e textos de apoio sobre o campo, além de ter à disposição um material escrito, que pode servir para reflexão posterior sobre a atividade. · A ficha de inscrição inicial preenchida pelos proponentes nos propiciou um controle prévio de informações dos campos, como roteiro, quantidade de pessoas esperadas, preços, etc. facilitando a organização dos trabalhos da comissão. · O estabelecimento de um intenso diálogo entre a comissão e os proponentes através de pré e pós encontros também foi fundamental para delinearmos o trabalho da comissão, trazendo idéias para a organização das atividades, e ao mesmo tempo, mantendo os proponentes informados sobre como seria a atividade no encontro. 251 NOTAS: RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TRABALHO DE CAMPO XV ENG - 2008... · A integração de monitores escolhidos pelos proponentes aos trabalhos de campo foram profícuas, já que nossa intenção era a de que o monitor fosse alguém com interesses reais a cerca do campo no qual auxiliava. · Grande variedade de preços (desde campos gratuitos até campos de dois dias, com custos de estadia, ônibus e etc.). · Embora nem todos os campos tenham tido suas vagas totalmente preenchidas, optamos por não cancelar nenhum trabalho e cobrimos essa diferença orçamentária. Dificuldades Identificadas · A questão orçamentária – os cálculos não devem partir apenas do preço dos ônibus, como fizemos, pois teríamos um rombo enorme caso não tivéssemos obtido verba da universidade para a realização da atividade (teríamos que ter cancelado muitas saídas). Ao mesmo tempo é importante oferecer trabalhos de campo com preço mínimo. · A pré-inscrição gratuita pelo site do evento foi algo que não nos ajudou e gerou certos problemas durante o encontro. Isso porque acreditávamos, pela alta procura de vagas na pré-inscrição, que todos os campos estariam completos, porém, nem todos aqueles que se pré-inscreveram retificaram sua inscrição e entenderam a pré-inscrição mais como uma manifestação de interesse sem compromisso. · Faltou organização esquemática no momento da inscrição nos campos durante o evento. E também uma maior integração com os monitores que se responsabilizariam por isso. · Faltou uma melhor organização da saída dos ônibus, para não haver confusão de ônibus e horários de saída. · Houve conseqüências negativas da flexibilidade positiva que estabelecemos com os proponentes em relação aos prazos estabelecidos. A exemplo disso temos os cadernos de campo, que foram entregues de última hora e acabaram por gerar um tumulto de impressão nos bastidores do evento. · A organização de pré-campos durante o evento ficou confusa, pois deixamos em aberto para os proponentes marcarem locais e horários onde ocorreria a atividade, e alguns horários e locais conflitavam com as atividades do evento. Perspectivas · A publicação das experiências obtidas nos trabalho de campo do XV ENG, que está sendo gestada, apesar do atraso dos prazos estabelecidos após o evento. · Dar continuidade a comissão de trabalhos de campo da AGB, incluindo um grupo de discussões a respeito do tema. 252 RESENHAS 253 254 Terra Livre - n. 34 (1): 255-258, 2010 A DOBRA – LEIBNIZ E O BARROCO DELEUZE, Gilles. A Dobra – Leibniz e o barroco. Tradução: Luiz B. L. Orlandi. Campinas, SP: Papirus, 5ª ed. 2009, 232 p. CLÁUDIO BENITO O. FERRAZ cbenito2@yahoo.com.br A intenção aqui de se fazer uma resenha do livro “A Dobra – Leibniz e o barroco”, do Le Pli. Leibniz filósofo Gilles Deleuze, livro publicado pela primeira vez na França em 1988 (Le et Le barroque. Paris: Minuit, 1988), traduzido para a língua portuguesa por Luiz Orlandi, pela editora Papirus, de Campinas (SP), agora em sua 5ª edição, justifica-se pelo fato da forte ampliação e presença das idéias de Deleuze no contexto do pensamento social, mais especificamente o geográfico, que ocorreu desde a primeira edição brasileira da referida obra em 1991. Daquela data até hoje os trabalhos e estudos geográficos apresentaram uma visível ampliação de contatos, de forma direta ou não, com o pensamento do filósofo francês. A especificidade desse livro “A Dobra” advêm de ser um texto menos discutido, tanto pelos especialistas na filosofia deleuziana, quanto por geógrafos; no caso dos estudos geográficos, boa parte das abordagens ao pensamento de Gilles Deleuze tende a priorizar obras consideradas de maior envergadura filosófica, ou então aquelas com elementos mais “facilmente” identificáveis quanto ao tratamento de referenciais geográficos, como são os casos dos livros que elaborou conjuntamente com Felix Guattari: Anti-Édipo e Mil Platôs. O livro aqui resenhado apresenta uma forte conexão entre essas duas obras, servindo como elemento de continuidade a esses trabalhos publicados originariamente em 1972 (L’anti-Edipe: capitalisme et scizophrénie 1. Paris: Minuit, 1972) e 1980 (Mille plateux: capitalisme et scizophrénie 2 . Paris: Minuit, 1980), se desdobrando, e o termo aqui não apresenta nenhum tom de ironia, mas de afirmação do sentido de dobra no contexto labiríntico do pensar, na maturidade e ampla envergadura que o pensamento de Deuleze atingiu nos anos 80. Contudo, antes de adentrarmos a apresentação da obra, cumpre um rápido apanhado da vida e evolução intelectual do seu autor. Gilles Deleuze nasceu em Paris no dia 18 de janeiro de 1925 e morreu em 4 de novembro de 1995, nessa mesma cidade, suicidando-se após o agravamento das condições de saúde. De origem classe média, adentrou à Filosofia na Sorbonne em 1944. Lecionou em Liceus de Orléans e Paris durante os anos 50. Casou-se nesse período com a tradutora Fanny Grandjouan, com quem teve dois filhos; nos fins dos anos 50 e começo dos 60 trabalhou na Sorbonne e pesquisou na Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS. Foi professor na Faculdade de Lyons e participou ativamente dos movimentos culturais e políticos de 1968. Nesse processo conheceu o psicanalista e filósofo Félix Guattari, com quem desenvolveu obras fundamentais para o pensamento atual. Seu desenvolvimento intelectual se caracterizou pela busca de novas perspectivas para a Filosofia a partir da releitura da tradição, pautando-se numa postura em que o papel da mesma é criar conceitos a partir de uma perspectiva de não progressão histórica contínua, seja positivista ou dialética, mas da instauração da diferença em acordo com o acontecimento do mundo, erigindo um plano de imanência em que se é possível pensar, ou seja, se orientar em pensamento. Para tal, sua obra se caracteriza por três grupos de trabalhos. O primeiro se atém ao diálogo com grandes filósofos, desde seu primeiro livro sobre Hume e chegando a Foucault, passando por Kant, Bergson, Spinoza e Nietzsche; o segundo grupo se atém a estudos de artistas e suas obras, como os que abordam a literatura de Marcel Proust e Michel Tournier, a pintura de Francis Bacon ou os textos específicos sobre o cinema; o último conjunto de estudos se atém a elaboração de sua própria Filosofia, seja 255 RESENHAS: CLÁUDIO BENITO O. FERRAZ... por meio de obras individuais, como a aqui resenhada, seja em parceria, como as referenciadas com Guattari. O comum é que em cada grupo de estudos, segundo o próprio Deleuze, sempre exercitou a Filosofia por meio do diálogo com as várias ciências, com as várias artes e com as várias tradições filosóficas. O livro “A Dobra” é conseqüência dessa concepção de Filosofia buscada desde seus primeiros estudos no início dos anos 50, colocando-se como um estudo em que, ao focar o pensamento de Leibniz, acaba por dialogar com pesquisadores que estabelecem prospectos e functivos outros às linguagens científicas, tais como na Matemática, na Física e na Biologia, assim como Psicologia, História e Geografia; também instaura contatos com linguagens artísticas, ou seja, a Pintura, a Escultura, a Arquitetura, o Teatro e a Música, destacando os perceptos e afectos que transbordam para novas formas com o pensar filosófico, como devires e potências para o pensamento se orientar em meio ao plano imanente erigido. Deleuze dividiu seu livro em três partes, cada uma em três capítulos. A primeira parte é denominada “A Dobra”, dividida nos capítulos “As Redobras da Matéria”, “As Dobras na Alma”, “Que é o Barroco?”; a segunda levou o nome de “As Inclusões” e foi dividida em “Razão Suficiente”, “Incompossibilidade, Individualidade, Liberdade”, “Que é um Acontecimento”; a terceira e última parte “Ter um Corpo” foi dividida em “A Percepção nas Dobras”, “Os Dois Andares”, “A Nova Harmonia”. O livro como um todo é um constante diálogo com referenciais oriundos da Filosofia, da Ciência e da Arte, contudo, para melhor organizar a complexidade da estrutura argumentativa e o rol de idéias expostas, podemos tentar estabelecer certa aproximação em cada uma das partes, meio que estabelecendo uma analogia com as três críticas kantianas. De forma geral, na primeira parte Deleuze está mais apresentando o sentido de Dobra, a partir do barroco erigido por Leibniz, e de como as características dessa concepção está presente no quadro atual da sociedade capitalista. Para tal, faz uso de prospectos de geometrias não euclidianas, assim como de contato entre a Física barroca com as novas perspectivas da Física moderna, o mesmo ocorrendo com a Biologia e demais áreas do conhecimento. São como as bases fundamentais de um pensamento imanente ao mundo de hoje. A segunda parte foca mais o sentido da linguagem filosófica, aprofundando na apresentação de conceitos como substância, sujeito e predicado, extensão, intensidade, acontecimento entre outros. Dessas abordagens emanam o sentido do espaço leibniziano e do mundo como um jogo, o qual se joga da melhor maneira possível, imanente as regras e possibilidades. São como os aspectos balizadores de como se valoriza o pensar o mundo a partir das condições de como é conceituado. Da terceira parte destacam-se aqui os aspectos próprios ao perceber a relação do corpo/pensamento no indivíduo/mundo, daí a questão das artes e da estética barroca para a Filosofia poder criar conceitos imanentes à atualidade do mundo/vida, ou seja, a questão sempre é de habitar o mundo, mas um mundo que, apesar de ainda leibniziano, não apresenta a mesma harmonia barroca, não se encontra mais dobrado no mesmo contexto situacional da mônada. Como diz Deleuze, “alguma coisa mudou na situação das mônadas” (2009, p. 227). Mônada é entendida por Leibniz como substância simples, ou seja, é o elemento não divisível de todas as coisas, contendo em si o mundo. Esse parâmetro metafísico auxilia a Leibniz erigir um plano de imanência que pensa o mundo barroco enquanto dobras. As dobras são conceitos que instauram o mundo como um todo, não dividido em partes. Ao contrário da Física Clássica e da Matemática de raiz euclidiana, as quais se pautam numa idéia de mundo dividido em partes separadas e hierarquizadas, cabendo analisar essa imagem a partir de estudos lógicos rigorosos e precisos de cada parte em si. A idéia de todo seria um absoluto fruto da somatória de todas as suas partes. Dessa maneira, o estudo de cada corpo em separado dependeria de sua rigorosa e precisa localização no espaço e no tempo. Cada corpo, cada objeto, cada parte é passível de ser localizado enquanto ponto a ocupar determinada posição em relação a outro ponto de referência, tanto no tempo quanto no espaço. Os estudos científicos devem estabelecer a extensão e a direção de um ponto a outro, definindo assim a linha reta que os relaciona e a extensão geométrica do espaço por eles delimitada. 256 Terra Livre - n. 34 (1): 255-258, 2010 Ao contrário dessa concepção, a “física matemática barroca” se inclina à idéia de dobra como uma linha infinita que se curva em dobras e redobras, fazendo que cada dobra seja entendida como uma extremidade da mesma linha. Assim, o mundo do homem é um espaço infinitivamente curvo, como uma linha a se dobrar e dobrar e dobrar. Tal concepção permite entender o mundo como um todo em que os corpos são dobras no interior de dobras, formando um todo inseparável em que se manifestam as dobras enquanto objetos e coisas distintas. O que se desdobra disso – o termo aqui é pensado na direção delineada por Deleuze – é um entendimento de espaço não como palco, mesa ou receptáculo em separado dos objetos e corpos do mundo, mas como imanência inseparável do próprio dobrar e desdobrar do mundo em suas singularidades distintas e indivisíveis. [...] que o espaço não seja uma mesa ou um receptáculo preexistente, espaço que seria preenchido (o melhor possível) pelo mundo escolhido; ao contrário, a cada mundo pertence um espaço-tempo (como ordem das distâncias indivisíveis de uma singularidade a outra, de um indivíduo a outro) [...] (DELEUZE, 2009, p. 116). Essa inseparabilidade dos aspectos distintos são dobras que se processam tanto no nível material do mundo quando em nível metafísico, a alma do mesmo. O pensamento aí acontece como numa casa cujo andar de baixo os sentidos percebem o mundo material externo, enquanto o andar de cima reverbera a essa captação dos elementos externos enquanto sons, sombras e sensações que se dobram em possibilidades de sentidos aos aspectos distintos do/no mundo; instaura-se assim o mundo enquanto acontecimento pensado/ vivido. Deleuze assim explica. Em Leibniz, os dois andares são e permanecem inseparáveis: realmente distintos e todavia inseparáveis, em virtude de uma presença do alto embaixo. O andar de cima dobra-se sobre o de baixo [...] É precisamente assim que os dois andares distribuem-se em relação ao mundo que eles expressam: o mundo atualiza-se nas almas e realiza-se nos corpos. Portanto, ele é dobrado duas vezes nas almas que o atualizam e é redobrado nos corpos que o realizam (2009, p. 198-199). Desta forma, as dobras se encontram como num contínuo processo de instaurar a diferença no acontecer do mundo; isso faz com que as mônadas leibzianas não sejam unidades estanques, mas por conterem em seu íntimo o mundo dobrado, acabam por expressar o desdobrar desse em outras paisagens, elaborando novas territorialidades: assim como a harmonia e melodia da música barroca se desdobrou em outros padrões e territórios musicais; assim como a pintura barroca se desdobrou em novos aspectos de luz, sombra e cor, desterritorializando a imagem figurativa; assim como a literatura barroca se desdobrou em outros referenciais de linguagem literária, reterritorializando o limbo civilizatório ocidental. Como os olhares deleuzianos sobre as artes apontam esses desdobramentos, o mesmo se instaura no pensamento filosófico e na prática científica. Ou seja, “alguma coisa mudou na situação das mônadas”, fruto do próprio dobrar e desdobrar do pensar/mundo em diferentes possibilidades temporais e espaciais. Essas dobras não significam que os determinantes da sociedade tecnoindustrial, urbanizada, mercadológica e provedora de desigualdades e injustiças sociais tenham acabado, mas que se desdobraram em outras características, em novo arranjo espacial, em novas configurações paisagísticas. Outras dobras geográficas. É que o próprio problema mudou de condição [...] A mesma construção do ponto de vista sobre a cidade continua a se desenvolver, mas já não é o mesmo ponto de vista nem a mesma cidade, e a figura e o plano estão em movimento no espaço [...]. Descobrimos novas maneiras de dobrar, assim como novos envoltórios, mas permanecemos leibzianos, porque se trata sempre de dobrar, desdobrar, redobrar (DELEUZE, 209, p. 228). 257 RESENHAS: CLÁUDIO BENITO O. FERRAZ... 258 NORMAS 259 260 Terra Livre - n. 34 (1): 261-266, 2010 REVIST A TERRA LIVRE EVISTA NORMAS PARA PUBLICAÇÃO Terra Livre é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação e prática dos geógrafos e sua participação na construção da cidadania. Nela são acolhidos textos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos os que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejam relacionados com as discussões que envolvem as teorias, metodologias e práticas desenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sob as quais vêm se manifestando e suas perspectivas. 1. Todos os textos enviados a esta revista devem ser inéditos e redigidos em português, inglês, espanhol ou francês. 2. Os textos devem ser apresentados com extensão mínima de 15 e máxima de 30 laudas, com margem (direita, esquerda, superior e inferior) de 3 cm, e parágrafos de 2,0 centímetros, em Word para Windows, utilizando-se a fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1 e ½, formato A-4 (210x297mm). 3. Os arquivos não poderão ultrapassar 2,0 Mb, incluindo texto, referências bibliográficas, tabelas, figuras etc). 3.1. As ilustrações (figuras, tabelas, desenhos, gráficos, fotografias etc.) devem ser disponibilizadas nos formatos JPG ou TIF, e não somente serão aceitos em cor preta, ou que os detalhes sejam acentuados em tons de cinza; não serão aceitos figuras coloridas. 4. Endereços eletrônicos, para os quais os textos deverão ser direcionados serão divulgados em cada chamada especifica para cada número da revista. 5. O cabeçalho deve conter o título (e subtítulo, se houver) em português, inglês e espanhol ou francês. Na segunda linha, o(s) nome(s) do(s) autor(es), e, na terceira, as informações referentes à(s) instituição(ões) a que pertence(m), bem como o(s) correio(s) eletrônico(s) e endereço postal do(s) autor(es). 4. O texto deve ser acompanhado de resumos em português, inglês e espanhol ou francês, com no mínimo 10 e no máximo 15 linhas, em espaço simples, e uma relação de 5 palavras-chave que identifiquem o conteúdo do texto. 5. A estrutura do texto deve ser dividida em partes não numeradas e com subtítulos. É essencial conter introdução e conclusão ou considerações finais. 6. As notas de rodapé não deverão ser usadas para referências bibliográficas. Esse recurso pode ser utilizado quando extremamente necessário e cada nota deve ter em torno de 3 linhas. 7. As citações textuais longas (mais de 3 linhas) devem constituir um parágrafo independente. As menções a idéias e/ou informações no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data, página). Ex.: (Oliveira, 1991) ou (Oliveira, 1991, p.25). Caso o nome do autor esteja citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: “A esse respeito, Milton Santos demonstrou os limites... (1989)”. Diferentes títulos do mesmo autor publicados no mesmo ano devem ser identificados por uma letra minúscula após a data. Ex.: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b). 7.1. As citações, bem como vocábulos, conceitos que não estejam em português, deverão ser oferecidas ao leitor em nota de roda pé 8. A bibliografia deve ser apresentada no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos. a) no caso de livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação: Editora, data. Ex.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985. b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do 261 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO livro. Local de publicação: Editora, data, página inicial-página final. Ex.: FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93. c) No caso de artigo: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo, página inicial- página final, mês(es). Ano. Ex.: SEABRA, Manoel F. G. Geografia(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984. d) No caso de dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (tese). Local: Instituição em que foi defendida, data. Número de páginas. (Categoria, grau e área de concentração). Ex.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1986. 268p. (Tese, doutorado em Ciências: Geografia Humana). 9. O não cumprimento das exigências anteriores, acarretará a não aceitação do referido texto; tampouco seguirá a tramitação usual para os pareceristas ad hoc da Revista Terra Livre. 10. Os artigos serão enviados aos pareceristas, cujos nomes permanecerão em sigilo, omitindo-se também o(s) nome(s) do(s) autor(es). 11. Os originais serão apreciados pela Coordenação de Publicações, que poderá aceitar, recusar ou reapresentar o original ao(s) autor(es) com sugestões de alterações editoriais. As versões que conterão as observações dos pareceristas, bem como partes das avaliações dos pareceristas que a Comissão Editorial julgar importante direcionar aos autores, serão comparadas com as versões que deverão retornar dos autores para a Comissão; caso não haja o cumprimento das solicitações sinalizadas pelo parecerista e que implicam na desfiguração e demérito da Revista, os textos serão recusados pela Comissão Editorial. 12. A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se reserva o direito de facultar os artigos publicados para reprodução em seu sítio ou por meio de cópia xerográfica, com a devida citação da fonte. Cada trabalho publicado dá direito a dois exemplares a seu(s) autor(es), no caso de artigo, e um exemplar nos demais casos (notas, resenhas, comunicações, ...). 13. Os conceitos emitidos nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não implicando, necessariamente, na concordância da Coordenação de Publicações e/ou do Conselho Editorial. 14. Os autores poderão manter contato com a Comissão Editorial através dos endereços eletrônicos dos responsáveis da Comissão Editorial da Revista Terra Livre, terralivre@agb.org.br, bem como por meio do endereço via postal da AGB/Nacional: Diretoria Executiva Nacional / Coordenação de Publicações – Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 – Edifício Geografia e História – Cidade Universitária – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil. 262 Terra Livre - n. 34 (1): 261-266, 2010 TERRA LIVRE MAGAZINE STANDARDS FOR PUBLICATION Terra Livre is an Association of Brazilian Geographers’ biannual publication that aims to disseminate materials pertaining to the themes present in the training and practice of geographers and your participation in the citizenship construction. Its texts are received in the form of articles, notes, reviews, communications, among others, of all who are interested and participate in the knowledge afforded by Geography, and which are related with the discussions that involves the theories, methodologies and practices developed and used in this process, as well as the conditions and situations under which they are manifesting and prospects. 1. All the texts sent to this journal must be unpublished and written in Portuguese, English, Spanish or French. 2. The texts must be presented with minimum lenght of 15 and maximum 30 pages, with margins (right, left, top and bottom) of 3 cm, and paragraphs of 2 cm, in Word for Windows, using the Times New Roman, size 12, space 1 and ½, A4 format (210x297mm). 3. The files don’t exceed 2.0MB, including text, references, tables, figures etc. 3.1 The illustrations (figures, tables, pictures, graphics, photographs etc.) must be available in JPEG or TIF formats, and not only be accepted in black, or that details are accented in shades of gray, no color pictures will be accepted. 4. The header should contain the title (and subtitle, if any) in Portuguese, English and Spanish or French. In the second line, the name (s) of author (s), and the third, the information of the institution (s) you belong to and mailing address of the author (s). 5. The text should be accompanied by summaries in English, Portuguese and Spanish or French, with a minimum 10 and maximum of 15 lines, single-spaced, and a list of 5 keywords identifying the content of the text. 6. The structure of the text should be divided into unnumbered and with subtitles. It is essential to include an introduction and conclusion or closing remarks. 7. Footnotes should not be used for references. This feature can be used when absolutely necessary and every note should be about 3 lines. 8. Textual quotes long (more than 3 lines) should be a separate paragraph. The words to ideas and / or information during the text should be referred to the scheme (author’s surname, date) or (author’s surname, date, page). Example: (Oliveira, 1991) or (Oliveira, 1991, p.25). If the author’s name is mentioned in the text, indicate only the date in parentheses. E.g.: In this regard, Milton Santos revealed the limits ... (1989). Different works by the same author published in the same year should be identified by a letter after the date. E.g.: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b). 8.1. The quotes and words, concepts that are not in Portuguese, must be offered to the reader in a footnote. 9. References must be submitted at the end of the work, in alphabetical order by surname of the author (s) (s), as the following examples. a) For a book: LAST NAME, Name. Title. Place of publication: Publisher, date. Example: Valverde, Orlando. Agrarian Studies Geography Brazilian. Petrópolis: Vozes, 1985. b) In the case of book chapter: LAST NAME, Name. Title of chapter. In: SURNAME, Name (ed.). Title of book. Place of publication: Publisher, date, page-last page. E.g.: Frank, Monica Weber. Geographical analysis for implementation of the Municipal Park of Niterói, Canoas - RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luis Verdun, Roberto (eds.). Environment and place in the city: the Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p.67-93. c) In the case of article: LAST NAME, Name. Title of article. Journal title, place of publication, journal volume, issue number, page-last page, month (s) Year. 263 SUBMISSION GUIDELINES E.g.: SEABRA, Manoel F. G. Location (s)? Guidance, São Paulo, n.5, p.9-17, out. 1984. d) In the case of dissertations and theses: LAST NAME, Name. Title of dissertation (thesis). Location: Institution where it was held, date. Number of pages. (Category, grade and area of concentration). E.g.: SILVA, José borzacchiello da. Popular social movements in strength: a geographical approach. São Paulo: Faculty of Philosophy and Humanities at the University of São Paulo, 1986. 268p. (Thesis, Doctor of Science: Human Geography). 10. Failure to comply with the above requirements will result in the rejection of the text; neither follows the usual procedure for ad hoc of the journal Terra Livre. 11. The articles will be sent to referees, whose names remain in secrecy and is also the name (s) of author (s). 12. The originals will be considered by the Coordination Office, which may accept, reject or return the original to the author(s) with suggestions for editorial changes. The versions that contain the comments of the reviewers, and also parts of evaluations of the reviewers that the Editorial Board considers important to direct the authors, are compared with the versions that the authors should return to the Commission, if there is compliance with the requests signaled by the referee that carry the disfigurement and demerits of the journal, the texts will be refused by the Editorial Board. 13. The Association of Brazilian Geographers (AGB) reserves the right to provide the published articles for playback on your website or by photocopy, with proper citation of the source. Each published work is entitled to two copies of your author (s), if the article, and a copy in all other cases (notes, reviews, communications ...). 14. The concepts expressed in papers are the sole responsibility of the author (s) (s), not implying necessarily the agreement of the Coordination Office and / or the Editorial Board. 15. E-mail addresses, for which the texts are to be targeted will be announced in each call specifies for each issue. 16. Authors may contact the Editorial Board via e-mail address of the Editorial Board of Revista Terra Livre, terralivre@agb.org.br as well as through the postal address of the AGB / National: National Executive / Coordination Office – Terra Livre- Av. Lineu Prestes, 332 - Historical Geography and History - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo (SP) - Brazil. 264 Terra Livre - n. 34 (1): 261-266, 2010 TERRA LIVRE NORMAS PARA PUBLICACIÓN Terra Livre es una publicación semestral de la Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) que tiene como objetivo divulgar materias concernientes a los temas presentes en la formación y la práctica dos geógrafos y su participación en la construcción de la ciudadanía. En ella se recogen textos bajo la forma de artículos, notas, reseñas, comunicaciones, entre otras, de todos los que se interesan y participan del conocimiento propiciado por la Geografía, y que estén relacionados con las discusiones que incluyen las teorías, metodologías y prácticas desarrolladas y utilizadas en este proceso, así como con las condiciones y situaciones bajo las cuales se vienen manifestando y sus perspectivas. 1. Todos los textos enviados a esta revista deben ser inéditos y redactados en portugués, inglés, español o francés. 2. Los textos deben ser presentados con extensión mínima de 15 y máxima de 30 páginas, con margen (derecho, izquierdo, superior e inferior) de 3 cm, y párrafos de 2,0 centímetros, en Word para Windows, utilizando la fuente Times New Roman, tamaño de fuente 12, espacio 1,5 formato A-4 (210x297mm). 3. Los archivos no podrán sobrepasar 2,0 Mb, incluyendo texto, referencias bibliográficas, tablas, figuras, etc.). 3.1. Las ilustraciones (figuras, tablas, dibujos, gráficos, fotografías, etc.) deben estar dispuestos en los formatos JPG o TIF, y no solamente se aceptarán en color negro, o que los detalles se acentúen en tonos grises; no se aceptarán figuras en colores. 4. El encabezado debe contener el título (y subtítulo, si hubiera) en portugués, inglés y español o francés. En la segunda línea, el(los) nombre(s) del(s) autor(es), y, en la tercera, las informaciones referentes a la(s) institución(ones) a la que pertenece(n), así como el(los) correo(s) electrónico(s) y dirección postal del(los) autor(es). 5. El texto debe estar acompañado de resúmenes en portugués, inglés, español o francés, con un mínimo 10 y como máximo 15 líneas, en espacio simple, y una relación de 5 palabras clave que identifiquen el contenido del texto. 6. La estructura del texto se debe dividir en partes no numeradas y con subtítulos. Es esencial contener introducción y conclusión o consideraciones finales. 7. Las notas al pie de página no deberán ser usadas para referencias bibliográficas. Este recurso puede ser utilizado cuando sea extremadamente necesario y cada nota debe tener alrededor de 3 líneas. 8. Las citaciones textuales largas (más de 3 líneas) deben constituir un párrafo independiente. Las menciones a ideas y/o informaciones en el transcurso del texto deben subordinarse al esquema (Apellido del autor, fecha) o (Apellido del autor, fecha, página). Ej.: (Oliveira, 1991) u (Oliveira, 1991, p.25). En el caso de que el nombre del autor esté citado en el texto, se indica sólo a la fecha entre paréntesis. Ej.: “A este respecto, Milton Santos demostró los límites... (1989)”. Diferentes títulos del mismo autor publicados en el mismo año se deben identificar por una letra minúscula después de la fecha. Ej.: (Santos, 1985a), (Santos, 1985b). 8.1. Las citas, así como vocablos, conceptos que no estén en portugués, deberán ser ofrecidas al lector en nota al pie de página. 9. La bibliografía debe ser presentada al final del trabajo, en orden alfabético de apellido del(los) autor(es), como en los siguientes ejemplos. a) En el caso de libro: APELLIDO, Nombre. Título de la obra. Lugar de publicación: Editorial, fecha. Ej.: VALVERDE, Orlando. Estudos de Geografia Agrária Brasileira. Petrópolis: Editora Vozes, 1985. b) En el caso de capítulo de libro: APELLIDO, Nombre. Título del capítulo. In: APELLIDO, Nombre (org). Título del libro. Lugar de publicación: Editora, fecha, página inicial - página final. Ej.: 265 NORMAS PARA PUBLICACIÓN FRANK, Mônica Weber. Análise geográfica para implantação do Parque Municipal de Niterói, Canoas – RS. In: SUERTEGARAY, Dirce. BASSO, Luís. VERDUM, Roberto (orgs.). Ambiente e lugar no urbano: a Grande Porto Alegre. Porto Alegre: Editora de la Universidad, 2000, p.67-93. c) En el caso de artículo: APELLIDO, Nombre. Título del artículo. Título del periódico, lugar de publicación, volumen del periódico, número del fascículo, página inicial - página final, mes(es). Año. Ej.: SEABRA, Manoel F. G. Geografía(s)? Orientação, São Paulo, n.5, p.9-17, oct. 1984. d) En el caso de disertaciones y tesis: APELLIDO, Nombre. Título de la disertación (tesis). Lugar: Institución en que fue defendida, fecha. Número de páginas. (Categoría, grado y área de concentración). Ej.: SILVA, José Borzacchiello da. Movimentos sociais populares em fortaleza: uma abordagem geográfica. São Paulo: Facultad de Filosofía, Letras y Ciencias Humanas de la Universidad de São Paulo, 1986. 268p. (Tesis, doctorado en Ciencias: Geografía Humana). 10. El no cumplimiento de las exigencias anteriores, acarreará la no aceptación del referido texto; tampoco seguirá la tramitación usual para los funcionarios de pareceres ad hoc de la Revista Terra Livre. 11. Los artículos se enviarán a los funcionarios de pareceres, cuyos nombres permanecerán en sigilo, omitiéndose también el(los) nombre(s) del(los) autor(es). 12. Los originales serán apreciados por la Coordinación de Publicaciones, que podrá aceptar, rechazar o representar el original al(los) autor(es) con sugerencias de alteraciones editoriales. Las versiones que contendrán las observaciones de los funcionarios de pareceres, así como partes de las evaluaciones de los funcionarios de pareceres que la Comisión Editorial juzgue importante dirigir a los autores, serán comparadas con las versiones que deberán retornar de los autores a la Comisión; caso en el caso que no haya el cumplimiento de las solicitudes señalizaciones por los funcionarios de pareceres y que implican en la desfiguración y demérito de la Revista, los textos serán rechazados por la Comisión Editorial. 13. La Asociación de los Geógrafos Brasileños (AGB) se reserva el derecho de facultar los artículos publicados para reproducción en su sitio o por medio de copia xerográfica, con la debida citación de la fuente. Cada trabajo publicado da derecho a dos ejemplares a su(s) autor(es), en el caso de artículo, y un ejemplar en los demás casos (notas, reseñas, comunicaciones, ...). 14. Los conceptos emitidos en los trabajos son de responsabilidad exclusiva del(los) autor(es), no implicando, necesariamente, en la concordancia de la Coordinación de Publicaciones y/o del Consejo Editorial. 15. Direcciones electrónicas, para las cuales los textos deberán ser dirigidos serán divulgados en cada llamada específica para cada número de la revista. 16. Los autores podrán mantener contacto con la Comisión Editorial a través de la dirección electrónica de la Comisión Editorial de la Revista Terra Livre, terralivre@agb.org.br, así como por medio de la dirección vía postal de la AGB/Nacional: Dirección Ejecutiva Nacional / Coordinación de Publicaciones – Terra Livre - Av. Prof. Lineu Prestes, 332 – Edificio Geografía e Historia – Ciudad Universitaria – CEP 05508-900 – São Paulo (SP) – Brasil. 266 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 267 268 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 01) MOREIRA, Ruy. O Plano Nacional de Reforma Agrária em questão. Ano 1, n. 1, p. 6-19, 1986. 02) THOMAZ JÚNIOR, Antonio. As agroindústrias canavieiras em Jaboticabal e a territorialização do monopólio. Ano 1, n. 1, p. 20-25, 1986. 03) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Apropriação da renda da terra pelo capital na citricultura paulista. Ano 1, n. 1, p. 26-38, 1986. 04) VALVERDE, Orlando. A floresta amazônica e o ecodesenvolvimento. Ano 1, n. 1, p. 39-42, 1986. 05) SALES, W. C. de C., CAPIBARIBE, P. J. A., RAMOS, P., COSTA, M. C. L. da. Os agrotóxicos e suas implicações socioambientais. Ano 1, n. 1, p. 43-45, 1986. 06) CARVALHO, Marcos Bernardino de. A natureza na Geografia do ensino médio. Ano 1, n. 1, p. 46-52, 1986. 07) SANTOS, Douglas. Estado nacional e capital monopolista. Ano 1, n. 1, p. 53-61, 1986. 08) CORRÊA, Roberto Lobato. O enfoque locacional na Geografia. Ano 1, n. 1, p. 62-66, 1986. 09) PONTES, Beatriz Maria Soares. Uma avaliação da Lei Nacional do Uso do Solo Urbano. Ano 1, n. 1, p. 67-72, 1986. 10) PLANO DIRETOR DA AGB NACIONAL GESTÃO 85/86. Ano 1, n. 1, p. 73-75, 1986. 11) A AGB e o documento final do projeto diagnóstico e avaliação do ensino de Geografia no Brasil. Ano 1, n. 1, p. 76-77, 1986. 12) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reflexões sobre Geografia e Educação: notas de um debate. n. 2, p. 9-42, jul.1987. 13) VLACH, Vânia Rúbia Farias. Fragmentos para uma discussão: método e conteúdo no ensino da Geografia de 1° e 2° graus. n. 2, p. 43-58, jul.1987. 14) VESENTINI, José William. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografia tradicional e Geografia crítica). n. 2, p.5 9-90, jul.1987. 15) REGO, Nelson. A unidade (divisão) da Geografia e o sentido da prática. n. 2, p. 91-114, jul.1987. 16) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Análise dos planos de ensino da Geografia. n. 2, p. 115-127, jul.1987. 17) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Para a construção do espaço geográfico na criança. n. 2, p. 129-148, jul.1987. 18) VIANA, P.C.G., FOWLER, R.B, ZAPPIA, R.S., MEDEIROS, M.L.M.B.de. Poluição das águas internas do Paraná por agrotóxico. n. 2, p. 149-154, jul.1987. 19) AB’ SABER, Aziz Nacib. Espaço territorial e proteção ambiental. n. 3, p. 9-31, mar.1988. 20) GOMES, Horieste. A questão ambiental: idealismo e realismo ecológico. n. 3, p. 33-54, mar.1988. 21) BERRÍOS, ROLANDO. Planejamento ambiental no Brasil. n. 3, p. 55-63, mar.1988. 22) BRAGA, Ricardo Augusto Pessoa. Avaliação de impactos ambientais: uma abordagem sistêmica. n. 3, p. 65-74, mar.1988. 23) LIMA, Samuel do Carmo. Energia nuclear – uma opção perigosa. n. 3, p. 75-88, mar.1988. 24) SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes e SCHÄFFER, Neiva Otero. Análise ambiental: a atuação do geógrafo para e na sociedade. n. 3, p. 89-103, mar.1988. 25) ESTRADA, Maria Lúcia. Algumas considerações sobre a Geografia e o seu ensino - o caso da industralização brasileira. n. 3, p. 105-120, mar.1988. 26) MESQUITA, Zilá. Os “espaços” do espaço brasileiro em fins do século XX n. 4, p. 9-38, jul.1988. 27) RIBEIRO, Wagner Costa. Relação espaço/tempo: considerações sobre a materialidade e dinâmica da história humana. n. 4, p. 39-53, jul.1988. 28) SILVA, José Borzacchiello da. Gestão democrática do espaço e participação dos Geógrafos. n. 4, p. 55-76, jul.1988. 29) REGO, Nelson. A experiência de autogestão dos trabalhadores agrários de Nova Ronda Alta e o seu significado para o Movimento dos Sem Terra. n. 4, p. 65-76, jul. 1988. 30) VALLEJO, Luiz Renato. Ecodesenvolvimento e o mito do progresso. n. 4, p. 77-87, jul.1988. 31) VLACH, Vânia Rubia Farias. Rediscutindo a questão acerca do livro didático de Geografia para o ensino de 1° e 2° graus. n. 4, p. 89-95, jul.1988. 32) SCHÄFFER, Neiva Otero. Os estudos sociais ocupam novamente o espaço... da discussão. n. 4, p. 97-108, jul.1988. 33) SANTOS, Milton. O espaço geográfico como categoria filosófica. n. 5, p. 9-20, 1988. 269 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 34) SOUZA, Marcelo José Lopes de. “Espaciologia”: uma objeção (crítica aos prestigiamentos pseudo-críticos do espaço social). n. 5, p. 21-45, 1988. 35) GOMES, Paulo César da Costa e COSTA, Rogério Haesbaert da. O espaço na modernidade). n. 5, p. 47-67, 1988. 36) SILVA, Mário Cezar Tompes da. O papel do político na construção do espaço dos homens). n. 5, p. 69-82, 1988. 37) SOUZA Marcos José Nogueira de. Subsídios para uma política conservacionista dos recursos naturais renováveis do Ceará). n. 5, p. 83-101, 1988. 38) KRENAK, Ailton. Tradição indígena e ocupação sustentável da floresta. n. 6, p. 9-18, ago.1989. 39) MOREIRA, Ruy. A marcha do capitalismo e a essência econômica da questão agrária no Brasil. n. 6, p. 19-63, ago.1989. 40) SADER, Regina. Migração e violência: o caso da Pré-Amazônia Maranhense. n. 6, p. 65-76, ago.1989. 41) FAULHABER, Priscila. A terceira margem: índios e ribeirinhos do Solimões. n. 6, p. 77-92, ago.1989. 42) TARELHO, Luiz Carlos. Movimento Sem Terra de Sumaré. Espaço de conscientização e de luta pela posse da terra. n. 6, p. 93-104, ago.1989. 43) OLIVEIRA, Bernadete de Castro. Reforma agrária para quem? Discutindo o campo no estado de São Paulo. n. 6, p. 105-114, ago.1989. 44) BARBOSA, Ycarim Melgaço. O movimento camponês de Trombas e Formoso. n. 6, p. 115-122, ago.1989. 45) MENDES, Chico. A luta dos povos da floresta. n. 7, p. 9-21, 1990. 46) BARROS, Raimundo. O seringueiro. n. 7, p. 23-42, 1990. 47) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A defesa da natureza começa pela terra. n. 7, p.4 3-52, 1990. 48) COLTRINARI, Lylian. A Geografia e as mudanças ambientais. n. 7, p. 53-57, 1990. 49) SILVA, Armando Corrêa da. Ponto de vista: o pós-marxismo e o espaço cotidiano. n. 7, p. 59-62, 1990. 50) COSTA, Rogério Haesbaert da. Filosofia, Geografia e crise da modernidade. n. 7, p. 63-92, 1990. 51) RIBEIRO, Wagner Costa. Maquiavel: uma abordagem geográfica e (geo)política. n. 7, p. 3-107, 1990. 52) CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos e GOULART, Lígia Beatriz. Uma contribuição à reflexão do ensino de geografia: a noção de espacialidade e o estatuto da natureza. n. 7, p. 109-118, 1990. 53) CORDEIRO, Helena K. Estudo sobre o centro metropolitano de São Paulo. n. 8, p. 7-33, abr.1991. 54) MAURO, C.A., VITTE, A.C., RAIZARO, D.D., LOZANI, M.C.B., CECCATO, V.A. Para salvar a bacia do Piracicaba. n. 8, p. 35-66, abr.1991. 55) PAVIANI, Aldo. Impactos ambientais e grandes projetos: desafios para a universidade. n. 8, p. 67-76, abr.1991. 56) FURIAN Sônia. “A nave espacial terra: para onde vai?” n. 8, p.77-82, abr.1991. 57) ALMEIDA, Rosângela D. de. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o ensino de Geografia. n. 8, p. 83-90, abr.1991. 58) FILHO, Fadel D. Antonio e ALMEIDA, Rosângela D. de. A questão metodológica no ensino da Geografia: uma experiência. n. 8, p. 91-100, abr.1991. 59) ESCOLAR, M., ESCOLAR, C., PALACIOS, S.Q. Ideologia, didática e corporativismo: uma alternativa teórico-metodológica para o estudo histórico da Geografia no ensino primário e secundário. n. 8, p. 101-110, abr.1991. 60) ARAÚJO, Regina e MAGNOLI, Demétrio. Reconstruindo muros: crítica à proposta curricular de Geografia da CENP-SP. n. 8, p. 111-119, abr.1991. 61) PEREIRA, D., SANTOS, D., CARVALHO, M. de. A Geografia no 1° grau: algumas reflexões. n. 8, p. 121-131, abr.1991. 62) SOARES, Maria Lúcia de Amorim. A cidade de São Paulo no imaginário infantil piedadense. n. 8, p. 133-155, abr.1991. 63) MAMIGONIAN, Armen. A AGB e a produção geográfica brasileira: avanços e recuos. n. 8, p.157-162, abr.1991. 270 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 64) SANTOS, Milton. A evolução tecnológica e o território: realidades e perspectivas. n. 9, p. 7-17, jul.-dez.1991. 65) LIMA, Luiz Cruz. Tecnopólo: uma forma de produzir na modernidade atual. n. 9, p. 19-40, jul.-dez.1991. 66) GUIMARÃES, Raul Borges. A tecnificação da prática médica no Brasil: em busca de sua geografização. n. 9, p. 41-55, jul.-dez.1991. 67) PIRES, Hindemburgo Francisco. As metamorfoses tecnológicas do capitalismo no período atual. n. 9, p. 57-89, jul.-dez.1991. 68) OLIVEIRA, Márcio de. A questão da industrialização no Rio de Janeiro: algumas reflexões. n. 9, p. 91-101, jul.-dez.1991. 69) HAESBAERT, Rogério. A (des)or-dem mundial, os novos blocos de poder e o sentido da crise. n. 9, p. 103-127, jul.-dez.1991. 70) SILVA, Armando Corrêa da. Ontologia analítica: teoria e método. n. 9, p. 129-133, jul.-dez.1991. 71) SILVA, Eunice Isaías da. O espaço: une/separa/une. n. 9, p. 135-141, jul.-dez.1991. 72) ANDRADE, Manuel Correia de. A AGB e o pensamento geográfico no Brasil. n. 9, p. 143-152, jul.-dez.1991. 73) MORAES, Rubens Borba de. Contribuições para a história do povoamento em São Paulo até fins do século XVIII. n. 10, p. 11-22, jan.-jul. 1992. 74) AZEVEDO de Aroldo. Vilas e cidades do Brasil colonial. n. 10, p. 23-78, jan.-jul. 1992. 75) PETRONE, Pasquale. Notas sobre o fenômeno urbano no Brasil. n. 10, p. 79-92, jan.-jul. 1992. 76) CORRÊA, Roberto Lobato. A vida urbana em Alagoas: a importância dos meios de transporte na sua evolução. n.10, p.93-116, jan.-jul. 1992. 77) VALVERDE, Orlando. Pré-história da AGB carioca. n. 10, p. 117-122, jan.-jul. 1992. 78) SOUZA, Marcelo José Lopes de. Planejamento Integrado de Desenvolvimento: natureza, validade e limites. n. 10, p. 123-139, jan.-jul. 1992. 79) ANDRADE, Manuel Correia de. América Latina: presente, passado e futuro. n. 10, p. 140-148, jan.-jul. 1992. 80) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia política e desenvolvimento sustentável. n. 11-12, p. 9-76, ago.92-ago.93. 81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleituras do território. n. 11-12, p. 77-90, ago.92-ago.93. 82) EVASO, A.S., VITIELLO, M.A., JUNIOR, C.B., NOGUEIRA, S.M., RIBEIRO, W.C. Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p.91-101, ago.92-ago.93. 83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de perspectiva. n. 1112, p. 103-117, ago.92-ago.93. 84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revisitada. n. 11-12, p. 119-133, ago.92-ago.93. 85) IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Os dilemas históricos da questão agrária no Brasil. n. 11-12, p. 135-151, ago.92-ago.93. 86) FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária e modernização no campo. n. 11-12, p. 153-175, ago.92-ago.93. 87) ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a formação do geógrafo-educador. n. 11-12, p. 177-188, ago.92-ago.93. 88) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Licenciandos de Geografia e as representações sobre o “ser professor”. n. 11-12, p. 189-207, ago.92-ago.93. 89) VESENTINI, José William. O novo papel da escola e do ensino da Geografia na época da terceira revolução industrial. n. 11-12, p. 209-224, ago.92-ago.93. 90) PAGANELLI, Tomoko Iyda. Iniciação às ciências sociais: os grupos, os espaços, os tempos. n. 11-12, p. 225-236, ago.92-ago.93. 91) RIBEIRO, Wagner Costa. Do lugar ao mundo ou o mundo no lugar? n. 11-12, p. 237-242, ago.92-ago.93. 92) PINHEIRO, Antonio Carlos e MASCARIN, Silvia Regina. Problemas sociais da escola e a contribuição do ensino de Geografia. n. 11-12, p. 243-264, ago.92-ago.93. 93) SILVA, Armando Corrêa da. A contrvérsia modernidade x pós-modernidade. n. 11-12, p. 265-268, ago.92-ago.93. 271 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 94) ROSA, Paulo Roberto de Oliveira. Contextos e circuntâncias: princípio ativo das categorias. n. 11-12, p. 269-270, ago.92-ago.93. 95) CALLAI, Helena Copetti. O meio ambiente no ensino fundamental. n. 13, p. 9-19, 1997. 96) CAMARGO, L.F. de F., FORTU-NATO, M.R. Marcas de uma política de exclusão social para a América Latina. n. 13, p. 20-29, 1997. 97) KAERCHER, Nestor André. PCN’s: futebolistas e padres se encontram num Brasil que não conhecemos. n. 13, p. 30-41, 1997. 98) CARVALHO, Marcos B. de. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma reabilitação? n. 13, p. 42-60, 1997. 99) PONTES, Beatriz Maria Soares. Economia e território sob a ótica do estado autoritário (1964-1970). n. 13, p. 61-90, 1997. 100) SOUSA NETO, Manuel Fernandes de. A ágora e o agora. n. 14, p. 11-21, jan.-jul. 1999. 101) FILHO, Manuel Martins de Santana. Sobre uma leitura alegórica da escola. n. 14, p. 22-29, jan.-jul. 1999. 102) COUTO, Marcos Antônio Campos e ANTUNES, Charlles da França. A formação do professor e a relação escola básica-universidade: um projeto de educação. n. 14, p. 30-40, jan.-jul. 1999. 103) PEREIRA, Diamantino. A dimensão pedagógica na formação do geógrafo. n. 14, p. 41-47, jan.jul. 1999. 104) CASTELLAR, Sonia Maria Vanzella. A formação de professores e o ensino de Geografia. n. 14, p. 48-55, jan.-jul. 1999. 105) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no ensino médio. n. 14, p. 56-89, jan.-jul. 1999. 106) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Interdisciplinaridade: aproximações e fazeres. n. 14, p. 90-110, jan.-jul. 1990. 107) CAVALCANTI, Lana de Souza. Propostas curriculares de Geografia no ensino: algumas referências de análise. n. 14, p. 111-128, jan.-jul. 1990. 108) SOUZA NETO, Manoel Fernandes de. A Ciência Geográfica e a construção do Brasil. n. 15, p. 9-20, 2000. 109) DAMIANI, Amélia Luísa. A metrópole e a indústria: reflexões sobre uma urbanização crítica. n. 15, p. 21-37, 2000. 110) SOUZA, Marcelo Lopes de. Os orçamentos participativos e sua espacialidade: uma agenda de pesquisa. n. 15, p.39-58, 2000. 111) FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento social como categoria geográfica. n. 15, p. 5985, 2000. 112) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. O que há de novo no rural brasileiro? n. 15, p. 87-112, 2000. 113) BRAGA, Rosalina. Formação inicial de professores: uma trajetória com permanências eivadas por dissensos e impasses. n. 15, p. 113-128, 2000. 114) ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do(a) professor(a) de Geografia do Brasil. n. 15, p. 129-144, 2000. 115) PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Geografia, representações sociais e escola pública. n. 15, p. 145-154, 2000. 116) OLIVEIRA, Márcio Piñon. Geografia, Globalização e cidadania. n. 15, p. 155-164, 2000. 117) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. “Navegar é preciso, viver não é preciso”: estudo sobre o Projeto de Perenização da Hidrovia dos Rios das Mortes: Araguaia e Tocantins. n. 15, p. 167-213, 2000. 118) VITTE, Antonio Carlos. Considerações sobre a teoria da etchplanação e sua aplicação nos estudos das formas de relevo nas regiões tropicais quentes e úmidas. n. 16, p. 11-24, 2001. 119) RAMIRES, Blanca. Krugman y el regresso a los modelos espaciales: ¿La nueva geografía? n. 16, p. 25 - 38, 2001. 120) FERREIRA, Darlene Ap. de Oliveira. Geografia Agrária no Brasil: periodização e conceituação. n. 16, p. 39-70, 2001. 121) MAIA, Doralice Sátyro. A Geografia e o estudo dos costumes e das tradições. n. 16, p. 71-98, 2001. 122) SPOSITO, Eliseu. A propósito dos paradigmas de orientações teórico-metodológicas na Geografia contemporânea. n. 16, p. 99-112, 2001. 123) MENDONÇA, Francisco. Geografia socioambiental. n. 16, p. 113-132, 2001. 124) CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o Ensino? n. 16, p. 272 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 133-152, 2001. 125) PIRES, Hindenburgo Francisco. “Ethos” e mitos do pensamento único globaltotalitário. n. 16, p. 153-168, 2001. 126) REGO, Nelson. SUERTEGARAY, Dirce Maria. HEIDRICH, Álvaro. O ensino de Geografia como uma hermenêutica instauradora. n. 16, p. 169-194, 2001. 126) SUERTEGARAY, Dirce M. Antunes; NUNES, João Osvaldo Rodrigues. A natureza da Geografia Física na Geografia. n. 17, p. 11-24, 2001. 127) OLIVA, Jaime Tadeu. O espaço geográfico como componente social. n. 17, p. 25-48, 2001. 128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos, paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. n. 17, p. 49-62, 2001. 129) SEGRELLES, José Antonio. Hacia uma enseñanza comprometida y social de la Geografía en la universidad. n. 17, p. 63-78, 2001. 130) RIBEIRO, Júlio Cézar; GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca conceitual pelo viés da contextualização histórico-espacial da sociedade. n. 17, p. 79-98, 2001. 131) CIDADE, Lúcia Cony Faria. Visões de mundo, visões da Natureza e a formação de paradigmas geográficos. n. 17, p. 99-118, 2001. 132) NETO, Manuel Fernandes de Sousa. Geografia nos trópicos: história dos náufragos de uma Jangada de Pedras. n. 17, p. 119-138, 2001. 133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de antigos quilombos no Brasil. n. 17, p. 139-154, 2001. 134) GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. n.17, p. 155-170. 135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 11-36. 136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 37-46. 137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v.1, n. 18, p. 47-62. 138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão sobre casos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das Américas desde uma perspectiva européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74, 139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 75-84. 140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 85-94. 141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensino fundamental: um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114. 142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locais de informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 115-132. 143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 133-142. 144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na Geografia Econômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160. 145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 161-178. 146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 179-184. 147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 185-186. 148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territorios em el marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190. 149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas reflexões a partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35. 150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y España. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 37-58. 151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18, v. 2, n. 19, p. 59-74. 273 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES 152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos assentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94. 153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 95-112. 154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado do Paraná e as novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126. 155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 127-146. 156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e adaptações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162. 157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista: implicações do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por completo parte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176. 158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES, Marcelino A., DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M., GONÇALVES, Sara Maria M. P. S., ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190. 159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 191-198. 160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 199-212. 161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 213-228. 162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242. 163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos e a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256. 164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 257-272. 165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania: do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273-284. 166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhar geográfico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 11-26. 167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul: indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49. 168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano da sociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63. 169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaço nos estudos do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100. 170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimento global. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 101-110. 171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticas regionais observadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126. 172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais e locais. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 127-135. 173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimento global e suas repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143. 174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios ao planejamento urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158. 175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 159-170. 176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicción meteorológica para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en Buenos Aires. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 171-178. 177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde coletiva. Alterações climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do reservatório de Itaipu, PR. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 179-191. 178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e saúde no Bra- 274 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 sil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204. 179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica – notas introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221. 180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 11-23. 181) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 25-39. 182) BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia Agrária e responsabilidade social da ciência. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 41-53. 183) GRABOIS, José, CEZAR, Lucia Helena da S., SANTOS, Cátia P. dos, GREGÓRIO Filho, Gregório. O habitat e a questão social no Noroeste Fluminense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 55-71. 184) ALMEIDA, Rose Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Ano 19, v. 2, n 21, p. 73-88. 185) FERNANDES, Bernardo M., SILVA, Anderson A., GIRARDI, Eduardo P. DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: uma experiência de pesquisa e extensão no estudo da territorialização da luta pela terra. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 89-112. 186) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Brasil. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156. 187) BERNARDES, Júlia Adão. Territorialização do capital, trabalho e meio ambiente em Mato Grosso. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 157-167. 188) ABREU, Silvana de. Racionalização e ideologia: o domínio do capital no espaço matogrossense. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 169-181. 189) OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. A busca do desenvolvimento sustentável na gestão dos recursos hídricos brasileiros. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 183-192. 190) PASSOS, Messias Modesto dos. A construção da paisagem no Pontal do Paranapanema – uma apreensão geo-foto-gráfica. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 193-211. 191) MARTINS, César Augusto Ávila. Empresas na pesca e aqüicultura: anotações do uso do território. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 213-223. 192) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Desterritorialização da violência no capitalismo globalitário: o caso do Brasil e do Espírito Santo. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 225-240. 193) MORATO, Rúbia G., KAWAKUBO, Fernando S., LUCHIARI, Ailton. Mapeamento da qualidade de vida em áreas urbanas: conceitos e metodologias. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 241-248. 194) HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social – uma leitura das idéias de natureza nas obras de Milton Santos. Ano 19, v. 2, n. 21, p. 249-262. 195) PANCHER, Andréia M. FREITAS, Maria Isabel C. de. Mapeamento do crescimento urbano em áreas de várzea na passagem do Rio Corumbataí por Rio Claro/SP. Ano 19, v. 2, n.21, p. 263-279. 196) SPOSITO, Eliseu Savério. Dinâmica regional e diversificação industrial (Resenha). Ano 19, v. 2, n. 21, p. 281-284. 197) SEABRA, Manoel. Os primeiros anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 13-68. 198) VIEIRA, Alexandre B., PEDON, Nelson R. O papel das comunidades científicas: a AGB Nacional e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83. 199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados: memória e história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97. 200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB – Salvador, quase 50 anos de Geografia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 99-112. 201) FONTOURA, Luiz Fernando M., DUTRA, Viviane S. Os 30 anos da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre. Ano 20, v. 1, n. 22, p.113-123. 202) CROCETTI, Zeno Soares. AGB: Desejos de transformação. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 125-132. 203) CHAVES, Manoel R., MESQUITA, Helena A. da, MENDONÇA, Marcelo R. Inserção, crítica e intervenção na realidade: a AGB e a Geografia em Catalão – GO. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 133-143. 204) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. AGB-Rio: 68 anos de história. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 145-152. 205) FONSECA, Valter Machado da. A história da AGB – Uberaba (MG) e a perspectiva de construção de um pólo do pensamento geográfico no Triângulo Mineiro. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 153-160. 206) ROMANCINI, Sônia R., SILVESTRI Magno. Trajetória histórica e perspectivas da AGB – Seção 275 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES Local Cuiabá. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 161-168. 207) GOMES, Horieste. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 169-176. 208) ANTUNES, Charlles da França. AGB-Niterói: notas de um começo de história. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 177-189. 209) Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru. O trabalho técnicopolítico-pedagógico da Associação dos Geógrafos Brasileiros na Seção Local Bauru – AGB/Bauru. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 189-195. 210) RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na construção da Geografia Brasileira: uma outra Geografia sempre é possível. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 199-209. 211) ANDRADE, Manuel C. De. A AGB – 1961/62 – Um depoimento. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 211-212. 212) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB 1934 – 2004. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 213-230. 213) ALVES, William Rosa. A permanente busca do horizonte: a história da AGB-BH. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 231-255. 214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248. 215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 251-260. 216) BENKO, Georges. Murano et les verries: um district industriel pas comme les autres. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 15-34. 217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 3551. 218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na Serra Gaúcha. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 53-74. 219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografias adversas e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 75-85. 220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23, p. 87-96. 221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômica mundial e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109. 222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A., LUCHIARI, Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHS e aplicação de segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 111-122. 223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas de reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138. 224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários em paisagens do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159. 225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163-164. 226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167. 227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 13-28. 228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensino de Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41. 229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituição do capital e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60. 230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais de planejamento na porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 61-75. 231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho e territorialidade da atividade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 77-99. 232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social e território no distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117. 233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 119-133. 276 Terra Livre - n. 34 (1): 269-280, 2010 234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA, Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 135150. 235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza: uma abordagem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 151-175. 236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências nas pesquisas acadêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177-191. 237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e social do problema. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210. 238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los Riesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230. 239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236. 240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241. 241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e desigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33. 242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade contemporânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48. 243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en Geografía. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65. 244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79. 245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93. 246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira (Londrina-Paraná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110. 247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 111-120. 248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137. 249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Contribuição ao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis conseqüências em relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 139-155. 250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a biodiversidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162. 251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 163-166. 252) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Amazônia e a nova geografia da produção da soja. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 13-43. 253) SILVA, Sílvio Simione da. 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Entre a valorização da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o que pode o ecoturismo na 277 COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES Amazônia? Ano 22, v. 1, n. 26, p. 165-175. 260) TRINDADE JR, Saint-Clair C. da. Grandes projetos, urbanização do território e metropolização na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 177-194. 261) BRITO, Lílian S. A.; COSTA, Léa M. G. Estratégias de desenvolvimento regional para a Amazônia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 195-205. 262) SILVA, José Borzacchiello da. La fabrication du Brasil: une grande puissance en devenir (Resenha). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 209-210. 263) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB-1934-2004 (Depoimento). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 213221. 264) MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Aziz Nacib Ab’Saber – geógrafo brasileiro. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 15-30. 265) VITTE, Claudete de Castro Silva. 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Ano 25, v. 2, n. 33 p. 177-182 280 Título Preparação de originais e revisão de textos Arte final da capa Editoração eletrônica Formato Tipologia Papel Número de páginas Tiragem impressão OS DISCURSOS E AS PRÁTICAS GEOGRÁFICAS Edvaldo César Moretti Marise Massem Frainer Tiago Bassani Rech 18x26 Century Sulfite 75g 281 300 exemplares Solidus Gráfica e Editora (solidus@graficasolidus.com.br) 281