Análise do Atrito Lateral em Estacas Hélice Instrumentadas por meio do Conceito de Rigidez Contínua Barbara Nardi Melo Geobrasileira Fundações Especiais Ltda., Itapecerica da Serra, Brasil, melo.bn@gmail.com Paulo José Rocha de Albuquerque Unicamp, Campinas, Brasil, pjra@fec.unicamp.br Luciano Décourt Luciano Décourt Engenheiros Consultores Ltda., São Paulo, Brasil, decourt@decourt.com.br David de Carvalho Unicamp, Campinas, Brasil, david@feagri.unicamp.br RESUMO: As provas de carga comuns, ou seja, sem instrumentação, podem oferecer informações além das analisadas habitualmente pelos engenheiros geotécnicos. O estudo destes dados pelo Conceito de Rigidez proposto por Décourt (1996, 2008) demonstra que em provas de carga levadas a grandes carregamentos, o Gráfico de Rigidez conduz a resultados da carga limite e identifica o domínio de transferência de carga pela ponta e o domínio de transferência pelo atrito lateral. Este trabalho traz uma análise entre resultados oriundos de instrumentação e os resultados obtidos pelo método em provas de carga realizadas em estacas do tipo hélice contínua, executadas no Campo Experimental da Unicamp em Campinas/SP, cujo subsolo é constituído de solo residual de diabásio, comum a esta região. Em todas as estacas foram executadas provas de carga do tipo lenta, seguindose as prescrições da NBR 12.131/92 e entre elas tem-se em comum Ø = 0,40m, L = 12,0m. Foi verificado que das três estacas analisadas apenas uma estaca hélice contínua não apresentou valor medido por instrumentação dentro do intervalo de atrito lateral obtido pelo método. Pode-se entender neste trabalho que, os limites de atrito lateral e de ponta são indicativos aproximados, no entanto servem de parâmetro para verificar resultados de instrumentação e contribuem nas análises de projetos examinados através de provas de carga comuns, o que faz do método uma importante ferramenta no estudo de provas de carga estáticas em fundações profundas. PALAVRAS-CHAVE: Prova de carga estática, atrito lateral, Conceito de Rigidez, hélice contínua. 1 INTRODUÇÃO A engenharia geotécnica tem buscado incessantemente desenvolver métodologias que possam separar as cargas de ponta e lateral de uma prova de carga estática sem que necessite utilizar o recurso da instrumentação. Desta forma o Eng. Luciano Décourt desenvolveu uma metodologia com base no conceito de rigidez que permite fazer esta avaliação. Para o desenvolvimento deste trabalho foram realizadas provas de carga instrumentadas em estacas hélice contínua no Campo Experimental de Fundações e Mecânica dos Solos da Unicamp (Albuquerque, 2001). Os resultados deste trabalho é parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora. 2 CONCEITO DE RIGIDEZ O Conceito de Rigidez apresentado por Décourt (1996) conduz a resultados da carga limite através do Gráfico de Rigidez, que permite a visualização da “distância” que se está da ruptura e identifica o domínio de transferência de carga pela ponta e o domínio de transferência pelo atrito lateral (DÉCOURT, 2008). A curva carga vs recalque oferece algumas informações iniciais importantes para a análise do Gráfico de Rigidez. Estas informações são obtidas através de uma reta entre a o ponto de regressão escolhido e a carga de ruptura convencional (Quc). A intercepção desta reta com o eixo das abscissas indica o limite inferior do domínio do atrito lateral (Qsl), como apresentado na Figura 1. Considera-se ruptura física como sendo a rigidez de um elemento isolado de fundação nula, pressupondo deformação infinita. RIG = Q → zero r (3) O gráfico de rigidez deve ser plotado com os valores de rigidez (RIG) em ordenadas e os valores de carga (Q) em abscissas, como na Figura 2, para que se determine a carga que leva à rigidez nula. Mas como a rigidez nula pressupõe deformação infinita, a ruptura física nunca foi atingida. Portanto calcula-se a carga de ruptura convencional no Gráfico de Rigidez (Qu)c (DÉCOURT, 2008). Figura 1. Curva carga vs recalque. Para determinar o ponto de regressão, são estabelecidas correlações lineares entre Log Q e Log r, estes coeficientes de correlação (R) são elevados ao quadrado para obter-se o R2. Analisando os dados de carga e recalque em ordem decrescente, pode-se identificar pelo R2 uma alteração no comportamento da curva carga vs recalque, que indica o ponto de regressão a ser adotado. Na maior parte das vezes este ponto está em torno de um recalque correspondente a 2% do diâmetro da estaca. A carga de ruptura convencional é determinada através da equação da curva carga vs recalque e corresponde a carga relativa a um recalque de 10% do diâmetro. Q uc = 10 φ Log b − a 10 (1) Em que: Ø – Diâmetro (mm) a – Previsão da curva (Log Q vs Log r) no ponto de regressão b – Inclinação da curva (Log Q vs Log r) no ponto de regressão. Considerando a rigidez (RIG) como a razão entre a carga aplicada (Q) e o recalque (r) correspondente, tem-se: Qu = limite de RIG quando r → ∞ (2) Figura 2. Método (FELLENIUS, 2006). de extrapolação de Décourt De acordo com Décourt (2008), em provas de carga levadas a grandes carregamentos, o gráfico de Rigidez indica claramente os domínios de ponta e de atrito lateral, como na Figura 3. A partir do ponto de regressão escolhido, a ponta deixa de preponderar, constatada pela redução nítida de R2, neste ponto de transição separa-se a parte do Gráfico de Rigidez correspondente ao domínio de ponta e ao domínio do atrito lateral. A transição pode incluir alguns pontos até iniciar o domínio do atrito lateral. Para estacas longas é importante analisar o recalque elástico (sel) durante a definição do domínio do atrito lateral, já que as deformações neste trecho são da ordem de grandeza dos recalques elásticos (DÉCOURT, 2006 e 2008). S el = Q.L (mm) 2.E.A (4) Em que: Q – Carga equivalente a 1,0 MN L – Comprimento da estaca (m) E – Módulo de elasticidade (GPa) A – Área da seção transversal da estaca (m2). (Q u )c = 10 Log (RIG )b−a (5) E para rupturas por atrito lateral: (Q u )c = a + b × RIG (6) Em que: a – Intercepção do gráfico b – Inclinação da curva. É importante ressaltar que em alguns casos, a ruptura por atrito lateral corresponde a estacas que só apresentam relação linear entre a carga e a rigidez. Segundo Décourt (1998, 2008), o gráfico de rigidez mostra duas situações típicas distintas em relação a ruptura física: • As fundações que praticamente não rompem (estacas escavadas) (Figura 4.a) • As fundações que rompem (estacas de deslocamento) que neste caso definem claramente tanto a ruptura convencional quanto a ruptura física (Figura 4.b). Figura 3. Domínio de ponta e de atrito lateral no Gráfico de Rigidez. Para definir os pontos dos domínios adota-se a correlação que abrange o maior número de pontos e o maior valor de R2. Segundo Décourt (2008), dados de boa qualidade apresentam coeficientes de correlação iguais ou superiores a 0,99. Décourt (2006) afirma que a carga definida como a carga correspondente a rigidez nula, somente será aproximada em dois casos: • Por atrito lateral, correspondente a relação linear (todas as estacas) • Por ponta, linear para estacas de deslocamento e Log vs Log para estacas escavadas (estacas de deslocamento). O cálculo da carga limite (Qu)c por ponta define-se como: Figura 4. Exemplo de fundações que não rompem (a) e de fundações que rompem (b) (CAMPOS, 2005). As estacas de deslocamento, tais como as pré-moldadas de concreto, as do tipo Franki e os perfis metálicos, permitem ao método uma avaliação razoavelmente precisa da carga de ruptura física e da carga de ruptura convencional, que, segundo Décourt (2008), a diferença entre elas é da ordem de 20%. Nas fundações que não apresentam ruptura física, como as estacas escavadas (estacões, barretes, Strauss e hélices contínuas), o gráfico de rigidez assume um comportamento assintótico hiperbólico e a ruptura física é determinada através da extrapolação. Fellenius (2001) define a carga limite extrapolada (Qu) por Décourt (1996) como a relação entre a interseção da reta com o eixo y (C2) e a inclinação da reta (C1). Qu = C2 C1 (7) A equação da curva “ideal” é dada por: Q= C 2 .r 1 − C1 .r (8) Em que: Q – Carga aplicada r – Recalque. Se a prova de carga for levada a pequenos valores de RIG, pode ser usada extrapolação linear ou logarítmica para estimar a ruptura física. Quanto menor for a rigidez no ensaio, mais precisa será a estimativa da carga de ruptura. Similarmente ao método de Chin (1970, 1971) e ao de Brinch Hansen (1963), uma curva é determinada e comparada a curva carga vs recalque do ensaio. Segundo Décourt (2008), existe uma limitação na utilização do método aos ensaios realizados com carregamentos mistos, pois conduz a resultados que tendem contra a segurança. 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Campo Experimental Campinas/SP O local específico dos ensaios estáticos, na cidade de Campinas/SP, corresponde ao Campo Experimental de Mecânica dos Solos e Fundações (CEMSF), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Implantado desde 1990, foi fundamental na elaboração de diversos trabalhos. 3.1.1 Análise geológica e geotécnica As características geológicas e geotécnicas da área de estudo foram obtidas através dos trabalhos de Albuquerque (2001), Albuquerque et al (2004) e Cavalcante et al (2006). O subsolo da região de Campinas é formado por migmatitos básicos, ocorrendo rochas intrusivas básicas da Formação Serra Geral (diabásio), do Grupo São Bento. Esta região também possui corpos de diabásio encaixados na Formação Itararé e no Complexo Cristalino, sob formas de sills e diques. O perfil geotécnico do Campo Experimental é composto de solo proveniente de diabásio, coluvionar, diferenciado por uma camada superficial de argila silto-arenosa, de alta porosidade, laterítica e colapsível de espessura média de 6,5 m. Pode-se relacionar a porosidade ao intenso processo de intemperização desta camada, ocorrendo o carreamento dos finos para os horizontes mais profundos, pelo processo de lixiviação, seguida por uma camada composta por silte argiloarenoso, residual de diabásio, até 19 m de profundidade. O nível d’água encontra-se a cerca de 17,7 m de profundidade. Entre 2,5 m e 6,0 m, o perfil apresenta uma camada constituída de uma areia argilo-siltosa, fina a média, pouco compacta, marrom amarelada (laterita). O gráfico apresentado na Figura 5 indica os valores típicos de sondagens de simples reconhecimento, com medidas de toque (SPTT), da área do Campo Experimental. 4 Figura 5. Variações do NSPT e Tres no Campo Experimental (GARCIA, 2006). A Figura 6 apresentam os resultados dos ensaios de penetração do cone (CPT) realizados no Campo Experimental da UNICAMP. 0 10 20 0 30 400 600 800 5 5 10 Profundidade (m) 10 Profundidade (m) 200 0 0 15 15 20 20 25 25 qc (MPa) - média A proposta feita por Décourt (2006, 2008) consiste em estimar domínios de resistência de ponta e de atrito lateral (Qs) em provas de carga comuns (sem instrumentação). A finalidade desta análise foi verificar se os resultados da instrumentação pertencem a estes intervalos. Décourt (2008) afirma que, para os trechos serem identificados, os carregamentos devem ser conduzidos até grandes deformações. No gráfico do atrito lateral (Figuras 10 a 12), pode-se observar três pontos que correspondem ao recalque de 10mm, o recalque igual a 10% do diâmetro e ao recalque de 100mm respectivamente. O limite superior do atrito lateral (Qsu) é a carga correspondente ao deslocamento referente a 0,1.φ no gráfico (Qs vs s). As figuras que representam a curva carga vs recalque gerada pelas equações de regressão obtidas a partir do Gráfico de Rigidez e que apresentam os limites do domínio do atrito lateral (Qsl ≤ Qs ≤ Qsu) estão ilustradas nas Figuras 7, 8 e 9, sendo: Qsl – Limite superior (“upper bound”) Qsu – Limite inferior (“lower bound”). • • 30 30 fs (kPa) - média Q (MN) Figura 6. Resistência de ponta e de atrito lateral do CPT do Campo Experimental da UNICAMP (CAVALCANTE et al, 2006). 0,000 0 As estacas tipo hélice contínua Ø = 0,40m e L = 12,0m analisadas neste trabalho, foram ensaiadas estaticamente com carregamento lento, conforme a NBR 12.131/92. Todas foram instrumentadas conforme os dados indicados na Tabela 1. 0,500 1,000 1,500 10 Detalhes das provas de carga 20 30 s(mm) 3.2 RESULTADOS 40 0,889 ≤ Qs ≤ 0,956 50 60 Qs = (Qsl + Qsu) / 2 = (0,889 + 0,956) / 2 = 70 Qs = 0,922 MN 80 Tabela 1. Valores de atrito lateral unitário máximo das estacas hélice contínuas 1, 2 e 3 (ALBUQUERQUE, 2001). Estaca 1 2 3 Média Atrito lateral unitário máximo (kPa) 0–5m 5 – 12 m 80,4 47,1 79,5 52,8 68,5 36,3 76,1 45,4 90 Figura 7. Curva carga vs recalque gerada pelas equações de regressão e limites do domínio do atrito lateral – HC 1. Q (MN) 0,000 0 0,500 Qs (MN) 1,000 1,500 0 0,5 1 1,5 0 10 20 20 40 0,956 ≤ Qs ≤ 0,975 s(mm) s(mm) 30 40 50 Qs = (Qsl + Qsu) / 2 = (0,956 + 0,975) / 2 = 80 60 70 60 Qs = 0,965 MN 100 80 120 90 Figura 8. Curva carga vs recalque gerada pela equação de regressão e limites do domínio do atrito lateral – HC 2. 0,000 0 0,200 Q (MN) 0,400 Figura 10. Curva de desenvolvimento do limite superior do atrito lateral com a deformação (HC 1). Qs (MN) 0,600 0 0,800 10 1,5 40 0,655 ≤ Qs ≤ 0,689 50 Qs = (Qsl + Qsu) / 2 = (0,655+0,689) / 2 60 Qs = 0,672 MN s(mm) s(mm) 40 1 20 20 30 0,5 0 60 80 70 80 90 100 Figura 9. Curva carga vs recalque gerada pelas equações de regressão e limites do domínio do atrito lateral - HC 3. 100 120 Figura 11. Curva de desenvolvimento do limite superior do atrito lateral com a deformação (HC 2). A partir das equações lineares de regressão, pode-se traçar a curva Qs vs s para qualquer nível de deformação. As Figuras 10 a 12 mostram o desenvolvimento do limite superior do atrito lateral com a deformação. 0 0,2 Qs (MN) 0,4 0,6 0,8 0 20 s(mm) 40 60 80 100 120 Figura 12. Curva de desenvolvimento do limite superior do atrito lateral com a deformação (HC 3). Os dados de instrumentação fornecidos pela Tabela 2 são utilizados como parâmetros para analisar os intervalos de variação do atrito lateral (Qsl ≤ Qs ≤ Qsu), fornecidos pelo método em questão. apresentem problemas em sua execução e que se deva tomar muito cuidado com a manipulação e interpretação dos valores obtidos no ensaio. Tabela 2. Valores medidos e calculados de Qsc. AGRADECIMENTOS Estaca HC 1 HC 2 HC 3 Qsc (kN) Valor medido 903 951 734 Qsc (kN) Valor calculado Intervalos Valor de variação central 890 ≤ Qs ≤ 960 925 950 ≤ Qs ≤ 980 965 650 ≤ Qs ≤ 690 670 Obs. Ok Ok Não ok Mesmo com um valor fora do intervalo, ficou claro que os limites de atrito lateral e de ponta são indicativos aproximados, que podem tanto verificar resultados de instrumentação como fornecer informações em projetos através de provas de carga comuns. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A escolha do ponto de regressão é a decisão mais importante na aplicação do método baseado no Conceito de Rigidez. Esta decisão e a escolha dos pontos de ajuste dos domínios de ponta e de atrito lateral dependem muito da interação da pessoa que está utilizando o método, que deve estar atenta a mudança de comportamento dos dados de carga e recalque, aos coeficientes de correlação, ao recalque elástico (para estacas longas) e as experiências anteriores de aplicação do método. Os limites de atrito lateral são indicativos aproximados, que podem ser aplicados tanto para verificar resultados de instrumentação como fornecer informações em projetos através de provas de carga comuns. Os domínios de atrito lateral, calculados pelo método, quando comparados à ensaios instrumentados, apresentaram boa concordâcia. O método demonstrou-se adequado às propostas de determinação da carga limite, à separação aproximada entre a carga de ponta e o atrito lateral, à avaliação da qualidade da prova de carga e ao depurar dados de ensaios. É importante para a eficácia da ferramenta que as provas de carga sejam feitas com o máximo de estágios de carregamento possíveis, que não Os autores agradecem à Universidade Estadual de Campinas e à CAPES pelo apoio às pesquisas que subsidiaram esse texto. A primeira autora agradece também a empresa Geobrasileira, em especial ao Eng. Roberto Sunahara pelo incentivo a sua participação no evento. REFERÊNCIAS Albuquerque, P. J. R. 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