Posicionamento do Tubo Orotraqueal Utilizando-se como

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RBTI / ARTIGO original
Posicionamento do Tubo Orotraqueal
Utilizando-se como Referência os
Dentes Incisivos Centrais Superiores
Placement of Oral Endotracheal Tube Using as
Reference the Superior Central Incisors Teeth
Claudio Piras*
Abstract
Objective: To determine whether a certain distance measurement on the oral endotracheal tube at the superior
central incisors teeth could reasonably ensure proper depth of placement and avoid complications like bronchial
intubation and recurrent laryngeal nerve injury.
Material and method: Twenty-five cadavers were intubated and the orotracheal tube introduced until the
proximal end of the cuff reached the lower margin of the cricoid cartilage. After that, the distance from the superior
central incisors teeth to the tip of the tube was measured and the average and SD was calculated.
Results: The average length was 225,24 mm (195 mm to 250 mm) and the SD was 16,21 mm.
Conclusions: We concluded that a depth of oral endotracheal tube placement, from the superior central incisors teeth, of 225 mm have led to a proper placement.
Key words: Endotracheal, intubation, intratracheal.
A
intubação orotraqueal é um procedimento
largamente utilizado nos setores de urgência
e emergência, e nas unidades de terapia
intensiva. Não é um procedimento isento de complicações, sendo as mais freqüentes a lesão dos nervos
laríngicos recorrentes, as intubações bronquiais e as
estenoses traqueais. As lesões dos nervos laríngicos
recorrentes e as estenoses traqueais decorrem do posicionamento ou da pressão de enchimento inadequados
do balonete, enquanto as intubações bronquiais decorrem da introdução excessiva do tubo orotraqueal.
A traquéia mede em média 12 cm com extremos entre
9 cm e 15 cm, na dependência da idade, do biotipo
e da fase da respiração. O método utilizado para se
evitar o posicionamento incorreto do tubo orotraqueal
é o da visão direta da laringe, com progressão do tubo
até que a extremidade proximal do balonete se localize cerca de 2 cm abaixo das pregas vocais. Alguns
autores preferem utilizar uma marca no tubo 2 ou 3
cm proximal ao balonete e consideram uma intubação
adequada quando essa marca está no nível das pregas
vocais. Essas condutas tem diminuido a ocorrência
das complicações citadas. Em pacientes previamente
intubados a confirmação da posição do tubo orotra­
queal se faz pela radiografia do tórax, onde pode-se
observar a localização da extremidade do tubo, que
deve estar à uma distância não inferior a 2 cm da carina. Foi através da utilização da radiologia que vários
autores definiram como adequada, para a intubação
orotraqueal, a distância de 21 cm para as mulheres e
de 23 cm para os homens. Esses estudos utilizaram
como referência a comissura labial e a carina. Por ter
a comissura labial grande mobilidade há o risco de
variações importantes na marcação do comprimento
de tubo introduzido. Entendendo ser importante um
ponto de referência menos sujeito a variações ou com
amplitude de variação de menor intensidade, resolvemos estudar a distância entre a extremidade de um
tubo orotraqueal e os dentes incisivos centrais superiores, mantendo a extremidade proximal do balonete
no nível da margem inferior da cartilagem cricóide,
localizada, em média, a 2,12 cm abaixo das pregas
vocais. O objetivo desse estudo é obter, em nossa
população, uma distância de introdução do tubo orotraqueal média que seja segura para os pacientes, evitando a lesão de nervos laríngicos recorrentes ou as
intubações bronquiais, e que permita a confirmação
dessa posição à beira do leito.
Professor adjunto do Departamento de Morfologia da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Professor adjunto do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Espírito Santo, Médico Intensivista do Hospiral São Lucas,
Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB.
Local de realização do trabalho: Laboratório de Anatomia da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória.
Endereço do Autor: Claudio Piras - Rua Alaor Queiróz de Araújo, 175 apto 602 - Enseada do Suá, Vitória – ES - CEP: 29055-010
Telefone para contato: 27 3345-1118 / 27 8111-3955
Recebido: 30 de janeiro 2004 - Aceito: 02 de abril 2004
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / ARTIGO original
método
Foram utilizados 25 cadáveres formolizados, mediolíneos, de ambos os sexos, com predominância do sexo
masculino e da cor parda. A cabeça e o pescoço foram
seccionados sagitalmente em um plano que dividisse a
cavidade nasal, a cavidade oral, a laringe e a traquéia
em duas metades (Figura 1). Essa secção nos permitiu
uma visão direta do vestíbulo da laringe, da prega vocal
e da cartilagem cricóide (Figura 2). O próximo passo
foi introduzir uma cânula orotraqueal através da cavidade oral, faringe, laringe e traquéia (Figura 3), até que
a extremidade proximal do balonete ficasse localizada
no nível da margem inferior da cartilagem cricóide (Figura 4). A partir do posicionamento do tubo medimos a
distância entre a sua ponta e os dentes incisivos centrais
superiores dos cadáveres (Figura 5), utilizando-se para
tal um guia metálico flexível que, após a marcação, era
retificado e seu comprimento medido. Não encontra-
Figura 3. Introdução do tubo orotraqueal através
da cavidade oral, faringe e laringe, até a traquéia.
Figura 4. Posicionamento da extremidade
proximal do balonete (linha) no nível da
margem inferior da cartilagem cricóide (CC).
Figura 1. Cabeça e pescoço seccionados sagitalmente para
expor a cavidade oral, faringe, laringe e traquéia.
Figura 2. Secção sagital da laringe e
traquéia com visualização da prega vocal (PV)
e da cartilagem cricóide (CC).
Volume 16 - Número 1 - Janeiro/Março 2004
Figura 5. Detalhe do tubo orotraqueal e do
local de referência para as medições, no nível
do dente incisivo central superior (seta).
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RBTI / ARTIGO original
mos variações importantes na conformação das arcadas
dentárias dos cadáveres estudados. Todos apresentavam
os incisivos centrais superiores, que se encontravam
alinhados com os demais dentes da arcada dentária superior. Com as distâncias obtidas calculamos a média e
o respectivo desvio-padrão (DP).
Resultados
Foram estudados 25 cadáveres de estatura mediana,
biotipo mediolíneo, com predominância da cor parda e
do sexo masculino. Todos apresentavam arcada dentária
superior completa e alinhada. Não notamos variações
da arcada dentária superior dignas de nota nos cadáveres estudados. A distância entre os dentes incisivos
centrais superiores e a extremidade do tubo orotraqueal,
estando a extremidade proximal do balonete no nível
da margem inferior da cartilagem cricóide, variarou de
195 mm a 250 mm (Tabela 1). O menor valor obtido
coincidiu com um cadáver do sexo feminino enquanto
o maior valor obtido coincidiu com cadáveres do sexo
masculino. A comprimento médio obtido foi de 225,24
mm, com Desvio Padrão de 16,21 mm (Quadro 1).
Tabela 1. Relação dos cadáveres estudados e respectivas
distâncias entre os dentes. Incisivos centrais superiores e a
extremidade de um tubo orotraqueal
Número da peça
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
42
Distância obtida (mm)
238
212
222
207
228
228
232
245
205
250
244
217
204
195
209
217
244
242
250
201
233
226
228
235
219
Quadro 1. Resultados obtidos da medição
da distância entre os dentes incisivos centrais
superiores e a extremidade de um tubo orotraqueal,
estando a extremidade proximal do balonete
no nível da margem inferior da cartilagem cricóide,
em 25 cadáveres formolizados.
Número de cadáveres estudados
Maior distância encontrada
Menor distância encontrada
Média das distâncias encontradas
Desvio-padrão
25
250 mm
195 mm
225,24 mm
16,21 mm
Discussão
A intubação orotraqueal é um procedimento médico
que objetiva o acesso à via aérea para várias finalidades,
uma das quais a ventilação mecânica por pressão positiva. Para que esse procedimento não produza complicações, a extremidade da cânula deve ser posicionada
na transição do terço médio e inferior da traquéia1. Das
complicações decorrentes do deslocamento do tubo
orotraqueal temos, predominantemente, a intubação
bronquial e a lesão do nervo laríngico recorrente, esse
último decorrente da compressão pelo balonete quando localizado na laringe2,3. Vários autores publicaram
estudos sobre o melhor posicionamento da cânula orotraqueal4,5,6,7. Cavo4, estudando a paralisia das cordas
vocais em pacientes intubados, verificou que a parte
vulnerável para a lesão do nervo laríngico recorrente,
pelo balonete, fica entre 6 mm e 10 mm abaixo das
pregas vocais. INADA et al.8, em seu estudo sobre as
alterações da posição do tubo orotraqueal durante colecistectomias laparoscópicas, utilizando broncoscopias,
concluiram que a posição recomendada seria aquela
em que a extremidade proximal do balonete ficasse
15 mm abaixo das pregas vocais, o que deixaria uma
distância média entre a ponta do tubo e a carina de 28
mm. SALEM6 afirma que a ponta do tubo tem que estar
posicionada na metade da traquéia, o que poderia ser
obtido pela introdução do tubo até que a extremidade
proximal do balonete estivesse 2 cm (20 mm) abaixo
das pregas vocais. Essa mesma recomendação é referendada por outros autores9,10. A distância média entre
as pregas vocais e a carina, segundo HARTREY et al.1,
é de 128 mm (110 mm – 140 mm) para os homens e de
119 mm (98 mm – 140 mm) para as mulheres. Esses
mesmos autores decrevem um deslocamento da extremidade do tubo, com os movimentos da cabeça, de 15,3
mm distal (em direção à carina) durante a flexão e de
14,1 mm proximal (em direção à laringe), na extensão.
Outro fato de relevância é o deslocamento cranial da
carina que ocorre com o aumento da pressão intra-abRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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dominal que, segundo IWAMA et al.11, atinge 11 mm
(DP 4 mm) para um aumento de 10 mmHg. Os dados
apresentados acima levaram os autores a concluir que
a técnica adequada para o posicionamento correto do
tubo orotraqueal seria a introdução do mesmo, por visão direta, até que a extremidade proximal do balonete
estivesse 2 cm distal às pregas vocais. Esse deve estar
a, pelo menos, 2 cm cranial à carina. Devido ao fato de
que o tubo sofre migração tanto proximal quanto distal,
com os movimentos da cabeça, tão freqüentes durante
a manipulação e realização de procedimentos nos pacientes da UTI, e que mudanças pequenas na posição do
tubo orotraqueal podem desencadear complicações importantes, a verificação da posição do tubo orotraqueal
deve ser uma constante em todo paciente intubado. Levando-se em consideração que a confirmação do correto
posicionamento do tubo, de forma seqüencial, seja por
visão direta ou por radiografias, é trabalhosa, demorada
e dispendiosa, a observação do comprimento de tubo
orotraqueal introduzido, através das marcas existentes
nos mesmos, tornou-se uma opção atraente. Para que
essas marcas fossem de valia seria necessária a validação do comprimento médio de tubo orotraqueal a ser
introduzido, para que o limite proximal do balonete se
situasse 2 cm abaixo das pregas vocais e a sua extremidade 2 cm acima da carina. Nas intubações utilizando-se
as marcas dos tubos orotraqueais como parâmetro, uma
radiografia do tórax deve ser realizado sempre após o
procedimento, pois esse exame pode, facilmente, detectar o posicionamento correto ou não do tubo6. OWEN &
CHENEY12 e BRUNEL et al.13 que estudaram, respectivamente, 578 pacientes e 219 pacientes concluiram
que a distância entre a ponta do tubo orotraqueal e os
lábios deveria ser de 21 cm para as mulheres e de 23
cm para os homens, para que houvesse uma intubação
adequada. Esses autores concluiram que a introdução
do tubo orotraqueal dessa forma prevenia a intubação
bronquial melhor que a ausculta pulmonar. ROBERTS
et al.14 estudaram 83 pacientes com o objetivo de avaliar
a colocação adequada do tubo orotraqueal em pacientes
adultos, antes da confirmação radiológica. Definiram,
esses autores, como intubação adequada aquela em que
a ponta do tubo estava pelo menos 2 cm cranial à carina.
Dos 83 pacientes avaliados, 52 do sexo masculino e 31
do sexo feminino, a medida média do tubo no nível da
comissura labial era de 22,2 cm nas mulheres e de 23,1
cm nos homens. Nessa situação anteriormente descrita,
75 pacientes do total de 83 pacientes tiveram posicionamento correto do tubo orotraqueal a radiografia inicial
(90,4%). Segundo os autores, quando a distância do
tubo era ajustada para 21 cm nas mulheres e 23 cm nos
homens, no nível da comissura labial, 81 pacientes do
Volume 16 - Número 1 - Janeiro/Março 2004
total de 83 pacientes passaram a ter posição adequada
do tubo (97,6%). Pudemos observar que as distâncias
obtidas na literatura foram semelhantes, a despeito de
terem sido utilizados parâmetros diferentes como os
lábios e as comissuras labiais. Levando em consideração a possibilidade de ampla mobilização dos lábios
e das comissuras labiais, optamos por utilizar como
parâmetro superior os dentes incisivos centrais superiores e como parâmetro inferior a margem inferior da
cartilagem cricóide, local de transição entre a laringe e a
traquéia, localizada 2,12 cm (DP 0,4 cm) distalmente às
pregas vocais, com variação de 1,9 cm a 2,6 cm (dados
próprios não publicados). Através dos parâmetros acima
citados, obtivemos como distância média entre os dentes incisivos centrais superiores e a margem inferior da
cartilagem cricóide 225,24 mm (22,5 cm), com desvio
padrão de 16,21 mm (variação de 195 mm a 250 mm).
Com a introdução dos tubos orotraqueais nos valores
médios obtidos tivemos um posicionamento da extremidade proximal do balonete sempre abaixo de 10 mm das
pregas vocais, como preconiza CAVO4 e uma distância
mínima de 34 mm da carina, suficiente para assimilar
deslocamentos distais da ponta do tubo nos movimentos
da cabeça, como citado por HARTREY et al.1.
Conclusão
Nossos resultados nos permitem concluir que a introdução do tubo orotraqueal a 22,5 cm (225 mm) dos
dentes incisivos centrais superiores, com a cabeça em
posição neutra, permite o posicionamento adequado
do mesmo. Como recomendações poderíamos citar a
introdução do tubo orotraqueal de não mais que 22,5 cm
nas mulheres e de não menos que 22,5 cm nos homens,
realizando sempre uma radiografia do tórax de controle,
após o posicionamento e fixação do tubo orotraqueal.
Resumo
A intubação orotraqueal é um procedimento corriqueiro em unidades de urgência, emergência e terapia
intensiva. Não é, entretanto, um procedimento isento de
complicações. As complicações mais freqüentes (intubação bronquial, lesão do nervo laríngico recorrente e
estenose traqueal) decorrem do posicionamento incorreto ou de pressão de insuflação excessiva do balonete.
Na prevenção das complicações inerentes ao posicionamento incorreto do balonete, duas medidas tem sido
utilizadas com sucesso: intubação sob visão direta, em
que o tubo orotraqueal é introduzido até que o balonete
ultrapasse em 2 cm as pregas vocais; e a realização de
uma radiografia do tórax, onde a extremidade do tubo
43
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deve se localizar pelo menos 2 cm acima da carina.
Como controle da adequação da intubação tem-se adotado a medição do comprimento de introdução do tubo,
através das marcas que os mesmos possuem. A literatura cita como comprimentos adequados 23 cm para os
homens e 21 cm para as mulheres, tendo como ponto de
referência a comissura labial. Dada a ampla mobilidade
que a comissura labial está sujeita, optamos por estudar o comprimento adequado de introdução dos tubos
orotraqueais utilizando, como ponto de referência, os
dentes incisivos centrais superiores. Para tal utilizamos
25 cadáveres formolizados em que a cabeça e o pescoço
foram seccionados sagitalmente, para que a laringe e
a traquéia pudessem ser visualizadas. Um tubo orotraqueal no 8 foi introduzido através da cavidade oral,
faringe, laringe e traquéia, até que a extremidade proximal do balonete estivesse no nível da margem inferior
da cartilagem cricóide. O próximo passo foi medir o
comprimento de tubo entre os dentes incisivos centrais
superiores e a sua extremidade. Com os valores obtidos
calculamos a média e o desvio padrão, que foram, respectivamente, 225,24 mm e 16,21 mm (variação de 195
mm a 250 mm). Concluimos, portanto, que a introdução
e manutenção do tubo orotraqueal a 225 mm (22,5 cm)
dos dentes incisivos centrais superiores permite um posicionamento adequado e uma baixa probabilidade de
complicações.
Unitermos: Endotraqueal, Intubação.
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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