CAPÍTULO 8 : CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO COM ICTERÍCIA Em todo o mundo, a icterícia é um problema importante que requer cuidados na maioria das unidades neonatais. É observada durante a primeira semana de vida em aproximadamente 60% dos RN a termo e em 80% dos pré-termo. Em alguns países, a incidência é relativamente alta, como no Japão, parte da Índia e na costa do Mediterrâneo. Estas diferenças são em parte devido a fatores genéticos e também a diferenças no manuseio e suprimento de micronutrientes para os RN. Aqui tentaremos delinear um método prático e simples de avaliar e tratar a icterícia. O primeiro passo é classificar como "fisiológica" ou "patológica". I - ICTERÍCIA FISIOLÓGICA Em circunstâncias normais, o nível de bilirrubina indireta no cordão umbilical é 1,3 mg/dl e aumenta menos de 5 mg/dl/24h. A ICTERÍCIA FISIOLÓGICA: • clinicamente tem início tardio após 24 horas de vida ou seja torna-se visível em torno do 2º ou 3º dia • no RN a termo o pico máximo é entre o 3º e 4º dia (valor de BI em torno de 12 mg/dl) e vai diminuindo entre o 5º e 7º de vida, sem tratamento. • no RN pré- termo o pico máximo é entre o 4º e 6º dia de vida (valores de BI em torno de 15 mg/dL ) podendo se prolongar até o período que vai do 10º ao 15º dia. Seguindo este padrão a icterícia é considerada fisiológica e resulta da destruição das hemácias fetais associada a limitações transitórias do RN em metabolizar, transportar e excretar a bilirrubina. II - ICTERÍCIA PATOLÓGICA Considera-se patológica se o tempo de aparecimento, duração e nível de concentração da bilirrubina sérica (aumento > 5 mg / dl / 24 horas) varia significativamente com relação ao padrão considerado fisiológico. As causas mais freqüentes de icterícia patológica são: A. Incompatibilidade sanguínea materno-fetal • Incompatibilidade ABO: o tipo mais frequente é quando a mãe é do grupo sanguíneo "O" e o bebê do grupo "A" ou eventualmente "B". • Incompatibildade Rh: mãe Rh negativo e criança Rh positivo. Este tipo de incompatibilidade pode ser prevenido usando-se imunoglobulinas IgG anti-D (Rhogan ou Matergan) em todas as mães Rh negativo, desde que não tenham sido sensibilizadas anteriormente. Deve ser aplicado nas primeiras 72 horas após o parto se o filho for Rh positivo, ou em caso de aborto quando se desconhece o grupo sanguíneo do feto. B. Infecção Outras causas (entre as deficiência enzimáticas é muito freqüente, em nosso meio, a deficiência em G-6-PD; causas mais raras incluem o hipotiroidismo, as causas obstrutivas, etc.) INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA C. Se a icterícia é clinicamente importante: Interrogar os antecedentes familiares (incompatibilidade sanguínea prévia, abortos, natimortos, hidrópsia fetal, etc.) • Interrogar, procurar e tratar fatores de risco (hipóxia, hipoglicemia, hipotermia, infecção, acidose) • Dosar a bilirrubina (total, direta e indireta) • Para se detectar a causa da icterícia neonatal deve-se primeiro considerar incompatibilidade Rh ou ABO. Os seguintes exames de rotina devem ser feitos na mãe e no filho para ajudar a identificar a causa: Na criança Grupo sanguíneo Fator Rh∗ Teste de Direto∗∗ Na mãe Grupo sanguíneo Coombs Fator Rh Teste de Coombs Indireto (se mãe Rh negativo) * se mãe Rh negativo e RN Rh negativo solicitar Du ∗∗ Na incompatibilidade ABO o Coombs direto pode ser negativo Outras causas de icterícia devem ser pesquisadas se não há etiologia evidente (infecção, outras incompatibilidades, déficits enzimáticos como a G-6-PD freqüente em nosso meio, etc). TRATAMENTO A meta do tratamento da hiperbilirrubinemia é impedir que os níveis séricos de bilirrubina não conjugada atinjam valores que possam levar à encefalopatia bilirrubínica. A. Intervenções visando a reduzir o nível de bilirrubina sérica B. Intervenções visando a identificar outras causas patológicas. Intervenções para reduzir o nível de bilirrubina: 1. Medidas gerais 2. Fototerapia 3. Exsanguíneotransfusão ou transfusão de substituição 1. Medidas gerais • amamentação precoce e a livre demanda • fototerapia que pode e deve ser feita no alojamento conjunto, se as condições clínicas da criança permitirem. • evitar fatores agravantes como hipoglicemia, hipóxia, fatores que levam a acidose, incluindo a hipotermia. • tratar a infecção 2. Fototerapia Quando usar? No RN com peso ≥ 2500 gramas • BI > 10 mg/dl nas primeiras 24 horas • BI > 12 mg/dl entre 24-72 horas • BI > 15 ou 17 mg/dl > 72 horas Nos quadros de icterícia que surge nas primeiras 24 horas de vida, onde se suspeita de incompatibilidade Rh, é mais prudente iniciar fototerapia o mais precocemente possível, mesmo com icterícia leve e níveis mais baixos de bilirrubina, enquanto se observa a evolução do quadro. Na incompatibilidade ABO, a conduta é mais flexível. Níveis mais baixos de bilirrubina indireta podem ser usados nos prétermo. PESO 1ª 24 horas entre 24-72 horas 1500 - 2000 g 6 mg/dl 8 mg/dl 2000-2500 g 8 mg/dl 10 mg/dl > 72 horas 10 mg/dl 12 mg/dl Quanto tempo? • Pelo menos 24 horas. Quando controlar a bilirrubina? • A cada 24 horas. Se houver icterícia hemolítica grave com 12 horas. Quando suspender? • Quando a bilirubina indireta estiver mais baixa que o nível de risco indicativo de fototerapia de acordo com o tempo de vida. A fototerapia tem sido exaustivamente investigada e usada durante os últimos 20 anos. Sua eficácia já foi estabelecida e se for usada corretamente não causa efeitos colaterais. É, portanto, um método reconhecido como apropriado. O mecanismo da fototerapia para diminuir a icterícia é através da luz que converte a bilirrubina ao nível da pele em isômeros, que podem ser excretados pelo fígado ou rim. A eficiência depende da intensidade da luz. Recomenda-se a fototerapia com 6-8 lâmpadas fluorescentes a uma distância de 40 cm da criança. Estas lâmpadas deverão ser trocadas a cada 2.000 horas de uso. Para evitar acidente pela possibilidade das lâmpadas se quebrarem, o aparelho de fototerapia deve ter um plástico tipo Plexiglas, que deve ser mantido limpo. Todas as crianças devem ter os olhos cobertos com uma venda de pano preto. Durante o tratamento, todo o corpo deve ser exposto à luz e o decúbito deve ser mudado a intervalos regulares. 3. Exsanguineotransfusão ou transfusão de substituição A gestante com suspeita de incompatibilidade Rh transferida para um centro terciário. deve ser Diante da necessidade de exsanguineotransfusão, o RN deve ser tranferido para um hospital de nível terciário. Considerar as indicações em crianças com mais de 24 horas e peso ≥ 2500 gramas: • quando o aumento da BI é ≥ 0,5 mg/dl por hora na doença hemolítica pelo fator Rh. • considerar se BI entre 20 - 24,9 mg/dl • Níveis mais baixos de bilirrubina indireta podem ser considerados nos pré-termos ou em recém-nascidos com fatores de risco importantes.