PROCESSO O soro de leite e as alternativas para o seu beneficiamento J.M. Giroto(1) e U. Pawlowsky (2) O s resíduos podem ser definidos como a diferença no balanço de massa e energia nos processos de transformação de matériasprimas em produtos (1). Desta forma, os resíduos podem ou não estar previstos no processo de manufatura industrial, ser ou não gerados durante o processo, ser ou não utilizados como parte do produto-fim da empresa, bem como ser ou não utilizados como matérias-primas de outros processos (2). Exemplos de processos industriais que geram resíduos são inúmeros. Na indústria de alimentos, pode-se citar a indústria de carnes em geral, a indústria de amido de mandioca e também a indústria de laticínios, as quais geram resíduos (3,4) e sua caracterização é parte fundamental na avaliação de alternativas para seu gerenciamento (2). Alternativas de gerenciamento podem ser citadas, tais como: prevenção da poluição, minimização de resíduos, reaproveitamento de resíduos, emissão zero, ISO 14.000, bem como tratamento e disposição (1,5,6,7,8,9). 1) Engenheiro Químico (UEM, 1986), Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos (UFPR, 2001). Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná . giroto@pg.cefetpr.br 2) Engenheiro Químico (UFPR, 1965), Mestre em Ciência (COPPE, 1967) e Doutor em Ciência (Ph.D., State University of New York, 1972). Professor Titular de Engenharia Ambiental da UFPR e ex-Diretor da Surehma. Consultor da Organização Pan-Americana de Saúde, de Indústrias e de Órgãos Governamentais. Características da indústria de laticínios As indústrias de laticínios são unidades fabris que processam o leite, produzindo os mais diversos derivados, entre estes o queijo. A fabricação de queijo é um método de transformação de componentes do leite em um produto de fácil conservação, menor volume, alto valor nutritivo, sabor agradável e boa digestibilidade (10). Neste processo não há conversão de cem por cento da matéria-prima leite no produto queijo. Seu rendimento pode variar entre 8,5 e 20% em função da consistência do queijo (11), produzindo assim, além do queijo, um derivado denominado de soro de leite. Em termos de volume e em função das técnicas utilizadas na produção, pode-se produzir entre nove a doze litros de soro, com média de dez litros para cada quilo de queijo produzido (12, 13). Este derivado lácteo apresenta em sua composição química aproximadamente 93-94% de água, 4,5-5,0% de lactose, 0,7-0,9% de proteínas solúveis, 0,61,0% de sais minerais e quantidades apreciáveis de outros componentes como vitaminas do grupo B (14). O extrato seco do soro de leite é aproximadamente de 7%, onde 4,5% corresponde à lactose, 0,9% às proteínas solúveis e 0,6% a sais minerais, quantidades estas dependentes dos procedimentos utilizados no processo de fabricação de queijo e métodos utilizados na obtenção do soro em pó (15). Dos componentes presentes no soro, a lactose e proteínas solúveis são os mais importantes. As proteínas possuem alto valor nutricional, pois contêm todos os aminoácidos essenciais (16, 17 e 18) e a lactose por ser fonte de material energético para diversos processos biotecnológicos (9) RESUMO Este artigo apresenta a importância do soro de leite no aspecto nutricional, ambiental e econômico para indústrias de laticínios. A estimativa realizada demonstrou que os laticínios do Estado do Paraná utilizam 19,4% do soro de leite em produtos alimentícios, tendo ainda 80,6% deste derivado lácteo para ser explorado. Quanto à substituição de importação brasileira deste derivado lácteo em pó, estes mesmos laticínios podem contribuir com uma média de 36,5% na sua redução. Devem ser realizados estudos de viabilidade econômica completa para subsidiar empreendimentos industriais para seu reaproveitamento. BRASIL ALIMENTOS - n° 10 - Setembro/Outubro de 2001 43 PROCESSO bebidas lácteas e e como componente TABELA 1 - Produção de queijo, bebidas lácteas e soro em pó soro de leite em pó, utilizado na indúsnos laticínios do Estado do Paraná nos anos de 1998 e 1999 conforme Tabela 1. tria farmacêutica e Ano Queijo Bebidas lácteas Soro em pó Para realização alimentícia (14, 19). (mil t) (milhões litros) (mil t) dos cálculos de esO soro de leite, timativa da quantiquando considerado 1998 21,8 20,7 1,4 dade de soro de leiresíduo líquido in1999 35,9 23,8 2,9 te líquido produzido dustrial e despejaFONTE: 25 durante a fabricação do junto com os dede queijo, soro de mais resíduos líquiTABELA 2 – Produção de soro líquido, quantidade de soro leite líquido usado dos das indústrias líquido usado na produção de bebidas lácteas, soro em pó e para a produção de de laticínios, pode quantidade total usado nestes produtos bebidas lácteas e significar a duplicatransformado em pó ção do sistema de (milhões litros) utilizou-se das setratamento, pois Ano Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade de soro líquido incorporada em transformada de total de soro guintes referências: possui DBO entre produzido bebidas lácteas em soro em pó líquido usado • a produção de 25.000 e 80.000 um quilograma de mg/L. Por apresen1998 218,0 10,5 23,3 33,8 queijo gera de nove tar alta concentra1999 259,0 12,1 48,3 60,4 a doze litros de soro; ção de matéria orconsiderou-se uma gânica e deficiência de nitrogênio, sua estabilização por mé- lactose e derivados desta e 10% usado na pro- média de dez litros (12, 13); • pode-se utilizar até 51% de soro de todos convencionais de tratamento bio- dução de proteína concentrada (14). Os Estados Unidos da América, são o maior produtor leite líquido na mistura para a produção lógico é dificultada (20, 21). de bebidas lácteas (26); A identificação de alternativas para um mundial de soro em pó e derivados (24). • os sólidos totais presente no soro líadequado aproveitamento do soro de leite é Material e métodos quido são 6% (14). de fundamental importância em função de Com base nas referências citadas, os latisua qualidade nutricional, do seu volume e Material cínios do Estado do Paraná produziram, bem de seu poder poluente. Dentre as alternatiUtilizou-se das seguintes fontes para ob- como usaram para a produção de bebidas lácvas podem ser citadas o uso do soro in natura tenção de dados: Secretaria de Estado da teas e soro em pó, as quantidades de soro para alimentação animal, fabricação de ricoAgricultura e Abastecimento do Paraná, Anu- líquido conforme Tabela 2. ta, fabricação de bebida láctea, concentraário Estatístico da Editora Milkbizz e EmpreOs dados da Tabela 2 demonstram a quanção, produção de soro em pó, separação das sas Importadoras de leite e derivados. tidade produzida de soro líquido, quantidaproteínas e lactose com posterior secagem de incorporada em bebidas lácteas, trans(4,13,17,22), as quais constituem formas de Método formada em pó e a quantidade total de soro valorização deste derivado lácteo, ao mesA metodologia utilizada foi através de líquido usado em bebidas lácteas e transmo tempo contribuindo para a melhoria do pesquisa documental. Os dados foram obformado em pó. A Tabela 3 demonstra o meio ambiente e proporcionando ganhos às tidos para os anos de 1998 e 1999. Para os percentual utilizado na produção de bebiindústrias, porém cada alternativa, para ser cálculos de estimativa do potencial a ser das lácteas e soro em pó, bem como o exaplicada, envolve análise técnica e econôexplorado, foram utilizados referências da cesso de soro líquido estimado para os latimica para sua viabilização (22). literatura técnica. cínios do Estado nos anos considerados. A produção de soro em pó bem como a Com o objetivo de quantificar financeiraseparação de proteínas e lactose com posResultados mente o excesso de soro de leite nos laticíterior secagem é uma das opções para utilinios do Estado, pesquisou-se os preços de zação do valor nutricional do soro de leite As indústrias de laticínios do Estado do mercado para soro em pó e, seus derivados e (17,21), porém é necessário uma quantidaParaná produziram, nos anos de 1998 e de acordo com empresas importadoras, os de razoavelmente grande para possibilitar 1999, as seguintes quantidades de queijo, valores de mercado para os derivados eram, extrair do soro seus derivados, necessitanem janeiro de 2001, do-se investimentos conforme Tabela 4. consideráveis (23). TABELA 3 – Percentual de soro líquido usado em bebidas lácteas Para a produção Na Comunidade e transformado em pó, bem como o excesso de soro existente nos de soro em pó, o Econômica Européia, laticínios do Estado do Paraná nos anos de 1998 e 1999. percentual de sóliaproximadamente Ano Percentual usado Excesso de soro dos presentes no 45% do soro gerado na produção de existente nos soro líquido é de tem sido utilizado na bebidas lácteas e soro em pó laticínios (milhões litros) 6%; para a produforma líquida, 30% na 1998 15,5 184,2 ção de soro em pó forma de soro de lei1999 23,3 198,6 desmineralizado, o te em pó, 15% como 44 BRASIL ALIMENTOS - n° 10 - Setembro/Outubro de 2001 PROCESSO percentual de sólidos As indústrias de TABELA 4 – Valor de mercado para soro em pó e derivados presentes é de 5,3%; laticínios do Estado, Produto Valor de mercado (US$/t) para a produção de caso utilizassem esproteína concentrada, te derivado lácteo na Soro de leite em pó 1025,00 o percentual de sóliprodução de soro em Soro de leite em pó desmineralizado 1784,00 dos presentes é de pó ou seus derivaProteína concentrada em pó a 35% 2358,00 0,9%; e na produção dos, poderiam ter inLactose em pó 923,00 de lactose, o percorporado em seus centual de sólidos ganhos valores conFONTE: Empresas Importadoras, janeiro de 2001 presentes é de 4,5%, sideráveis, bem copodendo-se estimar mo contribuiriam a quantidade de soro em pó e derivados Anuário da Editora Milkbizz. A Tabela 6 para a redução de importação, conforme depossíveis de serem produzidos e, utilizan- demonstra estes dados e apresenta, em monstrado nas Tabelas 5 e 6. do-se dos dados das Tabelas 3 e 4, o gan- percentual, a contribuição dos laticínios Conclusão ho com sua comercialização, que pode ser do Estado do Paraná na redução da importação deste derivado lácteo. estimada conforme Tabela 5. Para que seja possível a exploração coOs dados da Tabela 5 representam o mercial deste derivado lácteo, é necessário Discussão potencial dos laticínios do Estado do que sejam realizados estudos para a caractedos resultados Paraná com a transformação do excesso rização da indústria de laticínios do Estado, de soro líquido em soro em pó e seus Os laticínios do Estado do Paraná utili- envolvendo aspectos de localização geográderivados e os ganhos advindos desta zaram o soro de leite na produção de bebi- fica, capacidade instalada de cada indústria, transformação. Para que seja possível visualizar tam- das lácteas e na produção de soro de leite sazonalidade da produção de leite e queijo, bém o potencial das indústrias de laticí- em pó em um percentual médio de 19,4 qualidade do soro de leite gerado e mercado nios do Estado, a estimativa realizada para nos anos considerados, demonstrando que consumidor de soro em pó e derivados em a produção de soro em pó foi comparada não o utilizaram na sua totalidade, tendo- trabalhos voltados à análise de viabilidade econômica de empreendimentos industriais. com os dados de importação obtidos no se um excesso a ser aproveitado. BRASIL ALIMENTOS - n° 10 - Setembro/Outubro de 2001 45 PROCESSO Referências bibliográficas 01. QASSIM, R. Y. Miniminização de rejeitos. In: SEMINÁRIO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA. GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS. III, Búzios, 1995. Anais . ABES (org.) Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e ambiental. Rio de Janeiro, Búzios, 1995. p. 63-105. 02. FURTADO J. S. 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Boletim SBCTA, 33(1):16-21, jan/jun. 1999 TABELA 5 – Estimativa de derivados e produção possíveis e ganho com a comercialização a partir do excesso de soro de leite nos laticínios do Estado do Paraná nos anos de 1998 e 1999 Ano Soro líquido (milhões de litros) 1998 1999 184,2 198,6 Produção estimada (mil t) Ganho financeiro (milhões US$/ano) Soro em pó 11,0 11,3 Soro em pó desmineralizado 9,8 18,4 Proteína concentrada em pó 1,6 3,8 Lactose em pó 8,3 7,6 Soro em pó 11,5 12,1 Soro em pó desmineralizado 10,5 18,7 Proteína concentrada em pó 1,8 4,2 Lactose em pó 8,9 8,2 TABELA 6 – Quantidade importada, produção estimada e percentual de contribuição dos laticínios do Estado do Paraná na redução de importação de soro em pó Ano Quantidade importada (mil t) Produção estimada (mil t) Percentual de contribuição para redução de importação 1998 1999 31,5 30,5 11,0 11,5 35 38 Fonte: 27 04. REIS, G. L. Sistema de gestão ambiental em laticínios. 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