A Marioneta. Por um reportorio do teatro escolar

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POR UM REPORTORIO
DO TEATRO ESCOLAR
(BOLETIM DA MOCI
A MARIONETA
8 - 9 JULHO -
DEZEMBRO 1968)
MARÍA HELENA LUCAS
"Para ser popular, para ser viva, a
marionera deve ter a sua actualidade".
PAUL-LOUIS MIGNON
O QUE E UMA MARIONETA
Alguns autores atribuem a estes bonecos, com
perecencas mais ou menos humanas, origens remotíssimas e derivam a sua designacao actual de urnas
"petites Manes" que se usavam na Idade Media
para gáudio das populacoes nao ilustradas.
Outros especialistas encontram nelas ligacao com
pequeños títeres de madeira, muito vulgares na
Italia, onde sao conhecidos sob a designacao de
"Marie di legno" (Manas de madeira), manipuladas
durante as festividades celebradas em honra da
Virgem.
Seja qual for a etimología a atribuir ao termo, a
verdade é que o uso do títere pertence ao mundo
antigo e se perde na contagem dos anos.
Com efeito, entre as descobertas arqueológicas
realizadas em todo o mundo, contam-se varios
bonecos articulados que devem ter pertencido, nao
apenas a criancas (estou a pensar no boneco encontrado por Boldetti num cemitério infantil), mas
também a adultos que deles se serviram para varios
fins, sendo, naturalmente, o principal o Teatro.
Tanto os gregos como os Romanos lhes devem ter
prestado toda a sua atencao, dada a manifesta per
feicao que atestam alguns exemplares seus, expostos
no museu do Louvre, com técnicas de movimentacao
que chegaram aos nossos días.
Aristóteles refere-se a bonecos articulados por meio
de fios; por seu turno, o célebre Galeno exprime-se,
anatómicamente, nestes termos: "Assim como os
títeres de madeira se ajustam por fios, assim a Natureza construiu, da mesma maneira, as varias
articulacoes do nosso corpo".
Se quisermos ir mais longe ainda, procuraremos na
plástica religiosa a primeira marioneta, iconográficamente tratada, quando o artista tira de tosco tronco de madeira feicoes humanas.
Primeiro símbolo a que em breve se imprime movimento, por processos mecánicos que permitan dar
á figura representada maior expressao.
Foram, pois, estes bonecos adorados primeiro nos
templos, antes de virem dar vida á praca pública,
numa especie de microcosmos teatral, nao menos
profundo e significativo do que o da simbologia
hierática.
E, porque nao atribuir fambém a essas manifestacoes
do velhíssimo culto um sentido dramático? .
Apetece chamar já palco de títeres áquela casita que
Gayet descobre no Egipto, cujas portas, ao abrirem,
mostram bonecos onde se encontraba um boneco
articulado por fios, representando a deusa Isis.
Este culto milenario que utilizava figurinhas movéis
deve ter-se estendido a todo o Oriente e ter sido
do conhecimento dos povos primitivos, que dele se
serviram já para fins altamente moráis e educativos.
Com a advento do Cristianismo, a marioneta continua a servir temas teológicos. Cenas alusivas á
Paixao e ao Natal foram entao ilustradas por este
novo artificio, em toda a Europa crista, com tal
aparato cénico que atraíam peregrinos de toda a
parte, e com tal requinte na manipulacao que
conseguiam tocá-los, íntimamente.
Dentro em breve, é necessário tirar o títere da Igreja
e traze-lo á via pública, de molde a ser apreciado
por maior número de espectadores.
Há noticia de se haver representado em Reims um
drama litúrgico, com 3500 figurinhas animadas.
Tratava-se de urna peca gigantesca, destinada a informar os fiéis sobre passos da Historia Sagrada e a
convidá-los a urna revisao sobre a sua conduta
moral.
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O testemunho histórico mais eloquente da alta finalidade educativa de marioneta está ainda naquelas
20 libras que Luis XVI paga, diariamente a un manipulador.encarregado de apresentar ao Delfim esse
espectáculo que o soberano considera útil "para
a instrucao da juventude".
Dupla missao, educativa e recreativa, eis o programa
que o títere tem vindo a cumprir, através da Historia.
A seriedade; emprestada a esta técnica faz que o
teatro de marionetas possa competir com o normal,
desde longa data. E disso exemplo o recurso a sessoes de títeres, feitas, exclusivamente, para atraírem
o público, durante a representacao das Atelanas, na
antiga Roma.
A marioneta nao ganha apenas a sala de espectáculos.
Aparece sempre que se registem aglomeracoes de
populares. Foram afamadas as feiras de Francfort,
onde Goethe pode encontrar sugestoes para a lenda
do Fausto.
Nos nossos dias, sao numerosas as companhias que
se servem destes bonecos, os quais se podem contar
por centenas de milhares, de todas as formas e
dimensoes, incluindo os utilizados ñas sombras
orientáis.
Seja, porém, qual for o processo de manipulacao, a
marioneta será sempre "urnafigurainanimada que,
guiada pela mao do homem ¡se move, perante os
espectadores".
Figura inanimada, insistimos. Nao importa que exprima feicoes humanas. Pode naopassar de urna simples estilizacao, de urna abstraccao, que nada tem
que ver com o ser humano ou com o animal.
Basta que com ela se faca urna recriacao da Vida.
Por essa recriacao se tem batido, desde o fruste
tronco de árvore até á marioneta de vanguarda, criada em Zurich por Fred Schneckenburger.
A MARIONETA ÑAS ACTIVIDADES
EDUCATIVAS
Está fora de qualquer contestacao o alto valor constructivo desempenhado pela marioneta, no meio
educacional, quer aplicado a processos terapéuticos,
quer a fins meramente recreativos.
Os modernos psiquiatras empregam os bonecos no
tratamento de certas doencas. As escolas de anormais contam-nos, também, entre os mais eficientes
materiais didácticos.
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Por toda a parte se utiliza, pois, a marioneta, no ensino, seja qual for a materia proposta.
A Cruz Vermelha australiana serve-se de títeres para
ensinar ás enancas certos principios de higiene. E
ainda com o exemplo dos bonecos que se consegue
levá-ías a aceitarem a vacina.
No México, foi pela marioneta que se impós á juventude o uso da escova de dentes, dando-se, no fim do
espectáculo, urna escova a cada um, com a promessa
de a utilizar.
A forca persuasiva da figura, o prestigio de que,
psicológicamente, o boneco goza, no espirito infantil, sao poderosos auxiliares, na mentalizacao de
certas regras que a palavra do educador ou mesmo
a do mestre jamáis poderiam impor.
Modernamente, recorre-se á marioneta, nos mais
diversos centros de educacao.
Além de ser, altamente, aconselhável nos meios escolares, os pedagogos proclamam-na ainda em clubes
de jovens, me cursos de formacao de profesores, em
medidas de educacao dos adultos.
Varios congressos internacionais se tém realizado,
no sentido de se pugnar pelo emprego do teatro de
títeres, na educacao.
Em 1961, efectuou-se em Roma um encontró onde
se tratou do referido teatro e das suas relacoes com
a Escola. No ano seguinte, novo encontró serealizou
em Varsóvia. Dois anos depois, voltou a reunir-se
novo congresso, em Leningrado, subordinado á
rubrica: "Educacaoética e estética de enanca, através das marionetas".
Dentro das modernas técnicas audiovisuales, o lugar
concedido á marioneta é de incontestável relevo, no
sentido de urna mais fácil e mais pronta aprendizagem de certas rubricas do programa.
Em Buenos Sires, ensina-se a crianca a conhecer os
diferentes materiais, fazendo agir: urna boneca de
trapo, um soldado de chumbo, um cávalo de madeira, um cao de veludo, gato de pele, um barco de
papel.
Numa outra escola, confeccionam-se bonecos que
servirao para urna historia sobre a vida dos Esquimos. A escolha da cor e da indumentaria levá-los-á,
portanto, a outras civilizacoes.
Segundo Alexis Philpott, a marioneta desempenha
tres grandes funcoes na educacao.
1 - Educacao do publico - com pecas adaptadas
a varias idades;
2 — Educacao do individuo, por métodos activos—
convidando-se o aluno a manipular as marionetas e a interpretar as respectivas pecas:
3 — Reeducacao - na terapéutica de certas doencas.
Desenvolvendo a materia enunciada nestas tres
rubricas, Philipott afirma que, em materia de
educacao popular, existe hoje um largo reportório
de pecas com temas educativos, incluindo os que se
referem a assuntos actuáis, entre os quais se contam os satélites espaciáis. Há, na Alemanha, urna
peca para marionetas que desenvolve o tema seguinte: os perigos de conduzir, sob a influencia da bebida.
Este teatro é ainda utilizado por brigadas que entram em campanhas de educacao das massas, destas
fazendo parte, por exemplo, a luta contra o analfabetismo. Quanto á comparticipacao da marioneta
nos métodos activos, sabemos que o emprego desta
arte possui a rara facultade de juntar áimaginacao
criadora a habilidade manual.
A crianca tem na mao a confeccao do boneco que
poderá ser o que ela quiser. Urna caixa de fósforos
servirá de pescoco, uns fios de la serao o cábelo, os
dedos do manipulador fazem agir as maos da boneca animada. Nesta extraordinaria alquimia infantil,
tudo pode ser imaginado a representado, num palco,
a levantar, nao importa onde.
Tudo isto terá de ser somado as oportunidades que
se dao á crianca de desenvolver o gosto por actividades manuais, futuramente utilizadas noutras esferas de trabalho: a modelagem da cabeca, a confeccao
do fato, a pintura do rosto.
Aqui, como no restante ensino activo, é necessário
um verdadeiro espirito de equipa, sobretodo quando
se trata de reeducacao de anormais.
Claro que a orientacao deste trabalho entra numa
esfera reservada ao especialista. Este sabe bem que
certas deficiencias físicas estao ligadas a enfermidades mentáis.
Na terapéutica da fala, observa-se que as enfermidades de linguaguem sao, muitas vezes, devidas a urna
falta de coordenacao muscular, á ansiedade, a urna
tensao emocional.
Sabe-se ainda que um gago pode falar, correntemente, pela primeira vez, interpretando um papel, numa
peca de marionetas.
muito mais do que qualquer outro divertimento.
Abre-se, geralmente mais, ao confeccionar os seus
bonecos do que ao brindar com os companheiros,
noutro sector de diversao. Dialoga mais á vontade
com os bonecos do que com a própria mae, perante
a qual apresenta sempre varias inibicoes. Certos
terapeutas servem-se deste teatro para levantar
situacoes familiares. O pequeño será o filho; um
outro boneco fara de pai. Insensivelmente, o diálogo
nasce;aconfissao brota. Os recalcamentos extroverteram-se.
Observadores atentos, o médico ou o pedagogo
reúnem dados que lhes permitirao reconstituir casos
e obter verdadeiras curas.
Sua aplicacao ditecta aios meios escotares
A aplicacao da marioneta, ao nivel da escola, tem
sido, desde longa data, a preocupacao dos mais
distintos pedagogos.
Em 1905, a Academia das Ciencias, Letras e BelasArtes de Rouen discutiu um trabalho curiosíssimo,
intitulado "O Teatro infantil, como processo pedagógico", no qual reservou papel relevante á dramatizado, através de títeres.
Antes de 1914, já se promoviam em Franca representacoes de marionetas ñas festas escolares.
Pode dizer-se que existe hoje um teatro de bonecos
em cada escola primaria francesa, no qual se convida o aluno o desenvolver o seu gosto por esta arte,
tao útil, no caso da crianca difícil, porque estabelece urna uniao estreita entre o espirito e a mao.
Na medida em que exige movimento a manipulacao
educa e disciplina.
Quando aplicada aos meios escolares, pode ligar-se,
directamente, as materias em curso, tais como:
Trabalhos Manuais porque
—
—
—
—
é preciso construir um palco próprio,
serrar madeira ou cartao,
preparar accesorios,
proceder a colagens.
Desenlio porque tem de
— confeccionar os bonecos, segundo esbocos, e
pintá-los,
— desenliar cenários.
O Médico poderá, assim chegar ao diagnóstico,
através do teatro, que proporciona ao seu doente
um tratamento agradável a atraente.
Lingua Materna porque precisa de
Como toda actividade dramática, este encontró com
a marioneta contribüi para extroverter a crianca,
— saber articular as palavras,
— construir os diálogos,
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— seleccionar textos,
— encontrar um estilo próprio.
— levantar a peca, obedecendo a um plano.
Canto Coral e Iniciacao Musical porque há-de
— escolher separadores musieais,
— seleccionar a música de fundo para certos passos.
Actividades de Educacao Física, na
— aprendizagem de certas atitudes corporais,
— na prática da coreografía.
O teatro de bonecos é, pois, como qualquer outra
actividade dramática, um exercfcio, rico de solicitacoes que se operam, como acabamos de constatar, dentro de esferas afíns, pugnando, eloquentemente, por urna coordenacao do ensino.
Exige ainda urna gama de efeitos sonoros, dispensáveis no teatro declamado. Aqui, a sensacao tem de
ser completa e concordante; urna sensacao audiovisual que alia, portanto, ao visualismo cénico o
magia do son.
Este duplo tem, desde remotas épocas, cativado a
enanca, sensível aos cambiantes de vozes dos seus
bonecos, os quais sao capazes de exteriorizar o seu
mundo de sentimentos, melhor do que os seres vivos.
A marioneta diverge, neste ponto, do teatro declamado, também apresentado no meio escolar.
E que o espectáculo de bonecos animados supoe
sempre grande movimentacao cénica. Esta nao hesita
em recorrer ao pau ou aos acoites, ao "Toma!
Toma! Toma! " que conduzem o pequeño espectador á accao. No seu lugar, agita-se, julga, reclama
a sancao imediata. Está no seu mundo! Conhece-se
nos bonecos que tem á sua frente.
Porque se deixa cativar, tao de pronto? Porque
neste teatro tudo decorre dentro de solucoes ¡mediatas. Olho por olho, dente por dente. Regime de pena
de Taliao! ...
Este dinamismo, sentira-o a crianca também em si,
mesmo antes de o títere lho transmitir com todo o
seu potencial.
que também. agora, a enanca, "aprenda, brincando".
Esse alto sentido educativo será pedido, nao apenas
ao diálogo, mas a todo o exercício em si, o qual
terá de obedecer a normas de disciplina interna. Sem
essas normas, cair-se-á na anarquía, dadas as condicoes especiáis en que trabalham os actores.
A crianca há-de fazer "aquilo de que gosta", mas
nao sempre "aquilo que quer". O cabutino é um
elemento indesejável em todo o acto educativo.
Para tal, urge comecar por estabelecer ordem nos
bastidores, de molde a que os manipuladores se nao
rivalizem entre si, atrás da cortina. E preciso que se
autocontrolem e que saibam sair do espectáculo
com o bom entendimento com que o iniciaram.
Conduzido desta maneira, o exercício tornar-sé-á
precioso, sobretodo para o aluno tímido que sem
ter de enfrentar o público, se realiza estéticamente
e, generoso, óferece aos companheiros os seus dotes
de interpretacao, de mímica, de imaginacao, em
pleno exercício das suas facultades criadoras.
O trabalho é fatigante, do ponto de vista físico.
Exige do operador posicoes incómodas, constantes
deslocacoes, enorme esforco dos membros superiores.
Como o público jovem tem, constantemente, a impressao de comparticipar do espectáculo, interrumpe o diálogo e intervém, com sugestoes pessoais.
Esta continua aproximacao, este estreito encontró
do binomio cena-sala tém levado alguns marionetistas a actuarem na presenca dos espectadores.
E o caso do famoso Kukla.
Um día, Kukla, assoou-se, atrás da cortina. Na
manhá seguinte, mandaram-lhe seis lencos, pelo
correio.
Daí para diante, nao mais se serviu do paño de boca.
Onde nos conduzirá esta arte que abre todas as
vias? .
Estou a pensar nos nossos antepassados que criavam
marionetas para os filhos.
Daí o entusiasmo com que vive o espectáculo, com
que revive a Vida.
Apetece perguntar: Nao estaremos na época em que
os filhos se preparam para criar marionetas também
para os pais? .
Comvém que o pedagogo tire partido do texto para
o o ooooooooooooooooooooooooo
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