SOCIEDADE PORTUGUESA DE GINECOLOGIA CONSENSO SOBRE CANCROS DA VULVA, VAGINA E TROFOBLASTO REUNIÃO CONSENSO SOBRE CANCROS DA VULVA, VAGINA E TROFOBLASTO Porto, 3, Junho 2000 Participantes: Almerinda Petiz; Ana Francisca Jorge; Antero Torres; António Alves; António Azinhais; António Ribeiro; Boaventura Alves; Branca Veiga Gomes; Carlos de Oliveira; Carlos Afonso Lopes; Clara Coelho; Conceição Canha; Daniel Fernandes; Daniel Pereira da Silva; Deolinda Pereira; Dulce Raimundo; Elsa Abraul; Fátima Braga; Fátima Peralta; Fernando Mota; Filomena Santos; Francisco dos Mártires; Isabel Botto; Isabel Macedo Pinto; J. B. Meneses e Sousa; J. Pinto de Oliveira; José Alberto Moutinho; José Cardoso Moutinho; José Manuel Furtado; Luís Cerejeira; Luíza Carvalho; Lurdes Salgado; Margarida Barros; Margarida Borrego; Margarida Roldão; Maria da Conceição Domingues; Maria Teresa Osório; Natália Amaral; Ondina Campos; Paula Soares; Paulo Ribas; Pedro Vieira de Castro; Rosa Calisto; Rui Fael; Teresa Mayer; Teresina Amaro. Coordenadores: Maria Teresa Osório; Carlos Freire de Oliveira; Almerinda Petiz; Natália Amaral; Daniel Pereira da Silva. Secretariado: Maria Irene Amorim; Sandra Mendes. Organização: Secção Portuguesa de Ginecologia Oncológica, Sociedade Portuguesa de Ginecologia 2 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) INTRODUÇÃO Sendo a Medicina uma ciência dinâmica, exige daqueles que a praticam uma actualização constante de conhecimentos e uma avaliação permanente de resultados. Neste contexto, a Ginecologia Oncológica, face aos progressos recentes da Oncologia, à aquisição de novos conceitos com a aprendizagem da Biologia Molecular, da Oncogénese Vírica, da Imunologia Tumoral, da Genética e sua aplicabilidade terapêutica na abordagem multidisciplinar do diagnóstico, tratamento e follow-up do Cancro do Aparelho Genital Feminino, visando a melhoria da Qualidade de Vida da Mulher, decidiu rever multidisciplinarmente a metodologia do tratamento do Cancro do Colo do Útero, Endométrio, Ovário, Vulva, Vagina e Doença Maligna do Trofoblasto Gestacional, numa Reunião de Consenso Nacional. - Estabeleceu as normas que irão vigorar a partir de agora, a nível nacional, no tratamento do Cancro, com estas localizações e só em Instituições de Referência para que a sua prática se exerça com o maior rigor. - Dessa reunião surgiram as normas que iremos distribuir, aproveitando a oportunidade para testemunhar a nossa gratidão a todos os Colegas que se disponibilizaram a colaborar connosco na elaboração deste documento. Maria Teresa Osório Presidente da SPGO 3 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) CANCRO DA VULVA INTRODUÇÃO Os progressos no estudo do Cancro da Vulva constituem um exemplo excelente dos avanços da Ginecologia Oncológica no limiar do presente milénio. Não é alheia a este progresso a cooperação interdisciplinar entre inúmeros grupos internacionais que permitiram uma compreensão mais correcta da sua etiologia e uma abordagem e tratamento melhor orientados. O Cancro Vulvar representa 5% de todas as neoplasias ginecológicas. A sua incidência nos países ocidentais é de 1-2 por 100.000, atingindo aos 75 anos a incidência de 20 por 100.000 mulheres. Nos países subdesenvolvidos de África e América do Sul, esta incidência pode atingir os 30 por 100.000 mulheres. Embora geralmente considerada uma doença da terceira idade, existe na actualidade um aumento de incidência em mulheres mais jovens, como é real o aumento de frequência da neoplasia intraepitelial da vulva em grupos etários mais jovens. O Cancro Vulvar tem uma etiologia heterogénea. Actualmente considera-se o Cancro da Vulva relacionado com a infecção prévia de HPV e os não relacionados, conforme os hábitos sócio-económicos, de higiene e de promiscuidade. Estudos citogenéticos das neoplasias vulvares são de momento ainda limitados mas evidenciam já a presença nestas neoplasias de alterações do complexo genético. DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E FOLLOW-UP 1. LESÕES PRÉ-MALIGNAS DA VULVA Sabe-se hoje que o VIN3 é uma lesão pré-maligna. O VIN3, diagnóstico histológico, permite considerar 2 tipos: Um, denominado bem diferenciado, e outro, indiferenciado (basalioide e ou condilomatoso). O VIN3 diferenciado, normalmente associado ao carcinoma epidermóide bem diferenciado, está relacionado em menos de 20% dos casos com a infecção pelo HPV. O VIN3 de tipo indiferenciado está relacionado com a infecção pelo HPV em mais de 80% dos casos, principalmente com o HPV 16. Clinicamente podem ser referidos dois grupos, em função da idade e do tipo histológico. Nas mulheres jovens, pré-menopausicas o tipo histológico mais comum é o indiferenciado e o sintoma clínico habitual é o ardor vulvar. É de salientar que uma percentagem elevada destas doentes é assintomática. Nas mulheres menopausicas o tipo histológico mais frequente é o diferenciado e o sintoma mais comum, o prurido vulvar. Para o diagnóstico destas lesões é fundamental a inspecção cuidadosa da vulva com eventual recurso a uma lupa de dermatologia. O aspecto macroscópico das lesões é diversificado, com predomínio das lesões papulares. As lesões podem ser multifocais e nas pré-menopausicas há a considerar a multicentricidade no tracto genital inferior. A vulvoscopia, não sendo imprescindível é importante na identificação das lesões sub-clínicas. O diagnóstico obriga a exérese ou biópsias múltiplas, devidamente referenciadas às estruturas anatómicas orientadas ou não pela vulvoscopia. O teste de Collins está hoje praticamente abandonado. O tratamento das lesões de VIN3 consiste na exérese alargada das lesões com margem de segurança, devendo ser mais profunda nas zonas pilosas. Como regra não são aceitáveis as técnicas de destruição. Outras modalidades terapêuticas são investigacionais. 2. CARCINOMA INVASIVO As considerações seguintes dizem respeito exclusivamente ao carcinoma espino-celular que representa aproximadamente 90% de todos os tipos histológicos. O diagnóstico é exclusivamente histológico, a partir de biópsia que deve ser excisional em tumores até 2 cm. O estadiamento deve ser cirúrgico baseado em dados clínicos e de acordo com a classificação da FIGO de 1995. A orientação terapêutica depende da avaliação clínica, do estadio clínico e da informação anatomo-patológica. 4 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) 2.1 - Classificação da FIGO de 1995 Est. 0 - Carcinoma In Situ, Carcinoma intraepitelial Est. I - Lesão “ 2cm (de maior diâmetro) confinado à vulva ou períneo. Sem metástases ganglionares Est. IA - Lesão “ 2cm, confinada à vulva ou períneo com invasão do estroma < 1.0mm. Sem metástases ganglionares Est. IB - Lesão “ 2cm, confinada à vulva ou períneo e com invasão do estroma 1.0mm. Sem metástases ganglionares Est. II - Tumor confinado à vulva e/ou períneo, com > 2cm de maior diâmetro. Sem metástases ganglionares Est. III - Tumor de qualquer tamanho, com: (i) extensão à uretra inferior e/ou vagina ou ânus e/ou (ii) metástases ganglionares inguinais unilaterais Est. IVA - Tumor invade uma das seguintes estruturas: (i) uretra superior (ii) mucosa vesical (iii) mucosa rectal (iv) osso pélvico e/ou (v) metástases ganglionares regionais bilaterais Est. IVB - Metástases à distância, incluindo gânglios pélvicos 2.2 - Tratamento inicial do Carcinoma IA O carcinoma no estadio IA é também denominado carcinoma microinvasivo ou superficialmente invasivo. No entanto não há consenso sobre essas denominações, devendo-se usar preferencialmente o termo estádio IA. O tratamento é a tumorectomia com margem de segurança de 1 cm, sem linfadenectomia. Neste estadio não há consenso quanto a factores de prognóstico. 2.3 - Tratamento primário do carcinoma operável Considera-se carcinoma operável aquele que é susceptível de cirurgia radical com margem de segurança de pelo menos 1 cm, não atingindo os esfíncteres. 2.3.1 - Tumores até 2 cm, sem gânglios inguinais palpáveis. Nas lesões laterais e posteriores (lesões cutâneas) e com invasão em profundidade inferior a 5 mm tumorectomia radical ou hemivulvectomia radical com linfadenectomia inguino-crural homolateral superficial). Nas lesões anteriores, medianas, bilaterais ou das mucosas ou com invasão em profundidade igual ou superior a 5 mm. - tumorectomia radical ou hemivulvectomia radical ou vulvectomia radical com linfadenectomia inguino-femural bilateral. 2.3.2 - Tumores com mais de 2 cm, sem gânglios palpáveis Tumorectomia radical ou hemivulvectomia radical ou vulvectomia radical com linfade-nectomia inguino-femural bilateral. 2.3.3 - Tumores de qualquer dimensão com gânglios inguinais palpáveis Vulvectomia radical com linfadenectomia inguino-femural bilateral. 2.4 - Carcinoma localmente avançado Considera-se quando o tumor não preenche os critérios do grupo anterior (2.3) e não tem metástases à distância. Tratamento individualizado. As doentes devem ser tratadas em centros diferenciados. 5 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) 2.5 - Carcinoma metastizado Tratamento individualizado 2.6- Tratamentos adjuvantes Radioterapia adjuvante Nas situações de dois ou mais gânglios positivos e/ ou rotura da cápsula - Radioterapia inguino-femural. Se a invasão atinge os gânglios profundos ou se não houver informação - Radioterapia pélvica Na ausência de margens de segurança - Radioterapia do leito tumoral. Quimioterapia adjuvante - Só em protocolos de investigação ASPECTOS PARTICULARES TÉCNICA CIRÚRGICA Define-se neste contexto, cirurgia radical, como a exérese cirúrgica do tumor com margem de segurança a toda a volta com pelo menos 1 cm, e em profundidade deve ir até à fascia. A morbilidade pós-operatória é menor com técnicas de incisões separadas no mesmo tempo operatório. A reconstrução imediata tem interesse em função da técnica cirúrgica inicial. Considera-se 4 o número mínimo de gânglios a excisar em cada região inguino-femural. A pesquisa de gânglio sentinela é ainda objecto de investigação. RADIOTERAPIA A braquiterapia intersticial está indicada como complemento de dose de uma radioterapia externa nos tumores inoperáveis e no tratamento da recorrência local de volume limitado. Protocolo de seguimento • 1º e 2º ano - Exame clínico cada 3 meses • 3º ao 5º ano - Exame clínico cada 6 meses • A partir do 5ºano - Exame clínico anual CANCRO DA VAGINA DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E FOLLOW-UP VAIN 1 - HISTÓRIA NATURAL. CLÍNICA História Natural: O VAIN é uma lesão rara. Constitui 0,4% das neoplasias intra-epiteliais do tracto genital inferior. • Surge muitas vezes em associação com lesões idênticas do Colo do Útero e da Vulva, pelo que poderá ter uma etiologia comum, nomeadamente a infecção por HPV. • Os graus evolutivos não estão tão bem definidos como no Colo do Útero • Ocorrem de igual modo em doentes previamente irradiadas por Cancro do Colo do Útero e em estados de imunosupressão. 6 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) Clínica: • Não surge com grandes manifestações clínicas. • É habitualmente detectada pela citologia 2 - VAGINOSCOPIA, CITOLOGIA E BIÓPSIA Vaginoscopia - A identificação destas lesões é na maior parte das vezes realizada pela colposcopia. Este exame para a vagina é difícil de realizar porque exige observação da totalidade das suas paredes. O teste de Schiller pode ajudar a localizar as zonas iodonegativas. Na pós-menopausa é importante corrigir a atrofia com Estrogenoterapia local, previamente ao exame. A maioria das lesões localiza-se no terço superior da vagina. Quando ocorrem em menos de um ano após histerectomia por CIS pode significar exérese incompleta da lesão. TRATAMENTO DO VAIN O VAIN I poderá ser objecto de vigilância ou eventual destruição. Os VAIN II e III deverão ser tratados essencialmente com excisão local da área envolvida. Os meios usados serão a cirurgia clássica ou electrocirurgia. Como alternativas terapêuticas referem-se em situações seleccionadas: o 5FU local, a vaporização laser, e a braquiterapia intracavitária (VAIN III). CARCINOMA INVASIVO DA VAGINA Definição: Entende-se como Carcinoma invasivo da vagina toda a lesão que ultrapassa a membrana basal do epitélio. Não se aceita neste tumor o conceito de microinvasão. O Carcinoma da Vagina constitui 1-2% das neoplasias ginecológicas. Considera-se cancro primitivo da vagina todo aquele que não atinge o Colo nem a Vulva. Diagnóstico: O diagnóstico de certeza é efectuado pela biópsia com identificação do tipo histológico e grau de diferenciação. Tipos histológicos • O carcinoma pavimentoso é o mais frequente, presente em 85% dos casos. • O Adenocarcinoma surge com a frequência de 8-10%. • Os restantes são tumores menos frequentes tais como o Sarcoma e Melanoma. Estadiamento: O estadiamento é clínico, propondo-se o exame sob anestesia geral, para avaliação da extensão local. Como metodologia para o estadiamento, a FIGO propõe a realização de: Estudo geral da doente com RX de torax, proctoscopia, cistoscopia e urografia E.V.. Sugere-se a realização da TAC abdomino-pélvica ou de RMN para avaliação pré-tratamento destas doentes. 7 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) Estadiamento da FIGO do Cancro Vaginal Est. 0 - Carcinoma In Situ ou intraepitelial Est. I - Carcinoma limitado à parede vaginal Est. II - Carcinoma envolve o tecido sub-vaginal mas não se estende à parede pélvica Est. III - O Carcinoma atinge a parede pélvica Est. IV - O Carcinoma ultrapassa a parede pélvica ou infiltra a mucosa da bexiga ou do recto Est. IVa - Extensão aos órgãos adjacentes Est. IVb - Metástases à distância PLANEAMENTO DO TRATAMENTO No planeamento do tratamento devem considerar-se vários factores: estadiamento, tamanho e localização da lesão, presença ou ausência do útero, irradiação pélvica prévia, idade da doente e estado geral. TÉCNICAS DE TRATAMENTO Cirurgia Devido às características anatómicas da vagina, a cirurgia é o tratamento primário em número reduzido de casos e deverá ser encarada selectivamente 1 - Histerectomia radical com linfadenectomia pélvica e vaginectomia em lesões do terço superior da vagina. 2 - Vulvectomia radical com esvaziamento inguinal bilateral e vaginectomia nas lesões do terço inferior. 3 - Exenteração pélvica nas lesões mais avançadas, centrais particularmente quando há fístula recto-vaginal ou vesico-vaginal. Radioterapia É a modalidade terapêutica mais frequentemente usada como tratamento primário, dado que permite um bom controle tumoral e resultados funcionais satisfatórios, sobretudo nos estadios precoces. São utilizadas as técnicas de braquiterapia intracavitária e intersticial e de radioterapia externa. A Radioterapia intracavitária isolada pode ser suficiente nas lesões de pequena dimensão. As lesões de maior volume exigem a associação das duas formas de tratamento tendo em vista o controle local e regional. Nas lesões do terço inferior da vagina está indicado incluir no campo de irradiação as regiões inguinais. Não é possível comparar as diferentes modalidades de técnicas de Radioterapia, porque o número de casos não permite uma avaliação adequada. Quimioterapia Os escassos estudos realizados não fundamentam qualquer utilidade da Quimioterapia neste tipo de tumores. CARCINOMA DE CÉLULAS CLARAS O clássico Carcinoma de células claras relacionado com a utilização do DES não é praticamente observado na actualidade. Como se trata de tumores em mulheres jovens a orientação terapêutica deve ser individualizada e realizada em centros altamente especializados. 8 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) PROTOCOLO NACIONAL PARA O TRATAMENTO DO CANCRO DA VAGINA Estadio I Lesão superficial < 0,5 cm de espessura • Radioterapia intracavitária/intersticial Tumores mais volumosos “ Radioterapia Externa complementar • Cirurgia - Exérese local alargada Se margens cirúrgicas positivas “ Radioterapia complementar ou Lesão 0,5 cm de espessura • Radioterapia externa + Braquiterapia (intracavitária/intersticial) Lesão do terço inferior da vagina - Radioterapia às regiões inguinais • Cirurgia - Lesão do terço superior da vagina - vaginectomia radical e/ou histerectomia com linfadenectomia pélvica e realização de neo-vagina (opcional). ou Estadios II e III A Radioterapia é o tratamento indicado para estes estadios, combinando as suas modalidades técnicas. A cirurgia radical (exenteração pélvica) é admitida como excepção. Estadio IV IVa - Radioterapia externa Exenteração pélvica IVb - Tratamento individualizado PROTOCOLO DE SEGUIMENTO DAS DOENTES APÓS TRATAMENTO 1º e 2º anos - Consulta de Ginecologia de 3/3 meses Exame clínico completo, exame ginecológico com citologia vaginal. 3º ao 5º anos -Vigilância idêntica de 6/6 meses A partir dos 5 anos - Vigilância anual DOENÇA MALIGNA DO TROFOBLASTO GESTACIONAL INTRODUÇÃO A Neoplasia do Trofoblasto Gestacional é conhecida desde a antiguidade. Hipocrates descreveu-a pela primeira vez, quatro séculos antes de Cristo. Hoje, a Neoplasia do Trofoblasto Gestacional, significa comummente, Corio-carcionoma e todo o espectro de Doenças do Trofoblasto. Nos Estados Unidos, a Mola Hidactiforme, ocorre na proporção de 1 para 1200 gestações. Noutras regiões do Mundo é muito mais frequente. Assim, na Europa Oriental a incidência é de 1 para 120 gestações; na Indonésia de 1 para 77 gestações e em África 1 para 80 gestações. Entre nós, segundo o I.N.E., a proporção é de 1 para 570 gestações. A incidência da Doença Maligna do Trofoblasto é de 1 para 185 gestações. A remissão expontânea é frequente em 80 a 85% de todas as molas hidatiformes. 9 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) Esta patologia é mais frequente nas mulheres com 15 a 17 anos e com 40 ou mais anos. O maior risco está na ocorrência pelos 50 anos. Não existe qualquer relação entre a paridade anterior e a idade do 1º parto. De entre os factores nutricionais, Berkavitz, sugere após estudo e investigação apurada, que a deficiência em gordura animal e em vitamina A contribuem para o aparecimento da doença. As doentes com gravidez molar têm um risco aumentado de vir a ter Doença do Trofoblasto e em gestações posteriores. Num estudo caso-controle, realizado por Baltimore, encontrou-se em associação à D.T.G. a ocupação profissional, história prévia de abortos espontâneos e o número de meses de intervalo entre a gestação anterior. A contracepção hormonal, a irradiação pélvica, o grupo sanguíneo e o tabaco não constituem factores relevantes. DEFINIÇÃO Doença do trofoblasto gestacional (DTG) inclui um espectro de patologias do trofoblasto que vão de situações proliferativas benignas até tumores malignos. PATOLOGIA A DTG pode classificar-se em: • Mola Hidatiforme ( Completa e Parcial ) • Mola invasiva • Coriocarcinoma • Tumor trofoblastico do leito placentar MOLA HIDATIFORME COMPLETA Não possui tecidos fetais ou embrionários, as vilosidades coriónicas apresentam edema generalizado e hiperplasia difusa do trofoblasto. MOLA HIDATIFORME PARCIAL Vilosidades coriónicas de tamanho variado com edema hidatiforme focal, cavitações, hiperplasia do trofoblasto e inclusões trofoblásticas do estroma. Tecidos fetais ou embrionários identificáveis MOLA INVASIVA Lesão localmente invasora, raras vezes metastática, caracterizada microsco-picamente por invasão trofoblástica do miométrio, com vilosidades identificáveis, hiperplasia de elementos do cito e sinciciotrofoblasto. CORIOCARCINOMA Tumor maligno do epitélio trofoblástico, constituido por cito e sinciciotrofoblasto, sem vilosidades coriónicas com áreas de hemorragia e necrose. O músculo uterino e os vasos sanguíneos são invadidos. TUMOR TROFOBLÁSTICO DO LEITO PLACENTAR Tumor constituído por celulas trofoblásticas intermédias que se origina a partir do local de inserção placentar, com grande capacidade de invasão miometrial e vascular MEIOS DE DIAGNÓSTICO Perante um quadro clínico suspeito de doença do trofoblasto os meios de diagnóstico a utilizar são: ecografia, ßHCG e histologia. 10 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) ESTADIAMENTO E FACTORES DE PROGNÓSTICO Para estabelecer uma estratégia de tratamento da DTG maligna é necessário o estadiamento da doença. São necessários os seguintes exames: exame físico, avaliação analítica hematológica, hepática e renal, ßHCG, Rx pulmonar e/ou TAC pulmonar, ecografia abdomino-pélvica e TAC cerebral. Adopta-se como critério de estadiamento para estratégia terapêutica a classificação do Instituto Nacional de Saúde Americano (NHI-USA), mas recomenda-se que as doentes sejam classificados também segundo os critérios da FIGO Os factores de prognóstico a considerar são os níveis de ßHCG, o intervalo gestação-diagnóstico, metástases e sua localização, tipo de gravidez precedente e existência de quimioterapia prévia CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA NEOPLÁSICA DO TROFOBLÁSTO (NIH-USA) NÃO METASTÁTICA II. Doença metastática Baixo Risco 1. Curta duração (gravidez < 4 meses) 2. Títulos pré-tratamento ßHCG (< 100.000 U.I/24 na urina de 24 horas ou < 40.000mU.I./ml de soro) 3. Ausência de metástases cerebrais e hepáticas 4. Ausência de quimioterapia prévia 5. A gravidez precedente não é uma gestação de termo (mola, gravidez ectópica ou aborto espontâneo) Alto Risco 1. Longa duração (última gravidez > 4 meses) 2. Altos títulos de ßHCG pré-tratamento (> 100.000 U.I./24 na urina de 24 horas ou > 40.000mU.I./ml no soro) 3. Metástases hepáticas ou cerebrais 4. Quimioterapia prévia ineficaz 5. Gravidez de termo 11 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) ESTADIAMENTO DA DOENÇA NEOPLÁSICA GESTACIONAL - FIGO Estadio Estadio Estadio Estadio I Doença limitada ao útero IA Sem factores de risco IB Com 1 factor de risco IC Com 2 factores de risco II Doença para fora do útero, mas limitada aos órgãos genitais (anexos, vagina e ligamento largo) IIA Sem factores de risco IIB Com 1 factor de risco IIC Com 2 factores de risco III Metástases pulmonares IIIA Sem factores de risco IIIB Com 1 factor de risco IIIC Com 2 factores de risco IV Outros locais metastáticos IVA Sem factores de risco IVB Com 1 factor de risco IVC Com 2 factores de risco NOTA: Os factores de risco afectando o estadiamento são: 1 - ßHCG > 100.000 m U.I. /ml e 2 - duração de doença > 6 meses do termo da gravidez precedente 12 Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) PROTOCOLO TERAPÊUTICO Diagrama de Actuação Diagnóstico de DTG Mola DTG maligna Esvaziamento e ßHCG semanal ßHCG ßHCG Vigilância e contracepção Protocolo de estadiamento Doença no útero Metástases pélvicas ou vaginais Metástases pulmonares Outras metástases Estadio I (FIGO) Estadio II (FIGO) Estadio III (FIGO) Estadio IV (FIGO) DTG não metastática Monoquimioterapia ± Cirurgia DTG metastática Baixo risco Vigilância Resistência 13 Alto risco Poliquimioterapia + Cirurgia + Radioterapia Consenso sobre Cancros da Vulva, Vagina e Trofoblasto (Junho de 2003) Vigilância com ßHCG Determinação semanal. Após três doseamentos negativos, determinação mensal durante um ano (após negativação). Critérios de Diagnóstico de Doença Persistente Pós-Molar Subida dos títulos de ßHCG em três determinações consecutivas semanais, planalto em três determinações consecutivas semanais, níveis positivos ao fim de seis meses Monoquimioterapia A droga de eleição é o metotrexato, podendo ser usada em alternativa a Actinomicina-D. Poliquimioterapia O esquema terapêutico indicado é o EMA-CO. INDICAÇÕES DA CIRURGIA Histerectomia • Tumor trofoblástico do leito placentar (terapêutica inicial) • A histerectomia é aconselhável em mulheres com planeamento familiar cumprido (doença não metastática). • Naquelas com planeamento familiar cumprido e mais de 40 anos, existe indicação formal (doença não metastática) • Na doença metastática a atitude é individualizada Exérese de metástases em santuários. INDICAÇÕES DA RADIOTERAPIA Metastização do Sistema Nervoso Central. CASOS RESISTENTES Abordagem individualizada TUMOR TROFOBLÁSTICO DO LEITO PLACENTAR É tratado com histerectomia e poliquimioterapia adjuvante. Este tumor deve ser monitorizado com ßHCG e HPL (hormona lactogénea placentar). 14 Consenso sobre Cancros do Colo, Corpo do Útero e Ovário (Julho de 2003) PROTOCOLO DE SEGUIMENTO Mola hidatiforme DTG maligna não metastática e DTG metastática de baixo risco DTG maligna metastática de alto risco Terapêutica adequada Terapêutica adequada Terapêutica adequada ßHCG mensal ßHCG mensal ßHCG mensal 3 ßHCGs semanais negativos 3 ßHCGs semanais negativos 3 ßHCGs semanais negativos ßHCG mensal normal durante 12 meses consecutivos ßHCG mensal ßHCG mensal ßHCG mensal ßHCG mensal normal durante 12 meses consecutivos ßHCG mensal normal durante 12 meses consecutivos ßHCG mensal normal durante 12 meses consecutivos Rx Tórax 1 ano após Rx Tórax 1 e 2 anos após Rx Tórax 1 e 2 anos após Fim do seguimento de ßHCG no final do 1º ano Fim do seguimento de ßHCG no final do 1º ano Seguimento de ßHCG anual até ao 5º ano 15 Consenso sobre Cancros do Colo, Corpo do Útero e Ovário (Julho de 2003) FERTILIDADE Nas doentes tratadas de doença trofoblástica maligna não há agravamento do prognóstico obstétrico em futuras gestações. CONTRACEPÇÃO Nestas doentes o mais indicado são os contraceptivos orais. PROPOSTA DE CENTRALIZAÇÃO DO REGISTO E TRATAMENTO DOS TUMORES DO TROFOBLASTO GESTACIONAL Recomenda-se que a Doença Maligna do Trofoblasto seja tratada em centros de referência e seja institucionalizada uma Folha de Registo Nacional, que será enviada a todos os Directores de Serviço de Ginecologia. 16