rossicleide brandão da fonseca - uea

Anuncio
11
1.
INTRODUÇÃO
A cidade ambiente que abriga pessoas com sonhos e desejos individuais não é um
ambiente cujos interesses privados possam prevalecer. A cidade, assim, deixa de ser apenas
uma aglomeração de pessoas para se tornar um lugar de todos, movidos pelo interesse de ter
uma boa qualidade de vida.
Para que se possam compreender os problemas vividos na cidade, é necessário fazer
uma viagem até o momento de sua constituição. Nessa viajem o território brasileiro é
ultrapassado e se busca em remotos tempos entender como foi o processo de constituição das
cidades.
Assim, volta-se a Roma e à Grécia, terras das cúrias e das fratrias, primeiras formas de
reuniões familiares com cultos iguais, modo de vida semelhante. Mais tarde, essa reunião
formou a tribo e da tribo à cidade. A cidade era então, num primeiro momento, fortemente
influenciada pela religião e, nesse aspecto não foi diferente no Brasil, cuja colonização trouxe
como característica peculiar à religiosidade, muito vinculada ao movimento catequista de
várias ordenações que vinham para cá com o fim de catequizar, principalmente, os indígenas.
12
No Brasil a forma de constituição da cidade foi feita através de pequenos povoados que,
diante de seu lerdo crescimento, se tornaram vilas e depois cidades, cuja característica,
durante muito tempo, era de apenas pequenas aglomerações.
Diante do forte fluxo migratório, saída do campo para a cidade, em busca de melhores
condições de vida, cuja influência preponderante foi à atividade industrial, a cidade passou a
concentrar variados problemas urbanos, ligados à questão de moradia, saneamento, espaço,
mercado, preço, acesso a serviços públicos, insalubridade.
As metrópoles e grandes cidades se tornaram um verdadeiro caos.
Esse quadro exigiu providências por parte do legislativo que, embora procrastinando
muito a tramitação da Lei 10.257/2001, trouxe através desse instituto jurídico a possibilidade
de melhoria do caos, considerando que uma de suas diretrizes gerais é a construção de cidades
sustentáveis.
Os problemas oriundos do crescimento desmedido das cidades, a urbanização
acelerada trouxe graves impactos polivalentes, tais como:
- aumento na demanda e do custo de serviços públicos urbanos
- favelização em massa
- deterioração ecológica
- alta taxa de desemprego e marginalidade
Diante desse quadro surge a proposta de mudança através de medidas adotadas pelo
plano diretor, responsabilidade do Executivo municipal, que terá por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, pela intervenção das
diretrizes gerais que apregoa o Estatuto da Cidade: gestão democrática, regularização
fundiária, participação da sociedade e controle das medidas adotadas.
13
2. ANTECEDENTES NORMATIVOS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO
DAS CIDADES
As questões tratadas pelo Direito Urbanístico implicam, necessariamente, na
abordagem da constituição das cidades. Assim, torna-se necessário ter uma noção básica de
tempos geológicos, biológicos e históricos.1
Os tempos geológicos, os quais a ciência não tem condições de precisar o tempo
quando usa a expressão “bilhões de anos” levam, contudo, à investigação sobre a origem e as
fases de transformação sofridas pelo planeta terra.
Quando a preocupação volta-se para o início dos registros da vida, “dezenas ou
centenas de milhões de anos”, a idéia leva às alterações lentas dos ecossistemas com a
presença de espécies vivas (vegetais e animais) que, durante todo esse processo evolutivo
surgiram e desapareceram, gradativamente.
Entretanto, é com os tempos históricos, “milhões de anos”, que se registra a presença
e a atividade evolutiva da “espécie humana” nos ecossistemas naturais, ou seja, a evolução
gradativa do Homo habilis (fase humana precoce) e a do Homo Sapiens (fase humana
1
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário: São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2001.
14
moderna). É nos tempos históricos que a família aparece como única forma existente de
sociedade.2
Antes do surgimento da cidade é importante tratar das fratrias, das cúrias, das tribos,
e, por fim, das cidades. As fratrias (para os gregos) eram certos números de famílias que
formavam um grupo. As cúrias (antiga de divisão das tribos romanas) eram um certo número
de famílias que formavam um grupo. Desta forma, tanto as fratrias quanto as cúrias formavam
tribos que, mais tarde, foram responsáveis pelo surgimento das cidades.
É importante destacar que, antes das constituições das cidades, o homem tinha uma
relação muito próxima com os elementos da natureza, motivo pelo qual a divindade escolhida
sempre tinha relação com o Sol, Terra e o Céu.
O modo de vida das fratrias, cúrias que se juntavam em tribos (aldeia) até formarem
a cidade leva a conclusão de que o ser humano necessitou deslocar-se, quase todo o tempo,
fosse para associar-se a outras famílias, fosse para fugir das intempéries, fosse para protegerse dos inimigos.
Tanto é, que no período chamado Paleolítico (idade da pedra lascada) o ser humano
buscava lugares que lhe proporcionasse segurança, lugares que lhe servissem de abrigo
embora que temporariamente (cavernas). Não havia permanência fixa em nenhum lugar salvo,
os cemitérios, lugar de moradias fixas e onde aconteciam importantes cerimônias, reflexos da
forma de vida dos primeiros grupos humanos.
(...) “os mortos foram os primeiros a ter uma moradia permanente: uma caverna,
uma cova assinalada por um monte de pedras, um túmulo coletivo”. SPOSITO
(1994) 3
Ainda seguindo o processo evolutivo, é no período chamado Mesolítico (idade da
pedra lascada e polida) que surgem melhores condições de produção de alimentos resultado
2
Fustel de Coulanges, Numa Denis, 1830-1880. A cidade antiga; tradução Fernando de Aguiar.- 4º ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. – (Paidéia)
3
Munford apud SPOSITO, Mª Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1994.
15
da prática de criação doméstica de certos animais e do cultivo por meio de mudas de alguns
vegetais comestíveis.
No entanto, é no período Neolítico (idade da pedra polida) que vão surgir as
primeiras
aglomerações
chamadas
de
“aldeamentos”4.
Os
primeiros
aldeamentos
proporcionaram boas chances de sobrevivência humana e mudança acerca da “fecundidade,
alimentação e proteção”,5 e é, nesse período, que a construção da aldeia torna-se elemento
constitutivo da origem das primeiras cidades.
A formação da cidade ocorre com o estabelecimento de cultos independentes de cada
tribo. Nesse contexto é importante compreender, primeiramente, sobre as fratrias, as cúrias, e
as tribos na contribuição da formação da cidade:
“A tribo, tanto como a família e a fratria, constitui-se em corpo independente, com
culto especial de onde se excluía o estrangeiro. Quando formada, nenhuma nova
família podia nela ser admitida. Duas tribos de modo algum podiam fundir-se em
uma só, porque a sua religião a isso se opunha. Mas, assim como muitas fratrias
estavam reunidas em uma tribo, muitas tribos puderam associar-se, sob condição de
o culto de cada uma delas ser respeitado. No dia em que nasceu essa aliança nasceu
a cidade.” FUSTEL DE COULANGES (1998).6
É necessário considerar que esse processo de evolução não ocorreu de um momento
para outro, mas, sim, deu-se de forma sucessiva mediante a formação de pequenos grupos
que, segundo Fustel de Coulanges, anteriormente citado, já haviam se constituídos há muito
tempo sem que perdessem com a junção à tribo, a sua individualidade, independência e credo.
Diante dessa constatação é possível afirmar que a cidade não deve ser considerada
um agregado de indivíduos, mas uma “confederação”7 de vários grupos constituídos ao longo
de muito tempo e que a cidade permitiu subsistir. O importante é reconhecer que a cidade
surge como uma associação religiosa, também política, das famílias e das tribos.8
4
Aldeamentos: ato ou efeito de aldear; conjunto de aldeias.
BRUMES, Karla Rosário. Cidades: (Re) definindo seus papéis ao longo da história. Caminhos da Geografia
2 (3)47-56, mar/2001. Revista on line . Instituto de Geografia-UFU-FCT/UNESP.
6
Ibidem
7
Aliança de várias nações para um fim comum.
8
Ibidem
5
16
Sem dúvida, a formação das primeiras aldeias pode ser considerada como a célula
mater que originou as primeiras cidades, cuja dimensão espacial dos aglomerados servia
como elemento diferenciador entre cidade e aldeia, isso porque, os aglomerados de pequenas
dimensões e pouca população, não apresentava distinções econômicas e sociais das famílias.
Singer (1981)9 afirma que a “formalização da existência da cidade ocorreu na medida
em que as relações entre os citadinos e produtores do campo, foram sendo institucionalizadas,
de forma a assegurar a transferência do mais produto à cidade.”
No que toca a questão de conceituar cidade, merece consideração distingui-la de
urbe. Urbe não é o mesmo que cidade, assim, esses dois termos não guardam sinonímia. Se a
cidade era a associação religiosa resultado de um processo constitutivo das fratrias ou das
cúrias que eram grupos familiares em unidas em tribos e estas em cidade, a urbe( urbs)10 era o
lugar das reuniões religiosas, era o domicílio das fratrias, era o “ santuário da sociedade”.
Segundo Di Sarno (2004)11, a existência das primeiras cidades, na antiguidade,
ocorreram por volta de 3.500 a.C. no vale da Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates.
Nessa fase, as formações dos aglomerados ocorriam às margens dos rios, ou nos desertos,
pois o homem estava muito inclinado às condições da natureza e das divindades.
Na Grécia, Aristóteles ao referir-se à origem da cidade, na sua obra A Política, assim
expõe:
“Ante todo, es necessário que se unam por parejas los que no pueden existir el uno
sin el outro, como la hembra y el macho para la generacion (y esto no por efecto de
una decisión, sin de la misma manera que en los demás animales y plantas es una
ley natural la tendência a dejar trás de si outro semejante”. (ARISTÓTELES, La
Política) 12
9
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Brasilienses, 1981.
Do latim orbe, círculo, esfera, globo terrestre. Denominação que os antigos romanos davam à cidade de Roma.
A urbs não se confundia com a civitas ou totalidade dos cidadãos romanos(cives, cidadão) elemento humano
da cidade.
11
DI SARNO, Daniela Campos Libório.Elementos do Direito Urbanístico. Barueri,SP: Manole, 2004.
12
ARISTÓTELES, La Política, Barcelona, Bruguera, 1974,p.56 apud RABINOVICH, Ricardo David Berkman.
Um viaje por la História Del Derecho. Buenos Aires- AR.Editorial-Quorum, 2004.
10
17
Platão13 diria que as cidades (organização política) são resultados do caráter do
homem e dos costumes civis que se estabelecem. O caráter do governo é definido pelo caráter
do homem, sendo assim, Platão investe na análise não só dos tipos de governos existentes,
mas, também, dos homens destes governos.
O filósofo concentra a sua análise das formas de governo com o seu modelo ideal, o
modelo que Platão pensa ser o mais justo. A justiça pode ser entendida inicialmente como
pessoas fazendo bem as tarefas que elas devem realizar. A tarefa do governante é governar
visando ao bem do todo. Esta tarefa depende de alguns pré-requisitos que o governante deve
ter e um deles é que o governante precisa, antes de tudo, saber governar a si mesmo.
Retomando Aristóteles, o conceito de polis estava associado aos fins que a totalidade
do gênero humano deve ter em vista e dos meios que a razão indica para consecução de tais
fins.
“Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma
com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com
vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é
evidente que a mais importante de todas elas e inclui todas as outras tem mais que
todas este objetivo, e visa ao mais importante de todos os bens, ela se chama cidade
e é a comunidade política. (...) A comunidade constituída a partir de vários
povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto máximo de uma autosuficiência praticamente completa; assim ao mesmo tempo em que já tem condições
para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhes
proporcionar uma vida melhor. Toda a cidade, portanto, existe naturalmente, da
mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a
natureza de uma coisa é o seu estágio final”. (ARISTÓTELES, A Política).14
Na Idade Média (séculos IV ao XIII) a organização da sociedade era basicamente
rural. Mais tarde, mediante o processo de trocas, principalmente as comerciais entre ocidente
(Portugal, Espanha) e oriente (Índias) e pela descoberta de novos mercados consumidores
(América), é que começam a se constituírem as cidades. Contudo, a partir do fenômeno da
industrialização as cidades começam o processo de inchamento e crescimento verificáveis
ainda hoje.
13
14
Na obra A República.
Citação da obra de Aristóteles
18
Os primeiros aglomerados foram marcos para as primeiras formas de organização
social que mais se aproximaram das primeiras cidades. No momento que surgia a cidade era
escolhido o seu sítio urbano mediante a escolha estratégica da sua localização que tinha muito
a ver com dois aspectos preponderantes: o acesso e a defesa.
Outros pontos importantes também eram levados em consideração no que diz
respeito ao planejamento da cidade, ou seja: espaços livres para sua expansão, produção de
alimentos, fornecimento de água e energia e salubridade.
“A cidade é essencialmente o lócus da concentração de meios de produção e de
concentração de pessoas; é um lugar da divisão econômica do trabalho (o
estabelecimento industrial num determinado lugar, os galpões, os escritórios em
outros.” CARLOS (1994)15
Para Lefebvre (1978)16 a concepção que leva em contra a construção da cidade
enquanto valor de uso e valor de troca é assim entendido:
“En particular, la oposición entre valor de uso (la ciudad y la vida urbana, el tiempo
urbano) y valor de cambio (los espacios comprados y vendidos, la consumición de
productos, bienes, lugares y signos) nos aparece en toda su desnudez”. 17
Na evolução conceitual a cidade mereceu diferentes definições:
a) espontânea - quando nasce naturalmente em função de defesa ou de relações
comerciais, a exemplo de Porto Alegre, Recife, Londres;
b) artificial - quando nasce de acordo com projetos ou planos, a exemplo de Belo
Horizonte, Washington, Brasília, Goiânia.
Conforme a situação geográfica, aliada a outros aspectos, as cidades nascem,
crescem, estabilizam-se, decaem ou "morrem". Uma cidade pode morrer, naturalmente, como
resultado do desgaste de sua vitalidade (Outro Preto, Monteiro Lobato) ou em decorrência de
15
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re) produção do Espaço Urbano. São Paulo: Editora USP, 1994.
LEFEBVRE, Henri. El Derecho a la ciudad. Barcelona: Ediciones Península, 1978.
17
Ibidem
16
19
catástrofes (Pompéia, São Pedro, Herculano, San Juan de Porto Rico, Liepzig, Rotterdam,
Hiroxima, Nagasaki, Iguape).
Pela concepção demográfica ou quantitativa se considera cidade a reunião de
determinado número de pessoas/habitantes variando esse quantitativo de país para país, por
exemplo: alguns países consideram cidade a partir de 2.000 habitantes; outros países a contar
de 5.000 habitantes; para a ONU esse quantitativo é de 20.000 habitantes para que o
aglomerado seja considerado cidade; nos Estados Unidos o quantitativo é de 50.000.18
Para Weber19a concepção econômica de cidade apóia-se no sentido de entender a
cidade como: "(...) uma população local que satisfaz uma parte economicamente essencial de
sua demanda diária no mercado local".
Uma das características das cidades, sob o ponto de vista sociológico, é o
ajuntamento de casas, com paredes encostadas.
"Um estabelecimento de casas pegadas umas às outras ou muito juntas que
representam, portanto, um estabelecimento amplo, porém, conexo, pois do
contrário faltaria conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, que é
específico da associação de vizinhança. Nesse caso só localidades
relativamente grandes seriam, cidades, e a partir, do qual se deveria começar
a considerá-la como tal. Porém, para aquelas localidades que no passado
possuíram caráter jurídico de cidades não se aplica de forma alguma essa
característica". WEBER (1976)20
A cidade assim vista pode ser compreendida como sendo uma localidade em que
seus habitantes e a população dos arredores produzem ou adquirem produtos para colocá-las
no mercado. A concepção da construção da cidade enquanto valor de uso e valor de troca é na
ótica de Lefebvre (1978)21 assim descrito:
“En particular, la oposición entre valor de uso (la ciudad y la vida urbana, el
tiempo urbano) y valor de cambio (los espacios comprados y vendidos, la
consumición de procuctos, bienes, lugares y signos) nos aparecá en toda su
desnudez”.
18
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000.
WEBER, Max. Economia y Sociedad. V.II México. Fundo de Cultura Econômica, 1969 apud SILVA, José
Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. , 2000.
20
WEBER, Max apud VELHO, Otávio Guilherme. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro. Editora Zahar, 1976.
21
Ibidem
19
20
Na obra A Cidade Antiga,
22
as cidades surgiram com a aliança da união de muitas
fratrias em uma tribo e, durante alguns séculos, teve de respeitar a independência religiosa e
civil das tribos, das cúrias e das famílias.
“De início, a família vive isolada e o homem só conhece os deuses domésticos theoi
pathôoi dii gentiles. Acima da família forma-se a fratria com o seu deus, theòs
phrátrios, Juno curialis. A seguir temos a tribo, theòs phulios. Chega-se enfim à
cidade e concebe-se um deus cuja providência abrange a cidade inteira, theòs
punieús, penates publici. Hierarquia de crenças, hierarquia de associações. A idéia
religiosa foi, entre os antigos, o sopro inspirador e organizador da sociedade.” (o
grifo não é do autor)23
Para compreender acerca do sistema normativo que vigorou nas primeiras cidades
constituídas é importante destacar alguns sistemas normativos: Moral, Religião, Política e
Direito.
Assim, é possível afirmar que o sistema normativo que prevaleceu no processo de
constituição da cidade foi o religioso, isto em o que prevalecia entre os habitantes das
primeiras cidades eram as regras de direito privado. O que vigorava era o que a família, no
seu próprio meio, concebia como justo, certo ou errado não importando se havia uma regra
diferente, mantinham a sua individualidade e crença de quando viviam isoladas.
Isto é compreensível diante do fato da submissão humana, na antiguidade, pelo
reconhecido poder das divindades e o temor vinculado à crença.
No Oriente quanto à forma de organização social dos hindus, cada uma das divisões
da sua sociedade formavam um círculo impenetrável, de forma que era considerada grave
transgressão o casamento entre pessoas de castas diferentes. De modo análogo, os egípcios
também viviam sob o regime de castas. Já na sociedade babilônica as classes, e não castas,
eram divididas em classes dos livres e classes dos subalternos, mas havia predomínio de
religiosidade.
22
23
Obra de Fustel de Coulanges, traduzida por Fernando de Aguiar, São Paulo, 1998.
Idem
21
No lado ocidental, a Grécia se destaca por um conservadorismo implacável de suas
instituições, cujo padrão sempre se destaca em Esparta e Atenas. Na sociedade Romana, as
classes eram divididas em três: a dos patrícios, os civitas e os plebeus.
Essas civilizações antigas viviam, na verdade, sob a pressão dos deuses, das
divindades que, para eles ditavam as regras sociais das quais a desobediência resultava em
severas penas. Assim sendo, conclui-se que a Religião como sistema normativo foi fator
determinante da construção do modelo das cidades antigas.
2.1 DOS AGRUPAMENTOS COLONIAIS ÀS FORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O Brasil não foi colonizado na mesma época de se “descobrimento”. O que motivou
o processo de colonização de Portugal no Brasil foram os freqüente ataques por parte dos
franceses, ingleses e holandeses, os mesmos que ficaram fora do Tratado de Tordesilhas24
além dos saques dos piratas ou corsários. Diante de tal situação Portugal enviou ao Brasil
expedições chamadas de Guarda-Costas, mas que não logrou os resultados esperados.
Três décadas depois do “descobrimento” do Brasil o rei de Portugal, D João III, deu
início ao processo de colonização do Brasil. A primeira expedição que veio para o fim de
colonizar a terra ameaçada teve o comando de Martin Afonso de Souza tinha por metas:
expulsar os invasores indesejáveis; povoar o território e dar início ao cultivo de cana de
açúcar cujo cultivo prometia ser promissor pela adaptação ao clima e solo do Nordeste.
Como forma de organizar a colônia, o Rei dividiu o grande território em capitanias
hereditárias que eram faixas de terras doadas aos donatários que tinham a liberdade de
explorar os recursos das terras brasileira. Porém, esse sistema fracassou diante de alguns
aspectos não considerados: carência de recursos; ataques freqüentes dos piratas e dos
indígenas; o desconhecimento do meio ambiente local; o isolamento em relação à Metrópole.
24
Acordo assinado entre Portugal e Espanha que dividiu as terras recém descobertas em 1494.
22
As únicas capitanias que apresentaram resultados positivos foram a de São Vicente (mais
tarde São Paulo) e Pernambuco.
Na época colonial a base da economia local era o engenho de açúcar, cujo
proprietário era o dono da unidade de produção do açúcar e que se valia da mão-de-obra
escrava - negros africanos que viviam em absoluta sujeição a um senhor – o Senhor de
Engenho -. As plantações de cana-de-açúcar eram feitas pelo sistema de plantation25 para
serem vendidas na Metrópole por força do Pacto Colonial imposto pela Coroa Portuguesas.
O Senhor de Engenho vivia na Casa Grande com sua família e agregados. Os
escravos viviam nas senzalas em situação de notória miséria e péssimas condições de higiene.
“A colonização do Brasil se processou aristocraticamente. O português se fez aqui
senhor de terras mais vastas, dono de homens mais numerosos que qualquer outro
colonizador da América”. FREYRE, Gilberto 26
Não obstante a sociedade do período colonial era patriarcal além de ser marcada por
fortes distinções sociais. Na camada mais considerada mais elevada estava o Senhor de
Engenho, possuidor de poderes econômicos e políticos. Na camada intermediária estavam os
funcionários públicos e os trabalhadores livres e, bem na base, estavam os escravos africanos.
A literatura revela que poucas cidades no Brasil surgiram como vilas e mais raras as
que surgiram com a categoria de cidades. Na verdade, as pequenas aglomerações eram
denominadas de povoado27 .
O povoado do período colonial nada mais era do que umas poucas dezenas de casas,
poucos habitantes, uma ou duas ruas, a igreja (ou capela) e, geralmente, a praça. 28 A imagem
da “cidade colonial” está mais ligada ao ruralismo. Essa concepção vincula-se a casa do
25
Grandes fazendas produtoras de um único produto, visando o comércio externo com utilização da mão-de-obra
escrava.
26
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala.
27
Nesse sentido, de povoar, expressão usada para designar o lugar ou o sítio em já se formou uma pequena
população ou um pequeno núcleo de habitação, mas sem importância para constituir-se em vila. Bastava uma
aglomeração de moradores ou de habitação de moradores para ter a denominação de povoado.
28
Do latim platea (pátio, rua larga) vulgarmente tomada como sítio ou lugar espaçoso que se encontra dentro da
cidade e das vilas, especialmente construído, jardinado, aparelhado para o recreio coletivo.
23
Senhor de Engenho, próxima ao povoado (chamado cidade) e que tinha, de certa forma,
função comercial dos produtos fabricados na fazenda.
“As aglomerações ditas urbanas eram na verdade localidades semi-urbanas ou, se
quisermos, semi-rurais, pois não somente a sua forma físico-espacial detinha
elementos que lembrava o mundo rural, como também as relações que seus
habitantes mantinham com esse eram muito mais intensas do que atualmente. As
aglomerações coloniais eram, com raras exceções, bastante limitadas. Mesmo o
pomposo título de cidade, o mais alto posto hierárquico que uma aglomeração
poderia obter, foi freqüentemente empregado para designar localidades
extremamente precárias. Considerando o contexto histórico-social da época, no
entanto, o termo “aglomeração urbana” é efetivamente apropriado na medida em
que as localidades, por mais precárias que fossem, dispunham de alguns elementos
essenciais capazes de lhes conferir um caráter “urbano”, que as distinguiam de
outras formas de ocupação do território”. TEIXEIRA (2003) 29
A imagem que se faz da cidade brasileira do período colonial é bem é obtida do
artigo de Vieira (2004) 30 através da sua descrição:
(...) “as cidades eram monótonas e pachorrentas, só revelando vida alegre quando
em dias de feiras grandes e festas religiosas. As cidades e vilas serviam apenas
como escoadouros da produção agrícola, sustentáculo econômico único.”
Das pequenas aglomerações urbanas que se formaram em torno da casa do Senhor de
Engenho, deu-se o desenvolvimento das cidades brasileiras.
Uma das características importantes das “cidades coloniais” é que as mesmas foram
fundadas próximo ao mar, como marca da colonização portuguesa. Outra característica que
deve ser apontada é quanto à presença do poder religioso representado pelas igrejas e pelos
conventos de diversas ordens religiosas.
“Na colônia os núcleos urbanos ou vilarejos resultaram da ação urbanizadora das
autoridades coloniais, não da criação espontânea da massa; a formação de cidades e
vilas é sempre um ato de iniciativa oficial. Essa política continuou a ser praticada no
Império através das colônias militares no interior do país e de núcleos de
colonização nos Estados. É que os aglomerados urbanos só se desenvolviam
espontaneamente no litoral, em virtude do tipo de economia prevalecente, voltada
para o comércio exterior, até o ciclo do café. (...) Enfim, as cidades brasileiras
desenvolveram-se basicamente ao longo da costa marítima sob a influência da
economia voltada para o exterior”. SILVA (2006)31
Algumas das cidades que tiveram origem no período colonial:
29
TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Os nomes da cidade no Brasil Colonial.Considerações a partir da
Capitania do Rio Grande do Norte. Mercator. Revista de Geografia da UFC, ano 02, número 03, 2003.
30
VIEIRA, Maria da Penha. Favelização do Brasil – Cultura da Miséria . Artigo com publicação on line em
03.01.2004 -www.dominiofeminino.com.br /trabalho_negocios/imobiliários
31
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2006.
24
- São Vicente; Parati; Rio de Janeiro; São João Del Rei; Vila Rica; Mariana; Sabará;
Salvador; Recife; Olinda e São Luis.
Uma outra imagem que remete à cidade do período colonial é, sem dúvida, as ruas
estreitas, calçadas com paralelepípedo, iluminação com lampiões a óleo, feiras ao ar livre,
carroças, carruagens ou liteiras.
Durante a evolução urbana das cidades, genericamente, estas assumiram diferentes
identificações, por exemplo:
a) cidade medieval – surgiu entre os séculos V e VII, momento de estagnação
econômica européia, resultado da decadência do império romano e da fase de transição do
regime escravista para o feudal. Nesse período que as cidades começam a crescer e ganhar
importância como região autônoma. O mercado passou a se impor e a transmitir-se ao
território que cercava a cidade. A característica das cidades medievais centraliza-se no seu
aspecto jurídico - territórios juridicamente privilegiados e habitantes privilegiados;
b) cidade econômica – a população satisfaz uma parte economicamente essencial de
sua demanda diária no mercado local e, outra parte essencial também, mediante produtos que
os habitantes da localidade e a povoação dos arredores produzem ou adquirem para expor nos
mercados;
c) cidade principado – modelo de cidade cujos habitantes dependem de suas
"probabilidades aquisitivas", preponderantemente, direta ou indiretamente, do poder
aquisitivo da grande propriedade do príncipe e de outras grandes propriedades. Esse modelo
dependia do poder aquisitivo de outros grandes consumidores, aqueles que viviam de rendas e
que determinavam, de modo decisivo, as possibilidades de lucro dos comerciantes e artesãos
que nela habitavam;
d) cidade agrária – nesse padrão os lugares eram sedes do intercâmbio de mercado e
de típicas industrias urbanas, distanciadas do tipo média das aldeias, mas uma grande parte de
25
seus habitantes supria suas necessidades com economia própria chegando mesmo a produzir
para o mercado;
e) cidade industrial – caracterizada pela existência de fábricas, manufaturas ou
industrias domiciliares com tem por fim abastecer o exterior;
f) cidade-fortaleza - cidades que se apoiavam no burgo de um rei ou de um senhor
nobre ou de uma associação destes, e que mantinham nele uma guarnição de mercenários,
vassalos ou servidores. Essas cidades se identificavam pelas muralhas que as cercavam.
As cidades eram consideradas como povoações de categoria superior à da vila, hoje
assumem a representatividade de um lugar onde há predominância das diferenciações e do
anonimato.
Na definição das cidades brasileiras não se leva em conta à aplicação dos conceitos
econômicos e o demográfico, pois, as cidades brasileiras são conceitos jurídicos-políticos. Às
cidades brasileiras é possível aplicar os preceitos adotados pela concepção das cidades como
conjunto de sistemas.
A característica marcante da cidade, no Brasil, consiste em dois pressupostos para
Silva32
- um núcleo urbano.
- sede do governo municipal.
Vainer (1998)
33
em seu livro Cidades, Cidadelas e a Utopia do reencontro faz uma
reflexão sobre tolerância e urbanismo que predomina nas aglomerações urbanas atuais. De
acordo com VAINER, esse momento de reflexão sobre as relações existentes entre a cidade
contemporânea e o desafio que se lança sobre ela em função da "intolerância crescente" e
conduz a três momentos distintos, assim ilustrados:
32
Ibidem
VAINER, Carlos B. Cidades, Cidadelas e a Utopia do reencontro. (1998). Vainer foi um grande
contribuinte do Seminário Internacional – Ciência, Cientistas e a Tolerância cuja palestra muito contribuiu para
refletir sobre a questão urbanística .
33
26
Primeiro Momento - diversidade, competição e tolerância urbana;
Segundo Momento - características do urbanismo contemporâneo;
Terceiro Momento - utopia urbana, cidade tolerante.
O habitante da cidade possui um comportamento arredio, indiferente, reservado.
“Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis para o poeta diligente e
fecundo. Quem não sabe povoar a sua solidão também não sabe estar só em
meio a uma multidão atarefada”.BAUDELEIRE apud BERMAN (1986)34
O texto de Baudeleire sugere uma perfeita imagem cotidiana agitação de uma grande
cidade e sugere a idéia de movimentos contínuos, rápidos, frenéticos num vai-e-vem
incessante. Essa representação, por outro lado, também leva a uma reflexão sobre a vida do
homem moderno que habita as grandes cidades. O citadino está sempre acompanhado de uma
grande multidão, mas que, na verdade, não passa de um ser anônimo como os demais que
cruzam com ele.
"O dinheiro se refere unicamente ao que é comum a tudo: ele pergunta pelo
valor de troca, reduz toda qualidade e individualidade a uma questão:
quanto? Todas as relações íntimas entre pessoas são fundadas em sua
individualidade, ao passo que, nas relações racionais, trabalha-se com o
homem como um número, como um elemento que é em si mesmo indiferente”
SIMMEL (1976).
Na verdade, o que Simmel,
35
da Escola de Chicago, tenta explicar é que a tolerância
existente nas relações do homem moderno se caracteriza por ser uma capacidade de suportar,
própria do homem citadino. A indiferença nada mais é do que uma apatia, reflexo subjetivo da
vida urbana.
As cidades não se caracterizam apenas pela heterogeneidade, pelo espaço ecológico,
pela dimensão, pelo diverso, mas principalmente, pelo controle social feito pelo domínio do
mercado e do dinheiro.
34
BAUDELEIRE, Charles apud BERMAN, Marshal. Tudo que é Sólido desmancha no ar. São Paulo: Editora
Cia. das Letras, 1988.
35
SIMMEL, Georg. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, Guilherme. O Fenômeno Urbano. Rio de
Janeiro: Editora Zahar, 1976.
27
O homem citadino36 possui um comportamento reservado, marcado pelas diferenças e
pela competição, vivendo em constante confronto, "uma espécie de darwinismo intencional,
em que cada competidor procura engendrar diferenças adaptativas que o posicionem
vantajosamente face à concorrência."
Essas idéias fazem parte de um planejamento estratégico com vistas a um projeto
urbano viável, apresentando como proposta a concorrência entre as cidades, a modelo do que
ocorre na Europa onde as cidades competem entre si como grandes empresas para atrair sobre
si, altos investimentos.
“Um governo urbano forte, carismático, estável torna-se indispensável à
concretização dessa mobilização unificada e unificadora, em que a
cidadania (!?) compartilha ilusões, celebra o passado suposto comum, sonha
o mesmo futuro e segue os mesmos líderes. (...) O verdadeiro vencedor da
competição em que estão lançadas as cidades não é qualquer uma delas,
mas sim o capital deslocalizado, fluido, que, no processo, dispõe de um
número cada vez maior de cidades ofertando, mais além de benefícios e
gratuidades, adequadas condições (objetivas e subjetivas) vocacionais".
VAINER (1998).37
O que se observa nesse momento é um patriotismo de cidades, isto é, a pátria é
representada pelo espaço da cidade, é uma espécie de fragmentação da nação. Não é exagero
em afirmar que se trata de um ufanismo citadino.
Não obstante, existe a estratégia do marketing externo cujo objetivo é vender a cidade,
em outro ponto, o marketing interno que visa vender aos citadinos o projeto que transforma a
cidade em "mercadoria".
Ainda Vainer, os efeitos incidentes sobre as cidades envolvidas nesse processo
não são estimuladores:
- crescimento das desigualdades e dos processos de segmentação sócio-espacial no
interior das cidades, desemprego, precarização nos investimentos sociais;
- violência urbana, fechamento das cidades ao imigrante, aos estrangeiros,
discriminação contra migrantes pobres.
36
37
Habitante da cidade
Ibidem
28
A cidade contemporânea sofreu um crescimento desordenado pós-revolução industrial
e após a Segunda Guerra Mundial com o uso do automóvel. Sem dúvida, o inchaço das
cidades não se deu pelo surgimento de muitas cidades ao mesmo tempo, mas sim, pela falta
de planejamento na sua construção.
Com a industrialização as pessoas optaram em morar nos centros urbanos pela
facilidade de acesso, pela maior oferta de emprego, pela oportunidade de melhoria de
condições de vida, como moradia, lazer, estudo e progresso pessoal.
A cidade precisa de um sistema de transporte eficaz, de água potável, de energia, de
progresso, de alimentos, de ar sem poluição, de cultura. Para Silva (2000), no Brasil o
fenômeno urbano vincula-se à política de ocupação e povoamento da Colônia e sua evolução
liga-se estreitamente aos ciclos econômicos brasileiros.
O sistema inicial de exploração grosseira dos recursos naturais (pau-brasil) deu origem
às primeiras feitorias e alguns agrupamentos humanos com rudimento de agricultura que, de
certa forma, ainda gera influência no urbanismo atual.
O governo pretendia realizar e instaurar na Colônia o regime municipalista pela
política da fundação de povoações e vilas, mas realizava uma política economicamente de
povoamento mediante a distribuição de terra em sesmarias, que isolava o homem. Muitos
povoados e núcleos habitacionais existiam e ainda existem que, no entanto, não podem, a
rigor, receber o título de urbanos, porque não passam de agricultores aldeados.
Silva (2000)38 entende que um centro habitacional para ser conceituado como urbano
é necessário preencher alguns requisitos:
- densidade demográfica específica;
- profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente diversificação;
38
Ibidem
29
- economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural;
- existência de camada urbana com produção, consumo e direitos próprios.
Na argumentação de Santos (1993)39, o processo urbano é a expressão concreta da
dinâmica social que vitaliza o espaço, sendo considerados, entre outros, os seguintes
elementos na explicação do processo urbano em seu contexto espacial:
- os homens como praticantes do trabalho e sob diversas formas formadores e
construtores do fato urbano;
- as instituições e firmas que são receptoras dos indivíduos enquanto membros de
uma sociedade, assim, como fornecedores de bens, idéias, serviços, normas e legitimações;
- o meio ecológico que é a base física do trabalho humano e conseqüentemente o
contexto da rede urbana e sua dinâmica social.
Durante muito tempo o crescimento demográfico juntamente com o crescimento
econômico ocorreu gradativamente, até o século XIX, pois os homens eram essencialmente
agricultores.
Mas, a partir do século XX o crescimento exponencial da população, a nível
mundial, resultou na mudança demográfica de desastrosos efeitos. Esse rápido crescimento da
população trouxe novos problemas no âmbito das cidades, seja de cunho social ou econômico
e que implicam na dificuldade de realizar uma boa administração na cidade.
O aumento populacional, que teve origem na metade do século XVIII, produto da
Revolução Industrial e do uso da tecnologia na agricultura, gerou uma demanda urbana não
planejada, trazendo um resultado negativo na oferta de serviços públicos e o acesso a eles.
39
SANTOS, Milton. A urbanização Brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1993.
30
O processo de crescimento desordenado das cidades tem contribuído para gerar ações
ilegais no processo de ocupação do solo urbano.
Assim adverte Fernandes (2000)40:
“O fenômeno da ilegalidade urbana não pode ser mais ignorado, especialmente
quando se sabe que a maioria da população urbana - entre 40% e 70% - vive
ilegalmente nas grandes cidades brasileiras, em favelas, loteamentos irregulares e
clandestinos, cortiços etc. sendo que em média 20% da população vive em favelas.
Esse número tenderá a crescer com o aumento da pobreza urbana.”
O resultado da ocupação desordenada na área urbana é refletido nos constantes
assentamentos ilegais, na paisagem das arquiteturas dos casebres de lona e papelão, na
formação de guetos, na dificuldade de acesso aos equipamentos urbanos, nas elevadas taxas
de mortalidade decorrente dos ambientes insalubre e da pobreza acentuada, além do aumento
da depredação e da degradação ambiental, forma atual de viver na cidade.
O processo de urbanização da cidade moderna tornou-se um processo desgastante
para a sociedade industrializada.
Segundo Silva (2000),41 o termo urbanização é empregado para designar o processo
pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural, não se tratando
de um mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana.
2.2 O MUNICÍPIO E SUA PROMOÇÃO A ENTE FEDERATIVO
O Município, como unidade político-administrativa, não existiu na antiguidade. Mas,
a sua origem tem relação com as fratrias e as cúrias uma vez que “o culto de uma cidade e sua
liturgia, portanto, eram proibidos aos habitantes de outra cidade vizinha. Os deuses de uma cidade rejeitavam as
homenagens e as orações de quem não lhes fosse concidadão.” 42 (CASTRO, 1998)
40
FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo:Malheiros Editores Ltda, 2000.
42
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998
41
31
Pela afirmação de Castro (1998) é fácil compreender o papel político que exerceria,
mais adiante, o município.
Na República de Roma o município ganhou status de unidade políticoadministrativa. Isso ocorreu pelo fato de Roma ter a necessidade de manter sob seu domínio,
de forma pacífica, as cidades que seu exército conquistava.
O Senado impunha severas restrições aos vencidos exigindo destes a obediência e
fidelidade às leis da república romana, em troca de pequenos direitos privados - jus connubi,
jus commerci, jus suffragii - .
As comunidades que obtinham do Senado essas prerrogativas eram consideradas
como municpium (municípios) que poderiam ter maior ou menor autonomia. Nesses
“municípios” os homens livres (cidadãos) é que podiam eleger o governo ao contrário dos
estrangeiros vencidos que não tinham direito a voto.
A administração das cidades era feita por um corpo de dois a quatro magistrados,
além de integrar o governo municipal os encarregados: da fiscalização dos negócios públicos,
da arrecadação, da administração da justiça, dos notários, do defensor da cidade, os escribas,
ale, de contar um Conselho Municipal (Curia ou Ordo Decurionum) composto por cidadãos
(cives munícipes) que tinham funções semelhantes aos do Senado de Roma e eram escolhidos
periodicamente. A Lex Julia Municipalis editada por Julio César aplicou a todas as colônias
da Itália esse sistema de governar a cidade, municipium, atingindo mais tarde as províncias
conquistadas (Gália, Península Ibérica e Grécia) que, com o decorrer do tempo foi sofrendo as
alterações de cada época.43
Para atender as mudanças decorrentes dos processos que transforma a forma de
governar dos Estados e, principalmente diante do crescimento exponencial das cidades, o
43
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1990.
32
município assumiu diferentes atribuições, entre as quais, a responsabilidade de promover o
ordenamento da cidade, ofertando serviços e equipamentos urbanos no cumprimento de seus
encargos políticos-administrativos.
No entanto, da remota antiguidade, trouxe como legado “a tradição romana dos edis”
e da Idade Média o modelo dos Conselhos dos Homens Livres, na era moderna denominada a
Câmara de Vereadores, eleitos pelos cidadãos e com responsabilidades de representar a
comunidade local e de fiscalizar as contas e a conduta do Executivo municipal.
Antes de tratar do município como ente federado é importante abordar a questão da
federação. Federação44, palavra derivada do latim foederatio de foedarare, que significa unir,
ligar por aliança. Na esfera do Direito Público é empregado esse termo como a união
indissolúvel instituída pelos Estados independentes ou da mesma nacionalidade para a
formação de uma só entidade soberana que, no caso da República Federativa do Brasil é a
União.
No regime da federação, conforme Silva45, há um só Estado soberano, embora se
indiquem as subunidades federadas, senhoras de uma autonomia administrativa, referente à
gestão de seus negócios dentro dos limites jurisdicionais que lhes são atribuídos.
Distingue-se, segundo o autor, de confederação – os Estados confederados não
alienam sua autonomia interna, pela qual se conserva uma entidade com personalidade própria
em relação aos demais Estados da confederação, apenas renunciam de sua soberania externa -.
De forma a compreender melhor, na confederação os Estados mantêm sua soberania
interna e podem usar o direito de secessão, ou seja, de separação. Na federação, as unidades
44
45
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
Ibidem
33
federadas formam um corpo único, com um poder central e estão mantidos pela união
indissolúvel.46
No modelo federação há duas entidades: União (Poder Central) e Estados-Membros
ou Estados Federados. Assim, não faz parte da federação o Município que foi um modelo
novo trazido pela Carta Magna de 1988, quebrando o modelo dual do regime de federação.
2.2.1 Constituição imperial
A Constituição Imperial, que marcou a ruptura da dominação monárquica
absolutista, foi outorgada em 25 de março de 1824 instituiu as Câmaras Municipais em todas
as cidades e vilas, existentes então, e as que viessem a ser criadas. Os artigos 167 ao 168
tratam da criação das câmaras, forma de eleição destas e delimita as funções municipais.
A Carta Imperial, além de consagrar o império com fundamento nos três poderes
teorizados por Montesquieu, reconheceu outro poder “o Poder Moderador”, que representava
a base de organização do Estado.
Contudo, o que se destaca, para a presente pesquisa, é a relevância que a
Constituição Imperial deu às cidades e vilas com a criação das Câmaras Municipais,
determinando a decretação de lei regulamentar para disciplinar as funções, competências e
posturas, inclusive policiais, dos integrantes das Câmaras.
É interessante fazer um apreço quanto à significação de cidade e vila no momento da
criação da Constituição Imperial.
Assim, povoado representavam pequenas aglomerações, com poucas ruas, com
elementos identificadores, como por exemplo, a praça, as calçadas, os lampiões de querosene
ou a óleo, comércio e feira, igreja.
46
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005.
34
O crescimento do povoado poderia conceder-lhe o status de vila47 que se tornariam
sedes de distrito municipal. Após esse processo, as vilas poderiam aspirar a se tornarem
cidades48 e, assim sendo, seriam as sedes dos Municípios. As Municipalidades da época da
Constituição Imperial não tinham Prefeito, cujo cargo só foi criado em 1835.
A diferença que existia para a concepção de cidade e vila era identificada pela
composição dos membros das Câmaras Municipais que, das vilas tinham apenas sete
membros enquanto que as da cidade tinham nove membros.
2.2.2 A Constituição que elevou o Município à categoria de ente federal
O Município como ente federado é uma estrutura peculiar do sistema federativo
Brasileiro. Todavia, sua origem antecede ao período republicano, quando o pacto federativo
fora definitivamente firmado no Brasil.
O Município, no Brasil, possui características peculiares: integra o quadro federativo,
possui autonomia financeira, legislativa, política e administrativa e, ademais, é constituído por
um núcleo urbano, sede do governo municipal (cidade) e pela área rural.
Esse ente federado é regido por Lei Orgânica, conforme disciplina a Constituição
Federal de 1988, nos termos do artigo 29 e, em conformidade com o artigo 30 tem
competência para legislar sobre assuntos locais entre outras.
O fortalecimento do Município ganha espaço apenas a partir da Proclamação da
República, quando a Constituição de 1891 consagra a autonomia desses entes, respeitando-se
47
Vila, do latim villa. Moradia rural. Na terminologia do direito público é a povoação, a localidade, ou o lugar
que, constituindo uma unidade administrativa passa à categoria superior aos povoados e aldeias. Mas é, inferior à
cidade. (Plácido e Silva, Ibiden)
48
Povoação de categoria superior à da vila; conjunto dos habitantes dessa povoação. FERNANDES, Francisco,
Celso Pedro Luft, F. Marques Guimarães. Dicionário Brasileiro Globo. São Paulo: Globo, 2001.
35
e garantindo-se o pacto federativo recém criado no País. No entanto, foi só com a Revisão
Constitucional de 1926 que esse ente federal ganhou certa autonomia municipal.
Assim, em 1934 a separação federativa ganha a conotação até hoje existente no
Brasil, quando passa a tratar separadamente as competências constitucionais entre Estado
Federal, Estados Federados e Municípios.
Meirelles (2004)49 destaca que, na composição da federação o município é uma
entidade político-administrativa de terceiro grau, uma vez que vem em primeiro plano a
União, depois os Estados-Membros e, seguindo a ordem, os Municípios.
O fato é que o município brasileiro, como integrante da federação, é uma criação do
Constituinte de 1988m, com os encargos de implementar políticas e ações locais e sociais.
Desta forma, é possível constatar a aproximação e maior identidade do Poder Público
local às necessidades sociais mesmo considerando que a prestação de alguns serviços públicos
seja prerrogativa da União e dos Estados-Membros, é nos municípios que as pessoas
interagem.
A Constituição Cidadã de 1988 trouxe a incontestável ampliação da autonomia
municipal, concedendo a entidades políticas, inclusive, de elaborar sua própria Lei Orgânica.
Para Castro (1998)50, o Município alcançou, na Carta de 1988, "a consagração máxima que se
podia vislumbrar dentro do contemporâneo municipalismo, para a autonomia municipal e seu
regime jurídico-constitucional."
Na verdade, as políticas municipais são responsáveis por significativa parte da
garantia do bem estar da população. Contudo, a situação atual de muitos dos municípios
brasileiros não corresponde à autonomia dada pela Constituição de 1988.
49
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13º Edição, atualizada por Célia Marisa Prendes e
Márcio Schneider Reias. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.
50
Ibidem
36
A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios deveriam
preservar a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, e seriam feitas por meio de lei
estadual, sendo obedecidos requisitos estabelecidos por lei complementar - também estadual mediante plebiscito para consulta da população diretamente interessada, isso era o que
dispunha antes da Emenda Constitucional nº 15, de 1996, que federalizou o controle de
criação dos entes municipais, passando para lei federal os requisitos de criação dos
municípios, estabelecendo como condição de criação desses entes, após a consulta popular, a
viabilidade de sua sustentação a ser auferida por um estudo de viabilidade municipal, a ser
apresentado na forma da lei.
Diante dessa disposição, entende-se que a emenda, na verdade, pretendeu inibir “a
proliferação de novos municípios” que tinham suas atividades reduzidas ante sua
incapacidade econômico-financeira, entre outras.
Registram dados do IBAM51, em 1987, que no Brasil já tinham sido criados 4.180
municípios, porém, em 1997, esse número saltou para 5.507, ou seja, do período transcorrido
entre o início da vigência da Constituição atual e o momento em que passaram a vigorar as
regras introduzidas pela Emenda n° 15, de 1996, foram criados 1.327 municípios.
É certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovações para a vida
municipal, de forma que o Município passou a constituir a federação. Contudo, um ponto
relevante é a questão da política urbana, tratada nos artigos 182 e 183.
De acordo com os dispositivos constitucionais, tornou-se ônus dos municípios
brasileiros a execução de políticas de desenvolvimento urbano, com fins de ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar dos munícipes.
51
Instituto Brasileiro de Administração Municipal.
37
2.2.3 O Município e a política urbana
De acordo com a Wikipédia52, a enciclopédia livre, o Município ou também
denominado Conselho significa:
“ A divisão administrativa de um estado ( divisão territorial de determinados
países) distrito ou região, com autonomia administrativa, e que se constitui de certos
órgãos político-administrativos. No caso do Brasil, o município é composto pela
Prefeitura e pela Câmara Municipal; em Portugal, é composto pela Assembléia
municipal, Câmara municipal e, facultativamente, pelo Conselho municipal. Já entre
os antigos romanos, era a cidade que tinha o privilégio de governar-se segundo suas
próprias leis, porém, nem todos os habitantes possuíam os mesmos direitos ”.
A Wikipédia em geral, distingue ainda três tipos de municípios os quais
denomina de:
“Urbanos - municípios constituídos exclusivamente, ou quase, por
território urbanizado; Rurais - municípios constituídos por um ou mais núcleos
populacionais de pequenas dimensões e por território não urbanizado relativamente
vasto; Mistos - municípios que compreendem quantidades significativas quer de
território urbano, quer de território rural”.
É importante, antes de tratar da política urbana que é um ônus para os Municípios,
traças algumas linhas sobre o Direito Urbanístico com o objetivo de compreender o objeto
dessa ciência jurídica.
O Direito Urbanístico é o ramo do direito público que tem como objeto o
ordenamento da propriedade urbana, aliado ao cumprimento da função social (da cidade e da
propriedade) determinada por lei, aproveitando e identificando os espaços habitáveis.
Para Meirelles (1990)53 o direito urbanístico é:
“O ramo do direito Público destinado ao estudo e formulação dos princípios e
normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo. (...)
o direito Urbanístico ordena o espaço urbano e as áreas rurais que nele interferem,
através de imposições de ordem pública, expressas em normas de uso e ocupação do
solo urbano ou urbanizável, ou de proteção ambiental, ou enuncia regras estruturais
e funcionais da edificação urbana coletivamente considerada” .
52
53
Enciclopédia livre: www.pt.wikipedia.org/wiki/município
Ibidem
38
Desta forma, compreende-se que a política urbana para o desenvolvimento da idade
necessita ser articulada em conjunto com as políticas da educação, saúde, segurança, bemestar social, lazer, meio ambiente, emprego, renda, trabalho.
O direito à cidade implica na inclusão social, moradia, combate à violência e redução
das desigualdades sociais, étnicas e regionais, respeitando as diferenças de cada região nas
ações que promovem o desenvolvimento sustentável. Não ocorrerão resultados positivos se a
política urbana não for criada e executada por planejamento deve ser feita por meio de metas
traçadas que envolvam a participação popular.
A política urbana envolve propostas de crescimento e desenvolvimento para o setor
público, com o envolvimento da sociedade, mas com a participação responsável dos
Municípios brasileiros.
Para Silva (2000)54 o direito urbanístico tem por objeto regular a atividade
urbanística, disciplinar a ordenação do território que abrange a cidade.
Dentre os princípios consagrados pelo Direito Urbanístico, o da dignidade da pessoa
humana, assume relevante status. A vida é direito fundamental garantida pela Constituição.
Entretanto, não basta garantir a vida, torna-se necessário que a vida seja garantida com
dignidade.
Desta forma, é compreensível que o Direito urbanístico calcado no desenvolvimento
de técnicas de ordenação dos territórios; na utilização social da propriedade; na execução das
funções sociais da cidade, preocupe-se, juntamente, com a concretização do direito à
dignidade da pessoa humana. Não há que se falar em dignidade sem moradia, sem condições
de trabalho, sem lazer, sem o exercício pleno do direito de circular.
54
Ibidem
39
Funda-se, desta feita, o direito urbanístico no princípio da isonomia, pelo menos
formal, através do qual toda pessoa merece tratamento igualitário diante da lei. Todos, por
essa interpretação, devem ter acesso aos equipamentos urbanos e aos serviços públicos.
Diante da vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade, torna-se um múnus
público a efetivação desse princípio pela elaboração e aprovação de planos que instituam
normas quanto à ocupação, uso e transformação do solo urbano e rural, uma vez que toda
pessoa tem garantido, isonomicamente, o acesso à cidade.
O correto ordenamento do solo urbano, no que tange à aplicação das políticas de
desenvolvimento municipal, que, segundo Castro (1998)55 :
“O traçado da cidade, compreendendo o arruamento, o alinhamento e o nivelamento,
o zoneamento, o parcelamento (loteamento, desmembramento e o desdobro de
lotes), a dimensão dos lotes, o controle das construções, a taxa de ocupação e
coeficiente de aproveitamento, os recuso, o gabarito das edificações, a estética
urbana, o solo criado, os usos conformes e desconformes ou mistos, o perímetro
urbano, entre outros institutos urbanísticos, na conformidade com as
regulamentações edilícias.”
Se a política urbana visa o bem-estar de todos os habitantes da cidade, revestem-se,
pois, de imperatividade e generalidade. Para Guimarães (2001):
“As normas de direito Urbanístico são de natureza pública, cogentes, fruto do poder
de polícia do Estado que intervindo na disciplina das relações jurídicas estabelece o
condicionamento do exercício do direito de propriedade ao interesse coletivo, uma
vez que o delineamento da propriedade atual se dá em razão da primazia do
interesse público em relação ao interesse particular”.
Também para Mattos (1990):56
“As imposições urbanísticas são preceitos de ordem pública que nascem como
limitações ao exercício indiscriminado do direito de propriedade em
desconformidade com as normas urbanísticas instituídas em lei. Substancialmente,
elas se justificam pela necessidade de adequar-se o exercício do direito ao bem-estar
social e compatibilizá-lo com a utilidade coletiva, ou seja, as normas de direito
urbanístico, cujo objeto é delinear o direito de propriedade, são públicas porque
estabelecidas para conformar o interesse do indivíduo e o da coletividade”.
55
Ibidem
MATTOS, Celso Carlos. Organização social do poder político: novas experiências. Belo Horizonte: Del Rey,
1999.
56
40
No Brasil, cuja taxa de urbanização alcançou altos índices nas últimas décadas,
perdendo a paisagem do país rural e passando à categoria de país urbano, pois, mais da
metade da população brasileira vive nas cidades, ocasionando na área urbana o crescimento
desordenado e gerando, como efeito negativo, graves problemas para os gestores públicos.
Diante dessa realidade, é constatável que a administração dos problemas urbanos por
parte de muitos municípios brasileiros, diante de parcos recursos financeiro ou de
planejamento, tem apresentado resultado negativo no que diz respeito à eficácia das políticas
urbanas.
“Está claro que o modelo de gestão urbana que acomodou os conflitos e
contradições, desenhando os contornos mal-definidos das cidades brasileiras até
hoje, não tem mais condições de se sustentar. Talvez a expressão mais clara deste
transbordamento seja o aumento vertiginoso da violência urbana. Ela nos conta
sobre um modelo de urbanização sem urbanidade que destinou para os pobres uma
não-cidade, longínqua, desequipada e, sobretudo desqualificada como espaço e
como lugar. Conta-nos também sobre um modelo de urbanização que concentrou as
oportunidades imobiliárias e o acesso à informação em ilhas protegidas e exclusivas,
que se encontram hoje sitiadas. Por isso, as definições de parceria e de
descentralização e autonomia local sobre as quais tem se sustentado o modelo de
gestão urbana brasileira carecem urgentemente de revisão” ROLNILK 57.
A expectativa que a nova cidade traz é buscar ferramentas à luz do direito urbanístico
para que vida na cidade oferte bem-estar aos seus habitantes por meio de políticas urbanas
exeqüíveis e que proporcione a todos o exercício dos direitos implícitos nas funções sociais da
cidade: morar; trabalhar; circular; habitar.
A política urbanística, pela necessidade atual, deve vincular-se aos princípios da
cooperação entre os governos, da iniciativa privada e com os demais setores da sociedade, na
busca de alternativas de soluções viáveis e de curto prazo.
57
ROLNIK, Raquel. O Brasil e o Habitat II. Revista Teoria e Debate nº 32- (jul/ago/set 1996) - SUS/Fundação
Perseu Abramo. Publicação on line em 22/06/2006 www.perseuabramo.org.br/cidades
41
3. O URBANISMO E A CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DE SUA
EXISTÊNCIA
O Urbanismo, enquanto ciência jurídica, com autonomia, objeto específico e
princípios próprios, surgiu no final do século XIX, muito preso à idéia do estético urbano embelir la ville -58. Mas, no decorrer de algumas décadas passou a deter-se com as questões
da organização e intervenção no espaço urbano, como prática das mudanças emergentes
diante do quadro caótico que apresentavam as cidades européias no que tange a muitos
pontos: péssimas condições de habitação e insalubridade resultados negativos do processo
industrial.
Mais adiante prevaleceu a escola inglesa que voltava sua preocupação para a
harmonia de dois elementos: Natureza e Homem, aproximando o campo e a cidade como
busca de bem-estar das pessoas nos espaços que podem ser habitados.
A maturidade só ocorreu quase ao final do século XX, quando se voltou para as
técnicas que objetivassem a organização do espaço urbano com fins de proporcionar aos
habitantes da cidade bem-estar através do desempenho das funções urbanas, ou funções
sociais da cidade: habitação, trabalho, recreação, circulação.
Expressão usada pela escola francesa. Pierre Lavedan, Histoire de l’Urbanisme – Époque Contemporaine,
Paris, 1952 apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13º Edição, atualizada por Célia
Marisa Prendes e Márcio Schneider Reias. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.
58
42
As funções sociais da cidade, como forma de promover o bem-estar coletivo, foram
recomendadas na Carta de Atenas59 e, para a efetivação das funções sociais da cidade o
urbanismo emprega ferramentas e técnicas, além da legislação, para atingir o planejamento da
ordenação, ocupação e desenvolvimento dos espaços habitáveis, e não apenas o solo urbano.
Ao termo urbanismo são aplicadas diferentes conceituações, contudo, a que mais se
difundiu tem origem na França, 1910, e segundo Bardet (1989)60 este termo surgiu por volta
de 1910, na França, no Bulletin de la Societé Geographique para denominar uma “nova
ciência” que se diferenciava das artes urbanas anteriores, voltadas para os estético, por seu
caráter crítico e reflexivo.
Da evolução do urbanismo, do conceito até seus objetivos práticos, constata-se que o
período, até a metade do século XX, caracterizou-se pela elaboração de planos que tinham por
objetivo o embelezamento da arquitetura burguesa diante da destruição do que restara da
forma urbana medieval, no Brasil, seria a forma colonial como manifesto expresso de repudiar
o período Brasil colônia.
Com o crescimento desordenado das cidades a partir da década de 30 até os anos 90,
resultado principalmente do êxodo rural, foi necessário centralizar os objetivos da atividade
urbanística nos crescentes “problemas urbanos” buscando solução através de ferramentas
como o zoneamento para fins de organizar o espaço físico-territorial das atividades no espaço
construído.
Das décadas de 1960 até 1990, os problemas urbanos são aliados, principalmente,
pela migração camponesa que não pode ser absorvida na sua integralidade pelas cidades,
exigindo dos setores do governo federal um planejamento urgente como forma de racionalizar
o caos urbano.
59
Documento resultado do 4º Congresso, de Atenas, Análise de 33 Cidades. Elaboração da Carta do
Urbanismo, 1933
60
BARDET, Gaston. L´ urbanisme. Paris:Presses Universitaires, 1989 apud LEAL, Rogério Gesta. Direito
Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro:Renovar, 2003.
43
Muitos programas com fins de amenizar os problemas habitacionais, entre tantos,
foram criados no âmbito nacional (BNH – Banco Nacional de Habitação), e principalmente
em nível local, visando capacitar os “municípios, intervir na política de distribuição dos
distritos industriais e racionalizar a promoção das condições gerais da produção”.
A questão da política urbana se coaduna com a questão da proteção ambiental, sob
esta ótica, o resguardo ao meio ambiente é fortemente influenciado pela implementação de
políticas urbanas, cuja gestão é constitucionalmente atribuída aos municípios.
A Constituição de 1988 trouxe uma relevante novidade, ao consagrar a política
urbana nacional como uma das políticas públicas, juntamente com as políticas da ordem
social e econômica do Brasil.
Embora estabeleça a Carta constitucional que cabe à União instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusos o saneamento básico, transportes urbanos, habitação,
declara a execução da política de desenvolvimento urbano será executada pelo governo
municipal, em conformidade com as diretrizes gerais previstas em lei, para que se possa
garantir a execução das funções sociais da cidade e o bem-estar da população.
Para a concretização das ações de desenvolvimento urbano é necessário recorrer aos
instrumentos da política urbana:
- Planos nacionais
- Planos regionais
- Planos estaduais
“No Brasil, a institucionalização do planejamento urbano nas administrações
municipais se disseminou a partir da década de 70, com a missão de promover o
desenvolvimento integrado e o equilíbrio das cidades, em um contexto de explosão
do processo de urbanização. Durante este período consolidou-se a conhecida
clivagem da paisagem urbana brasileira: um contraste muito claro entre uma parte
das cidades que possui alguma condição de urbanidade, uma porção pavimentada,
ajardinada, arborizada, com infra-estrutura completa – independentemente da
qualidade desses elementos, que em geral é pouca – e outra parte, normalmente de
duas a três vezes maior do que a primeira, cuja infra-estrutura é incompleta, o
44
urbanismo inexistente, que se aproxima muito mais da idéia de um acampamento do
que propriamente de uma cidade.” ROLNIK61
Diante do incontestável quadro caótico das maiores grandes cidades brasileiras, é
reconhecido que a atividade urbanística destina-se à aplicação dos princípios urbanísticos que
visam, precipuamente, a qualidade de vida nas cidades.
A qualidade de vida, como direito fundamental deve estar assegurado pelo Poder
Público através de políticas eficazes e ações imediatas. Não haverá política eficaz sem
ferramentas disponíveis ou aplicação de princípios que visem proteger o ambiente construído
– a cidade -.
Portanto, as atividades urbanísticas devem pretender atingir a todos os aspectos que
se destinam proporcionar uma boa qualidade de vida na cidade que influencia,
indiscutivelmente, na proteção aos elementos que compõem o meio ambiente urbano:
- ambiente natural ou físico, com seus elementos constitutivos: água, solo, ar, fauna e
flora;
- ambiente cultural – forma de expressão e registro da vida humana;
- ambiente artificial – toda forma de construção do homem no seu meio;
- ambiente do trabalho – lugar de produção do homem
Diante da necessidade de proteger o direito à qualidade de vida do homem na cidade
é que o constituinte de 1988 deu importância à política urbana como forma de garantir o bemestar dos habitantes da cidade.
3.1 OS ARTIGOS 182 E 183 DA CARTA MAGNA DE 1988
A Constituição da República, também chamada Constituição Cidadã, estabelece que
os objetivos da política de desenvolvimento urbano, expressos artigo 182/183 da CF,
61
Membro do corpo Técnico do Instituto Polis. Artigo publicado Revista Polis on line, Planejamento e gestão:
um diálogo de surdos? Acesso, agosto de 2007
45
consistem em: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem-estar de seus habitantes, através da gestão do Município.
Nessa missão, a Comuna não tem, a liberdade de agir através de diretrizes criadas por ele
mesmo e, sim se ater às diretrizes gerais, norteadoras dessa política, fixadas em lei federal.
Não obstante, as Leis Orgânicas merecem consideração, pois que, via de regra,
tratam do tema estabelecendo ações para o setor urbano da cidade, apontando diretrizes a
serem observadas pela política urbana municipal, da mesma forma que ressalta aspectos
relativos à habitação, ao saneamento, aos transportes, ao meio ambiente.
A Constituição Federal, ademais, exalta a importância do uso da propriedade quando
destaca no artigo 182 que a propriedade urbana deve cumprir sua função social quando
atendidas as exigências fundamentais de ordenação expressas no Plano Diretor.
Constata-se a importância do constituinte de 1988 ao plano diretor uma vez que o
conceitua como “instrumento básico de desenvolvimento e de expansão urbana”. Na verdade
o plano diretor passa a se constituir num instrumento através do qual se inserem as diretivas
básicas do ordenamento territorial do município, assim como o estabelecimento de medidas
estratégicas e ações capazes de implementar os objetivos da política urbana municipal.
A importância consagrada ao plano diretor visa, através desse instrumento, controlar
o exercício do direito de propriedade no meio urbano, impondo que este deverá, antes de tudo,
ordenar a cidade, conferindo-lhe à “função social”, isto é, a cidade deve propiciar qualidade
de vida a todos os seus habitantes.
Nesse contexto fica configurada a noção de propriedade urbana, sujeita a um regime
jurídico próprio, considerando os princípios e diretrizes contidos no plano diretor.
Não se pode afastar, contudo, a competências dos demais entes quanto à execução
dessa política a competência da União, no tange à elaboração e execução de planos nacionais
e regionais de ordenação territorial (art. 21, IX), para instituir diretrizes para o
46
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos
(art.21, XX, ou para legislar, de forma concorrente com os Estados-membros, sobre direito
urbanístico (art.24, I).
As demais competências foram atribuídas aos Municípios, mediante a competência
ao ente local para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII).
Na verdade, a atividade em controlar as atividades das cidades sempre foram
encargos das municipalidades, mesmo no tempo do Brasil-Colônia:
“Regras gerais e simples de Direito urbanístico já encontramos no velho direito
luso-brasileiro. As ordenações do Reino fixavam princípios básicos e genéricos
sobre a ordenação das povoações, como aquela que determinava que: ´Aos
vereadores pertencem ter encargo de todo o regimento da terra e das obras do
Conselho, e de tudo que puderem saber, e entender, porque a terra e os moradores
dela possam bem viver, e nisso hão de trabalhar´. Nisso estaria ainda a idéia de que
as imposições urbanísticas eram de competência das autoridades locais (...)” SILVA
(1995).62
Como se observa à competência municipal para promover a gestão da cidade e
proporcionar bem-estar aos seus habitantes foi ratificada pela Carta de 1988, não dando
margem a nenhum questionamento quanto a essa atribuição.
É claro que, como forma de controle do uso da propriedade urbana, pela ação
municipal através da atividade urbanística implica na geração de conflitos entre o interesse
coletivo e o interesse individual do proprietário.
Resta relembrar que o direito à propriedade, garantido pela Constituição federal, não
tem valor absoluto uma vez que o Poder Público dentro de certas circunstâncias e condições
poderá intervir na propriedade particular.
O art.5º, inciso XXII, estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" e,
segundo o artigo 182, a função social se cumpre quando atende às exigências fundamentais de
62
Ibidem
47
ordenação da cidade expressas no plano diretor que será, na verdade, lei editada pelo
município. Portanto, é o Plano Diretor que vai estabelecer as exigências para que sejam
cumpridas as funções sociais da propriedade.
Ademais, expressão função social remete ao coletivo, aos interesses da sociedade e,
portanto, prevalecem sobre o interesse individual.
“(...) o direito de propriedade pode ser retirado de seus titulares diante da incidência
da necessidade ou até mesmo da utilidade pública e, ainda, do interesse social,
cabendo exigir-se de outra parte, que a propriedade cumpra sua função social.”
BEZNOS (2003) 63
O artigo 183 da Constituição Federal dispõe sobre a forma de aquisição de
propriedade urbana através do usucapião64 conforme os requisitos ali estabelecidos. Mais uma
vez comprova-se que a política urbana incide no controle do devido uso da propriedade com
fins de obrigar aos seus proprietários a dar destinação aos imóveis, sejam situados na área
urbana ou rural.
Não se pode, porém, afastar que a Constituição resguarda como natureza
fundamental o direito à propriedade, salvo a perspectiva de resguardar-se o direito coletivo
que é um bem ambiental.
“O bem ambiental é, portanto, um bem que tem característica constitucional mais
relevante ser essencial à sadia qualidade de vida, sendo ontologicamente de uso
comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos
limites constitucionais. Uma vida saudável reclama a satisfação de um dos
fundamentos democráticos de nossa Constituição Federal, qual seja, a dignidade da
pessoa humana, conforme dispõe o art. 1º, III. É, portanto, da somatória dos dois
aspectos: bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que
estrutura constitucionalmente o bem ambiental.” FIORILLO (2003)65
O usucapião especial está tratado na Carta Federativa no artigo 183 que concede ao
possuidor o direito de adquirir a propriedade pelo exercício do uso, espacial e temporal, para
sua moradia ou de sua família, tomando para si o domínio, excluindo de forma expressa (§3º
do art. 183) os imóveis públicos.
63
BEZNOS, Clovis. Desapropriação em nome da Política Urbana (art. 8º). Estatuto da Cidade (Comentários à
Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abeu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda,2003.
64
Opção pela versão do termo como gênero masculino
65
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003.
48
Sobre essa prerrogativa constitucional, assim se manifesta Ferraz (2003):66
“(...) além dos valores da segurança jurídica e da paz social, aqui ainda ordenação e
controle saudáveis do uso do solo, o combate à especulação e às patologias da
utilização do imóvel gozam de especial apreço o desenvolvimento da cidade, o bemestar de seus habitantes, o equilíbrio ambiental, a urbano (coartando sua
subutilização, sua não-utilização e sua degradação) o acesso do cidadão à
titularidade dominial urbana, a valorização do trabalho. Foi com tudo isso em mente
que surgiu a nova figura do usucapião especial. Ela existe como instrumento
operacional da política urbana.”
São requisitos para a aquisição do usucapião especial, segundo o teor do dispositivo
183 da Constituição de 1988:
- posse de cinco anos
- posse mansa, pacífica e ininterrupta (boa-fé).
- área de 250m2, em área urbana.
- para própria moradia, ou da família.
- não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.
3.2 TENTATIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE LEIS URBANÍSTICAS
O Brasil da década de 60 e 70 não estava envolvido nas primeiras discussões
ambientais uma vem que a política predominante era desenvolvimentista, ou seja, “progresso
a qualquer custo”.
Esse lema provocou, de forma imediata, uma onda migratória do campo para as
cidades resultando no que logo se condicionou chamar de “inchaço urbano”. Com o aumento
da população no ambiente construído os problemas de deficiência dos serviços públicos ou
mesmo o acesso a estes se tornou uma constante em todas as grandes cidades brasileiras.
Assim, o cenário local assemelhava-se ao cenário de qualquer grande cidade
européia e dos Estados Unidos. Ora, havendo desconformidade com a demanda e a oferta de
66
FERRAZ, Sérgio. Usucapião especial (arts. 9º a 14). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal
10.257/2001). Coord. Adilson Abeu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.
49
serviços públicos, é certo que as funções sociais da cidade estavam bastante comprometidas
se não, impossíveis de serem executadas com eficiência.
O espaço urbano tornou-se diante da crise, um ambiente de segregação com graves
problemas cujas soluções se tornaram um desafio para os gestores públicos. A evasão do
campo para a cidade movida pela expectativa de realização de sonhos ou meramente a busca
de melhores condições de vida gerou para todos os conflitos urbanos oriundos da:
- falta de salubridade dos ambientes; falta de higiene.
- falta de espaço habitável; especulação imobiliária.
- desemprego; mendicância.
- poluição; consumo.
- doenças; mortes prematuras.
- abastecimento; miséria.
Todos esses aspectos se tornaram contradições na busca da idealização da cidade
ordenada e sem problemas. Não obstante a mendicância e a pobreza resultarem no quadro
triste e sem beleza para a cidade a densidade demográfica no meio urbano exigia do Poder
Público medidas de policiamento e de ordenação que só poderiam ser aplicadas se autorizadas
por legislação específica.
A urbanização gerou um desenvolvimento heterogêneo das cidades piorando ainda
mais o problema da exclusão social e afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas.
Para melhorar o modo de vida das pessoas torna-se necessário planejar a cidade o
que implica, sem dúvida, na elaboração de planos com metas e objetivos que envolvem,
inclusive, poder público e coletividade.
“Tomar a cidade como foco de discussão significa um modo determinado de
problematizar a questão da cidadania e das relações sociais. A cidade e a cidadania,
aqui, são tomadas como práticas, discursos e valores que constituem o modo como
50
desigualdades e diferenças são figuradas no cenário público, como interesses se
expressam e como conflitos se realizam.” LEAL (2003)67
O processo de urbanização no Brasil sempre ficou atrelado à questão da economia
internacional, desde a época colonial, o que implica reconhecer que se trata de um capitalismo
dependente. Assim, as estratégias institucionais acabam por ser, mesmo que indiretamente,
influenciadas por estes aspectos. Portanto, não exige dificuldade em reconhecer que o Brasil
mesmo sem ter influência local por questões ambientais urbanas foi, sim, influenciado pelo
movimento desencadeado na Europa e nos Estados Unidos.
Na Europa os movimentos em prol de uma cidade mais humana e mais organizada
tiveram início desde:68
- 1929 – 2º Congresso, Frankfurt (Alemanha) – Estudo da moradia mínima;
- 1930 – 3º Congresso, Bruxelas – Estudo do Loteamento racional;
- 1933 – 4º Congresso, Atenas – Análise de 33 Cidades. Elaboração da Carta do
Urbanismo;
- 1937 - 5º Congresso, Paris – Estudo do problema da Moradia e Lazer;
- 1951 – 8º Congresso, Hoddesdon – Estudo do centro, do coração das cidades;
- 1953 – 9º Congresso, Aix-em-Provence, Estudo do habitat humano;
- 1956 – 10º Congresso, Dubrovnik – Estudo do habitat humano
O que observa, sem muito esforço é que as questões urbanas, discutidas no âmbito do
Direito Urbanístico, estão sempre aliadas à discussão da Arquitetura.
Assim consta da Carta de Atenas (1933):69
“O urbanismo é a administração dos lugares e dos locais diversos que devem abrigar
o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas
manifestações, individuais e coletivas. Ele envolve as aglomerações urbanas quanto
os agrupamentos rurais. O urbanismo não poderia mais estar exclusivamente
subordinado às regras de um estetismo gratuito. Por sua essência, ele é de ordem
67
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: Condições e possibilidades da constituição do espaço urbano.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
68
Fonte IPHAN
69
Documento que resultou do 4º Congresso de Arquitetura em Atenas (Grécia), 1933
51
funcional. As três funções fundamentais péla realização das quais o urbanismo deve
velar são: 1ª habitar; 2ª trabalhar; 3ª recrear-se. Seus objetivos são: a) a ocupação do
solo; b) a organização da circulação; c) a legislação”.
A legislação urbanística do Brasil do período Republicano (1889) até 2001 tinha
como fim disciplinar o aspecto estético da cidade, ou seja, era voltada apenas para o
embelezamento. Observa-se que no Brasil, do período republicano até pouco tempo, o que
importava era a concepção do embelir la ville, quando não impor normas sanitárias.
As regras de inibição de conduta individual perante o espaço da cidade estavam
previstas nos Códigos de Posturas que além de condutas estéticas previa também a questão
sanitária, de forma preponderante.
As alterações na legislação urbanística brasileira, durante o século XX, não tiveram
força para incorporar instrumentos de regulação dos conflitos sociais urbanos, apenas
desenvolveu alguns mecanismos de preservação e regulação interna mais voltada para o
mercado imobiliário emergente.
A legislação urbanística brasileira que fugisse apenas às regras de restrição de
atividades e de uso, sob a mira do poder de polícia, emergiu na década de 1970, quando
implementou procedimentos quanto ao parcelamento do solo urbano através da Lei nº 6.766,
de 19 de dezembro de 1979. Conforme regra o art. 2º desse instituto legal o parcelamento do
solo urbano poderá ocorrer mediante: loteamento ou desmembramento.
A partir daí foram desenvolvidas ações com técnicas execução de projetos de
interesse social tem por objeto urbanizar e integrar as populações carentes que estavam
socialmente excluídas. Contudo, era necessário aplicar recursos públicos quase nunca
disponíveis para essas políticas.
52
3.3 LEIS FEDERAIS SOBRE URBANISMO
A evolução da legislação urbanística federal, no Brasil, pode assim ser resumida:
- 1979 – Lei nº 6.766 dispõe sobre o parcelamento do solo urbano70
- 1981 – Lei nº 6.938 dispõe sobre a Política Nacional do Meio ambiente (art. 2º, II –
racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar e V- controle e zoneamento das
atividades potencial ou efetivamente poluidoras)
- 1985 – Lei nº 7.347 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos
causados ao meio ambiente (art.1º - III – à ordem urbanística)
- 1998 – Lei 9.605 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de
condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (art. 62- dos crimes contra o ordenamento
urbano e o patrimônio cultural)
- 2001 – Lei 10.257 regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal
estabelece diretrizes gerais da política urbana.
Resoluções do CONAMA: 01/1986; 237/1997; 306/2002.
A Lei 6.766, de 1979, que trouxe técnica voltada para um melhor aproveitamento
urbanístico do solo, substituiu o Decreto nº 58/37 que se aplicava apenas o parcelamento para
fins rurais. O objetivo de criação do instituto legal prende-se à necessidade de garantir
padrões mínimos de qualidade para os loteamentos, no aspecto urbanístico e também
ambiental.
As alterações advindas com a Lei de parcelamento do solo, entre outros, foram:
- a decisão do governo municipal sobre o percentual mínimo de áreas para fins de
loteamento;
- ampliação dos prazos das diretrizes estabelecidos pela autoridade municipal;
- extinção da anuência prévia do Estado para a implantação dos loteamentos urbanos.
70
Alterada pela Lei 9.785, de 29/01/1999
53
Um ponto importante a destacar com o advento da Lei 6.766/79 é que o
parcelamento (divisão de área de terreno em lotes, sob a forma de desmembramento ou
loteamento) do solo deixou de ser simples meio de venda de terrenos à prestação.
Na verdade, o parcelamento tornou-se uma ferramenta legal do Direito Urbanístico
com o objetivo de ordenar o espaço urbano destinado para habitação.
Atualmente, urge que a lei de parcelamento do solo urbano sofra reformas,
principalmente no que toca à questão dos condomínios urbanísticos que não são considerados
modalidade de parcelamento do solo urbano.
Em termos de tutela ambiental, a Lei nº. 6.938, de 31 de outubro de 198171, além de
trazer definições para alguns termos novos, como meio ambiente e poluição, instituiu o
Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e apresentou mecanismos e ferramentas
para aplicação direta da política nacional do meio ambiente.
Esse instituto jurídico, além de vanguardista, é bastante eficaz e disponibiliza os
princípios protecionistas que garantem a proteção do meio ambiente como bem difuso. Além
disso, mostra a necessidade de aplicação de normas e planos e monitoramento em todos os
níveis de governo para a execução da política nacional.
O instituto legal que trata da ação civil pública (Lei nº. 7.347/85) criou um
mecanismo de grande importância no cenário da legislação nacional que tem por fim apurar e
responsabilizar o agente que comete danos ao meio ambiente. Pela Ação Civil Pública fica
tutelado o bem ambiental, com natureza difusa, de duas formas:
1ª - voltada para a cessação da causa de prejuízos e pela responsabilização dos
causadores de danos
2ª - forçar o poder público a criar políticas necessárias para a proteção do meio
ambiente
71
WAINER, Ann Helen. Legislação Ambiental Brasileira: subsídios para a História do Direito Ambiental.
Rio de Janeiro: Revista Forense,1999.
54
A Lei nº 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, dispõe sobre sanções que devem ser
aplicadas diante de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, cuja natureza poderá ser:
administrativa ou penal. A lei alcança tanto as pessoas físicas quanto às jurídicas que, em face
das suas atividades, vem ocasionar danos.
A lei tipifica práticas consideradas criminosas e, portanto, tutela a fauna, a flora,
entre outros, o ordenamento urbano. Quando atribui ao cada infrator (pessoa física ou
jurídica) um dos delitos previstos, trouxe de forma inovação a despersonalização da pessoa
jurídica, em situações que possam dificultar a identificação do delinqüente no que toca ao
obstáculo de ressarcimento ou de recomposição de dano.
Existem ainda resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente que vem
regulamentar as especificidades ligadas ao cumprimento da Política Nacional do Meio
Ambiente, na forma de instrumentos a serem utilizados, como a Resolução nº 001, de 23 de
janeiro de 1986, que estabelece definições, responsabilidades, critérios básicos, e diretrizes
gerais para o uso e a implementação de Avaliação de Impacto ambiental e a Resolução nº 237,
de 19 de dezembro de 1997, que trata do licenciamento ambiental para o exercício de
determinadas atividades econômicas.
Lei 10.257/2001
Ainda no início da década de 90, o projeto nº 181/89 iniciou o trâmite na Câmara dos
Deputados, transformando-se em Projeto de Lei de nº 5.788/90. O projeto sofreu muitas
pressões de segmentos da sociedade que tinham interesses particulares de impedir a
tramitação normal, tanto que sofreu paralisação de mais de uma década.
Contudo, em junho de 2001, o projeto volta para o Senado com o objetivo de
confirmar o conteúdo aprovado na Câmara ou resgatar o projeto originou. Por unanimidade,
foi aprovado no Plenário do Senado, em 18 de junho de 2001.
55
Em 10 de julho, do mesmo ano, foi sancionada pelo Presidente da República, com
vacatio legis de 90 dias.
“Essa nova leva de leis urbanísticas municipais tem levado em conta a necessidade
de compreensão da dinâmica do mercado imobiliário juntamente com outros fatores
urbanísticos e ambientais, bem como os outros interesses sociais no processo de
desenvolvimento urbano e de uso e ocupação do espaço, mas agora explicitamente
sob o prisma da função social da propriedade. O reconhecimento do papel
fundamental do poder público, sobretudo na esfera municipal, na condução do
processo de desenvolvimento urbano tem sido salientado”. FERNANDES (2000)72
3.4 O ESTATUTO DA CIDADE
A Lei nº 10.257/2001, aprovada após longo período de tramitação no Congresso
Nacional não verdade veio atender a exigência da Constituição Federal contida no artigo 182
e 183, regulamentando através do instituto jurídico ações pertinentes à cidade e à urbanização.
O Estatuto da Cidade, assim chamada a Lei 10.257/2001, apresenta-se como uma lei
progressista, democrática e engajada com a questão da cidadania urbana. Introduziu várias
inovações:
- IPTU progressivo no tempo;
- ferramentas especiais para a desapropriação;
- estudo de impacto de vizinhança;
- direito ao usucapião individual e coletivo;
- gestão orçamentária participativa;
- controle social
A execução dessa política de desenvolvimento urbano estará a cargo do Poder
Público Municipal em conjunto com os cidadãos do Município, atuando conforme diretrizes
fixadas em lei. A proposta é de união em busca do pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantia do bem-estar dos citadinos.
72
FERNANDES, Edésio.(org) Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
56
A reordenação da cidade implica na justa redistribuição do seu espaço físico sob uma
nova concepção: prioridade sobre o interesse coletivo e à função social (da propriedade e da
cidade).
“Em termos gerais, podemos considerar como sendo três os principais objetivos do
Estatuto da Cidade:
1) promover a reforma urbana e combate à especulação imobiliária;
2) promover a ordenação do uso e ocupação do solo urbano, e;
3) promover a gestão democrática da cidade
Desse modo, ao definir os fundamentos da política urbana, o Estatuto da
Cidade torna-se também importante instrumento de gestão ambiental, haja vista que
a urbanização tem se configurado num dos processos mais importantes do meio
ambiente “. BRAGA (2001)73
A Lei 10.257/2001 veio como alternativa eficaz para combater a insegurança e
impunidade criadas pelos conflitos ambientais urbanos, atendendo ao pedido da urgente
restauração da qualidade de vida dos que habitam no ambiente construído.
Entretanto, adverte Sundfeld (2003):74
“Convém não superestimar os efeitos imediatos do Estatuto, pois ele, em larga
medida, é ainda um conjunto normativo intermediário. É verdade que várias de suas
normas, dispensadas de qualquer complementação legislativa, são já diretamente
invocáveis pelos interessados como base do estabelecimento de relações jurídicas
concretas; são os casos dos capítulos relativos ao usucapião especial de imóveis
urbanos e ao direito de superfície, bem como das regras sobre a concessão de uso
especial para moradia. (...) Porém, tudo o mais exigirá desdobramentos legislativos
ulteriores.”
A vida nas cidades é um grande desafio, tanto para os gestores quanto para as
pessoas que nela habitam. A exclusão social, a marginalização de grandes segmentos
populacionais são resultados negativos de um crescimento populacional desordenado
ocasionado pela saída do campo para os centos urbanos, a perspectiva de vida melhor e a
industrialização.
O crescimento da população urbana no Brasil, conforme dados75 cresceu
vertiginosamente. A estatística registra que mais de 81,2% da população brasileira mora nas
73
BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu F. de (orgs) Perspectivas de Gestão Ambiental em Cidades
Médias. Rio Claro: LPM-UNESP,2001(ISBN 85-89154-03-3)
74
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais (art. 2º). Estatuto da Cidade
(Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abeu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda,2003.
75
Fonte: Censos Demográficos IBGE
57
áreas urbanas, dos 169.590.693 brasileiros, em 2002. Na área rural vivem 18,8% da
população, muito diferente da década de 50 quando 63,8% da população se encontra no
campo e apenas 36,2% nas cidades.
Diante de tamanha mudança o Estatuto da Cidade (lei do ambiente artificial) visa
buscar, também, a complementaridade entre as atividades urbanas e rurais tendo em vista o
desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua influência.
O gestor municipal pode se valer dos instrumentos que contribuirão para a execução
da política urbana, que constam do próprio texto legal.
“(...) quando a lei se refere a instrumentos de política urbana ela pretende identificar
meios e instrumentos, de diferentes espécies, por meio dos quais o governo
municipal deve implementar suas decisões de mérito, suas opções quanto a objetivos
que devam ser atingidos para assegurar a melhor qualidade de vida de sua população
e as prioridades que, em seu entender, devam ser observadas.” DALLARI (2003)76
Como instrumentos gerais da política urbana a lei prevê os planos nacionais,
regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico social;
planejamento
das
regiões
metropolitanas,
aglomerações
urbanas
e
microrregiões;
planejamento municipal.
Isso implica diretamente na competência dos entes envolvidos com privilégio para a
União que pode legislar sobre normas gerais de direito urbanístico, promover programas de
construção de moradias, instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, elaborar e
executar planos nacionais e regionais.
É concordante que o Estatuto da Cidade trouxe regras importantes de controle sobre
a acumulação, o poder e a desigualdade, que cria para o Estado o poder-dever de assegurar os
direitos urbanos da maior parte da população que vive à margem do conforto, segurança,
salubridade e cidadania.
76
DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana. in Estatuto da Cidade (Comentários à Lei
Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003.
58
Como se pode verificar, a eficácia da implementação das diretrizes e instrumento de
gestão previstos no Estatuto da Cidade depende da atuação dos governos e impõe uma
submissão da propriedade à sua função social, com base na aplicação do princípio da gestão
democrática e participação com guisa a assegurar o direito à cidade dentro de uma perspectiva
igualitária de vida urbana como “produto histórico e fruto do trabalho coletivo”.
“Espera-se que o avanço da luta pela democracia seja o remédio capaz de
contrabalançar estas tendências. Mas sabemos desde já que caberá às classes
trabalhadoras a função de forjar um projeto cidade capaz de produzir um modelo de
desenvolvimento justo, sustentável, econômico, social e ambientalmente. Os
históricos impasses da nossa burguesia para se constituir como força de
modernização, capaz de fazer a revolução da própria ordem burguesa, cirando um
modelo de dominação integrando as classes trabalhadoras a sua própria ordem (...).
Cabe às classes trabalhadoras construir esta ordem social universalizante, o que
certamente somente será possível em um novo tipo de sociedade.” RIBEIRO
(2003)77
É importante salientar, embora resumidamente, sobre as diretrizes gerais da política
urbana que devem ser observadas pelo Poder Público e pelos legisladores na implementação
da política urbana local em favor do bem-estar da coletividade.
As diretrizes, conforme o teor da lei vinculam-se às funções sociais da cidade
(habitar, circular, trabalhar, recrear) e da propriedade (atendidas as exigências constantes do
plano diretor) algumas aqui destacadas:
- garantia do direito a cidades sustentáveis
- gestão democrática da cidade
- cooperação entre os setores público, privado e a sociedade
- planejamento territorial adequado
- oferta de equipamentos e serviços urbanos e comunitários
- ordenação e controle do uso do solo
- integração das atividades urbanas e rurais
77
RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. O Estatuto da Cidade e a questão urbana brasileira. In Reforma Urbana e
gestão democrática: promessa e desafios do Estatuto da Terra/ orgs. Luiz César de Queiroz Ribeiro, Adauto
Lúcio Cardoso. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2003.
59
- padrões de produção e consumo de bens e serviços compatíveis com a
sustentabilidade urbana
- preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico
“Mais do que nunca as cidades brasileiras estão desafiadas a “casar” a gestão urbana
e a gestão ambiental, integrando as políticas de planejamento urbano, a política
habitacional e a política ambiental. A Agenda 21 e a Agenda HABITAT,
plataformas internacionais resultantes da Conferência Internacional sobre meio
ambiente (ECO 92) e da Conferência Internacional sobre assentamentos humanos
(Istambul, 1996), precisam ser encaradas como complementares e as cidades
compreendidas como arenas privilegiadas de sua implementação. Os eventuais
conflitos decorrentes de sua interpretação/compatibilização deverão ser
equacionados através de processos inclusivos e democráticos de governança urbana.
A tarefa de planejar a cidade passa a ser uma função pública que deve ser
compartilhada pelo Estado e pela sociedade – co-responsáveis pela observância dos
direitos humanos e pela sustentabilidade dos processos urbanos. A gestão
democrática é o método proposto pela própria lei para conduzir a política urbana.”
ALFONSIN (2001)78
Consagra-se, assim, o Estatuto da Cidade como um arcabouço fundamental, que
além de atender a objetivos específicos, constitui-se para dar base à utilização dos demais
instrumentos, cumprindo funções formais e materiais, vinculadas ao princípio da legalidade,
como ocorre no estabelecimento de objetivos, diretrizes, condicionantes e limitações, que
nortearão a gestão da cidade.
3.5 CIDADES SUSTENTÁVEIS E O ESTATUTO DA CIDADE
Uma das diretrizes propostas no Estatuto da Cidade é a garantia do direito a cidades
sustentáveis que se compreende como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, à qualidade de vida.
A cidade é alvo de atenção por parte dos ambientalistas, urbanistas, sanitaristas e da
coletividade que buscam dar à cidade maior habitalidade excluindo idéia de que o ambiente
urbano é apenas um aglomerado de prédios e pessoas, vivendo num ritmo dinâmico.
78
ALFONSIN, Betânia. O Estatuto da Cidade e a construção de cidades sustentáveis, justas e
democráticas. Paper foi originalmente apresentado ao 2º Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio
Ambiente, realizado em Canela de 29 a 31 de agosto de 2001.
60
Desta forma, a qualidade de vida dos habitantes da cidade tornou-se um dos
principais objetivos do Poder Público e implica na reformulação das políticas públicas.
A sustentabilidade, hoje princípio norteador da proteção ambiental, foi discutido
inicialmente na Conferência de Estocolmo79 e ratificada na Rio-92. As cidades passaram a
compor o rol de complexos habitacionais merecendo por parte da Agenda 21, atenção
especial, principalmente, no que diz respeito à questão de moradia que é tratada como questão
primordial e discutida de forma global.
Pela concepção jurídica de que o meio ambiente é um bem coletivo, surge o
movimento social contra a degradação do meio ambiente e vem se articulando de modo
relevante com as lutas democráticas pela implantação de um novo modelo de cidadania.
Esse modelo diz respeito ao exercício dos direitos ambientais das populações e tende
a unificar as lutas sociais com diversos objetivos, por exemplo: acesso a bens coletivos como
a água e o ar, componentes de características essenciais à vida humana; a garantia do uso de
serviços públicos considerados essenciais, indistintamente e eqüitativamente; a possibilidade
de usufruir do patrimônio natural constituído por áreas verdes, cursos d’água e nascentes que
vem sendo há muito degradados pelo uso de interesses privados em detrimento ao exercício
do direito coletivo da sociedade.
A cidade deve ser vista sob uma ótica humanista de modo que a realização dos
projetos, a implementação das ações e políticas públicas enfim, todos os objetivos, inclusive
urbanísticos, tem por fim precípuo alcançar os melhores níveis de vida urbana.
Destaca-se a necessidade de se compreender o significado de conceito de cidade
sustentável. Após a Conferência de Estocolmo e da Conferência Cúpula da Terra80a discussão
sobre a qualidade de vida nas cidades ganhou importância capital.
79
80
Resultou no Relatório Our Common Future, apresentado às nações em 1972.
Também conhecida como ECO/92 que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro.
61
Como resultado da Rio/92, entre os cinco documento, foi apresentado o que se
denominou de Agenda 21 e que tem por meta realizar um processo permanente e amplamente
participativo para a construção de consensos e cenários futuros através do qual propõe
padrões mínimos aceitos pelos signatários envolvidos a fim de harmonizar as questões sócioeconômicas e ambientais através do envolvimento dos moradores, da coletividade e de outros
segmentos da sociedade organizada junto ao governo local em que se torne condição
indispensável para lidar com os desafios básicos do desenvolvimento sustentável proposto,
como: moradia, lixo, poluição do ar, do solo e da água buscando mobilizar todos os atores
envolvidos no processo.
A discussão em torno da sustentabilidade das cidades sugere algo que deve ser
construído dentro dos padrões e pressupostos atuais que envolvem estratégias ecológicas e
visão de entorno coladas pelos ambientalistas embasadas nas idéias de capacidade de suporte,
pegada ecológica, equilíbrio energético, conforto ambiental e, assim, exigindo que a
coletividade e o Poder Público assumam os princípios da sustentabilidade, como diretrizes
norteadoras das políticas públicas e que implica da transformação de condutas, posturas e
mudança de hábitos e atitudes objetivando, dentro desse contexto de sustentabilidade,
aprender a reduzir o consumo de água e energia, gerar menos lixo, manter o cenário estético
da paisagem urbana.
Essa participação democrática só se tornará efetiva se assegurada por normas
legitimadas pelo processo político possibilitando que o processo venha a ocorrer de forma
integrada. priorizando no âmbito da sustentabilidade demandas por justiça social e ambiental.
“Planificar una ciudad sostenible requiere la más amplia mprensión de las
relaciones entre ciudadanos, servicios, política de transporte y generación
de energía, así como su impacto total tanto sobre el entorno inmediato como
sobre una esfera geográfica más amplia. Para que una ciudad genere una
auténtica sostenibilidad, todos esos factores deben entrelazar-se, porque no
habrá ciudades sostenibles hasta que la ecología urbana, la economia y la
sociología queden integradas en la planificación urbana. El logro de ese
objetivo depende, en buena medida, de la motivación de los ciudadanos, que
deben ser informados de su capacidad efectiva para poder cambiar las cosas
62
desde el Laboratorio pivilegiado que supone cada una de sus ciudades”.
ROGERS (2001).81
O desenvolvimento urbano sustentável das cidades brasileiras envolvendo a atuação
do Município aponta a exigência do poder local garantir a sustentabilidade através da
mudança de posturas e hábitos prejudiciais à qualidade de vida. Implica modificar princípios
de gestão até então adotados e de fazer uso de instrumentos técnicos e jurídicos de (re)
ordenação espacial, que se identifica como um dos princípios de desenvolvimento sustentável
das cidades.
Para que o modelo de desenvolvimento sustentável seja efetivamente implantado
conforme foi preconizado, mesmo que vagamente, no Relatório Brundtland (World
Commission on Environment and Developement, publicado em 1987) é importante
compreender os enfoques dados ao meio ambiente natural, com relação ao fato de que as
cidades são um núcleo do meio ambiente construído pela humanidade demonstrado por Odum
(1988)82 por sua interpretação dos fluxos de energia, sobrepondo-se ecossistemas naturais,
sistemas agrícola, e complexos urbano-indústrias.
Compreendo-se que as interações das cidades devem ajustar-se harmoniosamente
com o ambiente natural e, assim, são elas próprias (cidades) recursos que necessitam de
proteção e de satisfação das suas demandas necessárias para sua manutenção e
desenvolvimento, cujos planejamentos devem merecer o exame na busca de sua
sustentabilidade que deve ser entendido como a realização de um rol de aspirações de um
grupo numa sociedade.
O enfoque é dado ao exercício do direito da cidadania que pressupõe a participação
dos habitantes das cidades, vilas e povoados nas decisões sobre a (re) ordenação almejada. O
direito fundamental a terra, aos meios de sustento, à moradia, ao abastecimento e saneamento,
81
82
ROGERS, Richard. Ciudades para un pequeño planeta. Barcelona: Editora Gustavo Gili S.A, 2000.
ODUM, Eugene.Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
63
à educação, à informação, à saúde, ao trabalho, transporte público de qualidade, passam ser
considerados como componentes da cidadania.
A sutentabilidade das cidades brasileiras torna-se um compromisso de todos na busca
contínua da redução abusiva dos estoques de recursos que provoca graves problemas urbanos.
Isso é notória pela capacidade que não capacidade que a cidade possui de conviver com a
insuficiente coleta de lixo, rede de água e esgoto precários, todo tipo de poluição, visual,
sonora, estética, falta de espaços para moradia, influência da especulação imobiliária,
insalubridade, desordem.
Agenda 21 recomenda que as cidades fortaleçam os órgãos locais de governo com o
fim de lidar de modo eficaz com os desafios do desenvolvimento e do meio ambiente,
mediante a associação de políticas públicas e práticas saudáveis de planejamento urbano.
Através da transformação do processo de pensar e planejar a gestão urbana é
abandonada a idéia de que a cidade é um caos a ser evitado para entendê-la como algo a ser
construído dependente de soluções urbanísticas e da certeza de que qualquer idéia de
sustentabilidade deverá provar a sua operacionalidade em um mundo urbanizado, no cenário
das cidades, em que o exercício da cidadania possa ser efetivado priorize-se à efetivação da
boa qualidade de vida evitando-se o que ora persiste: a degradação ambiental e a indigência
social.
“O debate sobre na sustentabilidade urbana vem-se desenvolvendo também a partir
dos marcos definidos na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 1992. Em maio de 1999, o consórcio responsável pela
elaboração do documento “Cidades Sustentáveis”, uns dosséis documentos de
referência produzidos com o objetivo geral de subsidiar a formulação da Agenda 21
Brasileira, foi disponibilizado na Internet. Como parte de um projeto promovido
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério
do Meio Ambiente, o documento “Cidades Sustentáveis apresenta quatro estratégias
prioritárias para dar sustentabilidade às cidades, apontando, para cada uma delas, um
conjunto de diretrizes e propostas de ações seguidas da indicação do âmbito ou
esfera de competência, prazos e meios de implementação.” OLIVEIRA (2001)83
83
OLIVEIRA, Fabrício Leal de. Sustentabilidade e competitividade: a agenda hegemônica para as cidades do
século XXI. In A duração das Cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Henri Acselrad (org).
Rio de Janeiro: DP&A, 2001
64
A construção da cidade sustentável, como requer o Estatuto da Cidade, implica na
prática de modo contínuo da melhoria de seu meio ambiente físico e social utilizando todos os
recursos de sua comunidade.
As propostas e os passos que possam levar a uma relevante melhoria da qualidade de
vida das pessoas implica na reformulação da consciência sobre as questões ambientais
urbanas, o comprometimento do Poder Público, principalmente do Município no que diz
respeito à implantação de ações que envolvam vida saudável, o fortalecimento e a
participação da comunidade, a ampliação e a organização do conhecimento sobre a cidade, a
identificação de parceiros para o desenvolvimento de projetos, a reformulação do Plano
Diretor e, principalmente, assegurar o compromisso com políticas públicas saudáveis através
de organizações governamentais e não-governamentais.
A Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade – composta de 58 artigos tem por objetivo
regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar
dos cidadãos, procurando ainda, o equilíbrio ambiental (artigo 1º, Parágrafo Único).
Assim, este instrumento jurídico prevê, para a consecução da política urbana várias
diretrizes entre elas:
Artigo 2º:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana,
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços
públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
Assim exposto, verifica-se que o Estatuto da cidade trouxe inovações substanciais
em termos de administração pública urbana e no campo jurídico, ressaltando a preocupação
do legislador com o meio ambiente em busca da concretização da idéia que envolve a
construção de uma cidade sustentável que é, também, a construção de uma cidade saudável,
posto que se constatou que os conceitos contêm a mesma mola mestre.
65
“Si la ciudad se compromete con su sostenibilidad, entonces los ciudadanos
también se animarán a colaborar para paliar la crisis medioambiental global.
Una red de ciudades es capaz de crear una red global de ciudadanos
interdependientes”.ROGERS (2001)84
Na oportunidade que a Constituição da República consagra o direito fundamental a
um ambiente saudável e que o constituinte chamou de – ambiente ecologicamente equilibrado
– significa entender que o fundamento implícito é o princípio da dignidade da pessoa humana,
também consagrada pelo Constituinte.
O reconhecimento ao direito fundamental da sadia qualidade de vida, decorrente de
um ambiente saudável resulta, justamente, na conscientização de que o ser humano merece,
indistintamente, uma boa qualidade vida.
A questão a sustentabilidade apresenta dificuldade quanto à sua compreensão tendo
em vista os vários aspectos que nela se inserem. Porém, é certa a necessidade de elaboração
de planos diretores estratégicos que tenham por fim construir uma cidade melhor.
A construção de uma cidade melhor, como se quer, dependerá do atendimento de
várias demandas: sistema viário eficaz, espaço para moradia, acesso a serviços públicos,
tratamento justo e igualitário para todos os habitantes.
O quem muito contribuído para a desumanização nas grandes metrópoles, possível de
se observar, é a construção da cidade ilegal e a ocupação informal com grande número de
moradores de favela dificulta o acesso legal às terras urbanas.
Para Dias (2003)85, as cidades sustentáveis terão de passar por uma dinâmica
socioambiental, o que envolve sustentabilidade ambiental, demográfica, sóciopolítico e a
institucional. O fortalecimento da democracia e o desenvolvimento de uma cidadania ativa
serão estratégias fundamentais para a condição da melhoria de vida da população, o
gerenciamento dos recursos naturais e a sustentabilidade urbana.
“O planejamento pode ser transformado em instrumento de democratização no
processo de administração e expansão das cidades, ao invés de um processo
84
85
Op.cit.
DIAS, Edna Cardoso. Manual de Direito ambiental. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
66
decisório tecnocrático e autoritário. Para alcançar essa meta seria necessário reduzir
a distância que separa a esfera técnica do planejamento, da esfera política da
Administração. A transformação estrutural de nossas cidades e metrópoles não será
o resultado de planejamento tecnocrático de longo prazo. Mais que um documento
com um plano ou projeto finalizado do espaço urbano, a definição de metas,
objetivos e instrumentos deveria ser o ponto inicial de uma aliança política, que
estabelecesse as linhas de intervenção nesse processo e os papéis dos diferentes
atores sociais”. RATTNER (2001)86
As discussões sobre a sustentabilidade urbana tem origem anterior à Lei
10.257/2001. Iniciou com a Conferência de Estocolmo e concretizou-se na construção da
Agenda 21.
O Estatuto da Cidade fixa como umas de suas diretrizes gerais a garantia do
direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer, para as presentes de futuras gerações.
“A democratização da produção de novas moradias e do acesso à moradia legal e à
cidade com todos os seus serviços e infra-estrutura exige a superação de dois
grandes obstáculos – terra urbanizada e financiamento –que, durante toda a história
da urbanização brasileira, foram insumos proibidos para a maior parte da população.
Estamos fazendo referência mais exatamente ao contexto da relação entre a terra
(urbanizada), financiamento, subsídios, Estado e mercado. (...) Esse será o grande
desafio da política urbana nas primeiras décadas do século XXI, ao lado do
saneamento e do transporte de massa. É para eles que a sociedade brasileira e suas
instituições devem se preparar.” MARICATO (1996)87
86
RATTNER, Henrique. Prefácio do livro Duração das Cidades: Sustentabilidade e risco nas políticas
urbanas. ACSELRAD, Henri (org). Rio de Janeiro: DP&A, 2001
87
MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Artigo elaborado da parte II do Livro da
autora, Metrópole na periferia do capitalismo. São Paulo: Hucitec, 1996. Estudos Avançados 17(48), 2003
67
4. PLANO DIRETOR
“O Estatuto da Cidade traz em seu bojo uma preocupação com a questão ambiental
nos centros urbanos ao utilizar-se, por diversas vezes, de saneamento ambiental,
efeitos sobre o meio ambiente, equilíbrio ambiental etc. Procura-se dar uma
conotação social à propriedade privada. A propriedade urbana passa a exercer uma
função social, nos termos do art. 5º, XXIII, da CF. Essa exigência social deve estar
consignada no plano diretor.” SIRVINSKAS (2007) 88
Com o advento da Lei 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade – ou também chamada
Lei de Responsabilidade Social, foram estabelecidas, no contexto legal, diretrizes gerais de
política urbana com o fim precípuo de ordenar o pleno e efetivo desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade, funções essas que estão intimamente ligadas à habitação,
ao trabalho, à recreação, à circulação, ao uso e à ocupação do solo urbano.
O Plano Diretor é uma imposição constitucional e legal que tem por fim a
regulamentação dos artigos 182 e 183 da Carta Magna. Expressamente e coube ao Município
à aplicação das diretrizes básicas da Lei 10.257/2001, como um múnus público.
O Plano Diretor deixou de ser mero documento administrativo e passou a ser um
instrumento básico da política de desenvolvimento urbano uma vez que é o plano diretor que
vai estabelecer as funções sociais da propriedade.
88
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2007.
68
Conforme o artigo 39 do Estatuto da cidade a propriedade urbana cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à
justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas.
Para minimizar as graves questões urbanas existentes e promover o conhecimento
das normas fazendo com que ocorra o previsto num dos mais importantes instrumentos do
Estatuto da Cidade – Plano Diretor – faz-se necessário que o Município esteja atento à sua
função precípua que é a de promover juntamente com suas políticas de urbanização a
educação ambiental.
A educação ambiental, ferramenta implícita, de aplicação em todos os níveis e
esferas, contida no Plano diretor, contribuirá, por certo, na reforma institucional e envolverá
todos os segmentos sociais na persecução de um desenvolvimento urbano sustentável,
eqüitativo, economicamente viável, ecologicamente correto socialmente justo89 em que a
gestão democrática da cidade deixa de ser uma faculdade e passa a ser uma prerrogativa de
direito da sociedade.
O desenvolvimento urbano sustentável das grandes cidades requer uma atuação
municipal mais integrada, justamente para garantir a sustentabilidade, modificar métodos de
gestão adotados e fazer uso de instrumentos técnicos, e legais de (re) ordenação espacial, que
se identifica como um dos princípios de desenvolvimento sustentável das cidades.
Segundo o artigo 225 da Constituição Federal, todos têm direito a um ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e, assim sendo, cabe ao poder
público e à coletividade a responsabilidade de zelar, preservar e defender em nome das
gerações presentes e para as gerações futuras.
89
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
69
O ordenamento urbanístico é matéria de direito público que se impõe pela imposição
de normas de urbanização que não se confundem com as limitações de ordem civil que
possuem natureza privada. As limitações urbanísticas aplicáveis pelo Poder Público
Municipal são, na verdade, limitações administrativas e que visam proteger à comunidade
sem privilegiar nenhum segmento.
Desta forma, a natureza da atividade urbanística é função pública devendo para tanto
o Município promover todas as medidas cabíveis para uma plena e efetiva atuação de sua
atividade urbanística, através do exercício do Poder de Polícia, priorizando proteger os
direitos dos cidadãos, mediante triplos objetivos: ordenar e humanizar o ambiente urbano.
“Como um dos objetivos da política urbana é garantir que a propriedade urbana
atenda sua função social, o plano diretor, como instrumento básico dessa política,
tem atribuição constitucional para disciplinar essa matéria. Isto é, cabem às normas
do plano diretor estabelecer os limites, as faculdades, as obrigações e as atividades
que devem ser cumpridas pelos particulares referentes ao direito de propriedade
urbana”. SAULE JR (2002) 90
A necessidade do instrumento jurídico Plano Diretor tem sua origem na própria
Constituição Federal (art. 182, §1º) ao conceituá-lo como instrumento básico da política
urbana.
A questão da problemática urbana tem ganhado destaque diante da constatação que o
Brasil é um país urbano. Mais de 80% da população brasileira vive nas cidades91 decorrente
desse fato essa concentração de massa tem agravado o quadro histórico da exclusão social, de
marginalização, violência, surgimento de mais e mais favelas, vilas desamparadas,
assentamentos em áreas de risco, poluição de todo gênero, uso do solo pelas invasões
irregulares, injusta distribuição de serviços públicos.
É este cenário comum que deve enfrentar o plano diretor, por isso a necessidade que
seja uma ferramenta eficaz, dinâmica, renovável e é o município é o gestor dessa mudança que
SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor – Possibilidades de uma nova ordem legal
urbana justa e democrática. In Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Letícia Marques Osório (org). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002
91
Fonte: IBGE
90
70
se faz necessária ocorrer de forma emergencial.
A função social da cidade e da propriedade previstas no instituto legal devem ser
compreendidas como o atendimento das necessidades de todos os cidadãos no que diz respeito
à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, sempre
observando as exigências contidas no plano diretor, cujo interesse público é objetivo
fundamental.
Ora, se a função social da cidade – trabalhar, circular, habitar e recrear – levam a
construção da cidade sustentável e essa se identifica pela forma de atender aos habitantes no
que toca à segurança, moradia, transporte, lazer, infra-estrutura, saneamento ambiental, a
tarefa municipal de atender essas exigências se encontram delimitadas no plano diretor
urbano.
Disso tudo resulta que o instrumento básico da política urbana (plano diretor) deverá
servir para definir o uso adequado da propriedade, de definir os locais e as finalidades para os
quais é autorizada a transferência ou a cessão onerosa do direito de construir, ao ser
identificadas áreas urbanas de imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados.
Nesse ponto passa ser de capital importância a identificação das zonas especiais de
interesse social (ZEIS) e apresentação dos instrumentos que permitam a regularização de áreas
de terra para moradia, evitando que a população carente continue a viver em locais precários
como cortiços, favelas ou loteamentos irregulares.
As ZEIS podem contribuir para destinar locais, antes vazios ou abandonados, para
moradia popular, ou seja, uma propriedade subutilizada no centro da cidade pode se tornar
uma ZEIS. Da mesma forma, a ZEIS pode facilitar que ocorra regularização de áreas já
ocupadas. Tem mérito destacar que o plano diretor deve definir os critérios para demarcar as
ZEIS no mapa da cidade, estabelecer o critério de “baixa renda”, exigir e definir como será
feita a participação popular. Além disso, a ZEIS podem contribuir para o reconhecimento de
71
comunidades tradicionais:
- indígenas
- populações rurais
- quilombolas
- as populações ribeirinhas
- populações extrativistas
- comunidades de pescadores
O plano diretor também deve prever a regularização das áreas cuja ocupação (posse)
não é reconhecida, através de um plano destinado para áreas de moradia popular, indicando os
instrumentos certos, a exemplo do Usucapião Especial Urbano e a Concessão de Uso Especial
para fins de moradia.
“As funções sociais da cidade estão sendo desenvolvidas de forma plena quando
houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria da
qualidade de vida urbana. Esse preceito constitucional serve como referência para
impedir medidas e ações dos agentes públicos e privados que gerem situações de
segregação e exclusão de grupos e comunidades carentes. Enquanto essa população
não tiver acesso à moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança,
educação, saúde não haverá como postular a defesa de que a cidade esteja atendendo
à sua função social.” SAULE JR (2002)92
Quanto à função social da propriedade, assim se manifesta Grau (1990):93
“[...] fundamentos distintos justificam propriedade dotada de função individual e
propriedade dotada de função social. Encontra justificação, a primeira na garantia,
que se reclama, de que possa o indivíduo prover a sua subsistência e de sua família,
daí porque concorre para essa justificação a sua origem, acatada quando a ordem
jurídica assegura o direito de herança. Já a propriedade dotada de função social, é
justificada pelos seus fins, seus serviços, sua função.”
É importante ressaltar que o plano diretor não ser encarado como uma lista de “boas
intenções” e, sim, dizer com precisão qual a função social de cada área e delimitando no mapa
92
Ibidem
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1990 apud SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor – Possibilidades de uma
nova ordem legal urbana justa e democrática. In Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas
para as cidades brasileiras. Letícia Marques Osório (org). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002.
93
72
da cidade. Por conseguinte, urge que o plano diretor respeite o conteúdo mínimo exigido pelo
Estatuto da Cidade, incluso no art. 42, incisos I ao III.
Logo, o plano diretor deve orientar as metas dos plano plurianuais (PPA), a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária (LO) no âmbito municipal.
Através de um plano diretor eficaz o município como gestor urbano pode contribuir
para a construção de cidades mais humanas, propiciando à sua população o acesso à
informação, a participação integrada em audiências públicas, inclusive, e na escolha de áreas
que merecem prioridade.
Para garantir uma eficiente aplicação dessa poderosa ferramenta que é o Plano
Diretor para a execução de política urbana faz-se necessário que o Poder Público passe a:
1 – gerar informações
2 – atualizar cadastros
3 – aperfeiçoar o sistema tributário
4 – conhecer o mercado imobiliário
Conseqüentemente, o plano diretor deve refletir os anseios da comunidade e indicar
os caminhos para a construção de uma cidade melhor, apontando rumos para o
desenvolvimento local, criando propostas de alternativas de solução que objetivem a melhoria
da qualidade de vida e da gestão pública, e propondo diretrizes para proteger o meio ambiente,
os mananciais, o patrimônio histórico e cultural local, além da preservação das áreas verdes
urbanas.
4.1 IMPLEMENTAÇÃO MUNICIPAL DO PLANO DIRETOR
Sendo o plano diretor a alternativa legal para organizar o crescimento e o
funcionamento da cidade, coordenando as ações do setor público e privado e que enfatiza a
necessidade da efetiva participação da sociedade na gestão urbana com bases sustentáveis e,
73
também garantir o atendimento às necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida e
justiça social, reconhecimento da diversidade cultural é importante que o engajamento de
todos na implementação das ações previstas. Assim, é indispensável a participação popular
tanto na fase de elaboração quanto na de implementação do plano diretor.
Assim se afirma porque o plano diretor não é instrumento de aplicação de âmbito
apenas da gestão administrativa, a ela se sobrepõe, pelos objetivos gerais e integrados que
dele constam e que pelo dinamismo e complexidade das questões urbanas exige uma
participação integrada de todos os segmentos da sociedade.
A participação popular pode ocorrer desde o processo de discussão e de identificação
dos problemas locais, como também nos conselhos, associações, comissões de representações
sociais, ONGs, sindicatos, enfim todos que se habilitem ao debate.
A participação da sociedade toma destaque com base no princípio da intervenção,
enquanto proposta interdisciplinar. Não se pode afastar os principais atores interessados da
proposta de mudança, por isso, o plano diretor deve ser visto como uma peça de articulação
dos planos e ações que objetivem o desenvolvimento da cidade.
A participação popular deixa ser, conseqüentemente, uma concessão do poder
público e torna-se uma imperatividade legal haja vista a disposição do §4º, art. 40, incisos I a
III.
“Algumas dessas diretrizes, já adotadas em determinados processos de participação
popular em entidades da Administração Pública Brasileira, podem ser assim
resumidas: divulgação, com antecedência necessária à preparação dos interessados,
das informações a discutir em audiência pública; abertura de participação a todos os
detentores de legítimo interesse em participar do processo; divulgação dos
comentários e sugestões formulados; e, finalmente, resposta fundamentada aos
comentários e contribuições.” CAMARA (2003)94
94
CAMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor (arts. 39 a 42) in Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal
10.257/2001). Coordenadores. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003.
74
4.2 – CARACTERÍSTICAS MUNICIPAIS NA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR
Para Saule Júnior (2002), os municípios, através de suas Leis Orgânicas, deveriam
definir os requisitos e procedimentos para a aprovação do plano diretor.
É bom, nesse ponto, distinguir cidade de Município:
Cidade: do latim civitate. Urbe; complexo demográfico formado por concentração de
habitantes, não agrícola, os quais se dedicam a atividades urbanas, de caráter
mercantil, industrial, financeira, cultural.95
Município: pessoa jurídica de direito público interno, que tem autonomia políticoadministrativa; é a célula básica da federação brasileira. A iniciativa popular para
apresentação de projetos também vigora nos municípios. Pode sofrer intervenção
estadual, nos casos previstos na Constituição Federal.96
Importante salientar que a política de urbanização sendo ônus para o governo
municipal implica que a elaboração da Lei seja de iniciativa do município que submeterá ao
poder legislativo municipal.
Tal afirmativa afasta qualquer interferência na elaboração e na aprovação do Plano
Diretor por parte do Estado e da União, preservando-se, assim, a competência municipal para
tratar da matéria, ressalvada a prerrogativa que a União tem de editar normas e diretrizes
gerais quanto à questão urbana.
Toma realce, então, a questão da participação popular na fase de elaboração do plano
diretor (responsabilidade do Executivo) e na fase de aprovação desse instrumento legal
(responsabilidade do Legislativo).
Assim se expressa Gasparini (2002):97
“De sorte que essa garantia só será plena se o Executivo, durante a elaboração do
plano diretor, e o Legislativo, durante a tramitação da respectiva lei pela Câmara de
Vereadores, colocarem pessoal capacitado e com conhecimento do projeto
elaborado para esclarecer e orientar os interessados. Todas essas medidas deverão
ser comprovadas mediante atas, lavradas pelas autoridades competentes, assinadas
pelos presentes em cada sessão e juntadas ao processo legislativo de instituição do
plano diretor.”
95
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005.
Ibidem
97
GASPARINI, Diógenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002.
96
75
Outro aspecto que deve ser salientado diz respeito à abrangência do plano diretor. O
Estatuto da Cidade disciplina no art. 40 que o plano diretor deverá englobar o território do
Município como um todo.
Isso leva à interpretação de que o plano diretor ultrapassa as fronteiras da cidade.
Sabe-se que a cidade termina onde tem início o meio rural. Todavia, o município engloba
tanto a área urbana (construída) quanto à área rural (campo).
Disto se deduz que o plano diretor não só aplica suas metas, princípios, objetivos e
diretrizes na cidade, mas também na área rural. (?)
“O município tem competência para delimitar sua zona urbana. Não é, entretanto,
pacífica a discussão sobre a distinção entre imóveis urbano e rural. O Estatuto da
Terra e, posteriormente, o art. 4º da Lei 8.629/93, elegem o critério da destinação
para a caracterização do imóvel como rural ou urbano – ou seja -, se o imóvel é
destinado à moradia, comércio ou industria, é urbano; se destinado às atividades
agropecuárias, é rural. Já o art. 32 do Código Tributário Nacional, ao definir o
Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU -, elege o critério da localização – ou
seja, se o imóvel está localizado dentro do perímetro urbano ele é urbano; caso
contrário, é rural.” 98
Da leitura que se faz do Estatuto da Cidade se interpreta que o plano diretor não deve
limitar sua atuação na área urbana, mas, também, expandi-la na área rural.
Nesse aspecto é cautelosa a leitura que se deve fazer nos seguintes dispositivos
constantes da Lei 10.257/2001:
1º- O §2º do art. 40 do aludido Estatuto disciplina que o plano diretor deverá
englobar o território do Município como um todo;
2º - O art. 41 trata da obrigatoriedade quanto à elaboração/aprovação do plano diretor
que é obrigatório para cidades:
I – com mais de 20 mil habitantes;
(...)
98
Citação retirada do artigo coordenado por Márcio Barros e Fátima Cristina de Moura Lourenço inserido na
linha de pesquisa “Plano Diretor e o Estatuto da Cidade”, desenvolvida no âmbito da Escola de Contas e Gestão
– ECG do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – TCE-RJ. Apoio metodológico de Maurício Martins
do Carmo. Acesso agosto de 2007.
76
Câmara (2003)99 de forma clara elucida a questão:
“A regra há de ser bem compreendida. Não é porque o plano diretor deve abranger
toda a área do Município, inclusive a rural, que o legislador poderá, no exercício
dessa competência específica, prescrever políticas agrárias ou disciplinar o uso dos
imóveis rurais. Se assim o fizesse estaria, efetivamente, usurpando competência
legislativa da União. Quando o Estatuto prevê a abrangência do plano diretor para a
área de todo o município, parte do pressuposto de que tal competência será exercida
no âmbito da atuação legítima do legislador municipal, que, em relação ao citado
plano, deve se ater aos aspectos urbanísticos.”
4.3 – OBRIGATORIEDADE OU FACULTATIVIDADE
O Estatuto da Cidade determina no art. 40 que o plano diretor, instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana, deverá ser aprovado por lei municipal. Não
obstante a regra imposta pela Lei infraconstitucional, a Constituição Federal já havia fixado a
competência do município na elaboração do plano diretor quando determinou que a aprovação
do aludido instituto legal seria feita pela Câmara Municipal.
O plano diretor é de observância obrigatória para cidades (e não município):
- com mais de 20 mil habitantes;
- fazem parte de regiões metropolitanas; 100
- fazem parte de aglomerações urbanas;
- onde o Poder Público municipal pretenda utilizar instrumentos previstos no art. 4º
do art. 182, da Constituição Federal;
- integrantes de áreas de interesse turístico;
- inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo
impacto ambiental de âmbito regional ou nacional
Outra obrigatoriedade prevista na lei e que alcança as cidades (e não município) com
99
Ibidem
Regiões Metropolitanas: relativo à metrópole. Urb.Brasil – região densamente urbanizada, constituída por
municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa fazem parte de uma mesma comunidade
sócio-econômica e cuja interdependência gera, a necessidade de coordenação e realização de serviços de
interesse comum. No Brasil, compete aos Estados instituir por lei as regiões metropolitanas.
100
77
mais de 500.000 habitantes diz respeito à elaboração de um plano de transporte urbano
integrado e que se torne compatível com o plano diretor ou que nela possa estar inserido.
Assim, se a cidade se enquadrar numa das hipóteses acima referidas não há
facultatividade na elaboração/aprovação do plano diretor e, sim, cumprir os ditames legais
sob pena de responder até por improbidade administrativa.
A facultatividade está no caso da cidade não se enquadrar no dispositivo de
obrigatoriedade, mas que haja interesse do gestor público municipal em planejar o futuro e
ter a oportunidade de construir a cidade, mais humana, mais justa, mais igualitária.
O urbano contemporâneo implica numa série de questões apenas colocadas em
pauta, pois a discussão não se esgotou. Os problemas gerados pela ocupação descontrolada
das cidades, por conseguinte, resulta um quadro comum nas grandes metrópoles, mas que em
algumas pequenas cidades também pode ocorrer diante do quadro de pobreza generalizada e
da ausência de políticas de urbanização. Por isso, nada impede que determinado município
cuja cidade não preencha os requisitos de exigibilidade do plano diretor possa também, como
ação de vanguarda, implementar o seu.
Todos os problemas que resultem na regionalização da pobreza, na concentração dos
excluídos e na depredação ambiental, encontram perspectiva de melhoria através das regras
criadas pelo plano diretor.
Dito assim, compreende-se porque o legislador através do
Estatuto da Cidade,
obriga os municípios brasileiros a elaborar seus Planos Diretores101 e devem adotar um
processo contínuo de planejamento e de seu desenvolvimento102, de conhecimento e de
reflexão sobre os princípios do desenvolvimento urbano sustentável, bem como sobre as
diretrizes e estratégias de políticas públicas sem perder de vista a atribuição que tem o poder
101
O prazo estabelecido para a elaboração/aprovação do Plano Diretor para os municípios que ainda não tinham
foi de 05 anos já se extinguiu, em 10/10/2006.
102
O Estatuto da Cidade impõe que o Plano Diretor seja revisto, pelo menos, a cada dez anos.
78
publico municipal tem de gerir a cidade em busca da boa qualidade de vida aos seus
habitantes.
“A atuação municipal – para municípios com mais de vinte mil habitantes – inicia
na formulação do plano diretor que deve indicar os pontos fundamentais em prol do
desenvolvimento urbano e os ajustes a serem implementados de acordo com o plano
de governo apresentado. É nesse instrumento que se materializa o projeto de
reurbanização”. SALEME (2005)103
4.4 – GESTÃO PARTICIPATIVA
A gestão participativa implica no envolvimento de todos os seguimentos da
sociedade e mais o poder público na busca real da concretização das medidas e cumprimento
das diretrizes inclusas no plano diretor.
A gestão participativa envolve ações na elaboração, aprovação, acompanhamento e
revisão do plano diretor. É um pacto legitimado por todos.
Essa foi uma grande inovação trazida pela Lei 10.257, de 2001, pois não se trata de
uma ação isolado do poder público municipal, diz respeito a todos tendo em vista que está em
jogo o bem-estar da coletividade em geral.
As propostas que visem à mitigação ou a solução dos problemas urbanos da cidade
necessitam ser entendidas pela população que possa ocorrer à concreta participação social
através da implementação de programas e projetos conduzidos pela gestão municipal.
Sobre a participação popular, ou gestão participativa, entende Mukai (2001):104
“Em nosso entender, qualquer que seja a forma de participação da comunidade no
planejamento municipal, alguns requisitos não poderiam ser deixados de lado: a) a
representatividade popular só se pode dar por intermédio de associações; b) a
participação da comunidade não é somente em relação à elaboração do plano: ela
abrange todo o processo de sua formulação, desde os diagnósticos, eleição das
políticas, fixação das metas e diretrizes, aprovação do anteprojeto e, após a edição
da lei, suas regulamentações (leis e decretos) e a execução do plano propriamente
dito.”
103
SALEME, Edson Ricardo. Parâmetros sobre a função social da cidade. Artigo defendido no XIV
Congresso Nacional do CONPEDI que ocorreu em Fortaleza –CE/2005 -(Anais). Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2006.
104
MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. São Paulo:
Saraiva, 2001.
79
4.5 – NATUREZA JURÍDICA DO PLANO DIRETOR
Foi a Constituição Federal de 1988 que delimitou ao plano diretor – instrumento
básico da política de desenvolvimento e expansão urbana – o aspecto formal de sua
aprovação.
Isso está claro pela imperatividade existente de que são as Câmaras Municipais que
irão aprovar o plano diretor.
O artigo 182 delimitou a competência do ente federal responsável pela aplicação da
política de desenvolvimento urbano, para o município, excluindo desse encargo direto os
Estados e a União.
Todavia, até 2001, essa responsabilidade dependia de regulamentação que só veio
com a edição da Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade -.
O Estatuto da Cidade regulamentou os artigos da Carta Maior – 182 e 183 – e entre
tantos instrumentos de política de urbanização trouxe como regra obrigatória a elaboração do
plano diretor para cidades que se enquadrem nas hipóteses previstas no art. 41 da aludida lei
federal.
Considerando que o Plano Diretor, sendo o instrumento de execução da política de
urbanização, criará obrigações, limitações e reservas para a sociedade não poderia deixar de
ter vinculação com o princípio da legalidade – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer senão em virtude de lei -.
Todavia, o plano diretor, em seu aspecto técnico é um “documento de base que se
apresenta sob a forma gráfica, compreendendo relatório, mapas e quadros que retratam a
situação existente e as projeções da situação futura”,
105
apresenta-se como regra jurídica, por
isso, é lei, não sob o aspecto material, por faltar ao plano diretor, generalidade e abstração,
assim, teria a qualificação de plano urbanístico, mas sob o aspecto formal.
105
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000.
80
Quanto à natureza jurídica do Plano Diretor a quem assevere:
“Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se- aqueles que trazem em si
mesmos o resultado específico pretendido, tais como leis que aprovam planos de
urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou
desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades
ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os
que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de
normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou de
decreto por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem
apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente
como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela
qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança”. SILVA (2000)106
106
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de
Injunção, “Habeas Data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Direta de Constitucionalidade. São
Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000.
81
5 – CONTROLE DA EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROPOSTAS NO
PLANO DIRETOR
Não se pode falar em eficácia das medidas propostas no Plano Diretor sem que
ocorra, por parte da coletividade e do poder público municipal, ações de controle e
fiscalização das medidas propostas no plano diretor.
Há diversas formar de exercitar o controle, o poder público, por exemplo, pode
controlar internamente pelo exercício da autotutela107, pelo exercício do poder de polícia
administrativa entre outras formas.
Os graves problemas ambientais não receberam solução imediata com a edição do
Estatuto da Cidade e nem com a criação do Plano Diretor por parte dos municípios brasileiros.
Os mesmos problemas, ou em maior freqüência e proporção, continuam ocorrendo em todas
as cidades brasileiras.
As invasões de terras públicas e particulares, a poluição do ar e dos cursos d’água, a
poluição sonora, visual e estética, o desemprego e a ausência, ainda, da conscientização
107
É o poder da Administração Pública em corrigir seus atos, revogando os irregulares ou inoportunos e
anulando os ilegais respeitados os direitos adquiridos e indenizados os prejudicados, se for o caso (Súmula 473
do STF). GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005.
82
acerca das questões ambientais, continuam trazendo um resultado negativo e bastante
impactante para os moradores das cidades e afetando a qualidade de vida de todos.
Mesmo de posse de uma ferramenta básica e eficaz, e é o que se espera do plano
diretor, para os municípios, tornou-se árdua a missão de humanizar a cidade conforme lhe
exige o Estatuto da Cidade.
Pelo reconhecimento da gravidade dos problemas urbanos causados pela degradação
ambiental, pelas mudanças demográficas, pela notória pobreza generalizada e persistente,
pelas desigualdades sociais e econômicas é que surge um novo paradigma para o
desenvolvimento das cidades – o desenvolvimento sustentável – que o Estatuto da Cidade,
regulamentando o artigo 182 da Constituição da República e através do plano diretor, espera
que ocorra a redução desses problemas que tanto tem afetado a todos.
Portanto, o plano diretor não mudará a situação como poder de magia. Diante das
limitações e alternativas de solução trazidas por ele espera-se que, através do engajamento de
todos os segmentos da sociedade e do poder pública, esse quadro venha transforma-se, mesmo
que gradativamente.
O envolvimento de todos os atores sociais deve ser feito através de uma agenda
ambiental e uma agenda social, justamente, pelo reconhecimento da necessidade do
desenvolvimento econômico, mas, assegurando a preservação ambiental e a equidade social.
Para minimizar as graves questões urbanas existentes e promover um conhecimento
das normas fazendo com que ocorra o previsto num dos mais importantes instrumentos do
Estatuto da Cidade – Plano Diretor – faz-se necessário que o Município esteja atento à sua
função precípua que é a de promover juntamente com a execução de suas políticas de
urbanização também exercer o poder do controle, e assim deve a sociedade, todos envolvidos
na construção das cidades sustentáveis, diretriz básica do Estatuo da Cidade.
83
O urbano sustentável, eqüitativo, economicamente eficiente e politicamente viável só
ocorrerá com esforços conjugados, através da gestão democrática da cidade, que já não é mais
uma faculdade e, sim, um compromisso de todos os habitantes da cidade.
Assim, pelo controle se tem a oportunidade de acompanhar as mudanças.
Em primeiro plano, como forma de controlar a efetividade das medidas propostas
pelo plano diretor, o controle social será de grande importância.
O que é o controle social?
O controle social diz respeito à participação da sociedade quanto à adoção de
medidas que venham fortalecer, cada vez mais, as instâncias de planejamento da
administração municipal.
Para tanto, é necessário que o corpo de planejamento municipal seja composto de um
quadro técnico qualificado e capacitado para por em prática as diretrizes e instrumentos
previstos no plano diretor.
A participação da sociedade no processo de decisões ou de discussões de medidas
que deverão adotadas pelo poder público e que tenham incidência direta sobre a execução de
políticas públicas de urbanização, através de realização de fóruns, seminários, congressos,
audiências públicas que devem ser programados e realizados periodicamente.
Outro ponto é a necessidade da criação de fundos, que será feito por autorização
legal, com fins de facilitar no aspecto financeiro a implementação das medidas planejadas.
O controle social tem origem na própria democracia, no exercício de soberania
popular, fundada na premissa de que o gestor público deve prestar contas com o também
responder pelos atos praticados em desconformidade com o princípio da legalidade.
O gestor que não cumpre o estabelecido no plano diretor responde perante a
sociedade por quebra do princípio da impessoalidade, pois no exercício da função pública não
importa o entender, o querer ou o desejo pessoal do gestor.
84
O que vai preponderar é a busca da satisfação das necessidades coletivas, cujas ações
do gestor devem estar alheias a qualquer tipo de subjetividade.
O exercício do controle social, pelas associações, sociedades civis, ONGs,
sindicatos, que se faz pela fiscalização dos atos públicos podem recorrer aos seguintes
instrumentos jurídicos:
- Ação Popular
- Ação Civil Pública
- representação junto ao Ministério Público
- Mandado de Segurança Coletivo
- Tribunais de Contas
- representação na Câmara Municipal
Não se pode deixar de ressaltar, também, que o plano diretor também é um eficaz
instrumento de controle, pois este envolve a participação popular em todas as suas etapas,
cujas diretrizes ali previstas devem ser monitoradas por toda a sociedade.
Não obstante, o acesso à informação que deve ser facilitada pelo poder público, a
publicidade dos atos se torna mecanismos eficazes que contribuem para o exercício do
controle social.
Outra forma de controlar a efetividade das medidas propostas pelo plano diretor se
faz através do controle legal.
O controle legal está em vários institutos jurídicos, desde a Carta Magna, Leis
Orgânicas Municipais, análise do Legislativo, com o auxílio das cortes de contas e,
principalmente, pelo próprio plano diretor.
O Estatuto da Cidade dispõe no art. 1º que o mesmo contém normas de ordem
pública e de interesse social, que propõem regular o uso da propriedade urbana em prol do
bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, assim como o equilíbrio ambiental.
85
Assim, se contém norma de ordem pública tem aplicação erga omnes . Tanto é que
no capítulo que trata da gestão democrática da cidade, no art. 45 o legislador obriga a inclusão
obrigatória e significativa da população como forma de garantir o controle direto das
atividades dos gestores, como forma de pleno exercício da cidadania.
Outro ponto que implica no controle legal, previsto na Lei 10.257/2001, está previsto
no art. 52 ao considerar ato de improbidade, para o prefeito e outros agentes, quando
descumprirem as regras dos incisos II ao VIII.
Portanto, o próprio Estatuto da cidade impõe a forma do controle, de natureza legal,
uma vez previsto por ele sobre as condutas omissivas ou desconformes com a lei.
Por fim, o exercício do poder de polícia é outra forma eficaz de controlar as medidas
impostas pelo plano diretor como forma de construir cidades sustentáveis.
Os flagrantes diários vistos nas cidades brasileiras mostram o descaso perante o
instituto legal. Construções que contrariam as regras do Plano Diretor e, conjugado com as
ocupações irregulares ou ilegais do solo urbano, públicos e particulares, construções em áreas
de riscos ou fora das áreas autorizadas para urbanização, poluição sonora, trânsito caótico,
contribuem para a criação de uma paisagem urbana poluída e sem beleza.
E é refletindo sobre os princípios, objetivos e diretrizes propostos pelo Estatuto da
Cidade, através de sua mais eficiente ferramenta – plano diretor – se afirma que sem um
efetivo controle e fiscalização, tanto por parte do Poder Público quanto da sociedade, o
trabalho da gestão da cidade pode ser em vão.
As normas administrativas, o Código de Postura, o Código Municipal Ambiental, a
Lei de Crimes Ambientais, os Planos Diretores e as disposições do Estatuto da Cidade são
descumpridas rotineiramente por alguns citadinos que atuam em desconformidade com a
legislação, buscando apenas satisfazer interesses pessoais e que resultam para o prejuízo de
todos.
86
O controle feito pelo exercício do poder de polícia é a atribuição que a
Administração Pública que tem de restringir direitos individuais em benefício do direito
coletivo e na busca da construção de uma cidade com mais habitalidade.
É nesse contexto que urge a necessidade de implantação de políticas publicas, da
criação de leis e de uma atuação mais eficaz do poder público através do exercício do poder
de polícia.
A falta de “delegacias” especializadas que possa tratar de matérias pertinentes às
infrações cometidas na cidade contribui para a dificuldade de implementação de políticas
públicas urbanas que tem por objetivo proporcionar uma melhor qualidade de vida para os
que vivem na cidade.
As normas administrativas, o Código de Postura, o Código Municipal Ambiental, a
Lei de Crimes Ambientais, os Planos Diretores e as disposições do Estatuto da Cidade são
descumpridas rotineiramente por alguns citadinos que atuam em desconformidade com a
legislação visando atingir meros interesses pessoais prejudicando o interesse de todos a ter
uma cidade saudável, planejada, humana e que possibilite o exercício da cidadania de cada
cidadão que nela habita.
“Esses dois princípios – liberdade e propriedade – devem, necessariamente, estar
consonantes com os objetivos públicos, de modo a não obstaculizá-los, já que de
maior supremacia. Há necessidade [...] da delineação do sentido poder de polícia,
amplitude do mesmo, a sua noção de “poder negativo”, os seus traços característicos
e/ou atributos, as suas características de condicionar, restringir e limitar a atuação do
particular e vinculação do assunto frente à intervenção na propriedade,
principalmente urbana.” WENDT(2000)108
O exercício do poder de polícia perde a conotação de “abuso” por parte da
administração pública quando esse exercício tende a controlar atos individuais em nome do
interesse público.
Os meios de atuação do poder de polícia podem se concretizar dos seguintes modos:
- por atos normativos em geral;
108
WENDT, Emerson. Ensaio sobre o poder de polícia da administração pública frente à intervenção na
propriedade urbana. www.advogado.adv.br/artigos/2000. Acesso em julho de 2006.
87
- pela lei;
- pelas limitações administrativas, criadas por lei ( limitam o exercício de direitos e
das atividades individuais);
- medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização,
licença);
- medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de
mercadorias deterioradas, internação de pessoas com doença contagiosa [embargo de obra],
com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.109
Por isso o poder de polícia se reveste de atributos eficazes, desde que utilizados
dentro do limite da competência, forma, motivo e objeto (requisitos de validade do ato
administrativo):
1- discricionariedade
2 – auto-executoriedade
3 - coercibilidade
É por força do Estatuto da Cidade, que os municípios brasileiros devem,
obrigatoriamente, elaborar seus Planos Diretores e devem adotar um processo continuo de
planejamento de seu desenvolvimento, de conhecimento e de reflexão sobre os princípios do
desenvolvimento urbano sustentável, bem como sobre as diretrizes e estratégias de políticas
públicas sem perder de vista a atribuição que tem o poder publico municipal do exercício do
seu poder de policia.
O Poder de Polícia (police power) tem seu conceito estabelecido no Código
Tributário Nacional que assim dispõe:
Art. 78. Considera-se o poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse oi liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
109
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000.
88
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, a
tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou
coletivos.
Parágrafo Único. Considera-se regular o exercício do poder de policia quando
desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância
do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária,
sem abuso ou desvio de poder.
Como características fundamentais dessa atividade, é de fácil identificação o fato
dela ser condicionadora do exercício de direitos individuais.
“Não se confunde, portanto, com outros setores do atuar administrativo em que se
exigem comportamentos particulares, onde se leva a cabo requisição de bens ou se
realizam fomentos. Não. Realmente, pela atuação da policia administrativa, a
Administração, cuida de atingir o bem coletivo através da disciplinação do exercício
correto, do exercício razoável dos direitos individuais. Ela visa, portanto, a proporcionar
o bem-estar publico através da repressão, da prevenção, da disciplinação das atividades
que possam de fato perturbar a ordem jurídica”. BASTOS (2001)110.
A sociedade é complexa, tem anseios iguais quando a vida é compartilhada em
conjunto, mas cada indivíduo tem desejos pessoais, subjetivos que, muitas das vezes tendem a
provocar danos no interesse maior que é o interesse de todos.
Nesse aspecto é importante que o poder público possa se valer do exercício do poder
de polícia em nome de um interesse maior, o bem-estar da coletividade em geral cujo
fundamento jurídico esta na própria Constituição Federal e na legislação, que só reflete a
110
BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2001.
89
supremacia geral que o Estado exerce, de modo indistinto, sobre os cidadãos, atividades e
bens.111
5.1 – DISCRICIONARIEDADE NA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROPOSTAS
Segundo Mello (2004)112 :
“Discricionariedade é a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador
para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos
dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever
de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força
da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida ao mandamento, dela não
se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.”
A discricionariedade do gestor público, embora sendo um dos poderes que
Administração se vale para por em funcionamento a máquina administrativa, encontra limites
na atuação até como forma de preservação do estado de direito. Assim, o gestor público, nos
limites legais, pode optar para a realização do ato legal, mas não decidir sobre sua concretude
ou não.
“ O ato discricionário está igualmente descrito pela lei, mas esta confere ao agente
público certa liberdade, permitindo-lhe avaliar os fatos e adotar decisões que julgue
mais consentâneas com o interesse público. Na prática desses atos, a lei faculta a
utilização, pelo administrador, de critérios próprios, para avaliação e decisão, quanto
às medidas a serem tomadas.”AGUIAR (1996)113
Quando a lei fixa diretrizes a serem cumpridas, não pode o administrador público
ignorar os ditames legais. No caso das regras introduzidas pelo plano diretor, não dá margem
para que o gestor público use da discricionariedade quanto à sua implementação. A margem
de liberdade que ele tem na sua atuação é de escolher o momento mais propício para a
111
AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,
2004.
113
AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
112
90
realização das medidas, uma vez que está em jogo o interesse coletivo em promover projetos
de urbanização com vistas a melhorar a cidade.
5.2 – A QUESTÃO DA SUBJETIVIDADE OU GENERALIDADE DOS PLANOS
DIRETORES
A subjetividade ou mesmo a generalidade dos planos diretores pode trazer prejuízo
da implementação das ações e metas estabelecidas, considerando que cada cidade possui
peculiaridades próprias que devem ser consideradas na elaboração do plano diretor.
De tal forma que o Estatuto da Cidade ao estabelecer o conteúdo mínimo do plano
diretor evita que o Executivo crie leis inaplicáveis com medidas inexeqüíveis e que só trariam
danos à população urbana.
O conteúdo mínimo que deve conter cada plano diretor, obrigatoriamente observado
pelos municípios visa:
- a delimitação das áreas urbanas, onde poderão ocorrer o parcelamento, edificação
ou utilização compulsórios;
- o direito de preempção;
- a outorga onerosa do direito de construir;
- áreas que podem sofrer alteração de uso do solo;
- área para aplicação de operações consorciadas; e
- transferência do direito de construir.
Ora, se o plano diretor é a ferramenta fundamental para a implementação de políticas
urbanas, conforme requer o Estatuto da Cidade, não pode tratar de forma genérica ou dentro
de compreensões subjetivas dos prefeitos, sob risco da não exeqüibilidade do cumprimento do
que está previsto no art. 2º , e incisos, da lei que protege o ambiente artificial.
91
5.3.1 - A participação e auxílio do Ministério das Cidades
O Ministério das Cidades, órgão da administração pública federal tem contribuído
sobremaneira para que o processo de urbanização ocorra de forma efetiva e eficaz em todos os
municípios brasileiros.
Para tanto, tem disponibilizado telefones e site para consultas.
Algumas das ações do Ministério das Cidades:
1 – Mande sua pergunta para informe@cidades.gov
2 – O Ministério das Cidades quer ajudar o seu município a fazer o Plano
3 – Cartilha: Plano Diretor e Metodologia de Participação Popular
3 – Campanha do Plano Diretor Participativo (até 20.05.2006- ofereceu 256 oficinas,
com a participação de mais de 10 mil pessoas em cerca de 1.600 municípios114 brasileiros)
O trabalho de mobilização do Ministério das Cidades criou 26 núcleos formados por
associações de classe, de ensino, representantes dos governos, fóruns pela reforma urbana,
ONGs, e uma quantidade expressiva de populares ligados aos movimentos de luta por
moradia, todos engajados na busca de um futuro melhor para suas cidades.
Segundo dados do Ministério das Cidades;
- 1.684 municípios obrigados a elaborar seu plano diretor;
- Desse número apenas 14% concluíram o processo;
- Em andamento, até 2006, 74% faltavam concluir seus planos diretores.115
114
Segundo Fonte do IBGE de 2000, o Brasil tinha 5.561 municípios. Deste total, 4.172 possuem cidades com
até 20.000 habitantes, os demais, 1.389 municípios, abrigam cidades com mais de 20.000 habitantes
115
Fonte: www.cidades.gov.br/planodiretor
92
Pelo acesso ao site oficial o Ministério das cidades convidava toda a população,
como gestor, a obter informações, participar de campanhas, obter fontes de recurso, kits com
explicativos, boletins.
Do Conselho das Cidades:
O Conselho Nacional das Cidades (COnCIDADES) é um Conselho Federal eleito
nas Conferências das Cidades, composto por representantes de entidades de movimentos
populares, trabalhadores, prefeituras, governos estaduais e federal, empresários, ONGs e
entidades acadêmicas e profissionais com o objetivo de formular e implementar a política
nacional de desenvolvimento urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução.
O Conselho das Cidades116 tomou posse, em abril de 2005, e se tornou um modelo de
gestão pública, debatendo sobre políticas de saneamento, habitação, mobilidade urbana,
parcelamento da terra, sustentando sua atuação nos princípios de descentralização e
democratização.
O COnCIDADES visa à participação cidadã nas decisões sobre as políticas públicas
e contribuir com os municípios na aplicação do Estatuto da Cidade. Suas resoluções têm
caráter normativo, ou seja, são normas, que devem ser seguidas.117
Na ação conjunta o Instituto Pólis foi de grande participação e contribuição,
promovendo oficinas, distribuindo kits, cartilhas, abrindo discussão com a população e
demais seguimentos da sociedade.
O Instituto Polis é uma ONG, fundada em 1987, de atuação nacional no campo de
políticas públicas e do desenvolvimento local. Seu objetivo é a melhoria da qualidade de vida,
o desenvolvimento sustentável, a ampliação dos direitos de cidadania e a democratização da
116
O Conselho de Cidades foi eleito durante a I Conferência Nacional das Cidades, em 2003 e é formado por 71
representantes de segmentos sociais e poder público municipal. Os membros do ConCidades tem mandato de
dois anos.
117
Fonte: Cartilha do Ministério das Cidades – Plano Diretor – participar é um direito. Distribuída nas oficinas
feitas com técnicos do Instituto Polis.
93
sociedade, disponibilizando dicas e idéias para a atuação municipal,
118
inclusive na questão
de auxiliar com corpo técnico para a elaboração de planos diretores de municípios que estão
situados, geograficamente, muito distante ou de difícil acesso, como é o caso dos municípios
da Amazônia, particularmente o Estado do Amazonas que criou uma cartilha de orientação
para a elaboração de planos diretores para os distantes municípios.119
5.3.2 - Resoluções do Conselho das Cidades – ConCIDADES
O Conselho das Cidades atua por meio de Resoluções, deliberadas por seus membros
cujo efeito são normativos, ou seja, há obrigatoriedade no cumprimento das Resoluções do
ConCidades.
Destacam-se as seguintes Resoluções:
1 – Resolução nº. 13, de 16/06/2004- Criou as diretrizes e recomendações para a
criação dos Conselhos das Cidades ou equivalentes;
2 – Resolução nº. 25, de 18/03/2005 – Criou orientações e recomendações quanto a
participação democrática no Plano Diretor;
3 - Resolução nº. 34, de 01/07/2005 – Criou orientações e recomendações quanto ao
conteúdo mínimo do Plano Diretor.
5.4 –Responsabilidade das autoridades públicas envolvidas
Um dos princípios vinculadores da Administração Pública, além da aplicabilidade
dos princípios da legalidade, eficiência, publicidade, moralidade, é o da impessoalidade
através do qual a atuação do gestor público se despoja de qualquer interesse pessoal, devendo
estar voltado para a persecução de objetivos que atendam ao interesse comum.
118
Dados obtidos no site www.polis.org.br
DANTAS, Fernando Antônio Carvalho e outros. Planos Diretores na Amazônia: participar é um direito.
São Paulo: Instituto Polis, 2006.
119
94
Portanto, a quebra desse princípio norteador da conduta do gestor público municipal,
no que tange aos encargos impostos pelo Estatuto da Cidade, implica na responsabilização
desses atos.
A lei 10.257/2001, no art. 52, expressamente, dispõe que o Prefeito que não cumprir
as obrigações inclusas nos incisos II a VIII incorrerá em atos de improbidade administrativa.
Os atos de improbidade administrativas tipificados na Lei 8.429/92, referem-se à
condutas que implicam no enriquecimento ilícito do gestor, ou que causem prejuízo ao erário,
ou que atentem contra os princípios da Administração Pública, durante o exercício do
mandato, cargo, emprego e função, e se concretizam pela quebra do princípio da moralidade,
entre outros.
“Todos esses mecanismos são instrumentos hábeis para a tutela da moralidade
administrativa e o combate à improbidade administrativa – conceitos que expressam
um dever jurídico do agente público, amplamente considerado, e do particular que
se relaciona com a Administração Pública. [...] Desejam-se resultados jurídicos que
não sejam imorais, amorais, abusivos, contrários aos standasds normativos inseridos
na Constituição e nas leis infraconstitucionais.” FIGUEIREDO (2003)120.
Além de ser responsabilizado pos atos de improbidade, também, do que se extrai da
disposição do art. 54 do Estatuto, o agente que agir em contrário aos interesses públicos,
poderá também lhe ser aplicada os preceitos da Ação Civil Pública.
O Estatuto da Cidade, naquele art. introduziu prejuízos à ordem urbanística, o que
acarreta para o causador do dano, responsabilidade civil.
A pretensão do legislador é conscientizar o agente público (prefeito e outros agentes)
a cumprir a legislação municipal mediante o que está disciplinado.
Quanto aos objetivos pelo Estatuto da Cidade implica em ajustar à conduta aos
princípios e à lei, fazendo com que o agente execute os comandos legais.
120
FIGUEIREDO, Marcelo.O Estatuto da Cidade e a Lei de Improbidade Administrativa. in Estatuto da Cidade
(Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda,2003.
95
Todavia, é importante destacar que não só incorre em improbidade, o fato do agente
não promover, em cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel que foi incorporado ao
patrimônio público ou que não utilize os institutos da preempção, outorga onerosa do direito
de construir.
Também responderá por improbidade caso não venha cumprir o disciplinado nos
inciso de I a III, do §4º, do art. 40, ou seja:
- não promover audiências públicas e debates, cerceando o direito de participação da
população e contrariando a lei no que toca à gestão participativa;
- não dar publicidade aos documentos e informações produzidos, quebrando o
princípio da publicidade;
- não conceder acesso aos interessados quanto aos documentos e informações
produzidos, quebrando o princípio do direito à informação;
Não obstante, é bom ressaltar quanto à responsabilidade do agente vinculado ao
Executivo e ao Legislativo, que não garantir no processo de elaboração do plano diretor,
direito de participação, direito ao acesso das informações e dos documentos produzidos.
Esses agentes responderão, também, por ato de improbidade administrativa. Os atos
de improbidade contrariam a moralidade, divergem do caminho da probidade, da honra, da
integridade do caráter do agente público, desrespeitando o verdadeiro gestor da coisa pública
que é, na verdade, a população.
Se a participação da população está garantida pela lei, havendo obstáculo qualquer
interessado deverá promover a devida representação junto ao Ministério Público que adotará
as medidas cabíveis de apuração, através do inquérito civil público, peça importante que
subsidiará a Ação Civil Pública e a Ação de Improbidade Administrativa.
As penalidades cabíveis, que caberá ao juiz levar em consideração a extensão do
dano, aplicáveis aos Prefeitos e outros responsáveis podem ser:
96
- perda da função pública
- suspensão dos direitos políticos (de 3 a 5 anos)
- pagamento de multa civil
- proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos
fiscais pelo prazo de três anos
Se qualquer membro da sociedade agir incontinenti em defesa do interesse público
estará, por outro lado, promovendo o controle social e o controle legal.
97
6. MANAUS E A NECESSIDADE DE NOVAS FORMAS INDICATIVAS
DE GESTÃO DA CIDADE
O processo histórico de ocupação da cidade já é suficiente para provocar no meio
ambiente graves impactos ambientais. Essa inevitável depredação é imensurável quando o
crescimento populacional ocorre sem o controle efetivo do poder Público.
A urbanização da cidade ocorre, via de rega, sem o devido planejamento do Poder
Público, uma vez que os atos de invasão e apropriação do solo urbano antecedem qualquer
forma de implementação de política de urbanização.
O uso e a ocupação do solo urbano se dá à margem da lei principalmente quando se
trata da questão habitacional. Desta forma, a ocupação desordenada tem apresentado um
resultado negativo e de grande impacto negativo para a cidade afetando a qualidade de vida de
todos os seus habitantes, em diversos aspectos. O crescimento da população, a ausência de
aplicabilidade de elementos do Direito Urbanístico ou dos instrumentos de política pública de
desenvolvimento sustentável tem ocasionado graves e sérios problemas para os citadinos.
98
É importante ressaltar que não é dever isolado do Município criar diretrizes para a execução
de políticas urbanas. O Estado também tem essa responsabilidade e deve, em conjunto com o
Município, melhorar as condições de vida da população carente criando políticas públicas que
objetivem ajudar as pessoas “sem renda”.
“ A periferização da população de baixa renda em áreas cada vez mais distantes em
relação ao núcleo central está relacionada basicamente a dois fatores. O primeiro
pressupõe o fato de haver o controle do uso do solo nas áreas melhor localizadas,
com tendência a uma forte especulação imobiliária. O segundo, revela a escassez de
habitação para a classe social de baixa renda, deixando-a à margem dos programas
de habitação oferecidos tanto pelos órgãos públicos, quanto pela iniciativa privada,
mas que atendem a uma clientela restrita. Diante desses fatos, resta à população de
baixo status social utilizar de instrumentos alternativos para conseguir acesso à
moradia própria, entre os quais predominam as ocupações em diversas áreas da
periferia urbana”. FILHO (1999)121
A cidade de Manaus possui uma área de 14.337 Km2. Sua população vem crescendo,
exponencialmente, ano a ano. Em 1991 sua população era estimada em 1.165.352 habitantes,
já em 2000 o município de Manaus atingiu o crescimento populacional alcançando o número
de 1.450.234 habitantes. A expansão urbana vem crescendo em direção ao município do Rio
Preto da Eva. A cidade é banhada pelo Rio Negro e entrecortada por diversos igarapés, na sua
maioria todos poluídos - Igarapé do Quarenta; Igarapé do Mindu; Igarapé do Tarumã; Igarapé
do Franco; Igarapé do São Raimundo e outros.
Manaus localiza-se a 40,33 metros acima do nível do mar e seu índice pluviométrico
é de 2.100 mm, contribuindo para que ocorra os fenômenos da "cheia ou enchente" e da
"vazante" dos rios e igarapés da região. Limita-se ao norte com o município de Presidente
Figueiredo; ao sul com o município de Iranduba e Careiro; ao Leste com o município de
Itacoatiara e Rio Preto da Eva; e a Oeste com o município de Novo Airão. Seu clima é quente
e úmido, limitado a duas estações: - das chuvas (inverno) que tem início no final de dezembro
121
FILHO, Vitor Ribeiro Filho. Mobilidade Residencial em Manaus. São Paulo: EDUA, 1999.
99
e termina no final de julho; e da estiagem (verão) que dura de setembro a dezembro. A
temperatura oscila em 28 a 40° C.
Embora possa sugerir o contrário, o período da exploração da borracha mesmo
trazendo grande riqueza para Manaus, trouxe para a cidade um grande crescimento
populacional e o início de sérios problemas sociais. Há que se considerar que, naquele
período, o êxodo rural e a imigração nordestina mais que dobrou a população de Manaus.
Com o progresso, ou seja, com o advento da modernidade Manaus sofreu drásticas
transformações. Terminada a 1ª Guerra Mundial, os "soldados da borracha" ficaram
desempregados e, sem alternativas buscaram na cidade grande melhor condição de vida. Em
1950, como resultado do declínio da exportação da borracha e, conseqüentemente, da
decadência econômica que sofreu o estado do Amazonas/Manaus, os seringueiros
desempregados se estabeleceram às margens dos igarapés da cidade e, principalmente nas
águas do Rio Negro, surgindo, assim, a cidade flutuante.
Os tempos modernos acabaram com os hábitos e costumes da antiga Manaus e os
saraus desapareceram. Na verdade, o ciclo da borracha, após o seu período de "glamour",
desencadeou uma situação de notória pobreza para os habitantes da cidade de Manaus. A
cidade era um atrativo ilusório de riqueza fácil e, repentinamente, essa perspectiva
desapareceu. Uma grande massa populacional aqui se instalou sem que existisse a devida
infra-estrutura. O inchaço do núcleo urbano acarretou o surgimento das favelas que aumentou
consideravelmente após a instalação do projeto da Zona Franca de Manaus em 1967.
Bairros como Cachoeirinha, Colônia Oliveira Machado e São Raimundo, foram
ocupados por famílias pobres que não tinham condições de morar no centro da cidade. Por
outro lado, esses bairros não tinham nenhum tipo de serviço público para oferecer aos seus
habitantes, bonde, água e luz. Mais tarde, outros locais foram sendo ocupados de maneira
desordenada, quebrando, radicalmente a harmonia de um planejamento urbano.
100
A miséria existente e as diferenças sociais passaram a ser um sério fator de risco
promovendo a violência urbana, a prostituição, os desajustes sociais.
São notórias as diferenças e a heterogeneidade que passou a existir em Manaus.
Manaus se tomou uma metrópole. Sua população, a exemplo de toda grande cidade, deixou de
ter a feição provinciana antes existente e assumiu ares de indiferença das grandes capitais,
devido o ritmo acelerado e contínuo que passou a fazer parte de sua rotina.
O urbanismo implantado, por força dos fatos, foi criado para "adequação" e não
como parte de um programa ou planejamento instituído pêlos governos. De qualquer modo, o
embelezamento da cidade e o melhoramento trazido pela urbanização contemporânea, não
conseguiu amenizar a pobreza implantada desde a criação de Manaus. Passou a ser cenário
integrante e inevitável de todos os lugares.
Manaus, vive hoje o slogan “Pensando Manaus para o futuro”. Com a campanha de
implementação de política urbana e todo a movimentação para que os municípios elaborassem
seus planos diretores, o de Manaus que já estava inexeqüível há mais de 20 anos, foi
aprovado, em 2001, justamente no momento em que foi aprovado o Estatuto da cidade.
Muitas mudanças ocorreram, inclusive na lei que aprovou o plano diretor. Toda a
política de urbanização da cidade de Manaus, a cargo do IMPLURB – que se volta para o
planejamento urbano, vê a questão como uma necessidade de acompanhar, através de
processo contínuo de planejamento e fiscalização com fins de proporcionar para os habitantes
da cidade uma melhor qualidade de vida, duramente afetada com as freqüentes invasões,
derrubada da floresta, crescimento populacional e outras seqüelas oriundas de uma cidade que
cresceu à margem de um planejamento, no mínimo, eficaz.
Para tanto, disponibiliza a Prefeitura de Manaus o site onde a população poderá obter
informações e acompanhar as ações municipais, através de uma gestão democrática da cidade.
101
O plano diretor de Manaus possui uma peculiaridade, ou seja, embora o município já
tenha o seu Código Ambiental o plano diretor recebeu a seguinte titularidade: Plano Diretor
Urbano e Ambiental de Manaus através do qual se juntam ações de prevenção ao meio
ambiente conjugadas com a execução de política urbana.
Há necessidade que o poder público municipal não concentre a atividade do plano
diretor no legalismo que ele insere e crie outras alternativas de solução, a exemplo da criação
do Fundo Municipal de Desenvolvimento urbano e do Conselho Municipal de
Desenvolvimento urbano.
Mas a tarefa municipal está só iniciando.
102
7. CONCLUSÃO
A construção de cidades sustentáveis implica em tornar a cidade caótica mais
humana para ser habitada. Não se pode esquecer que a qualidade de vida é direito
fundamental de todo ser humano.
Assim, um dos instrumentos mais eficazes trazidos pelo Estatuto da Cidade – o plano
diretor – teria o encargo de adotar medias de ordenação e correto uso e parcelamento do solo
urbano através da implementação de políticas públicas urbanas com o objetivo de promover o
bem-estar social.
Entretanto, embora revestido de todas as peças que possam dar mais ordenação à
cidade, o plano diretor, sendo um plano urbanístico, depende da atuação do gestor público
quanto à sua correta aplicação e alcance de metas.
E nesse contexto que se torna fundamental todas as formas de participação da
sociedade, seja através da gestão democrática, seja através do controle.
103
Também, deixa de ser suficiente apenas o controle social uma vez que a sociedade
interessada estará submissa às ações do gestor público. É importante, também o
comprometimento deste através do exercício do poder de polícia para assegurar que as regras
estabelecidas no plano diretor não sejam obstaculizadas por pessoas que só visam interesses
pessoais.
Além do mais, diante do engajamento da sociedade e do poder público em prol da
construção da cidade sustentável, como quer o Estatuto da Cidade, requer que o controle legal
seja exercido pelo Ministério Público fiscal da lei e defensor dos interesses coletivos.
Deste modo, a reforma urbana só se concretizará se o compromisso for de todos os
atores sociais. Por isso, a importância do controle sobre a efetividade das medidas propostas
no plano diretor se dará através do controle social, legal e de polícia.
104
7. REFERENCIAS
AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996
ALFONSIN, Betânia. O Estatuto da Cidade e a construção de cidades sustentáveis,
justas e democráticas. Paper foi originalmente apresentado ao 2º Congresso Brasileiro do
Ministério Público de Meio Ambiente, realizado em Canela de 29 a 31 de agosto de 2001.
BARROS, Márcio; LOURENÇO, Fátima Cristina de Moura. Artigo na linha de pesquisa
“Plano Diretor e o Estatuto da Cidade”, desenvolvida no âmbito da Escola de Contas e
Gestão
BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2001.
BEZNOS, Clovis. Desapropriação em nome da Política Urbana (art. 8º). Estatuto da
Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abreu Dallari e Sérgio
Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.
BERMAN, Marshal. Tudo que é Sólido desmancha no ar. São Paulo: Editora Cia. das
Letras, 1988.
105
BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu F. de (orgs) Perspectivas de Gestão Ambiental
em Cidades Médias. Rio Claro: LPM-UNESP,2001(ISBN 85-89154-03-3)
BRUMES, Karla Rosário. Cidades: (Re) definindo seus papéis ao longo da história.
Caminhos da Geografia 2 (3)47-56, mar/2001. Revista on line . Instituto de Geografia-UFUFCT/UNESP.
CAMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor (arts. 39 a 42) in Estatuto da Cidade
(Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores. Adilson Abreu Dallari e Sérgio
Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003.
CARLOS, Ana Fani Alessandro. A (re) produção do Espaço Urbano. São Paulo: Editora
USP, 1994
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998
COPOLA, Gina. Elementos de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Temas & Idéias Editora,
2003.
DALLARI, Adilson Abreu. FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei
Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2003.
DANTAS, Fernando Antônio Carvalho e outros. Planos Diretores na Amazônia: participar
é um direito. São Paulo: Instituto Polis, 2006.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda, 2004.
DIAS, Edna Cardozo. Manual de Direito Ambiental. 2ª ed. – Belo Horizonte:
Mandamentos, 2003.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000.
DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos do Direito Urbanístico.Barueri,SP:
Manole, 2004.
106
FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte:
Del Rey, 2000.
FERRAZ, Sérgio. Usucapião especial (arts. 9º a 14). Estatuto da Cidade (Comentários à
Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda, 2003.
FIGUEIREDO, Marcelo.O Estatuto da Cidade e a Lei de Improbidade Administrativa. in
Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores. Adilson
Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003.
FILHO, Vitor Ribeiro Filho. Mobilidade Residencial em Manaus. São Paulo: EDUA, 1999.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2003
FONSECA, Osório José de Menezes; BARBOSA, Walmir de Albuquerque; MELO, Sandro
Nahmias. Normas para elaboração de Monografias, Dissertações e Teses. Manaus. UEA,
2005.
FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis, 1830-1880. A cidade antiga; tradução Fernando
de Aguiar.- 4º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. – (Paidéia)
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala
GASPARINI, Diógenes.O Estatuto da Cidade.São Paulo: Editora NDJ, 2002.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005
HARADA, Kiyoshi. Direito Urbanístico: Estatuto da Cidade: Plano Diretor Estratégico.
São Paulo: Editora NDJ, 2004.
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do
espaço urbano. Rio de Janeiro:Renovar, 2003.
107
LEFEBVRE, Henri. El Derecho a la ciudad. Barcelona: Ediciones Península, 1978.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10 ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Artigo elaborado da parte II
do Livro da autora, Metrópole na periferia do capitalismo. São Paulo: Hucitec, 1996. Estudos
Avançados 17(48), 2003
MATTOS, Celso Carlos. Organização social do poder político: novas experiências. Belo
Horizonte: Del Rey, 1999.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda, 1990.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública,
Mandado de Injunção, “Habeas Data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação
Direta de Constitucionalidade. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000
MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda, 2004;
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda, 2004.
MEZZAROBA, Orides e Claudia Servilha Monteiro. Manual de metodologia da pesquisa
no direito.- 2. Ed.rev. - São Paulo: Saraiva, 2004.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário: São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001.
MUKAI, Toshio, Direito Ambiental Sistematizado. 4ª ed. -Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004.
MUKAI, Toshio, O Estatuto da Cidade: anotações à Lei nr. 10.257, de 10 de julho de
2001. São Paulo : Saraiva, 2001.
108
ODUM, Eugene.Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
OLIVEIRA, Fabrício Leal de. Sustentabilidade e competitividade: a agenda hegemônica para
as cidades do século XXI. In A duração das Cidades: sustentabilidade e risco nas políticas
urbanas. Henri Acselrad (org). Rio de Janeiro: DP&A, 2001
RABINOVICH, Ricardo David Berkman. Um viaje por la História Del Derecho. Buenos
Aires- AR.Editorial-Quorum, 2004.
RATTNER, Henrique. Prefácio do livro Duração das Cidades: Sustentabilidade e risco nas
políticas urbanas. ACSELRAD, Henri (org). Rio de Janeiro: DP&A, 2001
RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. O Estatuto da Cidade e a questão urbana brasileira. In
Reforma Urbana e gestão democrática: promessa e desafios do Estatuto da Terra/ orgs.
Luiz César de Queiroz Ribeiro, Adauto Lúcio Cardoso. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2003
ROGERS, Richard. Ciudades para uno pequeno planeta. Barcelona : Editora Gustavo Gili,
2000.
ROLNIK, Raquel. O Brasil e o Habitat II. Revista Teoria e Debate nº 32- (jul/ago/set 1996)SUS/Fundação
Perseu
Abramo.
Publicação
on
line
em
22/06/2006
www.perseuabramo.org.br/cidades.
SALEME, Edson Ricardo. Parâmetros sobre a função social da cidade. Artigo defendido
no XIV Congresso Nacional do CONPEDI que ocorreu em Fortaleza –CE/2005 -(Anais).
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro:
Garamond, 2002
SANCHEZ, Fernanda. Políticas Urbanas em Renovação. São Paulo: Moderna, 1999.
SANTOS, Milton. A urbanização Brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1993.
SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor – Possibilidades de uma nova
ordem legal urbana justa e democrática. In Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas
109
perspectivas para as cidades brasileiras. Letícia Marques Osório (org). Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Brasilienses, 1981.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed., Malheiros Editores, São
Paulo, 2007.
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,
2000.
SILVA, Olmiro Ferreira da. Direito Ambiental e Ecologia: aspectos filosóficos e
contemporâneos – Barueri, SP: Manole, 2003.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2007.
SPOSITO, Mª Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1994.
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais (art. 2º). Estatuto da
Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abreu Dallari e Sérgio
Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.
VAINER, Carlos B. Cidades, Cidadelas e a Utopia do reencontro. (1998
VELHO, Octávio Guilherme. O fenômeno Urbano. Rio de Janeiro. Editora Zahar, 1976.
VIEIRA, Maria da Penha. Favelização do Brasil – Cultura da Miséria. Artigo com
publicação
on
line
em
03.01.2004
www.dominiofeminino.com.br//trabalho_negocios/imobiliários
TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Os nomes da cidade no Brasil Colonial.Considerações a
partir da Capitania do Rio Grande do Norte. Mercator. Revista de Geografia da UFC, ano
02, número 03, 2003
TERRA, Marcelo. A habitação popular no Estatuto da Cidade. Revista de Direito
Imobiliário, São Paulo, 2001.
110
WAINER, Ann Helen. Legislação Ambiental Brasileira: subsídios para a História do
Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.
WENDT, Emerson. Ensaio sobre o poder de polícia da administração pública frente à
intervenção na propriedade urbana. www.advogado.adv.br/artigos/2000. Acesso em julho
de 2006.
Carta do Urbanismo, 1933 – Carta de Atenas – 4º Congresso de Arquitetura Moderna.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006.
Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
IPHAN
informe@cidades.gov
www.cidades.gov.br/planodiretor
www.polis.org.br
Descargar