11 1. INTRODUÇÃO A cidade ambiente que abriga pessoas com sonhos e desejos individuais não é um ambiente cujos interesses privados possam prevalecer. A cidade, assim, deixa de ser apenas uma aglomeração de pessoas para se tornar um lugar de todos, movidos pelo interesse de ter uma boa qualidade de vida. Para que se possam compreender os problemas vividos na cidade, é necessário fazer uma viagem até o momento de sua constituição. Nessa viajem o território brasileiro é ultrapassado e se busca em remotos tempos entender como foi o processo de constituição das cidades. Assim, volta-se a Roma e à Grécia, terras das cúrias e das fratrias, primeiras formas de reuniões familiares com cultos iguais, modo de vida semelhante. Mais tarde, essa reunião formou a tribo e da tribo à cidade. A cidade era então, num primeiro momento, fortemente influenciada pela religião e, nesse aspecto não foi diferente no Brasil, cuja colonização trouxe como característica peculiar à religiosidade, muito vinculada ao movimento catequista de várias ordenações que vinham para cá com o fim de catequizar, principalmente, os indígenas. 12 No Brasil a forma de constituição da cidade foi feita através de pequenos povoados que, diante de seu lerdo crescimento, se tornaram vilas e depois cidades, cuja característica, durante muito tempo, era de apenas pequenas aglomerações. Diante do forte fluxo migratório, saída do campo para a cidade, em busca de melhores condições de vida, cuja influência preponderante foi à atividade industrial, a cidade passou a concentrar variados problemas urbanos, ligados à questão de moradia, saneamento, espaço, mercado, preço, acesso a serviços públicos, insalubridade. As metrópoles e grandes cidades se tornaram um verdadeiro caos. Esse quadro exigiu providências por parte do legislativo que, embora procrastinando muito a tramitação da Lei 10.257/2001, trouxe através desse instituto jurídico a possibilidade de melhoria do caos, considerando que uma de suas diretrizes gerais é a construção de cidades sustentáveis. Os problemas oriundos do crescimento desmedido das cidades, a urbanização acelerada trouxe graves impactos polivalentes, tais como: - aumento na demanda e do custo de serviços públicos urbanos - favelização em massa - deterioração ecológica - alta taxa de desemprego e marginalidade Diante desse quadro surge a proposta de mudança através de medidas adotadas pelo plano diretor, responsabilidade do Executivo municipal, que terá por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, pela intervenção das diretrizes gerais que apregoa o Estatuto da Cidade: gestão democrática, regularização fundiária, participação da sociedade e controle das medidas adotadas. 13 2. ANTECEDENTES NORMATIVOS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DAS CIDADES As questões tratadas pelo Direito Urbanístico implicam, necessariamente, na abordagem da constituição das cidades. Assim, torna-se necessário ter uma noção básica de tempos geológicos, biológicos e históricos.1 Os tempos geológicos, os quais a ciência não tem condições de precisar o tempo quando usa a expressão “bilhões de anos” levam, contudo, à investigação sobre a origem e as fases de transformação sofridas pelo planeta terra. Quando a preocupação volta-se para o início dos registros da vida, “dezenas ou centenas de milhões de anos”, a idéia leva às alterações lentas dos ecossistemas com a presença de espécies vivas (vegetais e animais) que, durante todo esse processo evolutivo surgiram e desapareceram, gradativamente. Entretanto, é com os tempos históricos, “milhões de anos”, que se registra a presença e a atividade evolutiva da “espécie humana” nos ecossistemas naturais, ou seja, a evolução gradativa do Homo habilis (fase humana precoce) e a do Homo Sapiens (fase humana 1 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário: São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 14 moderna). É nos tempos históricos que a família aparece como única forma existente de sociedade.2 Antes do surgimento da cidade é importante tratar das fratrias, das cúrias, das tribos, e, por fim, das cidades. As fratrias (para os gregos) eram certos números de famílias que formavam um grupo. As cúrias (antiga de divisão das tribos romanas) eram um certo número de famílias que formavam um grupo. Desta forma, tanto as fratrias quanto as cúrias formavam tribos que, mais tarde, foram responsáveis pelo surgimento das cidades. É importante destacar que, antes das constituições das cidades, o homem tinha uma relação muito próxima com os elementos da natureza, motivo pelo qual a divindade escolhida sempre tinha relação com o Sol, Terra e o Céu. O modo de vida das fratrias, cúrias que se juntavam em tribos (aldeia) até formarem a cidade leva a conclusão de que o ser humano necessitou deslocar-se, quase todo o tempo, fosse para associar-se a outras famílias, fosse para fugir das intempéries, fosse para protegerse dos inimigos. Tanto é, que no período chamado Paleolítico (idade da pedra lascada) o ser humano buscava lugares que lhe proporcionasse segurança, lugares que lhe servissem de abrigo embora que temporariamente (cavernas). Não havia permanência fixa em nenhum lugar salvo, os cemitérios, lugar de moradias fixas e onde aconteciam importantes cerimônias, reflexos da forma de vida dos primeiros grupos humanos. (...) “os mortos foram os primeiros a ter uma moradia permanente: uma caverna, uma cova assinalada por um monte de pedras, um túmulo coletivo”. SPOSITO (1994) 3 Ainda seguindo o processo evolutivo, é no período chamado Mesolítico (idade da pedra lascada e polida) que surgem melhores condições de produção de alimentos resultado 2 Fustel de Coulanges, Numa Denis, 1830-1880. A cidade antiga; tradução Fernando de Aguiar.- 4º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. – (Paidéia) 3 Munford apud SPOSITO, Mª Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1994. 15 da prática de criação doméstica de certos animais e do cultivo por meio de mudas de alguns vegetais comestíveis. No entanto, é no período Neolítico (idade da pedra polida) que vão surgir as primeiras aglomerações chamadas de “aldeamentos”4. Os primeiros aldeamentos proporcionaram boas chances de sobrevivência humana e mudança acerca da “fecundidade, alimentação e proteção”,5 e é, nesse período, que a construção da aldeia torna-se elemento constitutivo da origem das primeiras cidades. A formação da cidade ocorre com o estabelecimento de cultos independentes de cada tribo. Nesse contexto é importante compreender, primeiramente, sobre as fratrias, as cúrias, e as tribos na contribuição da formação da cidade: “A tribo, tanto como a família e a fratria, constitui-se em corpo independente, com culto especial de onde se excluía o estrangeiro. Quando formada, nenhuma nova família podia nela ser admitida. Duas tribos de modo algum podiam fundir-se em uma só, porque a sua religião a isso se opunha. Mas, assim como muitas fratrias estavam reunidas em uma tribo, muitas tribos puderam associar-se, sob condição de o culto de cada uma delas ser respeitado. No dia em que nasceu essa aliança nasceu a cidade.” FUSTEL DE COULANGES (1998).6 É necessário considerar que esse processo de evolução não ocorreu de um momento para outro, mas, sim, deu-se de forma sucessiva mediante a formação de pequenos grupos que, segundo Fustel de Coulanges, anteriormente citado, já haviam se constituídos há muito tempo sem que perdessem com a junção à tribo, a sua individualidade, independência e credo. Diante dessa constatação é possível afirmar que a cidade não deve ser considerada um agregado de indivíduos, mas uma “confederação”7 de vários grupos constituídos ao longo de muito tempo e que a cidade permitiu subsistir. O importante é reconhecer que a cidade surge como uma associação religiosa, também política, das famílias e das tribos.8 4 Aldeamentos: ato ou efeito de aldear; conjunto de aldeias. BRUMES, Karla Rosário. Cidades: (Re) definindo seus papéis ao longo da história. Caminhos da Geografia 2 (3)47-56, mar/2001. Revista on line . Instituto de Geografia-UFU-FCT/UNESP. 6 Ibidem 7 Aliança de várias nações para um fim comum. 8 Ibidem 5 16 Sem dúvida, a formação das primeiras aldeias pode ser considerada como a célula mater que originou as primeiras cidades, cuja dimensão espacial dos aglomerados servia como elemento diferenciador entre cidade e aldeia, isso porque, os aglomerados de pequenas dimensões e pouca população, não apresentava distinções econômicas e sociais das famílias. Singer (1981)9 afirma que a “formalização da existência da cidade ocorreu na medida em que as relações entre os citadinos e produtores do campo, foram sendo institucionalizadas, de forma a assegurar a transferência do mais produto à cidade.” No que toca a questão de conceituar cidade, merece consideração distingui-la de urbe. Urbe não é o mesmo que cidade, assim, esses dois termos não guardam sinonímia. Se a cidade era a associação religiosa resultado de um processo constitutivo das fratrias ou das cúrias que eram grupos familiares em unidas em tribos e estas em cidade, a urbe( urbs)10 era o lugar das reuniões religiosas, era o domicílio das fratrias, era o “ santuário da sociedade”. Segundo Di Sarno (2004)11, a existência das primeiras cidades, na antiguidade, ocorreram por volta de 3.500 a.C. no vale da Mesopotâmia entre os rios Tigre e Eufrates. Nessa fase, as formações dos aglomerados ocorriam às margens dos rios, ou nos desertos, pois o homem estava muito inclinado às condições da natureza e das divindades. Na Grécia, Aristóteles ao referir-se à origem da cidade, na sua obra A Política, assim expõe: “Ante todo, es necessário que se unam por parejas los que no pueden existir el uno sin el outro, como la hembra y el macho para la generacion (y esto no por efecto de una decisión, sin de la misma manera que en los demás animales y plantas es una ley natural la tendência a dejar trás de si outro semejante”. (ARISTÓTELES, La Política) 12 9 SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Brasilienses, 1981. Do latim orbe, círculo, esfera, globo terrestre. Denominação que os antigos romanos davam à cidade de Roma. A urbs não se confundia com a civitas ou totalidade dos cidadãos romanos(cives, cidadão) elemento humano da cidade. 11 DI SARNO, Daniela Campos Libório.Elementos do Direito Urbanístico. Barueri,SP: Manole, 2004. 12 ARISTÓTELES, La Política, Barcelona, Bruguera, 1974,p.56 apud RABINOVICH, Ricardo David Berkman. Um viaje por la História Del Derecho. Buenos Aires- AR.Editorial-Quorum, 2004. 10 17 Platão13 diria que as cidades (organização política) são resultados do caráter do homem e dos costumes civis que se estabelecem. O caráter do governo é definido pelo caráter do homem, sendo assim, Platão investe na análise não só dos tipos de governos existentes, mas, também, dos homens destes governos. O filósofo concentra a sua análise das formas de governo com o seu modelo ideal, o modelo que Platão pensa ser o mais justo. A justiça pode ser entendida inicialmente como pessoas fazendo bem as tarefas que elas devem realizar. A tarefa do governante é governar visando ao bem do todo. Esta tarefa depende de alguns pré-requisitos que o governante deve ter e um deles é que o governante precisa, antes de tudo, saber governar a si mesmo. Retomando Aristóteles, o conceito de polis estava associado aos fins que a totalidade do gênero humano deve ter em vista e dos meios que a razão indica para consecução de tais fins. “Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo, e visa ao mais importante de todos os bens, ela se chama cidade e é a comunidade política. (...) A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o ponto máximo de uma autosuficiência praticamente completa; assim ao mesmo tempo em que já tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para lhes proporcionar uma vida melhor. Toda a cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas, pois a natureza de uma coisa é o seu estágio final”. (ARISTÓTELES, A Política).14 Na Idade Média (séculos IV ao XIII) a organização da sociedade era basicamente rural. Mais tarde, mediante o processo de trocas, principalmente as comerciais entre ocidente (Portugal, Espanha) e oriente (Índias) e pela descoberta de novos mercados consumidores (América), é que começam a se constituírem as cidades. Contudo, a partir do fenômeno da industrialização as cidades começam o processo de inchamento e crescimento verificáveis ainda hoje. 13 14 Na obra A República. Citação da obra de Aristóteles 18 Os primeiros aglomerados foram marcos para as primeiras formas de organização social que mais se aproximaram das primeiras cidades. No momento que surgia a cidade era escolhido o seu sítio urbano mediante a escolha estratégica da sua localização que tinha muito a ver com dois aspectos preponderantes: o acesso e a defesa. Outros pontos importantes também eram levados em consideração no que diz respeito ao planejamento da cidade, ou seja: espaços livres para sua expansão, produção de alimentos, fornecimento de água e energia e salubridade. “A cidade é essencialmente o lócus da concentração de meios de produção e de concentração de pessoas; é um lugar da divisão econômica do trabalho (o estabelecimento industrial num determinado lugar, os galpões, os escritórios em outros.” CARLOS (1994)15 Para Lefebvre (1978)16 a concepção que leva em contra a construção da cidade enquanto valor de uso e valor de troca é assim entendido: “En particular, la oposición entre valor de uso (la ciudad y la vida urbana, el tiempo urbano) y valor de cambio (los espacios comprados y vendidos, la consumición de productos, bienes, lugares y signos) nos aparece en toda su desnudez”. 17 Na evolução conceitual a cidade mereceu diferentes definições: a) espontânea - quando nasce naturalmente em função de defesa ou de relações comerciais, a exemplo de Porto Alegre, Recife, Londres; b) artificial - quando nasce de acordo com projetos ou planos, a exemplo de Belo Horizonte, Washington, Brasília, Goiânia. Conforme a situação geográfica, aliada a outros aspectos, as cidades nascem, crescem, estabilizam-se, decaem ou "morrem". Uma cidade pode morrer, naturalmente, como resultado do desgaste de sua vitalidade (Outro Preto, Monteiro Lobato) ou em decorrência de 15 CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re) produção do Espaço Urbano. São Paulo: Editora USP, 1994. LEFEBVRE, Henri. El Derecho a la ciudad. Barcelona: Ediciones Península, 1978. 17 Ibidem 16 19 catástrofes (Pompéia, São Pedro, Herculano, San Juan de Porto Rico, Liepzig, Rotterdam, Hiroxima, Nagasaki, Iguape). Pela concepção demográfica ou quantitativa se considera cidade a reunião de determinado número de pessoas/habitantes variando esse quantitativo de país para país, por exemplo: alguns países consideram cidade a partir de 2.000 habitantes; outros países a contar de 5.000 habitantes; para a ONU esse quantitativo é de 20.000 habitantes para que o aglomerado seja considerado cidade; nos Estados Unidos o quantitativo é de 50.000.18 Para Weber19a concepção econômica de cidade apóia-se no sentido de entender a cidade como: "(...) uma população local que satisfaz uma parte economicamente essencial de sua demanda diária no mercado local". Uma das características das cidades, sob o ponto de vista sociológico, é o ajuntamento de casas, com paredes encostadas. "Um estabelecimento de casas pegadas umas às outras ou muito juntas que representam, portanto, um estabelecimento amplo, porém, conexo, pois do contrário faltaria conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, que é específico da associação de vizinhança. Nesse caso só localidades relativamente grandes seriam, cidades, e a partir, do qual se deveria começar a considerá-la como tal. Porém, para aquelas localidades que no passado possuíram caráter jurídico de cidades não se aplica de forma alguma essa característica". WEBER (1976)20 A cidade assim vista pode ser compreendida como sendo uma localidade em que seus habitantes e a população dos arredores produzem ou adquirem produtos para colocá-las no mercado. A concepção da construção da cidade enquanto valor de uso e valor de troca é na ótica de Lefebvre (1978)21 assim descrito: “En particular, la oposición entre valor de uso (la ciudad y la vida urbana, el tiempo urbano) y valor de cambio (los espacios comprados y vendidos, la consumición de procuctos, bienes, lugares y signos) nos aparecá en toda su desnudez”. 18 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000. WEBER, Max. Economia y Sociedad. V.II México. Fundo de Cultura Econômica, 1969 apud SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. , 2000. 20 WEBER, Max apud VELHO, Otávio Guilherme. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro. Editora Zahar, 1976. 21 Ibidem 19 20 Na obra A Cidade Antiga, 22 as cidades surgiram com a aliança da união de muitas fratrias em uma tribo e, durante alguns séculos, teve de respeitar a independência religiosa e civil das tribos, das cúrias e das famílias. “De início, a família vive isolada e o homem só conhece os deuses domésticos theoi pathôoi dii gentiles. Acima da família forma-se a fratria com o seu deus, theòs phrátrios, Juno curialis. A seguir temos a tribo, theòs phulios. Chega-se enfim à cidade e concebe-se um deus cuja providência abrange a cidade inteira, theòs punieús, penates publici. Hierarquia de crenças, hierarquia de associações. A idéia religiosa foi, entre os antigos, o sopro inspirador e organizador da sociedade.” (o grifo não é do autor)23 Para compreender acerca do sistema normativo que vigorou nas primeiras cidades constituídas é importante destacar alguns sistemas normativos: Moral, Religião, Política e Direito. Assim, é possível afirmar que o sistema normativo que prevaleceu no processo de constituição da cidade foi o religioso, isto em o que prevalecia entre os habitantes das primeiras cidades eram as regras de direito privado. O que vigorava era o que a família, no seu próprio meio, concebia como justo, certo ou errado não importando se havia uma regra diferente, mantinham a sua individualidade e crença de quando viviam isoladas. Isto é compreensível diante do fato da submissão humana, na antiguidade, pelo reconhecido poder das divindades e o temor vinculado à crença. No Oriente quanto à forma de organização social dos hindus, cada uma das divisões da sua sociedade formavam um círculo impenetrável, de forma que era considerada grave transgressão o casamento entre pessoas de castas diferentes. De modo análogo, os egípcios também viviam sob o regime de castas. Já na sociedade babilônica as classes, e não castas, eram divididas em classes dos livres e classes dos subalternos, mas havia predomínio de religiosidade. 22 23 Obra de Fustel de Coulanges, traduzida por Fernando de Aguiar, São Paulo, 1998. Idem 21 No lado ocidental, a Grécia se destaca por um conservadorismo implacável de suas instituições, cujo padrão sempre se destaca em Esparta e Atenas. Na sociedade Romana, as classes eram divididas em três: a dos patrícios, os civitas e os plebeus. Essas civilizações antigas viviam, na verdade, sob a pressão dos deuses, das divindades que, para eles ditavam as regras sociais das quais a desobediência resultava em severas penas. Assim sendo, conclui-se que a Religião como sistema normativo foi fator determinante da construção do modelo das cidades antigas. 2.1 DOS AGRUPAMENTOS COLONIAIS ÀS FORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS O Brasil não foi colonizado na mesma época de se “descobrimento”. O que motivou o processo de colonização de Portugal no Brasil foram os freqüente ataques por parte dos franceses, ingleses e holandeses, os mesmos que ficaram fora do Tratado de Tordesilhas24 além dos saques dos piratas ou corsários. Diante de tal situação Portugal enviou ao Brasil expedições chamadas de Guarda-Costas, mas que não logrou os resultados esperados. Três décadas depois do “descobrimento” do Brasil o rei de Portugal, D João III, deu início ao processo de colonização do Brasil. A primeira expedição que veio para o fim de colonizar a terra ameaçada teve o comando de Martin Afonso de Souza tinha por metas: expulsar os invasores indesejáveis; povoar o território e dar início ao cultivo de cana de açúcar cujo cultivo prometia ser promissor pela adaptação ao clima e solo do Nordeste. Como forma de organizar a colônia, o Rei dividiu o grande território em capitanias hereditárias que eram faixas de terras doadas aos donatários que tinham a liberdade de explorar os recursos das terras brasileira. Porém, esse sistema fracassou diante de alguns aspectos não considerados: carência de recursos; ataques freqüentes dos piratas e dos indígenas; o desconhecimento do meio ambiente local; o isolamento em relação à Metrópole. 24 Acordo assinado entre Portugal e Espanha que dividiu as terras recém descobertas em 1494. 22 As únicas capitanias que apresentaram resultados positivos foram a de São Vicente (mais tarde São Paulo) e Pernambuco. Na época colonial a base da economia local era o engenho de açúcar, cujo proprietário era o dono da unidade de produção do açúcar e que se valia da mão-de-obra escrava - negros africanos que viviam em absoluta sujeição a um senhor – o Senhor de Engenho -. As plantações de cana-de-açúcar eram feitas pelo sistema de plantation25 para serem vendidas na Metrópole por força do Pacto Colonial imposto pela Coroa Portuguesas. O Senhor de Engenho vivia na Casa Grande com sua família e agregados. Os escravos viviam nas senzalas em situação de notória miséria e péssimas condições de higiene. “A colonização do Brasil se processou aristocraticamente. O português se fez aqui senhor de terras mais vastas, dono de homens mais numerosos que qualquer outro colonizador da América”. FREYRE, Gilberto 26 Não obstante a sociedade do período colonial era patriarcal além de ser marcada por fortes distinções sociais. Na camada mais considerada mais elevada estava o Senhor de Engenho, possuidor de poderes econômicos e políticos. Na camada intermediária estavam os funcionários públicos e os trabalhadores livres e, bem na base, estavam os escravos africanos. A literatura revela que poucas cidades no Brasil surgiram como vilas e mais raras as que surgiram com a categoria de cidades. Na verdade, as pequenas aglomerações eram denominadas de povoado27 . O povoado do período colonial nada mais era do que umas poucas dezenas de casas, poucos habitantes, uma ou duas ruas, a igreja (ou capela) e, geralmente, a praça. 28 A imagem da “cidade colonial” está mais ligada ao ruralismo. Essa concepção vincula-se a casa do 25 Grandes fazendas produtoras de um único produto, visando o comércio externo com utilização da mão-de-obra escrava. 26 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 27 Nesse sentido, de povoar, expressão usada para designar o lugar ou o sítio em já se formou uma pequena população ou um pequeno núcleo de habitação, mas sem importância para constituir-se em vila. Bastava uma aglomeração de moradores ou de habitação de moradores para ter a denominação de povoado. 28 Do latim platea (pátio, rua larga) vulgarmente tomada como sítio ou lugar espaçoso que se encontra dentro da cidade e das vilas, especialmente construído, jardinado, aparelhado para o recreio coletivo. 23 Senhor de Engenho, próxima ao povoado (chamado cidade) e que tinha, de certa forma, função comercial dos produtos fabricados na fazenda. “As aglomerações ditas urbanas eram na verdade localidades semi-urbanas ou, se quisermos, semi-rurais, pois não somente a sua forma físico-espacial detinha elementos que lembrava o mundo rural, como também as relações que seus habitantes mantinham com esse eram muito mais intensas do que atualmente. As aglomerações coloniais eram, com raras exceções, bastante limitadas. Mesmo o pomposo título de cidade, o mais alto posto hierárquico que uma aglomeração poderia obter, foi freqüentemente empregado para designar localidades extremamente precárias. Considerando o contexto histórico-social da época, no entanto, o termo “aglomeração urbana” é efetivamente apropriado na medida em que as localidades, por mais precárias que fossem, dispunham de alguns elementos essenciais capazes de lhes conferir um caráter “urbano”, que as distinguiam de outras formas de ocupação do território”. TEIXEIRA (2003) 29 A imagem que se faz da cidade brasileira do período colonial é bem é obtida do artigo de Vieira (2004) 30 através da sua descrição: (...) “as cidades eram monótonas e pachorrentas, só revelando vida alegre quando em dias de feiras grandes e festas religiosas. As cidades e vilas serviam apenas como escoadouros da produção agrícola, sustentáculo econômico único.” Das pequenas aglomerações urbanas que se formaram em torno da casa do Senhor de Engenho, deu-se o desenvolvimento das cidades brasileiras. Uma das características importantes das “cidades coloniais” é que as mesmas foram fundadas próximo ao mar, como marca da colonização portuguesa. Outra característica que deve ser apontada é quanto à presença do poder religioso representado pelas igrejas e pelos conventos de diversas ordens religiosas. “Na colônia os núcleos urbanos ou vilarejos resultaram da ação urbanizadora das autoridades coloniais, não da criação espontânea da massa; a formação de cidades e vilas é sempre um ato de iniciativa oficial. Essa política continuou a ser praticada no Império através das colônias militares no interior do país e de núcleos de colonização nos Estados. É que os aglomerados urbanos só se desenvolviam espontaneamente no litoral, em virtude do tipo de economia prevalecente, voltada para o comércio exterior, até o ciclo do café. (...) Enfim, as cidades brasileiras desenvolveram-se basicamente ao longo da costa marítima sob a influência da economia voltada para o exterior”. SILVA (2006)31 Algumas das cidades que tiveram origem no período colonial: 29 TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Os nomes da cidade no Brasil Colonial.Considerações a partir da Capitania do Rio Grande do Norte. Mercator. Revista de Geografia da UFC, ano 02, número 03, 2003. 30 VIEIRA, Maria da Penha. Favelização do Brasil – Cultura da Miséria . Artigo com publicação on line em 03.01.2004 -www.dominiofeminino.com.br /trabalho_negocios/imobiliários 31 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2006. 24 - São Vicente; Parati; Rio de Janeiro; São João Del Rei; Vila Rica; Mariana; Sabará; Salvador; Recife; Olinda e São Luis. Uma outra imagem que remete à cidade do período colonial é, sem dúvida, as ruas estreitas, calçadas com paralelepípedo, iluminação com lampiões a óleo, feiras ao ar livre, carroças, carruagens ou liteiras. Durante a evolução urbana das cidades, genericamente, estas assumiram diferentes identificações, por exemplo: a) cidade medieval – surgiu entre os séculos V e VII, momento de estagnação econômica européia, resultado da decadência do império romano e da fase de transição do regime escravista para o feudal. Nesse período que as cidades começam a crescer e ganhar importância como região autônoma. O mercado passou a se impor e a transmitir-se ao território que cercava a cidade. A característica das cidades medievais centraliza-se no seu aspecto jurídico - territórios juridicamente privilegiados e habitantes privilegiados; b) cidade econômica – a população satisfaz uma parte economicamente essencial de sua demanda diária no mercado local e, outra parte essencial também, mediante produtos que os habitantes da localidade e a povoação dos arredores produzem ou adquirem para expor nos mercados; c) cidade principado – modelo de cidade cujos habitantes dependem de suas "probabilidades aquisitivas", preponderantemente, direta ou indiretamente, do poder aquisitivo da grande propriedade do príncipe e de outras grandes propriedades. Esse modelo dependia do poder aquisitivo de outros grandes consumidores, aqueles que viviam de rendas e que determinavam, de modo decisivo, as possibilidades de lucro dos comerciantes e artesãos que nela habitavam; d) cidade agrária – nesse padrão os lugares eram sedes do intercâmbio de mercado e de típicas industrias urbanas, distanciadas do tipo média das aldeias, mas uma grande parte de 25 seus habitantes supria suas necessidades com economia própria chegando mesmo a produzir para o mercado; e) cidade industrial – caracterizada pela existência de fábricas, manufaturas ou industrias domiciliares com tem por fim abastecer o exterior; f) cidade-fortaleza - cidades que se apoiavam no burgo de um rei ou de um senhor nobre ou de uma associação destes, e que mantinham nele uma guarnição de mercenários, vassalos ou servidores. Essas cidades se identificavam pelas muralhas que as cercavam. As cidades eram consideradas como povoações de categoria superior à da vila, hoje assumem a representatividade de um lugar onde há predominância das diferenciações e do anonimato. Na definição das cidades brasileiras não se leva em conta à aplicação dos conceitos econômicos e o demográfico, pois, as cidades brasileiras são conceitos jurídicos-políticos. Às cidades brasileiras é possível aplicar os preceitos adotados pela concepção das cidades como conjunto de sistemas. A característica marcante da cidade, no Brasil, consiste em dois pressupostos para Silva32 - um núcleo urbano. - sede do governo municipal. Vainer (1998) 33 em seu livro Cidades, Cidadelas e a Utopia do reencontro faz uma reflexão sobre tolerância e urbanismo que predomina nas aglomerações urbanas atuais. De acordo com VAINER, esse momento de reflexão sobre as relações existentes entre a cidade contemporânea e o desafio que se lança sobre ela em função da "intolerância crescente" e conduz a três momentos distintos, assim ilustrados: 32 Ibidem VAINER, Carlos B. Cidades, Cidadelas e a Utopia do reencontro. (1998). Vainer foi um grande contribuinte do Seminário Internacional – Ciência, Cientistas e a Tolerância cuja palestra muito contribuiu para refletir sobre a questão urbanística . 33 26 Primeiro Momento - diversidade, competição e tolerância urbana; Segundo Momento - características do urbanismo contemporâneo; Terceiro Momento - utopia urbana, cidade tolerante. O habitante da cidade possui um comportamento arredio, indiferente, reservado. “Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis para o poeta diligente e fecundo. Quem não sabe povoar a sua solidão também não sabe estar só em meio a uma multidão atarefada”.BAUDELEIRE apud BERMAN (1986)34 O texto de Baudeleire sugere uma perfeita imagem cotidiana agitação de uma grande cidade e sugere a idéia de movimentos contínuos, rápidos, frenéticos num vai-e-vem incessante. Essa representação, por outro lado, também leva a uma reflexão sobre a vida do homem moderno que habita as grandes cidades. O citadino está sempre acompanhado de uma grande multidão, mas que, na verdade, não passa de um ser anônimo como os demais que cruzam com ele. "O dinheiro se refere unicamente ao que é comum a tudo: ele pergunta pelo valor de troca, reduz toda qualidade e individualidade a uma questão: quanto? Todas as relações íntimas entre pessoas são fundadas em sua individualidade, ao passo que, nas relações racionais, trabalha-se com o homem como um número, como um elemento que é em si mesmo indiferente” SIMMEL (1976). Na verdade, o que Simmel, 35 da Escola de Chicago, tenta explicar é que a tolerância existente nas relações do homem moderno se caracteriza por ser uma capacidade de suportar, própria do homem citadino. A indiferença nada mais é do que uma apatia, reflexo subjetivo da vida urbana. As cidades não se caracterizam apenas pela heterogeneidade, pelo espaço ecológico, pela dimensão, pelo diverso, mas principalmente, pelo controle social feito pelo domínio do mercado e do dinheiro. 34 BAUDELEIRE, Charles apud BERMAN, Marshal. Tudo que é Sólido desmancha no ar. São Paulo: Editora Cia. das Letras, 1988. 35 SIMMEL, Georg. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, Guilherme. O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1976. 27 O homem citadino36 possui um comportamento reservado, marcado pelas diferenças e pela competição, vivendo em constante confronto, "uma espécie de darwinismo intencional, em que cada competidor procura engendrar diferenças adaptativas que o posicionem vantajosamente face à concorrência." Essas idéias fazem parte de um planejamento estratégico com vistas a um projeto urbano viável, apresentando como proposta a concorrência entre as cidades, a modelo do que ocorre na Europa onde as cidades competem entre si como grandes empresas para atrair sobre si, altos investimentos. “Um governo urbano forte, carismático, estável torna-se indispensável à concretização dessa mobilização unificada e unificadora, em que a cidadania (!?) compartilha ilusões, celebra o passado suposto comum, sonha o mesmo futuro e segue os mesmos líderes. (...) O verdadeiro vencedor da competição em que estão lançadas as cidades não é qualquer uma delas, mas sim o capital deslocalizado, fluido, que, no processo, dispõe de um número cada vez maior de cidades ofertando, mais além de benefícios e gratuidades, adequadas condições (objetivas e subjetivas) vocacionais". VAINER (1998).37 O que se observa nesse momento é um patriotismo de cidades, isto é, a pátria é representada pelo espaço da cidade, é uma espécie de fragmentação da nação. Não é exagero em afirmar que se trata de um ufanismo citadino. Não obstante, existe a estratégia do marketing externo cujo objetivo é vender a cidade, em outro ponto, o marketing interno que visa vender aos citadinos o projeto que transforma a cidade em "mercadoria". Ainda Vainer, os efeitos incidentes sobre as cidades envolvidas nesse processo não são estimuladores: - crescimento das desigualdades e dos processos de segmentação sócio-espacial no interior das cidades, desemprego, precarização nos investimentos sociais; - violência urbana, fechamento das cidades ao imigrante, aos estrangeiros, discriminação contra migrantes pobres. 36 37 Habitante da cidade Ibidem 28 A cidade contemporânea sofreu um crescimento desordenado pós-revolução industrial e após a Segunda Guerra Mundial com o uso do automóvel. Sem dúvida, o inchaço das cidades não se deu pelo surgimento de muitas cidades ao mesmo tempo, mas sim, pela falta de planejamento na sua construção. Com a industrialização as pessoas optaram em morar nos centros urbanos pela facilidade de acesso, pela maior oferta de emprego, pela oportunidade de melhoria de condições de vida, como moradia, lazer, estudo e progresso pessoal. A cidade precisa de um sistema de transporte eficaz, de água potável, de energia, de progresso, de alimentos, de ar sem poluição, de cultura. Para Silva (2000), no Brasil o fenômeno urbano vincula-se à política de ocupação e povoamento da Colônia e sua evolução liga-se estreitamente aos ciclos econômicos brasileiros. O sistema inicial de exploração grosseira dos recursos naturais (pau-brasil) deu origem às primeiras feitorias e alguns agrupamentos humanos com rudimento de agricultura que, de certa forma, ainda gera influência no urbanismo atual. O governo pretendia realizar e instaurar na Colônia o regime municipalista pela política da fundação de povoações e vilas, mas realizava uma política economicamente de povoamento mediante a distribuição de terra em sesmarias, que isolava o homem. Muitos povoados e núcleos habitacionais existiam e ainda existem que, no entanto, não podem, a rigor, receber o título de urbanos, porque não passam de agricultores aldeados. Silva (2000)38 entende que um centro habitacional para ser conceituado como urbano é necessário preencher alguns requisitos: - densidade demográfica específica; - profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente diversificação; 38 Ibidem 29 - economia urbana permanente, com relações especiais com o meio rural; - existência de camada urbana com produção, consumo e direitos próprios. Na argumentação de Santos (1993)39, o processo urbano é a expressão concreta da dinâmica social que vitaliza o espaço, sendo considerados, entre outros, os seguintes elementos na explicação do processo urbano em seu contexto espacial: - os homens como praticantes do trabalho e sob diversas formas formadores e construtores do fato urbano; - as instituições e firmas que são receptoras dos indivíduos enquanto membros de uma sociedade, assim, como fornecedores de bens, idéias, serviços, normas e legitimações; - o meio ecológico que é a base física do trabalho humano e conseqüentemente o contexto da rede urbana e sua dinâmica social. Durante muito tempo o crescimento demográfico juntamente com o crescimento econômico ocorreu gradativamente, até o século XIX, pois os homens eram essencialmente agricultores. Mas, a partir do século XX o crescimento exponencial da população, a nível mundial, resultou na mudança demográfica de desastrosos efeitos. Esse rápido crescimento da população trouxe novos problemas no âmbito das cidades, seja de cunho social ou econômico e que implicam na dificuldade de realizar uma boa administração na cidade. O aumento populacional, que teve origem na metade do século XVIII, produto da Revolução Industrial e do uso da tecnologia na agricultura, gerou uma demanda urbana não planejada, trazendo um resultado negativo na oferta de serviços públicos e o acesso a eles. 39 SANTOS, Milton. A urbanização Brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1993. 30 O processo de crescimento desordenado das cidades tem contribuído para gerar ações ilegais no processo de ocupação do solo urbano. Assim adverte Fernandes (2000)40: “O fenômeno da ilegalidade urbana não pode ser mais ignorado, especialmente quando se sabe que a maioria da população urbana - entre 40% e 70% - vive ilegalmente nas grandes cidades brasileiras, em favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, cortiços etc. sendo que em média 20% da população vive em favelas. Esse número tenderá a crescer com o aumento da pobreza urbana.” O resultado da ocupação desordenada na área urbana é refletido nos constantes assentamentos ilegais, na paisagem das arquiteturas dos casebres de lona e papelão, na formação de guetos, na dificuldade de acesso aos equipamentos urbanos, nas elevadas taxas de mortalidade decorrente dos ambientes insalubre e da pobreza acentuada, além do aumento da depredação e da degradação ambiental, forma atual de viver na cidade. O processo de urbanização da cidade moderna tornou-se um processo desgastante para a sociedade industrializada. Segundo Silva (2000),41 o termo urbanização é empregado para designar o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural, não se tratando de um mero crescimento das cidades, mas de um fenômeno de concentração urbana. 2.2 O MUNICÍPIO E SUA PROMOÇÃO A ENTE FEDERATIVO O Município, como unidade político-administrativa, não existiu na antiguidade. Mas, a sua origem tem relação com as fratrias e as cúrias uma vez que “o culto de uma cidade e sua liturgia, portanto, eram proibidos aos habitantes de outra cidade vizinha. Os deuses de uma cidade rejeitavam as homenagens e as orações de quem não lhes fosse concidadão.” 42 (CASTRO, 1998) 40 FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo:Malheiros Editores Ltda, 2000. 42 CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998 41 31 Pela afirmação de Castro (1998) é fácil compreender o papel político que exerceria, mais adiante, o município. Na República de Roma o município ganhou status de unidade políticoadministrativa. Isso ocorreu pelo fato de Roma ter a necessidade de manter sob seu domínio, de forma pacífica, as cidades que seu exército conquistava. O Senado impunha severas restrições aos vencidos exigindo destes a obediência e fidelidade às leis da república romana, em troca de pequenos direitos privados - jus connubi, jus commerci, jus suffragii - . As comunidades que obtinham do Senado essas prerrogativas eram consideradas como municpium (municípios) que poderiam ter maior ou menor autonomia. Nesses “municípios” os homens livres (cidadãos) é que podiam eleger o governo ao contrário dos estrangeiros vencidos que não tinham direito a voto. A administração das cidades era feita por um corpo de dois a quatro magistrados, além de integrar o governo municipal os encarregados: da fiscalização dos negócios públicos, da arrecadação, da administração da justiça, dos notários, do defensor da cidade, os escribas, ale, de contar um Conselho Municipal (Curia ou Ordo Decurionum) composto por cidadãos (cives munícipes) que tinham funções semelhantes aos do Senado de Roma e eram escolhidos periodicamente. A Lex Julia Municipalis editada por Julio César aplicou a todas as colônias da Itália esse sistema de governar a cidade, municipium, atingindo mais tarde as províncias conquistadas (Gália, Península Ibérica e Grécia) que, com o decorrer do tempo foi sofrendo as alterações de cada época.43 Para atender as mudanças decorrentes dos processos que transforma a forma de governar dos Estados e, principalmente diante do crescimento exponencial das cidades, o 43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1990. 32 município assumiu diferentes atribuições, entre as quais, a responsabilidade de promover o ordenamento da cidade, ofertando serviços e equipamentos urbanos no cumprimento de seus encargos políticos-administrativos. No entanto, da remota antiguidade, trouxe como legado “a tradição romana dos edis” e da Idade Média o modelo dos Conselhos dos Homens Livres, na era moderna denominada a Câmara de Vereadores, eleitos pelos cidadãos e com responsabilidades de representar a comunidade local e de fiscalizar as contas e a conduta do Executivo municipal. Antes de tratar do município como ente federado é importante abordar a questão da federação. Federação44, palavra derivada do latim foederatio de foedarare, que significa unir, ligar por aliança. Na esfera do Direito Público é empregado esse termo como a união indissolúvel instituída pelos Estados independentes ou da mesma nacionalidade para a formação de uma só entidade soberana que, no caso da República Federativa do Brasil é a União. No regime da federação, conforme Silva45, há um só Estado soberano, embora se indiquem as subunidades federadas, senhoras de uma autonomia administrativa, referente à gestão de seus negócios dentro dos limites jurisdicionais que lhes são atribuídos. Distingue-se, segundo o autor, de confederação – os Estados confederados não alienam sua autonomia interna, pela qual se conserva uma entidade com personalidade própria em relação aos demais Estados da confederação, apenas renunciam de sua soberania externa -. De forma a compreender melhor, na confederação os Estados mantêm sua soberania interna e podem usar o direito de secessão, ou seja, de separação. Na federação, as unidades 44 45 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1989. Ibidem 33 federadas formam um corpo único, com um poder central e estão mantidos pela união indissolúvel.46 No modelo federação há duas entidades: União (Poder Central) e Estados-Membros ou Estados Federados. Assim, não faz parte da federação o Município que foi um modelo novo trazido pela Carta Magna de 1988, quebrando o modelo dual do regime de federação. 2.2.1 Constituição imperial A Constituição Imperial, que marcou a ruptura da dominação monárquica absolutista, foi outorgada em 25 de março de 1824 instituiu as Câmaras Municipais em todas as cidades e vilas, existentes então, e as que viessem a ser criadas. Os artigos 167 ao 168 tratam da criação das câmaras, forma de eleição destas e delimita as funções municipais. A Carta Imperial, além de consagrar o império com fundamento nos três poderes teorizados por Montesquieu, reconheceu outro poder “o Poder Moderador”, que representava a base de organização do Estado. Contudo, o que se destaca, para a presente pesquisa, é a relevância que a Constituição Imperial deu às cidades e vilas com a criação das Câmaras Municipais, determinando a decretação de lei regulamentar para disciplinar as funções, competências e posturas, inclusive policiais, dos integrantes das Câmaras. É interessante fazer um apreço quanto à significação de cidade e vila no momento da criação da Constituição Imperial. Assim, povoado representavam pequenas aglomerações, com poucas ruas, com elementos identificadores, como por exemplo, a praça, as calçadas, os lampiões de querosene ou a óleo, comércio e feira, igreja. 46 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005. 34 O crescimento do povoado poderia conceder-lhe o status de vila47 que se tornariam sedes de distrito municipal. Após esse processo, as vilas poderiam aspirar a se tornarem cidades48 e, assim sendo, seriam as sedes dos Municípios. As Municipalidades da época da Constituição Imperial não tinham Prefeito, cujo cargo só foi criado em 1835. A diferença que existia para a concepção de cidade e vila era identificada pela composição dos membros das Câmaras Municipais que, das vilas tinham apenas sete membros enquanto que as da cidade tinham nove membros. 2.2.2 A Constituição que elevou o Município à categoria de ente federal O Município como ente federado é uma estrutura peculiar do sistema federativo Brasileiro. Todavia, sua origem antecede ao período republicano, quando o pacto federativo fora definitivamente firmado no Brasil. O Município, no Brasil, possui características peculiares: integra o quadro federativo, possui autonomia financeira, legislativa, política e administrativa e, ademais, é constituído por um núcleo urbano, sede do governo municipal (cidade) e pela área rural. Esse ente federado é regido por Lei Orgânica, conforme disciplina a Constituição Federal de 1988, nos termos do artigo 29 e, em conformidade com o artigo 30 tem competência para legislar sobre assuntos locais entre outras. O fortalecimento do Município ganha espaço apenas a partir da Proclamação da República, quando a Constituição de 1891 consagra a autonomia desses entes, respeitando-se 47 Vila, do latim villa. Moradia rural. Na terminologia do direito público é a povoação, a localidade, ou o lugar que, constituindo uma unidade administrativa passa à categoria superior aos povoados e aldeias. Mas é, inferior à cidade. (Plácido e Silva, Ibiden) 48 Povoação de categoria superior à da vila; conjunto dos habitantes dessa povoação. FERNANDES, Francisco, Celso Pedro Luft, F. Marques Guimarães. Dicionário Brasileiro Globo. São Paulo: Globo, 2001. 35 e garantindo-se o pacto federativo recém criado no País. No entanto, foi só com a Revisão Constitucional de 1926 que esse ente federal ganhou certa autonomia municipal. Assim, em 1934 a separação federativa ganha a conotação até hoje existente no Brasil, quando passa a tratar separadamente as competências constitucionais entre Estado Federal, Estados Federados e Municípios. Meirelles (2004)49 destaca que, na composição da federação o município é uma entidade político-administrativa de terceiro grau, uma vez que vem em primeiro plano a União, depois os Estados-Membros e, seguindo a ordem, os Municípios. O fato é que o município brasileiro, como integrante da federação, é uma criação do Constituinte de 1988m, com os encargos de implementar políticas e ações locais e sociais. Desta forma, é possível constatar a aproximação e maior identidade do Poder Público local às necessidades sociais mesmo considerando que a prestação de alguns serviços públicos seja prerrogativa da União e dos Estados-Membros, é nos municípios que as pessoas interagem. A Constituição Cidadã de 1988 trouxe a incontestável ampliação da autonomia municipal, concedendo a entidades políticas, inclusive, de elaborar sua própria Lei Orgânica. Para Castro (1998)50, o Município alcançou, na Carta de 1988, "a consagração máxima que se podia vislumbrar dentro do contemporâneo municipalismo, para a autonomia municipal e seu regime jurídico-constitucional." Na verdade, as políticas municipais são responsáveis por significativa parte da garantia do bem estar da população. Contudo, a situação atual de muitos dos municípios brasileiros não corresponde à autonomia dada pela Constituição de 1988. 49 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13º Edição, atualizada por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reias. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003. 50 Ibidem 36 A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios deveriam preservar a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, e seriam feitas por meio de lei estadual, sendo obedecidos requisitos estabelecidos por lei complementar - também estadual mediante plebiscito para consulta da população diretamente interessada, isso era o que dispunha antes da Emenda Constitucional nº 15, de 1996, que federalizou o controle de criação dos entes municipais, passando para lei federal os requisitos de criação dos municípios, estabelecendo como condição de criação desses entes, após a consulta popular, a viabilidade de sua sustentação a ser auferida por um estudo de viabilidade municipal, a ser apresentado na forma da lei. Diante dessa disposição, entende-se que a emenda, na verdade, pretendeu inibir “a proliferação de novos municípios” que tinham suas atividades reduzidas ante sua incapacidade econômico-financeira, entre outras. Registram dados do IBAM51, em 1987, que no Brasil já tinham sido criados 4.180 municípios, porém, em 1997, esse número saltou para 5.507, ou seja, do período transcorrido entre o início da vigência da Constituição atual e o momento em que passaram a vigorar as regras introduzidas pela Emenda n° 15, de 1996, foram criados 1.327 municípios. É certo que a Carta Magna de 1988 consolidou significativas inovações para a vida municipal, de forma que o Município passou a constituir a federação. Contudo, um ponto relevante é a questão da política urbana, tratada nos artigos 182 e 183. De acordo com os dispositivos constitucionais, tornou-se ônus dos municípios brasileiros a execução de políticas de desenvolvimento urbano, com fins de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar dos munícipes. 51 Instituto Brasileiro de Administração Municipal. 37 2.2.3 O Município e a política urbana De acordo com a Wikipédia52, a enciclopédia livre, o Município ou também denominado Conselho significa: “ A divisão administrativa de um estado ( divisão territorial de determinados países) distrito ou região, com autonomia administrativa, e que se constitui de certos órgãos político-administrativos. No caso do Brasil, o município é composto pela Prefeitura e pela Câmara Municipal; em Portugal, é composto pela Assembléia municipal, Câmara municipal e, facultativamente, pelo Conselho municipal. Já entre os antigos romanos, era a cidade que tinha o privilégio de governar-se segundo suas próprias leis, porém, nem todos os habitantes possuíam os mesmos direitos ”. A Wikipédia em geral, distingue ainda três tipos de municípios os quais denomina de: “Urbanos - municípios constituídos exclusivamente, ou quase, por território urbanizado; Rurais - municípios constituídos por um ou mais núcleos populacionais de pequenas dimensões e por território não urbanizado relativamente vasto; Mistos - municípios que compreendem quantidades significativas quer de território urbano, quer de território rural”. É importante, antes de tratar da política urbana que é um ônus para os Municípios, traças algumas linhas sobre o Direito Urbanístico com o objetivo de compreender o objeto dessa ciência jurídica. O Direito Urbanístico é o ramo do direito público que tem como objeto o ordenamento da propriedade urbana, aliado ao cumprimento da função social (da cidade e da propriedade) determinada por lei, aproveitando e identificando os espaços habitáveis. Para Meirelles (1990)53 o direito urbanístico é: “O ramo do direito Público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo. (...) o direito Urbanístico ordena o espaço urbano e as áreas rurais que nele interferem, através de imposições de ordem pública, expressas em normas de uso e ocupação do solo urbano ou urbanizável, ou de proteção ambiental, ou enuncia regras estruturais e funcionais da edificação urbana coletivamente considerada” . 52 53 Enciclopédia livre: www.pt.wikipedia.org/wiki/município Ibidem 38 Desta forma, compreende-se que a política urbana para o desenvolvimento da idade necessita ser articulada em conjunto com as políticas da educação, saúde, segurança, bemestar social, lazer, meio ambiente, emprego, renda, trabalho. O direito à cidade implica na inclusão social, moradia, combate à violência e redução das desigualdades sociais, étnicas e regionais, respeitando as diferenças de cada região nas ações que promovem o desenvolvimento sustentável. Não ocorrerão resultados positivos se a política urbana não for criada e executada por planejamento deve ser feita por meio de metas traçadas que envolvam a participação popular. A política urbana envolve propostas de crescimento e desenvolvimento para o setor público, com o envolvimento da sociedade, mas com a participação responsável dos Municípios brasileiros. Para Silva (2000)54 o direito urbanístico tem por objeto regular a atividade urbanística, disciplinar a ordenação do território que abrange a cidade. Dentre os princípios consagrados pelo Direito Urbanístico, o da dignidade da pessoa humana, assume relevante status. A vida é direito fundamental garantida pela Constituição. Entretanto, não basta garantir a vida, torna-se necessário que a vida seja garantida com dignidade. Desta forma, é compreensível que o Direito urbanístico calcado no desenvolvimento de técnicas de ordenação dos territórios; na utilização social da propriedade; na execução das funções sociais da cidade, preocupe-se, juntamente, com a concretização do direito à dignidade da pessoa humana. Não há que se falar em dignidade sem moradia, sem condições de trabalho, sem lazer, sem o exercício pleno do direito de circular. 54 Ibidem 39 Funda-se, desta feita, o direito urbanístico no princípio da isonomia, pelo menos formal, através do qual toda pessoa merece tratamento igualitário diante da lei. Todos, por essa interpretação, devem ter acesso aos equipamentos urbanos e aos serviços públicos. Diante da vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade, torna-se um múnus público a efetivação desse princípio pela elaboração e aprovação de planos que instituam normas quanto à ocupação, uso e transformação do solo urbano e rural, uma vez que toda pessoa tem garantido, isonomicamente, o acesso à cidade. O correto ordenamento do solo urbano, no que tange à aplicação das políticas de desenvolvimento municipal, que, segundo Castro (1998)55 : “O traçado da cidade, compreendendo o arruamento, o alinhamento e o nivelamento, o zoneamento, o parcelamento (loteamento, desmembramento e o desdobro de lotes), a dimensão dos lotes, o controle das construções, a taxa de ocupação e coeficiente de aproveitamento, os recuso, o gabarito das edificações, a estética urbana, o solo criado, os usos conformes e desconformes ou mistos, o perímetro urbano, entre outros institutos urbanísticos, na conformidade com as regulamentações edilícias.” Se a política urbana visa o bem-estar de todos os habitantes da cidade, revestem-se, pois, de imperatividade e generalidade. Para Guimarães (2001): “As normas de direito Urbanístico são de natureza pública, cogentes, fruto do poder de polícia do Estado que intervindo na disciplina das relações jurídicas estabelece o condicionamento do exercício do direito de propriedade ao interesse coletivo, uma vez que o delineamento da propriedade atual se dá em razão da primazia do interesse público em relação ao interesse particular”. Também para Mattos (1990):56 “As imposições urbanísticas são preceitos de ordem pública que nascem como limitações ao exercício indiscriminado do direito de propriedade em desconformidade com as normas urbanísticas instituídas em lei. Substancialmente, elas se justificam pela necessidade de adequar-se o exercício do direito ao bem-estar social e compatibilizá-lo com a utilidade coletiva, ou seja, as normas de direito urbanístico, cujo objeto é delinear o direito de propriedade, são públicas porque estabelecidas para conformar o interesse do indivíduo e o da coletividade”. 55 Ibidem MATTOS, Celso Carlos. Organização social do poder político: novas experiências. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 56 40 No Brasil, cuja taxa de urbanização alcançou altos índices nas últimas décadas, perdendo a paisagem do país rural e passando à categoria de país urbano, pois, mais da metade da população brasileira vive nas cidades, ocasionando na área urbana o crescimento desordenado e gerando, como efeito negativo, graves problemas para os gestores públicos. Diante dessa realidade, é constatável que a administração dos problemas urbanos por parte de muitos municípios brasileiros, diante de parcos recursos financeiro ou de planejamento, tem apresentado resultado negativo no que diz respeito à eficácia das políticas urbanas. “Está claro que o modelo de gestão urbana que acomodou os conflitos e contradições, desenhando os contornos mal-definidos das cidades brasileiras até hoje, não tem mais condições de se sustentar. Talvez a expressão mais clara deste transbordamento seja o aumento vertiginoso da violência urbana. Ela nos conta sobre um modelo de urbanização sem urbanidade que destinou para os pobres uma não-cidade, longínqua, desequipada e, sobretudo desqualificada como espaço e como lugar. Conta-nos também sobre um modelo de urbanização que concentrou as oportunidades imobiliárias e o acesso à informação em ilhas protegidas e exclusivas, que se encontram hoje sitiadas. Por isso, as definições de parceria e de descentralização e autonomia local sobre as quais tem se sustentado o modelo de gestão urbana brasileira carecem urgentemente de revisão” ROLNILK 57. A expectativa que a nova cidade traz é buscar ferramentas à luz do direito urbanístico para que vida na cidade oferte bem-estar aos seus habitantes por meio de políticas urbanas exeqüíveis e que proporcione a todos o exercício dos direitos implícitos nas funções sociais da cidade: morar; trabalhar; circular; habitar. A política urbanística, pela necessidade atual, deve vincular-se aos princípios da cooperação entre os governos, da iniciativa privada e com os demais setores da sociedade, na busca de alternativas de soluções viáveis e de curto prazo. 57 ROLNIK, Raquel. O Brasil e o Habitat II. Revista Teoria e Debate nº 32- (jul/ago/set 1996) - SUS/Fundação Perseu Abramo. Publicação on line em 22/06/2006 www.perseuabramo.org.br/cidades 41 3. O URBANISMO E A CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DE SUA EXISTÊNCIA O Urbanismo, enquanto ciência jurídica, com autonomia, objeto específico e princípios próprios, surgiu no final do século XIX, muito preso à idéia do estético urbano embelir la ville -58. Mas, no decorrer de algumas décadas passou a deter-se com as questões da organização e intervenção no espaço urbano, como prática das mudanças emergentes diante do quadro caótico que apresentavam as cidades européias no que tange a muitos pontos: péssimas condições de habitação e insalubridade resultados negativos do processo industrial. Mais adiante prevaleceu a escola inglesa que voltava sua preocupação para a harmonia de dois elementos: Natureza e Homem, aproximando o campo e a cidade como busca de bem-estar das pessoas nos espaços que podem ser habitados. A maturidade só ocorreu quase ao final do século XX, quando se voltou para as técnicas que objetivassem a organização do espaço urbano com fins de proporcionar aos habitantes da cidade bem-estar através do desempenho das funções urbanas, ou funções sociais da cidade: habitação, trabalho, recreação, circulação. Expressão usada pela escola francesa. Pierre Lavedan, Histoire de l’Urbanisme – Époque Contemporaine, Paris, 1952 apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13º Edição, atualizada por Célia Marisa Prendes e Márcio Schneider Reias. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003. 58 42 As funções sociais da cidade, como forma de promover o bem-estar coletivo, foram recomendadas na Carta de Atenas59 e, para a efetivação das funções sociais da cidade o urbanismo emprega ferramentas e técnicas, além da legislação, para atingir o planejamento da ordenação, ocupação e desenvolvimento dos espaços habitáveis, e não apenas o solo urbano. Ao termo urbanismo são aplicadas diferentes conceituações, contudo, a que mais se difundiu tem origem na França, 1910, e segundo Bardet (1989)60 este termo surgiu por volta de 1910, na França, no Bulletin de la Societé Geographique para denominar uma “nova ciência” que se diferenciava das artes urbanas anteriores, voltadas para os estético, por seu caráter crítico e reflexivo. Da evolução do urbanismo, do conceito até seus objetivos práticos, constata-se que o período, até a metade do século XX, caracterizou-se pela elaboração de planos que tinham por objetivo o embelezamento da arquitetura burguesa diante da destruição do que restara da forma urbana medieval, no Brasil, seria a forma colonial como manifesto expresso de repudiar o período Brasil colônia. Com o crescimento desordenado das cidades a partir da década de 30 até os anos 90, resultado principalmente do êxodo rural, foi necessário centralizar os objetivos da atividade urbanística nos crescentes “problemas urbanos” buscando solução através de ferramentas como o zoneamento para fins de organizar o espaço físico-territorial das atividades no espaço construído. Das décadas de 1960 até 1990, os problemas urbanos são aliados, principalmente, pela migração camponesa que não pode ser absorvida na sua integralidade pelas cidades, exigindo dos setores do governo federal um planejamento urgente como forma de racionalizar o caos urbano. 59 Documento resultado do 4º Congresso, de Atenas, Análise de 33 Cidades. Elaboração da Carta do Urbanismo, 1933 60 BARDET, Gaston. L´ urbanisme. Paris:Presses Universitaires, 1989 apud LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro:Renovar, 2003. 43 Muitos programas com fins de amenizar os problemas habitacionais, entre tantos, foram criados no âmbito nacional (BNH – Banco Nacional de Habitação), e principalmente em nível local, visando capacitar os “municípios, intervir na política de distribuição dos distritos industriais e racionalizar a promoção das condições gerais da produção”. A questão da política urbana se coaduna com a questão da proteção ambiental, sob esta ótica, o resguardo ao meio ambiente é fortemente influenciado pela implementação de políticas urbanas, cuja gestão é constitucionalmente atribuída aos municípios. A Constituição de 1988 trouxe uma relevante novidade, ao consagrar a política urbana nacional como uma das políticas públicas, juntamente com as políticas da ordem social e econômica do Brasil. Embora estabeleça a Carta constitucional que cabe à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusos o saneamento básico, transportes urbanos, habitação, declara a execução da política de desenvolvimento urbano será executada pelo governo municipal, em conformidade com as diretrizes gerais previstas em lei, para que se possa garantir a execução das funções sociais da cidade e o bem-estar da população. Para a concretização das ações de desenvolvimento urbano é necessário recorrer aos instrumentos da política urbana: - Planos nacionais - Planos regionais - Planos estaduais “No Brasil, a institucionalização do planejamento urbano nas administrações municipais se disseminou a partir da década de 70, com a missão de promover o desenvolvimento integrado e o equilíbrio das cidades, em um contexto de explosão do processo de urbanização. Durante este período consolidou-se a conhecida clivagem da paisagem urbana brasileira: um contraste muito claro entre uma parte das cidades que possui alguma condição de urbanidade, uma porção pavimentada, ajardinada, arborizada, com infra-estrutura completa – independentemente da qualidade desses elementos, que em geral é pouca – e outra parte, normalmente de duas a três vezes maior do que a primeira, cuja infra-estrutura é incompleta, o 44 urbanismo inexistente, que se aproxima muito mais da idéia de um acampamento do que propriamente de uma cidade.” ROLNIK61 Diante do incontestável quadro caótico das maiores grandes cidades brasileiras, é reconhecido que a atividade urbanística destina-se à aplicação dos princípios urbanísticos que visam, precipuamente, a qualidade de vida nas cidades. A qualidade de vida, como direito fundamental deve estar assegurado pelo Poder Público através de políticas eficazes e ações imediatas. Não haverá política eficaz sem ferramentas disponíveis ou aplicação de princípios que visem proteger o ambiente construído – a cidade -. Portanto, as atividades urbanísticas devem pretender atingir a todos os aspectos que se destinam proporcionar uma boa qualidade de vida na cidade que influencia, indiscutivelmente, na proteção aos elementos que compõem o meio ambiente urbano: - ambiente natural ou físico, com seus elementos constitutivos: água, solo, ar, fauna e flora; - ambiente cultural – forma de expressão e registro da vida humana; - ambiente artificial – toda forma de construção do homem no seu meio; - ambiente do trabalho – lugar de produção do homem Diante da necessidade de proteger o direito à qualidade de vida do homem na cidade é que o constituinte de 1988 deu importância à política urbana como forma de garantir o bemestar dos habitantes da cidade. 3.1 OS ARTIGOS 182 E 183 DA CARTA MAGNA DE 1988 A Constituição da República, também chamada Constituição Cidadã, estabelece que os objetivos da política de desenvolvimento urbano, expressos artigo 182/183 da CF, 61 Membro do corpo Técnico do Instituto Polis. Artigo publicado Revista Polis on line, Planejamento e gestão: um diálogo de surdos? Acesso, agosto de 2007 45 consistem em: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, através da gestão do Município. Nessa missão, a Comuna não tem, a liberdade de agir através de diretrizes criadas por ele mesmo e, sim se ater às diretrizes gerais, norteadoras dessa política, fixadas em lei federal. Não obstante, as Leis Orgânicas merecem consideração, pois que, via de regra, tratam do tema estabelecendo ações para o setor urbano da cidade, apontando diretrizes a serem observadas pela política urbana municipal, da mesma forma que ressalta aspectos relativos à habitação, ao saneamento, aos transportes, ao meio ambiente. A Constituição Federal, ademais, exalta a importância do uso da propriedade quando destaca no artigo 182 que a propriedade urbana deve cumprir sua função social quando atendidas as exigências fundamentais de ordenação expressas no Plano Diretor. Constata-se a importância do constituinte de 1988 ao plano diretor uma vez que o conceitua como “instrumento básico de desenvolvimento e de expansão urbana”. Na verdade o plano diretor passa a se constituir num instrumento através do qual se inserem as diretivas básicas do ordenamento territorial do município, assim como o estabelecimento de medidas estratégicas e ações capazes de implementar os objetivos da política urbana municipal. A importância consagrada ao plano diretor visa, através desse instrumento, controlar o exercício do direito de propriedade no meio urbano, impondo que este deverá, antes de tudo, ordenar a cidade, conferindo-lhe à “função social”, isto é, a cidade deve propiciar qualidade de vida a todos os seus habitantes. Nesse contexto fica configurada a noção de propriedade urbana, sujeita a um regime jurídico próprio, considerando os princípios e diretrizes contidos no plano diretor. Não se pode afastar, contudo, a competências dos demais entes quanto à execução dessa política a competência da União, no tange à elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação territorial (art. 21, IX), para instituir diretrizes para o 46 desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art.21, XX, ou para legislar, de forma concorrente com os Estados-membros, sobre direito urbanístico (art.24, I). As demais competências foram atribuídas aos Municípios, mediante a competência ao ente local para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Na verdade, a atividade em controlar as atividades das cidades sempre foram encargos das municipalidades, mesmo no tempo do Brasil-Colônia: “Regras gerais e simples de Direito urbanístico já encontramos no velho direito luso-brasileiro. As ordenações do Reino fixavam princípios básicos e genéricos sobre a ordenação das povoações, como aquela que determinava que: ´Aos vereadores pertencem ter encargo de todo o regimento da terra e das obras do Conselho, e de tudo que puderem saber, e entender, porque a terra e os moradores dela possam bem viver, e nisso hão de trabalhar´. Nisso estaria ainda a idéia de que as imposições urbanísticas eram de competência das autoridades locais (...)” SILVA (1995).62 Como se observa à competência municipal para promover a gestão da cidade e proporcionar bem-estar aos seus habitantes foi ratificada pela Carta de 1988, não dando margem a nenhum questionamento quanto a essa atribuição. É claro que, como forma de controle do uso da propriedade urbana, pela ação municipal através da atividade urbanística implica na geração de conflitos entre o interesse coletivo e o interesse individual do proprietário. Resta relembrar que o direito à propriedade, garantido pela Constituição federal, não tem valor absoluto uma vez que o Poder Público dentro de certas circunstâncias e condições poderá intervir na propriedade particular. O art.5º, inciso XXII, estabelece que "a propriedade atenderá a sua função social" e, segundo o artigo 182, a função social se cumpre quando atende às exigências fundamentais de 62 Ibidem 47 ordenação da cidade expressas no plano diretor que será, na verdade, lei editada pelo município. Portanto, é o Plano Diretor que vai estabelecer as exigências para que sejam cumpridas as funções sociais da propriedade. Ademais, expressão função social remete ao coletivo, aos interesses da sociedade e, portanto, prevalecem sobre o interesse individual. “(...) o direito de propriedade pode ser retirado de seus titulares diante da incidência da necessidade ou até mesmo da utilidade pública e, ainda, do interesse social, cabendo exigir-se de outra parte, que a propriedade cumpra sua função social.” BEZNOS (2003) 63 O artigo 183 da Constituição Federal dispõe sobre a forma de aquisição de propriedade urbana através do usucapião64 conforme os requisitos ali estabelecidos. Mais uma vez comprova-se que a política urbana incide no controle do devido uso da propriedade com fins de obrigar aos seus proprietários a dar destinação aos imóveis, sejam situados na área urbana ou rural. Não se pode, porém, afastar que a Constituição resguarda como natureza fundamental o direito à propriedade, salvo a perspectiva de resguardar-se o direito coletivo que é um bem ambiental. “O bem ambiental é, portanto, um bem que tem característica constitucional mais relevante ser essencial à sadia qualidade de vida, sendo ontologicamente de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais. Uma vida saudável reclama a satisfação de um dos fundamentos democráticos de nossa Constituição Federal, qual seja, a dignidade da pessoa humana, conforme dispõe o art. 1º, III. É, portanto, da somatória dos dois aspectos: bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que estrutura constitucionalmente o bem ambiental.” FIORILLO (2003)65 O usucapião especial está tratado na Carta Federativa no artigo 183 que concede ao possuidor o direito de adquirir a propriedade pelo exercício do uso, espacial e temporal, para sua moradia ou de sua família, tomando para si o domínio, excluindo de forma expressa (§3º do art. 183) os imóveis públicos. 63 BEZNOS, Clovis. Desapropriação em nome da Política Urbana (art. 8º). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abeu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003. 64 Opção pela versão do termo como gênero masculino 65 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. 48 Sobre essa prerrogativa constitucional, assim se manifesta Ferraz (2003):66 “(...) além dos valores da segurança jurídica e da paz social, aqui ainda ordenação e controle saudáveis do uso do solo, o combate à especulação e às patologias da utilização do imóvel gozam de especial apreço o desenvolvimento da cidade, o bemestar de seus habitantes, o equilíbrio ambiental, a urbano (coartando sua subutilização, sua não-utilização e sua degradação) o acesso do cidadão à titularidade dominial urbana, a valorização do trabalho. Foi com tudo isso em mente que surgiu a nova figura do usucapião especial. Ela existe como instrumento operacional da política urbana.” São requisitos para a aquisição do usucapião especial, segundo o teor do dispositivo 183 da Constituição de 1988: - posse de cinco anos - posse mansa, pacífica e ininterrupta (boa-fé). - área de 250m2, em área urbana. - para própria moradia, ou da família. - não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural. 3.2 TENTATIVAS DE IMPLEMENTAÇÃO DE LEIS URBANÍSTICAS O Brasil da década de 60 e 70 não estava envolvido nas primeiras discussões ambientais uma vem que a política predominante era desenvolvimentista, ou seja, “progresso a qualquer custo”. Esse lema provocou, de forma imediata, uma onda migratória do campo para as cidades resultando no que logo se condicionou chamar de “inchaço urbano”. Com o aumento da população no ambiente construído os problemas de deficiência dos serviços públicos ou mesmo o acesso a estes se tornou uma constante em todas as grandes cidades brasileiras. Assim, o cenário local assemelhava-se ao cenário de qualquer grande cidade européia e dos Estados Unidos. Ora, havendo desconformidade com a demanda e a oferta de 66 FERRAZ, Sérgio. Usucapião especial (arts. 9º a 14). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abeu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003. 49 serviços públicos, é certo que as funções sociais da cidade estavam bastante comprometidas se não, impossíveis de serem executadas com eficiência. O espaço urbano tornou-se diante da crise, um ambiente de segregação com graves problemas cujas soluções se tornaram um desafio para os gestores públicos. A evasão do campo para a cidade movida pela expectativa de realização de sonhos ou meramente a busca de melhores condições de vida gerou para todos os conflitos urbanos oriundos da: - falta de salubridade dos ambientes; falta de higiene. - falta de espaço habitável; especulação imobiliária. - desemprego; mendicância. - poluição; consumo. - doenças; mortes prematuras. - abastecimento; miséria. Todos esses aspectos se tornaram contradições na busca da idealização da cidade ordenada e sem problemas. Não obstante a mendicância e a pobreza resultarem no quadro triste e sem beleza para a cidade a densidade demográfica no meio urbano exigia do Poder Público medidas de policiamento e de ordenação que só poderiam ser aplicadas se autorizadas por legislação específica. A urbanização gerou um desenvolvimento heterogêneo das cidades piorando ainda mais o problema da exclusão social e afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Para melhorar o modo de vida das pessoas torna-se necessário planejar a cidade o que implica, sem dúvida, na elaboração de planos com metas e objetivos que envolvem, inclusive, poder público e coletividade. “Tomar a cidade como foco de discussão significa um modo determinado de problematizar a questão da cidadania e das relações sociais. A cidade e a cidadania, aqui, são tomadas como práticas, discursos e valores que constituem o modo como 50 desigualdades e diferenças são figuradas no cenário público, como interesses se expressam e como conflitos se realizam.” LEAL (2003)67 O processo de urbanização no Brasil sempre ficou atrelado à questão da economia internacional, desde a época colonial, o que implica reconhecer que se trata de um capitalismo dependente. Assim, as estratégias institucionais acabam por ser, mesmo que indiretamente, influenciadas por estes aspectos. Portanto, não exige dificuldade em reconhecer que o Brasil mesmo sem ter influência local por questões ambientais urbanas foi, sim, influenciado pelo movimento desencadeado na Europa e nos Estados Unidos. Na Europa os movimentos em prol de uma cidade mais humana e mais organizada tiveram início desde:68 - 1929 – 2º Congresso, Frankfurt (Alemanha) – Estudo da moradia mínima; - 1930 – 3º Congresso, Bruxelas – Estudo do Loteamento racional; - 1933 – 4º Congresso, Atenas – Análise de 33 Cidades. Elaboração da Carta do Urbanismo; - 1937 - 5º Congresso, Paris – Estudo do problema da Moradia e Lazer; - 1951 – 8º Congresso, Hoddesdon – Estudo do centro, do coração das cidades; - 1953 – 9º Congresso, Aix-em-Provence, Estudo do habitat humano; - 1956 – 10º Congresso, Dubrovnik – Estudo do habitat humano O que observa, sem muito esforço é que as questões urbanas, discutidas no âmbito do Direito Urbanístico, estão sempre aliadas à discussão da Arquitetura. Assim consta da Carta de Atenas (1933):69 “O urbanismo é a administração dos lugares e dos locais diversos que devem abrigar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas manifestações, individuais e coletivas. Ele envolve as aglomerações urbanas quanto os agrupamentos rurais. O urbanismo não poderia mais estar exclusivamente subordinado às regras de um estetismo gratuito. Por sua essência, ele é de ordem 67 LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico: Condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 68 Fonte IPHAN 69 Documento que resultou do 4º Congresso de Arquitetura em Atenas (Grécia), 1933 51 funcional. As três funções fundamentais péla realização das quais o urbanismo deve velar são: 1ª habitar; 2ª trabalhar; 3ª recrear-se. Seus objetivos são: a) a ocupação do solo; b) a organização da circulação; c) a legislação”. A legislação urbanística do Brasil do período Republicano (1889) até 2001 tinha como fim disciplinar o aspecto estético da cidade, ou seja, era voltada apenas para o embelezamento. Observa-se que no Brasil, do período republicano até pouco tempo, o que importava era a concepção do embelir la ville, quando não impor normas sanitárias. As regras de inibição de conduta individual perante o espaço da cidade estavam previstas nos Códigos de Posturas que além de condutas estéticas previa também a questão sanitária, de forma preponderante. As alterações na legislação urbanística brasileira, durante o século XX, não tiveram força para incorporar instrumentos de regulação dos conflitos sociais urbanos, apenas desenvolveu alguns mecanismos de preservação e regulação interna mais voltada para o mercado imobiliário emergente. A legislação urbanística brasileira que fugisse apenas às regras de restrição de atividades e de uso, sob a mira do poder de polícia, emergiu na década de 1970, quando implementou procedimentos quanto ao parcelamento do solo urbano através da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Conforme regra o art. 2º desse instituto legal o parcelamento do solo urbano poderá ocorrer mediante: loteamento ou desmembramento. A partir daí foram desenvolvidas ações com técnicas execução de projetos de interesse social tem por objeto urbanizar e integrar as populações carentes que estavam socialmente excluídas. Contudo, era necessário aplicar recursos públicos quase nunca disponíveis para essas políticas. 52 3.3 LEIS FEDERAIS SOBRE URBANISMO A evolução da legislação urbanística federal, no Brasil, pode assim ser resumida: - 1979 – Lei nº 6.766 dispõe sobre o parcelamento do solo urbano70 - 1981 – Lei nº 6.938 dispõe sobre a Política Nacional do Meio ambiente (art. 2º, II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar e V- controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras) - 1985 – Lei nº 7.347 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (art.1º - III – à ordem urbanística) - 1998 – Lei 9.605 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (art. 62- dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural) - 2001 – Lei 10.257 regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana. Resoluções do CONAMA: 01/1986; 237/1997; 306/2002. A Lei 6.766, de 1979, que trouxe técnica voltada para um melhor aproveitamento urbanístico do solo, substituiu o Decreto nº 58/37 que se aplicava apenas o parcelamento para fins rurais. O objetivo de criação do instituto legal prende-se à necessidade de garantir padrões mínimos de qualidade para os loteamentos, no aspecto urbanístico e também ambiental. As alterações advindas com a Lei de parcelamento do solo, entre outros, foram: - a decisão do governo municipal sobre o percentual mínimo de áreas para fins de loteamento; - ampliação dos prazos das diretrizes estabelecidos pela autoridade municipal; - extinção da anuência prévia do Estado para a implantação dos loteamentos urbanos. 70 Alterada pela Lei 9.785, de 29/01/1999 53 Um ponto importante a destacar com o advento da Lei 6.766/79 é que o parcelamento (divisão de área de terreno em lotes, sob a forma de desmembramento ou loteamento) do solo deixou de ser simples meio de venda de terrenos à prestação. Na verdade, o parcelamento tornou-se uma ferramenta legal do Direito Urbanístico com o objetivo de ordenar o espaço urbano destinado para habitação. Atualmente, urge que a lei de parcelamento do solo urbano sofra reformas, principalmente no que toca à questão dos condomínios urbanísticos que não são considerados modalidade de parcelamento do solo urbano. Em termos de tutela ambiental, a Lei nº. 6.938, de 31 de outubro de 198171, além de trazer definições para alguns termos novos, como meio ambiente e poluição, instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e apresentou mecanismos e ferramentas para aplicação direta da política nacional do meio ambiente. Esse instituto jurídico, além de vanguardista, é bastante eficaz e disponibiliza os princípios protecionistas que garantem a proteção do meio ambiente como bem difuso. Além disso, mostra a necessidade de aplicação de normas e planos e monitoramento em todos os níveis de governo para a execução da política nacional. O instituto legal que trata da ação civil pública (Lei nº. 7.347/85) criou um mecanismo de grande importância no cenário da legislação nacional que tem por fim apurar e responsabilizar o agente que comete danos ao meio ambiente. Pela Ação Civil Pública fica tutelado o bem ambiental, com natureza difusa, de duas formas: 1ª - voltada para a cessação da causa de prejuízos e pela responsabilização dos causadores de danos 2ª - forçar o poder público a criar políticas necessárias para a proteção do meio ambiente 71 WAINER, Ann Helen. Legislação Ambiental Brasileira: subsídios para a História do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Revista Forense,1999. 54 A Lei nº 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, dispõe sobre sanções que devem ser aplicadas diante de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, cuja natureza poderá ser: administrativa ou penal. A lei alcança tanto as pessoas físicas quanto às jurídicas que, em face das suas atividades, vem ocasionar danos. A lei tipifica práticas consideradas criminosas e, portanto, tutela a fauna, a flora, entre outros, o ordenamento urbano. Quando atribui ao cada infrator (pessoa física ou jurídica) um dos delitos previstos, trouxe de forma inovação a despersonalização da pessoa jurídica, em situações que possam dificultar a identificação do delinqüente no que toca ao obstáculo de ressarcimento ou de recomposição de dano. Existem ainda resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente que vem regulamentar as especificidades ligadas ao cumprimento da Política Nacional do Meio Ambiente, na forma de instrumentos a serem utilizados, como a Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986, que estabelece definições, responsabilidades, critérios básicos, e diretrizes gerais para o uso e a implementação de Avaliação de Impacto ambiental e a Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997, que trata do licenciamento ambiental para o exercício de determinadas atividades econômicas. Lei 10.257/2001 Ainda no início da década de 90, o projeto nº 181/89 iniciou o trâmite na Câmara dos Deputados, transformando-se em Projeto de Lei de nº 5.788/90. O projeto sofreu muitas pressões de segmentos da sociedade que tinham interesses particulares de impedir a tramitação normal, tanto que sofreu paralisação de mais de uma década. Contudo, em junho de 2001, o projeto volta para o Senado com o objetivo de confirmar o conteúdo aprovado na Câmara ou resgatar o projeto originou. Por unanimidade, foi aprovado no Plenário do Senado, em 18 de junho de 2001. 55 Em 10 de julho, do mesmo ano, foi sancionada pelo Presidente da República, com vacatio legis de 90 dias. “Essa nova leva de leis urbanísticas municipais tem levado em conta a necessidade de compreensão da dinâmica do mercado imobiliário juntamente com outros fatores urbanísticos e ambientais, bem como os outros interesses sociais no processo de desenvolvimento urbano e de uso e ocupação do espaço, mas agora explicitamente sob o prisma da função social da propriedade. O reconhecimento do papel fundamental do poder público, sobretudo na esfera municipal, na condução do processo de desenvolvimento urbano tem sido salientado”. FERNANDES (2000)72 3.4 O ESTATUTO DA CIDADE A Lei nº 10.257/2001, aprovada após longo período de tramitação no Congresso Nacional não verdade veio atender a exigência da Constituição Federal contida no artigo 182 e 183, regulamentando através do instituto jurídico ações pertinentes à cidade e à urbanização. O Estatuto da Cidade, assim chamada a Lei 10.257/2001, apresenta-se como uma lei progressista, democrática e engajada com a questão da cidadania urbana. Introduziu várias inovações: - IPTU progressivo no tempo; - ferramentas especiais para a desapropriação; - estudo de impacto de vizinhança; - direito ao usucapião individual e coletivo; - gestão orçamentária participativa; - controle social A execução dessa política de desenvolvimento urbano estará a cargo do Poder Público Municipal em conjunto com os cidadãos do Município, atuando conforme diretrizes fixadas em lei. A proposta é de união em busca do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantia do bem-estar dos citadinos. 72 FERNANDES, Edésio.(org) Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. 56 A reordenação da cidade implica na justa redistribuição do seu espaço físico sob uma nova concepção: prioridade sobre o interesse coletivo e à função social (da propriedade e da cidade). “Em termos gerais, podemos considerar como sendo três os principais objetivos do Estatuto da Cidade: 1) promover a reforma urbana e combate à especulação imobiliária; 2) promover a ordenação do uso e ocupação do solo urbano, e; 3) promover a gestão democrática da cidade Desse modo, ao definir os fundamentos da política urbana, o Estatuto da Cidade torna-se também importante instrumento de gestão ambiental, haja vista que a urbanização tem se configurado num dos processos mais importantes do meio ambiente “. BRAGA (2001)73 A Lei 10.257/2001 veio como alternativa eficaz para combater a insegurança e impunidade criadas pelos conflitos ambientais urbanos, atendendo ao pedido da urgente restauração da qualidade de vida dos que habitam no ambiente construído. Entretanto, adverte Sundfeld (2003):74 “Convém não superestimar os efeitos imediatos do Estatuto, pois ele, em larga medida, é ainda um conjunto normativo intermediário. É verdade que várias de suas normas, dispensadas de qualquer complementação legislativa, são já diretamente invocáveis pelos interessados como base do estabelecimento de relações jurídicas concretas; são os casos dos capítulos relativos ao usucapião especial de imóveis urbanos e ao direito de superfície, bem como das regras sobre a concessão de uso especial para moradia. (...) Porém, tudo o mais exigirá desdobramentos legislativos ulteriores.” A vida nas cidades é um grande desafio, tanto para os gestores quanto para as pessoas que nela habitam. A exclusão social, a marginalização de grandes segmentos populacionais são resultados negativos de um crescimento populacional desordenado ocasionado pela saída do campo para os centos urbanos, a perspectiva de vida melhor e a industrialização. O crescimento da população urbana no Brasil, conforme dados75 cresceu vertiginosamente. A estatística registra que mais de 81,2% da população brasileira mora nas 73 BRAGA, Roberto; CARVALHO, Pompeu F. de (orgs) Perspectivas de Gestão Ambiental em Cidades Médias. Rio Claro: LPM-UNESP,2001(ISBN 85-89154-03-3) 74 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais (art. 2º). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abeu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003. 75 Fonte: Censos Demográficos IBGE 57 áreas urbanas, dos 169.590.693 brasileiros, em 2002. Na área rural vivem 18,8% da população, muito diferente da década de 50 quando 63,8% da população se encontra no campo e apenas 36,2% nas cidades. Diante de tamanha mudança o Estatuto da Cidade (lei do ambiente artificial) visa buscar, também, a complementaridade entre as atividades urbanas e rurais tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua influência. O gestor municipal pode se valer dos instrumentos que contribuirão para a execução da política urbana, que constam do próprio texto legal. “(...) quando a lei se refere a instrumentos de política urbana ela pretende identificar meios e instrumentos, de diferentes espécies, por meio dos quais o governo municipal deve implementar suas decisões de mérito, suas opções quanto a objetivos que devam ser atingidos para assegurar a melhor qualidade de vida de sua população e as prioridades que, em seu entender, devam ser observadas.” DALLARI (2003)76 Como instrumentos gerais da política urbana a lei prevê os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico social; planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; planejamento municipal. Isso implica diretamente na competência dos entes envolvidos com privilégio para a União que pode legislar sobre normas gerais de direito urbanístico, promover programas de construção de moradias, instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, elaborar e executar planos nacionais e regionais. É concordante que o Estatuto da Cidade trouxe regras importantes de controle sobre a acumulação, o poder e a desigualdade, que cria para o Estado o poder-dever de assegurar os direitos urbanos da maior parte da população que vive à margem do conforto, segurança, salubridade e cidadania. 76 DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana. in Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coord. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003. 58 Como se pode verificar, a eficácia da implementação das diretrizes e instrumento de gestão previstos no Estatuto da Cidade depende da atuação dos governos e impõe uma submissão da propriedade à sua função social, com base na aplicação do princípio da gestão democrática e participação com guisa a assegurar o direito à cidade dentro de uma perspectiva igualitária de vida urbana como “produto histórico e fruto do trabalho coletivo”. “Espera-se que o avanço da luta pela democracia seja o remédio capaz de contrabalançar estas tendências. Mas sabemos desde já que caberá às classes trabalhadoras a função de forjar um projeto cidade capaz de produzir um modelo de desenvolvimento justo, sustentável, econômico, social e ambientalmente. Os históricos impasses da nossa burguesia para se constituir como força de modernização, capaz de fazer a revolução da própria ordem burguesa, cirando um modelo de dominação integrando as classes trabalhadoras a sua própria ordem (...). Cabe às classes trabalhadoras construir esta ordem social universalizante, o que certamente somente será possível em um novo tipo de sociedade.” RIBEIRO (2003)77 É importante salientar, embora resumidamente, sobre as diretrizes gerais da política urbana que devem ser observadas pelo Poder Público e pelos legisladores na implementação da política urbana local em favor do bem-estar da coletividade. As diretrizes, conforme o teor da lei vinculam-se às funções sociais da cidade (habitar, circular, trabalhar, recrear) e da propriedade (atendidas as exigências constantes do plano diretor) algumas aqui destacadas: - garantia do direito a cidades sustentáveis - gestão democrática da cidade - cooperação entre os setores público, privado e a sociedade - planejamento territorial adequado - oferta de equipamentos e serviços urbanos e comunitários - ordenação e controle do uso do solo - integração das atividades urbanas e rurais 77 RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. O Estatuto da Cidade e a questão urbana brasileira. In Reforma Urbana e gestão democrática: promessa e desafios do Estatuto da Terra/ orgs. Luiz César de Queiroz Ribeiro, Adauto Lúcio Cardoso. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2003. 59 - padrões de produção e consumo de bens e serviços compatíveis com a sustentabilidade urbana - preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico “Mais do que nunca as cidades brasileiras estão desafiadas a “casar” a gestão urbana e a gestão ambiental, integrando as políticas de planejamento urbano, a política habitacional e a política ambiental. A Agenda 21 e a Agenda HABITAT, plataformas internacionais resultantes da Conferência Internacional sobre meio ambiente (ECO 92) e da Conferência Internacional sobre assentamentos humanos (Istambul, 1996), precisam ser encaradas como complementares e as cidades compreendidas como arenas privilegiadas de sua implementação. Os eventuais conflitos decorrentes de sua interpretação/compatibilização deverão ser equacionados através de processos inclusivos e democráticos de governança urbana. A tarefa de planejar a cidade passa a ser uma função pública que deve ser compartilhada pelo Estado e pela sociedade – co-responsáveis pela observância dos direitos humanos e pela sustentabilidade dos processos urbanos. A gestão democrática é o método proposto pela própria lei para conduzir a política urbana.” ALFONSIN (2001)78 Consagra-se, assim, o Estatuto da Cidade como um arcabouço fundamental, que além de atender a objetivos específicos, constitui-se para dar base à utilização dos demais instrumentos, cumprindo funções formais e materiais, vinculadas ao princípio da legalidade, como ocorre no estabelecimento de objetivos, diretrizes, condicionantes e limitações, que nortearão a gestão da cidade. 3.5 CIDADES SUSTENTÁVEIS E O ESTATUTO DA CIDADE Uma das diretrizes propostas no Estatuto da Cidade é a garantia do direito a cidades sustentáveis que se compreende como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, à qualidade de vida. A cidade é alvo de atenção por parte dos ambientalistas, urbanistas, sanitaristas e da coletividade que buscam dar à cidade maior habitalidade excluindo idéia de que o ambiente urbano é apenas um aglomerado de prédios e pessoas, vivendo num ritmo dinâmico. 78 ALFONSIN, Betânia. O Estatuto da Cidade e a construção de cidades sustentáveis, justas e democráticas. Paper foi originalmente apresentado ao 2º Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio Ambiente, realizado em Canela de 29 a 31 de agosto de 2001. 60 Desta forma, a qualidade de vida dos habitantes da cidade tornou-se um dos principais objetivos do Poder Público e implica na reformulação das políticas públicas. A sustentabilidade, hoje princípio norteador da proteção ambiental, foi discutido inicialmente na Conferência de Estocolmo79 e ratificada na Rio-92. As cidades passaram a compor o rol de complexos habitacionais merecendo por parte da Agenda 21, atenção especial, principalmente, no que diz respeito à questão de moradia que é tratada como questão primordial e discutida de forma global. Pela concepção jurídica de que o meio ambiente é um bem coletivo, surge o movimento social contra a degradação do meio ambiente e vem se articulando de modo relevante com as lutas democráticas pela implantação de um novo modelo de cidadania. Esse modelo diz respeito ao exercício dos direitos ambientais das populações e tende a unificar as lutas sociais com diversos objetivos, por exemplo: acesso a bens coletivos como a água e o ar, componentes de características essenciais à vida humana; a garantia do uso de serviços públicos considerados essenciais, indistintamente e eqüitativamente; a possibilidade de usufruir do patrimônio natural constituído por áreas verdes, cursos d’água e nascentes que vem sendo há muito degradados pelo uso de interesses privados em detrimento ao exercício do direito coletivo da sociedade. A cidade deve ser vista sob uma ótica humanista de modo que a realização dos projetos, a implementação das ações e políticas públicas enfim, todos os objetivos, inclusive urbanísticos, tem por fim precípuo alcançar os melhores níveis de vida urbana. Destaca-se a necessidade de se compreender o significado de conceito de cidade sustentável. Após a Conferência de Estocolmo e da Conferência Cúpula da Terra80a discussão sobre a qualidade de vida nas cidades ganhou importância capital. 79 80 Resultou no Relatório Our Common Future, apresentado às nações em 1972. Também conhecida como ECO/92 que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro. 61 Como resultado da Rio/92, entre os cinco documento, foi apresentado o que se denominou de Agenda 21 e que tem por meta realizar um processo permanente e amplamente participativo para a construção de consensos e cenários futuros através do qual propõe padrões mínimos aceitos pelos signatários envolvidos a fim de harmonizar as questões sócioeconômicas e ambientais através do envolvimento dos moradores, da coletividade e de outros segmentos da sociedade organizada junto ao governo local em que se torne condição indispensável para lidar com os desafios básicos do desenvolvimento sustentável proposto, como: moradia, lixo, poluição do ar, do solo e da água buscando mobilizar todos os atores envolvidos no processo. A discussão em torno da sustentabilidade das cidades sugere algo que deve ser construído dentro dos padrões e pressupostos atuais que envolvem estratégias ecológicas e visão de entorno coladas pelos ambientalistas embasadas nas idéias de capacidade de suporte, pegada ecológica, equilíbrio energético, conforto ambiental e, assim, exigindo que a coletividade e o Poder Público assumam os princípios da sustentabilidade, como diretrizes norteadoras das políticas públicas e que implica da transformação de condutas, posturas e mudança de hábitos e atitudes objetivando, dentro desse contexto de sustentabilidade, aprender a reduzir o consumo de água e energia, gerar menos lixo, manter o cenário estético da paisagem urbana. Essa participação democrática só se tornará efetiva se assegurada por normas legitimadas pelo processo político possibilitando que o processo venha a ocorrer de forma integrada. priorizando no âmbito da sustentabilidade demandas por justiça social e ambiental. “Planificar una ciudad sostenible requiere la más amplia mprensión de las relaciones entre ciudadanos, servicios, política de transporte y generación de energía, así como su impacto total tanto sobre el entorno inmediato como sobre una esfera geográfica más amplia. Para que una ciudad genere una auténtica sostenibilidad, todos esos factores deben entrelazar-se, porque no habrá ciudades sostenibles hasta que la ecología urbana, la economia y la sociología queden integradas en la planificación urbana. El logro de ese objetivo depende, en buena medida, de la motivación de los ciudadanos, que deben ser informados de su capacidad efectiva para poder cambiar las cosas 62 desde el Laboratorio pivilegiado que supone cada una de sus ciudades”. ROGERS (2001).81 O desenvolvimento urbano sustentável das cidades brasileiras envolvendo a atuação do Município aponta a exigência do poder local garantir a sustentabilidade através da mudança de posturas e hábitos prejudiciais à qualidade de vida. Implica modificar princípios de gestão até então adotados e de fazer uso de instrumentos técnicos e jurídicos de (re) ordenação espacial, que se identifica como um dos princípios de desenvolvimento sustentável das cidades. Para que o modelo de desenvolvimento sustentável seja efetivamente implantado conforme foi preconizado, mesmo que vagamente, no Relatório Brundtland (World Commission on Environment and Developement, publicado em 1987) é importante compreender os enfoques dados ao meio ambiente natural, com relação ao fato de que as cidades são um núcleo do meio ambiente construído pela humanidade demonstrado por Odum (1988)82 por sua interpretação dos fluxos de energia, sobrepondo-se ecossistemas naturais, sistemas agrícola, e complexos urbano-indústrias. Compreendo-se que as interações das cidades devem ajustar-se harmoniosamente com o ambiente natural e, assim, são elas próprias (cidades) recursos que necessitam de proteção e de satisfação das suas demandas necessárias para sua manutenção e desenvolvimento, cujos planejamentos devem merecer o exame na busca de sua sustentabilidade que deve ser entendido como a realização de um rol de aspirações de um grupo numa sociedade. O enfoque é dado ao exercício do direito da cidadania que pressupõe a participação dos habitantes das cidades, vilas e povoados nas decisões sobre a (re) ordenação almejada. O direito fundamental a terra, aos meios de sustento, à moradia, ao abastecimento e saneamento, 81 82 ROGERS, Richard. Ciudades para un pequeño planeta. Barcelona: Editora Gustavo Gili S.A, 2000. ODUM, Eugene.Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. 63 à educação, à informação, à saúde, ao trabalho, transporte público de qualidade, passam ser considerados como componentes da cidadania. A sutentabilidade das cidades brasileiras torna-se um compromisso de todos na busca contínua da redução abusiva dos estoques de recursos que provoca graves problemas urbanos. Isso é notória pela capacidade que não capacidade que a cidade possui de conviver com a insuficiente coleta de lixo, rede de água e esgoto precários, todo tipo de poluição, visual, sonora, estética, falta de espaços para moradia, influência da especulação imobiliária, insalubridade, desordem. Agenda 21 recomenda que as cidades fortaleçam os órgãos locais de governo com o fim de lidar de modo eficaz com os desafios do desenvolvimento e do meio ambiente, mediante a associação de políticas públicas e práticas saudáveis de planejamento urbano. Através da transformação do processo de pensar e planejar a gestão urbana é abandonada a idéia de que a cidade é um caos a ser evitado para entendê-la como algo a ser construído dependente de soluções urbanísticas e da certeza de que qualquer idéia de sustentabilidade deverá provar a sua operacionalidade em um mundo urbanizado, no cenário das cidades, em que o exercício da cidadania possa ser efetivado priorize-se à efetivação da boa qualidade de vida evitando-se o que ora persiste: a degradação ambiental e a indigência social. “O debate sobre na sustentabilidade urbana vem-se desenvolvendo também a partir dos marcos definidos na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992. Em maio de 1999, o consórcio responsável pela elaboração do documento “Cidades Sustentáveis”, uns dosséis documentos de referência produzidos com o objetivo geral de subsidiar a formulação da Agenda 21 Brasileira, foi disponibilizado na Internet. Como parte de um projeto promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério do Meio Ambiente, o documento “Cidades Sustentáveis apresenta quatro estratégias prioritárias para dar sustentabilidade às cidades, apontando, para cada uma delas, um conjunto de diretrizes e propostas de ações seguidas da indicação do âmbito ou esfera de competência, prazos e meios de implementação.” OLIVEIRA (2001)83 83 OLIVEIRA, Fabrício Leal de. Sustentabilidade e competitividade: a agenda hegemônica para as cidades do século XXI. In A duração das Cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Henri Acselrad (org). Rio de Janeiro: DP&A, 2001 64 A construção da cidade sustentável, como requer o Estatuto da Cidade, implica na prática de modo contínuo da melhoria de seu meio ambiente físico e social utilizando todos os recursos de sua comunidade. As propostas e os passos que possam levar a uma relevante melhoria da qualidade de vida das pessoas implica na reformulação da consciência sobre as questões ambientais urbanas, o comprometimento do Poder Público, principalmente do Município no que diz respeito à implantação de ações que envolvam vida saudável, o fortalecimento e a participação da comunidade, a ampliação e a organização do conhecimento sobre a cidade, a identificação de parceiros para o desenvolvimento de projetos, a reformulação do Plano Diretor e, principalmente, assegurar o compromisso com políticas públicas saudáveis através de organizações governamentais e não-governamentais. A Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade – composta de 58 artigos tem por objetivo regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, procurando ainda, o equilíbrio ambiental (artigo 1º, Parágrafo Único). Assim, este instrumento jurídico prevê, para a consecução da política urbana várias diretrizes entre elas: Artigo 2º: I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; Assim exposto, verifica-se que o Estatuto da cidade trouxe inovações substanciais em termos de administração pública urbana e no campo jurídico, ressaltando a preocupação do legislador com o meio ambiente em busca da concretização da idéia que envolve a construção de uma cidade sustentável que é, também, a construção de uma cidade saudável, posto que se constatou que os conceitos contêm a mesma mola mestre. 65 “Si la ciudad se compromete con su sostenibilidad, entonces los ciudadanos también se animarán a colaborar para paliar la crisis medioambiental global. Una red de ciudades es capaz de crear una red global de ciudadanos interdependientes”.ROGERS (2001)84 Na oportunidade que a Constituição da República consagra o direito fundamental a um ambiente saudável e que o constituinte chamou de – ambiente ecologicamente equilibrado – significa entender que o fundamento implícito é o princípio da dignidade da pessoa humana, também consagrada pelo Constituinte. O reconhecimento ao direito fundamental da sadia qualidade de vida, decorrente de um ambiente saudável resulta, justamente, na conscientização de que o ser humano merece, indistintamente, uma boa qualidade vida. A questão a sustentabilidade apresenta dificuldade quanto à sua compreensão tendo em vista os vários aspectos que nela se inserem. Porém, é certa a necessidade de elaboração de planos diretores estratégicos que tenham por fim construir uma cidade melhor. A construção de uma cidade melhor, como se quer, dependerá do atendimento de várias demandas: sistema viário eficaz, espaço para moradia, acesso a serviços públicos, tratamento justo e igualitário para todos os habitantes. O quem muito contribuído para a desumanização nas grandes metrópoles, possível de se observar, é a construção da cidade ilegal e a ocupação informal com grande número de moradores de favela dificulta o acesso legal às terras urbanas. Para Dias (2003)85, as cidades sustentáveis terão de passar por uma dinâmica socioambiental, o que envolve sustentabilidade ambiental, demográfica, sóciopolítico e a institucional. O fortalecimento da democracia e o desenvolvimento de uma cidadania ativa serão estratégias fundamentais para a condição da melhoria de vida da população, o gerenciamento dos recursos naturais e a sustentabilidade urbana. “O planejamento pode ser transformado em instrumento de democratização no processo de administração e expansão das cidades, ao invés de um processo 84 85 Op.cit. DIAS, Edna Cardoso. Manual de Direito ambiental. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. 66 decisório tecnocrático e autoritário. Para alcançar essa meta seria necessário reduzir a distância que separa a esfera técnica do planejamento, da esfera política da Administração. A transformação estrutural de nossas cidades e metrópoles não será o resultado de planejamento tecnocrático de longo prazo. Mais que um documento com um plano ou projeto finalizado do espaço urbano, a definição de metas, objetivos e instrumentos deveria ser o ponto inicial de uma aliança política, que estabelecesse as linhas de intervenção nesse processo e os papéis dos diferentes atores sociais”. RATTNER (2001)86 As discussões sobre a sustentabilidade urbana tem origem anterior à Lei 10.257/2001. Iniciou com a Conferência de Estocolmo e concretizou-se na construção da Agenda 21. O Estatuto da Cidade fixa como umas de suas diretrizes gerais a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes de futuras gerações. “A democratização da produção de novas moradias e do acesso à moradia legal e à cidade com todos os seus serviços e infra-estrutura exige a superação de dois grandes obstáculos – terra urbanizada e financiamento –que, durante toda a história da urbanização brasileira, foram insumos proibidos para a maior parte da população. Estamos fazendo referência mais exatamente ao contexto da relação entre a terra (urbanizada), financiamento, subsídios, Estado e mercado. (...) Esse será o grande desafio da política urbana nas primeiras décadas do século XXI, ao lado do saneamento e do transporte de massa. É para eles que a sociedade brasileira e suas instituições devem se preparar.” MARICATO (1996)87 86 RATTNER, Henrique. Prefácio do livro Duração das Cidades: Sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. ACSELRAD, Henri (org). Rio de Janeiro: DP&A, 2001 87 MARICATO, Ermínia. Metrópole, legislação e desigualdade. Artigo elaborado da parte II do Livro da autora, Metrópole na periferia do capitalismo. São Paulo: Hucitec, 1996. Estudos Avançados 17(48), 2003 67 4. PLANO DIRETOR “O Estatuto da Cidade traz em seu bojo uma preocupação com a questão ambiental nos centros urbanos ao utilizar-se, por diversas vezes, de saneamento ambiental, efeitos sobre o meio ambiente, equilíbrio ambiental etc. Procura-se dar uma conotação social à propriedade privada. A propriedade urbana passa a exercer uma função social, nos termos do art. 5º, XXIII, da CF. Essa exigência social deve estar consignada no plano diretor.” SIRVINSKAS (2007) 88 Com o advento da Lei 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade – ou também chamada Lei de Responsabilidade Social, foram estabelecidas, no contexto legal, diretrizes gerais de política urbana com o fim precípuo de ordenar o pleno e efetivo desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, funções essas que estão intimamente ligadas à habitação, ao trabalho, à recreação, à circulação, ao uso e à ocupação do solo urbano. O Plano Diretor é uma imposição constitucional e legal que tem por fim a regulamentação dos artigos 182 e 183 da Carta Magna. Expressamente e coube ao Município à aplicação das diretrizes básicas da Lei 10.257/2001, como um múnus público. O Plano Diretor deixou de ser mero documento administrativo e passou a ser um instrumento básico da política de desenvolvimento urbano uma vez que é o plano diretor que vai estabelecer as funções sociais da propriedade. 88 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2007. 68 Conforme o artigo 39 do Estatuto da cidade a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas. Para minimizar as graves questões urbanas existentes e promover o conhecimento das normas fazendo com que ocorra o previsto num dos mais importantes instrumentos do Estatuto da Cidade – Plano Diretor – faz-se necessário que o Município esteja atento à sua função precípua que é a de promover juntamente com suas políticas de urbanização a educação ambiental. A educação ambiental, ferramenta implícita, de aplicação em todos os níveis e esferas, contida no Plano diretor, contribuirá, por certo, na reforma institucional e envolverá todos os segmentos sociais na persecução de um desenvolvimento urbano sustentável, eqüitativo, economicamente viável, ecologicamente correto socialmente justo89 em que a gestão democrática da cidade deixa de ser uma faculdade e passa a ser uma prerrogativa de direito da sociedade. O desenvolvimento urbano sustentável das grandes cidades requer uma atuação municipal mais integrada, justamente para garantir a sustentabilidade, modificar métodos de gestão adotados e fazer uso de instrumentos técnicos, e legais de (re) ordenação espacial, que se identifica como um dos princípios de desenvolvimento sustentável das cidades. Segundo o artigo 225 da Constituição Federal, todos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e, assim sendo, cabe ao poder público e à coletividade a responsabilidade de zelar, preservar e defender em nome das gerações presentes e para as gerações futuras. 89 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. 69 O ordenamento urbanístico é matéria de direito público que se impõe pela imposição de normas de urbanização que não se confundem com as limitações de ordem civil que possuem natureza privada. As limitações urbanísticas aplicáveis pelo Poder Público Municipal são, na verdade, limitações administrativas e que visam proteger à comunidade sem privilegiar nenhum segmento. Desta forma, a natureza da atividade urbanística é função pública devendo para tanto o Município promover todas as medidas cabíveis para uma plena e efetiva atuação de sua atividade urbanística, através do exercício do Poder de Polícia, priorizando proteger os direitos dos cidadãos, mediante triplos objetivos: ordenar e humanizar o ambiente urbano. “Como um dos objetivos da política urbana é garantir que a propriedade urbana atenda sua função social, o plano diretor, como instrumento básico dessa política, tem atribuição constitucional para disciplinar essa matéria. Isto é, cabem às normas do plano diretor estabelecer os limites, as faculdades, as obrigações e as atividades que devem ser cumpridas pelos particulares referentes ao direito de propriedade urbana”. SAULE JR (2002) 90 A necessidade do instrumento jurídico Plano Diretor tem sua origem na própria Constituição Federal (art. 182, §1º) ao conceituá-lo como instrumento básico da política urbana. A questão da problemática urbana tem ganhado destaque diante da constatação que o Brasil é um país urbano. Mais de 80% da população brasileira vive nas cidades91 decorrente desse fato essa concentração de massa tem agravado o quadro histórico da exclusão social, de marginalização, violência, surgimento de mais e mais favelas, vilas desamparadas, assentamentos em áreas de risco, poluição de todo gênero, uso do solo pelas invasões irregulares, injusta distribuição de serviços públicos. É este cenário comum que deve enfrentar o plano diretor, por isso a necessidade que seja uma ferramenta eficaz, dinâmica, renovável e é o município é o gestor dessa mudança que SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor – Possibilidades de uma nova ordem legal urbana justa e democrática. In Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades brasileiras. Letícia Marques Osório (org). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002 91 Fonte: IBGE 90 70 se faz necessária ocorrer de forma emergencial. A função social da cidade e da propriedade previstas no instituto legal devem ser compreendidas como o atendimento das necessidades de todos os cidadãos no que diz respeito à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, sempre observando as exigências contidas no plano diretor, cujo interesse público é objetivo fundamental. Ora, se a função social da cidade – trabalhar, circular, habitar e recrear – levam a construção da cidade sustentável e essa se identifica pela forma de atender aos habitantes no que toca à segurança, moradia, transporte, lazer, infra-estrutura, saneamento ambiental, a tarefa municipal de atender essas exigências se encontram delimitadas no plano diretor urbano. Disso tudo resulta que o instrumento básico da política urbana (plano diretor) deverá servir para definir o uso adequado da propriedade, de definir os locais e as finalidades para os quais é autorizada a transferência ou a cessão onerosa do direito de construir, ao ser identificadas áreas urbanas de imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados. Nesse ponto passa ser de capital importância a identificação das zonas especiais de interesse social (ZEIS) e apresentação dos instrumentos que permitam a regularização de áreas de terra para moradia, evitando que a população carente continue a viver em locais precários como cortiços, favelas ou loteamentos irregulares. As ZEIS podem contribuir para destinar locais, antes vazios ou abandonados, para moradia popular, ou seja, uma propriedade subutilizada no centro da cidade pode se tornar uma ZEIS. Da mesma forma, a ZEIS pode facilitar que ocorra regularização de áreas já ocupadas. Tem mérito destacar que o plano diretor deve definir os critérios para demarcar as ZEIS no mapa da cidade, estabelecer o critério de “baixa renda”, exigir e definir como será feita a participação popular. Além disso, a ZEIS podem contribuir para o reconhecimento de 71 comunidades tradicionais: - indígenas - populações rurais - quilombolas - as populações ribeirinhas - populações extrativistas - comunidades de pescadores O plano diretor também deve prever a regularização das áreas cuja ocupação (posse) não é reconhecida, através de um plano destinado para áreas de moradia popular, indicando os instrumentos certos, a exemplo do Usucapião Especial Urbano e a Concessão de Uso Especial para fins de moradia. “As funções sociais da cidade estão sendo desenvolvidas de forma plena quando houver redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria da qualidade de vida urbana. Esse preceito constitucional serve como referência para impedir medidas e ações dos agentes públicos e privados que gerem situações de segregação e exclusão de grupos e comunidades carentes. Enquanto essa população não tiver acesso à moradia, transporte público, saneamento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde não haverá como postular a defesa de que a cidade esteja atendendo à sua função social.” SAULE JR (2002)92 Quanto à função social da propriedade, assim se manifesta Grau (1990):93 “[...] fundamentos distintos justificam propriedade dotada de função individual e propriedade dotada de função social. Encontra justificação, a primeira na garantia, que se reclama, de que possa o indivíduo prover a sua subsistência e de sua família, daí porque concorre para essa justificação a sua origem, acatada quando a ordem jurídica assegura o direito de herança. Já a propriedade dotada de função social, é justificada pelos seus fins, seus serviços, sua função.” É importante ressaltar que o plano diretor não ser encarado como uma lista de “boas intenções” e, sim, dizer com precisão qual a função social de cada área e delimitando no mapa 92 Ibidem GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990 apud SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade e o Plano Diretor – Possibilidades de uma nova ordem legal urbana justa e democrática. In Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas perspectivas para as cidades brasileiras. Letícia Marques Osório (org). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002. 93 72 da cidade. Por conseguinte, urge que o plano diretor respeite o conteúdo mínimo exigido pelo Estatuto da Cidade, incluso no art. 42, incisos I ao III. Logo, o plano diretor deve orientar as metas dos plano plurianuais (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária (LO) no âmbito municipal. Através de um plano diretor eficaz o município como gestor urbano pode contribuir para a construção de cidades mais humanas, propiciando à sua população o acesso à informação, a participação integrada em audiências públicas, inclusive, e na escolha de áreas que merecem prioridade. Para garantir uma eficiente aplicação dessa poderosa ferramenta que é o Plano Diretor para a execução de política urbana faz-se necessário que o Poder Público passe a: 1 – gerar informações 2 – atualizar cadastros 3 – aperfeiçoar o sistema tributário 4 – conhecer o mercado imobiliário Conseqüentemente, o plano diretor deve refletir os anseios da comunidade e indicar os caminhos para a construção de uma cidade melhor, apontando rumos para o desenvolvimento local, criando propostas de alternativas de solução que objetivem a melhoria da qualidade de vida e da gestão pública, e propondo diretrizes para proteger o meio ambiente, os mananciais, o patrimônio histórico e cultural local, além da preservação das áreas verdes urbanas. 4.1 IMPLEMENTAÇÃO MUNICIPAL DO PLANO DIRETOR Sendo o plano diretor a alternativa legal para organizar o crescimento e o funcionamento da cidade, coordenando as ações do setor público e privado e que enfatiza a necessidade da efetiva participação da sociedade na gestão urbana com bases sustentáveis e, 73 também garantir o atendimento às necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida e justiça social, reconhecimento da diversidade cultural é importante que o engajamento de todos na implementação das ações previstas. Assim, é indispensável a participação popular tanto na fase de elaboração quanto na de implementação do plano diretor. Assim se afirma porque o plano diretor não é instrumento de aplicação de âmbito apenas da gestão administrativa, a ela se sobrepõe, pelos objetivos gerais e integrados que dele constam e que pelo dinamismo e complexidade das questões urbanas exige uma participação integrada de todos os segmentos da sociedade. A participação popular pode ocorrer desde o processo de discussão e de identificação dos problemas locais, como também nos conselhos, associações, comissões de representações sociais, ONGs, sindicatos, enfim todos que se habilitem ao debate. A participação da sociedade toma destaque com base no princípio da intervenção, enquanto proposta interdisciplinar. Não se pode afastar os principais atores interessados da proposta de mudança, por isso, o plano diretor deve ser visto como uma peça de articulação dos planos e ações que objetivem o desenvolvimento da cidade. A participação popular deixa ser, conseqüentemente, uma concessão do poder público e torna-se uma imperatividade legal haja vista a disposição do §4º, art. 40, incisos I a III. “Algumas dessas diretrizes, já adotadas em determinados processos de participação popular em entidades da Administração Pública Brasileira, podem ser assim resumidas: divulgação, com antecedência necessária à preparação dos interessados, das informações a discutir em audiência pública; abertura de participação a todos os detentores de legítimo interesse em participar do processo; divulgação dos comentários e sugestões formulados; e, finalmente, resposta fundamentada aos comentários e contribuições.” CAMARA (2003)94 94 CAMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor (arts. 39 a 42) in Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003. 74 4.2 – CARACTERÍSTICAS MUNICIPAIS NA ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR Para Saule Júnior (2002), os municípios, através de suas Leis Orgânicas, deveriam definir os requisitos e procedimentos para a aprovação do plano diretor. É bom, nesse ponto, distinguir cidade de Município: Cidade: do latim civitate. Urbe; complexo demográfico formado por concentração de habitantes, não agrícola, os quais se dedicam a atividades urbanas, de caráter mercantil, industrial, financeira, cultural.95 Município: pessoa jurídica de direito público interno, que tem autonomia políticoadministrativa; é a célula básica da federação brasileira. A iniciativa popular para apresentação de projetos também vigora nos municípios. Pode sofrer intervenção estadual, nos casos previstos na Constituição Federal.96 Importante salientar que a política de urbanização sendo ônus para o governo municipal implica que a elaboração da Lei seja de iniciativa do município que submeterá ao poder legislativo municipal. Tal afirmativa afasta qualquer interferência na elaboração e na aprovação do Plano Diretor por parte do Estado e da União, preservando-se, assim, a competência municipal para tratar da matéria, ressalvada a prerrogativa que a União tem de editar normas e diretrizes gerais quanto à questão urbana. Toma realce, então, a questão da participação popular na fase de elaboração do plano diretor (responsabilidade do Executivo) e na fase de aprovação desse instrumento legal (responsabilidade do Legislativo). Assim se expressa Gasparini (2002):97 “De sorte que essa garantia só será plena se o Executivo, durante a elaboração do plano diretor, e o Legislativo, durante a tramitação da respectiva lei pela Câmara de Vereadores, colocarem pessoal capacitado e com conhecimento do projeto elaborado para esclarecer e orientar os interessados. Todas essas medidas deverão ser comprovadas mediante atas, lavradas pelas autoridades competentes, assinadas pelos presentes em cada sessão e juntadas ao processo legislativo de instituição do plano diretor.” 95 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005. Ibidem 97 GASPARINI, Diógenes. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora NDJ, 2002. 96 75 Outro aspecto que deve ser salientado diz respeito à abrangência do plano diretor. O Estatuto da Cidade disciplina no art. 40 que o plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo. Isso leva à interpretação de que o plano diretor ultrapassa as fronteiras da cidade. Sabe-se que a cidade termina onde tem início o meio rural. Todavia, o município engloba tanto a área urbana (construída) quanto à área rural (campo). Disto se deduz que o plano diretor não só aplica suas metas, princípios, objetivos e diretrizes na cidade, mas também na área rural. (?) “O município tem competência para delimitar sua zona urbana. Não é, entretanto, pacífica a discussão sobre a distinção entre imóveis urbano e rural. O Estatuto da Terra e, posteriormente, o art. 4º da Lei 8.629/93, elegem o critério da destinação para a caracterização do imóvel como rural ou urbano – ou seja -, se o imóvel é destinado à moradia, comércio ou industria, é urbano; se destinado às atividades agropecuárias, é rural. Já o art. 32 do Código Tributário Nacional, ao definir o Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU -, elege o critério da localização – ou seja, se o imóvel está localizado dentro do perímetro urbano ele é urbano; caso contrário, é rural.” 98 Da leitura que se faz do Estatuto da Cidade se interpreta que o plano diretor não deve limitar sua atuação na área urbana, mas, também, expandi-la na área rural. Nesse aspecto é cautelosa a leitura que se deve fazer nos seguintes dispositivos constantes da Lei 10.257/2001: 1º- O §2º do art. 40 do aludido Estatuto disciplina que o plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo; 2º - O art. 41 trata da obrigatoriedade quanto à elaboração/aprovação do plano diretor que é obrigatório para cidades: I – com mais de 20 mil habitantes; (...) 98 Citação retirada do artigo coordenado por Márcio Barros e Fátima Cristina de Moura Lourenço inserido na linha de pesquisa “Plano Diretor e o Estatuto da Cidade”, desenvolvida no âmbito da Escola de Contas e Gestão – ECG do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro – TCE-RJ. Apoio metodológico de Maurício Martins do Carmo. Acesso agosto de 2007. 76 Câmara (2003)99 de forma clara elucida a questão: “A regra há de ser bem compreendida. Não é porque o plano diretor deve abranger toda a área do Município, inclusive a rural, que o legislador poderá, no exercício dessa competência específica, prescrever políticas agrárias ou disciplinar o uso dos imóveis rurais. Se assim o fizesse estaria, efetivamente, usurpando competência legislativa da União. Quando o Estatuto prevê a abrangência do plano diretor para a área de todo o município, parte do pressuposto de que tal competência será exercida no âmbito da atuação legítima do legislador municipal, que, em relação ao citado plano, deve se ater aos aspectos urbanísticos.” 4.3 – OBRIGATORIEDADE OU FACULTATIVIDADE O Estatuto da Cidade determina no art. 40 que o plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, deverá ser aprovado por lei municipal. Não obstante a regra imposta pela Lei infraconstitucional, a Constituição Federal já havia fixado a competência do município na elaboração do plano diretor quando determinou que a aprovação do aludido instituto legal seria feita pela Câmara Municipal. O plano diretor é de observância obrigatória para cidades (e não município): - com mais de 20 mil habitantes; - fazem parte de regiões metropolitanas; 100 - fazem parte de aglomerações urbanas; - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar instrumentos previstos no art. 4º do art. 182, da Constituição Federal; - integrantes de áreas de interesse turístico; - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional Outra obrigatoriedade prevista na lei e que alcança as cidades (e não município) com 99 Ibidem Regiões Metropolitanas: relativo à metrópole. Urb.Brasil – região densamente urbanizada, constituída por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa fazem parte de uma mesma comunidade sócio-econômica e cuja interdependência gera, a necessidade de coordenação e realização de serviços de interesse comum. No Brasil, compete aos Estados instituir por lei as regiões metropolitanas. 100 77 mais de 500.000 habitantes diz respeito à elaboração de um plano de transporte urbano integrado e que se torne compatível com o plano diretor ou que nela possa estar inserido. Assim, se a cidade se enquadrar numa das hipóteses acima referidas não há facultatividade na elaboração/aprovação do plano diretor e, sim, cumprir os ditames legais sob pena de responder até por improbidade administrativa. A facultatividade está no caso da cidade não se enquadrar no dispositivo de obrigatoriedade, mas que haja interesse do gestor público municipal em planejar o futuro e ter a oportunidade de construir a cidade, mais humana, mais justa, mais igualitária. O urbano contemporâneo implica numa série de questões apenas colocadas em pauta, pois a discussão não se esgotou. Os problemas gerados pela ocupação descontrolada das cidades, por conseguinte, resulta um quadro comum nas grandes metrópoles, mas que em algumas pequenas cidades também pode ocorrer diante do quadro de pobreza generalizada e da ausência de políticas de urbanização. Por isso, nada impede que determinado município cuja cidade não preencha os requisitos de exigibilidade do plano diretor possa também, como ação de vanguarda, implementar o seu. Todos os problemas que resultem na regionalização da pobreza, na concentração dos excluídos e na depredação ambiental, encontram perspectiva de melhoria através das regras criadas pelo plano diretor. Dito assim, compreende-se porque o legislador através do Estatuto da Cidade, obriga os municípios brasileiros a elaborar seus Planos Diretores101 e devem adotar um processo contínuo de planejamento e de seu desenvolvimento102, de conhecimento e de reflexão sobre os princípios do desenvolvimento urbano sustentável, bem como sobre as diretrizes e estratégias de políticas públicas sem perder de vista a atribuição que tem o poder 101 O prazo estabelecido para a elaboração/aprovação do Plano Diretor para os municípios que ainda não tinham foi de 05 anos já se extinguiu, em 10/10/2006. 102 O Estatuto da Cidade impõe que o Plano Diretor seja revisto, pelo menos, a cada dez anos. 78 publico municipal tem de gerir a cidade em busca da boa qualidade de vida aos seus habitantes. “A atuação municipal – para municípios com mais de vinte mil habitantes – inicia na formulação do plano diretor que deve indicar os pontos fundamentais em prol do desenvolvimento urbano e os ajustes a serem implementados de acordo com o plano de governo apresentado. É nesse instrumento que se materializa o projeto de reurbanização”. SALEME (2005)103 4.4 – GESTÃO PARTICIPATIVA A gestão participativa implica no envolvimento de todos os seguimentos da sociedade e mais o poder público na busca real da concretização das medidas e cumprimento das diretrizes inclusas no plano diretor. A gestão participativa envolve ações na elaboração, aprovação, acompanhamento e revisão do plano diretor. É um pacto legitimado por todos. Essa foi uma grande inovação trazida pela Lei 10.257, de 2001, pois não se trata de uma ação isolado do poder público municipal, diz respeito a todos tendo em vista que está em jogo o bem-estar da coletividade em geral. As propostas que visem à mitigação ou a solução dos problemas urbanos da cidade necessitam ser entendidas pela população que possa ocorrer à concreta participação social através da implementação de programas e projetos conduzidos pela gestão municipal. Sobre a participação popular, ou gestão participativa, entende Mukai (2001):104 “Em nosso entender, qualquer que seja a forma de participação da comunidade no planejamento municipal, alguns requisitos não poderiam ser deixados de lado: a) a representatividade popular só se pode dar por intermédio de associações; b) a participação da comunidade não é somente em relação à elaboração do plano: ela abrange todo o processo de sua formulação, desde os diagnósticos, eleição das políticas, fixação das metas e diretrizes, aprovação do anteprojeto e, após a edição da lei, suas regulamentações (leis e decretos) e a execução do plano propriamente dito.” 103 SALEME, Edson Ricardo. Parâmetros sobre a função social da cidade. Artigo defendido no XIV Congresso Nacional do CONPEDI que ocorreu em Fortaleza –CE/2005 -(Anais). Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. 104 MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: anotações à Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. São Paulo: Saraiva, 2001. 79 4.5 – NATUREZA JURÍDICA DO PLANO DIRETOR Foi a Constituição Federal de 1988 que delimitou ao plano diretor – instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana – o aspecto formal de sua aprovação. Isso está claro pela imperatividade existente de que são as Câmaras Municipais que irão aprovar o plano diretor. O artigo 182 delimitou a competência do ente federal responsável pela aplicação da política de desenvolvimento urbano, para o município, excluindo desse encargo direto os Estados e a União. Todavia, até 2001, essa responsabilidade dependia de regulamentação que só veio com a edição da Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade -. O Estatuto da Cidade regulamentou os artigos da Carta Maior – 182 e 183 – e entre tantos instrumentos de política de urbanização trouxe como regra obrigatória a elaboração do plano diretor para cidades que se enquadrem nas hipóteses previstas no art. 41 da aludida lei federal. Considerando que o Plano Diretor, sendo o instrumento de execução da política de urbanização, criará obrigações, limitações e reservas para a sociedade não poderia deixar de ter vinculação com o princípio da legalidade – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei -. Todavia, o plano diretor, em seu aspecto técnico é um “documento de base que se apresenta sob a forma gráfica, compreendendo relatório, mapas e quadros que retratam a situação existente e as projeções da situação futura”, 105 apresenta-se como regra jurídica, por isso, é lei, não sob o aspecto material, por faltar ao plano diretor, generalidade e abstração, assim, teria a qualificação de plano urbanístico, mas sob o aspecto formal. 105 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000. 80 Quanto à natureza jurídica do Plano Diretor a quem assevere: “Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se- aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou de decreto por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança”. SILVA (2000)106 106 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Direta de Constitucionalidade. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2000. 81 5 – CONTROLE DA EFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROPOSTAS NO PLANO DIRETOR Não se pode falar em eficácia das medidas propostas no Plano Diretor sem que ocorra, por parte da coletividade e do poder público municipal, ações de controle e fiscalização das medidas propostas no plano diretor. Há diversas formar de exercitar o controle, o poder público, por exemplo, pode controlar internamente pelo exercício da autotutela107, pelo exercício do poder de polícia administrativa entre outras formas. Os graves problemas ambientais não receberam solução imediata com a edição do Estatuto da Cidade e nem com a criação do Plano Diretor por parte dos municípios brasileiros. Os mesmos problemas, ou em maior freqüência e proporção, continuam ocorrendo em todas as cidades brasileiras. As invasões de terras públicas e particulares, a poluição do ar e dos cursos d’água, a poluição sonora, visual e estética, o desemprego e a ausência, ainda, da conscientização 107 É o poder da Administração Pública em corrigir seus atos, revogando os irregulares ou inoportunos e anulando os ilegais respeitados os direitos adquiridos e indenizados os prejudicados, se for o caso (Súmula 473 do STF). GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideel, 2005. 82 acerca das questões ambientais, continuam trazendo um resultado negativo e bastante impactante para os moradores das cidades e afetando a qualidade de vida de todos. Mesmo de posse de uma ferramenta básica e eficaz, e é o que se espera do plano diretor, para os municípios, tornou-se árdua a missão de humanizar a cidade conforme lhe exige o Estatuto da Cidade. Pelo reconhecimento da gravidade dos problemas urbanos causados pela degradação ambiental, pelas mudanças demográficas, pela notória pobreza generalizada e persistente, pelas desigualdades sociais e econômicas é que surge um novo paradigma para o desenvolvimento das cidades – o desenvolvimento sustentável – que o Estatuto da Cidade, regulamentando o artigo 182 da Constituição da República e através do plano diretor, espera que ocorra a redução desses problemas que tanto tem afetado a todos. Portanto, o plano diretor não mudará a situação como poder de magia. Diante das limitações e alternativas de solução trazidas por ele espera-se que, através do engajamento de todos os segmentos da sociedade e do poder pública, esse quadro venha transforma-se, mesmo que gradativamente. O envolvimento de todos os atores sociais deve ser feito através de uma agenda ambiental e uma agenda social, justamente, pelo reconhecimento da necessidade do desenvolvimento econômico, mas, assegurando a preservação ambiental e a equidade social. Para minimizar as graves questões urbanas existentes e promover um conhecimento das normas fazendo com que ocorra o previsto num dos mais importantes instrumentos do Estatuto da Cidade – Plano Diretor – faz-se necessário que o Município esteja atento à sua função precípua que é a de promover juntamente com a execução de suas políticas de urbanização também exercer o poder do controle, e assim deve a sociedade, todos envolvidos na construção das cidades sustentáveis, diretriz básica do Estatuo da Cidade. 83 O urbano sustentável, eqüitativo, economicamente eficiente e politicamente viável só ocorrerá com esforços conjugados, através da gestão democrática da cidade, que já não é mais uma faculdade e, sim, um compromisso de todos os habitantes da cidade. Assim, pelo controle se tem a oportunidade de acompanhar as mudanças. Em primeiro plano, como forma de controlar a efetividade das medidas propostas pelo plano diretor, o controle social será de grande importância. O que é o controle social? O controle social diz respeito à participação da sociedade quanto à adoção de medidas que venham fortalecer, cada vez mais, as instâncias de planejamento da administração municipal. Para tanto, é necessário que o corpo de planejamento municipal seja composto de um quadro técnico qualificado e capacitado para por em prática as diretrizes e instrumentos previstos no plano diretor. A participação da sociedade no processo de decisões ou de discussões de medidas que deverão adotadas pelo poder público e que tenham incidência direta sobre a execução de políticas públicas de urbanização, através de realização de fóruns, seminários, congressos, audiências públicas que devem ser programados e realizados periodicamente. Outro ponto é a necessidade da criação de fundos, que será feito por autorização legal, com fins de facilitar no aspecto financeiro a implementação das medidas planejadas. O controle social tem origem na própria democracia, no exercício de soberania popular, fundada na premissa de que o gestor público deve prestar contas com o também responder pelos atos praticados em desconformidade com o princípio da legalidade. O gestor que não cumpre o estabelecido no plano diretor responde perante a sociedade por quebra do princípio da impessoalidade, pois no exercício da função pública não importa o entender, o querer ou o desejo pessoal do gestor. 84 O que vai preponderar é a busca da satisfação das necessidades coletivas, cujas ações do gestor devem estar alheias a qualquer tipo de subjetividade. O exercício do controle social, pelas associações, sociedades civis, ONGs, sindicatos, que se faz pela fiscalização dos atos públicos podem recorrer aos seguintes instrumentos jurídicos: - Ação Popular - Ação Civil Pública - representação junto ao Ministério Público - Mandado de Segurança Coletivo - Tribunais de Contas - representação na Câmara Municipal Não se pode deixar de ressaltar, também, que o plano diretor também é um eficaz instrumento de controle, pois este envolve a participação popular em todas as suas etapas, cujas diretrizes ali previstas devem ser monitoradas por toda a sociedade. Não obstante, o acesso à informação que deve ser facilitada pelo poder público, a publicidade dos atos se torna mecanismos eficazes que contribuem para o exercício do controle social. Outra forma de controlar a efetividade das medidas propostas pelo plano diretor se faz através do controle legal. O controle legal está em vários institutos jurídicos, desde a Carta Magna, Leis Orgânicas Municipais, análise do Legislativo, com o auxílio das cortes de contas e, principalmente, pelo próprio plano diretor. O Estatuto da Cidade dispõe no art. 1º que o mesmo contém normas de ordem pública e de interesse social, que propõem regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, assim como o equilíbrio ambiental. 85 Assim, se contém norma de ordem pública tem aplicação erga omnes . Tanto é que no capítulo que trata da gestão democrática da cidade, no art. 45 o legislador obriga a inclusão obrigatória e significativa da população como forma de garantir o controle direto das atividades dos gestores, como forma de pleno exercício da cidadania. Outro ponto que implica no controle legal, previsto na Lei 10.257/2001, está previsto no art. 52 ao considerar ato de improbidade, para o prefeito e outros agentes, quando descumprirem as regras dos incisos II ao VIII. Portanto, o próprio Estatuto da cidade impõe a forma do controle, de natureza legal, uma vez previsto por ele sobre as condutas omissivas ou desconformes com a lei. Por fim, o exercício do poder de polícia é outra forma eficaz de controlar as medidas impostas pelo plano diretor como forma de construir cidades sustentáveis. Os flagrantes diários vistos nas cidades brasileiras mostram o descaso perante o instituto legal. Construções que contrariam as regras do Plano Diretor e, conjugado com as ocupações irregulares ou ilegais do solo urbano, públicos e particulares, construções em áreas de riscos ou fora das áreas autorizadas para urbanização, poluição sonora, trânsito caótico, contribuem para a criação de uma paisagem urbana poluída e sem beleza. E é refletindo sobre os princípios, objetivos e diretrizes propostos pelo Estatuto da Cidade, através de sua mais eficiente ferramenta – plano diretor – se afirma que sem um efetivo controle e fiscalização, tanto por parte do Poder Público quanto da sociedade, o trabalho da gestão da cidade pode ser em vão. As normas administrativas, o Código de Postura, o Código Municipal Ambiental, a Lei de Crimes Ambientais, os Planos Diretores e as disposições do Estatuto da Cidade são descumpridas rotineiramente por alguns citadinos que atuam em desconformidade com a legislação, buscando apenas satisfazer interesses pessoais e que resultam para o prejuízo de todos. 86 O controle feito pelo exercício do poder de polícia é a atribuição que a Administração Pública que tem de restringir direitos individuais em benefício do direito coletivo e na busca da construção de uma cidade com mais habitalidade. É nesse contexto que urge a necessidade de implantação de políticas publicas, da criação de leis e de uma atuação mais eficaz do poder público através do exercício do poder de polícia. A falta de “delegacias” especializadas que possa tratar de matérias pertinentes às infrações cometidas na cidade contribui para a dificuldade de implementação de políticas públicas urbanas que tem por objetivo proporcionar uma melhor qualidade de vida para os que vivem na cidade. As normas administrativas, o Código de Postura, o Código Municipal Ambiental, a Lei de Crimes Ambientais, os Planos Diretores e as disposições do Estatuto da Cidade são descumpridas rotineiramente por alguns citadinos que atuam em desconformidade com a legislação visando atingir meros interesses pessoais prejudicando o interesse de todos a ter uma cidade saudável, planejada, humana e que possibilite o exercício da cidadania de cada cidadão que nela habita. “Esses dois princípios – liberdade e propriedade – devem, necessariamente, estar consonantes com os objetivos públicos, de modo a não obstaculizá-los, já que de maior supremacia. Há necessidade [...] da delineação do sentido poder de polícia, amplitude do mesmo, a sua noção de “poder negativo”, os seus traços característicos e/ou atributos, as suas características de condicionar, restringir e limitar a atuação do particular e vinculação do assunto frente à intervenção na propriedade, principalmente urbana.” WENDT(2000)108 O exercício do poder de polícia perde a conotação de “abuso” por parte da administração pública quando esse exercício tende a controlar atos individuais em nome do interesse público. Os meios de atuação do poder de polícia podem se concretizar dos seguintes modos: - por atos normativos em geral; 108 WENDT, Emerson. Ensaio sobre o poder de polícia da administração pública frente à intervenção na propriedade urbana. www.advogado.adv.br/artigos/2000. Acesso em julho de 2006. 87 - pela lei; - pelas limitações administrativas, criadas por lei ( limitam o exercício de direitos e das atividades individuais); - medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença); - medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, internação de pessoas com doença contagiosa [embargo de obra], com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.109 Por isso o poder de polícia se reveste de atributos eficazes, desde que utilizados dentro do limite da competência, forma, motivo e objeto (requisitos de validade do ato administrativo): 1- discricionariedade 2 – auto-executoriedade 3 - coercibilidade É por força do Estatuto da Cidade, que os municípios brasileiros devem, obrigatoriamente, elaborar seus Planos Diretores e devem adotar um processo continuo de planejamento de seu desenvolvimento, de conhecimento e de reflexão sobre os princípios do desenvolvimento urbano sustentável, bem como sobre as diretrizes e estratégias de políticas públicas sem perder de vista a atribuição que tem o poder publico municipal do exercício do seu poder de policia. O Poder de Polícia (police power) tem seu conceito estabelecido no Código Tributário Nacional que assim dispõe: Art. 78. Considera-se o poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse oi liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, 109 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000. 88 à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, a tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo Único. Considera-se regular o exercício do poder de policia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Como características fundamentais dessa atividade, é de fácil identificação o fato dela ser condicionadora do exercício de direitos individuais. “Não se confunde, portanto, com outros setores do atuar administrativo em que se exigem comportamentos particulares, onde se leva a cabo requisição de bens ou se realizam fomentos. Não. Realmente, pela atuação da policia administrativa, a Administração, cuida de atingir o bem coletivo através da disciplinação do exercício correto, do exercício razoável dos direitos individuais. Ela visa, portanto, a proporcionar o bem-estar publico através da repressão, da prevenção, da disciplinação das atividades que possam de fato perturbar a ordem jurídica”. BASTOS (2001)110. A sociedade é complexa, tem anseios iguais quando a vida é compartilhada em conjunto, mas cada indivíduo tem desejos pessoais, subjetivos que, muitas das vezes tendem a provocar danos no interesse maior que é o interesse de todos. Nesse aspecto é importante que o poder público possa se valer do exercício do poder de polícia em nome de um interesse maior, o bem-estar da coletividade em geral cujo fundamento jurídico esta na própria Constituição Federal e na legislação, que só reflete a 110 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2001. 89 supremacia geral que o Estado exerce, de modo indistinto, sobre os cidadãos, atividades e bens.111 5.1 – DISCRICIONARIEDADE NA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROPOSTAS Segundo Mello (2004)112 : “Discricionariedade é a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida ao mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.” A discricionariedade do gestor público, embora sendo um dos poderes que Administração se vale para por em funcionamento a máquina administrativa, encontra limites na atuação até como forma de preservação do estado de direito. Assim, o gestor público, nos limites legais, pode optar para a realização do ato legal, mas não decidir sobre sua concretude ou não. “ O ato discricionário está igualmente descrito pela lei, mas esta confere ao agente público certa liberdade, permitindo-lhe avaliar os fatos e adotar decisões que julgue mais consentâneas com o interesse público. Na prática desses atos, a lei faculta a utilização, pelo administrador, de critérios próprios, para avaliação e decisão, quanto às medidas a serem tomadas.”AGUIAR (1996)113 Quando a lei fixa diretrizes a serem cumpridas, não pode o administrador público ignorar os ditames legais. No caso das regras introduzidas pelo plano diretor, não dá margem para que o gestor público use da discricionariedade quanto à sua implementação. A margem de liberdade que ele tem na sua atuação é de escolher o momento mais propício para a 111 AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2004. 113 AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 112 90 realização das medidas, uma vez que está em jogo o interesse coletivo em promover projetos de urbanização com vistas a melhorar a cidade. 5.2 – A QUESTÃO DA SUBJETIVIDADE OU GENERALIDADE DOS PLANOS DIRETORES A subjetividade ou mesmo a generalidade dos planos diretores pode trazer prejuízo da implementação das ações e metas estabelecidas, considerando que cada cidade possui peculiaridades próprias que devem ser consideradas na elaboração do plano diretor. De tal forma que o Estatuto da Cidade ao estabelecer o conteúdo mínimo do plano diretor evita que o Executivo crie leis inaplicáveis com medidas inexeqüíveis e que só trariam danos à população urbana. O conteúdo mínimo que deve conter cada plano diretor, obrigatoriamente observado pelos municípios visa: - a delimitação das áreas urbanas, onde poderão ocorrer o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; - o direito de preempção; - a outorga onerosa do direito de construir; - áreas que podem sofrer alteração de uso do solo; - área para aplicação de operações consorciadas; e - transferência do direito de construir. Ora, se o plano diretor é a ferramenta fundamental para a implementação de políticas urbanas, conforme requer o Estatuto da Cidade, não pode tratar de forma genérica ou dentro de compreensões subjetivas dos prefeitos, sob risco da não exeqüibilidade do cumprimento do que está previsto no art. 2º , e incisos, da lei que protege o ambiente artificial. 91 5.3.1 - A participação e auxílio do Ministério das Cidades O Ministério das Cidades, órgão da administração pública federal tem contribuído sobremaneira para que o processo de urbanização ocorra de forma efetiva e eficaz em todos os municípios brasileiros. Para tanto, tem disponibilizado telefones e site para consultas. Algumas das ações do Ministério das Cidades: 1 – Mande sua pergunta para informe@cidades.gov 2 – O Ministério das Cidades quer ajudar o seu município a fazer o Plano 3 – Cartilha: Plano Diretor e Metodologia de Participação Popular 3 – Campanha do Plano Diretor Participativo (até 20.05.2006- ofereceu 256 oficinas, com a participação de mais de 10 mil pessoas em cerca de 1.600 municípios114 brasileiros) O trabalho de mobilização do Ministério das Cidades criou 26 núcleos formados por associações de classe, de ensino, representantes dos governos, fóruns pela reforma urbana, ONGs, e uma quantidade expressiva de populares ligados aos movimentos de luta por moradia, todos engajados na busca de um futuro melhor para suas cidades. Segundo dados do Ministério das Cidades; - 1.684 municípios obrigados a elaborar seu plano diretor; - Desse número apenas 14% concluíram o processo; - Em andamento, até 2006, 74% faltavam concluir seus planos diretores.115 114 Segundo Fonte do IBGE de 2000, o Brasil tinha 5.561 municípios. Deste total, 4.172 possuem cidades com até 20.000 habitantes, os demais, 1.389 municípios, abrigam cidades com mais de 20.000 habitantes 115 Fonte: www.cidades.gov.br/planodiretor 92 Pelo acesso ao site oficial o Ministério das cidades convidava toda a população, como gestor, a obter informações, participar de campanhas, obter fontes de recurso, kits com explicativos, boletins. Do Conselho das Cidades: O Conselho Nacional das Cidades (COnCIDADES) é um Conselho Federal eleito nas Conferências das Cidades, composto por representantes de entidades de movimentos populares, trabalhadores, prefeituras, governos estaduais e federal, empresários, ONGs e entidades acadêmicas e profissionais com o objetivo de formular e implementar a política nacional de desenvolvimento urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução. O Conselho das Cidades116 tomou posse, em abril de 2005, e se tornou um modelo de gestão pública, debatendo sobre políticas de saneamento, habitação, mobilidade urbana, parcelamento da terra, sustentando sua atuação nos princípios de descentralização e democratização. O COnCIDADES visa à participação cidadã nas decisões sobre as políticas públicas e contribuir com os municípios na aplicação do Estatuto da Cidade. Suas resoluções têm caráter normativo, ou seja, são normas, que devem ser seguidas.117 Na ação conjunta o Instituto Pólis foi de grande participação e contribuição, promovendo oficinas, distribuindo kits, cartilhas, abrindo discussão com a população e demais seguimentos da sociedade. O Instituto Polis é uma ONG, fundada em 1987, de atuação nacional no campo de políticas públicas e do desenvolvimento local. Seu objetivo é a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento sustentável, a ampliação dos direitos de cidadania e a democratização da 116 O Conselho de Cidades foi eleito durante a I Conferência Nacional das Cidades, em 2003 e é formado por 71 representantes de segmentos sociais e poder público municipal. Os membros do ConCidades tem mandato de dois anos. 117 Fonte: Cartilha do Ministério das Cidades – Plano Diretor – participar é um direito. Distribuída nas oficinas feitas com técnicos do Instituto Polis. 93 sociedade, disponibilizando dicas e idéias para a atuação municipal, 118 inclusive na questão de auxiliar com corpo técnico para a elaboração de planos diretores de municípios que estão situados, geograficamente, muito distante ou de difícil acesso, como é o caso dos municípios da Amazônia, particularmente o Estado do Amazonas que criou uma cartilha de orientação para a elaboração de planos diretores para os distantes municípios.119 5.3.2 - Resoluções do Conselho das Cidades – ConCIDADES O Conselho das Cidades atua por meio de Resoluções, deliberadas por seus membros cujo efeito são normativos, ou seja, há obrigatoriedade no cumprimento das Resoluções do ConCidades. Destacam-se as seguintes Resoluções: 1 – Resolução nº. 13, de 16/06/2004- Criou as diretrizes e recomendações para a criação dos Conselhos das Cidades ou equivalentes; 2 – Resolução nº. 25, de 18/03/2005 – Criou orientações e recomendações quanto a participação democrática no Plano Diretor; 3 - Resolução nº. 34, de 01/07/2005 – Criou orientações e recomendações quanto ao conteúdo mínimo do Plano Diretor. 5.4 –Responsabilidade das autoridades públicas envolvidas Um dos princípios vinculadores da Administração Pública, além da aplicabilidade dos princípios da legalidade, eficiência, publicidade, moralidade, é o da impessoalidade através do qual a atuação do gestor público se despoja de qualquer interesse pessoal, devendo estar voltado para a persecução de objetivos que atendam ao interesse comum. 118 Dados obtidos no site www.polis.org.br DANTAS, Fernando Antônio Carvalho e outros. Planos Diretores na Amazônia: participar é um direito. São Paulo: Instituto Polis, 2006. 119 94 Portanto, a quebra desse princípio norteador da conduta do gestor público municipal, no que tange aos encargos impostos pelo Estatuto da Cidade, implica na responsabilização desses atos. A lei 10.257/2001, no art. 52, expressamente, dispõe que o Prefeito que não cumprir as obrigações inclusas nos incisos II a VIII incorrerá em atos de improbidade administrativa. Os atos de improbidade administrativas tipificados na Lei 8.429/92, referem-se à condutas que implicam no enriquecimento ilícito do gestor, ou que causem prejuízo ao erário, ou que atentem contra os princípios da Administração Pública, durante o exercício do mandato, cargo, emprego e função, e se concretizam pela quebra do princípio da moralidade, entre outros. “Todos esses mecanismos são instrumentos hábeis para a tutela da moralidade administrativa e o combate à improbidade administrativa – conceitos que expressam um dever jurídico do agente público, amplamente considerado, e do particular que se relaciona com a Administração Pública. [...] Desejam-se resultados jurídicos que não sejam imorais, amorais, abusivos, contrários aos standasds normativos inseridos na Constituição e nas leis infraconstitucionais.” FIGUEIREDO (2003)120. Além de ser responsabilizado pos atos de improbidade, também, do que se extrai da disposição do art. 54 do Estatuto, o agente que agir em contrário aos interesses públicos, poderá também lhe ser aplicada os preceitos da Ação Civil Pública. O Estatuto da Cidade, naquele art. introduziu prejuízos à ordem urbanística, o que acarreta para o causador do dano, responsabilidade civil. A pretensão do legislador é conscientizar o agente público (prefeito e outros agentes) a cumprir a legislação municipal mediante o que está disciplinado. Quanto aos objetivos pelo Estatuto da Cidade implica em ajustar à conduta aos princípios e à lei, fazendo com que o agente execute os comandos legais. 120 FIGUEIREDO, Marcelo.O Estatuto da Cidade e a Lei de Improbidade Administrativa. in Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). Coordenadores. Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,2003. 95 Todavia, é importante destacar que não só incorre em improbidade, o fato do agente não promover, em cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel que foi incorporado ao patrimônio público ou que não utilize os institutos da preempção, outorga onerosa do direito de construir. Também responderá por improbidade caso não venha cumprir o disciplinado nos inciso de I a III, do §4º, do art. 40, ou seja: - não promover audiências públicas e debates, cerceando o direito de participação da população e contrariando a lei no que toca à gestão participativa; - não dar publicidade aos documentos e informações produzidos, quebrando o princípio da publicidade; - não conceder acesso aos interessados quanto aos documentos e informações produzidos, quebrando o princípio do direito à informação; Não obstante, é bom ressaltar quanto à responsabilidade do agente vinculado ao Executivo e ao Legislativo, que não garantir no processo de elaboração do plano diretor, direito de participação, direito ao acesso das informações e dos documentos produzidos. Esses agentes responderão, também, por ato de improbidade administrativa. Os atos de improbidade contrariam a moralidade, divergem do caminho da probidade, da honra, da integridade do caráter do agente público, desrespeitando o verdadeiro gestor da coisa pública que é, na verdade, a população. Se a participação da população está garantida pela lei, havendo obstáculo qualquer interessado deverá promover a devida representação junto ao Ministério Público que adotará as medidas cabíveis de apuração, através do inquérito civil público, peça importante que subsidiará a Ação Civil Pública e a Ação de Improbidade Administrativa. As penalidades cabíveis, que caberá ao juiz levar em consideração a extensão do dano, aplicáveis aos Prefeitos e outros responsáveis podem ser: 96 - perda da função pública - suspensão dos direitos políticos (de 3 a 5 anos) - pagamento de multa civil - proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais pelo prazo de três anos Se qualquer membro da sociedade agir incontinenti em defesa do interesse público estará, por outro lado, promovendo o controle social e o controle legal. 97 6. MANAUS E A NECESSIDADE DE NOVAS FORMAS INDICATIVAS DE GESTÃO DA CIDADE O processo histórico de ocupação da cidade já é suficiente para provocar no meio ambiente graves impactos ambientais. Essa inevitável depredação é imensurável quando o crescimento populacional ocorre sem o controle efetivo do poder Público. A urbanização da cidade ocorre, via de rega, sem o devido planejamento do Poder Público, uma vez que os atos de invasão e apropriação do solo urbano antecedem qualquer forma de implementação de política de urbanização. O uso e a ocupação do solo urbano se dá à margem da lei principalmente quando se trata da questão habitacional. Desta forma, a ocupação desordenada tem apresentado um resultado negativo e de grande impacto negativo para a cidade afetando a qualidade de vida de todos os seus habitantes, em diversos aspectos. O crescimento da população, a ausência de aplicabilidade de elementos do Direito Urbanístico ou dos instrumentos de política pública de desenvolvimento sustentável tem ocasionado graves e sérios problemas para os citadinos. 98 É importante ressaltar que não é dever isolado do Município criar diretrizes para a execução de políticas urbanas. O Estado também tem essa responsabilidade e deve, em conjunto com o Município, melhorar as condições de vida da população carente criando políticas públicas que objetivem ajudar as pessoas “sem renda”. “ A periferização da população de baixa renda em áreas cada vez mais distantes em relação ao núcleo central está relacionada basicamente a dois fatores. O primeiro pressupõe o fato de haver o controle do uso do solo nas áreas melhor localizadas, com tendência a uma forte especulação imobiliária. O segundo, revela a escassez de habitação para a classe social de baixa renda, deixando-a à margem dos programas de habitação oferecidos tanto pelos órgãos públicos, quanto pela iniciativa privada, mas que atendem a uma clientela restrita. Diante desses fatos, resta à população de baixo status social utilizar de instrumentos alternativos para conseguir acesso à moradia própria, entre os quais predominam as ocupações em diversas áreas da periferia urbana”. FILHO (1999)121 A cidade de Manaus possui uma área de 14.337 Km2. Sua população vem crescendo, exponencialmente, ano a ano. Em 1991 sua população era estimada em 1.165.352 habitantes, já em 2000 o município de Manaus atingiu o crescimento populacional alcançando o número de 1.450.234 habitantes. A expansão urbana vem crescendo em direção ao município do Rio Preto da Eva. A cidade é banhada pelo Rio Negro e entrecortada por diversos igarapés, na sua maioria todos poluídos - Igarapé do Quarenta; Igarapé do Mindu; Igarapé do Tarumã; Igarapé do Franco; Igarapé do São Raimundo e outros. Manaus localiza-se a 40,33 metros acima do nível do mar e seu índice pluviométrico é de 2.100 mm, contribuindo para que ocorra os fenômenos da "cheia ou enchente" e da "vazante" dos rios e igarapés da região. Limita-se ao norte com o município de Presidente Figueiredo; ao sul com o município de Iranduba e Careiro; ao Leste com o município de Itacoatiara e Rio Preto da Eva; e a Oeste com o município de Novo Airão. Seu clima é quente e úmido, limitado a duas estações: - das chuvas (inverno) que tem início no final de dezembro 121 FILHO, Vitor Ribeiro Filho. Mobilidade Residencial em Manaus. São Paulo: EDUA, 1999. 99 e termina no final de julho; e da estiagem (verão) que dura de setembro a dezembro. A temperatura oscila em 28 a 40° C. Embora possa sugerir o contrário, o período da exploração da borracha mesmo trazendo grande riqueza para Manaus, trouxe para a cidade um grande crescimento populacional e o início de sérios problemas sociais. Há que se considerar que, naquele período, o êxodo rural e a imigração nordestina mais que dobrou a população de Manaus. Com o progresso, ou seja, com o advento da modernidade Manaus sofreu drásticas transformações. Terminada a 1ª Guerra Mundial, os "soldados da borracha" ficaram desempregados e, sem alternativas buscaram na cidade grande melhor condição de vida. Em 1950, como resultado do declínio da exportação da borracha e, conseqüentemente, da decadência econômica que sofreu o estado do Amazonas/Manaus, os seringueiros desempregados se estabeleceram às margens dos igarapés da cidade e, principalmente nas águas do Rio Negro, surgindo, assim, a cidade flutuante. Os tempos modernos acabaram com os hábitos e costumes da antiga Manaus e os saraus desapareceram. Na verdade, o ciclo da borracha, após o seu período de "glamour", desencadeou uma situação de notória pobreza para os habitantes da cidade de Manaus. A cidade era um atrativo ilusório de riqueza fácil e, repentinamente, essa perspectiva desapareceu. Uma grande massa populacional aqui se instalou sem que existisse a devida infra-estrutura. O inchaço do núcleo urbano acarretou o surgimento das favelas que aumentou consideravelmente após a instalação do projeto da Zona Franca de Manaus em 1967. Bairros como Cachoeirinha, Colônia Oliveira Machado e São Raimundo, foram ocupados por famílias pobres que não tinham condições de morar no centro da cidade. Por outro lado, esses bairros não tinham nenhum tipo de serviço público para oferecer aos seus habitantes, bonde, água e luz. Mais tarde, outros locais foram sendo ocupados de maneira desordenada, quebrando, radicalmente a harmonia de um planejamento urbano. 100 A miséria existente e as diferenças sociais passaram a ser um sério fator de risco promovendo a violência urbana, a prostituição, os desajustes sociais. São notórias as diferenças e a heterogeneidade que passou a existir em Manaus. Manaus se tomou uma metrópole. Sua população, a exemplo de toda grande cidade, deixou de ter a feição provinciana antes existente e assumiu ares de indiferença das grandes capitais, devido o ritmo acelerado e contínuo que passou a fazer parte de sua rotina. O urbanismo implantado, por força dos fatos, foi criado para "adequação" e não como parte de um programa ou planejamento instituído pêlos governos. De qualquer modo, o embelezamento da cidade e o melhoramento trazido pela urbanização contemporânea, não conseguiu amenizar a pobreza implantada desde a criação de Manaus. Passou a ser cenário integrante e inevitável de todos os lugares. Manaus, vive hoje o slogan “Pensando Manaus para o futuro”. Com a campanha de implementação de política urbana e todo a movimentação para que os municípios elaborassem seus planos diretores, o de Manaus que já estava inexeqüível há mais de 20 anos, foi aprovado, em 2001, justamente no momento em que foi aprovado o Estatuto da cidade. Muitas mudanças ocorreram, inclusive na lei que aprovou o plano diretor. Toda a política de urbanização da cidade de Manaus, a cargo do IMPLURB – que se volta para o planejamento urbano, vê a questão como uma necessidade de acompanhar, através de processo contínuo de planejamento e fiscalização com fins de proporcionar para os habitantes da cidade uma melhor qualidade de vida, duramente afetada com as freqüentes invasões, derrubada da floresta, crescimento populacional e outras seqüelas oriundas de uma cidade que cresceu à margem de um planejamento, no mínimo, eficaz. Para tanto, disponibiliza a Prefeitura de Manaus o site onde a população poderá obter informações e acompanhar as ações municipais, através de uma gestão democrática da cidade. 101 O plano diretor de Manaus possui uma peculiaridade, ou seja, embora o município já tenha o seu Código Ambiental o plano diretor recebeu a seguinte titularidade: Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus através do qual se juntam ações de prevenção ao meio ambiente conjugadas com a execução de política urbana. Há necessidade que o poder público municipal não concentre a atividade do plano diretor no legalismo que ele insere e crie outras alternativas de solução, a exemplo da criação do Fundo Municipal de Desenvolvimento urbano e do Conselho Municipal de Desenvolvimento urbano. Mas a tarefa municipal está só iniciando. 102 7. CONCLUSÃO A construção de cidades sustentáveis implica em tornar a cidade caótica mais humana para ser habitada. Não se pode esquecer que a qualidade de vida é direito fundamental de todo ser humano. Assim, um dos instrumentos mais eficazes trazidos pelo Estatuto da Cidade – o plano diretor – teria o encargo de adotar medias de ordenação e correto uso e parcelamento do solo urbano através da implementação de políticas públicas urbanas com o objetivo de promover o bem-estar social. Entretanto, embora revestido de todas as peças que possam dar mais ordenação à cidade, o plano diretor, sendo um plano urbanístico, depende da atuação do gestor público quanto à sua correta aplicação e alcance de metas. E nesse contexto que se torna fundamental todas as formas de participação da sociedade, seja através da gestão democrática, seja através do controle. 103 Também, deixa de ser suficiente apenas o controle social uma vez que a sociedade interessada estará submissa às ações do gestor público. É importante, também o comprometimento deste através do exercício do poder de polícia para assegurar que as regras estabelecidas no plano diretor não sejam obstaculizadas por pessoas que só visam interesses pessoais. Além do mais, diante do engajamento da sociedade e do poder público em prol da construção da cidade sustentável, como quer o Estatuto da Cidade, requer que o controle legal seja exercido pelo Ministério Público fiscal da lei e defensor dos interesses coletivos. Deste modo, a reforma urbana só se concretizará se o compromisso for de todos os atores sociais. Por isso, a importância do controle sobre a efetividade das medidas propostas no plano diretor se dará através do controle social, legal e de polícia. 104 7. REFERENCIAS AGUIAR, Joaquim Castro. Direito da Cidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1996 ALFONSIN, Betânia. O Estatuto da Cidade e a construção de cidades sustentáveis, justas e democráticas. 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