AS CRUZADAS obrigações dos servos, o que levou muitos destes a abandonar as terras em que viviam ou a serem expulsos delas. Tal situação começou a colocar em crise as relações servis que sustentavam a economia feudal. A crise atingiu não só os camponeses, mas também os nobres, que, para não fragmentar seus domínios, passaram a fazer uso do direito de primogenitura, pelo qual apenas o filho mais velho poderia herdar o feudo. Com isso, os filhos mais novos eram obrigados a procurar outros meios de sobrevivência. Jovens cavaleiros saíam então pelo mundo em busca de oportunidades: um casamento vantajoso, o seqüestro de alguém da alta nobreza para cobrar resgate, etc. Tais condições, somadas ao espírito de aventura dos cavaleiros e às disputas territoriais, propiciaram um clima de constantes lutas entre a nobreza. Na tentativa de controlar a situação, no início d século XI o papa proclamou a Paz de Deus, pela qual os combates foram limitados a noventa dias por ano. Foi meio a essa situação que o papa Urbano II lançou seu apelo à cristandade, dando início às Cruzadas. A todos aqueles que partirem para as Cruzadas e perecerem no caminho, seja por terra, seja por mar, ou que perderem a vida combatendo os pagãos, será concedida a remissão de seus pecados. Essas palavras, pronunciadas solenemente pelo papa Urbano II no Concílio de Clermont (na França), em 1095, deram inicio às Cruzadas, expedições militares e religiosas organizadas na Europa ocidental com o objetivo de libertar a Terra Santa das mãos dos muçulmanos. Situada na Palestina, essa região estava ligada às tradições cristãs, pois fora ali que Jesus tinha vivido e difundido sua doutrina. Com as Cruzadas, o papa esperava conquistar não só Jerusalém e o Santo Sepulcro, onde Jesus teria sido sepultado, mas também a liderança da cristandade, tanto do Ocidente –, quanto do Oriente – sobre o imperador e a Igreja bizantina. Esta última estava afastada da Igreja de Roma desde o Cisma do Oriente de 1054. Crescimento e crise na Europa Depois das invasões vikings e magiares (húngaras) que agitaram a Europa ocidental nos séculos IX e X, o continente entrou em um período de relativa estabilidade social e de crescimento econômico. Como resultado, a população começou a crescer, enquanto aumentava também a circulação de mercadorias. O crescimento populacional levou à ocupação de áreas ainda não utilizadas para plantio, como florestas e pântanos. Entretanto, a disponibilidade de terras nessas áreas era limitada. Além disso, a população se expandia em ritmo mais acelerado do que a produção. Dessa forma, crescia o número de pessoas que caíam na mendicância ou banditismo. Ao mesmo tempo, os senhores feudais ampliaram as Rumo à Terra Santa Durante muito tempo, os árabes permitiram que os cristãos realizassem peregrinações ao Santo Sepulcro. No fim do século XI, porém, a Palestina caiu em poder dos turcos seldjúcidas, povo proveniente da Ásia central. Convertidos ao islamismo, os seldjúcidas eram menos tolerantes do que os árabes em questões religiosas e proibiram o ingresso de cristãos na Terra Santa. A resposta da Igreja veio em 1095, quando no Concílio de Clermont o papa Urbano II convocou os cristãos a “arrancar aquela terra da raça malvada”. Por trás desse objetivo religioso atuavam outros interesses. A nobreza feudal, por exemplo, queria conquistar novas terras. O papa procurava restabelecer sua autoridade secular e reconstituir a unidade da Igreja, quebrada com o Cisma do Oriente, em 1054, quando o patriarca de Constantinopla rompeu com o papado e criou a Igreja ortodoxa grega. Muitos camponeses, por sua vez, queriam escapar da situação de miséria em que viviam. Ora, diversos imperadores bizantinos haviam prometido acatar a autoridade do papado, caso este os auxiliasse na luta contra os seldjúcidas, que avançavam sobre seu território, colocando em risco o Império Romano do Oriente. Com as Cruzadas, o papa prestava auxílio, esperando que a promessa bizantina fosse cumprida. Havia, ainda, os interesses dos comerciantes de cidades da península Itálica como Veneza e Gênova, que viam nas Cruzadas uma oportunidade de ampliar suas atividades mercantis. 1 A cristandade se mobiliza Entre os séculos XI e XIII partiram da Europa nada menos do que oito Cruzadas, envolvendo milhares de pessoas. A mais bem sucedida foi a Primeira Cruzada (1096-1099), composta de tropas de cavaleiros da nobreza, sem a participação de nenhum rei. Um pouco antes, uma Cruzada dos Mendigos tinha sido destroçada pelos muçulmanos antes de chegar à Terra Santa. Mais bem preparados, os combatentes da Primeira Cruzada atravessaram a Ásia Menor, conquistando Edessa, Antioquia e outras cidades. Em julho de 1099, depois de um cerco de cinco semanas, ocuparam Jerusalém. Senhores da margem oriental do Mediterrâneo, fundaram ali vários reinos cristãos. Eram eles: o Reino Latino de Jerusalém, o Principado de Antioquia e os condados de Edessa e Trípoli. Os Templários A Ordem dos Templários, organização de caráter militar-religioso criado em Jerusalém no período das Cruzadas, tornou-se objeto de curiosidade mundial com a publicação do livro O Código da Vinci, do escritor norte-americano Dan Brown e sua adaptação para o cinema pelo diretor, igualmente estadunidense, Ron Howard (2005). Os templários são mencionados diversas vezes tanto no livro quanto no filme. Veja a seguir um pouco de sua história. Com o estado de espírito criado pelas Cruzadas, surgiram no Oriente, no decorrer do século XII, diversas organizações monástico-religiosas. Uma delas foi a Ordem dos Templários, formada por monges cavaleiros franceses para proteger Jerusalém, conquistada em 1099 pela Primeira Cruzada, e assegurar aos cristãos o direito de peregrinação à Terra Santa. Em Jerusalém, o grupo ocupava uma ala do palácio real, que, diziam, havia feito parte do Templo de Salomão. Daí veio o nome Templários para a ordem, também conhecida como Cavaleiros Pobres de Cristo e do Templo de Salomão. Sua principal identificação era a túnica branca com uma cruz. E logo tornaram-se fundamentais para a defesa dos reinos cristãos implantados à força no Oriente Médio – por isso, chegaram a reunir cerca de 20 mil cavaleiros. Também acumularam uma fortuna incalculável, recebendo doações de terras, castelos e outros bens. Graças à sua força militar, assumiram ainda o papel de banqueiros, coletando e transportando riquezas entre a Europa e a Terra Santa. Com o tempo, porém, nobres e reis importantes se sentiram incomodados com o crescente poder econômico e político dos templários. Felipe IV, o Belo, rei da França (1285-1314), que – como vários outros soberanos – devia dinheiro à ordem, resolveu enfrentá-la, ordenando o confisco dos bens e a prisão dos templários que viviam em seu reino. Vários líderes da ordem foram mortos na fogueira depois de torturados. [...] Por pressão do rei francês, o papa Clemente V determinou que a ordem fosse dissolvida em 1312. Adaptado de: Revista Superinteressante, set. 2002. A Segunda Cruzada (1147-1149), organizada depois que os muçulmanos reconquistaram a cidade de Edessa, fracassou em seus objetivos. Já a Terceira Cruzada (1189-1192) foi uma resposta à retomada de Jerusalém pelos muçulmanos em 1187. Dela participaram Augusto, da França, além do imperador Frederico Barbarruiva, do Sacro Império. Conhecida como Cruzada dos Reis, seu principal saldo foi o estabelecimento de um acordo com os muçulmanos, que passaram a autorizar a peregrinação dos cristãos a Jerusalém. aos cavaleiros e aos camponeses do século XI uma saída para o excedente populacional, na prática seus resultados foram quase nulos. Na verdade, o Mediterrâneo nunca chegou a ser um “mar deserto”, fechado pelos muçulmanos, como se acreditou por um tempo. As cidades da península Itálica, por exemplo, mantiveram-se ativas durante a Idade Média e seu comércio com o Oriente sempre foi relativamente intenso. Da mesma forma, ocorriam intercâmbios culturais e econômicos entre cristãos e muçulmanos na península Ibérica. Desse modo, as Cruzadas contribuíram mais para aumentar e dinamizar o comércio do que propriamente para “abrir” o Mediterrâneo. “Sem dúvida – observa Le Goff em seu livro Civilização do Ocidente medieval –, os benefícios extraídos, não do comércio mas sim do aluguel de barcos e de empréstimos concedidos aos cruzados, enriqueceram rapidamente certas cidades da península Itálica – sobretudo Gênova e Veneza”. Seja como for, ao fundar reinos cristãos no Mediterrâneo oriental, os cruzados promoveram a expansão das sociedades européias e fizeram entrar em circulação na Europa produtos orientais, sobretudo especiarias, importadas por mercadores da península Itálica. Os saques realizados pelos cruzados nas cidades muçulmanas transferiram para a Europa grande quantidade de moedas, aumentando sua circulação no continente. Isso colaborou para que surgissem companhias mercantis, formadas pela associação de comerciantes, que investiam capital na compra de barcos e de mercadorias. Com a reativação do comércio e das cidades a partir do século XI, expandiram-se a economia monetária e o mercado, fortalecendo a burguesia mercantil. Estimulados pela formação de um mercado consumidor, os senhores procuraram aumentar a produção de seus feudos. As relações servis entraram em crise. Muitos servos se tornaram livres e passaram a arrendar terras dos senhores com base em contratos.. Outros migraram para as cidades, desligando-se das relações servis de produção. Com o desenvolvimento comercial, todo o sistema feudal entrava em crise. A Cruzada dos comerciantes A Quarta Cruzada (1202-1204) foi desvirtuada de seus objetivos iniciais (combater os muçulmanos no Egito). Financiados por homens de negócio de Veneza, interessados em ampliar seu comércio com o Oriente, os cruzados assaltaram e ocuparam a cidade cristã de Constantinopla. Ali, cruzados e comerciantes venezianos fundaram o Império Latino de Constantinopla, cujo principal objetivo era controlar as rotas comerciais entre essa cidade e o Oriente. O domínio veneziano sobre Constantinopla só terminaria em 1261. Após a Quarta Cruzada, difundiu-se na Europa a idéia de que somente as crianças, supostamente inocentes e sem pecados, seriam capazes de vencer os muçulmanos e retomar a Terra Santa. Surgiu assim a Cruzada das Crianças, organizada em 1212. Como seria de esperar, a expedição infantil nunca chegou a Jerusalém. As últimas quatro cruzadas (1217-1270) praticamente não tiveram relevância, nem para o Ocidente, nem para o Oriente, pois fracassaram em seus objetivos. Depois das Cruzadas Segundo o historiador Jacques Le Goff, um dos mais destacados estudiosos da Idade Média, o saldo das Cruzadas para o Ocidente não foi tão animador quanto esperavam seus participantes. Ainda que tenham oferecido 2