A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO Luciane Klein Vieira 1 – Introdução A responsabilidade civil extracontratual derivada de relações jurídicas com elementos estrangeiros é uma questão que tem ganhado especial relevância na atualidade, em razão do aumento no número de casos que se conectam a mais de um sistema jurídico, os quais podem estar vinculados a um acidente de trânsito, a um produto defeituoso, à contaminação ambiental, ao enriquecimento ilícito, à concorrência desleal, ao emprego da energia nuclear, à violação dos direitos de propriedade industrial e ao ato ilícito em sua acepção genérica 1. Desta forma, de acordo com o Professor Irineu Strenger, “a quantidade quase incomensurável de relações obrigacionais que se formam diariamente explica o fundado interesse que desperta no jurista o estudo esmiuçado da matéria, hoje com referibilidade internacional, 1 pela Segundo Carlos Manuel Vásquez: “El término ‘responsabilidad extracontractual’ incluye también a numerosas formas de responsabilidad que generalmente no se reputan como ilícitos en el sentido tradicional – tal como la responsabilidad por violaciones al derecho de autor y de patentes así como por discriminación basada en la raza, género y otras clasificaciones no permitidas. Además, las nuevas tecnologías (tal como – ––––ProductID–la Internetla Internet– y los exámenes genéticos) y nuevas plagas (tales como el SIDA) han exigido la extensión de los ilícitos tradicionales hacia nuevos contextos o la creación de bases completamente nuevas en el área de la responsabilidad” (Vásquez, Carlos Manuel. La Jurisdicción Competente y la Ley Aplicable en Casos de Responsabilidad Extracontractual – Parte I: normas aplicadas en el hemisferio para determinar la jurisdicción y ley aplicable en casos de Responsabilidad Civil Extracontractual. Disponível em: <http://www.oas.org/DIL/ESP/Doc122corr1.esp.pdf>. Acesso em 19 nov. 2009). 1 impossibilidade de circunscrever eficazmente ao direito local as soluções envolventes de vários sistemas jurídicos” 2. No âmbito internacional, a matéria já foi objeto de debate em distintos foros, em que pese haver sido esquecida pelos juristas durante muito tempo. Dignos de menção são os trabalhos da Conferência de Haia, dos quais resultou a Convenção sobre Acidentes de Circulação Rodoviária, de 1971, e a Convenção sobre Responsabilidade pelo Fato do Produto, de 1973. Na União Europeia, recentemente, em 11.01.2009, entrou em vigência o Regulamento CE nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à Lei Aplicável às Obrigações Extracontratuais, conhecido como Roma II 3 . No âmbito interamericano, a VI Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP VI) trabalhou, não faz muito, o tema da lei aplicável e da jurisdição competente em matéria de responsabilidade civil extracontratual. Dos estudos realizados, resultou a aprovação da Resolução nº 07/2002, que determina que as pesquisas sejam retomadas e que sejam feitas reuniões com expertos para a elaboração de um instrumento internacional. Infelizmente, até a presente data, os trabalhos realizados não conseguiram lograr um consenso em razão da disparidade de normas existentes no continente, o que impediu a elaboração de regras uniformes 4 . 2 Strenger, Irineu. Direito Internacional Privado. 5.ed. São Paulo: LTr, 2003, p.705. Segundo a Professora Liliana Rapallini, o Regulamento Roma II se baseia no critério tradicional da lex loci delicti, mas apresenta conexões subsidiárias, como a lei da residência habitual comum do autor e da vítima e o princípio da proximidade (Rapallini, Liliana Etel. Los Supuestos de Obligaciones Extracontractuales Internacionales en el Derecho Europeo. Revista del Colegio de Abogados de La Plata, n.67, p.29, dic. 2006). Apesar de que adote como regra geral o critério mencionado, o certo é que o Regulamento é uma tentativa de codificar todos os casos de responsabilidade civil extracontratual, uma vez que estão presentes regras de conflito específicas para a responsabilidade por danos causados por produtos defeituosos, competência desleal e atos que restrinjam a livre competência, dano ambiental, infração dos direitos de propriedade intelectual, gestão de negócios, enriquecimento injusto, etc., possibilitando às partes, ademais, a escolha da lei aplicável mediante acordo posterior ao fato gerador do dano (art. 14). 4 Neste sentido, são interessantes as observações dos expertos reunidos pelo Comitê Jurídico Interamericano, as quais estão disponíveis no documento: Informe Anual del Comité Jurídico Interamericano a la Asamblea General. Rio de Janeiro: OEA, 2003. Parte superior do formulário 3 2 O Direito Internacional Privado brasileiro deixou de regulamentar as especificidades do tema no âmbito interno. Da mesma forma, a doutrina nacional pouco evoluiu sobre a questão. Diante deste panorama, delinear a lei aplicável e a jurisdição competente no Direito brasileiro de fonte convencional e interna é o desafio proposto e o objeto do presente artigo. 2 – O Conceito de Responsabilidade Civil Extracontratual e Sua Classificação De acordo com a exposição feita pela Drª Ana Elizabeth Villalta Vizcarra, ao momento de relatar os trabalhos da CIDIP VI: “Responsabilidad Civil Extracontractual son aquellas obligaciones no provenientes de un contrato sino por el contrario nacidas al margen de la autonomía de la voluntad de las personas, es decir, se originan en obligaciones que nacen fuera del ámbito convencional y pueden provenir de diversas fuentes: las cuasi-contractuales, las delictuales, las cuasi-delictuales y de fuente legal.” A respeito da classificação das obrigações extracontratuais, é interessante destacar as observações da Professora Liliana Etel Rapallini, para quem: “Las legales surgen de una obligación jurídica principal que le sirve de base y constituye su causa; las cuasi-contractuales constituyen una noción difícil para la ciencia del derecho tanto que civilistas de la talla de Albaladejo, Castán Tobeñas o Puig Peña consideran que estos vínculos jurídicos no tienen entidad propia, que no existen como tales; se les reconoce ser hechos lícitos y 3 puramente voluntarios de los que resulta obligado su autor para con un tercero y a veces una obligación recíproca entre los interesados, es casi un contrato que carece de su elemento constitutivo esencial en suma, le falta un acuerdo efectivo y manifiesto de voluntades. Finalmente ubicamos a las obligaciones nacidas de delitos o faltas que se regirán por las disposiciones del Código Penal motivo en el que será menester reparar.” 5 Ou seja, diante de obrigações nascidas sem convenção ou acordo entre as partes, as quais podem ter diversas origens, como assinalado anteriormente, surge o dever de indenizar os danos causados, se existe nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado produzido. Ademais, tal resultado vem representado pela lesão no patrimônio ou na integridade física de uma pessoa, que, por conseguinte, pode ser material ou imaterial. De qualquer forma, o que se observa a respeito da matéria, de acordo com Hee Moon Jo, é que nas obrigações extracontratuais que dão origem ao dever de reparação do dano está presente, em grande medida, o interesse público em manter a justiça e o equilíbrio entre as partes. Assim, conforme o professor mencionado: “Para atender a esse objetivo público da autoridade local, o lugar de ocorrência tem prioridade tanto sobre a jurisdição quanto sobre a lei aplicável, não importando a nacionalidade ou o domicílio das partes” 6 . Seguindo esta ordem de ideias, no mundo todo, o princípio mais aceito em matéria de responsabilidade civil extracontratual continua sendo o da lex loci delicti, conhecido como lei do lugar de ocorrência do dano 7, o qual exerce forte 5 Rapallini, Liliana Etel. Tratamiento de las Obligaciones Extracontractuales en el Derecho Internacional Privado, Regional y Comunitario Argentino. El Derecho. Buenos Aires: ED, t.202, p.764, 2003. 6 Jo, Hee Moon. Moderno Direito Internacional Privado. São Paulo: LTr, 2001, p.464. 7 É interessante mencionar que: “En la segunda mitad del Siglo XX, no obstante, muchas jurisdicciones del derecho común se apartaron de la lex loci delicti en favor de la norma crecientemente popular de aplicar la ley que guarda una relación más significativa con el caso” (Vásquez, Carlos Manuel. Op. cit.) Isto deu origem à teoria da proximidade ou dos vínculos mais estreitos. 4 influência no Direito brasileiro de fonte convencional e interna, conforme será analisado adiante. 3 – Direito Internacional Privado de Fonte Convencional Em matéria de responsabilidade civil extracontratual que envolve elementos estrangeiros, existem quatro grandes convenções com as quais o Brasil está vinculado: a primeira, no âmbito americano, aborda praticamente todos os temas do Direito Internacional Privado e, por sua vez, destina alguns dispositivos para as obrigações que não nascem da vontade; a segunda, no âmbito regional integrado, trata especificamente dos acidentes de trânsito ocorridos no território dos Estados-Membros do Mercosul; a terceira, de alcance mundial, desenvolve o tema da responsabilidade civil extracontratual decorrente da contaminação do mar pelo derramamento de petróleo; e a última, também de extensão mundial, trata da responsabilidade civil derivada de danos nucleares. Estes quatro instrumentos internacionais serão analisados a seguir, para determinar a lei aplicável e a jurisdição competente no Direito Convencional brasileiro. 3.1 O Código Bustamante O Código de Direito Internacional Privado ou simplesmente Código Bustamante, adotado na VI Conferência Interamericana realizada em 1928, em Havana, além do Brasil, tem como Estados ratificantes: Bolívia, Costa Rica, Chile, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela. Este Código, no art. 167, estabelece que as obrigações originadas de delitos ou faltas se regulam pelo mesmo direito que o delito ou a falta de que procedem. No artigo seguinte, da mesma forma, segue o critério clássico da lex 5 loci delicti, dizendo que a lei aplicável será a do Estado onde se produziu o fato causador do dano. Neste sentido, destaca o Professor Jacob Dolinger: “O Código Bustamante dispõe no artigo 168 que as obrigações decorrentes de atos ou omissões que envolvam culpa ou negligência que a lei não pune serão regidas de acordo com a lei do lugar da ocorrência da negligência ou da culpa – lex loci delicti, na clássica versão do local da causa.” 8 Com relação aos quase contratos, a matéria vem regulada nos arts. 220 a 222 do Código citado. Ou seja, a gestão de negócios alheios é regulada pela lei do lugar em que se efetua dita gestão, o enriquecimento sem causa é regido pela lei pessoal comum das partes e, no seu defeito, pela lei do lugar em que se fez o pagamento. Para todos os demais quase contratos, se aplica a lei que regula a instituição jurídica do qual se originam. Especificamente no que se refere à lei aplicável às colisões em águas territoriais ou no espaço aéreo territorial, esta vem estabelecida nos arts. a 289 a 294 do Código mencionado. Sintetizando estes dispositivos, Carlos Manuel Vásquez destaca que: “Bajo el Código Bustamante, las colisiones que tienen lugar en el territorio nacional están regidas por la bandera común, o si no existe bandera común, entonces la ley del lugar donde se produjo la colisión, mientras que las colisiones en o por encima del alto mar se rigen por la bandera común, o si no existe bandera común, por la ley de bandera del navío infractor. Si la colisión está exenta de culpa, entonces cada uno es responsable por la mitad de los daños causados.” 9 8 Dolinger, Jacob. Contratos e Obrigações no Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.416. 9 Vásquez, Carlos Manuel. Op. cit. 6 No tocante à jurisdição internacional, convém destacar que o Código em estudo não estabelece uma norma específica que indique o juiz competente para os casos de responsabilidade civil extracontratual. Segundo Cecília Fresnedo de Aguirre, “el Código Bustamante establece de forma general, para acciones civiles y comerciales, la competencia del juez ‘a quien los litigantes se sometan expresa o tácitamente, siempre que uno de ellos por lo menos sea nacional del Estado contratante a que el juez pertenezca o tenga en él su domicilio y salvo el derecho local contrario’ (art. 318). Y fuera de los casos de sumisión, la de los jueces ‘del lugar del cumplimiento de la obligación o el del domicilio de los demandados y subsidiariamente el de su residencia’ (art. 323)” 10 . Como se pode observar, o Código Bustamante brinda às partes um leque de jurisdições competentes, já que não possui uma regra determinada para os casos de danos decorrentes de atos ilícitos ou outras hipóteses de responsabilidade extracontratual. 3.2 O Protocolo de San Luis em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito Entre os Estados-Partes do Mercosul No Mercosul, em 25.06.1996, foi aprovada a Decisão CMC nº 01/96, segundo a qual se estabeleceu o Protocolo de San Luis em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os EstadosPartes do Mercosul 11, o qual entrou internacionalmente em vigor no dia 19.08.1999 12. 10 Fresnedo De Aguirre, Cecilia. Obligaciones Extracontractuales. In: Fernández Arroyo, Diego P. (coord.). Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur: Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay. Buenos Aires: Zavalia, 2003, p.1182. 11 Este Protocolo recepcionou as soluções adotadas pelo Convênio sobre Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito, celebrado entre Argentina e Uruguai, em 08.07.1991, e, ademais, leva em 7 Conforme determina o art. 1º, este Protocolo regulamenta a lei aplicável e a jurisdição competente nos casos de acidentes de trânsito que ocorram no território de um Estado-Parte, nos quais participem ou resultem afetadas pessoas domiciliadas no território de outro Estado-Parte. Para auxiliar a aplicação das disposições legais contidas no seu texto, o art. 2 traz a qualificação autárquica de “domicílio” das pessoas físicas e jurídicas. Neste sentido, segundo Cecília Fresnedo de Aguirre, o Protocolo, no artigo mencionado, agrega “conexiones subsidiarias tomadas del art. 2 de a Convenci?n Interamericanala Convención Interamericana sobre domicilio de las personas físicas en el DIPr (CIDIP II): residencia habitual, centro principal de sus negocios y simple residencia. Si se tratare de personas jurídicas se considerará que tienen su domicilio en la sede principal de su administración, y si poseen sucursales, establecimientos, agencias o cualquier otra especie de representación, el lugar donde cualquiera de éstas funcionen” 13. No que tange ao direito aplicável, o Protocolo regulamenta a matéria nos arts. 3 a 6, consagrando o princípio da lex loci delicti, ao determinar que: “A responsabilidade civil por acidentes de trânsito será regida pelo direito interno do Estado-Parte em cujo território ocorreu o acidente” (art. 3, primeira parte). Adotando tal redação, segundo destaca Liliana Etel Rapallini, o Protocolo se vale de uma técnica codificadora atualizada, uma vez que elimina o reenvio, ao estabelecer que se aplica o direito interno do Estado onde o fato danoso ocorreu 14. consideração o Convênio de Haia, de 04.05.1971, sobre Lei Aplicável em Matéria de Acidentes de Circulação Rodoviária. 12 No Brasil, este Protocolo foi aprovado pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 259, de 15.12. 2000, e finalmente promulgado pelo Decreto Presidencial nº 3.856, de 03.07.2001. 13 Fresnedo de Aguirre, Cecilia. Op. cit., p.1192. 14 Rapallini, Liliana Etel. Tratamiento de las Obligaciones Extracontractuales en el Derecho Internacional Privado, Regional y Comunitario Argentino. Op. cit. p.768. 8 Por outro lado, é de se destacar que o tratado igualmente incorpora uma regra alternativa e mais flexível, na segunda parte do artigo mencionado, quando adota o critério da proximidade, de forma que: “Se no acidente participarem ou resultarem atingidas unicamente pessoas domiciliadas em outro Estado-Parteem outro Estado-Parte, o mesmo será regido pelo direito interno deste último” 15. Ou seja, se no desastre automobilístico ocorrido no Estado A estão envolvidas unicamente pessoas domiciliadas no Estado B, não há por que aplicar o direito do lugar onde aconteceu o acidente, uma vez que o direito mais próximo às partes, que são domiciliadas no mesmo território, é justamente o do seu domicílio 16. Com relação à responsabilidade por danos em coisas alheias aos veículos acidentados como consequência do sinistro, o art. 4 determina que será aplicado o direito interno do Estado-Parte no qual ocorreu o fato 17, seguindo, portanto, a regra geral lex loci delicti. Independentemente de qual seja o direito aplicável, o art. 5 dita que sempre serão levadas em consideração as regras de circulação e segurança vigentes no lugar e no momento da produção do acidente, seguindo o 15 Segundo María Elsa Uzal, existe “una corriente favorable a la aplicación de la ley común de las partes sobre las lex loci” (Uzal, María Elsa. Determinación de la Ley Aplicable en Materia de Responsabilidad Civil Extracontractual en el Derecho Internacional Privado. El Derecho. Buenos Aires: ED, t.140, p.848, 1990). É o caso, por exemplo, do Protocolo de San Luis, que adota a regra da lex communis na segunda parte do já mencionado art. 3º. 16 A Convenção sobre Lei Aplicável aos Acidentes de Circulação Rodoviária, de Haia, igualmente fixa como lei aplicável a lei do país onde se produziu o acidente, mas estabelece exceções, principalmente a favor da lei do país no qual o veículo está registrado (Dolinger, Jacob. Op. cit., p.384). 17 É importante destacar que, conforme Maria do Carmo Caminha, nos casos de responsabilidade civil por danos causados a coisas alheias, não se alterará o direito aplicável em nenhuma hipótese, o qual segue sendo o do lugar de comissão do delito, mesmo que a lei aplicável às demais hipóteses seja a do domicílio das partes. Segundo a professora: “Para essas hipóteses, como por exemplo, se em acidente restar danificado o muro de um prédio, o seu proprietário, quando requerer a indenização, deverá valer-se da lex fori, do local onde ocorreu o acidente, mesmo que a competência legislativa desloque-se em razão do domicílio dos protagonistas do sinistro para o país daqueles” (Puccini Caminha, Maria do Carmo. Responsabilidade Civil por Acidente de Trânsito no Mercosul e o Protocolo de San Luis. In: Colegio de Abogados de Quilmes – Instituto de Derecho de la Integración. Disponível em: http://www.caq.org.ar/img/G.pdf. Acesso em: 15 nov. 2009). 9 antecedente instaurado pela Convenção de Haia sobre Lei Aplicável em Matéria de Acidentes de Circulação Rodoviária, art. 7. Por fim, o Protocolo ainda menciona, no seu art. 6, que a lei aplicável se determinará com relação: a) às condições e extensão da responsabilidade; b) às causas de exoneração, assim como toda delimitação de responsabilidade; c) à existência e à natureza dos danos suscetíveis de reparação; d) às modalidades e extensão da reparação; e) à responsabilidade do proprietário do veículo pelos atos ou fatos produzidos pelos seus dependentes, subordinados ou qualquer outro usuário a título legítimo; e f) à prescrição e caducidade. No pertinente à jurisdição, segundo destaca o Professor Eduardo Tellechea Bergman: “El art. 7 del Protocolo de San Luis reproduce el artículo de igual numeración del Convenio uruguayo-argentino en la materia y realiza al igual que aquel una apertura de foros, consagrando a elección del actor una triple opción entre los tribunales del Estado Parte de: a – donde se produjo el accidente; b – del domicilio del demandado; y c – del domicilio del demandante. Opciones jurisdiccionales que comienzan a registrarse conjuntamente con relativa frecuencia en un mismo caso judicial a causa del notorio incremento del transporte automotor entre los Estados de la región, pues, v.g., un accidente de tránsito puede ocurrir en Uruguay, el demandado domiciliarse en Brasil y el actor en Argentina o Paraguay.” 18 A respeito da questão de ser competente o juiz do domicílio do demandado, seguramente este critério possibilita ao suposto produtor do dano melhores possibilidades de defesa. Da mesma forma, quando o juiz competente 18 Tellechea Bergman, Eduardo. Nuevas Regulaciones Regionales en Materia de Jurisdicción Internacional. Los vigentes Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdicción Internacional en Materia Contractual y de San Luis en Materia de Responsabilidad Civil Emergente de Accidentes de Tránsito. El Dial – Suplemento de Derecho Internacional Privado y de la Integración, 29 set. 2006. 10 é o do domicílio do autor, verifica-se claramente a intenção do legislador mercossulino de proteger o danificado. Porém, quando tem jurisdição o juiz do lugar onde se produziu o acidente, aparecem questões distintas. Neste sentido, de acordo com o Professor supracitado: “Atribuye competencia internacional a tribunales razonablemente vinculados con el accidente y muy especialmente con la prueba de los hechos acaecidos. Asimismo en el caso de accidentes entre personas domiciliadas en distintos Estados Parte, los magistrados del lugar del siniestro serán además los del Estado a cuya ley corresponda regular la responsabilidad emergente del mismo, art. 3. Por lo que en esta hipótesis la conexión resulta coincidente con la tradicional solución del forum causae u objetiva indirecta, básica en el Derecho Internacional Privado regional, atributiva de jurisdicción a los jueces del Estado a cuya ley se encuentra sujeta la relación jurídica materia del juicio.” 19 Finalmente, é importante registrar que o Protocolo de San Luis, ao permitir às partes a eleição da jurisdição competente através de critérios alternativos que instauram jurisdições concorrentes, abre a possibilidade de que sejam propostas ações judiciais em diversos Estados-Membros, uma vez que nada disciplina sobre a questão da litispendência internacional. Neste sentido, são valiosas as observações do Professor Beat Walter Rechsteiner, para quem: “Com relação às partes de um processo civil, ao qual é aplicável o protocolo, isso significa que podem ser instaurados processos judiciais em diversos Estados-Membros do Mercosul, por se tratar de foros relativos ou concorrentes. Quando essas lides entre as partes são idênticas e ambas são partes demandantes em diversos países-membros do Mercosul, podem ocorrer sentenças contraditórias, o que não é desejável. Nesses casos, o objetivo principal do protocolo, que é a segurança jurídica que garanta soluções justas e a harmonia das decisões, justamente não é atingido. Por esse motivo, a nosso 19 Tellechea Bergman, Eduardo. Op. cit. 11 ver, é fundamental que o protocolo no futuro preveja o reconhecimento da litispendência internacional nas mesmas condições em todos os EstadosMembros do Mercosul.” 20 3.3 A Convenção de Bruxelas de 1969 Sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados pela Poluição por Óleo A respeito dos danos ambientais causados por derramamento de petróleo no mar, cabe destacar que o Brasil faz parte da Convenção de Bruxelas, de 29.11.1969, sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Hidrocarbonetos 21. Segundo esta Convenção, a qual sofreu posteriores modificações 22, ocorrendo um sinistro ambiental no território de um Estado Contratante, incluído o seu mar territorial, o proprietário do navio será obrigado a indenizar todos os prejuízos sofridos, estando definidos no art. 5º deste Tratado os limites indenizatórios 23. De fato, o objetivo buscado por esta Convenção, segundo Irineu Strenger, é “garantir uma indenização equitativa e satisfatória às pessoas vítimas dos danos causados por uma poluição devida aos hidrocarburos, depois de um 20 Rechsteiner, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2007, p.373. Cumpre destacar que o Direito brasileiro não admite a litispendência internacional, segundo determina o art. 90 do Código de Processo Civil: “A ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas”. 21 Esta Convenção foi promulgada pelo Decreto nº 79.437, de 28.03.1977. 22 As modificações posteriores foram feitas: a) pela Convenção de 1971, que criou um Fundo de Indenização para os Prejuízos Ocasionados por Hidrocarbonetos, revisada em 2003, e b) pelos Protocolos de 1976, 1984, 1992 e 2000, a respeito dos limites de indenização (Disponível em: <http://www.imo.org/Conventions/mainframe.asp?topic_id=256&doc_id=660> Acesso em: 24 nov. 2009). 23 No caso de falta ou culpa do proprietário, segundo a Convenção de 1969, este perde o direito a limitar sua responsabilidade. 12 acidente ocorrido no mar num navio transportando hidrocarburos. A responsabilidade desses danos é imputada ao proprietário do navio de onde provém a FRITE ou o dejeto de hidrocarburos. A responsabilidade de que fica assim encarregado o proprietário do navio é uma responsabilidade objetiva, independente de qualquer ideia de falta sem reserva de certas exceções particulares” 24. No que tange à jurisdição internacional, da redação do art. 9º 25 se verifica que serão competentes os juízes do Estado Contratante (ou dos Estados Contratantes) onde se produziu a contaminação 26, seguindo o ponto de conexão tradicional da lex loci delicti. Com relação à lei aplicável, a Convenção mencionada nada diz a respeito. Não obstante, é possível desenvolver o seguinte raciocínio: se é competente o tribunal do lugar onde se produziu o dano, o juiz deste local aplicará o seu direito interno 27, que será então o direito do lugar onde ocorreu a contaminação ambiental. 24 Strenger, Irineu. Responsabilidade Civil no Direito Interno e Internacional. 2.ed. São Paulo: LTr, 2000, p.370. 25 Dita o art. 9º, inciso 1: “quando um incidente tiver causado dano por poluição num território, incluindo o mar territorial de um ou mais Estados Contratantes, ou quando em tal território, incluindo o mar territorial, foram tomadas medidas preventivas para evitar ou minimizar o dano pela poluição, as ações para indenização somente poderão ser impetradas nos tribunais desse ou desses Estados Contratantes. A existência de tais ações deverá ser comunicada, dentro de um prazo razoável, ao demandado”. 26 Este é o mesmo critério adotado pela Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos por Poluição de Hidrocarbonetos, derivada da Exploração dos Recursos Minerais do Setor Marinho (Londres, 17.12.1976), não ratificada pelo Brasil. Esta Convenção, no seu art. 11.1, determina que: “las acciones para resarcimiento de daños en virtud del presente Convenio podrán ser interpuestas solamente ante los tribunales del Estado Parte en el que se produjeron los daños por contaminación como consecuencia del siniestro o ante los tribunales del Estado controlador. A los efectos de determinar dónde se produjeron los daños, los daños sufridos en una zona donde, de conformidad con el Derecho Internacional, un Estado tiene derechos soberanos sobre los recursos naturales, se considerará que fueron sufridos en dicho Estado”. O mesmo ponto de conexão também foi adotado pela Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos devidos à Poluição por Hidrocarboneto para Combustível de Navios, de 23.03.2001. O art. 9º deste Convênio estabelece a jurisdição exclusiva do Estado-Parte no qual se produziram os danos por poluição. Esta Convenção entrou em vigência recentemente, em 21.11.2008, e conta atualmente com 40 ratificações, sendo que o Brasil não é ratificante (Informações disponíveis em: <http://www.imo.org/Conventions/mainframe.asp?topic_id=248>. Acesso em: 25 nov. 2009). 27 No famoso caso “Amoco-Cádiz”, um petroleiro de bandeira liberiana que derramou 230.000 litros de petróleo na costa da França, em 16.03.1978, o juiz norte-americano que julgou a ação indenizatória destacou que: “De acuerdo al lugar donde se produjeron los daños, debería aplicarse el derecho francés”. 13 Por fim, é necessário mencionar que devido à importância do tema do dano ambiental e seus reflexos, desde a segunda metade do século passado, se registra um aumento no número de instrumentos internacionais que estão sendo elaborados com o objetivo de buscar uma progressiva proteção do meio ambiente, com base no desenvolvimento sustentável e na responsabilidade civil do causador do dano ambiental. 3.4 A Convenção de Viena de 1963 Sobre Responsabilidade Civil Por Danos Nucleares A partir das duas explosões atômicas, ocorridas em agosto de 1945, cresceu no mundo a preocupação pela regulação das atividades vinculadas à energia nuclear. Neste contexto, em 21.05.1963, em Viena, foi celebrada a Convenção Sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, incorporada ao ordenamento brasileiro pelo Decreto nº 911, de 03.09.1993. O tratado mencionado, em termos de direito aplicável, estabelece em seu art. 8º que será aplicada a lei do tribunal competente em matéria de natureza, forma, extensão da indenização e distribuição equitativa do montante indenizatório. Ou seja, a lei aplicável dependerá de quem for o juiz competente, o qual, por consequência, aplicará seu direito interno para solucionar o conflito. Em razão de que a ação foi apresentada ante os tribunais norte-americanos e que não foi provado que o direito francês era diferente do direito dos Estados Unidos, se terminou solucionando a demanda com base no direito norte-americano (Castelli, Luis. La Contaminación de las Aguas Marinas (El Caso Amoco-Cádiz). La Ley. Buenos Aires: LL, t.1993-D, 1993). No famoso caso “Amoco-Cádiz”, um petroleiro de bandeira liberiana que derramou 230.000 litros de petróleo na costa da França, em 16.03.1978, o juiz norte-americano que julgou a ação indenizatória destacou que: “De acuerdo al lugar donde se produjeron los daños, debería aplicarse el derecho francés”. Em razão de que a ação foi apresentada ante os tribunais norte-americanos e que não foi provado que o direito francês era diferente do direito dos Estados Unidos, se terminou solucionando a demanda com base no direito norte-americano (Castelli, Luis. La Contaminación de las Aguas Marinas (El Caso Amoco-Cádiz). La Ley. Buenos Aires: LL, t.1993-D, 1993). 14 Com relação à jurisdição competente, o art. 11 segue a regra da lex loci delicti, estabelecendo, no § 1º, que: “Os únicos tribunais competentes para conhecer das ações movidas de conformidade com o disposto no art. 2º serão os da Parte Contratante em cujo território tenha ocorrido o acidente nuclear”. Porém, para determinar o juiz competente quando o fato gerador do dano ocorreu fora do território de um Estado contratante ou quando não seja possível determinar precisamente o lugar do acidente, o tratado fixa como competentes os tribunais “do Estado da instalação do operador responsável” (§ 2º). Por outro lado, em matéria de jurisdição concorrente, o § 3º do artigo mencionado estabelece que: “Quando, de conformidade com o disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, forem competentes os tribunais de duas ou mais Partes Contratantes, a competência será atribuída: a) se o acidente nuclear ocorrer parcialmente fora do território de qualquer Parte Contratante ou parcialmente no de uma única Parte Contratante, aos tribunais desta última; b) em todos os demais casos, aos tribunais da Parte Contratante designada de comum acordo pelas Partes Contratantes, cujos tribunais sejam competentes de conformidade com o disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo.” 4 – Direito Internacional Privado de Fonte Interna Uma vez já analisado o Direito de fonte convencional, convém, agora, determinar, no Direito de fonte interna, qual a lei aplicável aos casos de responsabilidade civil extracontratual e qual a jurisdição competente, conforme as normas brasileiras. 15 Não obstante, é importante destacar que o Direito Interno brasileiro não aborda a matéria de forma específica, sendo necessário, para poder determinar os pontos de conexão que indicam o direito aplicável e o juiz competente, recorrer às regras gerais do Direito Internacional Privado que estão vigentes no País. 4.1 Lei Aplicável As regras pertinentes à lei aplicável para o Direito Internacional Privado brasileiro vêm contidas na Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), Decreto-Lei nº 4.657/1942. Assim, a LICC, em seu art. 9º, determina que: “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”. Ou seja, em matéria de obrigações, sem se fazer a devida distinção entre obrigação contratual e extracontratual, a lei aplicável será a do país onde se constitui o ato ou o fato que lhe deu origem. Neste sentido, Cecília Fresnedo de Aguirre destaca que: “En Brasil, se ha producido una aproximación de dos regímenes obligacionales (extracontractual y contractual). El denominado régimen unitario intenta unirlos (art. 9º, LICC)” 28. Desta forma, se é aplicada a lei do lugar onde se constitui a obrigação, o sistema brasileiro de fonte interna nos remete à lei do lugar de comissão do ato ou fato ilícito, seguindo os delineamentos gerais da regra lex loci delicti. Especificamente com relação à gestão de negócios, não existem, no direito interno, regras de conflito. Deste modo, quando se buscam soluções para os casos nos quais um terceiro administrou, sem autorização expressa do titular, os seus negócios, causando-lhe um dano, é necessário recorrer à 28 Fresnedo de Aguirre, Cecilia. Op. cit., p.1195. 16 doutrina, que também é escassa sobre o tema. Na tentativa de elucidar a questão, Hee Moon Jo assevera que: “O DIPr não disponibiliza expressamente esse sistema, deixando-se a solução para a doutrina, em que a teoria da lei do lugar de gestão é dominante” 29. Para este professor, a lei do lugar onde ocorreu a gestão dos negócios resolverá todas as questões relacionadas à constituição e aos efeitos dos atos adotados 30. No pertinente ao enriquecimento sem causa e à responsabilidade do produtor 31 pelos danos causados pelo produto, igualmente o direito de fonte interna nada diz a respeito. A doutrina, da mesma forma, se contenta com o estudo do direito comparado, sem indicar soluções para o sistema brasileiro. De qualquer modo, parece que a adoção da regra da aplicação do direito do lugar onde se deu o enriquecimento sem causa, adotada nos Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Suíça e Japão, entre outros países, poderia ser a mais adequada 32, por se aproximar ao sistema da regra geral da lex loci delicti. Ou seja, se aplicaria a lei do lugar de comissão do ato que deu origem ao enriquecimento ilícito. Adotando-se o mesmo raciocínio para o tema da responsabilidade do produtor, se poderia chegar à aplicação da lei do lugar de 29 Jo, Hee Moon. Op. cit., p.465. Jo, Hee Moon. Op. cit., p.465. 31 É de se destacar que no âmbito internacional existem dois grandes instrumentos que regulam a questão da responsabilidade do produtor, que são: a) a Convenção de Haia sobre Lei Aplicável à Responsabilidade Civil pela Fabricação de Produtos, de 1973; e b) a Diretriz sobre Responsabilidade de Produtos da União Europeia, do mesmo ano. Com relação à Convenção de Haia, ainda que esta parta da regra clássica da lex loci delicti, introduz ajustes para equilibrar os interesses entre a vítima do dano e o responsável pela sua produção, levando em consideração os critérios de previsibilidade do mercado onde os produtos do fabricante são comercializados. Neste sentido, conforme Jacob Dolinger, a Convenção mencionada adota basicamente quatro pontos de conexão: “1) lugar da residência habitual da pessoa que diretamente sofreu o dano; 2) principal local de negócios da pessoa considerada responsável; 3) local onde o produto foi adquirido pela pessoa diretamente vitimada; 4) local em que ocorreu o dano” (Dolinger, Jacob. Op. cit., p.396) Já com relação à União Europeia, em 1985, foi editada a Diretiva nº 374, do Conselho, relativa à aproximação das disposições legais, regulamentárias e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade pelos danos causados por produtos defeituosos, a qual teve seu âmbito de aplicação ampliado para as matérias-primas agrícolas e os produtos da caça, em 1999, pela Diretiva nº 34. 32 Para a determinação da lei aplicável ao enriquecimento sem causa, existem várias teorias. Entre estas, se destacam a teoria da lex fori, a teoria da lei do país da nacionalidade do devedor, a da lei do país do domicílio do devedor, a da lei aplicável às relações básicas ocorridas e a do local do enriquecimento (Jo, Hee Moon. Op. cit., p.466). 30 17 ocorrência do fato gerador do dano como sendo o local onde se produziram objetivamente os resultados, para efeitos de lei aplicável 33. Com relação ao ato ilícito propriamente dito, o Direito Internacional Privado brasileiro tampouco tem uma disposição específica a respeito 34, deixando a solução para a doutrina, a qual demonstra uma forte inclinação pela adoção da teoria da lex loci delicti comissi 35 . Neste sentido, adverte Cecília Fresnedo de Aguirre: “La regla de conexión de la lex loci, que hasta hoy es la norma del DIPr brasileño, ha sido muy criticada, porque el elemento de conexión es abstracto, siendo muy rígido para ser aplicable a una variedad de casos. A pesar de las tendencias a la flexibilización en el derecho comparado, en el sistema autónomo brasileño la regla sigue siendo, por ejemplo en materia de accidentes, la ley del lugar donde éstos se producen.” 36 Não obstante, é necessário destacar os esforços realizados pelos redatores do Projeto de Lei nº 4.905/1995, o qual, em seu art. 12, buscou introduzir no âmbito nacional, ainda que de forma incipiente, a regra dos vínculos mais estreitos ou princípio da proximidade, o que representou uma tentativa de flexibilização do ponto de conexão tradicionalmente adotado. Segundo o dispositivo mencionado: 33 Neste sentido, o Professor Hee Moon Jo destaca que: “Com relação à determinação do direito aplicável, tem-se visto que, na relação jurídica da responsabilidade do produto por ato ilícito, a lei aplicável seria a lei da ocorrência. Para o efeito de interpretação do local de ocorrência, isso deve ser entendido pelo local onde ocorreu efetivamente o resultado, em vez do local onde foi cometido o ato. Isso é lógico, porque a responsabilidade do produto é a responsabilidade sem culpa; portanto, o local onde ocorreu efetivamente o dano pelo uso do produto é a base jurídica para responsabilizar o fabricante” (Jo, Hee Moon. Op. cit., p.471). 34 Conforme Haroldo Valladão, “o princípio tradicional aparece nos Projetos Coelho Rodrigues, art. 29, Beviláqua, 36, Revisto, 35, desaparecendo no Código afinal qualquer texto sobre a matéria” (Strenger, Irineu. Direito Internacional Privado. Op. cit., p.728). 35 Jo, Hee Moon. Op. cit., p.469. 36 Fresnedo De Aguirre, Cecilia. Op. cit., p.1196. 18 “Art. 12. – Obrigações por atos ilícitos – As obrigações resultantes de atos ilícitos serão regidas pela lei que com elas tenha vinculação mais estreita, seja a lei do local da prática do ato ou a do local onde se verificou o prejuízo.” Em que pese o esforço referido, a opção feita pelo Projeto de Lei em destaque não foi acolhida pelo Congresso Nacional 37. 4.2 Jurisdição Competente Em matéria de jurisdição, as regras de conflito vêm dispostas no Código de Processo Civil, Lei nº 5.869/1973, que nos seus arts. 88 a 90 regula a competência internacional. À responsabilidade civil extracontratual se aplica o art. 88, incisos I e III, do Código mencionado. Por estes dispositivos, é competente a autoridade judicial brasileira quando o demandado esteja domiciliado no Brasil (art. 88, I) ou se a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no país (art. 88, III) 38. Ou seja, o art. 88, no seu inciso I, recepta a norma do actor sequitur forum rei, conforme a qual o autor vai ao foro do demandado. Isto porque “siempre será competente la autoridad jurisdiccional brasileña cuando el demandado esté domiciliado en Brasil. La norma consagra el principio general del domicilio (arts. 31 y 32 del CC) como definidor de la competencia, sin prestar relevancia al concepto de nacionalidad. En este caso no basta con la residencia para que se pueda invocar esta regla jurídica. En el caso de 37 Infelizmente, o Projeto de Lei mencionado foi retirado de votação enquanto tramitava na Câmara de Deputados, em 1997. O Projeto seguinte, de nº 243/2002, sequer aborda a temática. 38 Segundo Carlos Manuel Vásquez: “En los países del derecho civil en América Latina, la ley nacional normalmente autoriza la jurisdicción personal del tribunal en el domicilio del demandado o donde se produce el acto/hecho ilícito. Esta autorización se encuentra en los Tratados de Montevideo así como en los códigos civiles nacionales, incluyendo el Código Brasileño de Proceso Civil” (Vásquez, Carlos Manuel. Op. cit.). 19 pluralidad de domicilios, basta que uno de ellos esté en Brasil (Pontes de Miranda)” 39. Por outro lado, o inciso III do artigo mencionado reconhece a teoria do actor sequitur forum factis causans, segundo a qual o autor vai ao foro determinado pelo lugar de ocorrência do fato. Assim, conforme a doutrina, o art. 88, inciso III: “determina la competencia brasileña en relación con los actos practicados en el territorio nacional; en la idea de hecho, debe incluirse el hecho ilícito” 40. Ademais, convém destacar que o art. 88 traz as hipóteses de competência concorrente da justiça brasileira, onde a norma nacional não exclui a competência de outros Estados. 5 – Considerações Finais O tema da responsabilidade civil extracontratual internacional, durante muitos anos, foi deixado à margem das preocupações dos juristas. Entretanto, a partir do incremento das relações jurídicas que se conectam com mais de um ordenamento jurídico, a busca de soluções adequadas em matéria de danos vem crescendo gradualmente. Com relação ao Direito Internacional Privado brasileiro, nota-se que a doutrina é escassa, assim como não existe um desenvolvimento jurisprudencial sobre a temática nos tribunais supremos. Desta forma, para a construção dos pilares nos quais se baseia a responsabilidade civil extracontratual com elementos estrangeiros, é necessário recorrer a uma análise generalizada do 39 Dreyzin de Klor, Adriana y otros. Dimensión Autónoma de los Sistemas de Jurisdicción Internacional de los Estados Mercosureños. In: Fernández Arroyo, Diego P. (coord.). Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur: Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay. Buenos Aires: Zavalia, 2003, p.241-242. 40 Dreyzin De Klor, Adriana e outros. Op. cit. p.242. 20 sistema jurídico do País, de fonte convencional e interna, para então extrair quais são as regras de conflito em matéria de lei aplicável e jurisdição competente. Em nível convencional, verifica-se que o critério geral adotado para a determinação da lei aplicável é o da lex loci delicti, o qual igualmente está presente no direito interno. Não obstante, o Protocolo de San Luis em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-Partes do Mercosul, além de adotar o critério da lei do lugar de comissão do ato, emprega um ponto de conexão mais flexível, que é o da lei do domicílio comum das partes, como determinante do direito aplicável. Outros pontos de conexão, além da lex loci delicti, também são adotados pelo Código Bustamante, para a determinação da lei aplicável ao enriquecimento sem causa, à gestão de negócios e às colisões em águas territoriais ou no espaço aéreo territorial. Em matéria de jurisdição, tanto no âmbito convencional quanto no interno, está igualmente presente a regra do lugar de comissão do ato, acrescentando, ademais, como juízes competentes os do domicílio do demandado (Bustamante, Protocolo de San Luis e fonte interna), do domicílio do demandante (Protocolo de San Luis) e do lugar onde esteja a instalação do operador responsável (Convenção de Viena). Como se verifica, é notória a necessidade de buscar pontos de conexão que sejam alternativos à lex loci delicti, critério extremamente rígido e tradicional, para brindar soluções mais justas às demandas propostas. Com isso, o que se busca não é o abandono absoluto desta regra, mas, sim, o uso de outras normas de conflito que, adotando o princípio da proximidade ou dos vínculos mais estreitos, possam indicar o direito aplicável e a jurisdição competente aos casos de responsabilidade civil extracontratual. 21 Bibliografia Castelli, Luis. La Contaminación de las Aguas Marinas (El Caso Amoco-Cádiz). In: La Ley, Tomo 1993-D. Buenos Aires: LL, 1993. Dolinger, Jacob. Contratos e Obrigações no Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. Dreyzin de Klor, Adriana e otros. Dimensión Autónoma de los Sistemas de Jurisdicción Internacional de los Estados Mercosureños. In: Fernández Arroyo, Diego P. (coord.). 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