2010 CuidadosPaliativos uidados Paliativ s REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS 2012; 3 (4) rasileira de b a t s i v re uidados Paliativ s • Cuidados Paliativos: a quem cabe esta responsabilidade? • Pesquisa em Cuidados Paliativos • Cuidados Paliativos e Oncologia: experiência de implantação de serviço no Hospital A.C. Camargo • Humanização no cuidar: Uma proposta de desenvolvimento de equipe R e v i s t a B r a s i l e i r a d e C u i d a d o s P a l i a t i v o s 2 0 1 0 ; 3 ( 2 ) ERBITUX : aprovado para o tratamento de 1 linha do câncer de cabeça e pescoço de células escamosas recorrente e/ou metastático em combinação com regime de quimioterapia baseada em platina. TM a Merck Serono Oncology | Combination is key TM Erbitux™ cetuximabe 5mg/mL. Para uso intravenoso. USO ADULTO. Indicações: Erbitux™ é indicado para o tratamento de pacientes com câncer colorretal metastático com expressão de EGFR, sem mutação do gene K-Ras: em combinação com quimioterapia, ou como agente único em pacientes que tenham falhado à terapia baseada em oxaliplatina e irinotecano, e que sejam intolerantes ao irinotecano. Erbitux™ é indicado para o tratamento de pacientes com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço em combinação com radioterapia para doença localmente avançada em pacientes que, de acordo com critério médico, não podem ser tratados com a associação de quimioterapia mais radioterapia, ou em combinação com quimioterapia baseada em platina para doença recidivada e/ou metastática. Contraindicações: Hipersensibilidade grave ao cetuximabe. Cuidados e Advertências: Reações relacionadas à infusão: Reações graves foram relatadas, sendo mais frequentes durante a infusão inicial e em até uma hora após o término da mesma. Em casos de reações graves, o tratamento com Erbitux™ deve ser imediata e permanentemente interrompido, podendo ser necessário tratamento de emergência. Distúrbios respiratórios: Foram descritos casos de pneumonite intersticial de relação causal desconhecida com Erbitux™. Reações cutâneas: Em caso de reações cutâneas graves (≥ grau 3), o tratamento deve ser interrompido e poderá ser retomado quando regredirem para grau 2. Caso ocorram reações cutâneas graves pela segunda ou terceira vez, o tratamento poderá ser reiniciado com dose menor (200 mg/m2 e 150 mg/m2, respectivamente), se a reação regredir para grau 2. No caso de uma quarta recorrência ou não regressão ao grau 2, é necessária a descontinuação permanente do tratamento. Distúrbios eletrolíticos: Hipomagnesemia é ocorrência comum e reversível. Efeitos na habilidade de dirigir e operar máquinas: Não foram realizados estudos referentes a efeitos na habilidade de dirigir e operar máquinas. Gravidez e lactação: Erbitux™ não deve ser usado por gestantes sem orientação médica; lactantes não devem amamentar durante o tratamento, nem durante 2 meses após a última dose. Uso em idosos e grupos de risco: A segurança e eficácia de cetuximabe não foram estabelecidas para pacientes pediátricos. Não há necessidade de ajuste de dose para os idosos. Reações adversas: Cefaleia, conjuntivite, blefarite, ceratite, embolia pulmonar, diarreia, náusea, vômitos, reações cutâneas, superinfecções de lesões cutâneas, hipomagnesemia, anorexia, trombose venosa profunda, reações no local de administração, mucosite, fadiga, elevação de enzimas hepáticas. Interações medicamentosas: Em combinação com o 5-fluorouracil infusional, há maior frequência de eventos cardiovasculares graves, assim como síndrome palmo-plantar. Em combinação à radioterapia há maior ocorrência de mucosite, dermatite por radiação, disfagia e leucopenia. Não há evidência de interação com irinotecano, cisplatina ou carboplatina. Posologia: Antes das infusões de Erbitux™, os pacientes devem receber anti-histamínico e corticosteroide. Erbitux™ deve ser administrado uma vez por semana, na dose inicial de 400 mg/m2 em infusão de 120 minutos. As doses subsequentes são de 250 mg/m2, em infusão de 60 minutos. A velocidade máxima de infusão é de 10 mg/min. Não é necessário o uso de filtros em linha. Cuidados de conservação: O produto deve ser armazenado em temperatura entre 2°C e 8°C. Não deve ser congelado. A estabilidade do Erbitux™ foi demonstrada por um período de 48 horas a 25°C. Venda sob prescrição médica. Registro MS: 1.0089.0335. SAC 0800 727 7293. Referência Bibliográfica: 1. BRASIL. Resolução-RE no.5988 de 22 dez. 2010. Diário Oficial da União (Suplemento) no.247, de 27 dez. 2010, página 03. Disponível em http://www.anvisa.gov.br/legis/suplemento/27122010_suplemento_1.pdf. Acesso em 27/01/2011. Contraindicação: hipersensibilidade ao cetuximabe. Interação Medicamentosa: em combinação ao 5-fluorouracil, pode ocorrer síndrome palmo-plantar. Merck Serono é uma divisão da Merck Av. das Nações Unidas, 12.995 - 30º e 31º andares Brooklin Novo - 04578-000 - São Paulo / SP www.merckserono.net Fevereiro/2011 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 3 Cuidados Paliativos Sumário - Contents Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 2012; 3 (4) ISSN 1984-087X REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS BRAZILIAN JOURNAL OF PALLIATIVE CARE ARTIGOS/RESEARCHS/REPORTS 05 Cuidados Paliativos: a quem cabe esta responsabilidade? Rafael Aron Schmerling 07 Pesquisa em Cuidados Paliativos Sandra Caíres Serrano 09 Cuidados paliativos e Oncologia: experiência de implantação de serviço no Hospital A.C. Camargo Aldo L A Dettino, Ana L Teodoro, Marcello F Fanelli, Tatiana H Cotrim, Luciana L Zeni, Renata R L Fumis, Sandra C Serrano. 19 Humanização no Cuidar: Uma Proposta de Desenvolvimento de Equipe Paula Camargo Roscio __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 4 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos REVISTA BRASILEIRA DE CUIDADOS PALIATIVOS BRAZILIAN PALLIATIVE CARE JOURNAL É uma publicação científica dirigida a médicos e profissionais de saúde, que atuam na área de dor e cuidados paliativos em doenças crônico-evolutivas. Tal publicação visa divulgar artigos científicos nacionais e internacionais, promovendo a troca de conhecimento científico entre os profissionais. Editora Chefe Ana Georgia Cavalcanti de Melo Editor Científico Ricardo Caponero Conselho Editorial Ana Georgia Cavalcanti de Melo Ricardo Caponero Wiliam Breitbart Assessoria Editorial Luciano Ricardo Rodrigues CONSELHO CIENTÍFICO Eduardo Bruera Professor de Medicina F. T. McGraw Chair em Tratamento de Câncer, Chefe do Departmento de Cuidados Paliativos e Reabilitação em Medicina M. D. Anderson Cancer Center- Universidade do Texas, EUA. William S. Breitbart Professor de Psiquiatria Faculdade de Medicina Weill da Universidade de Cornell; Chefe do Serviço de Psiquiatria do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais Responsável pelo Serviço de Psiquiatria, Dor e Cuidados Paliativos Departamento de Neurologia do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, NYC, EUA. Cibele Andrucioli Mattos Pimenta Doutora em Enfermagem Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. José Marcio Neves Jorge Professor Associado da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Produção Editorial e Arte Grecco Comunicação Total Rua Luigi Galvani, 200/ 11 andar 04575020 São Paulo/SP Tradução e revisão Juliana Ribeiro de Melo Periodicidade: Trimestral Tiragem: 10.000 exemplares Envio de artigos: revistabrasileira@ cuidadospaliativos.com.br Leo Pessini Professor Doutor em Bioética e Teologia Moral Superintendente União Social Camiliana Vice-Reitor do Centro Universitário São Camilo. Auro Del Giglio Prof. Livre Docente Doutor em Hematologia- FMUSP Prof. Titular de Oncologia Universidade do ABC-SP Coordenador da Oncologia Hospital Israelita Albert Einstein Especialização em Hematologia Médica - Universidade do Texas MD Anderson Cancer Center -EUA e Baylor Colllege of Medicine-EUA Matti Aapro Diretor Instituto Multidisciplinar de Oncologia, Suiça; Consultor do Conselho Diretor do Instituto Europeu de Oncologia, Itália; Consultor da Divisão de Oncologia do Hospital da Universidade de Genebra,Suiça. Yvonne Capuano Presidente da Academia de Medicina de São Paulo; Diretora da Associação Paulista de Medicina Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores A Revista Brasileira de Cuidados Paliativos é uma publicação da YPÊ Editora e Publicações Ltda Alameda Lorena 1470 01424-001 São Paulo/SP Brasil A Revista Brasileira de Cuidados Paliativos (RBCP) é um veículo que tem como objetivo: publicar trabalhos relacionados as áreas de dor e cuidados paliativos em doenças crônico-evolutivas. Serão considerados para publicação os seguintes tipos de manuscritos: • Artigos Originais - artigos nos quais são informados os resultados obtidos, são descritos métodos, técnicas e processos, apresentando novasidéias. • Breves Comunicados - são comunicações originais importantes, curtas, redigidas com um único objetivo de assegurar os direitos autorais de uma pesquisa em andamento. • Relato de Casos - é a descrição detalhada e análise crítica de um caso típico ou atípico. O autor deve apresentar um problema em seus múltiplos aspectos, sua relevância e revisão bibliográfica sobre o tema. • Revisões e Mini-Revisões - uma revisão da literatura sobre um assunto específico, geralmente contendo análise crítica e síntese da literatura, que irá dar ao leitor uma cobertura geral de um assunto. • Opiniões - opinião qualificada sobre tema específico em dor e cuidados paliativos. • Notas e/ou Notícias - informações objetivas de interesse da comunidade médico-científica. • Debates - artigo teórico que se faz acompanhar de cartas críticas assinadas por autores de diferentes instituições, seguidas de resposta do autor do artigo principal. • Resumos de Teses - é a informação sucinta do trabalho realizado. Deve conter a natureza e os propósitos da pesquisa e comentário sobre a metodologia, resultados e conclusões mais importantes. Seu objetivo é informar aos pesquisadores de maneira objetiva qual é a natureza do trabalho, suas características básicas de realização e alcance científico afirmado. • Cartas ao Editor - crítica a artigo publicado em fascículo anterior da Revista. Os textos devem ser inéditos e destinar-se exclusivamente à (RBCP), não sendo permitida sua apresentação simultânea a outro periódico. A submissão do artigo à RBCP deve ser seguida de carta, assinada por todos os autores concordando com o envio e possível publicação do mesmo, no periódico. A publicação dos trabalhos dependerá da observância das normas da RBCP e do seu Conselho Editorial. Os manuscritos não aceitos serão devolvidos ao autor. Os trabalhos publicados passarão a ser propriedade da RBCP, sendo vedada tanto sua reprodução, mesmo que parcial, em outros periódicos, como sua tradução para publicação em outros idiomas, sem prévia autorização desta. Os trabalhos aceitos para publicação poderão ser modificados para se adequar ao estilo editorial-gráfico da Revista, sem que, nada de seu conteúdo técnico-científico seja alterado. No caso de o trabalho, incluir tabelas e ilustrações previamente publicadas por outros autores e em outros veículos, é dever do autor fornecer comprovante de autorização de reprodução, assinado pelos detentores do copyright dos mesmos. Os trabalhos devem ser enviados para: Revista Brasileira de Cuidados Paliativos YPÊ Editora e Publicações Ltda Alameda Lorena, 1470 01424-001 São Paulo/SP e-mail: revistabrasileira@cuidadospaliativos.com.br Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 5 Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos: a quem cabe esta responsabilidade? Rafael Aron Schmerling Oncologista Clínico do Hospital São José – Beneficência Portuguesa de São Paulo Coordenador do Programa de Oncologia Clínica da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Com o desenvolvimento da oncologia no Brasil, temos visto felizmente a crescente preocupação com cuidados do paciente cujo foco não é direcionado à doença, mas ao cuidado global do paciente: seus sintomas, anseios e outros pontos que podem comprometer sua qualidade de vida. Ainda que a definição de cuidados paliativos seja ampla e abranja diversas variações, o senso comum denomina “Cuidados Paliativos” o conjunto de intervenções com o objetivo de otimizar a qualidade de vida, em suas diversas dimensões, sem a necessária intervenção direta na doença de base. De maneira interessante, os cuidados paliativos não vêm se desenvolvendo como especialidades clássicas. Estas têm como característica serem constituídas por uma única classe de profissional (médico, enfermeiro, psicólogo etc.), ao passo que a visão do cuidado é mais abrangente e invariavelmente depende de profissionais de diferentes áreas, sobretudo pela diversidade de suas visões. Assim, mesmo que encontremos médicos dedicados aos cuidados paliativos, como área de atuação, o impacto de suas intervenções será pequeno sem o trabalho conjunto com os demais profissionais de saúde. Em 2010, foi publicado no New England Journal of Medicine, um estudo randomizado que avaliou os resultados de pacientes com câncer de pulmão metastático tratados por oncologistas em comparação com um grupo que, além dos oncologistas, recebia acompanhamento do grupo de cuidados paliativos desde o início de seu tratamento. O estudo mostrou que os pacientes acompanhados em conjunto tiveram melhor qualidade de vida, aferida por instrumentos validados; tiveram indícios de melhor cuidado, baseado na análise de consultas, visitas e padrão hospitalização; e mais importante, um maior tempo de sobrevida. Isso que dizer, portanto, que “todo paciente com câncer de pulmão metastático deve ser acom- panhado por um grupo de cuidados paliativos” ? A melhor resposta deve ser: SIM e NÃO. Por que, SIM? Seria muito interessante que houvesse um grupo de profissionais acompanhando, em paralelo, todos os pacientes acompanhados por um oncologista. O paciente teria certamente uma maior atenção para todas as suas queixas e suas dúvidas e angústias poderiam se discutidas em dois momentos distintos. Há porém alguns limitantes. Sobre quem o incremento do custo recairia? Do ponto de vista logístico, para serviços de alto volume (públicos ou privados), como se organizaria “mais um compromisso” para todos os pacientes. Além disso, há diversos pacientes com doença metastática sem qualquer sintoma e que talvez tivessem maior proveito, e valorizassem mais esta estratégia, no momento em que a doença estivesse mais avançada. Por que, NÃO? Além de questões como custo e logística, o motivo fundamental para que nem todo paciente demande de acompanhamento de um grupo a parte é que, ao fazer isso, o oncologista estará deixando de cumprir o seu papel. O cuidado da dor, de sintomas em geral, angústias emocionais faz parte do cuidado do paciente com câncer e, portanto é dever também do oncologista. Se o oncologista também exerce cuidados paliativos, qual seria o papel de um grupo dedicado? Cuidar somente de pacientes em condição terminal ou sem perspectiva de tratamento? NÃO. Dentre a diversidade dos pacientes com câncer, haverá sempre uma grande variedade de sintomas e pacientes de diferentes graus de demanda. Sempre haverá aqueles que demandarão mais cuidados, por sua doença ou mesmo por sua relação emocional com a doença. Há ainda aqueles que por melhor que estejam, a família demandará uma atenção diferenciada. Oncologistas não têm uma formação que compreenda todas as variações de cuidados que um paciente o com câncer ou sua __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 6 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos família possa precisar e, por isso, a necessidade do apoio de uma equipe de cuidados paliativos. A exemplo do clínico geral, que é treinado para cuidar de diabetes ou depressão, em diversas situações é necessário o encaminhamento para outros especialistas. A diferença é que no cuidado do paciente com câncer, este pode precisar de um outro profissional. Psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais podem representar o apoio necessário para questões que sequer são discutidas com o médico. O que não pode ser deixado de lado é a missão de educação daqueles que se envolvem com os cuidados paliativos. Médicos de todas especialidades são responsáveis por cuidados sintomáticos dos pacientes que atendem. E deve fazer parte de seu treinamento (mesmo após a conclusão), os preceitos fundamentais dos cuidados paliativos. Não pode ser diferente com enfermeiros. Haverá aqueles com maior ou menor afinidade, mas mesmo a enfermeira do setor diagnóstico deverá estar atenta para a dor de um paciente, antes de entrar em uma ressonância e intervir. Psicólogos vinculados a hospitais são os que tem maior habitualidade com as questões pertinentes ao câncer mas, mesmos os que praticam clínica podem se deparar com pacientes com câncer ou familiares, e têm a responsabilidade de não aumentar angústia destes. Desde os pacientes curáveis até os terminais, todos demandarão algum grau de intervenção orientada para a qualidade de vida e não diretamente relacionada a doença. O primeiro profissional a se deparar com estas necessidades deve ser o médico, que avaliando a necessidade de apoio incorporará os demais profissionais. Para isso precisamos de profissionais bem treinados e disponíveis e médicos atentos e que acreditem neste sistema, mas a responsabilidade pelos cuidados paliativos é de todos. Referências bibliográficas: Temel JS et al. Early Palliative Care for Patients with Metastatic Non-Small-Cell Lung Cancer. N Eng J Med 2010; 363:733-42 Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 7 Cuidados Paliativos Pesquisa em Cuidados Paliativos Sandra Caíres Serrano Oncologista Responsável pelo Serviço de Cuidados Paliativos Hospital A.C. Camargo – São Paulo. Alguns dos desafios inerentes à pesquisa em cuidados paliativos podem ser identificados na própria definição de cuidados paliativos. Embora a definição estabeleça que os cuidados paliativos devam ser aplicáveis precocemente no curso da doença, na prática, a maior parte dos pacientes que o recebem encontra-se com doença avançada, nos últimos meses, semanas ou dias de vida1. A definição de cuidados paliativos da Organização Mundial de Saúde (OMS) expande a questão do foco de pesquisa na área, uma vez que inclui a proposta de oferecer um sistema de apoio para ajudar a família a enfrentar a doença do paciente e o período de luto. A deficiência em relação à assistência ao luto no país torna-se um desafio, além da ausência de políticas de incentivo nas redes pública e privada, e a carência de pessoal qualificado na área. A população em cuidados paliativos é extremamente heterogênea, e os serviços de cuidados paliativos refletem variações diagnósticas e prognósticas dentro da complexidade dos pacientes atendidos. A característica que une pacientes em cuidados paliativos é a doença em um grupo de pacientes que está ficando cada vez mais doente, gerando um desafio adicional que é a condução de estudos éticos nesta população. Há dificuldade no recrutamento de pacientes para participação em estudos em função da doença, pois muitos morrem antes do início do estudo, ou mesmo durante o estudo2. Outro desafio na pesquisa em cuidados paliativos diz respeito não com o que tradicionalmente valorizamos como resultado objetivo em pesquisa, como por exemplo, sobrevivência, indicadores físicos de regressão de doença, etc, mas com resultados subjetivos, tais como qualidade de vida e dor. Há sutilezas relacionadas aos métodos de pesquisa e ferramentas empregadas, escassez de questionários validados e de questionários transculturais, além da dificuldade adicional em estimar prognóstico e sobrevida, que prejudicam a mensuração do resultado2. O recrutamento e a retenção destes pacientes em pesquisa são desafiadores, mas o próprio estado de saúde deteriorado causado pela doença avançada impacta a coleta dos dados, que é prejudicada pela perda de concentração e cansaço fácil. A prática clínica em cuidados paliativos é direcionada para a melhora da qualidade de vida, sendo um dos elementos chave deste processo a intervenção para controlar sintomas da doença avançada. Estas intervenções clínicas ou tratamentos podem ser feitas de várias formas, incluindo avaliação e orientação profissional, medicações, procedimentos cirúrgicos e terapias complementares. Estudos Clínicos são experimentos para testar e quantificar os benefícios e malefícios de uma intervenção em particular, em uma situação específica, gerando resultados reprodutíveis e fornecendo evidência de boa qualidade para tomada de decisões. A ausência de evidência de boa qualidade gera o risco de expor os pacientes a tratamentos desnecessários por um lado, e, por outro lado, a negar tratamentos e intervenções que seriam mais efetivas aos pacientes. Estudos clínicos proporcionam o mais forte nível de evidência sobre efetividade, eficiência e aceitabilidade de intervenção clínica2. Sem evidências provenientes de estudos clínicos, falta aos clínicos uma fonte importante de informação para guiar sua prática diária. Esta é uma questão particular em cuidados paliativos, onde a pesquisa clínica não evolui com a mesma rapidez que os programas educacionais na área. Como conseqüência, há evidências limitadas para a maioria das intervenções de uso rotineiro na prática clínica, dentre as quais destacamos a hidratação, uso de oxigênio, aspectos de nutrição, uso de analgesia, antibióticos, etc. A pesquisa é essencial para a certeza de que o tratamento que está sendo usado é a melhor prática disponível para o pacien- __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 8 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos te. A obtenção do número suficiente de pacientes é uma dificuldade particular da pesquisa em cuidados paliativos, e a expectativa de vida limitada dos pacientes justifica a tendência atual de realizar estudos multicêntricos de curto prazo. Segundo Hagen et al2, há dez áreas com necessidade urgente de pesquisa em cuidados paliativos: 1.Mensuração de sintomas e sintomas “clusters”, 2. Estudo das bases biológicas de “clusters” complexos de sintomas, 3. Aprimorar pesquisa em intervenção de sintomas, 4. Cuidador informal e família, 5. O impacto da pobreza, 6. Crenças sociais e enfrentamento da morte e cuidados de final de vida, 7. Mensuração de qualidade de vida dentro dos diferentes ambientes culturais, 8.Desenvolvimento do sistema de atendimento à saúde, 9. Compreender e responder a transição do tratamento curativo para paliativo, 10. Uso de tecnologia para aprimorar cuidado e transferência de conhecimento. A pesquisa em cuidados paliativos deve ser considerada parte integral e essencial da disciplina, o que contribuirá para melhor qualidade de atendimento e gerenciamento de recursos em nossa população. Referências bibliográficas: 1. Hagen NA, Addington-Hall J, Sharpe M, Richardson A, Cleeland CS (2006). The Birmingham International Workshop on Supportive, Palliative, and End-of-Life Care Research. Cancer 107:874-81. 2. Kaasa S, De Conno F (2001) Palliative care research. European Journal of Cancer 37 Suppl 8:S153-9. Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 9 Cuidados Paliativos Cuidados paliativos e Oncologia: experiência de implantação de serviço no Hospital A.C. Camargo Aldo L A Dettino1,2,3,4, Ana L Teodoro5, Marcello F Fanelli1,2, Tatiana H Cotrim6, Luciana L Zeni6,7, Renata R L Fumis6,8, Sandra C Serrano9. 1- Hospital A. C. Camargo, Oncologia Clínica, & Centro Internacional de Pesquisa e Ensino Fundação Antônio Prudente; 2- Instituto de Oncologia, de Jundiaí-SP; 3- ATDP Saúde; 4- Consultório Clínica D. Erlich, 5- Hospital A. C. Camargo, Cuidados Paliativos-Enfermagem; 6- Hospital A.C. Camargo, Cuidados Paliativos, Psicologia e Nutrição; 7- Centro de Infusões Pacaembu (CIP), Psicologia Organizacional; 8- Faculdade de Medicina do ABC, Psico-oncologia; 9- Hospital A.C. Camargo, Cuidados Paliativos e Central da Dor; São Paulo-SP, Brasil RESUMO tendiam a ir mais freqüentemente ao pronto socorro e, adicionalmente, estiveram hospitalizados por mais tempo - mediana de 5 dias (faixa de 0-113); após serem incluídos no programa de cuidados paliativos, a mediana de hospitalização foi de 4 dias (faixa de 0-34),cuja comparação mostra diferença significante (p=0,049). A mediana de sobrevida após a inclusão nos atendimentos do Serviço Objetivos de Cuidados Paliativos foi de 1,9 meses (faixa: Apresentar a experiência do maior hospital de cân- 0-23,3; intervalo interquartil: 5-5,3). Ao fim do pecer da América Latina na implantação de seu Servi- ríodo apresentado (06/2006), a situação era de ço de Cuidados Paliativos. 69% de óbitos, 30% vivos e 1% de perda de seguimento. O local do óbito foi o hospital em 94% dos Métodos casos. Descrição dos resultados dos trabalhos realizados nas fases piloto e inicial da implementação do Ser- Conclusão viço de Cuidados Paliativos do Hospital do Câncer O serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. A. C. Camargo, em São Paulo-SP, Brasil (04/2004 C. Camargo foi implantado com sucesso desde a 06/2006), através da revisão de dados de uma 04/2004. O plano futuro é de melhorar a quasérie de casos. lidade de atendimento a pacientes sob cuidados paliativos, seja por doença oncológica, seja por Resultados outras comorbidades; além disso, seguir na divulgaUma série de 119 casos é apresentada, com maio- ção deste importante trabalho, tanto no âmbito de ria de mulheres (72%); mediana de idade: 63 anos ensino, quanto no de pesquisa. (faixa 23-92). A maioria dos pacientes tinha câncer localmente avançado ou metastático e a forma de chegada aos cuidados do serviço foi: 20% internado; 80% ambulatório. Antes de serem avaliados pelo serviço de cuidados paliativos, os pacientes Introdução O Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do Câncer A. C. Camargo, em São Paulo-SP, Brasil, foi implantado em 04/2004. Para implementar cuidados de suporte e controle de sintomas de alta qualidade, em centros oncológicos, é importante a contextualização local. __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 10 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos ARTIGO ORIGINAL Resultados No Hospital A. C. Camargo, resumidamente, teIntrodução mos o histórico de implementação do Serviço de Cuidados paliativos são uma parte importante da Cuidados Paliativos: atenção à saúde de pacientes com câncer. É funda- • 4/2004-7/2004 – Projeto piloto: 4 médicos, 1 enmental conhecer as características do serviço, para fermeira, 1 psicóloga. implementar cuidados de suporte e controle de sin- • 8/2004-7/2005 – Formalização do serviço: 3 métomas de alta qualidade em centros oncológicos. A dicos, 1 enfermeira. fim de apresentar a experiência de um grande cen- • 8/2005-11/2006: consolidação do serviço, com 3 médicos, 1 enfermeira e 1 nutricionista. tro oncológico da América Latina, apresentamos os • 11/2006 – re-estruturação da equipe. resultados dos trabalhos realizados nas fases piloto A rotina dos Cuidados Paliativos do Hospital A. C. e inicial da implantação do Serviço de Cuidados Camargo: os pacientes, seja por encaminhamento Paliativos do Hospital A. C. Camargo, em São de outras equipes, seja por busca espontânea, faPaulo-SP, Brasil. O Hospital A. C. Camargo, preziam consulta de ambulatório, ou interconsulta de viamente com nome de Hospital do Câncer, existe internado, dando sequência ao seu atendimento desde 1953. Em 2004, tinha cerca de 185 leimulti e interdisciplinar em nova consulta de ambulatos de adultos e mais leitos de pediatria; em 2011 tório, ou podendo seguir acompanhamento conjunjá eram 341 leitos, com plano de expansão para to na hospitalização, ou esses serviços, associados 441 leitos com o prédio novo (Torre Tamandaré), a ao apoio de cuidados domiciliares (oferecido por ser inaugurado em 2012 (Rydlewski 2011). É um terceiros ou operadoras de saúde). serviço especializado, inclusive com procedimentos Na época, a pacientes de serviço público, convêde alta complexidade, como transplantes de medunios e particulares, o serviço disponibilizava de: la óssea/células-tronco, quimioterapias, cirurgias, • 2 a 3 ambulatórios por semana - consultas: médica, radioterapia, etc. de enfermagem, de psicologia e de nutrição; Métodos e objetivos Para descrever o perfil de pacientes e as situações da implantação do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo, prontuários dos casos oncológicos encaminhados foram revisados, do período de abril de 2004 a junho de 2006. Aspectos clínicos, terapêuticos e sobrevida foram as variáveis de interesse. A assistência paliativa foi oferecida de maneira planejada por: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e outros profissionais, conforme necessário. Para exemplificação, a série de pacientes apresentada é de uma amostra de conveniência de 119 pacientes não consecutivos aleatórios, de 7/4/2004 a 06/2006. As variáveis categóricas tem apresentadas a freqüência absoluta e relativa dos dados encontrados. Para as variáveis quantitativas, utilizamos estatísticas descritivas e mostramos os achados em forma de média e desvio-padrão, com medidas de variação mínima e máxima, ou medidas da mediana e do intervalo interquartil, quando convenientes. • visitas diárias a internados; • interconsultas para casos hospitalizados; • atendimentos telefônicos de enfermagem (TEODORO 2012); • plantão de cobertura a distância; • avaliação interdisciplinar, quando necessária, de quaisquer equipes do hospital. A maioria dos pacientes eram mulheres (72%); mediana, média e desvio-padrão (d.p.) de idade foram: 63; 59,5±14,3 anos (faixa: 23-92). Escala de performance paliativa (palliative performande scale - PPS) teve mediana, média e d.p de 60; 54±16,9% (faixa: 10-80%). A maioria dos pacientes tinha câncer localmente avançado ou metastático, por um período com mediana de 43 meses; média de 52,5±12.1 meses (faixa: 0-10 anos). A forma de chegada aos cuidados do serviço foi: 20% internado; 80% ambulatório. A tabela 1 discrimina os diagnósticos de sítios primários de neoplasias dos pacientes, sendo os de TGI, mama e gênito-urinários os mais prevalentes. Em 4% da amostra, os pacientes tinham síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) como co-morbidade. Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 11 Cuidados Paliativos SÍTIO PRIMÁRIO DA NEOPLASIA Trato gastrointestinal (TGI) Mama Genito-urinário Pulmão Cabeça e pescoço % 26% 15% 10% 9% 9% Ginecológicos Sarcomas 9% 8% Hematológicos SNC 5% 3% Outros cânceres 6% Tabela 1. Diagnósticos oncológicos dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). A figura 1 apresenta os sintomas de queixa principal à chegada ao serviço, majoritariamente dor, astenia e dispnéia. Em seguida, a figura 2 ilustra a prevalência de sintomas da amostra, de novo principalmente dor, além de astenia e obstipação intestinal. 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Figura 1. Queixas principais dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). Figura 2. Prevalência de sintomas dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). Os problemas, além de físicos, foram: familiares 20%, financeiros 11%, sociais 10%, espirituais expressos raros. No complexo hospitalar, os recursos e atendimentos utilizados foram: Pronto socorro Enfermaria Central de QT UTI Cirurgia ambulatorial 90% 81% 21% 3% 3% Médicos e enfermeiros Nutricionistas Fisioterapeutas Psicólogos Assistentes sociais Fonoaudiólogos 100% 80% 46% 41% 5% 1% __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 12 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos Os tratamentos principais utilizados estão apresentados na figura 3, notadamente analgésicos, laxativos, corticoterapia, anti-eméticos e ansiolíticos. 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Figura 3. Tratamentos paliativos dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). Como a dor foi o sintoma mais prevalente, apresentamos os tratamentos farmacológicos mais utilizados no gráfico da figura 4. Na época, foram utilizados principalmente: os analgésicos comuns (dipirona), os opióides fortes (morfina) e fracos (codeína e tramadol) e os antidepressivos tricíclicos. D ip iro Pa n ra ce a 8 9 ta m % o C od l 11 % eí Tr n a a m 29 ad % M ol 1 or 9% fi n M a et a d 52% on a Fe 16% nt an O xi co i l 8 % do Tr n C i cíc a 1 lo % rp li co ro s 2 m az 4% in a 20 % AI G N ab ap H 8 C ar e % ba nti na m az 5 ep % in a 5% 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 13 Cuidados Paliativos Figura 4. Tratamento farmacológico da dor, dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). A sedação paliativa foi um recurso terapêutico aplicado em 57 casos (65% dos 88 óbitos; 48% dos casos), por vias endovenosa, enteral ou subcutânea (SC)/hipodermóclise. Vale ressaltar que a implementação do uso de hipodermóclise de rotina no serviço aconteceu em 2006. A tabela 2 lista os principais motivos de sintomas refratários que levaram à necessidade de sedação paliativa, além de mostrar os principais fármacos utilizados. Sintoma Dispnéia Agitação Dor Sangramento ou outros % 57% 7% 7% 5% Medicação Morfina Clorpromazina Midazolam Prometazina Fentanil TD % 97% 58% 48% 16% 6% Tabela2. Sintomas refratários e medicações em sedação paliativa dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). Alguns intervalos de tempo importantes de serem analisados são apresentados na tabela 3. Intervalo Mediana Mínimo Máximo Diagnóstico de câncer até referência para Cuidados Paliativos 2,33 anos 7 dias 12,6 anos Diagnóstico de doença avançada até referência para Cuidados Paliativos 12 meses 0 9,3 anos Queixa principal até referência para Cuidados Paliativos 1,7 meses 2 dias 24,8 meses Cuidados paliativos até óbito 1,9 meses 0 23,3 meses Tabela 3. Intervalos importantes dos pacientes encaminhados ao Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo (04/2004-06/2006). Antes de serem avaliados pelo serviço de cuidados paliativos, ao longo do tempo, os pacientes tendiam a ir mais frequentemente ao pronto socorro (mediana de vezes e faixa) - 12 meses antes: 3 (0-26); 3 meses antes: 2 (0-10); 1 mês antes:1 (0-5). Após a implantação do serviço, 1 vez (0-19). Adicionalmente, estiveram hospitalizados por mediana de 5 e média de 8,4 dias (faixa de 0-113 dias); após serem incluídos no programa de cuidados paliativos, a mediana e a média de hospitalização foi de 4 e 5,5 dias (faixa de 0-34 dias) – comparação com teste t pareado: p=0,049 (diferença significante). As mediana e média de sobrevida após inclusão nos atendimentos do Serviço de Cuidados Paliativos foi de 1,9 e 2,59 meses, respectivamente (intervalo interquartil: 5-5,3; faixa: 0-23,3). Ao fim do período (06/2006), a situação era de 74% de __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 14 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos óbitos, 25% vivos e 1% de perda de seguimento. O local do óbito foi o hospital em 94% dos casos. Discussão e conclusões A fim de implantar o Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C. Camargo, foi necessário um esforço conjunto multiprofissional, desde as reuniões de elaboração do funcionamento e rotinas do serviço, em 2004, estimando as demandas e necessidades da população institucional, até a efetiva realização dos trabalhos de atendimento aos pacientes oncológicos encaminhados. Isto pode ser observado pela ampla gama de profissionais necessários para o atendimento interdisciplinar dos casos, bem como pelos vários setores do hospital utilizados para isso. De fato, a interdisciplinaridade é uma das características mais importantes necessárias para a boa qualidade de atenção à saúde de pessoas com problemas complexos, como é a situação de pacientes oncológicos sob cuidados paliativos (DETTINO 2009c). A contextualização local, notando as características institucionais para elaborar e adequar o funcionamento do serviço, foi fundamental para o sucesso de sua implementação. A prevalência dos sítios primários de tumor dos casos encaminhados, notadamente de TGI, mama e gênito-urinários, reflete em parte a prevalência dessas doenças na população brasileira. No entanto, reflete também o fluxo de pacientes atendidos no hospital como um todo, que historicamente tem um notável reconhecimento em sua capacidade de ensino, pesquisa e tratamento, inclusive nas áreas de cancerologia cirúrgica. Conforme esperado em serviços de cuidados paliativos oncológicos, a dor foi a queixa principal e mais prevalente, de novo onde a interdisciplinaridade se mostra importante, por se tratar de um sintoma com composição multifatorial. Seja, por exemplo, para seu adequado diagnóstico, com os métodos de imagem da Radiologia; para sua adequada avaliação clínica, pelas equipes várias, como da Central da Dor ou da Oncologia Clínica; seja para sua paliação, por essas mesmas equipes, tanto com uma abordagem terapêutica sintomática, inclusive com procedimento neurocirúrgicos antálgicos, apoio psicológico (ZENI 2011), quanto para uma terapia específica voltada às causas de base da dor, como tratamento sistêmico para o câncer pela Oncologia Clínica – atualmente numa era de aumento dos conhecimentos de biologia molecular (HANAHAN 2011), terapias-alvo e medicina personalizada (SCHILSKY 2011), Radioterapia para lesões sintomáticas, ou mesmo Cirurgia Oncológica para alívio do desconforto gerado por essas lesões, quando possíveis. Os sintomas de astenia e dispnéia também são sintomas freqüentes em pacientes com necessidades de cuidados paliativos, além de obstipação intestinal, esta tanto pela debilidade física e anorexia dos pacientes, quanto pelos efeitos colaterais dos tratamentos de dor, como o uso de opióides. Sintomas depressivos e ansiosos também se mostraram importantes e são esperados nessa situação, seja pela situação mental de enfrentamento do diagnóstico de câncer avançado ou recaído, muitas vezes incurável, seja pelo componente psicoafetivo associado aos sintomas frequentes, como dor, dispnéia, debilidade por síndrome de caquexia-astenia, exacerbados por distúrbios do sono como insônia. Em relação à sobrevida mediana de pacientes, esta se mostrou curta, de apenas 1,9 meses, o que pode refletir uma característica de fases iniciais do serviço de cuidados paliativos, até que se crie uma cultura de encaminhamento precoce, que permita melhor acolhimento e vínculo dos envolvidos (pacientes, familiares e profissionais de saúde). Isso é importante porque já há estudos que mostram melhores resultados com o uso precoce de cuidados paliativos (TEMEL 2010). Mesmo assim, a faixa de sobrevida é muito ampla, o que permite vislumbrar estratégias com metas de aumento de sobrevida, mesmo em cuidados paliativos exclusivos, mantendo bons índices de qualidade de vida (DETTINO 2008a). Com as melhores opções terapêuticas oncológicas desenvolvidas até o momento e que continuam a serem aprimoradas, os pacientes podem passar longos tempos com suas doenças em remissão ou controladas, por isso pudemos observar intervalos extensos entre o diagnóstico de câncer e o encaminhamento para o serviço. No entanto, não podemos deixar de ressaltar o intervalo de 2 dias a 24,8 meses de ocorrência da queixa principal até o encaminhamento ao Serviço de Cuidados Paliativos, o que pode se dever ao fato de anteriormente o serviço não estar formalmente constituído e atuante, mas é importante ponderar se as queixas Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 15 Cuidados Paliativos não podem ter sido de certa forma negligenciadas, numa situação potencialmente de menos opções terapêuticas específicas para a neoplasia de base. De qualquer forma, a mediana de 1,7 meses de intervalo entre o início da queixa principal e o encaminhamento ao serviço especializado de controle de sintomas nos parece aceitável, a depender da sua intensidade e do grau de desconforto gerado por ela. Em relação à sedação paliativa desta série de casos, as taxas se assemelham às taxas de sedação de outros períodos do serviço, por exemplo, 05-09/2009: 62% (n=54/87 óbitos) [dados não publicados, apresentação em congresso] (DETTINO 2009). O quadro a seguir compara os resultados do presente estudo e outras publicações: Estudo N Prevalência de sedação Causas principais Van Zuylen 2006 – J Clin Oncol 24:8576 157 43% 1) 2) Ferreira 2006 - Revista Prática Hospitalar 47:55-8 98 37% Delirium/agitação 61% Dispnéia 28% Náuseas/vômitos 6% 1) Opióides associados 86% 2) Midazolam + clorpromazina 58% 3) Midazolam + haloperidol 19% Santos 2009 – Rev Méd Urug 25:78-83 274 21% Delirium 60% Dor 45% Dispnéia 17% Midazolam 97% Haloperidol 40% Pinto 2009 – Eur J Palliat Care PE 1.F159 2375 3,2% Dispnéia 55% Barbosa 2009 Eur J Palliat Care PE 2.S454 36 1,75%/mês 1) 2) Ferraz Gonçalves 2011 170 16% 1) 2) 3) 4) Dettino 2009 175 63% Dispnéia 57% Agitação 7% Dor 7% Dispnéia Delirium Drogas principais - Dispnéia Delirium Delirium 43% Dyspnea 14% Both above 14% Pain 7% A sedação, como recurso terapêutico de administração deliberada de fármacos, para rebaixamento do nível de consciência, a fim de aliviar adequadamente sintoma(s) refratário(s) (LEVY 2005; FERREIRA 2008; MORITA 2009; DETTINO 2009 e 2006; KIRA 2009), em nossa amostra, foi mais prevalente- 1) 2) Midazolam Morfina com midazolam Midazolam 67%; Midazolam+haloperidol 17%; Midazolam+morfina 7%; Levoprometazina 3% Opióides/morfina 97%; Clorpromazina 58%; Midazolam 48%; Prometazina 16% mente utilizada do que o reportado em outras séries (quadro acima). As possíveis explicações para isso são o tipo de população atendida - casos oncológicos, eventualmente encaminhados após fase muito avançada de doença ou mesmo apenas em fase final de vida, quando nas fases iniciais de im- __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 16 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos plantação do serviço, ou mesmo um menor suporte psicossocial e espiritual frente à complexidade dos sintomas físicos em casos oncológicos associados às co-morbidades não controladas, numa fase da equipe um pouco menos experiente em relação ao serviço atualmente já consolidado. Vale ressaltar que vários estudos mostram a segurança do procedimento, sem piora de mortalidade por sua utilização (MORITA 2009, 2002). Portanto, é etico limitar ou suspender procedimentos que prolongam a vida de doente terminal, a fim de prevalecer a vontade do paciente ou seu representante legal, de forma que a sedação paliativa é um procedimento terapêutico com possibilidade de compaixão dos familiares e profissionais de saúde para alívio de sintomas extremamente desconfortáveis e refratários em pacientes sob cuidados paliativos (CAMALIONTE 2011; DETTINO 2011; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA 2006). Este processo é bastante melhorado em casos expressos de diretiva antecipada de vontade (BACHESCHI 2010). Após as primeiras fases de implantação do serviço, seguiram-se os principais objetivos de: • continuar com implementação e otimização do serviço; melhorar a qualidade dos atendimentos em cuidados paliativos; • dar apoio interdisciplinar ao atendimento de outras equipes, como por exemplo em situações complexas biopsicossociais de período de cuidados terminais e fase final de vida, com necessidade de tomadas de decisão de limitação de suporte (CAMALIONTE 2011); • divulgar a especialidade; • aprimorar o ensino em cuidados paliativos; • aumentar a produtividade científica e financeira, com redução de custos desnecessários (p. ex.: menos vindas ao PS, menos necessidade de e do tempo de internação) (TEODORO 2012); • realizar e apresentar estudos clínicos (p. ex. teses de pós-graduação – DETTINO 2006, 2007, 2008a e 2008b, 2009; ZENI 2011;TEODORO 2012, SERRANO 2012). Finalmente, a experiência do serviço consolida as noções de importância da interdisciplinaridade, em situações difíceis muitas vezes, com complexidade de visões, reforçando a necessidade de foco voltado principalmente ao paciente, a sua família e ao(s) cuidador(es). Além disso, ressalta a importância da comunicação adequada (vs. “conspirações” de silêncio, mentira, omissão), com vínculos precoces de franqueza entre paciente, família, profissionais de saúde do Serviço de Cuidados Paliativos e de outras equipes, melhorando a aceitação da situação e seu enfrentamento, tendo em mente os aspectos humanos, éticos e legais envolvidos. Permite-se, assim, planejamento precoce de intervenções, com ação precoce em cuidados paliativos, redução da sobrecarga de desconfortos aos pacientes e familiares, bem como dos profissionais envolvidos na atenção à saúde. Agradecimentos À fisioterapeuta Tathiana Pagano, pela revisão do texto do artigo, ao médico e professor Dr. Maurício Seckler, pela preocupação com o ensino e assistência com focos voltados para a aplicabilidade de cuidados paliativos e de fase final de vida, aos médicos Agnaldo Anelli e Daniel Deheinzelin, pelo convite à participação nas fases iniciais de elaboração e implantação do serviço, e aos médicos Cintia de A. Mendonça, Sâmio F. Pimentel, Císio de O. Brandão, Fabiana e Bethina Aronovich, pelo apoio de trabalho em equipe de cuidados paliativos em algumas fases da implantação do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital A. C.Camargo, ou pela continuidade dos esforços de seguir no aprimoramento contínuo do serviço. Referências Bacheschi LA. Dilema bioético da atualidade: a autonomia de pacientes terminais - diretiva antecipada de vontade. Jornal do CREMESP 2010;273:2. Disponível em: http://www.cremesp.org. br/?siteAcao=Jornal&id=1327. Acesso em 2012-04-01. 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Pós-graduada em Psicologia Junguiana pelo Instituto de Medicina de Reabilitação – Rio, em Psico-Oncologia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FELUMA), em Recursos Humanos pela PUC/RS, e certificada pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia do Rio de Janeiro – SBPO/RJ. Recentemente, desenvolveu para o curso avançado em Cuidados Paliativos pela Casa do Cuidar o trabalho de Conclusão de Curso “Humanização no Cuidar: Uma Proposta de Desenvolvimento de Equipe”. Resumo: O interesse por este tema é decorrência de uma série de estudos que se iniciaram com o despertar da importância da qualidade de vida diante da finitude. Cuidados paliativos e humanização, inexoravelmente compõem este cenário, necessitando de aportes que equilibrem saber e sentir, levando-se em consideração os aspectos intersubjetivos e interdisciplinares que constituem sua equipe de saúde. Um modelo de proposta de desenvolvimento de equipe é apresentado com a finalidade de estreitar laços que priorizem a arte do cuidado de forma compartilhada e totalmente comprometida com sua concepção de integralidade no cuidar. Palavras chave: Cuidados paliativos, humanização, instituição hospitalar e equipe multiprofissional. Introdução: Atualmente, à concepção de morrer em nossa sociedade, implica em expor demasiadamente as fragilidades naturais do doente, como também as dificuldades dos familiares em sustentar, financeiramente, todo um aparato tecnológico que não soluciona e nem ameniza a dor e o sofrimento de quem vai deixar de existir. Isso sem contar com a inabilidade e falta de competência de alguns profissionais em lidar com uma questão tão delicada onde envolve sentimentos de profunda simplicidade que muitas vezes assusta. Socialmente, o que parece diferenciar o passado do presente, é a predisposição de encarar a morte de uma maneira mais equilibrada e humanizada, respeitando o limite natural que ela representa. Aquela ideia de que com a evolução tecnológica, supostamente o homem seria capaz de controlar o seu próprio fim, levou a humanidade a coisifi- car a morte, resultando num processo de profundo sofrimento e solidão. Hoje, em pleno século XXI, percebe-se que a morte existe, está muito mais próxima do homem; enquanto pensamento, cabendo a ele mesmo buscar a alternativa para lidar com a sua subjetividade frente à finitude. A repercussão desta nova atitude, forçosamente instaura um novo paradigma no contexto institucional, na medida em que a dor, o sofrimento e o tempo de sobrevida passam a ser questionados pelo próprio doente ou por sua família, exigindo do profissional de saúde uma postura diferenciada diante da vida e da morte, legitimado pelo novo código de ética médica. Cuidar de forma humanizada, estabelecendo um equilíbrio entre competências técnica e emocional, sugere promover emergência no estabelecimento de articulações que visem introduzir a concepção de integralidade de cuidados, cujos preceitos se fundamentam numa multidimensionalidade de sistemas constituídos por doença – paciente – familiar – equipe de saúde e a instituição hospitalar. Sob a perspectiva da humanização na saúde, dentre seus pressupostos, são encontrados de forma clara e abrangente a importância de um aprimoramento no campo de interações entre todos os envolvidos no processo saúde – doença, visando melhorias de qualidade e prestações de serviços ofertados pela rede de saúde. Esta preocupação se intensifica na medida em que se constatam deficiências no eixo comunicacional, mais precisamente na rede pública hospitalar, prejudicando sensivelmente a execução de cuidados, tanto na condição de usuário, quanto na de cuidador profissional. Esta lacuna, por sua vez, parece suscitar uma ausência de comprometimento emocional projetada __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 20 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos sob a forma de descontentamento profissional, transparecendo em inúmeras situações tais como, discrepâncias entre colegas de equipe dificultando uma adequada abordagem de cuidados na condição de interdisciplinaridade, descrédito nos desígnios institucionais, incidência de bournout entre os profissionais devido aos excessivos desgastes frente às exigências instituídas pela própria rotina de trabalho, ausência do espírito de equipe, dificuldade em lidar com situações de intenso sofrimento provocadas pela experiência do processo de morrer e da morte e não elaboração do luto. Desta forma, este artigo apresenta como propósito aprofundar conceitos levando em consideração as contribuições dos cuidados paliativos e da humanização para a busca de uma reeducação que promova à conscientização e sensibilização do cuidador profissional sob a perspectiva de integralidade no cuidar. 1. Cuidados Paliativos: O Renascer das Cinzas Com base na definição estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (2002), juntamente com os princípios que o legitimam, cuidados paliativos surgem como uma nova modalidade de assistência, priorizando a relação dialógica entre paciente fora de possibilidade de cura, família e equipe de saúde, integrando aspectos de natureza biopsicossocial e espiritual. Este é o cenário da morte contemporânea, instaurado na década de 1970, promovedora de profundas transformações no que diz respeitos às atitudes diante da morte. De acordo com Menezes¹, “o ideal é que o indivíduo que está morrendo tenha controle do processo de morte, realizando escolhas a partir de informações sobre as técnicas médicas e espirituais que achar adequadas. A palavra de ordem é a comunicação franca entre profissionais de saúde e pacientes: o tratamento deve ser discutido, em suas várias etapas, entre enfermos, seus familiares e o médico responsável.” Em se tratando de comunicação em cuidados paliativos, imprescindível reconhecer a peculiaridade da experiência pessoal, tanto no cuidador quanto naquele que é cuidado, no intuito de viabilizar o vínculo necessário para que o desligamento da vida aconteça. Segundo Kovács², “aprender a escutar e a falar, a dar más notícias e manter-se parceiro, compreender que cuidadores e doentes podem cuidar uns dos outros, autocuidar-se e ser cuidado e reconhecer e aprender a lidar com a angústia que a fase final da vida traz são aspectos básicos para a boa comunicação em cuidados paliativos.” Pondera Menezes¹ que a inclusão do diálogo na assistência paliativa, além de dignificar a condição da mortalidade humana, promove o reconhecimento dos limites reais, seja no contexto individual quanto profissional, de todos os envolvidos no processo de morrer. O ingresso da equipe multiprofissional evidencia a mudança de paradigma na medida em que a visão tradicional do modelo institucional cede lugar ao modelo sistêmico, cuja epistemologia incorpora os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, na dimensão do cuidar. A importância dos mesmos consiste na busca da integração do conhecimento científico e da humanização junto à intervenção da medicina paliativa. Bowlby³ esclarece que a compreensão da formação e rompimento dos vínculos afetivos desde os primórdios da vida humana são de fundamental importância na relação de base segura, em virtude de serem sinalizadores das diversas formas de padrões de comportamento de ligação instaurados nas relações onde o vínculo afetivo se faz presenciar, dos quais são largamente utilizados no decorrer da vida. Compreender a formação e rompimento de vínculos como uma atitude inerente a singularidade do indivíduo, presente tanto nas situações de vida e de morte, sugere uma reflexão acerca dos sofrimentos instaurados mediante condições limitantes, tais como a finitude humana. De acordo com Ferreira4, os termos vínculo e vincular-se suscitam uma diversidade de significados, tais como, respectivamente, ligação moral, nó, liame, ônus, restrições, relação, subordinação, nexo, sentido, eternizar-se, perpetuar-se, imortalizar-se, sujeitar, obrigar, submeter coisas a vínculo, entre outras coisas mais, quando relacionados à experiência da morte e do morrer. Estas definições permitem um olhar e uma escuta acerca dos arcabouços psicológicos construídos ao longo da vida no que diz respeito às relações primárias no campo da inter-relação e da afetividade. Na perspectiva psicanalítica, segundo Pichon-Rivière5 o vínculo Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 21 Cuidados Paliativos normal é proveniente da “primeira relação da criança com o peito da mãe”, por meio das situações parasitárias e simbióticas, onde acontece um “intercâmbio de situações emocionais e de afeto”, e que quando minimizados por meio do desenvolvimento do bebê, permite uma diferenciação entre o objeto e o sujeito. Sugere ainda que por mais gradativo que seja este afastamento mãe-bebê ele é passível de uma ligação afetiva que orienta o próprio sujeito em sua sedimentação egóica. Tal colocação permite considerar que em se tratando de relações sedimentadas por meio de uma vivência primordial com a mãe, onde a dualidade de se estar vinculado – desvinculado permeia em tempo integral, imprescindível considerar a diversidade da natureza do vínculo, tão presentes na interação de fatores humanos e físicos, na conduta exterior, na vivência, nas somatizações e nas questões trazidas pelo próprio indivíduo, seja no nível concreto ou abstrato. Para Taragano5, “o vínculo configura uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que funciona acionada por motivações psicológicas, resultando daí uma determinada conduta, que tende a se repetir tanto na relação interna quanto na relação externa com o objeto”, sugerindo que este intercâmbio se manifesta em diversas situações, podendo estas pertencer à dimensão da vida ou da morte. Em situações de adoecimento cujo prognóstico conduz aos caminhos da terminalidade, vincular-se e desvincular-se neste contexto implica na capacidade de enfrentamento diante do inevitável. A partir deste cenário, onde incertezas e mudanças remetem à sensação de separação, desconexão ou desamparo, aparentemente relacionado apenas a questões extrínsecas, a angústia da morte parece mobilizar aspectos intrínsecos, relacionados a crenças e padrões inatos e herdados que entremeiam nossas teias de relações no decorrer de nossa existência até o momento da finitude, possibilitando refletir sobre as formas de enfrentamento. De acordo com Lipp6, “o termo enfrentamento, usado com o mesmo sentido da palavra inglesa coping, significa a estratégia ou o esforço cognitivo e comportamental que o indivíduo emprega para administrar as exigências impostas por um agente estressor” e apresenta cinco funções principais que visam reduzir as condições ambientais que causam dano, tolerar ou adaptar-se a situações negativas, manter uma auto-imagem positiva diante da adversidade, manter o equilíbrio emocional bem como um relacionamento satisfatório com os outros. Sendo assim, dois aspectos parecem ser de fundamental importância para o fornecimento da relação da base segura por parte do cuidador: seu autoconhecimento frente aos comportamentos de ligação que foram estabelecidos nas suas relações afetivas, bem como a exploração e cuidados dos mesmos, para melhor compreensão das possíveis formas de estabelecimento de ligação afetiva emanadas, principalmente, pelo paciente fora de possibilidade de cura. Desta forma, imprescindível uma reflexão sobre a consciência do morrer e da morte. As reações de temor e horror frente à morte e ao processo de morrer, que sugerem acompanhar o indivíduo na medida em que ele se conscientiza de sua própria condição de mortal, chamam atenção pelo seu comportamento desproporcional. Segundo Kastenbaum e Aisenberg7, o filósofo Jacques Choron elaborou uma análise sobre o medo à morte relacionado com a distinção eu/outro. De acordo com seus estudos, coloca que o indivíduo teme à morte em três situações específicas, sendo respectivamente; o medo de morrer, o medo da pós-morte e o medo da extinção. Em cada um desses medos, o filósofo diz que existem variados sentimentos manifestos, quando estudados na perspectiva morte do eu e morte do outro, justificando desta forma a atitude antagônica dos indivíduos frente à morte em nossa sociedade. Ressalta também que o maior temor do homem está ligado a possibilidade da sua não existência. 2. Multidimensões da Humanização: Uma Questão de Consciência Ao iniciar o estudo sobre humanização do setor de saúde, bem como suas contribuições na abordagem paliativa, imprescindível compreender o desenvolvimento do conceito humanismo, que se originou na Grécia Antiga, demarcando suas passagens em períodos mais significativos ao longo da História, levando em consideração aspectos relacionados aos condicionamentos herdados. De acordo com a cronologia da História, o Renascimento foi um período marcado por transformações __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 22 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos em muitas áreas da vida humana, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna, recebendo tal designação em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. Importante considerar que esta fase parece implicar num resgate de valores e princípios vivenciados sob o predomínio de uma consciência coletiva em detrimento da consciência individual. De acordo com Minayo8, as contribuições do período Renascentista no que diz respeito a este conceito estão “relacionadas ao resgate do humanismo preconizado na Antiguidade”, sendo uma de suas mudanças estruturais a busca de “uma nova atitude em relação à humanidade”, já que a época precedente fora delimitada pelo obscurantismo, caracterizada pelo domínio da religião sobre o poder e as consciências humanas. Surge então o antropocentrismo, que instaura um novo paradigma calcado na racionalidade humana, cuja ênfase consiste “no ideal de autonomia do homem e a crença de que toda sabedoria pode ser transformada em conhecimento”, concedendo à ciência o lugar da formalização e legitimação da vida manifesta, conforme consta no artigo de revisão A Humanização na Assistência de Saúde9. Na fase do Iluminismo, o aprofundamento de questões relacionadas aos direitos dos indivíduos e dos cidadãos funda um movimento de busca que unifica existência humana, faculdade de pensar, articulações entre a experiência vivida e a razão lógica. Com o advento da Modernidade, caracterizado pelo desenvolvimento industrial, mudanças sensíveis repercutem em nível de mentalidades, no que diz respeito à definição inicial concedida a qualidade de humano, onde demarca a presença de uma integralidade de sistemas que legitimam a produção e atuação de cada indivíduo. Devido às transformações ocasionadas pelo conhecimento e utilização da tecnologia, o desarraigar dos pressupostos humanistas parecem emergir quando o foco não está mais destinado à necessidade humana e sim, a eficiência de resultados, que na área de saúde parece se estabelecer mediante a inserção do processo de medicalização . Com seu ingresso, a partir do final do século XIX, consolida-se a instituição hospitalar representada pela sistematização e, consequentemente instauram-se os processos de medicalização do social aliado individualização, transformando sensivelmente condutas e comportamentos humanos na área da saúde, principalmente em relação à morte. Assim sendo, o humanismo no século XXI pressupõe uma sucessão de ressignificações onde procuram coadunar multidimensões subjetivas associadas às necessidades de aprimoramento técnico e científico. Na atualidade, esta busca de equilíbrio acerca do conceito humanismo transparece, através do “vocábulo humanização”, tendo na área da saúde a representação de “um movimento instituinte do cuidado e da valorização da intersubjetividade das relações”, conforme afirma Minayo8. Sob a perspectiva de cuidados paliativos, cuja abordagem de assistência visa aliviar a dor e o sofrimento, preconizando a importância de um trabalho integrado urgem a necessidade de um despertar para a sensibilização profissional, quesito indiscutível para a dimensão psicológica nos fatores de humanização. No Brasil, a conceituação e a análise da humanização do cuidado provieram de uma pesquisa realizada na rede pública dos serviços de saúde, cujos resultados implicaram na constituição de uma política ministerial a partir do ano de 2000. De acordo com Deslandes10, a preocupação com o atendimento à saúde e a inserção da humanização no setor público é legitimada através do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) na intenção de “promover uma nova cultura de atendimento à saúde” e “aprimorar as relações entre profissionais, entre usuários/profissionais (campo das interações face-a-face) e entre hospital e comunidades (campo das interações sociocomunitárias), visando à melhoria da qualidade e eficácia dos serviços prestados por estas instituições”. Na abordagem paliativa, a subjetividade exerce um papel fundamental nesta modalidade de assistência em virtude dinâmica interacional, provenientes das sucessivas relações interpessoais exigidas pela rede de cuidados ao qual o indivíduo está inserido. Muito embora, de modo geral, a atenção recaia na relação paciente – família, imprescindível analisar como o profissional de saúde lida com sua dimensão emocional ao se deparar com a dualidade humanização – desumanização, tão presentes Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 23 Cuidados Paliativos em sua prática cotidiana. A presença de uma articulação constante entre linguagem, verbal ou não verbal, e, realidade, oriundos dos diversos modos de existir do ser humano, promove uma reflexão acerca da comunicação e do estabelecimento de relação empática num universo composto por sujeitos capazes de “construir rede de significados que, ao serem compartilhadas, conformam uma identidade cultural”. Segundo Deslandes10, a inviabilidade e o estreitamento das comunicações, detectados na atualidade nos serviços de saúde, sugerem ser provenientes de condicionamentos herdados no que diz respeito ao uso da palavra e o estabelecimento da linguagem médico científica. O papel da comunicação na humanização parece ocupar grande parte das carências existentes nas relações estabelecidas, sejam elas de nível pessoal quanto profissional. Outra questão de suma importância é atribuída à empatia, cuja habilidade consiste na capacidade de colocar-se no lugar do outro, avaliando aspectos de cunho emocional e subjetivo. Tal atitude merece consideração, pois, a incapacidade do estabelecimento de uma relação empática repercute sensivelmente sob a forma de obstáculos, podendo emergir em várias situações, como por exemplo, na constituição e desenvolvimentos de equipes interdisciplinares, na estruturação de diretrizes de tratamento, na qualidade da assistência em cuidados, no alcance de metas estabelecidas pela instituição, dentre outros. O despreparo e a suscetibilidade emocional frente à incapacidade do cuidador profissional em estabelecer vínculos saudáveis sugerem dificultar ainda mais o exercício de uma assistência pautada no cuidar e assegura a crença arquetípica de que os ensejos cognitivos atribuídos à mentalidade do curar ainda prevalecem, inviabilizando, desta forma, a inserção de uma atenção humanizada e compartilhada entre todos os envolvidos. De acordo com pesquisa sobre o luto do profissional de saúde11 realizada com dezoito profissionais da área de saúde, com a finalidade de investigar como os mesmos lidam com situações de perda em sua roti- na de trabalho, um de seus resultados aponta para a dificuldade de autopercepção e expressão de sentimentos relacionados ao processo de morrer e a morte, e posteriormente, a elaboração do luto da equipe, questão bastante presente em se tratando de abordagem paliativa. Refletir sobre a importância dos cuidados paliativos bem como elencar possíveis fatores estressores que se evidenciam mediante a assistência prestada pelos seus profissionais de saúde, envolvendo o contexto de humanização de saúde aliado às experiências existenciais que envolvem o processo de morrer e à morte, solicita atenção na medida em que ainda se detecta deficiências no que diz respeito às questões emocionais, conforme afirma uma pesquisa denominada A Relação Docente-Acadêmico no Enfrentamento do Morrer12, tais como carências existenciais, ausência de sentido e sentimentos de onipotência. Outro artigo, intitulado Papel dos Profissionais de Saúde na Política de Humanização Hospitalar13, corrobora tal pensamento quando afirma que “continua ser importante curar doenças, mas sem esquecer que mais importante ainda é curar o doente; e não somente curá-lo, mas também cuidar dele”. Na pesquisa acima mencionada, dentre as limitações e dificuldades existentes por parte do cuidador profissional em situações de dor, sofrimento e perda, destaca-se a não expressão de emoções ou o manejo de questões afetivas, como forma de assegurar crenças preestabelecidas, tanto na formação acadêmica quanto na institucional, principalmente em se tratando da temática morte. Averiguar o ponto de encontro entre humanização e cuidados paliativos, bem como elencar possíveis dimensões que possam interferir na atuação do profissional de saúde, parece ser o grande desafio da atualidade, na medida em que se sinaliza a inexistência de um espaço de escuta que coadune ambas as necessidades. Cada vez mais na prática hospitalar a presença de situações limites, como por exemplo, escolher e testemunhar os últimos momentos de vida do paciente juntamente com A medicalização pode ser compreendida como um processo pelo qual a continuada evolução tecnológica modifica as práticas da medicina por meio de inovações em várias áreas, como métodos diagnósticos e terapêuticos, indústria farmacêutica e equipamentos médicos. A medicalização do social pode ser referida à redescrição médica de eventos de gravidez, parto, menopausa, envelhecimento e morte, bem como de comportamentos sociais tidos como desviantes, como alcoolismo e uso de drogas. A medicalização refere-se à ampliação de atos, produtos e consumo médico e a interferência crescente da medicina no cotidiano individual, com a imposição de normas de conduta social. (Menezes, 2004; apud Corrêa, 2001 pg. 24). i __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 24 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos seus familiares, vem exigindo dos profissionais de saúde condutas individuais e sociais que viabilizem o equilíbrio entre viver e morrer de forma cuidadosa. Esta afirmação permite uma análise exploratória acerca daquele que cuida. 3. Cuidando de Quem Cuida: Entre o Conhecimento e a Vivência Por definição, intersubjetividade14 “pressupõe a existência de um espaço relacional entre duas ou mais pessoas envolvendo suas subjetividades, no campo da linguagem, local de compreensão de diferenças de ponto de vista, necessidades e desejos, e construção de respostas conjuntas para questões de interesse comum”, e interdisciplinaridade, visa a buscar a “compreensão integral do ser humano no contexto das relações sociais e do processo saúde – doença, assim como, em sua prática, uma maior abrangência e melhor qualidade na assistência prestada ao paciente”. Carvalho6 afirma que, “equipe é um grupo de trabalho altamente efetivo, coeso, constituído por indivíduos que atuam juntos, comprometidos em alcançar um objetivo comum”, demandando trabalho sistematizado e presença de elementos que o constituam com tal, como por exemplo, “liderança compartilhada, habilidades de trabalho em grupo, clima coesão e nível de contribuição dos membros do grupo”. Tal afirmação parece sugerir a existência de um distanciamento emocional no que diz respeito à intersubjetividade de seus integrantes, priorizando apenas os aspectos de natureza formal acerca do trabalho em grupo, característica muito peculiar nas esferas acadêmicas e institucionais. Esta deficiência também foi evidenciada no documento oficial do Programa Nacional de Humanização de Assistência Hospitalar (PNHAH), realizados a partir de 2000, onde uma das propostas a serem trabalhadas eram a articulação dos avanços tecnológicos com o bom relacionamento no eixo relacional existente entre usuários de sistema de saúde, profissionais de saúde e a própria instituição, devido à existência de ações desumanizadoras na rede de cuidados. Importante salientar que a busca da conscientização e reintrodução da dimensão subjetiva no contexto da assistência e atenção em saúde, abrangendo todos os envolvidos no proces- so de cuidados inclusive os aspectos socioculturais e institucionais, vem a ser um dos pressupostos da humanização na assistência hospitalar. Transformar o conhecimento em experiência vivencial implica na permissão de um espaço interacional onde reúnam interesses institucionais e grupais, rompendo com a mentalidade paternalista focada na decisão médica como única alternativa, no que diz respeito à assistência e cuidados. Deslandes10 mostra que a “leitura paternalista” vem a ser fruto de uma cultura de atendimento instituída em decorrência de barreiras comunicacionais, onde a instituição de uma linguagem diferente e interdita, por si só, propiciava um distanciamento natural na relação profissional de saúde – paciente. Esta atitude, ainda vigente na atualidade, sugere reforçar a ideia da unidisciplinaridade, contrapondo os pressupostos da visão interdisciplinar bem como, assegura ao profissional julgar “saber o que é melhor para o paciente e tenta prover os meios para satisfazer pretensas expectativas, o que não dá resposta satisfatória ao problema”, devido a sua incapacidade de se colocar no lugar do outro. Pensar sobre a qualidade das relações intersubjetivas no contexto da instituição hospitalar remete inevitavelmente à importância das equipes interdisciplinares no que diz respeito à busca de humanização da assistência em saúde, principalmente nos cuidados paliativos. Esta correlação entre os termos transparece na medida em que a integralidade de cuidados passa a ser inserida no campo da prática, principalmente em situações de final de vida, conforme pondera Rios14 quando afirma que, “os cuidados paliativos, como modelo de atenção que escapa ao reducionismo biológico, operariam os valores da humanização das práticas de saúde, particularmente nos aspectos considerados essenciais para o cuidado integral da pessoa em momento significativo da história”. De modo geral, na dinâmica do cuidar e ser cuidado emerge questões de cunho sociopsicológico relacionadas ao convívio com o processo do adoecer, padrões funcionais ou disfuncionais existentes na interação familiar, luto antecipatório, conspiração do silêncio, oscilação permanente das formas de enfrentamento, diversidade emocional quanto à aceitação de um diagnóstico desfavorável, sentimentos de impotência, incertezas, mudan- Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 25 Cuidados Paliativos ças, perdas, a iminência da morte, conduzindo seus cuidadores profissionais a fatores estressores despendendo intensa carga emocional. O processo de cuidar exige por parte da equipe interdisciplinar uma percepção consciente sobre estas inúmeras formas em estar se colocando junto ao paciente, ou seja, através do olhar, da proximidade corporal; respeitando-se evidentemente os espaços interpessoais estabelecidos pela interação, do toque e do tom da voz, bem como oferecer, em momentos críticos do adoecer, o reconhecimento de estar sendo visto, em ambas as perspectivas. Sendo assim, no exercício dos cuidados paliativos, a equipe de saúde se depara com a dualidade vida-morte de modo a instigar seus movimentos de defesa ou enfrentamento. As exigências externas e internas incitadas pelo ato de cuidar, neste caso, permitem uma reavaliação sobre a prioridade do cuidado, uma vez que a atitude da equipe de saúde pode recorrer a um distanciamento emocional em circunstâncias cuja aproximação do espelhamento do medo, da dor e sofrimento vicário, atesta a inviabilidade dos preceitos da cura. Desta forma, refletir sobre o limite real ou imaginário originado ao se estar em contato direto com a morte, por intermédio do relacionamento equipe de saúde e paciente, parece constituir uma questão importante a ser compreendida. Esta questão sinaliza a necessidade de atenção ao cuidador no que diz respeito ao exercício ético de sua profissão, bem como a qualidade relacional despendida ao paciente no que diz respeito aos limites da possibilidade terapêutica. A intensa rotina de cuidados com o paciente fora de possibilidade de cura instiga uma aproximação constante com a dor e o sofrimento, podendo conduzir o cuidador profissional a um profundo desgaste físico, psíquico e emocional, levando-o a um nível de estresse conhecido como síndrome de burnout, conforme aponta a revisão de literatura denominada Síndrome de Burnout ou Estafa Profissional e os Transtornos Psiquiátricos16. Muito embora esta pesquisa tenha sido realizada no ano de 2007, seus dados conclusivos parecem contribuir sensivelmente para a questão apresentada. Com base no pensamento destes autores, conceitualmente, a síndrome de burnout é um processo iniciado com excessivos e prolongados níveis de estresse no trabalho. Para o diagnóstico, leva-se em consideração a concepção sociopsicológica, cujas características individuais estão associadas as do ambiente e as do trabalho propiciando o aparecimento dos fatores multidimensionais da síndrome, dentre eles, exaustão emocional, distanciamento afetivo e baixa realização profissional. Estes por sua vez, surgem com intensidade quando o profissional de saúde lida com situações-limite, deflagrando alguns distúrbios. Conforme explica Carvalho15 os fatores estressores de natureza interna e externa, prevalecentes na tarefa do cuidador, se caracterizam, respectivamente, pela característica pessoal do profissional e pelas respostas decorrentes da assistência imbricada no contexto do adoecer, envolvendo relacionamento interpessoal com todos os envolvidos. Desta forma, imprescindível considerar questões de ordem ética e bioética na dimensão do cuidar. De acordo com Pessini15, os cinco referenciais éticos cruciais para o exercício da medicina paliativa são: a veracidade, a proporcionalidade terapêutica, o referencial duplo efeito, prevenção e o não-abandono. Em relação à bioética, o autor compreende a mesma como sendo “o resgate da dignidade humana e qualidade de vida, num momento crítico da existência humana em que as pessoas estão enfrentando a morte iminente e inevitável”. Nos cuidados com pacientes fora de possibilidade de cura, a função do cuidar consiste em paliar nos momentos em que já não há mais possibilidade de cura, podendo o paciente incidir nos caminhos do desejo de morrer, da obstinação terapêutica ou da supressão do tratamento, denominadas eutanásia, distanásia e ortotanásia, respectivamente. Sob a perspectiva da boa morte, cujas concepções se diferenciam em detrimento das necessidades tanto do paciente quanto do cuidador, os cuidados paliativos priorizam a visão da ortotanásia no que diz respeito à garantia dos preceitos éticos e bioéticos no encontro do viver e morrer. Estas situações, por sua vez, são geradoras de profundos desgastes emocionais em virtude de acionar aspectos subjetivos e singulares existentes na formação pessoal e profissional de cada integrante da equipe, reacendendo sentimentos de vulnerabilidade e impotência, além de instigar aspectos referentes à conduta profissional mediante a disponibiliza- __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 26 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos ção tecnológica ofertada pela instituição hospitalar. Desta forma, o encontro entre vida e morte se instaura no papel do cuidador, convidando-o à busca da conscientização da morte contemporânea, cujo maior desafio consiste em aliar conhecimento técnico, autoconhecimento e humanização através dos caminhos “da aceitação e da assimilação do cuidado da vida humana no adeus final”. Recentemente foi divulgado um estudo inédito realizado pela unidade de inteligência da revista The Economist17, onde atribui ao Brasil indicadores qualitativos e quantitativos que indica seu mau desempenho na qualidade da morte, englobando questões relacionadas à formação do profissional, o uso adequado da medicação em situações de assistência paliativista, bem como, um forte determinismo acerca do poder medicalizado, atribuindo à figura do profissional de saúde à representação do curador. Aliado a estes resultados, sob a perspectiva do luto na área da saúde, em Casellato11 consta a falta de apoio por parte das instituições hospitalares no que diz respeito ao estabelecimento e a preservação de um espaço de escuta, onde trocas comunicativas entre os profissionais de saúde pudessem existir, em consonância com as necessidades pessoais, profissionais e institucionais. 4. Humanização no Cuidar: Uma Proposta de Desenvolvimento de Equipe Promover uma conscientização e sensibilização no nível de equipe, levando em consideração a rede de sistemas operacionais e administrativos que contemplam o alcance de uma missão assistencial, assegurando um espaço de escuta seguro e protegido com a intenção e propósitos bem delineados pelo grupo, pode propiciar resultados calcados em mudanças de atitudes compartilhadas que, invariavelmente, irá repercutir nos propósitos e metas preestabelecidos. Estas modificações de comportamento frente à morte, manifestada tanto no campo individual quanto no social possibilita refletir sobre quais os fatores que vem determinando esta nova atitude no âmbito hospitalar, além de ofertar assistência dos cuidados paliativos; um espaço promissor no que diz respeito à integralidade dos cuidados, que vai desde a aplicabilidade de medidas de conforto até o momento da passagem. Ressalta-se que a concepção de integral abrange questões de natureza física, emocional, social e espiritual, tanto do paciente quanto daqueles que o assistem, bem como a instituição aos quais seus atores estão vinculados. A problemática existente entre falta de apoio institucional frente a experiências cotidianas que acionam aspectos de natureza emocional chama atenção pela ausência de cuidado da alta administração quanto às necessidades da equipe no que diz respeito à melhoria de desempenho da própria equipe e mudanças comportamentais a nível institucional. Segundo Katzenbach18, existe uma sutil diferença nestas definições no que diz respeito aos fundamentos de cada um, quando explica que “equipes são mais flexíveis do que grupamentos organizacionais maiores, porque podem ser mais rapidamente montadas, ativadas, redirecionadas e dissolvidas, geralmente de maneira que realce em vez de romper as estruturas e processos mais permanentes. As equipes são mais produtivas do que os grupos que não possuem objetivos claros de performance, porque seus participantes estão compromissados com a obtenção de resultados tangíveis”. Esta afirmação permite deduzir a existência de fragmentação estrutural, dificultando à interação e comunicação entre os profissionais que compõe o corpo institucional, assinalando uma linguagem específica correspondente a cada área de atuação, bem como, estabelecendo uma gradativa perda de foco e objetivos a ser alcançada coletivamente, fortalecendo deste modo a postura individualizada, traço marcante da abordagem grupo de trabalho. Para um gestor institucional, usualmente a atenção ao cuidador profissional está delimitada à oferta de um aparato tecnológico e educacional onde assegure resultados que alcancem metas estipuladas e controles de qualidade, muitas vezes eximindo o lugar da ação e expressão espontâneas, conforme pondera Deslandes10 num dos eixos discursivos do PNHAH designado humanização como melhoria das condições de trabalho do cuidador. No ambiente hospitalar da rede pública, por exemplo, comumente são verificados níveis de desmotivação dos profissionais de saúde através do desinvestimento emocional do profissional aos objetivos e metas estipuladas pela instituição, em decorrência das constantes desvalorizações e au- Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 27 Cuidados Paliativos sências de reconhecimento, refletidas na falta de recursos materiais e pessoais, tendendo ao profissional não se reconhecer como pessoa que atua e contribui para aquisição dos pressupostos organizacionais sob a perspectiva de uma equipe de atuação, e sim, como um elemento individualizado, setorizado, contratado para garantir e realizar apenas o ofício de cuidados em saúde estabelecidos pelo seu grupo de trabalho. Outros parâmetros detectores da falta de motivação de um grupo de trabalho num ambiente institucional rondam em torno da alta rotatividade de pessoal, absenteísmo, baixos resultados operacionais, custos elevados, além dos altos índices de acidentes no trabalho. Traçando um paralelo com as manifestações desencadeadas pela síndrome de burnout, já mencionadas anteriormente, possível deduzir que tanto o cuidador profissional quanto a instituição carecem da identificação de necessidades prementes para inclusão de uma abordagem de equipe mais efetiva. Moscovici19 afirma que “um grupo se transforma em equipe quando passa a prestar atenção à sua própria forma de operar e procurar resolver os problemas que afetam seu funcionamento. Esse processo de autoexame e avaliação são contínuos, em ciclos recorrentes de percepção dos fatos, diagnóstico, planejamento de ação, prática, resolução de problemas e avaliação”, sugerindo a necessidade de conscientização e sensibilização de seus integrantes quanto à vinculação de variáveis internas e externas que influenciam o comportamento humano existente na instituição. Para que tal metamorfose aconteça, imprescindível avaliar os elementos constituintes de um grupo de trabalho, levando em consideração os modos de enfrentamento mediante situações de conflito, estratégias de atuação, funcionamento, graus de autonomia, resistências, crenças, além de questões comportamentais, campo complexo e multidimensional quando analisado sob a perspectiva de relações humanas, além de abranger todos os níveis hierárquicos que contribuem para o funcionamento do trabalho. Criar um espaço de valorização da escuta verbal e não-verbal instituída pela linguagem de cuidados, abordando assuntos ainda considerados tabu; como por exemplo, processo de morrer, luto antecipatório e morte inevitavelmente revelam uma necessidade de desenvolvimento de equipe, através de um programa educacional dirigido a grupos de pessoas interdependentes que precisam unir esforços tanto nos procedimentos de trabalho quanto na resolução de problemas. A autora explica que desenvolvimento de equipe vem a ser “uma intervenção psicossocial no sistema humano da organização”, levando-se em consideração aspectos que abrange necessidades, objetivos, características do grupo e da organização, dentro da perspectiva espaço – tempo – contexto. Por definição, desenvolvimento de equipe contempla “incrementar a efetividade de um grupo trabalhar colaborativamente para alcançar resultados”, e pressupõe “mudanças significativas pessoais e interpessoais dentro dos conhecimentos, sentimentos, atitudes, valores, motivação, postura comportamento”, apresentando como desafio desenvolver um processo de integração que englobe variadas unidades de trabalho, com suas diversas representações funcionais numa proposta de respeito e potencialização de cada empreendimento humano para a produtividade almejada pela instituição. Trata-se, portanto, de um trabalho de resgate do processo de interação que ainda prima pela abordagem racional, ampliando novos espaços de compartilhamento que coadunem nível tarefa e socioemocional de forma equilibrada, sendo estes respectivamente, “atividades visíveis e observáveis, acordadas tanto nos grupos formais de trabalho quanto nos grupos informais e as sensações e sentimentos variados, já existentes ou gerados pela convivência e atividade no grupo”, conforme salienta Moscovici19. Aspectos dimensionais de natureza intrapessoal e interpessoal demarcam os processos grupais através da relação eu/eu e eu/outro, sendo que muitos problemas de participação no grupo se originam de dificuldades provenientes destas etapas de desenvolvimento, quando mal estruturadas. Detectar estas limitações e trabalhá-las dentro de um grupo possibilita o indivíduo a buscar novas formas de confrontação, pois “o grupo, quando bem conduzido, pode ajudar os participantes a enfrentarem suas dificuldades pessoais”. Face aos benefícios expostos pelo trabalho de desenvolvimento de equipe e, concomitantemente, às necessidades do cuidador profissional __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 28 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos detectada ao longo deste estudo realizado sobre a temática cuidados paliativos e humanização, o projeto Humanização no Cuidar é um projeto que apresenta como objetivo transformar este campo de saber em um curso de capacitação de abordagem vivencial, destinado aos profissionais da área da saúde que lidam com a prática dos cuidados paliativos e humanização. Trata-se de um treinamento que intenciona identificar grupos e sensibilizar equipes sobre a importância de desenvolver uma nova postura comportamental frente aos desafios propostos pela Instituição na busca de maior qualidade e produtividade em seus resultados. Projeto Humanização no Cuidar Objetivo Geral Conscientizar e sensibilizar os profissionais da área da saúde sobre a importância nos cuidados paliativos e humanização, no intuito de viabilizar uma maior receptividade às situações suscitadas através desta experiência. Objetivos Específicos Integrar e capacitar o profissional da saúde frente à experiência de sobrevida em nível de doença, do processo de morrer e a morte; desenvolver recursos internos para estudar, analisar e debater com base em conhecimento teórico-prático sobre o sentido e o significado que a morte pode adquirir no decorrer do tratamento paliativo; propiciar um espaço terapêutico para que os profissionais da saúde possam compartilhar e aprender a elaborar situações relacionadas à temática da finitude, através da abordagem vivencial, promover entre os integrantes eventos de natureza informativa sobre a experiência de sobrevida em nível de doença, do processo de morrer e a morte, através da vivência prática numa abordagem multiprofissional. Público Alvo Enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, médicos, assistente social, nutricionista, e demais profissionais da área de saúde que abordem pacientes sob cuidados paliativos em assistência hospitalar. Metodologia Técnicas de dinâmica de grupo e jogos empresariais, permitindo criar dentro do ambiente de trabalho de treinamento um espaço necessário para que o grupo possa vivenciar de forma lúdica e espontânea suas atitudes concretas diante das tarefas propostas. Será utilizado junto ao grupo material de apoio atendam a demanda dos módulos mencionados abaixo, aliados aos aspectos psicossociais e culturais na prática do cuidado. Módulo 1 Módulo 2 Cuidado Paliativo – Afinal, curar ou cuidar? Apresenta como finalidade abordar o princípio do cuidado paliativo, bem como inserir seu campo de atuação, levando em consideração o papel do cuidador neste processo diante da inviabilidade da cura. Comunicação – Você sabe com quem está falando? Visa capacitar e aprimorar o profissional da área da saúde em identificar, apurar e compreender os diversos níveis de linguagem estabelecidos na relação do cuidado diante da inviabilidade da cura. Módulo 3 Módulo 4 Cuidando de quem cuida – Quem somos nós? Introduz a perspectiva da representação simbólica do cuidador e da morte na dimensão do cuidado, bem como incita uma reflexão acerca do autocuidado. Equipe – Cuidar junto ou em conjunto? Sensibilizar os profissionais da área da saúde sobre o sentido e significado do trabalho multidisciplinar, bem como ressaltar a importância do mesmo mediante o processo de morrer. Revista Brasileira de Cuidados Paliativos __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos • 2012 • 29 Cuidados Paliativos Módulo 5 Módulo 6 Humanização do cuidado – Quando o cuidar é humano? Trabalhar aptidões individuais e grupais acerca do SER humano, nas etapas que conduzem ao final do ciclo da vida, levando em consideração as emoções no cuidar, oriundas do paciente, família e cuidador profissional. Integralidade do cuidado – Da dimensão física à espiritual: um desafio no cuidar. Abordar a concepção do conceito de dor total, preconizado no Cuidado Paliativo, levando em consideração a postura do profissional da área de saúde frente à visão do cuidado integrado. Módulo 7 Módulo 8 Morte – O percurso do cuidador. Aproximar o arquétipo da morte bem como a sua representação simbólica mediante a finalização dos cuidados. Trabalhar aspectos culturais, sociais e emocionais suscitados no percurso do cuidador. Luto – O cuidar de si-mesmo. Capacitar o profissional a lidar com a perspectiva do luto na dimensão do cuidado e autocuidado. Duração A carga horária para realização do projeto consistirá de oito encontros mensais, com duração de 08 horas, distribuídos em 04 horas no turno da manhã e 04 horas no turno da tarde, uma vez por mês, distribuídos de acordo com a disponibilidade do grupo institucional. Considerações Finais Atualmente incessantes estudos e pesquisas são realizados sobre cuidados paliativos e humanização, no intuito demonstrar e comprovar cientificamente os inúmeros benefícios deste novo paradigma de atenção à saúde a todos os envolvidos. Todavia, pensar em cuidados paliativos e humanização como modalidades de assistência acessível a todos aqueles que se enquadrem nas suas indicações, inevitavelmente conduz a questionamentos acerca do amadurecimento pessoal, profissional e institucional para lidar com uma abordagem que não comporta mais a profilaxia terapêutica, contrapondo um dos ensinamentos básicos da ciência médica, círculo vicioso aos quais os profissionais da saúde ainda retroalimentam. Importante considerar que neste contexto, estamos falando de profissionais de saúde que constituem diferentes áreas de saber. Segundo o Conselho Federal de Medicina, na normatização que legitima a prática de cuidados paliativos, através do sexto Código de Ética Médica reconhecido no Brasil e em vigor desde 13 de abril de 2010, na cláusula XXII consta que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados ”. Indubitavelmente, trata-se de um reconhecimento valioso sobre a abordagem da assistência paliativa em nosso país, que convoca ao estabelecimento de cuidados especializados aliado a preparação de profissionais aptos a sua implantação, desde nos meios institucionais até os meios acadêmicos. O paradoxo parece se instalar quando se constatam indicadores negativos no que diz respeito à assistência e atenção à saúde, objeto de estudo do Programa Nacional de Humanização de Assistência Hospitalar, onde se identifica a existência de um desinvestimento do cuidado, na medida em que os níveis de insatisfação de cuidadores profissionais e usuários do sistema de saúde pública são temas motivacionais constantes em pesquisas acadêmicas, com absoluta ausência de medidas pautadas na integralidade de cuidados que visem modificar este cenário. A questão parece se tornar mais delicada ainda quando se constata, no campo da prática, elevados índices de medidas desumanizadoras em detrimento de medidas de conforto e alívio de dor e sofrimento, favorecendo a busca de uma fragmentação através do reconhecimento de uma especialida- __________________________________________________________________________________________ Revista Brasileira de Cuidados Paliativos 30 • 2012 • Revista Brasileira de Cuidados Paliativos Cuidados Paliativos de médica. Sabe-se, portanto, que cuidados paliativos e a prática da humanização na assistência em saúde não exigem título de reconhecimento, mas sim, a necessidade de conscientização e sensibilização das intenções de cada componente deste processo, mobilizando indivíduos ao aprendizado e a unificação entre o saber e o sentir, de forma abrangente, disponibilizando estes recursos todos os indivíduos que necessitam de cuidados e atenção. Portanto, edificar novos caminhos que conduzam à sensibilização e conscientização frente ao reconhecimento das próprias limitações diante do desconhecido, ou seja, promover o religar dos aspectos materiais e espirituais que compõe a natureza humana, expansão horizontes onde oportunidades e possibilidades coadunem em seus princípios, invariavelmente perpassa pela reavaliação de valores morais e éticos, que constituem a qualidade do ser, em consonância com propósitos institucionais. Sob este aspecto, o atual desafio perpassa pela validação de uma teia relacional que ultrapasse as limitaReferências bibliográficas ções demarcadas pela ausência de ressonância e pela presença de solidão, ambas originárias de um condicionamento herdado proveniente de padrões arcaicos, estipulados ao longo das décadas. Para finalizar, cabe relembrar que na trajetória de Saunders e Kübler-Ross, estas sistematizações ressurgiram sob diversas formas, e, soberanamente foram molas propulsoras para que a incorporação de uma nova filosofia de cuidados frente à temática morte fosse uma realidade. Atualmente, esta iniciativa ainda ressona em nossa mentalidade no que diz respeito às atitudes e comportamentos mais humanizados despertando constantes reformulações, seja na dimensão das relações intersubjetivas, compostas por todos os seus integrantes, seja através do meio sociocultural, através da opção de uma morte digna de forma compartilhada. Um caminho sem volta, que certamente, irá exigir de seus seguidores a constante presença da unicidade de valores e princípios constituintes dos desígnios do viver e morrer cercado de cuidados, de forma consciente, sensível e humanizada. 1. Menezes, A R. Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos. Rio de Janeiro. Garamond: Fiocruz; 2004. 2. Kovács, M J. 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