“Del fascista al presidente rojo”: as mudanças da imagem

Anuncio
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
“Del fascista al presidente rojo”: as mudanças da imagem de
Lázaro Cárdenas na imprensa comunista mexicana
Fábio da Silva Sousa*
Introdução
Em seu estudo clássico sobre o marxismo latino-americano, Michael
Löwy sentenciou que o Partido Comunista Mexicano (PCM), enquadrou o início
do regime presidencial do Gen. Lázaro Cárdenas, em 1934, como um governo
“nacional-fascista”.1 Contudo, essa leitura realizada pelo PCM não ficou
estática no tempo e alterou-se na segunda metade da década de 1930.
Lázaro Cárdenas del Río nasceu em Jiquilpan de Juárez, Michoacán,
México, em 21 de maio de 1895. Participou do período armado da Revolução
Mexicana (1910-1920), onde foi nomeado coronel em 1915. Governou
Michoacán, entre os anos de 1928 a 1932, foi presidente do Partido Nacional
Revolucionario (PNR) em 1930, um ano depois, tornou-se secretário de
governo, e em 1933, secretário de Guerra e da Marinha. Foi eleito presidente
mexicano em 1934 e exerceu o cargo até 1940. Com o estouro da Segunda
Grande Guerra, foi nomeado comandante das forças militares mexicanas da
costa do Pacifico e foi secretário de Defesa Nacional, entre os anos de 1942 a
1945. Em 1955, recebeu da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) o Prêmio Lenin da Paz. Faleceu na Cidade do México, em 19 de
outubro de 1970, e no dia 20 de novembro do mesmo ano, no 60ª aniversário
da Revolução Mexicana, seus restos mortais foram sepultados no Monumento
à Revolução, localizado na Cidade do México.
O sexênio presidencial de Cárdenas, indubitavelmente, foi um dos
períodos mais significativos da história mexicana após o período revolucionário.
Para diversos autores, os anos de 1934 até 1940 representaram a
consolidação dos ideais da Revolução Mexicana. O conflito político com
Plutarco Elias Calles, o processo de modernização, a nacionalização do
1
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
petróleo, a reforma agrária, o apoio aos republicanos na Guerra Civil
Espanhola, são alguns exemplos dos fatores positivos que serviram de base
para a interpretação, de que com Cárdenas, a Revolução Mexicana havia
cumprido o seu papel. Dentre esses autores, destacamos a análise de Hans
Werner Tobler, que sintetizou os argumentos dessa interpretação do período
cardenista. Segundo Enrique Semo:
Para Tobler, las reformas introducidas por el general
Cárdenas sintetizan todas las demandas populares de la
Revolución, pero su precio fue la subordinación de las
organizaciones sociales al Estado, que debía jugar el papel de
árbitro y tenía la última palabra en todos los conflictos.2
A vitória presidencial de Cárdenas, também trouxe mudanças para o
PCM. Fundado em 1919, o PC mexicano estabeleceu uma relação íntima com
o governo na década de 1920. Os comunistas apoiaram o mandato de Álvaro
Obregón, e estiveram ao seu lado na rebelião “delahuertista”.3 Após a morte de
Obregón em 1928, essa relação amistosa dos comunistas com o poder foi
abalada. Com a chegada de Plutarco Elías Calles a cadeira presidencial e o
início do Maximato, o PCM foi perseguido, o seu órgão central, o periódico El
Machete foi posto na ilegalidade, e foram promovidas detenções e mortes de
diversos
comunistas
mexicanos.
Foi
nesse
período
de
instabilidade,
clandestinidade e repressão que o Gen. Lázaro Cárdenas lançou sua
candidatura à corrida presidencial.
“El fascista”
Apesar da repressão que se iniciou em 1929, o PCM manteve em
circulação a publicação do seu periódico, El Machete.4 No final de 1933, o PCM
articulou a candidatura à presidência do dirigente comunista Hernán Laborde,
pelo Bloque Obrero y Campesino (B.O. y C.). Cabe esclarecer, que o B.O. y C.
foi um importante “braço” político que os comunistas utilizaram para colocar-se
na arena eleitoral, uma vez, como outrora citado, o seu partido estava sendo
2
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
perseguido. A primeira menção sobre a campanha de Cárdenas foi publicado
no primeiro n° de janeiro de 1934 do El Machete. Nesse pequeno texto, o
candidato foi apresentado de forma depreciativa e agressiva pela publicação
comunista, quando visitou sua terra natal, Michoacán. Abaixo, seguem alguns
trechos do artigo:
Cárdenas
y
su
comitiva
de
<<oradores>>
propagandistas al recorrer varios pueblos de Michoacán han
vuelto a repetir, solo que en forma más empalagosa y
mentirosa, los discursos que pronunciaron en Querétaro,
Aguascalientes, Guanajuato y Jalisco.
[…]
El PNR, Cárdenas y sus propagandistas están haciendo
demagogia de grueso calibre, y es un deber nuestro
desenmascararlos con toda energía demostrando con hechos
concretos que Cárdenas es el candidato de la burguesía y de
los terratenientes, del Partido que mediantes el <<Plan
Sexenal>> trata de asegurar la más aguda explotación de las
masas, la fachistazión del Gobierno, la represión sangrienta
del movimiento revolucionario y la preparación del Gobierno
para la guerra imperialista del lado de los Estados Unidos.5
Ao apoiar a candidatura de Laborde, não espanta que o PCM, por meio
das páginas do El Machete, publicasse artigos contra Cárdenas e outros
candidatos a cadeira presidencial. Todavia, apesar dessa práxis da luta
político-eleitoral, devesse destacar o trecho, no qual, o autor anônimo do artigo
assegurou que Cárdenas é um candidato da burguesia, e que sua eventual
vitória, conduziria a uma exploração das massas (trabalhadores do campo e da
cidade) e uma “fachistazión” do Governo. Ao estabelecer um ponto de contato
de Cárdenas com o fascismo, os articulistas do El Machete o converteram não
apenas em um adversário político, como também, ideológico. Na afirmação de
uma aliança entre a burguesia com o fascismo – que na década de 1930,
estava em grande ascensão na Europa e estendia sua sombra para o restante
3
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
do mundo – os comunistas mexicanos, sintonizaram sua leitura da política
mexicana com a interpretação clássica da Internacional Comunista Soviética
(IC). Segundo Edda Saccomani, responsável pelo verbete “Fascismo” no
Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, há quatro abordagens
generalizantes para caracterizar o conceito fascista. Dessas, o que nos
interessa é a abordagem do “Fascismo como uma ditadura aberta da
burguesia”. Segundo Saccomani, nesse aferimento, o Fascismo associa-se à
crise histórica do Capitalismo, que estaria em seu estágio final, e também do
Imperialismo. Com o iminente colapso dos mesmos, a burguesia, para não
sentir-se desamparada, encontraria no Fascismo, a instrumentalização política
para manter o seu domínio “das classes subalternas e, em primeiro lugar, da
classe operária”.6 Reforça esse argumento, o final do artigo do El Machete, no
qual encontra-se a defesa de que se chegar ao poder, Cárdenas estará ao lado
do Imperialismo estadunidense na Guerra que já se vislumbrava no velho
mundo.
Além de rotulá-lo como um candidato da burguesia-latifundiária, as
propostas de Cárdenas também foram duramente criticadas em outros textos.
Como exemplo, em fevereiro de 1934, no n° 285, foi criticada a política agrária
do candidato do PNR, no mais do que sugestivo artigo “El Mentiroso Agrarismo
Cardenista”:
La Secretaría de <<Acción Agraria>> del PNR ha dado a
luz un aborto que se titula pomposamente <<Fraternidad
Amigos del Campesino>>, cuyos 14 puntos demagógicos son
otras tantas falsas promesas pre-electorales para sentar plaza
de <<defensores>> únicos del campesino. ¿Desde cuándo los
penerreanos tan corteses, (<<saludar, estrechándole la mano y
cariñosamente, a todo campesino, en cualquier parte que se le
encuentre>>) tan galantes, tan amoroso con los campesinos?
Tan expontánea y espléndida generosidad recuerda los
halagos de todo rufián para desollar a su presunta víctima.
¡Pero, es que tenemos elecciones para Diputados, Senadores
y Presidente de la República en puerta!...
4
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
Obras son amores y no buenas razones, señores
penerreanos. ¿Qué hubo de las dotaciones provisionales que
se iban a transformar en definitivas por decreto, qué pasó con
lo de la tierra para los peones acasillados y los 20 millones de
pesos para refaccionar a los campesinos?7
Demagogia e falsidade foram alguns dos adjetivos que os comunistas
utilizaram para caracterizar as propostas agrárias de Cárdenas. Os articulistas
do PCM aproveitaram também para atacar a Liga Nacional Mexicana (LNM) e
seu líder, Úrsulo Galván, morto em julho de 1930, e que na década de 1920,
era aliado do PCM. A título de curiosidade, o sarcasmo também foi outra
característica desse texto. Os comunistas mexicanos ironizaram a sigla do
partido de Cárdenas, PNR, ao afirmar que a mesma significava Partido de los
Nuevos Ricos.
No que pese a campanha ferrenha do PCM por meio das páginas do El
Machete, nas eleições de julho de 1934, o Gen. Lázaro Cárdenas saiu vitorioso
da corrida presidencial. Todavia, mesmo com essa derrota, os comunistas
mexicanos continuaram com sua política editorial agressiva:
El resultado de las elecciones estaba previsto. El PNR
tiene en su poder el aparato gubernamental, las Cámaras
Federales y Locales, los fondos públicos, el ejército, la policía,
etc., y serán en fin de cuentas los diputados y senadores
penerreamos los que digan la última palabra al calificar la
elección.
[…]
Esa gente está encantada con el trabajo de su partido.
Cárdenas continuará la política de sus predecesores y <<dará
garantías al capital humano>>, como personalmente lo ha
ofrecido. Su discurso pronunciado en vísperas de las
elecciones es una recapitulación de las promesas demagógicas
que hizo durante la campaña, para asegurarse el apoyo de
masas trabajadores. Pero en ese mismo discurso renueva su
compromiso de dar garantías al capital y pronto lo veremos
5
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
presentarse ante el Presidente Roosevelt, en Washington, para
ratificar ese compromiso.8
Esse foi o tom que o órgão central do PCM dedicou a Cárdenas ao longo
de 1934 e início do ano seguinte. Para finalizar esse tema, em novembro de
1934, foi publicada uma caricatura da presidência cardenista que representa,
visualmente, tudo o que foi exposto acima:
Figura 1 CARDENAS SUBE A LA PRESIDENCIA”. In: El Machete, n° 310, 30/11/1934, p.04. Fonte: Centro
de Estudios del Movimiento Obrero y Socialista, A.C (CEMOS).
Na caricatura assinada por LAB,9 Cárdenas aparece no centro da
imagem, sentado na cadeira presidencial mexicana. No topo há uma águia,
símbolo da bandeira do México, e, também temos visível, acima da cabeça do
novo presidente mexicano, a bandeira do seu país cruzada com a dos Estados
Unidos, abaixo da sigla do PNR, que podemos interpretar como uma alusão à
acusação formulada pelo PCM, de que Cárdenas atenderia os designíos
estadunidenses, ou seja, estaria sob a tutela do Imperialismo dos seus vizinhos
do norte. No lado esquerdo de Cárdenas encontra-se Plutarco Elias Calles, e a
direita, Pascual Ortiz Rubio – de bigode pequeno e camisa branca – e outras
6
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
personagens da política mexicana que não identificamos até o momento. Com
o mentor do Maximato a sua esquerda, para os articulistas do El Machete,
Cárdenas seria apenas mais uma marionete nesse sistema político controlado
por Calles. Mais três referências merecem ser destacadas: 1°) a suástica
nazista entre o “Plan Sexenal”; 2°) a legenda abaixo da bancada,
“PRESIDENCIA DEL ESTADO BURGUES – ALIADO AL IMPERIALISMO.
TERRATENIENTE”; 3°) a imagem de trabalhadores esmagados, com
bandeiras de reivindicações sociais. Essas referências traduzem a crítica
realizada pelos comunistas mexicanos: o Gen. Lázaro Cárdenas seria o
representante do nazi/fascismo no México e nada mudaria em sua gestão
presidencial. O texto abaixo da ilustração manteve esse ataque e alimentou um
possível levante das massas populares contra o governo cardenista: “Mientras
el PNR desata gritería con motivo de la toma de posesión del Presidente
impuesto, los obreros, campesinos y antimperialistas deben responder con el
reforzamiento de sus luchas por su mejoramiento efectivo, agrupando las
fuerzas para las batallas encarnizadas de la próxima etapa”.10
A mudança de discurso da publicação comunista mexicana sobre
Cárdenas ocorreu em 1935. Gradativamente, o fascista foi saindo de cena para
a entrada do presidente rojo.
“El presidente rojo”
Carlos Alberto Sampaio Barbosa dividiu a fase cardenista em três fases,
a saber: 1°) 1934 a 1935; 2°) 1936 a 1938; 3°) 1938 a 1940. 11 Em sua primeira
fase, Cárdenas libertou diversos presos políticos que estavam encarcerados
nas Islas Marias, a maioria de comunistas, legalizou o El Machete e, aos
poucos, o PCM voltou a ser ativo na sociedade mexicana. Contudo, apesar
dessas medidas, os membros do PCM ainda desconfiavam de Cárdenas, e o
primeiro sopro de mudança, ocorreu em julho de 1935, no VII Congresso da IC
de Moscou, onde foi adotada a estratégia das Frentes Populares, no qual, os
PC’s deveriam unir-se a governos democráticos que possuíssem em suas
plataformas políticas, propostas anti-imperialistas, sociais e radicais. Cabe
7
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
ressaltar, que essa tática foi adotada como uma forma de resistência à
influência fascista que se fortalecia com enorme rapidez no final da década de
1930. Nesse Congresso, o PCM foi representado pelo seu Secretário-Geral
Hernán Laborde, e pelos dirigentes José Revueltas e M. A. Veslasco:
La delegación del PCM al VII Congreso de la Komintern
envía una carta al partido; “Venciendo la resistencia y las
vacilaciones que se advierten en la dirección, el partido debe
apoyar expresa y categóricamente las medidas del gobierno de
Cárdenas contra el imperialismo y la reacción en beneficio de
las masas populares. A la vez, el partido debe concentrar real y
concretamente el fuego contra el callismo… Debe exigir
también la ampliación de la reforma agraria hasta la liquidación
del latifundismo… el Partido Comunista debe tomar una
posición definida, rechazando los ataques de la Iglesia y
apoyando resueltamente la ‘educación socialista’, no por
socialista, que no lo es, sino como un programa de reformas
democráticas avanzadas en el ramo de la educación
pública…”12
Essa orientação da IC, o embate de Cárdenas contra Calles, e as
medidas anteriores e favoráveis aos comunistas, não podiam mais ser
ignoradas, e o presidente mexicano, de fascista, passou a ter uma
interpretação positiva nas páginas do El Machete.
O primeiro ponto de união dos comunistas com o presidente mexicano
foi o confronto com Calles. Para o PCM, era imprescindível que o mentor do
Maximato fosse escorraçado do México. Na segunda metade de 1935, o El
Machete publicou diversos editoriais de repúdio a Calles e de aprovação ao
governo cardenista. Como exemplo, temos o editorial “Frente Único Popular de
Apoyo a Cárdenas” publicado em dezembro de 1935. Por ser tratar de um
grande texto, destacamos abaixo, apenas o seu último parágrafo:
No hay tiempo que perder. Hay que empezar enseguida.
Tenemos que organizarnos, prepararnos y estar listos para
8
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
responder en CUALQUIER MOMENTO Y EN CUALQUIER
FORMA, inclusive en las armas en la mano. Nuestro lema en
este
momento
debe
ser:
TODO
EL
PUEBLO
CON
CARDENAS, TODO EL PUEBLO CONTRA CALLES.13
Por mais pragmática que tenha sido essa aliança, salta aos olhos, a
afirmação no editorial acima, de que o povo mexicano deveria unir-se a
Cárdenas. Indubitavelmente, foi uma giro de 180° da imagem do outrora
presidente fascista nas páginas da publicação comunista.
Calles foi derrotado e exilou-se nos EUA no começo de 1936. A queda
do inimigo em comum e o início da segunda fase do governo cardenista, os
comunistas mantiveram sua aliança. Coube a Hernán Laborde a tarefa de
caracterizar o governo cardenista e de explicar, aos leitores da publicação
comunista mexicana, o apoio do PCM ao seu outrora adversário político no
artigo “CLARIDAD Y FIRMEZA EN LA POLITICA Y LA TACTICA DEL
PROLETARIADO”.14 Primeiramente, Laborde apresentou o que seria uma
“confusão” sobre o significado desse governo. Segundo suas análises, o
comando de Cárdenas não era operário e nem camponês, e sim, “NacionalReformista”. Sob essa definição, Cárdenas estaria governando mediante os
diversos interesses nacionais e suas mudanças estavam sendo executadas a
partir de reformas. Com base nesse argumento e também como uma forma de
defrontar os resquícios que poderiam ter sobrevivido do Maximato, Laborde
defendeu o apoio total de todos os setores populares ao presidente. O
Secretário-Geral do PCM concluiu sua análise com a afirmação que somente o
proletariado poderia guiar a classe camponesa em seu objetivo de extinguir o
latifúndio, e, consequentemente, conquistar suas terras reivindicadas. Também
argumentou
que
Cárdenas
poderia
conferir
um
caráter
“Popular
Revolucionário” ao seu governo, o que o tornaria um continuador da Revolução
Mexicana de 1910. O apoio dos comunistas a Cárdenas foi incondicional. Os
adjetivos degradantes foram substituídos por elogios e o El Machete publicou
diversos artigos de aprovação ao presidente mexicano.
9
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
Em 18 de março de 1938, Cárdenas assinou o decreto de expropriação
das empresas petrolíferas. O PCM ficou do lado do presidente mexicano e
lançaram, no dia 23 de março de 1938, um boletim especial do El Machete, no
qual, saudavam com entusiasmo esse medida. Para os articulistas comunistas
mexicanos, a expropriação petrolífera de Cárdenas representou um embate do
governo com a política Imperialista estadunidense. Inclusive, em vários artigos,
foi defendido que a expropriação seria um segundo grito de Independência do
México.
As mudanças não pararam por aí. Em fevereiro de 1936, o Comité
Nacional de la Defensa Proletaria, organizou um congresso nacional de união
entre operários e camponeses, e desse encontro foi fundada a Confederación
de Trabajadores de México (CTM). Essa organização teve como objetivo unir
todos os sindicatos mexicanos. O controle da CTM efetuado Vicente Lombardo
Toledano e Fidel Velázquez Sanchéz colocou o PCM num papel secundário na
organização do movimento operário urbano mexicano no período cardenista.
Outra medida de Cárdenas que recebeu o apoio do PCM foi à
transformação do PNR no Partido da Revolução Mexicana (PRM). A aprovação
dos comunistas evidenciou-se na fala de Hernán Laborde, realizada na
Convenção de fundação do PRM e publicada no El Machete. Abaixo, seguem
alguns trechos do seu discurso:
La transformación del Partido Nacional Revolucionario
señala el comienzo de un nuevo capítulo de la Revolución
Mexicana.
[…]
El Partido Comunista ha afirmado siempre que para
asegurar la victoria del pueblo sobre todos sus enemigos hace
falta solamente una cosa: la unión del pueblo mismo.
[…]
Por eso también, queremos exponer modestamente
nuestra opinión en el sentido de que el nuevo movimiento que
aquí va a estructurarse, debe dar cabida a todos los mexicanos
dignos de este nombre, sin distinción de ideologías o
10
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
creencias, con la sola condición de que respalden la política
emancipadora del Presidente Cárdenas.
[…]
En esta coalición de fuerzas populares, en esta
concentración organizada del pueblo, nosotros los comunistas
pedimos solamente un puesto de lucha y de peligro.
Queremos cooperar, queremos servir, queremos ser
útiles a la Revolución y a su gobierno, al pueblo y a la patria.
Queremos que se nos permita arrimar el hombro y poner
el pecho en la obra y en la lucha común.
Que se nos señale el sitio y las condiciones en que,
dentro del gran Partido de la Revolución Mexicana, podemos
cumplir con nuestro deber.15
O tom de exaltação de Laborde revela um papel de coadjuvante que,
aos poucos, os comunistas começaram a exercer na sociedade mexicana
nesse período. Além de exaltar em demasia a criação do PRM, o dirigente
comunista, em diversas passagens do seu discurso, qualificou Cárdenas como
uma grande liderança e como um continuador das metas sociais da Revolução
Mexicana. O protagonismo do PCM foi eclipsado pela sombra de Cárdenas.
Em julho eclodiu a Guerra Civil Espanhola, que mobilizou um massivo
apoio da opinião pública mexicana aos combatentes republicanos, e no
começo de 1937, o Partido entrou em crise. Trotski chegou ao México e sua
presença tencionou as relações até então amistosas do PCM com Cárdenas.
Todavia, apesar da presença do nêmesis de Stálin em terras astecas, o
presidente foi isento da culpabilidade de ter aberto as portas da casa mexicana
ao “grande traidor da Revolução Russa”. Os articulistas do El Machete
concluíram que Cárdenas, no auge de sua bondade e “boa-fé”, foi ludibriado
por Diego Rivera e Frida Kahlo.
Na terceira fase do governo cardenista, iniciada em 1938, o presidente
mexicano defrontou-se com a rebelião de Saturnino Cedillo. Esse conflito durou
oito meses e o El Machete manteve sua linha editorial de apoio ao presidente
mexicano e de combate aos seus adversários.
11
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
Para finalizar, em junho de 1938, o El Machete publicou um longo artigo
elogioso a Cárdenas, que sintetiza todo esse sentimento de apoio, e não seria
demasiado
afirmar,
também
de
devoção
realizado
pelos
comunistas
mexicanos:
Decir que Lázaro Cárdenas es el gobernante más ilustre
de América es decir lo consabido. Ningún hombre de Estado
muestra hoy su singular relieve. Su personalidad ha sido
forjada en el más difícil y leal de los aprendizajes: en el servicio
del pueblo. Servidor de su pueblo, eso ha sido en todo tiempo
Lázaro Cárdenas, ese es su título más alto.
[…]
México está viviendo, a tono con la época, una bella
etapa de nacionalismo revolucionario. Para vivirla a plenitud,
eficazmente, precisan condiciones excepcionales de audacia y
de realismo. Los enemigos son fuertes, poderosos, con
nombres atemorizadores en el panorama mundial. El pueblo se
levanta contra ellos en la iracundia del hombre digno en trance
de esclavitud. Viene la acometida inevitable. Importa el
acomodamiento estricto entre el ímpetu y la obra, entre el
intento y la posibilidad. México, gallardía y pensamiento,
valentía y serenidad, pone a ritmo preciso su obra libertadora,
su ejemplo americano. Lázaro Cárdenas, mexicano, profundo, valor y serenidad, - llama a su pueblo a la rebeldía y la enseña,
(gran maestro rural, se ha dicho de él) a dar en el blanco sin
perder disparos. Humanidad rica y simple a un tiempo,
Cárdenas es la encarnación de un momento de su tierra.
Por eso será visto mañana como hermano de Hidalgo, de
Morelos, de Juárez y de Zapata.
Honrar a Cárdenas no es sólo rendir tributo al hombre
sino loar las más altas virtudes de un pueblo. En esta hora
atribulada da América, en que se decide la marcha final de
nuestro Continente la figura de Lázaro Cárdenas es, a un
tiempo, símbolo y ejemplo.16
12
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
Não é preciso explanar novamente sobre os adjetivos elogiosos a
Cárdenas, contudo, cabe destacar o trecho em negrito acima, no qual, o
presidente mexicano foi comparado ao padre Miguel Hidalgo, o iniciador da
Independência Mexicana, ao presidente Benito Juárez, o indígena que
governou o México por diversos anos, e a Emiliano Zapata, o principal líder das
facções camponeses e populares do período armada da Revolução. Para o
PCM, Cárdenas colou o trem da Revolução Mexicana nos trilhos e era o
principal condutor em tornar reais as demandas sociais desse acontecimento.
E o seu exemplo não apenas para o país asteca, como também para toda a
América Latina. Da água para o vinho, o fascista deu lugar ao presidente
vermelho e socialista.
Considerações parciais
Esse tamanho apoio teve o seu preço. Em 1940, no final da era
cardenista, foi realizado no mês de março o I Congresso Extraordinário do
PCM. Além da discussão sobre a situação de Trotski no México, nesse
encontro, os comunistas discutiram a sua aliança com Cárdenas. Nos debates
que se seguiram, ficou evidente para os comunistas mexicanos, que eles
estavam atados no governo. Uma das causas detectadas dessa “domesticação
revolucionária” que consumou o PCM foi à política de “unidad a toda costa”,
defendida por Earl Browder, dirigente do Partido Comunista dos Estados
Unidos:
Si bien había sido una realidad la política izquierdista y
sectaria, que en los primeros tiempos del gobierno cardenista
estorbó el despliegue de una política justa, y por otro lado era
verdad que a raíz de la “unidad a toda costa” el partido marchó
en gran medida detrás de la burguesía nacional afectado
sensiblemente por la tendencia cardenista, sin exonerar de
responsabilidad a los dirigentes mexicanos, era indiscutible que
había influido fuertemente en el PCM el peso de la
organización comunista internacional.
13
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
No obstante, la determinación de expulsar a quienes se
juzgó principales responsables fue irreductible. Los métodos
aplicados por la comisión depuradora estaban a tono con las
prácticas en boga en el movimiento comunista internacional y,
particularmente, en la URSS bajo la dirección de Stalin.17
Tanto Browder quanto a IC foram isentos desse “erro estratégico” e a
culpa decaiu sobre diversos dirigentes do PCM. O resultado final foi à expulsão
de diversas lideranças do Partido, o que criou uma divisão no seio do
movimento comunista mexicano, entre elas, estava o Secretário-Geral, Hernán
Laborde. Em maio, Trotski sofreu um atentado a balas em sua residência
localizada em Coyoacán, e, em agosto, foi morto por Jaime Ramón Mercader,
agente a serviço de Stalin. Miguel Ávila Camacho sucedeu Cárdenas na
presidência mexicana e distanciou-se do PCM, que se afogou em um mar de
problemas internos, com intensas crises ideológicas e organizacionais.
A transformação da imagem do Gen. Lázaro Cárdenas perante os
comunistas mexicanos foi intensa e complexa, e esteve associada a fatores
internos e externos, como a ameaça fascista e a influência que a IC procurou
exercer na América Latina. No presente texto, foi demonstrado um pouco
dessa relação contraditória. A imprensa comunista mexicana na década de
1930, representada pelo órgão central do PCM, o periódico El Machete,
apresentou inicialmente Cárdenas como um fascista, aliado ao Imperialismo
estadunidense. E posteriormente, o mesmo periódico, o qualificou como um
grande líder, um presidente socialista e um continuador da Revolução
Mexicana. A leitura que os comunistas realizaram de Cárdenas não ficou
estacionada. Ela movimentou-se e mostrou, que ao torná-lo um presidente rojo,
o discurso de que os anos de 1934 a 1940 representaram a consolidação da
Revolução Mexicana, não foi construído posteriormente pelos pesquisadores
desse período. Ele já foi forjado no calor do momento das reformas cardenista,
em uma época de intensa mudança na sociedade mexicana, tanto no campo
cultural, como no político e no social, e onde os comunistas, exerceram um
papel de figurantes.
14
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
Notas e bibliografia
*
Doutorando em História e Sociedade pela Faculdade de Ciências e Letras, UNESP – Univ.
Estadual Paulista e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo/FAPESP.
1
O conceito de “nacional-fascismo” foi originalmente elaborado pelo militante comunista
italiano Vittorio Codovilla, ao analisar os governos latino-americanos, depois da Conferência
dos Partidos Comunistas da América Latina, realizada em 1929, na cidade de Buenos Aires,
Argentina. In: LÖWY, Michael. Introdução. Pontos de referência para uma história do marxismo
na América Latina. In: _____. (Org.). O marxismo na América Latina. Uma antologia de 1909
aos dias atuais. 2 ª ed. ampl. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006, p.21.
2
SEMO, Enrique. TOBLER, HANS WERNER. In: TORRES PARÉS, Javier & VILLEGAS
MORENO, Gloria. Diccionario de la Revolución Mexicana. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2010, p.601.
3
Em 1923, Adolfo de La Huerta contava com o apoio de Obregón para sua possível
candidatura à presidência, contudo foi preterido por Plutarco Elias Calles. Descontente com
essa decisão, De la Huerta rebelou-se contra o governo federal, e iniciou uma rebelião que
ficou conhecida como “delahuertista”. Esse levante se concentrou na região de Veracruz, e foi
desmantelada, entre fevereiro e maio de 1924, com um saldo de sete mil pessoas mortas. O
PCM, que nesse período mantinha uma relação de proximidade com o governo obregonista,
tinha uma grande influência de vários setores camponeses, os armou, e, junto com as forças
do exército federal, liquidaram o movimento rebelde. Entre as vítimas comunistas desse
embate, pereceram alguns dirigentes, como José Cardel, José María Caracas, Guilhermo Lira,
José Fernádez Oca y Antonio Ballesco. In: PELÁEZ, Gerardo. Partido Comunista Mexicano. 60
años de historia. I (Cronologia 1919-1968). México: Universidad Autonoma de Sinaloa, 1980,
p.23.
4
Para realizar um estudo do PCM nesse período, o periódico El Machete é uma fonte valiosa
de informações. Todavia, não será apresentado nesse texto um resumo sobre a sua trajetória,
que pode ser consultado em outros trabalhos. In: SOUSA, Fábio da Silva. Dos e Para os
operários. Questões metodológicas de pesquisa em jornais comunistas (El Machete e A Classe
Operária). In: Revista de História Comparada. PPGHC, Rio de Janeiro, Ano 6, v. 6, n. 2, p. 4967,
2012.
Disponível
em:<http://www.revistas.ufrj.br/index.php/RevistaHistoriaComparada/article/view/323>. Acesso
em: 23 jul. 2014.
5
El Machete, “La Gira de Cárdenas”, n° 281. 10/01/1934, p.01 e 04 – negrito nosso. O Partido
Nacional Revolucionário (PNR) foi criado em março de 1929 por Plutarco Elias Calles. Em
1938, o Gen. Lázaro Cárdenas, apoiado pela classe operária e camponesa mexicana,
modificou o PNR e fundou o Partido da Revolução Mexicana (PRM), que recebeu apoio do
PCM. Em 18 de janeiro de 1946, no final do mandato do presidente Manuel Ávila Camacho,
que sucedeu Cárdenas, o PRM converteu-se no Partido Revolucionário Institucional (PRI), que
desempenhou um papel de intenso controle na vida política mexicana até os dias atuais. O
Plano Sexenal foi proposto por Calles no Segundo Congresso do PNR, que definiu as bases da
sucessão presidencial de 1934 a 1940. As reformas defendidas nesse plano eram amplas,
visando atingir os campos econômicos e sociais do México. Ao se lançar candidato, Cárdenas
defendeu a execução das medidas do Plano Sexenal.
6
SACCOMANI, Edda. Fascismo. In: PISTONE, Sergio. Bonapartismo. In: BOBBIO, Norberto
(et al.). Dicionário de Política. 3a ed. Brasília: Editora de Brasília. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 1991, Vol. 1 (A – K), p.470.
7
El Machete, “El Mentiroso Agrarismo Cardenista”, n° 285. 20/02/1934, p.02.
8
El Machete, “EL RESULTADO DE LAS ELECCIONES”, n° 296. 10/07/1934, p.02.
9
LAB são as iniciais de Luis Arenal Bastar. Ingressou ao PCM em 1932, foi um dos fundadores
da Liga de Escritores e Artista Revolucionários (LEAR) e de seu periódico oficial, o Frente a
Frente. Em 1937 participou da fundação do Taller de la Gráfica Popular (TGP) participou do
atentado contra Trotski em 1940, que foi organizado por Siqueiros. Ambos, Arenal Bastar e
Siqueiros, obtiveram asilo no Chile em 1941. Arenal Bastar regressou ao México em 1943,
15
Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
onde viveu até maio de 1985. Pintor e gravurista, publicou diversas charges e caricaturas no El
Machete e em diversas publicações mexicanas. In: PABLO HAMMEKEN, Óscar de. La Rojería
(Parte I). Diccionario biográfico de la izquierda socialista mexicana. In: Memoria. México/DF:
CEMOS, mayo 2010a, nº 242, p.38.
10
El Machete, “CARDENAS SUBE A LA PRESIDENCIA”, n° 310. 30/11/1934, p.04.
11
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP,
2010, p.105.
12
PELÁEZ, Gerardo. Partido Comunista Mexicano. 60 años de historia. I (Cronologia 19191968). México: Universidad Autonoma de Sinaloa, 1980, p.52.
13
El Machete, “Frente Único Popular de Apoyo a Cárdenas”, n° 374. 18/12/1935, p.03.
14
El Machete, “CLARIDAD Y FIRMEZA EN LA POLITICA Y LA TACTICA DEL
PROLETARIADO”, n° 391. 11/03/1936, p.01 e 04.
15
El Machete, “Discurso del Secretario General del Partido Comunista de México en la
Convención Constituyente del P.R.M”, n° 519. 09/04/1936, p.01 e 10.
16
El Machete, “Cómo ve el Mundo a Lázaro Cárdenas”, n°554. 28/06/1938, p.04 – negrito
nosso.
17
ENCARNACIÓN PÉREZ, J. En el sexênio de Cárdenas. In: MARTÍNEZ VERDUGO, Arnaldo
(Org). Historia del comunismo en México. México: Ediciones Grijalbo, 1985, p.186.
16
Descargar