Cultura e etnicidade nos Estados nacionais: o apagamento da diferença Carolina Rodríguez-Alcalá Laboratório de Estudos Urbanos - Labeurb/Nudecri carolina@unicamp.br Língua sentido religioso sentido cultural expressão da fé verdadeira expressão da cultura autêntica defesa da religião defesa da nação heresia estrangeirismo “etnicidade” SCHOLAR GOOGLE • Antes de 1980: 15 ocorrências (aproximadamente) • Após 1980: 1.350.000 ocorrências «língua e etnicidade»: 808.000 ocorrências Políticas públicas: Instrumentos legais (língua/cultura): • Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (Barcelona, junho de 1996) • Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias (Estrasburgo, outubro de 1992) • Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (Paris, outubro de 2003) Etnicidade & cultura: ORIENTAÇÃO PARA O PASSADO origem & herança cultural transmitida de geração em geração (símbolos identitários: personagens lendários, língua, costumes, tradições) afinidade natural (“consenso etnocultural”) fontes clássicas: • Johann Gottfried von HERDER (1744-1803) • Ferdinand TÖNNIES (1855 - 1936) Conceito moderno: Caráter essencial X caráter instrumental “...a etnicidade não é mais concebida como um conjunto de símbolos essenciais ou imutáveis, mas como traços que se formaram no curso de uma história comum que a memória coletiva do grupo nunca deixou de transmitir de modo seletivo e de interpretar, transformando determinados personagens lendários, por meio de um trabalho do imaginário social, em símbolos significativos da identidade étnica. E esta refere-se sempre [...] a uma origem comum suposta.” (Poutignat e Streiff-Fenart . 1997. Teorias da Etnicidade, p. 30) Herder • Si les mots ne sont pas de simples signes, mais, pour ainsi dire, les enveloppes dans lesquelles nous percevons les pensées, je dois considérer une langue, en son entier, comme une grande étendue de pensées devenues visibles, comme un immense pays de concepts. Des siècles et une succession de générations ont déposé dans ce grand réceptable leurs trésors d´idées, si bien ou mal formées qu’elles aient pu être. (Herder 1766 /1987/, p. 83) • Chaque nation possède son propre dépôt de pensées ainsi devenues signes. Et ce dépot c’est sa langue nationale : un dépôt auquel, des siècles durant, elle a apporté sa contribution, un dépôt qui [...] ne cesse d’appartenir en propre à la nation qui le possède et qu’elle seule peut faire fructifier : le trésor de pensées de tout un peuple. (ibidem) • Ainsi chaque nation parle en fonction de ce qu’elle pense et pense en fonction de ce qu’elle parle. [...] Et c’est précisément par ce moyen que l’oeil de toutes les générations s’est, pour ainsi dire, habitué à ce point de vue, s’est lié à lui, s’y est fixé ou tout au moins s’en est tenu tout proche. (ibidem , p. 88) • EFEITO 1: para o interior do grupo: • consenso, afinidade (tradição, origem comum) • EFEITO 2: para o exterior do grupo: • “recém-chegados” não pertencem ao grupo “propriamente” QUESTÃO: impossibilidade de não hierarquizar as diferenças “pluralismo”, “simetria” • Chaque livre est un parterre de fleurs et de pousses diverses, chaque langue un immense jardin parsemé d’arbres et de plantes, qui empoisonne et guérit, nourrit et affame, offert aux yeux, à l’odorat et au goût. Avec son relief varié, issue de toutes les parties du monde et remplie de toutes ces couleurs, au croisement de nombreux lignages et de multiples espèces, la langue est un spectacle qui vaut la peine d’être vu. Qui se contentera de contempler l’épure du jardin tracé en lignes mortes, alors que son contenu vivant promet tant de connaissances nouvelles, et qui s’en tiendra à la forme sèche de la langue, alors que le matériau qu’elle contient en constitue le noyau ? (Herder 1766 /1987/, p. 84) Assimetrias (hierarquização) • « Une langue est-elle instrument des sciences ? Alors, un peuple qui aurait eu de grands poètes sans una langue poétique, des prosateurs butils sans une langue flexible, et de grands penseurs sans une langue rigoureuse est un non-sens. Qu’on mette à l’épreuve ce que j’affirme en essayant de traduire Homère en hollandais sans le travestir, de rendre dans la langue des Lapons les grivoiseries de Brébillon, et de restituer Aristote dans une de ces langues sauvages qui n’offrent aucun asile aux concepts abstraits. » (p. 80) Tönnies GEMEINSCHAFT (comunidade) GESELLSCHAFT (associação, sociedade) Laços primordiais Efetivos Naturais Orgânicos Passado, tradição Família > Cidade, Nação Laços secundários Racionais Artificiais Mecânicos Modernidade, progresso Urbe, Metrópole, Estado Wessenwille (vontade natural-essencial) Kürwille (vontade racional-instrumental) “passé” • La voluntad natural deriva del pasado y puede ser explicada solamente en términos concernientes a este; al igual que el futuro, por su parte, se desarrolla a partir del pasado. Homogeneidade: • Cualquiera que sea su origen empírico, la ciudad ha de ser considerada como un todo del que la solidaridad individual y las familias particulares que la constituyen son necesariamente dependientes. Tanto en lo que atañe a su lenguaje, sus costumbres, su credo, como con su tierra, sus construcciones y sus tesoros, representa algo perdurable que sobrevive a la secuencia de generaciones y reproduce siempre […] el mismo carácter e idéntica actitud intelectual. (ibidem, p. 64) Poder: • Llamo dignidad o autoridad a un poder superior que se ejerce en beneficio del subordinado y que, al hallarse en concordancia con su voluntad, es aceptado. (ibidem, p. 38) Assimetrias sociais • Un prejuicio tan arraigado como irreflexivo considera a la servidumbre una desgracia para la humanidad porque viola el principio de la igualdad entre los hombres. En realidad, un ser humano, a causa de un proceder servil motivado bien por el miedo (habitual o supersticioso) bien por el cálculo y justiprecio de su propio interés, puede degradarse a sí mismo en el interior de múltiples relaciones con cualquier otro, tal como los subordinados, aun cuando se encuentren formalmente bajo contrato libre, y pueden ser oprimidos y torturados por la arrogancia e impiedad de un amo tiránico y codicioso. (ibidem, p. 53-5) Militarismo: • La nación es a la comunidad lo que el animal (zoon) es a la planta (phyton). La idea general del ser vivo está representada de manera más pura por la planta, pero más completamente por el animal. La idea del cuerpo social, de igual manera, encarna de manera más pura en la comunidad y de manera más plena en la nación. • La nación, al igual que el animal y sus órganos especiales, se vuelve al exterior, se defiende, busca, conquista, esto es, lucha, pero de tal manera que conserva las funciones vegetativas, pues le son esenciales y las otras sólo sirven para sus fines. El sistema nervioso provee al animal de la facultad de las sensaciones sincronizadas. En la nación, el ejército sirve para lo mismo. En el ejército ciertos elementos asumen la jefatura y comunican sus impulsos al resto. Con lo que la autoridad del jefe queda reconocida en todas las unidades. […] • La nación en sí no es el ejército sino un sistema de familias, clanes y comunidades; sin embargo, el ejército, como encarnación de la voluntad y el poder unitarios, representa a la nación en el mundo exterior. (p. 250-251). “etrangeiros” • Los extraños pueden ser aceptados y protegidos como miembros de la servidumbre o invitados bien temporal bien permanentemente. Pueden de este modo pertenecer a la comunidad como objetos, pero nada fácilmente como agentes activos y representantes de la comunidad. (ibidem, p. 271). • The International Relations Dictionary (edição de 1969): Grupo étnico: “um grupo social que compartilha uma ideologia comum, instituições e costumes comuns e um sentimento de homogeneidade” • “Primordialismo” Kallen (1915): fonte de “ligações primárias e fundamentais”: “similaridade intrínseca” entre aqueles que, “sem tê-la escolhido”, compartilham “uma herança cultural transmitida por ancestrais comuns”. Shils (1957): termo “primordialista”: importância dos “grupos primários” na integração e na reprodução da “sociedade global” • Durkheim, La division du travail social: o que cria a “solidariedade” não é a “cooperação” (como afirmava Spencer) mas “forças impulsivas como a afinidade sangüínea, a ligação ao mesmo solo, o culto dos ancestrais, a comunhão dos costumes. É somente quando o grupo se forma nestas bases que a cooperação nele se organiza.” • Geertz (1963): existência de um tipo de “ligações primordiais” que deriva mais de um “sentimento de afinidade natural” do que da interação social; essas ligações primordiais são as que se baseiam em “dados intuitivamente percebidos como imediatos e naturais da existência social”, podendo ser, segundo o caso, “o vínculo de sangue presumido, os traços fenotípicos, a religião, a língua, a pertença regional ou o costume” • “O que deriva do domínio da etnicidade não são, assim, as diferenças culturais empiricamente observadas, mas as condições nas quais certas diferenças culturais são utilizadas como símbolos da diferenciação entre insiders e outsiders [...] uma vez selecionados e dotados de valor emblemático, determinados traços culturais são vistos como a propriedade do grupo no duplo sentido de atributo substancial e de posse (...) e funcionam como sinais sobre os quais se funda o contraste entre Nós e Eles. – marcas inalienáveis do grupo. (Poutignat e Streiff-Fenart 1997, p. 130) CARTA EUROPEIA DAS LÍNGUAS REGIONAIS OU MINORITÁRIAS (1992) • Os Estados membros do Conselho da Europa, signatários da presente Carta, • Considerando que a finalidade do Conselho de Europa é a de alcançar uma união mais estreita entre os seus membros a fim de salvaguardar e de promover os ideais e princípios que são seu patrimônio comum; • Considerando que a protecção das línguas regionais ou minoritárias históricas da Europa, algumas das quais correm o risco, ao longo do tempo, de desaparecer, contribui para manter e desenvolver as tradições e a riqueza culturais da Europa; • Considerando que o direito de utilizar uma língua regional ou minoritária na vida privada e pública constitui um direito imprescritível, em conformidade com os princípios contidos no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, e de acordo com o espírito da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa; • Salientando o valor do interculturalismo e do multilinguismo, e considerando que a protecção e o incentivo às línguas regionais ou minoritárias não deveriam fazer-se em detrimento das línguas oficiais e da necessidade de as aprender; • Conscientes do facto de que a protecção e a promoção das línguas regionais ou minoritárias nos diferentes países e regiões da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da diversidade cultural, no âmbito da soberania nacional e da integridade territorial; • Tendo em conta as condições específicas e as tradições históricas próprias de cada região dos países da Europa • Artigo 1.º- Definições • Para os fins da presente Carta: • a) A expressão “línguas regionais ou minoritárias” designa as línguas que são: • i Utilizadas tradicionalmente no território de um Estado pelos cidadãos desse Estado que constituem um grupo numericamente inferior ao resto da população do Estado; e • ii diferentes da(s) língua(s) oficial(is) desse Estado; • Não inclui nem os dialectos da(s) língua(s) oficial(is) do Estado nem as línguas dos migrantes; Declaração Universal do Direito Linguístico (1996) • Conscientes de que é necessária uma Declaração Universal dos Direitos Linguísticos que permita corrigir os desequilíbrios linguísticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as línguas e estabelecer os princípios de uma paz linguística planetária justa e equi­tativa, como factor fundamental da convivência social; • Por todas estas razões, esta Declaração toma como ponto de partida as comunidades linguísticas e não os Estados • Conceitos • Artigo 1.º • 1. Esta Declaração entende por comunidade linguística toda a sociedade humana que, radicada historicamente num determinado espaço territorial, reconhecido ou não, se identifica como povo e desenvolveu uma língua comum como meio de comunicação natural e de coesão cultural entre os seus membros. A denominação língua própria de um território refere-se ao idioma da comunidade historicamente estabelecida neste espaço. • 5. Esta Declaração considera como grupo linguístico toda a colectividade humana que partilhe uma mesma língua e esteja radicada no espaço territorial de outra comunidade linguística, mas não possua antece­dentes históricos equivalentes, como é o caso dos imigrantes, dos refu­giados, dos deportados, ou dos membros das diásporas. • 2. Esta Declaração [...] adopta como referência da plenitude dos direitos linguísticos, o caso de uma comunidade linguísti­ca histórica no respectivo espaço territorial, entendendo-se este não apenas como a área geográfica onde esta comunidade vive, mas tam­bém como um espaço social e funcional indispensável ao pleno desen­volvimento da língua. É com base nesta premissa que se podem estabe­lecer, em termos de uma progressão ou continuidade, os direitos que correspondem aos grupos linguísticos mencionados no ponto 5 deste artigo e os das pessoas que vivem fora do território da sua comunidade.