facebook.com/lacanempdf O Psicanalista entre o Mestre e o Pedagogo Diana S. Rablnovich ' Versão para o português: Luís Flávio S. Couto' RESUMO Este texto apresenta uma primeira aproximação com os chamados "quatro discursos em psicanálise': o discurso do Mestre, o discurso da Universidade, o discurso da Histérica e o discurso do Analista. Apresenta, de forma didática, os termos que compõem os discursos (S1, S2, a eg), bem como as posições invariáveis (agente, outro, produção e verdade). Detalha, em seguida, cada discurso separadamente, mostrando o significado de cada termo em sua posição específica e em sua relação com os demais termos que compõem cada discurso. Tem como referência básica a figura dos quatro discursos tal como Lacan apresenta no Seminário O avesso da Psicanálise (1969/70), em Radiofonia (1970, p. 99), e na Conferência de Milão sobre o Discurso Analítico (121051197211978a). Palavras-chave: Psicanálise, Lacan, os quatro discursos ABSTRACT This paper presents the first step towards what are called, "four /ectures in Psychoana/ysis": the lecture ofthe Teacher, the /ecture oi the Universily, lhe /eclure of lhe Hysteric and lhe /eclure of lhe Analysl. The lerms lhal make up lhe /eclures (S1, S2 and S) are represenled, as we/1 as lhe invariable positions (agenl, olher, produclion and truth}. Each /eclure is thereafter detailed separately, demonstrating each term in its specific position and in its relatíon to the rest of the terms that make up lhe /eclure. The lexl uses lhe figure oi lhe four leclures trom those such as Lacan presents in his Seminar: The olher side oi Psychoanaysis (1969/70), in Radiofonia (1970, p.99) and in lhe Milan Conference aboul Analytica/ Discourse (1972) as a basic reference. Key words: Psychoanalysis, Lacan, lhe four leclures. 1 Psicanalista, Professora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires 2 Psicanalista, Pós·doutorado na Universidade Paris 8, Professor da UFMG, PUCMlnas e Instituto Newton Paiva. 9 E .. . da psicanálise, Lacan (1969-70) introm seu sem1nano O avesso . bre os quatro discursos. duz a sua teo~iz~ça_o so ma teoria do discurso que domina as Lacan re1nvind'.~ª - fre~.te ª uas quais esse é O produto de um sujeito ciências chamad~s. humana\~~~~io _ a primazia da cadeia significante, centro, de um su1~1to pleno, 1 ui·eito voluntário, consciente, e cuja artique se desloca alem de qua quer s cula~~is~~~~~ ~ ~~c:~~~ de uso da linguagem como vínculo .. Só há vínculo social naquilo que se designa como discurso, vínculo poss1vel ~penas entre seres que falam, os 'falasser" - [parlêtres] (Lacan, 1971 ). O d1scu~so não se funda, então. no sujeito. mas na estrutura da linguagem e, por fim, na do significante. . . . . A psicanálise descobre um sujeito c1nd1do .. su1e1to atravessado pelo desejo e pelo gozo: o sujeito do inconsciente. O 1nconsc1_e~te, _d1z-n~s Lacan, está estruturado como uma linguagem que se chamara Fal1ngua , diferente de ·alíngua". linguagem atravessada pelo desejo, o gozo e o impossível da sexualidade e da morte (Ct. Miller. J-A. 1977). O discurso não é. pois. realidade primeira a ser interpretada em seu sentido. mas efeito da cadeia significante. Lacan continua, assim, a sua tareia incessante de descentramento, a sua critica ao todo. ao centro, à esfera. O movimento dos seminários reintroduz a falta. a descontinuidade, a não complementaridade, a hiância... , torna inútil toda restauração de um centro. O discurso concebido como produto da articulação significante é um discurso sem palavras, que, como tal, gera palavras; é um discurso sem sentido, que gera a própria proliferação do sentido. Os quatro discursos são quatro configurações significantes que se diferenciam e se especificam por sua distribuição espacial. Quatro postos fixos, quatro significantes que rodam nesses mesmos postos e que determinam, na sua rotação, a emergência da própria trama discursiva. Em 1957, na "Instância da letra no inconsciente", Lacan escreve o algoritmo {- - (leia-se significante sobre significado) que, em um ato único de escritura, transforma radicalmente o signo saussureano. Pontualizemos brevemente os alvos conceituais dessa transformação. A solidariedade entre ambos os membros do algoritmo desaparece ao desaparecer o círculo que, em Sausure (1961 ), os engloba; seu equilíbrio se esfuma ao trasladar-se o peso da determinação do significado ao significante cuja primazia Lacan postula; a barra ganha um valor novo e insólito ao se tornar "barreira" resistente é significação. 10 Assim, nada une um significante a um significado determinado; 0 signi­ ficante deixa de ser "representação" do significado, do sentido pré-existen­ te, e a significação, articulada como produção, deve vencer uma "barreira" para poder emergir. O significante, em sua concatenação (metafórica e metonímica), deter­ mina o efeito de sentido. Não existe, portanto, sentido algum, qualquer ''ver­ dade" que o significante represente ou traduza. O sentido cai enquanto in­ tencionalidade do discurso da consciência que "conhece", que "sabe", para surgir, em troca, como produção - cifrada - da articulação significante. Desse modo, os valores de verdade e falsidade se rompem no jogo significante do inconsciente freudiano de onde o sujeito fala sem saber o que diz, diz a sua verdade sempre "pela metade", disfarçada, no próprio equívoco de seu sintoma, de seu lapso, de seu sonho... Verdade dita "a meias" por um sujeito dividido, cuja cisão constitutiva não admite nenhuma totalização, nenhuma unidade, nenhuma plenitude de sentido. O que é, então, um significante? Lacan (1975) nos diz: "um significante é o que representa um sujeito perante outro significante". Representa pe­ rante outro significante - em caráter de representante, não de representa­ ção, pois o outro significante nada sabe nem se representa - a um sujeito. O significante, em sua articulação, não representa o que não está, engen­ dra-o; aquilo que não está na origem e é engendrado pelo significante é justamente o sujeito; significante e sujeito são, pois, solidários. Esse sujeito que Lacan conceitualiza esvaziado de toda substância fenomenal, metafísica ou biológica - para fundar uma subjetividade que recolhemos diariamente na prática psicanalítica, esse sujeito do inconsci­ ente pode ser dito, tomando-se como referência o cogito cartesiano, do seguinte modo: "... penso de onde não sou, logo sou de onde não penso... não sou, ali de onde sou o joguete de meus pensamentos, penso no que sou, ali de onde penso não pensar" (Lacan, 1975). Introduzimos, com a própria definição de significante, três dos quatro significantes que intervêm na estrutura de cada um dos discursos: S 1 , o significante que representa o sujeito; S2 , o significante ante o qual o S 1 re­ presenta o sujeito e em concatenação com o qual se estrutura a cadeia mínima necessária para o surgimento da significação S 1 -> S2 ; e S, o suj:i­ to sempre cruzado pela barra que o marca como dividido. Essa operaçao de constituição do sujeito por ação do encadeamento significante entre S 1 e S2 deixa um resto - nosso quarto termo - o objeto "a", objeto-causa de desejo, também denominado por Lacan mais-de-gozar. Eis aqui os quatro discursos, tais como são estabelecidos em Radiofo­ nia (Lacan, 1970, p. 99). 11 DISCURSO DA UNIVERSIDADE DISCURSO DO MESTRE .·x. S 1 lmpo~oola ., j se esclarece por regressão do se esclarece por seu progresso em DISCURSO DA HISTÉRICA DISCURSO DO ANALISTA ... s a Impotência ~" .. s ... " "- s Quadro 1 Lugares O Agente O Outro A Verdade A Produção Termos S, - o significante-mestre S 2 - o saber S - o sujeito a - o mais-de-gozar A rotação progressiva é definida por Lacan como aquela que se realiza em sentido contrário é rotação horária. O seu Inverso, como regressiva. Desse modo, cada rotação de um quarto de circulo marca a passagem entre os discursos. 12 Esses discursos não representam nenhum progresso histórico e a pas sagem de um a outro não marca progressão ou regressão evolutiva, ne nhum crescimento, nenhuma conclusão, nenhuma hierarquia. Os discursos mantêm entre si relações de oposição e suplementaçãc (ver quadro 1). O título do seminário no qual Lacan formula os quatro discursos - ( Avesso da psicanálise - já marca que a relação entre os discursos devE ser pensada como uma relação de trama, de textura, de direito e de avesso como um pano cujo desenho varia segundo a disposição dos fios significantes: o seu horizonte teórico é a banda de Moebius - sem direito nem avesso - desprovida de borda até que introduzimos um corte, uma descontinui· dade, possível apenas pela ação do significante. Não há entre os discursos qualquer relação de causa e efeito; eles não se explicam um pelo outro. Nenhum desses discursos é "a verdade". A verdade como lugar está presente em cada um deles, sempre oculta, e sempre em disjanção com a sua produção. Esses discursos não os elegemos. Eles nos elegem e nos arrastam além de nossa vontade, de nosso "querer dizer'', nos falam apesar de nós. Examinemos agora, mais detalhadamente, os quatro significantes cuja articulação configura os quatro discursos. s, Qualquer significante pode ocupar, em princípio, esse posto, pois, por definição, todo significante pode representar um sujeito para outro significante. S, é, então, o significanS __ 5 te que representa o sujeito como diferente do indivíduo vi, > 2 vente, como sujeito atravessado e determinado como tal pela ação do significante. É o significante primeiro, condição para a articulação da cadeia. Nome do pai, traço unário, significante da lei, falo simbólico, são essas algumas das denominações do S1 na álgebra lacaniana. "S 1 é entre todos os significantes esse significante do qual não há significado, e que, enquanto sentido, define o seu fracasso" (Lacan, 1971 ). É um significante vazio de significação. Ele surge graças à subtr!:'ção de tudo aquilo que tem como função suportar sentido ou significação. E por excelência "pas de sens', sem sentido que desliza em duas direções: a falta de sentido e o nonsense inglês - o equivoco, o absurdo. Significante Mestre s, o Designa a bateria significante, aqueles significantes que já estão ali. O saber liga os significantes em uma relação de Saber rede - um significante S1 com um significante S2 • _ A psicanálise é o descobrimento de um saber que nao se sabe - o inconsciente - cuja articulação é a do S2 , articulação reticular 13 . 'f' ntes O ventre do grande Outro - diz-nos Lacan (1969-70) d e s1grn 1ca · · f · d b om t t está cheio de significantes, fundando, assim, a antas1a o sa er c o o a. o ser.h umano, eno saber tem uma articulação peculiar com o gozo. lidade. quanto parlêtre, falasser, é solidário da insi~tência de u~~ escritura, de um~ cadeia significante cuja repetição leva-o. ale~, (com_o d1z1a Freud), do horizonte homeostático do prazer para abrir a d1mensao do gozo (Cf. Freud, 1920). . _ . A repetição não é um ciclo natural, e denotaçao precisa de ~m trayo o unário - (uma das formas de S,) - , traço que comemora a 1rrupçao do gozo. . . Gozo e cadeia significante se ligam. O trabalho do 1nconsc1ente surge como o próprio jogo da cadeia significante, jogo que produz esse gozo insólito do qual Freud nos falava na identidade de percepção do processo primário. Esse desejo que se realiza na busca da marca primeira e mítica (Cf. Freud, 1895 e 1900). A linguagem define-se, então, como aparato de gozo com o qual a realidade é abordada. Esse saber que não se sabe limita-se a esse gozo insuficiente, constituído pelo próprio fato de sua fala. O gozo é, pois, inseparável da repetição, ultrapassando, assim, o princípio de prazer. A própria repetição funda-se em um retorno do gozo, repetição na qual se produz algo que é fracasso, defeito, perda. Nesse ponto de perda, surgirá a função do objeto "a", função que aponta, no campo freudiano, a situação original do objeto perdido. Objeto "a" O objeto "a", conceito complexo, encruzilhada de um grande número de articulações teóricas de Lacan, nos obriga a uma abordagem parcial. Objeto "a", objeto causa de desejo, mais-de-gozar são alguns de seus nomes. Nenhuma dessas denominações é, por certo, ao acaso. Detenhamo-nos na palavra-causa que vincula o objeto "a" com O desejo. E~tre '.'.ª"e.º desejo existe uma ~elaç_ão de "causa~ão", de provocação; o objeto a esta nele antes do desejo, nao em sua satisfação; não é O seu objeto-fim ou a sua meta. O "a" desperta o desejo e, enquanto objeto metonímico que circula entre os significantes, escapa a toda captura. O estatuto do "a" como cau.sa não deve confundir-nos; para vir a se como tal, ele deve constituir-se. E um objeto-produto, resto, resíduo de um r operação: a do surgimento do sujeito pela ação do sistema significanteª Não se trata de um objeto "natural", "dado", mas de um objeto-efeito d· ordem simbólica. a Somente após surgir como efeito do significante, de ser esse resto irre- .? 14 dutível daquilo que~ no cam~o da.sexualidade humana, resiste ao significante, so~ent: ~.ntao podera fun~1onar como objeto causa de desejo. No obJeto a confluem duas linhas de desenvolvimento do pensamento freudiano acerca do objeto: o objeto do desejo como objeto perdido e 0 objeto da pulsão como objeto parcial (Cf. Freud, 1900, 1905 e 1915). Freud sempre enfatizou a importância do objeto perdido, proibido, na estruturação do desejo inconsciente. Lacan nos diz que a problemática do objeto em psicanálise é a problemática da falta de objeto. Essa não deve ser reduzida à presença-ausência fenomenológica: a falta atua para a "cria" humana através da própria estruturação da ordem simbólica. A falta não causa o significante; é este, em troca, quem a cria. É daí que Lacan insiste: no real. nada falta. E o significante que introduz a falta como tal no real. Recorde-se a conceitualização lacaniana da castração: se a mulher pode surgir como castrada. privélda, para ser mais exato, é porque, na ordem simbólica. a primazia do falo. significante simbólico, faz surgir esse objeto imaginario que falta ali de 011de no real nada falta - o falo materno, atributo imaginário da mãe fálica O desejo humano e. certa,nente, sexual, mas se sustenta em ·~raços" e é a busca repetitiva e incessante desse "primeiro traço" enquanto percepção que. no marco freudiano. alcança a sua realização. Nenhum objeto pode. portanto. estar-lhe predestinado; o sexo, em sua inscrição significanie. deixa de ser aparelhamento, complementaridade, para mostrar-se como conflitivo. desgarrado. suplementário. O desejo é, pois, já em Freud, falta. Falta que. em Lacan, se transmuta: o desejo é desejo de um desejo, isto é, desejo daquilo que, no outro, é também falta, falta que faz surgir um quociente. um resto a ser tomado ao pé da letra. Esse resto é o objeto "a". O objeto ·a", como resto, coloca-nos frente a outra de suas características essenciais: sua parcialidade. Já Freud, nos Três ensaios, nos falava da pulsão como parcial, objeto parcial que os psicanalistas, seguindo mais Abraham que o próprio Freud, acreditaram necessário e imprescindível articular em uma totalidade - chamando-a genital ou depressiva, tanto faz. Sem dúvida, esse objeto é parte, recorte, que se imprime por sobre o suposto objeto da necessidade - o peito nutriz, por exemplo -, esse outro objeto, para sempre desprendido desse todo que podemos chamar de mãe, que é o seio, uma das máscaras posslvels do "a". Porque Lacan chama "a" o objeto do desejo? Resumamos, brevemente, a sua história na álgebra lacaniana. Costumamos dizer o a em castelhano como o pequeno "a", embora fosse mais correto chamá-lo "a" minúsculo (petit a - em francês). Aparece, primeiro, na teoria lacaniana como sfmbolo do outro com minúscula (/'autre), o outro da especularidade, o outro imaginário em torno do qual se estrutura a função narcisice do eu (mo,), funda- 15 menta da estrutura imaginária do eu. Esse "outro" é aquele em torno do qual surge o objeto de equivalência do transitivismo, objeto da concorrência especular, que não deve confundir-se com o objeto do desejo. Com o tempo, o (a) continuará designando esse outro com [a] minúsculo que faz contraponto na teoria lacaniana com o Outro com maiúscula (grand Autre), aludindo o primeiro ao campo da intersubjetividade, o outro à fundação do sujeito no sistema significante. Porém o "a", objeto do desejo, escapa ao campo imaginário, remete inexoravelmente à falta no Outro (A), ponto no qual nada aparece no espelho. O objeto "a" carece de imagem especular. O eu (mo,) limita-se a vestir esse nada que é o lugar do objeto perdido. Assim, o objeto do desejo e o objeto do narcisismo bifurcam-se. A psicanálise abandona a busca do bem do sujeito para abrir a dimensão de sua realização através do reconhecimento de seu desejo. Não obstante, tenhamos presente que ambos os objetos confluem em sua determinação ao lugar do A, do grande Outro. Dissemos que o gozo se articula com a repetição da cadeia significante. No marco dessa repetição, encontramos um ponto de perda, de entropia, em termos freudianos, em que se produz um mais a recuperar. Esse mais-de-gozar a recuperar marca a função por excelência do objeto "a". Esse resto a recuperar é o produto de uma operação que Lacan categoriza logicamente. Essa operação se realiza entre dois termos: o sujeito, S e o Outro, A. A primeira operação é a reunião entre Se A, a segunda é a sua interseção. O produto dessa última é o objeto "a" (Cf. Lacan, 1973a). A interseção como operação lógica define, pois, o "a" como resto, produto, quociente. Sem dúvida, a imagem do círculo de Euler se presta a engano: a zona de interseção não tem qualquer substancialidade. E a interseção de dois nadas, de duas faltas. O "a" surge no lugar da falta no A e ocupará esse próprio posto no sujeito. Por isso, o A se transforma em A, isto é, ele próprio é submetido à ação do significante, ele mesmo carente, incapaz de garantir o verdadeiro acerca do verdadeiro. É o sujeito dividido, produto da irrupção do s, no campo da bateria significante S2 • marca, assim, a identificação inaugural do sujeito, na qual o próprio sujeito, enquanto tal, se encontra ausente. Esse sujeito se caracteriza pela barra que o cruza, que 0 marca para_ sempre como cindido, cisão que não é um acidente da pat~lo· g,a, da h1stona ou da biologia, mas essa barreira que o cria enquanto suJetto, que o separa do S,, o significante que o marca, barreira que não é outra S o Sujeito s, 16 coisa_qu_e o recalq~e primário freudiano. A esse sujeito nenhum processo um do tod • · b · terapeut1co pode reintegrar-lhe a sua unidade ·d I d , . · o e aqui su st1tu1 o pe o uri:, . o tr~ço unano, um da diferença significante. Esse ~uJe1to n,ao ~~de_ ser conceituado em termos de organismos ou d~ necess1~a?es. E S~Je1to Justamente porque essa barra que O divide O faz ~ir.ª ser suJe1to_ deseJante. ~esejante de um objeto perdido, proibido, que insiste como obJeto do deseJo, ~~capando sempre às redes de S2 , ao mesmo tempo que as sustenta. Suie1to da ordem simbólica, está para sempre enredado na rede significante. o Examinemos agora os quatro postos. Agente É aquele que, aparentemente, organiza o discurso, em cujo nome esse discurso se formula. É o lugar da aparência. Qual é a alteridade à qual cada discurso se dirige? Em Lacan, o sentido dessa relação escapa, radicalmente, a qualquer esquema da comunicação - entendendo-se como comunicação a transmissão de um sentido de um sujeito a outro. Se, por acaso, há algum outro ao qual o discurso se dirige, esse é o grande Outro, alteridade irredutível. Outro Produção Marca o lugar do produto engendrado pelo discurso. A linha superior corresponde ao nível manifesto, e a inferior, ao latente. Nessa última, entre a verdade e a produção, se estabelece uma relação de disjunção. É esse o posto que fundamenta o discurso, que o mantém além do circuito agente-outro. O lugar da verdade é acessível apenas por um "semidito" (midire), já que a ve.rdade não se pode dizer toda. Além de sua metade, nada há para dizer. E nesse contexto que se inclui a asseveração lacaniana: não há metalinguagem. A única metalinguagem no campo da subjetividade é a da canalhice. Se o desejo do homem é o desejo do Outro, toda canalhice descansa sobre o desejo de ser o Outro para alguém. Verdade Examinemos agora os quatro discursos. 17 DISCURSO DO MESTRE s, -->S 2 s, Aqui, o está situado no posto de agente situação que designa o mito sobre o qual 8~ funda o discurso do mestre, a saber, a suposta identidade entre o sujeito e o significante que o representa. Essa identidade entre o sujeito e o significante sustenta um discurso supostamente unívoco, cuja verdade, S, é a condição necessária em seu desconhecimento para que o discurso do mestre possa produzir-se. Discurso marcado pela vontade de domínio (maitrisse), 0 s, nele funciona como significante imperativo, que desco- nhece a verdade da sua determinação e a sua unidade impossível. Discurso da vontade e da legislação, a sua linha superior - S, -> 8 2 - nos mostra, no nível manifesto, a tentativa de constituir uma rede, desconhecendo o sujeito em sua divisão. É justamente essa escritura, diz-nos Lacan em Televisão (1975), que é a escritura da sugestão, de uma palavra destinada a fascinar, a dominar (Cf. Miller, G. 1977). O discurso do domínio solda-se com o discurso da unificação, da totalização, excluindo o sujeito em sua divisão. s, O discurso do mestre esconde, assim, o seu segredo: o mestre está castrado. S É esse segredo que o discurso histérico desmascara. Ao apresentar-se como idêntico ao seu próprio significante, o discurso do mestre instaura o campo de uma suposta palavra também idên· tica a si mesma. Lasteia a verdade de sua metalinguagem, sabe o verda· deiro sobre o verdadeiro e tenta fazer desaparecer a barra que cruza o Outro. A eliminação da falta é a condição da eliminação da subjetividade que o discurso do mestre parece instalar. É o discurso da "eucracia", discur· so m'être Gogo de homofonia entre maitre e m'être, que pode traduzir-se como "ser-me"), que é, por excelência, o discurso da ontologia. O lugar do outro é ocupado pelo escravo, aquele que sabe. Lacan introduz a parelha senhor-escravo hegeliana na linha superior, marcando, assim, o caráter, a seu ver imaginário, do desconhecimento da ordem simbólica que a define. O escravo aparece como aquele que sabe por haver perdido o seu corpo, que quisera conservar em seu acesso ao gozo. Produz o objeto "a", o mais-de-go~ar, justamente porque queria conservar O corpo, que aqui se torna saber. E um saber que não deve tomar-se em seu sentido habitual, mas, tal como já definimos, o conjunto dos outros significantes dos quais o 18 senhor se encontra desconectado, dividido, separado, ao apresentar-se como idêntico ao seu próprio significante. O corpo é, aqui, o lugar da inscrição significante. Esse corpo, que o senhor arrisca e que o escravo prefere conservar, é, justamente, o corpo-sede da inscrição que faz o gozo e que produz, como resto, o objeto "a". O setor inferior da fórmula nos mostra a disjunção entre o S e o "a" que impede a articulação da fómula da fantasia tal como apresentou Lacan: S O a. O "a", acessível ao sujeito apenas através da realidade da fantasia, revela-nos a impotência do senhor para captar o objeto-causa de seu desejo, por mais que o escravo se lhe ofereça. O senhor aparece separado de sua verdade subjetiva, desconhecendo o seu desejo. S li a O discurso da histérica é um modo fundamental e particular de relação com a linguagem. Não é um discurso patológico no sentido tradicional. É o modelo por excelência do discurso do analisando, discurso cuja escuta funda, com Freud, a psicanálise e o seu produto central: o inconsciente. Daí que o 8 2 esteja colocado no lugar da produção. O discurso histérico funda, assim, um saber, provoca a produção de um saber (Cf. Chemama, 1977}. DISCURSO DA HISTÉRICA No lugar do agente, vemos surgir aquele que o mestre encobria: S, o sujeito dividido, que se apresenta em seu caráter sintomal a ser decifrado. O sintoma é o que se apresenta, portanto, como a dominante s, do discurso histérico, dominante que solicita a interpretação. o s, é o outro ao qual seu discurso se dirige. Aquilo que S -->51 dele espera são significantes. Sua esperança, sempre frustrada, é que ele lhe descubra o significante-chave de seu destino. Essa busca de significantes nos desvela a própria origem da sugestibilidade histérica: buscando o significante-mestre (S,) de seu des!in~, a histérica se coloca nas mãos do mestre a quem confunde com esse significante. Espera, pois, do significante, o caminho pelo qual se gesta a sua sugestibilidade. É engravidada por esses significantes, sem ter acesso, por 19 ele, ao objeto de seu desejo, - conden~da a ser objeto do desejo do outro -, por isso mesmo solicita a interpretaçao apenas para melhor rechaçá-la. No campo da verdade, vemos surgir o objeto "a", objeto que está em disjunção com o saber. O discurso histérico produz re~es que ~en:,~re d~ixii:m es~apar o objeto "a" por não poderem capturá-lo. Para a h1stenca, e a 1mpotenc1a do saber o que provoca o seu discurso a animar-se do desejo, - o qual nos ensina em que o educar fracassa" (Cf. Lacan, 1970). A histérica não descobre o "a" no outro. É ela que se torna objeto-causa de desejo para o outro. Enquanto objeto do desejo do mestre, cria um homem animado pelo desejo de saber. Buscando nele seu S,. torna-se o seu objeto de desejo e cria, assim, um senhor sobre o qual reinar. O discurso do mestre nos colocava frente à suposta identidade entre o sujeito e o significante. Já o discurso histérico, colocando a verdade do mestre (S) no lugar dominante, desmascara, juntamente com a sua divisão, esse mal-entendido que, na espécie humana, constitui a relação sexual. A fórmula lacaniana "A relação sexual não existe"' (Cf. Lacan, 1970) aponta para esse mal-entendido. A sexualidade no ser humano, o par/être, o '1alasser'', está muito longe do acoplamento animal. Nela, o significante introduz o corte, a falta, cuja fórmula privilegiada é denominada - desde Freud - de castração. A unidade dos contrários "naturais" macho-fêmea num todo reintroduz a problemática da unificação que assinala o discurso do mestre. A unidade impossível, a impossível complementaridade são, justamente, aquilo que o discurso da histérica apresenta como ferida aberta frente ao projeto monolítico do mestre. Homem e mulher são, no campo do "falasser", significantes, não realidades biológicas. O mito da relação sexual como união plena é a arena donde a histérica nos mostra a presença de uma hiância que ela sustenta através da promoção de seu desejo como insatisfeito, que simboliza essa primeira insatisfação que faz com que, na relação sexual, o portador do falo o ofereça como presente a uma companheira supostamente desolada por não o ter, reavivando, assim, a ferida da privação. O eixo da relação sexual é o significante fálico. Tudo nela gira em torno de um sujeito que não o tem - está privado - e um outro que o tem, porém não sabe o que fazer com ele. Ambos os membros estão atravessados pela castração, mas se tornam homem ou mulher somente após haver transitado por ela: ... "o discurso da a li 3 s, No original, proporclón. N. A. Utilizamos a excelente tradução sugerida por J. Delmont Mauri. O ,ermo francês ~,etation" Joga com os dois sentidos possfvels em castelhano: relação e proporção. 20 histérica demonstra que não há qualquer estesia do sexo oposto (nenhum conhecimento no sentido bíblico) que dê conta da pretensa relação sexual. "O gozo do qual se suporta é, como todos, articulado pelo mais-de-gozar, pelo qual, nessa relação, o parceiro não se alcança: 1) para ele, vir mais que identificando-o ao objeto "a", fato sem dúvida indicado claramente no mito da costela de Adão, 2) para a virgem, mais que o produzir-se o falo, seja o pênis imaginado como órgão da intumescência, seja o inverso da sua função real. Daí as hiâncias: 1) da castração na qual o significante mulher se inscreve como privação, 2) da inveja do pênis, donde o significante homem é vivido como frustração" (Cf. Lacan, 1970). Diante do discurso histérico, o mestre perde a sua máscara. Ele não é idêntico ao S 1 (recordemos que um dos nomes posslves do S 1 é o significante fálico), ele também está castrado: "Assim, o discurso do mestre encontra a sua razão no discurso da histérica, pois, ao fazer-se agente da onipotência. renuncia a responder como homem a quem lhe solicita sê-lo; a histérica não obtinha senão saber ... É o saber do escravo o qual, a partir do seu (do "seu" saber). ele não obteria que a mulher fora a causa de seu desejo (eu não digo: objeto)." Assim, o discurso histérico sustenta, na sua linha superior, a função do pai idealizado para. na linl1a inferior, mostrar a queda dessa idealização através da incapacidade do saber em apoderar-se do objeto "a", iluminando a castração do pai. A íaniasia da histérica também não pode escrever-se como S <> a, escritura possível apenas no discurso do analista; por isso, Lacan (1961, 19104) fomiula-a como a o discurso da universidade se apresenta como um prolongamento do discurso do mestre. É a sua versão moderna (segundo Lacan, 'I o discurso da burocracia). Aqui, o S2, o sabar, está em posição dominante. O saber, discursivo nesse contexto, inscreve-se no fantasma do saber como totalidade. O objeto "a" S ocupa o lugar do outro para o qual o discurso se dirige, lugar do estudante, ou, como pretere chamar-lhe Lacan, 0 "a" - estudante, que é quem realiza o trabalho. DISCURSO DA UNIVERSIDADE l' 21 o Eu do mestre é a verdade do discurso da unJversld s, s aquele que, - sem o saber, obedece ao seu impe ªde, saber mais. O sujeito universitário sustentado pelor:11~~ 1 mestre é um sujeito simulado, que supõe um autor d 1 do ber (irrompe novamente o sujeito unitário e voluntário), autor sobre OO sa. por sua vez se sustenta. quru s Esse discurso gera um produto sintoma! (S) a dec·. Irar que aponta para o discurso histérico. A linhas~. perior nos mostra uma relação manifesta entre O sa. ,; ber e o objeto do desejo, mito do ensinar como processo educativo. Esse ensinamento gera, finalmen. te. sintoma, e, por Isso, temos, na linha inferior, 0 sujeito dividlclo (~) em disjunção com o S1 , o signifi, cante que origina a sua própria divisão. s, li s DISCURSO DO ANALISTA • a ~"!P~~~~~~~.i_d~~~ • S • .. ··, .. ·, --..,, s a . s. a->S s, a s, s O discrnso do analista, reverso do discurso do mestre, implica, como tal, uma renúncia a todo discurso de domínio, a toda tentativa de legislação. Já Freud (1937) nos dizia que governar, educar e psicanalizar eram três laref as impossíveis. O discurso analítico adquire o seu estatuto, renunciando, como propunha Freud, a toda tentativa de educação ou de governo. É um dispositivo através do qual se reproduzirá, para ser reencontrado pelo sujeito, ele ou os significantes fundamentais nos quais se viu capturado. A sua produção é, justamente, o S,, significante que dará ao sujeito acha· ve da sua divisão. O analista ocupa o lugar do agente na aparência de objeto "a", aceitando cumprir essa função de rest~ da produção subjetiva que é o "a". Interroga, dess ponto, o único sujeito da prática pslcana(ítica qUÉ não é, enquanto tal, Intersubjetiva - o anahsandod . uma interrogação que culmina, então, com ~ pro ção do S,. significante através do qual o su1e1to po _ resolver a sua relação com a verdade. O saber, urcolocado em lugar da verdade, caracteriza o dl~"É so do analista. Lacan, em Radiofonia , escreve. ' te 22 pelo contrário, por estar em progressão em relação ao discurso da universidad: - que o discurso ~o analis!a lhe permitirá delimitar o real do qual faz funçao a sua 1mposs1b1hdade, seia que ele queira submeter-se à pergunta do mais-de-gozar que tem, já ef!l um saber, sua verdade, a passagem do sujeito ao significante-mestre." "E supor o saber da estrutura aquilo que, no discurso do analista, tem o lugar da verdade" (Lacan, 1970). O saber colocado no lugar da verdade nos remete ao mito em sua articulação com a verdade. O saber mítico se opõe ao saber do domínio, ao saber do mestre. O mito é o campo do semidito, que é a lei mesma, interna, de toda enunciação da verdade. A verdade surge na análise na dimensão do dito, do dizer em análise, de um dizer que não é da planificação consciente, o que Freud apontava ao estabelecer a regra da associação livre. A regra fundamental propõe ao sujeito criar por seu dizer, sem restrição, a seqüência das associações livres. Assim, a verdade no contexto do dizer psicanalítico, aquele que, pela via da associação livre, nos conduz às formações do inconsciente, se opõe a todo conceito de verdade fundado na presença plena, na origem clara. A verdade é, por isso, um posto em cada discurso, posto sempre latente, posto aberto à rotação significante. É, pois, essa verdade a meias que o conceito de recalcamento freudiano formula: o dito entre linhas, entre letras, apesar de nós, palavra em chave do inconsciente, aquilo que nos define, enquanto analistas, como decifradores de um sistema significante que, se bem podemos conhecer sua lógica, não deixa, por isso, de se nos apresentar como uma incógnita no começo de cada análise. Frente à pergunta o que é o saber como verdade, a resposta de Lacan é "um enigma". O enigma é, por excelência, um dito a meias, - tal qual a quimera, meio corpo destinado a desaparecer quando se encontra a solução. Enigma de uma metade de sujeito, S, que, situado como agente do discurso da histérica, se desenvolve no processo analítico. Como escutá-lo sem responder em termos de saber, a não ser pela busca do S que, como sujeito, o constitui? A estr~tura do discurso analítico nos indica o caminho: colocando o saber no lugar da verdade, definição, para Lacan, da interpretação na qual se articulam o enigma e a citação. O enigma é uma "enunciação sem enunciado" que surge como possível de ser colhido na trama mesma do dizer do sujeito. A citação é um "enunciado com reserva de enunciação" capturado no próprio texto, reconhecido apenas no contexto do autor, marcado por sua pertinência a um certo discurso (Chemama, 1977). Essa caracterização do trabalho analít!co abre a _pergunta :ic~~c.~ desse dizer que em análise, torna-se acontecimento, cuia queda e o a . anali;ta colocado no lugar da aparência do "a" é, pois, produto desse o 23 dizer, seu dejeto. Dizer contingente que, no trabalho analítico, torna-se ne. cessá rio. Essa transformação da contingência em necessidade de dizer da as. sociação livre leva-nos à tese lacaniana do sujeito suposto saber. J.A. Miller (1979) assinala que o sujeito é suposto saber e não pertence à fenomeno. logia da transferência. Incluí-lo nesse campo redunda na degradação do próprio conceito, que é fórmula nos seguintes termos: "O sujeito suposto saber é transfenomênico, efeito constituinte da transferência, que deve dis. tinguir-se dos efeitos constituídos que o sucedem ... Se Freud dá o começo da formulação do sujeito suposto saber, não é de modo algum na fenomenologia da transferência. É no enunciado, ou melhor, nos diferentes enunciados que ele deu da regra chamada fundamental, enunciado que Lacan, se se quer, estabiliza na expressão sujeito suposto saber ... A regra fundamental, com efeito, convida o analisante a criar com o seu dizer, e sem cálculo, a seqüência significante chamada de associações livres, ou seja, não recursivas ... Ela, nisso, é totalmente obrigatória, ao estipular a seguinte restrição: que toda restrição em sua criação está proibida, o que quer dizer que ela proscreve todo algoritmo que por cálculo se daria ao sujeito." A seqüência aparentemente contingente do dizer do analisante tornase, através de sua transmissão no contexto analítico, necessária: é esse efeito. em resumo, o que Lacan denomina sujeito suposto saber, fundador estrutural da transferência. O discurso psicanalítico instaura a especificidade da tarefa psicanalítica ao redor da disposição de quatro significantes-chaves. O exame de algumas teorizações no campo da psicanálise mostra-nos o deslizamento que se produz, devido à falta de rigor teórico, no próprio conceituar desses quatro significantes, até de outros discursos. Esse deslizamento é um traço inerente à própria estrutura do discurso. Considero, sem dúvida, que o rigor teórico surge como uma necessidade da nossa prática, definindo a especificidade do discurso do analista, que tende a perder-se entre a multidão de discursos ·~erapêuticos" e, inclusive, "psicanalíticos" que se aproximam mais da didática, dos sermões ou do governo que da psicanálise. Podemos to· mar como exemplo aquelas formulações que, ao definirem o objeto da psi· canálise desde uma perspectiva, no meu entender, errada, culminam em propostas apartadas do discurso analítico. . O obje~o "a" se enraíza, dizíamos, na tradição freudiana do objeto par· c1al da pulsao e do objeto do desejo. Seu caráter de objeto parcial, de obje· to-causa, de o_bj~to ~erdido, de signo, como nos dizia Freud, torna impossível a sua ass1m1laçao tanto a um objeto ·~otalizante" quanto a um objeto "real" (1975a). Esse objeto paradoxal que o psicanalista descobre e que Lacan forma· 24 liza como objeto "a" !ende a ser reabsorvido por uma teorização convencional que obscurece, J_untamente com a sua originalidade, 0 próprio sentido da ~escobe~a freu~1ana. Uma das raízes da inflexão peculiar que sofre a noçao de obJeto reside n~s conc_eitos esboçados por Karl Abraham (1959). A obra de_ Abra~?m cont~m muitos elementos ainda hoje valiosos para 0 pensar ps1canallt1co. Porem, a partir dela, foi gerada uma série de confusões centrais relativas à função do objeto. Co~o A~raham ~nfoca o problema do objeto? Estudioso, em.princípio, da embriologia, considera o objeto sob o ângulo da evolução maturativa dos instintos. O objeto da pulsão é parcial como conseqüência da imaturidade do sujeito, da criança nesse caso. A pulsão deixa de ser uma subversão do instinto, como Freud articulou, para achatar-se, em sua dimensão conceituai, ao ficar reduzida a uma problemática da imaturidade perceptual ou outra, que substitui a dimensão do desejo e a sexualidade perversa polimorfa dos Três ensaios. O objeto do desejo, o objeto da pulsão viram-se em direção à problemática do objeto de amor. Surge, então, a oposição entre o amor parcial e o amor total; o primeiro, imaturo, o outro, maduro. O adjetivo total, ausente da obra de Freud, exceto no contexto do narcisismo, apodera-se da cena analítica. O amor deve totalizar-se. Desenhase, assim, um novo modelo: o objeto de amor total (toda a pessoa), e o objeto pós-ambivalente (Eros e Tânatos fusionados em uma unidade que elimina a ambivalência, entendida tão somente em sua vertente amor-ódio, representante único e direto da oposição fusional do Além do princípio do prazer'). O mito da unicidade projeta-se sob uma nova máscara no campo da psicanálise: o amor objetivo, genital, pós-ambivalente. Essa unicidade assim reintroduzida marca, não apenas a unidade do sujeito e do objeto, como também a unidade e a harmonia entre o sujeito e o real, a unidade conseguida do sujeito consigo mesmo. O sujeito dobra-se ante o princípio da realidade: passa de uma apercepção ilusória do mundo ao serviço do princípio de prazer (tese que sustenta grande parte do desenvolvimento da criança na teoria kleiniana que se encontra como continuação direta com a de Abraham) a uma plena captação do real. . . o objeto parcial da pulsão, porém,. e a_ ma~ca que const1tu1: em s~a repetição incessante, o objeto do d~seJo nao sao er~os perceptivos, n~o são "percebidos" como parciais devido a uma 1m_atundade da perc~pçao que se articula, em algumas teorias, com o conceito de fortaleza 1n~tmtual que potencia a deformação da imaturidade. E~t.ruturam-se_como tais pela ação do significante, não por uma suposta deb1hdade da criança, pequeno selvagem necessitado de salvação (Cf. Lacan, 1973). 25 O processo primário busca a identidade de percepção, e ela depend da insistência da cadeia significante. O processo secundário busca a ide ~ tidade de pensamento, e ela depende, também, de uma cadeia significani: não de uma realidade pré-estabelecida. ' Nossa função, enquanto analistas, é colaborar no advento e no reco. nhecimento do desejo inconsciente, função que se indica no discurso do analista, através desse impossível que, no manifesto, articula a sua primeira linha: S <> "a", a fórmula da fantasia, através da qual o "a" chega ao sujeito. Nossa função se afasta, pois, da ortopedia do desejo. Não cremos que tornar consciente o inconsciente seja sinônimo de "secundariza(', de adaptar o desejo ao processo secundário, formulação que somente se pode sustentar no desconhecimento dos enunciados da teoria freudiana. Fazer surgir o objeto-causa de desejo do dizer do analisante nada tem que ver com uma suposta adequação do paciente à "realidade", no sentido habitual do termo. Não implica qualquer juízo sobre qual seja o melhor objeto para o sujeito, a não ser a recuperação da sua dignidade enquanto sujeito. Em seu Seminário sobre a transferência (1961 ), Lacan assinala que a dignidade do sujeito foi confundida com a sua individualidade enquanto cor· poralidade. O advento do desejo na análise marca, pelo contrário, esse algo irredutível, único. insubstituível, essa relação privilegiada a qual culmi· namos enquanto sujeitos no desejo. A realização do desejo não é a posses· são de um objeto, mas a emergência, como tal, da realidade do desejo. Frente à proposta lacaniana, alça-se a figura do analista "mestre", aquele que sabe (S, no lugar de agente) antes onde está a verdade do sujeito. Corrigir sua "parcialidade perceptiva", corrigir sua visão fantasmática dos outros, conhecer o '1odo" desses outros (o grande Outro obviamente não existe). dos outros imaginários que aqui deslizam, seria essa a função do analista. Curioso contra-senso, aquilo que, em sua estrutura, sustenta o drama subjetivo passa pelo reconhecimento da ausência, da falta sobre a qual o Outro se apóia, se sustenta. Esse drama se chama castração. Esse deslizamento que gira em torno do não reconhecimento da cas· tração, do caráter estruturalmente cindido do S, cai facilmente na queda do discurso do senhor. Não somos, então, apenas mestres, somos senhores idênticos a nosso próprio significante, por exemplo, "o analista", cuja caries· lura grotesca brota na mania interpretativa do "aqui, agora, comigo" a todo cust~. Confundimos o sujeito suposto saber que opera de maneira transfe· nomernca na transferência com nossa própria pessoa. Somos a saúde, a maturidade, o modelo saudável e salvador. Identificando-se a ele, o anali· sante chegará à sua realização. Oscilamos, então, entre uma variante do discurso universitário, na 26 qual a análise se torna aprendizagem e O incon . t d 1 _ · L"b . . sc1en e e ormaçao perceptiva. 1 aramos o sujeito de seu erro , perm·1t·in do- Ih e a 1cançar o "real" . . - e uma "..ariante do discurso do '."estre, cuja linha superior era, diríamos, da sugesta?, desnudando a tendencia a legislar O desejo_ como se isso fosse poss1vel -, ofe~ecendo-nos como modelo da plenitude subjetiva, manchando o nosso discurso, sem conseguir jamais O todo b cruza o Outro, fl.... ' · • arra que ª fl... --> A Em amb?s os casos, estamos longe do saber como verdade, poss1vel, apenas, aceitando ser esse desejo do discur. . . so do analisante, que é o objeto "a", e abrindo a pergunta obngatona sobre a verdade de nosso desejo enquanto psicanalistas (1978). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abrahan, K. (1959). 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