Geossintéticos Aplicados em Obras de Canais Regis Eduardo Geroto Engecorps - Corpo de Engenheiros Consultores S.A., Barueri, Brasil, regis@engecorps.com.br Afonso Celso Moruzzi Marques Engecorps - Corpo de Engenheiros Consultores S.A., Barueri, Brasil, afonso@engecorps.com.br RESUMO: Nas últimas décadas, frente à diminuição da disponibilidade de recursos e materiais naturais de construção e à maior observância e respeito às questões ambientais, a prática da engenharia experimentou mudanças buscando desenvolver novos métodos e materiais de construção que pudessem fazer frente ao referido cenário. Nesse contexto, o desenvolvimento e aplicação dos materiais geossintéticos apresentou-se como prática usual, possibilitando aos profissionais da engenharia superarem dificuldades técnicas, construtivas e econômicas em diversas obras de engenharia. Dentre estas obras, a implantação e execução de canais, inseridos em projetos de captação e adução de água para irrigação e usos múltiplos, têm assumido destaque especial, devido à grande variedade de geossintéticos empregados. O presente artigo tem como finalidade apresentar uma síntese dos critérios de seleção associados aos materiais geossintéticos empregados nas mencionadas obras. Dentre os geossintéticos empregados na execução destas obras, destacamse as geomembranas, empregadas no revestimento dos taludes e do fundo dos canais, atuando como barreira hidráulica; os geotêxteis não tecidos, atuando como elementos de filtro e de separação dos materiais, podendo ser instalados nos taludes e/ou nos sistemas de drenagem interna; os geocompostos drenantes, atuando como parte dos sistemas de drenagem interna e de controle de subpressão; e os geotubos perfurados, aplicados com a finalidade de coletar e direcionar as águas captadas pelo sistema de drenagem interna e de controle de subpressão do canal a pontos adequadamente projetados para destinação destes fluxos. O emprego destes geossintéticos em obras de canais de adução, em acordo com os critérios definidos em projeto, além de otimizar os procedimentos executivos das obras, demonstrou ser, em muitos casos, a única alternativa técnica e economicamente viável para solução de determinadas demandas observadas em campo. PALAVRAS-CHAVE: geossintéticos, canais, irrigação, projetos, obras. 1 INTRODUÇÃO Os projetos de infraestrutura hídrica para irrigação e usos múltiplos das águas no âmbito de projetos isolados ou de integração de bacias contemplam a execução de obras de captação, reservação e adução de águas, além de estações elevatórias e sistemas de recalque. No que tange às obras dos sistemas adutores, a execução de estruturas em canal é a mais comumente empregada. Os segmentos de canal transportam a água por gravidade e podem ser implantados a partir da adoção de seções em aterro, em corte ou mista, adequando-as às características do terreno em que estas obras serão inseridas. Com o intuito de minimizar perdas de água nas estruturas em canal, podem ser empregadas geomembranas poliméricas no revestimento da seção hidráulica. Previamente à aplicação da geomembrana, deve-se realizar a regularização dos taludes e do fundo da seção hidráulica, removendo possíveis protuberâncias e materiais grosseiros, que possam ocasionar danos na geomembrana. Com a finalidade de evitar a atuação de subpressões nos revestimentos do canal, ocasionada pela presença de água no maciço (níveis freáticos elevados ou saturação do maciço de entorno por eventuais danos na geomembrana), o canal deve ser dotado de um sistema de drenagem interna. Este sistema pode ser composto por drenos instalados nos taludes internos à seção hidráulica (geocompostos drenantes), que coletam e direcionam a água a uma trincheira drenante, composta por um Anais do VII Congresso Brasileiro de Geotecnia Ambiental e VI Simpósio Brasileiro de Geossintéticos REGEO/Geossintéticos 2011 – Belo Horizonte, MG, Brasil, 21 a 24 de novembro de 2011 geotubo perfurado e brita envolvida por um geotêxtil, executada sob o fundo do canal. O presente estudo apresenta uma síntese dos critérios de seleção dos materiais geossintéticos empregados tanto no revestimento como nos sistemas de drenagem interna de obras de canais de adução. 2 GEOSSINTÉTICOS UTILIZADOS 2.1 Geomembranas A geomembrana é um produto bidimensional de reduzida permeabilidade, composto predominantemente por materiais termoplásticos, elastoméricos e asfálticos (Aguiar & Vertematti, 2004a). Na execução de canais de adução, as geomembranas podem ser empregadas no revestimento dos taludes e do fundo da seção hidráulica, atuando como barreira para impermeabilização e controle contra perdas de água e fugas de fluxo. A Figura 1 apresenta um canal revestido com geomembrana. Figura 1. Canal revestido com geomembrana. 2.1.1 Critérios de Seleção Para seleção das geomembranas a serem empregadas em obras de canais, suas propriedades devem ser avaliadas, de forma a atender às solicitações e características intrínsecas do projeto/obra em que esta será inserida. Dentre estas propriedades, pode-se citar a definição da espessura mínima do material, associada a algumas características de resistência e desempenho da geomembrana, as quais por sua vez devem atender requisitos de projeto, normas vigentes e tabelas de referência, que estabelecem valores de referência em função da espessura nominal das geomembranas. Destas tabelas de referência, podem ser destacadas a GRI-GM13 (2003), que estabelece padrões para geomembranas de PEAD e a PGI 1104 (2004) para geomembranas de PVC. Dentre as propriedades mecânicas, a resistência à tração e a resistência ao puncionamento são as propriedades de maior interesse aos projetos de engenharia. Durante a instalação do revestimento e operação dos sistemas, as geomembranas podem ser submetidas a esforços de tração na porção superior dos taludes, próxima à ancoragem das mesmas, e/ou esforços de puncionamento, devido à possível presença de protuberâncias e materiais grosseiros nos taludes e fundo dos canais. Para tanto, deve ser avaliada a magnitude destes esforços, para determinação da resistência mecânica requerida à geomembrana. A garantia de integridade da superfície das geomembranas é essencial para a manutenção de sua baixíssima permeabilidade, sendo esta da ordem de 10-12 cm/s. As geomembranas empregadas em obras de canais também devem atender propriedades de desempenho, relativas à sua composição ou características durante a instalação. Das propriedades de desempenho ligadas à composição do produto, podem ser citadas a resistência à degradação química, biológica, raios UV, etc. Com relação às propriedades ligadas às características de instalação, podem ser destacadas a avaliação da resistência das soldas (térmica, química ou elétrica) e da resistência por atrito da interface da geomembrana com outros materiais (solo, concreto, etc). Com relação a este último aspecto, o parâmetro de atrito de interface pode ser incrementado durante o processo de fabricação, seja pela execução de texturas na superfície do material, seja pelo acoplamento de uma manta geotêxtil em sua superfície. 2.2 Geotêxteis Os geotêxteis são produtos bidimensionais permeáveis, compostos por fibras cortadas, filamentos contínuos, monofilamentos, laminetes ou fios, formando estruturas tecidas, não-tecidas ou tricotadas (Aguiar & Vertematti, 2004a). Nas obras de canais, os geotêxteis podem atuar como elementos de filtração e separação junto aos materiais presentes no sistema de drenagem interna e de controle de subpressão. Na Figura 2 pode ser observado um detalhe de manta geotêxtil instalada no interior de trincheira do sistema de drenagem interna envolvendo, neste caso, material granular grosseiro. Figura 2. Geotêxtil envolvendo a brita do sistema de drenagem interna. 2.2.1 Critérios de Seleção A seleção das mantas geotêxtil para obras de canais está diretamente relacionada com a função que este material irá desempenhar. Para o caso dos geotêxteis que desempenham a função de filtração e separação, estes devem atender aos critérios de retenção, permeabilidade e sobrevivência (Aguiar & Vertematti, 2004b). No que tange aos critérios de retenção, o geotêxtil deve possuir características que permitam a retenção do material fino, restringindo o carreamento deste para o interior da trincheira, no caso apresentado na Figura 2. A definição do critério a ser utilizado para a determinação da abertura de filtração do geotêxtil (O95) deve ter em conta as características específicas dos materiais e locais de implantação das obras, como granulometria do solo, gradientes hidráulicos, fluxo de água, entre outras. Com relação aos critérios de permeabilidade, o geotêxtil deve possuir permeabilidade superior à do solo adjacente que se deseja drenar e disciplinar os fluxos de água presentes. Desta forma, aplicando-se fatores de segurança adequados para ter em conta perdas de eficiência por processos físicos, biológicos e/ou químicos, os geotêxteis devem possuir permeabilidade tal, que permitam o fluxo de água para o interior da trincheira drenante, no exemplo da Figura 2, restringindo a passagem de material fino do solo adjacente para o interior da mesma, de acordo com critérios de retenção comentados anteriormente. Além das verificações hidráulicas mencionadas, os geotêxteis também devem atender a critérios de sobrevivência. Neste caso, os geotêxteis devem apresentar resistência mecânica suficiente para resistir aos esforços de tração e puncionamento, por exemplo devido ao envelopamento e presença de britas, como ilustrado na Figura 2, bem como resistência à degradação química e/ou biológica do meio em que estará inserido, fatores estes que podem prejudicar seu desempenho mecânico e hidráulico. 2.3 Geocomposto Drenante Os geocompostos drenantes são produtos desenvolvidos para drenagem, constituídos geralmente por um geotêxtil, que atua como elemento de filtro, e por uma georrede ou geoespaçador, que atua como elemento drenante (Aguiar & Vertematti, 2004a). Para as obras de canais, os geocompostos drenantes podem ser instalados em tiras nos taludes dos canais, configurando-se assim como parte do sistema de drenagem interna e de controle de subpressão dos canais. A Figura 3 apresenta fase de execução de canal, onde se observam as tiras de geocompostos drenantes, instaladas ao longo dos taludes, previamente à implantação do revestimento com geomembrana, constituindo assim o sistema de drenagem interna do canal. cisalhamento do núcleo, bem como as propriedades de desempenho (fluência e degradação química e biológica), também devem ser avaliadas, de forma a garantir a integridade e adequado comportamento destes materiais como elementos filtrantes durante o período de operação projetado. 2.4 Figura 3. Aplicação de tiras de geocompostos drenantes nos taludes de um canal. 2.3.1 Critérios de Seleção Para a seleção dos geocompostos drenantes empregados em sistemas de drenagem interna e de controle de subpressão de canais, devem ser avaliadas suas propriedades hidráulicas e mecânicas, além de características de durabilidade. Com relação aos aspectos hidráulicos, inicialmente deve ser determinada a vazão de contribuição ao sistema, seja oriunda da percolação de água pelo maciço, seja causada por possíveis danos no revestimento com consequente formação de rotas de fuga de água. Em posse deste valor e aplicando-se fatores de redução e segurança, determina-se a capacidade de vazão planar (transmissividade) requerida ao elemento. Ressalta-se que o geocomposto drenante selecionado para ser instalado nos taludes do canal, deve garantir a capacidade de vazão planar mínima, mesmo sob as condições de carregamento máximo, previamente determinadas. Dentre as propriedades hidráulicas também deve ser avaliado o desempenho do geotêxtil presente no geocomposto como elemento filtrante. O geotêxtil deve envolver toda a porção do núcleo drenante, de forma a permitir o fluxo de água para o interior de mesmo, porém restringindo a passagem de partículas de solo que possam ocasionar a colmatação do núcleo drenante. As propriedades mecânicas, tais como resistência à tração, ao puncionamento e ao Geotubos Os geotubos são produtos sintéticos de forma tubular e com função eminentemente drenante (Aguiar & Vertematti, 2004a). Os geotubos empregados em trincheiras drenantes são perfurados ao longo de toda sua extensão, possibilitando elevada capacidade de coleta e direcionamento das águas captadas pelo sistema de drenagem interna e controle de subpressão dos canais. A Figura 4 apresenta detalhe de instalação de um geotubo em uma trincheira drenante implantada junto ao fundo de um canal. Figura 4. Geotubo para drenagem instalado no interior de uma trincheira. 2.4.1 Critérios de Seleção Dentre as propriedades de maior interesse para o dimensionamento e seleção dos geotubos podem ser destacadas as propriedades hidráulicas, mecânicas e de durabilidade. Os geotubos devem possuir capacidade de vazão suficiente para coletar e transportar os fluxos captados pelo sistema de drenagem interna de um determinado trecho. A capacidade de vazão dos geotubos está diretamente relacionada com seu diâmetro, coeficiente de Manning e declividade. Com relação aos aspectos mecânicos, os geotubos devem possuir resistência à compressão diametral suficiente para suportar as cargas sobrejacentes e restringir as deformações axiais aos valores limite máximos estabelecidos pelas normas vigentes. Os geotubos também devem resistir às possíveis degradações químicas, biológicas e a fluência, processos estes que podem comprometer a integridade do material e consequentemente seu desempenho na obra. 3 PROCEDIMENTOS DE CAMPO 3.1 Recebimento, Armazenamento Transporte e No que tange aos procedimentos de recebimento, transporte e armazenamento, os materiais geossintéticos devem atender aos critérios apresentados na norma NBR 12.592 (2002), bem como às recomendações e diretrizes estabelecidas pelos fabricantes. Os materiais geossintéticos recebidos na obra devem apresentar os certificados de ensaios de qualidade de cada partida ou lote, bem como serem submetidos a procedimentos de retirada de amostras para ensaios de laboratório, em acordo com os preceitos das normas específicas e/ou critérios técnicos estabelecidos em projeto. Com relação ao transporte, os geossintéticos devem ser transportados através de equipamentos e maquinário adequado, de maneira a evitar a ocorrência de possíveis danos que possam prejudicar sua integridade e desempenho final. Os geossintéticos devem ser armazenados em locais limpos e livres da ação de intempéries que possam prejudicar suas características e propriedades de desempenho em obra. Ressaltase ainda, que estes materiais devem ser armazenados de forma criteriosa, na ordem em que serão utilizados na obra, facilitando e minimizando os procedimentos de remoção e transporte dos materiais armazenados. 3.2 Procedimentos de Instalação Previamente à utilização dos geossintéticos nas obras, deve ser elaborado uma plano de instalação que contemplará os materiais e a quantidade a serem utilizados, a identificação dos lotes destes materiais e a geometria e modulação dos elementos a serem instalados em conjunto com detalhes específicos de como serão executadas ancoragens, travamentos, soldas, emendas e interferências com estruturas existentes. Os serviços de preparação das superfícies e áreas de trabalho, como escavação, regularização e tratamentos específicos, deverão estar concluídos, previamente ao recebimento dos materiais. Deverá ser garantida uma área próxima à região em que se deseja iniciar os procedimentos de instalação, para facilitar o recebimento, separação, manuseio e preparação dos materiais geossintéticos. Todas as ferramentas e maquinários requeridos deverão ser disponibilizados previamente à instalação para testes e calibração destes equipamentos. A instalação dos materiais geossintéticos somente pode ser feita através de mão de obra qualificada pelo fabricante e previamente aprovada pelos responsáveis pela obra. Os procedimentos de instalação devem ser acompanhados em todas as etapas pelo responsável pela obra, de forma a garantir que os procedimentos realizados e materiais empregados na obra atendam às especificações de projeto e normas pertinentes. Após a instalação deverá ser realizada uma avaliação visual e ensaios não destrutivos para verificar a integridade dos elementos instalados, em especial, a verificação da qualidade de emendas e de estanqueidade das geomembranas. Eventualmente, poderão ser solicitados ensaios destrutivos em determinados materiais, devendo ser garantida a pronta remediação da região exumada. Deverá ser providenciado pela equipe de instalação e responsável pela obra, um relatório de controle de qualidade, que deve apresentar os materiais utilizados, o plano de instalação, equipamentos utilizados, relatórios de ensaios e inspeções realizadas e eventuais ocorrências observadas durante a etapa de instalação. 4 CONCLUSÕES A utilização de geossintéticos é prática já difundida no meio técnico, especialmente na execução de obras ambientais e de infraestrutura hídrica. Isto deve-se ao fato de que estes materiais podem desempenhar diversas funções em um projeto de engenharia, podendo inclusive, substituir materiais naturais na execução das obras. Nas obras de canais de adução, o emprego de geossintéticos permite a otimização dos cronogramas construtivos, eficientes controles de qualidade dos materiais e redução de custos. Além da substituição de materiais naturais, o emprego de geossintéticos permite aprimorar técnicas construtivas e demonstra ser, em muitos casos, a única alternativa tecnicamente viável. Ressalta-se que a eficiência do geossintético para a aplicação a que este se destina, está diretamente relacionada ao conhecimento de suas propriedades, bem como das características do meio em que será inserido e do correto dimensionamento e seleção do material a empregar. REFERÊNCIAS Aguiar, P.R. e Vertematti, J.C. (2004a). Introdução, Manual Brasileiro de Geossintéticos. Editora Edgard Blücher, São Paulo, Brasil, pp. 1-12. Aguiar, P.R. e Vertematti, J.C. (2004b). Aplicações em Filtração. Manual Brasileiro de Geossintéticos, Editora Edgard Blücher, São Paulo, Brasil, pp. 175198. GRI GM 13 (2003). Test Properties, Testing Frequency and Recommended Warranty for High Density Polyethylene (HDPE) Smooth and Textured Geomembranes, Geosynthetic Research Institute, Drexel University, EUA, 14p. NBR 12.553 (2003). Geossintéticos – Terminologia, Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro, Brasil, 3p. NBR 12.592 (2002). Geossintéticos – Identificação para Fornecimento – Procedimento, Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro, Brasil, 2p. PGI 1104 (2004). PVC Geomembrane Material Specification 1104, PVC Geomembrane Institute (PGI), University of Illinois, EUA, 2p.