53 Review Higroma Subdural em Não Craniectomizados: Critérios Neurocirúrgicos e Fatores Prognósticos. Revisão Subdural Hygroma not Associated with Craniectomy: Background, Pathophysiology and Prognostic Factors. Review Tiago de Paiva Cavalcante1 Ellen Silva de Carvalho2 RESUMO Higromas são coleções localizadas no espaço subdural com diversas causas e prognóstico variável. Mais frequente em idosos, tornou-se mais comum em pacientes jovens em virtude do aumento do número de craniotomias descompressivas, sobretudo para traumatismos cranianos graves. Este artigo revisita os principais aspectos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos e prognósticos dos higromas subdurais em pacientes não craniectomizados. Palavras-chave: Higroma subdural; Efusão subdural; Craniotomia descompressiva; Hematoma subdural crônico ABSTRACT Hygromas are collections located in the subdural space with several causes and variable prognosis. Although more frequent in the elderly, it became more common in young patients due to the increase in the number of decompressive craniotomies, especially for severe head injuries. This article reviews the main pathophysiological, diagnostic, therapeutic and prognostic aspects of subdural hygromas in non-craniectomized patients. Key words: Subdural hygroma; Subdural effusion; Decompressive craniotomy; Chronic subdural hematoma Introdução Higroma subdural em adultos é definido como o acúmulo, agudo ou crônico, de líquido cefalorraquidiano (LCR) no espaço subdural, frequentemente com composição modificada1-6. Mais comum em pacientes do sexo masculino acima dos 50 anos de idade, na região frontoparietal bilateral ou unilateralmente3,6,7 e mais frequente como complicação de traumatismos cranianos (TCE)3,4,6, tem sido descrito após meningite, craniotomia, shunt ventricular, trombose venosa6, por ruptura espontânea ou pós-traumática de cisto aracnoide6,8-10, malformações congênitas, desproporção cranioencefálica7,11, pós-transplante de medula óssea8, hemorragia subaracnoide6, associado à atrofia cerebral, hiperventilação terapêutica, administração de solução hipertônica, hipernatremia, desidratação, tosse crônica, espirros e manobras de Valsalva3, além de coleções idiopáticas11. Realizamos uma revisão bibliográfica na base de dados PubMed referente ao período de 2000 a 2016, usando como descritores “subdural hygroma” e “subdural effusion”, selecionando-se artigos cujos estudos foram realizados com seres humanos, excluindo-se pacientes abaixo de 18 anos, com o objetivo de revisitar características clínico-radiológicas, aspectos terapêuticos e prognósticos do higroma subdural em indivíduos adultos não submetidos a craniotomia descompressiva prévia. Apresentação Clínica Não existe sintomatologia específica para o higroma subdural traumático, seus aspectos clínicos estão sobrepostos por outras lesões traumáticas6. No entanto, a maioria é assintomática e desaparece com a expansão cerebral ou a absorção da efusão em excesso2-5,12. Entre os pacientes sintomáticos, a maioria tem manifestações leves. Os sintomas incluem cefaleia, confusão mental, alterações da memória7, a pacientes menos sintomáticos, e bradicardia, hipertensão e prejuízo na consciência nos casos com hipertensão intracraniana evidente13. A maioria dos casos se resolve espontaneamente dentro de três meses3. Neurocirurgião, docente do curso de Medicina da Universidade Tiradentes, Aracaju, SE Estudante de Medicina, Universidade Federal de Sergipe, Lagarto, SE 1 2 Received Apr 18, 2017. Accepted May 3, 2017. Cavalcante TP, de Carvalho ES. - Higroma Subdural em Não Craniectomizados: Critérios Neurocirúrgicos e Fatores Prognósticos. Revisão J Bras Neurocirurg 27 (1): 53 - 56, 2016 54 Review Em um estudo com 58 casos de higromas subdivididos em grupos cirúrgico (24 pacientes e escala de coma de Glasgow (GCS) média de 6,6) e conservador (34 pacientes e GCS média de 10,7), o desfecho clínico esteve estreitamente relacionado com a GSC na admissão; sendo melhor, portanto, no grupo submetido a tratamento conservador. A cirurgia foi realizada mais frequentemente quando a GSC era de 3 a 814. A pontuação na escala de Glasgow é o principal aspecto clínico relacionado ao prognóstico do paciente. Apresentação Radiológica O diagnóstico quase sempre é feito através de TC de crânio realizada cerca de 2 semanas após um evento traumático craniano. Os sinais iniciais de coleção fluida subdural podem ser observados cedo, de 7 a 8 horas após o trauma, e podem se tornar evidentes após 15 dias. Tipicamente, a lesão está ausente na TC inicial e é detectada no exame realizado 2 a 14 dias depois4. Entretanto, às vezes é difícil a distinção entre higroma e hematoma subdural. Geralmente, o higroma apresenta densidade semelhante à do líquor - unidades Housefield entre +10 e +16. Outras características sugestivas incluem ausência de efeito de massa, localização geralmente bilateral com predominância frontal, ausência de cápsula ao redor da coleção e de achatamento da superfície cortical com obliteração dos sulcos3. Nos estudos de ressonância magnética do crânio, o higroma mostrou-se inicialmente isointenso e, mais tarde, hiperintenso em T1 e T2 comparado à intensidade do LCR, o que pode dificultar o diagnóstico diferencial com os hematomas subdurais crônicos nas fases iniciais de semanas a meses, que apresentam as mesmas características imagiológicas. No entanto, se durante seu acompanhamento as ponderações evidenciarem hipointensidade em T2, a coleção deve tratarse, neste momento, de uma hemorragia subdural aguda ou subaguda. Naqueles mais largos, pode haver realce meníngeo da neomembrana no contraste gadolínio na aquisição em T115. Cavalcante TP, de Carvalho ES. - Higroma Subdural em Não Craniectomizados: Critérios Neurocirúrgicos e Fatores Prognósticos. Revisão Conduta Terapêutica O objetivo do tratamento da coleção fluida subdural é restaurar a coesão na interface dura-aracnoide11. Em geral, diminuem sem intervenção cirúrgica, sem necessidade de qualquer tratamento medicamentoso13,16. Quando causa efeito de massa, uma variedade de tratamentos cirúrgicos tem sido usada na evacuação dos higromas subdurais, entre eles a drenagem por trepanação, drenos subdurais temporários ou shunts e craniotomia16. A trepanação única, tratamento mais simples, consiste em orifício único no ponto de maior espessura da coleção com drenagem espontânea. Os critérios cirúrgicos principais são: espessura maior que 15 mm ou persistente (maior que 4 semanas de duração) ou cuja espessura aumentou na TC de seguimento com sintomas neurológicos concomitantes (confusão mental, prejuízo da memória e cefaleia), sem outra lesão intracraniana conhecida no período de seguimento. Quando se opta pelo dreno subdural, este deve ser feito com cateteres macios como os utilizados nas derivações ventriculares, reduzindo o risco de lesão do parênquima friável e das veias pontes e por 3 a 5 dias após a cirurgia. Efusões subdurais persistentes e sintomáticas podem ser tratadas com craniotomia e restabelecimento do fluxo subdural liquórico com a abertura da membrana aracnoide ou com derivação subduroperitoneal ou ventriculoperitoneais se sinais de hidrocefalia surgirem concomitantemente na TC7. Em um estudo com 14 pacientes com efusão subdural traumática sintomática submetidos a derivação subduroperitoneal, em todos os que tiveram um índice do corno frontal modificado (modified frontal horn index – mFHI) maior que 0,33 na admissão e alta pressão de abertura na durotomia, apesar de um breve período de 4-7 dias de melhora clínica, a condição se deteriorou devido à hidrocefalia, sendo inserida uma DVP programável, com melhora clínica persistente após o shunt. Com dados adicionais, mFHI pré-operatório e pressão de abertura intraoperatória poderiam prever a necessidade de DVP primária em vez da derivação subdural, evitando uma segunda cirurgia nestes pacientes17. J Bras Neurocirurg 27 (1): 53 - 56, 2016 55 Review Discussão Apesar de causas diversas, sua composição modificada frequentemente assemelha-se a do LCR: claro, xantocrômico ou levemente hemorrágico. O higroma tem pressão oncótica mais baixa que a do sangue, e menor quantidade de eritrócitos, leucócitos, concentração total de proteínas, albumina e imunoglobulina G que o plasma, porém maior que o LCR. A partir da patogênese, classificações têm sido propostas para avaliar seu prognóstico. Classificações como a de Stone em traumáticos, espontâneos e pós-cirúrgico ou simples e complexo, ou de Zanini baseada em sua patogênese, não relacionaram de maneira decisiva o prognóstico dessas lesões. Na classificação proposta por Zanini para higroma subdural pós-traumático, os pacientes foram divididos em três grupos e estratificados de acordo com a presença de efeito de massa sobre o parênquima cerebral subjacente e índice bicaudado (IBC). Grupo I: pacientes com higroma sem efeito de massa, subdivididos em Ia, sem dilatação ventricular (efusão subdural por lesão da aracnoide e influxo de LCR para o espaço subdural sem alterações nos mecanismos de produção e absorção liquórica; pacientes mais velhos, com discretos achados clínicos, curso benigno com raras intervenções cirúrgicas), e Ib, com dilatação ventricular (por influxo subdural de LCR e algum grau de distúrbio na absorção liquórica; presente nas formas adultas de hidrocefalia externa, com necessidade de monitorização radiológica e possibilidade de shunt). Grupo II: pacientes com higroma e efeito de massa evidente (mais jovens, sintomas de hipertensão intracraniana mais severos, com higromas complexos, presença de hemorragia subaracnoide e outras lesões cerebrais, além do distúrbio de absorção de LCR associado e necessidade de tratamento cirúrgico)6. Complicações Pacientes com higromas subdurais apresentam risco aumentado de desenvolver hematoma subdural crônico (HSDC), devido à ruptura de veias pontes, por causa de seu alongamento, ou ao sangramento da neomembrana. Há duas teorias propostas para explicar essa evolução: a teoria do gradiente osmótico e a teoria da hemorragia recorrente da cápsula do higroma associada à hiperfibrinólise, sendo esta mais aceita. Cavalcante TP, de Carvalho ES. - Higroma Subdural em Não Craniectomizados: Critérios Neurocirúrgicos e Fatores Prognósticos. Revisão Sangramento no espaço subdural induz a produção de trombina, que provoca a proliferação de fibroblastos, quimiotaxia de células inflamatórias e angiogênese na dura-máter para formar a neomembrana, semelhante ao tecido de granulação formado durante o reparo tecidual. Os capilares imaturos da angiogênese produzem ativador do plasminogênio tecidual (tPA) com consequente aumento da fibrinólise e sangramento. A hiperfibrinólise impede a hemostasia completa e pode induzir o hematoma subdural, levando a ressangramento após sua formação. O ciclo de higroma persistente, ressangramento, coagulação e fibrinólise contribui para o desenvolvimento e manutenção do HSDC. Tratamento anticoagulante e alcoolismo são fatores de risco para essa evolução, sendo a atrofia cerebral o principal fator predisponente por facilitar a persistência do higroma. A baixa pressão intracraniana também promove o desenvolvimento do HSDC. A maioria dos higromas subdurais contém pequena quantidade de sangue. À medida que a efusão progride e a neovascularização ocorre, os frágeis capilares subaracnoides se rompem, resultando em aumento do sangramento e desenvolvimento de HSD. A evolução para HSDC ocorre em 4-58% dos pacientes com higroma2,14. O intervalo entre a incidência do higroma e o desenvolvimento de HSDC varia de 27 a 118 dias. O sintoma mais comumente relatado é a cefaleia. Outras manifestações incluem sonolência, estupor, confusão, hemiparesia, paraparesia, visão turva, distúrbios de memória e da marcha. Todos os casos foram submetidos à remoção cirúrgica do hematoma com irrigação do espaço subdural com solução salina, resultando em boa recuperação em quase todos os casos, exceto um2. Conclusões Com o envelhecimento da população, os higromas subdurais em pacientes não craniectomizados têm sido mais frequentemente diagnosticados como coleções incidentais ou oligossintomáticas, ou em situações que envolvem hipertensão intracraniana grave. Tratar essas coleções cirurgicamente, nos últimos casos, não impõe maiores desafios técnicos ou de indicação. No entanto, naqueles menos sintomáticos com maiores dimensões ( > 15 mm e desvio de linha média > 5mm) as indicações são menos precisas e mais individualizadas, J Bras Neurocirurg 27 (1): 53 - 56, 2016 56 Review sobretudo nos idosos, em que o objetivo cirúrgico é restaurar a interface dura-aracnoide em cérebros naturalmente atróficos e devem ser levados sempre em consideração no momento da decisão terapêutica. Referências 1. 2. Su FW, Ho JT, Wang HC. Acute contralateral subdural hygroma following craniectomy. J Clin Neurosci. 2008;15(3):305-307. http://dx.doi.org/10.1016/j.jocn.2006.08.019. Park SH, Lee SH, Park J, Hwang JH, Hwang SK, Hamm IS. Chronic subdural hematoma preceded by traumatic subdural hygroma. J Clin Neurosci. 2008;15(8):868-872. doi: 10.1016/j. jocn.2007.08.003. 3. Herold TJ, Taylor S, Abbrescia K, Hunter C. Post-traumatic subdural hygroma: case report. J Emerg Med. 2004;27(4):361366. http://dx.doi.org/10.1016/j.jemermed.2004.03.018. 4. 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Corresponding Author Tiago de Paiva Cavalcante Neurocirurgião Docente do curso de Medicina Universidade Tiradentes, Aracaju, SE Avenida Deputado Silvio Teixeira, 570 Bairro Jardins CEP 49025-100, Aracaju – SE E-mail: tiagoneuro@hotmail.com Estudo realizado na Universidade Tiradentes Aracaju, Sergipe Declaração de conflito de interesses e agência financiadora Não há conflito de interesses. Esse artigo foi produzido com recursos próprios dos autores. 11. Caldarelli M, Di Rocco C, Romani R. Surgical Treatment of Chronic Subdural Hygromas in Infants and Children. Acta Neurochir (Wien). 2002;144(6):581-8; discussion 588. http:// dx.doi.org/10.1007/s00701-002-0947-0. 12. Lin MS, Chen TH, Kung WM, Chen ST. Simultaneous Cranioplasty and Subdural-Peritoneal Shunting for Contralateral Cavalcante TP, de Carvalho ES. - Higroma Subdural em Não Craniectomizados: Critérios Neurocirúrgicos e Fatores Prognósticos. Revisão J Bras Neurocirurg 27 (1): 53 - 56, 2016