ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS MESTRADO EM ESTUDOS POPULACIONAIS E PESQUISAS SOCIAIS O USO DE EXPLOSIVOS COMO ATO DE VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA E AS ATUAIS RESPOSTAS DA SEGURANÇA PÚBLICA. RICARDO HAMID SAIKALI Rio de Janeiro – RJ 2009 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. RICARDO HAMID SAIKALI O USO DE EXPLOSIVOS COMO ATO DE VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA E AS ATUAIS RESPOSTAS DA SEGURANÇA PÚBLICA Dissertação submetida ao corpo docente do Curso de Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL SETEMBRO DE 2009 S132u Saikali, Ricardo Hamid O Uso de explosivos como ato de violência na sociedade civil brasileira e as atuais respostas da segurança pública / Ricardo Hamid Saikali. – Rio de Janeiro : 2009. 136 f. Inclui bibliografia e anexo. Orientador: Prof. Dr. José Eustáquio Diniz Alves; Co-orientadora: Profa. Dra. Suzana Marta Cavenaghi. Dissertação (Curso de Mestrado) – Escola Nacional de Ciências Estatísticas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais. 1. Segurança pública – Rio de Janeiro (Estado). 2. Segurança pública – Política pública - Rio de Janeiro (Estado). 3. Segurança pública – Brasil. 4. Violência urbana - Rio de Janeiro (Estado). 5. Bombas (Explosivos). I. Alves, José Eustáquio Diniz. II. Cavenaghi, Suzana Marta. III. Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). III. IBGE. IV. Título. CDU: 351.78(815.3) Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste mister. À minha família, em especial a minha companheira Ana Beatriz, pela compreensão dos momentos dedicados exclusivamente ao trabalho e a minha irmã Luana pelas sugestões. Aos colegas de turma e de profissão, especialmente ao caro amigo Flávio Rocha, pelos incentivos. Ao amigo e mestre todas as horas, Maulaz, pelo fornecimento de rico material sobre o objeto de pesquisa. Aos professores e funcionários da ENCE, pelo ambiente acolhedor e produtivo. Ao IBGE, pela excelência na estrutura proporcionada. Aos orientadores, Professor José Eustáquio e Professora Suzana Cavenaghi, pela paciência e generosidade dos ensinamentos. Ao meu filho Pedro, por existir e sorrir nos momentos mais difíceis e ao bondoso Deus, a quem tudo devemos. Ricardo Hamid Saikali “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.” Jean-Paul Sartre (1905-1980). RESUMO O presente trabalho versa sobre um fenômeno de violência muito aterrorizador, porém, pouco estudado e, por conseguinte, carente de instrumentos científicos de gestão que auxiliem o Estado na sua devida contenção. Trata-se do uso ilícito e violento dos explosivos. Inicialmente busca-se a adequada compreensão do explosivo em si e do seu potencial lesivo, tanto pelas características intrínsecas do explosivo quanto pela descrição das formas como o mesmo é utilizado. A partir de um resgate histórico no estudo de alguns casos emblemáticos, desmistifica-se a crença comum de que o fenômeno analisado não é um problema que de fato atinja à sociedade brasileira. O passo seguinte residiu na identificação das possíveis fontes de dados, a partir do Estado do Rio de Janeiro, capazes de dimensionar o problema. Na outra face estão as respostas da segurança pública, por meio dos seus principais atores. Para compreendê-los, foram feitas entrevistas semi-estruturadas com os principais responsáveis pelo combate direto desse mal, os técnicos que compõe os grupamentos antibombas. Por meio de análises qualitativas de dados, utilizando-se formulários e conversas informais, obteve-se uma visão dos que estão na linha de frente, entendendo seus campos de atuação e as fronteiras de integração entre eles. Contextualiza-se o Brasil no cenário mundial, pelos grandes eventos de segurança, pelo emprego e desenvolvimento de tecnologia e pelo desafio das novas ameaças do terrorismo globalizado. Por fim, faz-se a análise da solução empregada por alguns países que adotam a centralização de dados, em bancos específicos sobre o fenômeno, concluindo que este é um caminho possível e desejável para a realidade brasileira. Palavras-Chave: Bombas e explosivos. Segurança pública. Violência urbana. ABSTRACT This research focuses on a feared violence phenomenon, but hardly studied. Therefore, there are not scientific-management tools to provide its proper restraint - the violent and illegal use of explosives. Initially, it describes the potential damage, the intrinsic characteristics and how the explosive is used. A historic search of some cases is conducted, rejecting the common belief that this phenomenon is not a social problem in Brazil. Data sources and searches were based on Rio de Janeiro´s reality. Interviews were conducted with the authorities in charge of fighting this evil and the technicians who take part in bomb squads. The several players in national security, who are responsible for fighting this violence, were studied, considering their expertise and the cooperation among them. In addition, this research contextualizes the Brazil in the world by major security events, use and development of technology and the challenge of new threats of global terrorism. Finally, an analysis of a solution implemented by some countries in supporting specific data centers on this matter is made and led to a conclusion: the same solution could also be applied to the Brazilian reality. Keywords: Bombs and explosive. Public safety. Urban violence. LISTA DE SIGLAS ABDC – Australian Bomb Data Centre (Centro Australiano de dados sobre bombas) ADM – Arma de Destruição em Massa ANFO - Ammonium Nitrate Fuel Oil (Nitrato de Amônio e Óleo Combustível) ATF – Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosive (Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos) CABE – Curso de Atualização em Bombas e Explosivos CBDC – Canadian Bomb Data Centre (Centro Canadense de Dados sobre Bombas) CONSEG – Conferência de Segurança Pública CORE – Coordenadoria de Recursos Especiais CEF – Caixa Econômica Federal CSN - Companhia Siderúrgica Nacional CTA - Centro Técnico Aeroespacial DPF– Departamento de Polícia Federal DEI – Dispositivo Explosivo Improvisado DITEC - Diretoria Técnica-Científica DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social DPTC - Departamento de Polícia Técnico-Científica DFPC – Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados EB - Exército Brasileiro ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos EMBRATEL – Empresa Brasileira de Telecomunicações FBI – Federal Bureau of Investigation FBI BDC – FBI Bomb Data Center (Centro de Dados sobre Bombas do FBI) GATE – Grupo de Ações Táticas Especiais GBE – Grupo Especializado em Bombas e Explosivos IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IMBEL – Indústria de Material Bélico do Brasil IMLAP – Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto INFOSEG – Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização INFRAERO – Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária IPM – Inquérito Policial Militar ISP – Instituto de Segurança Pública MRE - Ministério das Relações Exteriores OAB – Ordem dos Advogados do Brasil OACI - Organização de Aviação Civil Internacional PETN - Nitropenta PCC – Primeiro Comando da Capital PCF – Perito Criminal Federal PC/RJ – Polícia Civil do Rio de Janeiro PDL – Programa Delegacia Legal PFF – Polícia Ferroviária Federal PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania PRF – Polícia Rodoviária Federal QBRN – Química, Biológica, Radiológica e Nuclear Senasp – Secretaria Nacional de Segurança Pública Sinesp – Sistema Nacional de Estatística de Segurança Pública e Justiça Criminal SEPLANSEG – Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública SETEC – Setor Técnico-Científico SFPC – Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados SUS – Sistema Único de Saúde SUSP – Sistema Único de Segurança Pública TNT – Trinitrotolueno UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro VPR – Vanguarda Popular Revolucionária LISTA DE FIGURAS Figura 1: efeitos da queima da pólvora negra (2003). .............................................................. 19 Figura 2: cenário de destruição do acidente na cidade do Texas (1947). ................................. 25 Figura 3: cenário de destruição do atentado na cidade de Oklahoma (1995). .......................... 26 Figura 4: esquema simplificado de um dispositivo explosivo (bomba). .................................. 27 Figura 5: abertura de um pacote postal suspeito (2007). .......................................................... 28 Figura 6: simulacro de bomba encontrado dentro de um veículo (1997). ................................ 30 Figura 7: velocidade de deslocamento da frente de onda. ........................................................ 32 Figura 8: soldagem de duas placas de metais distintos por explosão (1997). .......................... 35 Figura 9: gráfico de pressão de uma explosão. ......................................................................... 36 Figura 10: lança-rojão M72A2 apreendido pelo DPF no Rio de Janeiro (2007). .................... 37 Figura 11: traje antibomba (2003/2002). .................................................................................. 38 Figura 12: granada M3 e sua luva de estilhaçamento para uso defensivo (2004). ................... 39 Figura 13: granada M4 com a radiografia dos anéis de estilhaçamento (2004). ...................... 39 Figura 14: comparativo entre os efeitos da geometria na detonação. ....................................... 40 Figura 15: granada antitanque em ação (2002). ....................................................................... 41 Figura 16: exemplos de granadas apreendidas pela Polícia Federal/RJ (1999, 2007). ............ 42 Figura 17: granada de mão artesanal apreendida pela Polícia Civil/RJ (2002). ....................... 43 Figura 18: granada abandonada em uma agência da CEF no Rio de Janeiro (2007). .............. 43 Figura 19: artefatos explosivos utilizados em ataques à presídios em SP (2002). ................... 44 Figura 20: réplica do colar-bomba utilizado no episódio de extorsão na Colômbia (2003). ... 48 Figura 21: bomba recuperada do vôo 441 da Pan Am (1982). ................................................. 54 Figura 22: estado da mesa da diplomata após a explosão do livro-bomba (1995). .................. 56 Figura 23: epicentros das explosões ocorridas na UFRRJ (2008). ........................................... 59 Figura 24: torre de energia de Nova Tebas onde uma das bombas foi localizada (1998). ....... 61 Figura 25: artefato recebido pela Anistia Internacional (2000). ............................................... 62 Figura 26: aproximação dos policiais ao carro-bomba (2002). ................................................ 63 Figura 27: dispositivo explosivo do carro-bomba de Barra Funda (2002). .............................. 64 Figura 28: carro-bomba de Taboão da Serra (2004)................................................................. 65 Figura 29: dispositivo explosivo localizado no interior do veículo (2004). ............................. 65 Figura 30: cenário da padaria após a explosão (2008). ............................................................ 67 Figura 31: fragmentos recolhidos da bomba utilizada na padaria (2008). ............................... 67 Figura 32: cópia do registro de ocorrência nº 035-06347/2008da PC/RJ – parte 1. ................ 72 Figura 33: cópia do registro de ocorrência nº 035-06347/2008da PC/RJ – parte 2. ................ 73 Figura 34: cópia do registro de ocorrência nº 035-06347/2008da PC/RJ – parte 3. ................ 74 Figura 35: amostra do banco de dados do Esquadrão Antibomba - PC/RJ. ............................. 76 Figura 36: granadas artesanais "tipo pedaleira" (2007, 2009, 2003, 2004). ............................. 77 Figura 37: amostra das ocorrências atendidas pelo GBE/RJ. ................................................... 78 Figura 38: gráfico do número de apreensões por ano no Estado do Rio de Janeiro (2008). .... 80 Figura 39: distribuição nacional de ocorrências de bombas nos Correios (2007). ................... 83 Figura 40: carta-bomba, Brasília (1972). ................................................................................. 84 Figura 41: registro existente das ocorrências de bombas pela ECT (2006). ............................ 85 Figura 42: registro da INFRAERO sobre ocorrências de bombas (2008). ............................... 87 Figura 43: caixa contendo granadas, apreendida dentro de um ônibus pela PRF (2001)......... 93 Figura 44: formulário de entrevista .......................................................................................... 98 Figura 45: ação do canhão d’água na abertura da mala de um veículo (2000). ..................... 106 Figura 46: missa campal realizada por Sua Santidade o Papa João Paulo II (1997). ............. 107 Figura 47: neutralização de uma mochila suspeita (1999) ..................................................... 108 Figura 48: utilização de cães adestrados para farejar explosivos (2007). .............................. 109 Figura 49: exposição de equipamentos do Esquadrão Antibombas da PC/RJ (2009). .......... 110 Figura 50: robô antibombas dotado de canhão disruptor (2009). ........................................... 111 Figura 51: gerador de espuma de baixo custo desenvolvido por Peritos da PF (2008). ......... 112 Figura 52: gráfico de risco x consequência das ameaças. ...................................................... 113 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 16 1. O USO ILÍCITO DE EXPLOSIVOS .......................................................... 18 1.1. Os explosivos ao longo da história ............................................................................. 19 1.2. Classificações e distinções dos tipos de explosivos e bombas .................................. 27 1.2.1. Classificação quanto ao uso ................................................................................ 27 1.2.2. Classificação quanto ao modo de fabricação ...................................................... 29 1.2.3. Classificação quanto ao princípio de funcionamento .......................................... 29 1.2.4. Classificações pelas características técnicas dos explosivos............................... 31 1.3. Os efeitos de uma explosão ......................................................................................... 33 1.3.1. Efeito térmico ...................................................................................................... 34 1.3.2. Sobrepressão........................................................................................................ 35 1.3.3. Deslocamento ...................................................................................................... 37 1.3.4. Fragmentação ...................................................................................................... 38 1.3.5. Outros efeitos ...................................................................................................... 40 1.4. O emprego do explosivo como forma de violência ................................................... 42 1.4.1. Arsenal do crime organizado............................................................................... 42 1.4.2. Roubo de valores ................................................................................................. 43 1.4.3. Ataques a instalações prisionais .......................................................................... 44 1.4.4. Crimes passionais ................................................................................................ 44 1.4.5. Vandalismo.......................................................................................................... 45 1.4.6. Violência entre gangues e torcidas ...................................................................... 45 1.4.7. Violência nas escolas .......................................................................................... 46 1.4.8. Crimes ambientais ............................................................................................... 47 1.4.9. Crimes contra o patrimônio ................................................................................. 48 1.4.10. Descarte de material explosivo ......................................................................... 49 1.4.11. Terrorismo ......................................................................................................... 49 2. CASOS EMBLEMÁTICOS ......................................................................... 51 2.1. Rio de Janeiro, três atentados à bomba no mesmo dia (1980) ................................ 51 2.2. Atentado do Riocentro (1981) .................................................................................... 52 2.3. Bomba em Boeing 747 aterrissado no Rio de Janeiro (1982) ................................. 53 2.4. Explosão no monumento aos trabalhadores (1989) ................................................. 55 2.5. Livro-bomba no Itamaraty (1995)............................................................................. 56 2.6. Explosão no Fokker 100 (1997).................................................................................. 57 2.7. Reincidência de bombas na UFRRJ (1997/2008) ..................................................... 58 2.8. Atentado as torres da Embratel e de Furnas – (1998) ............................................. 60 2.9. Atentado atribuído a skinhead em São Paulo (2000)............................................... 61 2.10. Atentado ao fórum de Barra Funda São Paulo - SP (2000) .................................. 63 2.11. Carro-bomba no fórum de Barra Funda, São Paulo - SP (2002) ......................... 63 2.12. Carro-bomba em Taboão da Serra - SP (2004) ..................................................... 64 2.13. Explosão no Rio Grande do Sul (2008) ................................................................... 66 3. O PANORAMA BRASIL A PARTIR DO RIO DE JANEIRO ............... 69 3.1. Inexistência de estatísticas oficiais............................................................................. 69 3.2. Fontes próprias de dados ........................................................................................... 69 3.2.1. Boletins de ocorrências das delegacias ............................................................... 70 3.2.2. Registros de ocorrências dos grupos especializados em explosivos ................... 75 3.2.3. Instituto de Segurança Pública ............................................................................ 79 3.3. Fontes alternativas de dados ...................................................................................... 80 3.3.1. Registros hospitalares .......................................................................................... 80 3.3.2. Registros administrativos dos Correios ............................................................... 83 3.3.3. Registros administrativos da INFRAERO .......................................................... 86 3.3.4. Instituto Médico-Legal ........................................................................................ 88 4. AS RESPOSTAS DA SEGURANÇA PÚBLICA ....................................... 89 4.1. A segurança pública nacional .................................................................................... 89 4.1.1. Polícia Federal ..................................................................................................... 92 4.1.2. Polícia Rodoviária e Polícia Ferroviária ............................................................. 92 4.1.3. Polícia Civil ......................................................................................................... 93 4.1.4. Polícia Militar...................................................................................................... 94 4.1.5. Corpo de Bombeiros............................................................................................ 95 4.1.6. Força Nacional .................................................................................................... 95 4.2. Prevenção e controle do uso de explosivos................................................................ 96 4.3. Visão dos que estão na linha de frente ...................................................................... 96 4.3.1. Utilidade do serviço prestado .............................................................................. 99 4.3.2. Dificuldades enfrentadas ................................................................................... 100 4.3.3. Adequabilidade das respostas da segurança pública e possíveis melhorias ...... 101 4.3.4. Motivações identificadas para o uso violento dos explosivos .......................... 102 4.3.5. Utilização de base de dados estatísticos ............................................................ 103 4.4. A integração das diversas forças ............................................................................. 103 5. PERSPECTIVAS E DESAFIOS................................................................ 105 5.1. A segurança de grandes eventos mundiais sediados pelo Brasil .......................... 105 5.1.1. ECO 92 (03 a 14 de junho de 1992) .................................................................. 106 5.1.2. Encontro do Santo Padre com as famílias (2 a 6 de outubro de 1997) ............. 107 5.1.3. CIMEIRA (28 e 29 de junho de 1999) .............................................................. 108 5.1.4. PAN 2007 (13 a 29 de julho de 2007)............................................................... 108 5.2. Novas tecnologias e equipamentos........................................................................... 110 5.3. Ameaças futuras – o desafio QBRN ........................................................................ 112 5.4. A criação de um banco de dados oficial .................................................................. 114 5.4.1. O desafio da centralização dos dados em estatísticas oficiais ........................... 114 5.4.2. As informações quantitativas e qualitativas relevantes ..................................... 116 5.4.3. Política de acesso aos dados .............................................................................. 117 5.4.4. A experiência de alguns países na adoção de um banco de dados .................... 118 CONCLUSÃO ................................................................................................. 120 ANEXO 1 – LEGISLAÇÃO FEDERAL PERTINENTE AO TEMA ....... 123 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 132 16 INTRODUÇÃO A violência se apresenta de várias formas, muitas são bem conhecidas e até mesmo facilmente reconhecidas, podendo ser reduzidas a números e a qualquer tempo analisadas. Estas estatísticas servem para dimensionar o problema e permitem as devidas reações de combate ou de mitigação do Estado. Há, entretanto, outros tipos de violência que, embora causem temor extremo, não recebem o mesmo tratamento. A explicação talvez resida na existência em escala menor. Fato é que os mesmos existem e geram muitos prejuízos à sociedade. É o caso da utilização ilícita dos explosivos. O estudo visa à análise contextual do uso e das ameaças envolvendo artefatos explosivos (bombas) nas suas mais variadas formas e composições, com as respectivas respostas que o Estado por meio do sistema de segurança pública opõe ou é capaz de opor. Para tanto algumas etapas foram realizadas. Preliminarmente constatou-se uma carência de fontes bibliográficas, o que reforçou a hipótese de que o problema é subestimado. Buscou-se então o conhecimento, as dificuldades e os anseios de quem tem por ofício combater esse tipo de violência. Foram feitas entrevistas com os especialistas que lidam diretamente no combate das ameaças de bombas. Algumas dessas entrevistas foram sintetizadas sob a forma de formulários (anexo I). A diretriz utilizada foi propiciar a maior liberdade possível do entrevistado, objetivando entender o cerne da questão, sem idéias preconcebidas. Para a efetiva compreensão do perigo na utilização ilícita do explosivo, foram estudadas no capítulo 1 as características e propriedades dos explosivos e o seu histórico, inclusive os grandes benefícios que a humanidade obtém da sua utilização apropriada. As formas como os explosivos podem ser empregados em atos de violência também tiveram um estudo destacado neste capítulo. O capítulo 2 teve o intuito de relatar os vários casos que ilustram bem as formas ilícitas de empregos de explosivos descritas anteriormente. Foram utilizadas as fontes bibliográficas disponíveis e os depoimentos dos técnicos que trabalharam diretamente nesses casos, identificados quando da realização das entrevistas. A dificuldade de se resgatar a memória, de se acessar o que realmente aconteceu nos eventos importantes estudados e que possuíram grande repercussão à sua época, mas que ficaram sujeitos ao esquecimento, seja pela falta de registros ou mesmo pela falta de preservação desses, inspirou a realização do capítulo 3. Trata-se da pesquisa das fontes de 17 dados capazes de retratar da forma mais fidedigna possível o que vem ocorrendo no Brasil, a partir do Rio de Janeiro, sobre o tema. Os dois capítulos seguintes versam sobre as respostas que o Estado tem oferecido. Primeiro pela organização e atribuição de responsabilidade dos diversos entes que formam a segurança pública nacional, e depois pela participação do Brasil como organizador de vários eventos internacionais, em que a preocupação com possíveis ameaças de bombas é real e tem que ser adotada. 18 1. O USO ILÍCITO DE EXPLOSIVOS O fabrico e a utilização de explosivos remonta de longa data possuindo diversas finalidades. As invenções e descobertas nessa área caminharam impulsionadas pelas demandas e engenhosidades da sociedade. Isto se deu tanto pelo bem, legalmente respaldado, como também pelo mal, cujo emprego proibido ou ilícito deve ser estudado e combatido. O explosivo, em uma definição mais simples, é uma substância capaz de produzir bruscamente um grande volume de gases por meio de uma reação química exotérmica (BEZERRA NETO1, 2006). É importante diferenciar esse tipo de explosão, que é o de interesse para o estudo, de outras explosões tais como as mecânicas ou mesmo as nucleares. Uma explosão, de forma genérica, é definida por SUCESKA2 (1995) como uma expansão súbita da matéria para um volume muito maior que o inicial. São várias as fontes que podem gerar essa expansão da matéria. E convivemos com esses eventos, como por exemplo, os efeitos de uma descarga atmosférica, o rompimento de uma panela de pressão, etc. A literatura agrupa as explosões em três modalidades: físicas (ou mecânicas), nucleares e químicas. Embora todas possam produzir danos materiais e à vida, as explosões que se originam de reações químicas são as mais utilizadas com o intuito ilícito. Isto ocorre pela facilidade tanto da obtenção dos materiais quanto do controle do processo de reação. Mais adiante serão detalhados a explosão química e os seus efeitos. Outra forma bem simples de se definir o tipo de explosão e explosivos que interessam ao presente estudo está na delimitação utilizada por FORDHAM3 (1980) para o seu objeto de análise: AN EXPLOSION occurs when energy previously confined in suddenly released to affect the surroundings. Small explosion, like the bursting of a toy balloon, are familiar and innocuous, but large-scale explosions, like an atomic bomb, are rare and usually disastrous. Between these two extremes lie the commercial and military fields where explosions are produced on a limited scale to cause specific effects. It is with explosions of this intermediate scale that this book is concerned. Acrescenta-se a esta delimitação, além dos campos comerciais e militares, o uso ilícito na sociedade civil, desviando a função precípua para qual foram projetados esses explosivos. Há também que se considerarem as produções improvisadas, normalmente artesanais, das perigosas misturas químicas. 1 BEZERRA NETO, Aggeu Lemos et al. Bombas e Explosivos: XVII CABE. Brasília: Academia Nacional de Polícia, 2006. p. 13. 2 SUCESKA, Muhamed. Test methods for explosives. Nova York: Springer, 1995. p.1. 3 FORDHAM, Stanley. High explosives and propellants. 2 ed. Oxford: Pergamon, 1980. p. 1. 19 Além da conceituação dos explosivos, uma breve análise do surgimento, da diversidade desses produtos, de suas aplicações, classificações e características técnicas relevantes, certamente contribuem para uma melhor compreensão do fenômeno da sua utilização como forma de violência. Esta utilização maléfica se vale da potencialização dos efeitos lesivos da explosão, daí também a necessidade de estudá-los. 1.1. Os explosivos ao longo da história A substância mais antiga empregada pelo homem como explosivo é, sem dúvida, a pólvora negra. Não tão certa é a sua origem. WALTERS4 (2003) aponta para o ano de 1040 d.C. baseado em um manuscrito militar chinês que descrevia até granadas e bombas para serem lançadas por catapultas. Era conhecida como “huo yao”, verdadeiros “fogos químicos”. As composições químicas exatas dessas “pólvoras” primitivas eram verdadeiros “segredos”, frutos da alquimia, dando aspecto de feitiçaria. A magia ocorria com a queima rápida da substância, gerando grande volume de fumaça (gases), calor e brilho intenso (Figura 1). Isto implicava na esperada oposição da Igreja. Uma vez iniciada a queima das pólvoras confinadas, o aumento súbito de pressão gerado pelos gases formados, resultava em uma impactante explosão. O poder e o fascínio que as mesmas proporcionavam aos seus detentores suplantaram as resistências, provocando uma grande difusão do interesse sobre o assunto. Figura 1: efeitos da queima da pólvora negra (2003). Demonstração realizada durante o XIII Curso de Atualização em Bombas e Explosivos. Fonte: arquivo pessoal. 4 WALTERS William P.; ZUKAS, Jonas A. (ed.). Explosive Effects and Applications. Nova York: Springer, 2003. p. 29. 20 Uma das causas apontadas para o domínio inicial dos chineses foi o conhecimento da técnica de purificação do salitre (um dos componentes básicos da pólvora) através da recristalização. A pólvora passa a ter mais destaque na Europa a partir de 1250, com o frade franciscano inglês Roger Bacon, que descreve cientificamente o processo de purificação do salitre e a obtenção da pólvora. Ironicamente, anos depois (após 1300), outro franciscano também se destaca na evolução da utilização da pólvora, principalmente no seu uso para fins bélicos. É o lendário monge alemão Berthold Schwarz, a quem muitos atribuem o descobrimento europeu da pólvora, ou pelo menos a redescoberta alemã e também sua aplicação desta como uma forma de acelerar um projétil no cano de uma arma de fogo (STETTBACHER5, 1952), ou seja, a utilização da pólvora como um propelente. A utilização para fins não bélicos teve o seu marco em 1627, com a introdução dos explosivos nas atividades de mineração, servindo a composição básica da pólvora para abertura de túneis, galerias etc. Conforme o propósito, a pólvora sofria modificações visando aperfeiçoar os seus efeitos. Foram realizados experimentos tanto na composição, como na forma e tamanho dos grãos do produto. A granulometria da pólvora influencia na taxa de queima e, por conseguinte, nas características de propelente de arma de fogo. A falta de estabilidade e a dificuldade de reprodutibilidade nos processos provocavam muitos incidentes no manejo da pólvora. Somente entre o final do século XVIII e início do XIX (WALTERS6, 2003) é que se padronizou a composição da pólvora, pela seguinte fórmula: 75% de nitrato de potássio, ou seja, salitre (KNO3), 15% de carbono (C) sob a forma de carvão e 10% de enxofre (S). A inicialização da pólvora também necessitava de atenção especial, pois até 1831 não se conhecia uma forma de queima lenta, prática e segura, como os estopins, para se levar o fogo da chama de ignição à pólvora. Um ponto marcante na evolução dos explosivos se deu com os experimentos do químico francês Claude Louis Berthollet, membro da Academia de Ciências de Paris. Em 1788 ele resolveu substituir o salitre pelo clorato de potássio (KClO3). Esta substituição, criando as pólvoras cloretadas, visava obter maior potência, entretanto, tornava a queima muito mais rápida e perigosa ao ser utilizada. Teve aplicações na pirotecnia, outro ramo que se vale da ciência dos explosivos e com histórico mais antigo que a própria pólvora. O fracasso aparente de Berthollet não o impediu de fazer novas descobertas na área de explosivos conseguindo substâncias mais poderosas, como a prata fulminante (azida de prata – AgN3), e que introduziram uma nova classe de explosivos: os detonadores ou 5 6 STETTBACHER, Alfred. Polvoras y explosivos. Buenos Aires: G. Gili, 1952. p. 1. WALTERS William P.; ZUKAS, Jonas A. (editores). Op Cit. p. 30. 21 explosivos iniciadores. Muito embora, este efeito “detonante” já fosse conhecido, com o ouro fulminante do alquimista Blasius Valentius, ele era utilizado mais como diversão do que como explosivo. Estas substâncias apresentam uma alta sensibilidade, não só a chama ou fricção, mas também ao choque mecânico, podendo assim serem iniciadas com uma simples percussão, gerando uma grande energia, capaz de iniciar outras reações em explosivos mais estáveis. Na aplicação desses explosivos iniciadores, se destaca a utilização dos fulminatos, descoberta atribuída ao químico inglês Edward Charles Howard, por volta de 1800 com o fulminato de mercúrio. O fulminato de mercúrio é o mais conhecido e que posteriormente foi amplamente utilizado em espoletas para cartuchos de arma de fogo (percussão da agulha iniciando o explosivo), até ser substituído por substâncias mais eficientes e menos corrosivas como o estifinato de chumbo e a azida de chumbo. Os fulminatos representaram um salto de potência em relação às pólvoras, aumentando substancialmente os efeitos das explosões. Entretanto, a manipulação perigosa, o custo elevado e ainda a alta toxidade eram barreiras que os tornavam de pouca valia para aplicações já comuns às pólvoras, como as de mineração e construção civil. Com barateamento de insumos pela utilização de materiais mais comuns e o aprimoramento das técnicas, várias novas substâncias explosivas foram sendo introduzidas em diferentes processos químicos. A fixação do oxigênio, necessário para a combustão, não vinha mais da mistura mecânica do salitre, e sim de processos químicos, como a nitração. Muitas dessas descobertas foram feitas de forma indireta. A indústria dos corantes, por exemplo, após a introdução da anilina (obtida a partir do composto orgânico nitrobenzeno que por sua vez tem origem na nitração do benzeno), buscou novos tipos de substâncias corantes. Ocorre que muitas dessas novas composições orgânicas são, ou estão muito perto de serem, substâncias explosivas. WALTERS7 (2003) relata que atualmente é sabido que há aproximadamente 20.000 tipos de moléculas com potencial explosivo, fora as inúmeras misturas de combustíveis e oxidantes que também se tornam explosivos. Algumas dessas substâncias tiveram importância fundamental para a difusão do uso dos explosivos, tal qual ocorre nos dias de hoje. STETTBACHER8 (1952) qualifica como decisivo o descobrimento da trinitrocelulose (pelo germânico-suíço Christian Friedrich Schönbein) e da nitroglicerina (pelo italiano Ascanio Sobrero). Ambas foram descobertas por volta de 1846, por processos de trinitração, um da celulose, que tem como insumo básico o 7 8 WALTERS William P.; ZUKAS, Jonas A. (editores). Op Cit. p. 2. STETTBACHER, Alfred. Op Cit. p. 1. 22 algodão (daí também ser conhecido como algodão-pólvora), e o outro da glicerina (glicerol), ou seja, materiais de baixo custo em relação aos demais até então utilizados. A nitroglicerina é extremamente sensível, podendo explodir facilmente com o choque, mas com enorme potencial de utilização pelo seu poder de ruptura, muito maior que a pólvora negra. Já a trinitrocelulose é uma espécie de pólvora sem fumaça e, conseqüentemente, com poucos resíduos após a sua combustão, tornando-a um importante elemento na confecção dos modernos propelentes. A utilização prática da nitroglicerina só foi possível pela genialidade do sueco Alfred Nobel, que em 1867 resolveu o problema da sensibilidade excessiva, absorvendo a nitroglicerina em terra de infusórios (do alemão kieselguhr), material poroso inerte, composto basicamente de dióxido de sílica (também chamada de terra de diatomáceas). Para acionar essa massa explosiva, agora relativamente insensível ao choque, Nobel adicionou sua outra invenção (de 1864), um detonador à base de fulminato de mercúrio, altamente sensível ao calor e ao choque como já citado. O detonador utilizava pequena quantidade de fulminato com a função de iniciar o explosivo principal (nitroglicerina devidamente dessensibilizada), formando o que se chamou de dinamite, quase um sinônimo de explosivo face à sua popularidade. Para iniciar o detonador, bastava um rastilho, uma mecha, que conduzisse a chama ateada de um ponto distante, formando assim uma prática e segura cadeia de detonação, capaz de executar inúmeros trabalhos de difícil realização para as pólvoras (rompimento de rochas mais duras, por exemplo) com enorme segurança no manuseio. Esse feito de Nobel, como ressalta WALTERS9 (2003) mudou o curso da ciência dos explosivos. Aprimorando o seu produto, Nobel inventou em 1875 a gelatina explosiva, uma massa viscosa contendo nitroglicerina e trinitrocelulose, que ficou conhecida como dinamite 100% ou dinamite gelatinosa. A utilização prática dada por Nobel fez crescer enormemente a produção de nitroglicerina no mundo, bem como a sua fortuna com a patente da dinamite, o que permitiu instituir o famoso fundo que leva o seu nome. Ainda como fruto acidental da indústria dos corantes, há outro explosivo de grande destaque, muito utilizado no meio militar, que é o TNT (trinitrotolueno). Sua descoberta ocorreu em 1863, pelo químico alemão Joseph Wilbrand, originalmente como tinta amarela. É um potente explosivo, não reagente com os metais, o que propiciou o seu uso como munição. Posteriormente verificou ser um contaminante do meio ambiente, tóxico ao ser humano. 9 WALTERS William P.; ZUKAS, Jonas A. (editores). Op Cit. p. 32. 23 A não observância inicial do TNT como um explosivo se deve a sua maior virtude: a estabilidade. É praticamente imune ao choque e também não se sensibiliza com o calor. Assim, o TNT pode ser fabricado, armazenado e manipulado com total segurança, podendo inclusive ser perfurado por projétil de arma de fogo, sem risco de explosão (ideal para transporte em campos de batalha). Para acioná-lo é necessária uma grande energia de ativação, oriunda de outra explosão, ou seja, precisa de detonadores. A engenharia bélica alemã soube explorar bem essa característica do TNT na confecção de munições explosivas, que só detonavam após penetrar nas blindagens inimigas. O sucesso da sua utilização foi tanto, que o TNT é considerado o explosivo padrão universal. Uma quantidade de explosivo qualquer, para fins de estudo, deve preferencialmente ser convertida no equivalente em TNT. O TNT também serve de base para outras composições explosivas. A aplicação dos explosivos no campo bélico nas duas grandes guerras foi decisiva. Todo esse cenário atraiu e continua atraindo estudiosos e empreendedores para a fértil e rica indústria dos explosivos. Esses novos explosivos serão citados oportunamente nos tópicos seguintes, conforme as características que os diferenciam e os tornam relevantes. Finalizando este breve e, por conseguinte injusto histórico, se faz mister descrever a origem e o uso como explosivo do nitrato de amônio (NH4NO3) em especial sob a forma de ANFO, principalmente pela fácil obtenção e comum aplicação ilícita do mesmo. Além da fixação do oxigênio, a nitração, uma reação de inclusão de grupo nitro (NO2) na substância, também proporciona a fixação do nitrogênio reativo, fundamental para os principais explosivos, o que era como visto anteriormente, um dos papéis do salitre. Embora o nitrogênio seja abundante na natureza, compondo quase 78% da atmosfera, a forma gasosa como ele se apresenta é de pouco uso prático se comparado com a sua utilização a partir do nitrato de amônio (NH4NO3), tornando este a matéria-prima para muitos explosivos. A amônia (NH3), de onde o nitrato de amônio deriva, por sua vez, só se tornou um insumo de uso comercial com a sua produção sintética pelo processo conhecido como HaberBosch, nome dado em homenagem aos inventores. Esta produção sintética (e barata) da amônia revolucionou o mundo (ERISMAN10, 2008). O químico Alemão Fritz Haber em 1908 foi quem obteve sinteticamente a amônia a partir do nitrogênio obtido da atmosfera e do hidrogênio oriundo do gás natural, utilizando-se de altas pressões e temperaturas. Entretanto, 10 ERISMAN, Jan W. et al. How a century of ammonia synthesis changed the world. Nature Geoscience. London, v.1 n. 10, p. 636-639, out. 2008. 24 foi preciso contar com o trabalho do seu compatriota e também químico, Carl Bosch que, em 1931, conseguiu produzir amônia em escala industrial. Ambos, por ocasião de cada descoberta, foram merecedores de prêmios Nobel de química, face à enorme relevância do processo inventado. Muito embora o processo Haber-Bosch tenha sido impulsionado pela demanda alemã para a produção de bombas e explosivos nas duas Grandes Guerras, eventos que provocaram a morte de milhões, o impacto maior do processo inventado se deu pela possibilidade de enriquecimento dos solos com a fixação do nitrogênio, com a produção dos derivados da amônia sob a forma de fertilizantes. Esta fixação do nitrogênio revolucionou a produtividade na agricultura, alimentando a humanidade, possibilitando a sobrevivência de bilhões, impedindo a concretização da previsão malthusiana11 sobre a escassez de alimentos frente ao acelerado crescimento demográfico. Há enormes benefícios na produção em larga escala de derivados da amônia, como o nitrato de amônio, barateando e difundindo as suas aplicações. Isto de certa forma ofusca os riscos inerentes ao manuseio inapropriado ou mesmo ilícito do nitrato de amônio, potencializado pela relativa fácil obtenção. O nitrato de amônio é um sal altamente oxidante, podendo, em certas condições, se decompor de forma explosiva, como na exposição continuada ao calor (incêndios) e também com variações de pressão (confinamento). O mesmo produto que serve para combater a fome, melhorando a produção no campo, pode trazer a dor e o sofrimento para muitos. Vários acidentes ocorreram nesse sentido, durante a fabricação, transporte ou manuseio do nitrato de amônio. Alguns casos ficaram marcados na história, tais como o da fábrica da Basf no vilarejo de Oppau na Alemanha em 1921 com 430 mortos (HAMMOND12, 1997) e mais recentemente, a explosão de um trem de carga na cidade de Ryongchon, na Coréia do Norte, em 22 de abril de 2004, com 154 mortos e 1300 pessoas feridas (ROWLAND III13, 2008). Um dos casos mais famosos foi o ocorrido na cidade do Texas, em 16 de abril de 1947 (STEPHENS14, 1997). O mundo se estarreceu com a capacidade explosiva do nitrato de amônio devido a mais este terrível desastre. Após um incêndio, o navio cargueiro Grandcamp, carregado com 2.300 toneladas de nitrato de amônio dentre outros materiais, explodiu, 11 De Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista, demógrafo e estatístico britânico. HAMMOND, David J.; HINMAN, Eve E. Lessons from the Oklahoma City Bombing: defensive design techniques. Reston: ASCE Publications, 1997. p.1. 13 ROWLAND III, James H.; MAINIERO, Richard J. A review of recent accidents involving explosives transport. In: ANNUAL CONFERENCE ON EXPLOSIVES AND BLASTING TECHNIQUE, 34, Louisiana. Anais… Cleveland: International Society of Explosives Engineers, 2008. Disponível em: <http://www.cdc.gov/niosh/mining/pubs/pdfs/arora.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2008. 14 STEPHENS, Hugh W. The Texas City Disaster, 1947. Texas: Universty of Texas Press, 1997. p. 1-5. 12 25 destruindo toda a região portuária e entorno, matando perto de 600 pessoas e ferindo outras 3.500 (praticamente 25% da população então estimada em 16.000). As circunstâncias como o calor do incêndio e a pressão nos compartimentos onde o nitrato de amônio estava estocado, foram suficientes para iniciar o processo de detonação do material. A força da explosão foi tanta, que pode ser sentida a mais de 240 quilômetros de distância do seu epicentro. Varias explosões e incêndios se sucederam em cadeia, destruindo edificações e instalações, formando o que é considerado o pior acidente industrial dos Estados Unidos (Figura 2). Figura 2: cenário de destruição do acidente na cidade do Texas (1947). Fonte: domínio público disponível em: http://texashistory.unt.edu/permalink/meta-pth-11686. Composições químicas com base no nitrato de amônio representam perigo pelo seu alto potencial explosivo quando não bem conhecidas. Uma das formas de utilizar o nitrato de amônio com mais eficiência enquanto explosivo é na sua combinação com outros materiais orgânicos, como por exemplo, combustíveis, surgindo daí o ANFO. A palavra ANFO vem das iniciais de Ammonium Nitrate Fuel Oil, ou seja, é a composição do nitrato de amônio com óleo combustível (normalmente óleo diesel). Esta combinação explosiva possui maior estabilidade na sua decomposição térmica, embora possa ser até mais sensível e potente. Sua iniciação se dá com alguma energia de ativação relativamente alta, como por exemplo, uma onda de choque oriunda de outra explosão (de um detonador). A estabilidade e o baixíssimo custo são atrativos para sua ampla utilização em mineração e em outras atividades comerciais lícitas. É assim o explosivo mais utilizado, juntamente com géis e emulsões também a base de 26 nitrato de amônia. Entretanto, a energia de ativação pode ocorrer de forma não planejada, em acidentes, ou o que é pior, o planejamento pode ter fins ilícitos, como o do terrorismo. O atentado na cidade de Oklahoma é uma triste prova desse fato. Ocorrido no dia 19 de abril de 1995, causou a morte de 168 pessoas (19 crianças) e grande número de feridos, além dos danos materiais. Foi um ataque ao prédio Alfred P. Murrah, pertencente ao governo federal norte-americano, sede de várias agências regionais governamentais. O atentado teve como protagonista Timothy McVeigh, auxiliado por Terry Lynn Nichols, ambos norteamericanos. A ação foi motivada por ambos se oporem a medidas adotadas pelo governo dos EUA, matando civis inocentes, o que causou mais espanto e indignação da população. McVeigh utilizou um pequeno caminhão contendo essencialmente ANFO, em uma mistura de nitrato de amônio com o combustível nitrometano no lugar do óleo diesel e ainda contando explosivos reforçadores, totalizando cerca de 3 toneladas de substância explosiva (CRODDY15, 2005). Os estragos foram enormes. O prédio precisou ser demolido face ao seu estado de destruição (Figura 3). Figura 3: cenário de destruição do atentado na cidade de Oklahoma (1995). Fonte: domínio público, crédito ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Oklahomacitybombing-DF-ST-98-01356.jpg>. Acesso em: 31 dez. 2008. 15 CRODDY, Eric A.; WIRTZ, James J. Weapons of Mass Destruction: An Encyclopedia of Worldwide Policy, Technology, and History. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2005. p.203. 27 1.2. Classificações e distinções dos tipos de explosivos e bombas Preliminarmente, há que se distinguir explosivo de bomba. Diferenciar o componente do conjunto. Bomba, neste caso, é referida simplesmente como um dispositivo capaz de explodir, valendo-se pela definição já utilizada para explosão. É, portanto, um dispositivo que tem no seu conjunto formador, o componente explosivo. Em um esquema simplificado, um dispositivo ou artefato explosivo seria composto por uma fonte de energia, por um mecanismo de acionamento e por um explosivo a ser acionado (Figura 4). Figura 4: esquema simplificado de um dispositivo explosivo (bomba). A grande variedade de substâncias e composições explosivas e, ainda, os diversos usos e aplicações dos explosivos e dos artefatos explosivos implicam na necessidade de caracterização prévia dos diferentes tipos. Há várias formas de classificação e também há uma gama de propriedades que os distingue. As formas mais comuns e relevantes são apresentadas a seguir. Consoante os objetivos deste estudo, destacam-se as características técnicas específicas relativas aos explosivos. 1.2.1. Classificação quanto ao uso Basicamente os explosivos se diferenciam quanto ao uso em três categorias: comerciais, militares e uso ilícito. Os explosivos comerciais são aqueles utilizados notavelmente em atividades civis, tais como mineração e obras de engenharia, envolvendo aí o desmonte de bancadas (pedreiras), a abertura de túneis, demolições, implosões etc. Também são usados em 28 atividades menos aparentes como nas extinções de incêndios (pelo vácuo formado após a explosão), nos sistemas de inflar dos dispositivos de segurança veiculares (airbag) e nas fusões (soldas) de placas metálicas nas indústrias, dentre outros. Também podem ser incluídos nessa categoria, os explosivos usados para pirotecnia, como os empregados em fogos de artifício, efeitos especiais em filmagens e sinalizadores de salvatagem, muito embora possam ser considerados como uma categoria à parte (SUCESKA16, 1995). A utilização militar de explosivos depreende condições especiais de uso, onde os mesmos estariam sujeitos a condições extremas, típicas de guerra, além de possuírem características adequadas para fins bélicos. Esta categoria também abrange alguns dos explosivos e dispositivos explosivos utilizados por forças especiais policiais, como esquadrões antibombas e grupos de operações táticas. Embora possa parecer um contra-senso, os esquadrões antibombas utilizam explosivos como ferramentas em suas atividades, em técnicas de contramedida para neutralizar artefatos suspeitos (Figura 5). Já os grupos de operações táticas empregam explosivos para abertura de portas e janelas em entradas forçadas. Figura 5: abertura de um pacote postal suspeito (2007). Atendimento do GBE da Polícia Federal/RJ. Em destaque a utilização de um arranjo com explosivos para a abertura remota e segura do pacote. Fonte: arquivo pessoal. 16 SUCESKA, Muhamed. Op Cit. p. 3. 29 Por fim, o uso ilícito constitui o emprego de explosivos em ações não permitidas ou por pessoas não habilitadas. São utilizados tantos explosivos militares como os comerciais, além dos explosivos improvisados ou caseiros. 1.2.2. Classificação quanto ao modo de fabricação A forma como é fabricado o explosivo ou o dispositivo explosivo também pode ser categorizada. Há os industrializados e os artesanais, também chamados de improvisados. No Brasil, os explosivos de uso militar são fabricados principalmente pela Imbel – Indústria de Material Bélico do Brasil, pertencente ao Exército Brasileiro e pela RJC Aeroespacial Ltda (detentora dos produtos da CEV – Companhia de Explosivos Valparaíba). Os de utilização comercial possuem vários fabricantes (Tabela 1). Tabela 1: Produção e venda dos produtos e serviços relacionados a explosivos. Descrição dos produtos 2,4,6 - trinitrotolueno (TNT) Estopins, cordéis detonantes, fulminantes ou cápsulas fulminantes; detonadores elétricos Explosivos preparados, exceto pólvoras propulsivas Fogos de artifício, foguetes de sinalização ou outros artigos pirotécnicos Nitroglicerina; tetranitrato de pentaeritritol (PETN, Nitropenta, Pentrita) Pólvoras propulsivas Serviço de produção de explosivos ou serviços relacionados Outros TOTAIS Unidade de medida Produção Vendas kg (x) Valor (1000 R$) (x) (x) Valor (1000 R$) (x) kg 36.672.302 30.919 32.971.682 28.580 kg 76.419.317 299.315 71.604.188 277.738 kg 12.503.158 57.592 11.984.837 53.240 kg (x) (x) (x) (x) kg (x) (x) (x) (x) (x) (x) (x) (x) 5.234 393.060 Fonte: IBGE - PIA EMPRESA 2007. - 4.491 364.050 Quantidade Quantidade - No caso dos explosivos artesanais, a preocupação é maior ainda, pois inexiste qualquer forma de controle quanto à produção. 1.2.3. Classificação quanto ao princípio de funcionamento As formas como os explosivos podem ser iniciados também são utilizadas como elementos diferenciadores para classificá-los. Estes mecanismos de acionamento se dividem pelos princípios que os regem, podendo ser físicos, químicos ou mistos. 30 Os princípios físicos são aqueles que, assim como a própria definição de física, se valem das forças naturais sem alteração relevante da matéria, servindo essas forças como verdadeiros gatilhos (triggers) que desencadeiam o processo para que ocorra a explosão. São as variações de uma ou mais grandezas físicas, que ao serem detectadas e ultrapassarem os limites estabelecidos pelo sistema do mecanismo de acionamento, resultam na explosão. As grandezas físicas utilizadas podem ser várias, tais como: tempo (bomba-relógio), temperatura, força, pressão (descompressão), tração, tensão de um cabo, umidade, luminosidade, capacitância etc. Ocorrendo a variação dessas grandezas, os sensores dos mecanismos a percebe e acionam um dispositivo iniciador, como por exemplo, um detonador, que é formado por um explosivo muito sensível ao calor ou ao atrito. Ao receber o calor ou atrito necessário, o detonador explode gerando a energia necessária para ativar a massa principal de explosivo. O calor fornecido para o explosivo iniciador do detonador pode ser oriundo de uma chama (estopim) ou de uma resistência elétrica pelo efeito joule (detonador elétrico ou eletrônico), ou ainda de uma onda de choque (cordéis detonantes, tubos de choque). As grandezas envolvidas nos sistemas iniciadores podem dar nome ao dispositivo explosivo e assim servir como subclassificação, tais como bomba de tempo (Figura 6), de tração, de pressão, eletrônica etc. Figura 6: simulacro de bomba encontrado dentro de um veículo (1997). Ocorrência da Polícia Federal/RJ. Destaque para o mecanismo de acionamento de tempo. Fonte: arquivo pessoal. 31 Por sua vez, os princípios químicos se valem da alteração da matéria como gatilho de iniciação do dispositivo explosivo. Uma reação química exotérmica que gere calor suficiente para acionar os detonadores poderá servir como base de um mecanismo dessa natureza, já que a reação química pode ocorrer depois de determinado tempo (oxidando a mistura química no contato direto com o ar, por exemplo) tendo assim função apropriada para um dispositivo explosivo temporizado (bomba-relógio). A utilização dos dois princípios forma o sistema misto. Um exemplo é o ataque de ácido a um fio metálico tensionado, corroendo-o, oxidando-o (princípio químico) ao ponto de rompê-lo. Quando isso ocorre, há a liberação do fio que por sua vez, fecha mecanicamente (princípio físico) os contatos de um circuito elétrico energizando e acionando um detonador. As combinações são inúmeras, conforme a criatividade de quem as constrói. Quando se trata de dispositivo improvisado, essas combinações acabam identificando as pessoas que as idealizaram, formando a chamada “assinatura” (ou modus operandi). 1.2.4. Classificações pelas características técnicas dos explosivos Os explosivos possuem diversas propriedades e características técnicas. A relação dessas características, evidenciando o desempenho da substância como explosivo, faz com que esses parâmetros sirvam isoladamente ou em conjunto como uma forma de classificá-los. A maior ou menor utilização de uma classificação por uma determinada característica técnica é proporcional à relevância que esta característica possui no contexto de utilização daquele dispositivo explosivo. As que mais se destacam são: velocidade de detonação, brisância, estabilidade e sensibilidade. A velocidade de detonação é a velocidade com que a reação química se propaga ao longo do explosivo, em outras palavras, é a velocidade com que a zona de reação, formada quando da iniciação do explosivo, se desloca através do próprio, e que vai se decompondo, gerando a explosão e os seus efeitos (Figura 7). É possível medir a velocidade do deslocamento dessa zona de reação, obtendo-se o tempo em que a frente de onda demora a se deslocar em um determinado percurso, sendo um dos mais importantes parâmetros dos explosivos (SUCESKA17, 1995). A medida é comumente fornecida em metros por segundo (m/s), sendo que os explosivos que possuem velocidade de detonação acima de 1000 m/s são chamados de altos explosivos e os que estão abaixo, até o limite inferior da velocidade do som (340 m/s), de baixos explosivos. Valores inferiores a 340 m/s não são considerados como velocidades de 17 SUCESKA, Muhamed. Op Cit. p. 93. 32 detonação e sim de deflagração. Um exemplo típico é a pólvora negra que possui uma velocidade de deflagração em torno de 300 m/s (velocidade máxima de 400 m/s, conforme Stettbacher18). Isso implica em dizer que para se obter uma explosão útil com pólvora negra, a mesma tem que estar confinada, caso contrário pode ocorrer uma combustão (deflagração) e não uma detonação. Quanto maior a velocidade de um explosivo, mais poderoso ele se torna no aspecto da sua capacidade de rompimento. Esta propriedade de se realizar um trabalho mecânico, de rompimento, quebra e fragmentação do material em sua volta é denominada brisância, que é de suma importância para aplicações militares no rompimento de barreiras visando atingir os alvos e nas aplicações de mineração fragmentando as rochas. A brisância é uma medida influenciada pela rapidez com que o explosivo atinge o seu pico máximo de pressão durante uma explosão, sendo, portanto, diretamente dependente da velocidade de detonação. Energia de iniciação EXPLOSIVO INTACTO Frente de Onda Zona de Reação Massa decomposta Frente de Onda Figura 7: velocidade de deslocamento da frente de onda. A estabilidade de um explosivo se refere a sua capacidade de manter as suas propriedades inalteradas frente às circunstâncias as quais é submetido. Assim, explosivos estáveis podem, por exemplo, serem armazenados por longos períodos ou em condições climáticas desfavoráveis sem alterações em suas características fisioquímicas. Essa capacidade é muito valorizada em explosivos militares, pelo regime de estocagem e condições de uso. 18 STETTBACHER, Alfred. Op Cit. p. 133. 33 Por fim, destaca-se a sensibilidade que é a resposta que o explosivo fornece ao receber energia. Um explosivo muito sensível pode se iniciar com pequenas quantidades de energia, como as geradas pela fricção do material. Os explosivos poucos sensíveis precisarão de grande energia, tais como as oriundas de outra explosão. Novamente, para fins militares é vantajoso que o explosivo manuseado seja insensível às condições de guerra, não devendo iniciar ao ser perfurado por um projétil, por exemplo. Alguns explosivos podem responder bem a estímulos mecânicos como impactos e serem insensíveis a outros, como o calor de uma chama. É o caso, por exemplo, da nitroglicerina que sob determinadas condições, pode explodir, simplesmente ao atingir o solo de uma pequena altura, enquanto a mesma nitroglicerina pode ser consumida ao ser submetida ao calor de uma chama, sem explodir (WALTERS19, 2003). Conjugando as características técnicas apresentadas têm-se as classificações mais satisfatórias, segundo Suceska20: explosivos primários, explosivos secundários, propelentes e o grupo dos pirotécnicos (estes já descritos). Os explosivos primários ou de iniciação são altamente sensíveis, e possuem essa denominação por serem utilizados na ativação de outros explosivos menos sensíveis, formando uma cadeia ou trem de fogo. São exemplos: a azida de chumbo, o estifinato de chumbo, fulminato de mercúrio etc. Os explosivos secundários (devido a sua posição na cadeia de iniciação) também são chamados de explosivos de ruptura. Para tanto, possuem alta brisância e, portanto, alta velocidade de detonação (altos explosivos). Nesta categoria, têm-se como exemplos explosivos plásticos, TNT, hexogênio (RDX), tetril, nitropenta (PETN) etc. Os propelentes são basicamente as pólvoras e que conforme já dito, possuem velocidade de deflagração, necessitando de condições especiais (confinamento) para explodirem. Possuem fins balísticos e na propulsão de foguetes, envolvendo várias técnicas na composição e geometria dos grãos das pólvoras. 1.3. Os efeitos de uma explosão Ao ocorrer uma explosão diversos efeitos se sucedem variando em intensidade conforme o tipo de dispositivo explosivo empregado e as condições do local atingido. Esses efeitos podem ser potencializados ou minimizados por outras circunstâncias, como por exemplo, o confinamento do ambiente ou o direcionamento da carga explosiva. Associados 19 20 WALTERS William P.; ZUKAS, Jonas A. (editores). Op Cit. p. 189. SUCESKA, Muhamed. Op Cit. p. 2. 34 aos efeitos de uma explosão estão os danos que esta pode causar, em especial no ser humano. A literatura médica usualmente divide esses danos em primários, secundários, terciários e quaternários (AZAROW21, 2006). Os danos ou ferimentos primários são os relacionados com traumas causados pela variação súbita e pelos picos de pressão no ambiente. Os órgãos mais suscetíveis a traumas pela sobrepressão são, em regra, os mais fluidos e, por conseguinte os que se expandem e se comprimem mais facilmente com a passagem da onda formada pela explosão (onda de choque) ou pelas ondas refletidas. São os pulmões, sistema gastrointestinal e região timpânica. Com o trauma desses órgãos, pode ocorrer desde uma surdez temporária até o óbito por hemorragia severa (BELANGER22, 2006). Os fragmentos resultantes da explosão e que devido à força da expansão dos gases atingem altas velocidades, provocam os danos secundários. Além de serem altamente penetrantes, causando todo tipo de ferimento, há ainda que se considerar o risco proposital ou não de infecção pela contaminação do material fragmentado. Ferimentos terciários são os ocasionados pelo impacto da impulsão e da colisão dos corpos arremessados devido à explosão, contra objetos e anteparos. Resultam em lesões de larga escala, tanto penetrantes como contundentes (BAR-TAL23,2006). Por fim, têm-se as lesões quaternárias que englobam as resultantes de queimaduras, inalações diversas (poeira, fumaça etc.), complicações em função de doenças pré-existentes, demolição de estruturas pela explosão, ou seja, lesões por uma miscelânea de efeitos de uma explosão. O estudo dos efeitos e das conseqüências das explosões facilita a compreensão do potencial lesivo do emprego ilícito dos explosivos. Citado os danos, as lesões, por meio dos seus agrupamentos sob o ponto de vista médico, resta descrever mais detalhadamente os efeitos que originam tais danos. Basicamente são quatro os principais efeitos: térmico, sobrepressão, deslocamento e fragmentação. 1.3.1. Efeito térmico A reação química decorrente de uma explosão libera muita energia de forma extremamente rápida, provocando entre outros, o efeito térmico, que consiste na brusca 21 AZAROW, Kenneth et al. Bronchoscopy in the blast injury patient. Archives of Surgery. Chicago, v. 141, n. 8, p. 806, ago. 2006. 22 BELANGER, Heather G. et al. Mechanism-of-injury approach to evaluating patients with blast-related polytrauma. The Journal of the American Osteopathic Association. Chicago, v. 106, n. 5, p. 266, maio 2006. 23 BAR-TAL, Gabi et al. Role of radiology in evaluation of terror attack victims. American Journal of Roentgenology. Leesburg, v. 187, n. 3, p. 609, set. 2006. 35 elevação e declínio da temperatura. O patamar da temperatura da zona de reação ou da temperatura de detonação é na faixa de 2000 a 5000 K (SUCESKA24, 1995). Esta alta temperatura se sustenta por pouco tempo (µs), pois o decréscimo é da ordem de 105 K/s (LAFONT25, 1999) o que leva a um rápido resfriamento. A alta temperatura alcançada é suficiente para ocasionar a fusão dos materiais próximos ao epicentro da explosão. Como há um rápido resfriamento, não há transferência de calor suficiente para a expansão da fusão a extensões maiores. Industrialmente este efeito é utilizado, por exemplo, na solda e junção por explosão de placas dos mais variados metais (Figura 8) e ainda com inúmeras vantagens em relação aos demais processos comuns de soldagem devido a, comparativamente, ausência de aquecimento (BANKER26, 1993). Figura 8: soldagem de duas placas de metais distintos por explosão (1997). Material gerado em aula prática na fábrica de explosivos Britanite. Fonte: arquivo pessoal 1.3.2. Sobrepressão A brusca expansão do material explosivo, aumentando em muito o seu volume inicial e formando gases que se deslocam a partir do epicentro da explosão, gera a já descrita frente 24 SUCESKA, Muhamed. Op Cit. p. 93. LAFONT, M. C.; NOBILI, A.; MASRI T. Recent Developments in Characterization of a Titanium-Steel Explosion Bond Interface. In: Proceedings of reactive metals in corrosive applications conference. Albany: Wah Chang, p. 93, set. 1999. 26 BANKER, John G.; REINEKE, Edward G. Explosion Welding. In: OLSON, David L. (ed.). ASM Handbook. Cleveland: ASM International, v. 6, p. 303, 1993. 25 36 de onda. Essa frente faz com que a pressão atmosférica varie conforme ocorre a sua passagem pelo ambiente, sendo também conhecida como onda de choque. Inicialmente, o ambiente pré-explosão está sujeito a pressão atmosférica. Com o desencadeamento da explosão, à passagem da onda de choque faz com que haja um grande aumento da pressão existente, ocorrendo um pico ou sobrepressão. Essa sobrepressão tem uma breve duração (na ordem de ms), mas os seus efeitos são devastadores, empurrando toda a matéria à sua frente e ocasionando as lesões primárias. É a chamada fase positiva da explosão. Com a passagem da onda, o que se tem em seguida é a ausência de ar (que foi impulsionado pela frente de onda), gerando uma pressão negativa. Essa fase negativa é igualmente na ordem de ms, porém com duração bem maior do que a positiva, pois é o tempo para o ambiente se reequilibrar, com oscilações desprezíveis (em termos de tempo total) após a fase negativa (Figura 9). Interessante destacar que essa fase negativa faz com que pequenos objetos ou fragmentos sejam atraídos de volta ao epicentro. Uma perícia pós-explosão poderá encontrar pesados objetos lançados bem longe (resultado da fase positiva) contrastando com outros bem mais leves próximos de onde se deu a explosão. Além disso, outra característica da fase negativa é a formação de vácuo. Essa característica faz com que se utilizem explosivos para a extinção de incêndio, desde que propriamente preparados para tal. Figura 9: gráfico de pressão de uma explosão. 37 1.3.3. Deslocamento Um efeito intrinsecamente relacionado com a sobrepressão é o deslocamento da matéria em volta do epicentro da explosão. Embora relacionados, as poderosas conseqüências desse deslocamento fazem com que este efeito seja estudado independentemente das variações da pressão do ambiente. O deslocamento da massa devido à força das ondas de choque oriundas da explosão faz com que essa massa reaja segundo a terceira lei de Newton (Princípio da Ação e Reação), exercendo uma força sobre o explosivo em direção contrária. Uma das aplicações imediata reside na utilização dos explosivos como propelente, impulsionando o artefato (projétil) que também pode ter uma carga explosiva. É um engenho devidamente projetado para este fim, com grande alcance e precisão, servindo para fins bélicos (Figura 10). Além de projéteis convencionais, o efeito de deslocamento das explosões também possibilita uma ampla utilização improvisada de materiais agregados aos explosivos, como pregos, parafusos, bolas de gudes etc. Estes materiais, que também sofrem o efeito da fragmentação, são lançados a altas velocidades. Figura 10: lança-rojão M72A2 apreendido pelo DPF no Rio de Janeiro (2007). Na radiografia se diferencia o propelente (à esquerda da linha tracejada) do projétil. Fonte: arquivo pessoal. Em termos de resultado sobre seres vivos, conforme descrito anteriormente, o deslocamento é o responsável pelas lesões terciárias. Isto ocorre tanto na aceleração brusca dos corpos como na sua desaceleração, normalmente por colisão contra anteparos 38 (edificações, veículos, etc.) nas proximidades do epicentro da explosão. Esta característica é evidenciada no projeto de trajes antibombas, onde é comum se ter uma proteção bem rígida na frente, enquanto na parte traseira há um acolchoamento prevenindo, caso ocorra uma explosão, evitando que o técnico antibomba sofra lesões ao ser lançado pelo efeito do deslocamento. A proteção é sempre relativa, sendo influenciada diretamente pela quantidade de explosivos e pela distância destes à pessoa ou ao bem a ser protegido. No caso do traje, é fundamental ainda que o técnico fique sempre de frente para a bomba a ser neutralizada, mesmo ao se afastar (andando de costas). Caso isto não ocorra, a roupa ao invés de proteger, irá potencializar os efeitos do deslocamento, servindo a parte rígida frontal como um anteparo contra o qual o corpo do técnico será fortemente pressionado (Figura 11). Figura 11: traje antibomba (2003/2002). À esquerda o apresentado no “Primeiro Seminário de Técnicas antiexplosivos e manejo de equipamento especializado”, em Bogotá. À Direita o apresentado durante o XII CABE, em SP. Destacam-se a proteção rígida (parte escura) e o acolchoamento traseiro do traje. Fonte: arquivo pessoal. 1.3.4. Fragmentação A força gerada a partir da expansão da matéria explosiva e a forma rápida como a mesma ocorre tem um poderoso efeito de rompimento, de fragmentação do material próximo ao explosivo, principalmente do invólucro que o contém. Estes fragmentos lançados a alta velocidade (pelo efeito do deslocamento, visto anteriormente) se tornam projéteis com grande capacidade de penetração, produzindo nos seres humanos as chamadas lesões secundárias. Baseados nesse efeito, muitos artefatos são produzidos com alto poder lesivo, por meio de acessórios, cuja finalidade precípua é a de facilmente se romper em pequenos fragmentos de material metálico. São anéis ou luvas de estilhaçamento. Em alguns casos, esses acessórios são opcionais, conforme o fim bélico que se destinam. É o caso, por 39 exemplo, das granadas de mão que podem ser defensivas ou ofensivas. Ao contrário do que se poderia pensar, granadas ofensivas são as que não utilizam os tais acessórios de fragmentação. Isto se explica devido à classificação ter como referencial quem está fazendo o lançamento da granada, ou seja, uma tropa que está em ofensiva, ao lançar uma granada, não objetiva que a mesma se fragmente e atinja seus combatentes. Da mesma forma, uma tropa que esteja abrigada, se defendendo, pode fazer uso de uma granada com alto poder de lançar fragmentos e assim potencializar as lesões no inimigo que se aproxima (Figura 12). Figura 12: granada M3 e sua luva de estilhaçamento para uso defensivo (2004). Fonte: arquivo pessoal. Os elementos utilizados para aumentar a fragmentação podem ser externos ou internos (Figura 13). Mesmos os modelos industrializados, com marca e modelo identificáveis, podem ocultar esses elementos, o que deve ser considerado quando se estipula uma distância de segurança, longe do raio de ação do artefato. Figura 13: granada M4 com a radiografia dos anéis de estilhaçamento (2004). Fonte: arquivo pessoal. Além da fragmentação do invólucro e dos materiais previamente agregados à massa explosiva, há que se considerar também a fragmentação dos objetos próximos ao explosivo, principalmente quando o explosivo possui alta brisância. 40 1.3.5. Outros efeitos Além dos efeitos descritos, há outros que também são aproveitados nos diversos artefatos. São variações da geometria e da constituição dos materiais em torno do explosivo, produzindo resultados impressionantes no aproveitamento útil da energia gerada na explosão. No caso da geometria, destacam-se as chamadas cargas ocas, onde a disposição da substância explosiva vale-se da propriedade de propagação perpendicular das ondas de choque na superfície. Destarte, o arranjo direciona e soma as ondas, resultando no aumento e na concentração da força (Figura 14). Uma definição mais completa é dada por WALTERS27 (1991): A cylinder of explosive with a hollow cavity in one end and a detonator at the opposite end is known as a hollow charge. The hollow cavity, which may assume almost any geometric shape such as a hemisphere, a cone, or the like, causes the gaseous products formed from initiation of the explosive at the end of the cylinder opposite the hollow cavity to focus the energy of the detonation products. The focusing of the detonation products creates an intense localized force. (a) (b) Figura 14: comparativo entre os efeitos da geometria na detonação. Em (a) efeitos de uma carga plana e em (b) com uma carga cônica. A concentração geométrica de ondas explosivas, com resultados mais efetivos e com menos quantidade de explosivo, denomina-se efeito Munroe na Inglaterra e nos Estados Unidos, e efeito Neumann ou Von Foerster na Alemanha (WALTER28, 2008). São nomes em homenagem aos que se destacaram no estudo dessa característica dos explosivos, muito embora vários outros nomes também tenham dado importantes contribuições para o 27 WALTERS William P. Shock waves in the study of shaped charges. Technical Report. Maryland: Ballistic Research Laboratory Aberdeen proving ground; ago. 1991. BRL-TR-3258. p. 1. 28 Idem. A Brief History of Shaped Charges. Technical Report. Maryland: Ballistic Research Laboratory Aberdeen proving ground; dez. 2008. ARL-RP-232. p. 2. 41 desenvolvimento de aplicações com esse efeito geométrico. O primeiro trabalho escrito sobre o assunto é atribuído à Von Baader em 1792. Outro aspecto a ser considerado é a força que uma detonação exerce contra um metal. DAVIS29 (2002) descreve essa força como algo entre 100 a 1000 vezes a própria resistência que o metal poder oferecer. Assim, qualquer imperfeição, por menor que seja, ou mesmo uma configuração proposital na superfície do explosivo, irá deixar sua marca no metal e nos fragmentos decorrentes da explosão. Outros experimentos, acoplando metais à superfície das cavidades da carga oca, propiciaram o desenvolvimento de armas ainda mais poderosas, pois esses metais no contato com o explosivo em detonação formam jatos com incrível capacidade de penetração (Figura 15). É o princípio utilizado, por exemplo, nos altos explosivos antitanque (HEAT – High Explosive Anti-Tank), torpedos, mísseis etc. Figura 15: granada antitanque em ação (2002). Demonstração realizada durante o XII CABE, em SP. Fonte: arquivo pessoal. 29 DAVIS, W. C.; HILL, L. G. Joints, Cracks, Holes and Gaps in Detonating Explosives. In: Symposium (International) on Detonation, 12, 2002, San Diego. Proceedings of the… 42 1.4. O emprego do explosivo como forma de violência Os explosivos possuem diversas aplicações lícitas, respondendo pela quase totalidade do seu emprego. Porém, mesmo representando uma parcela ínfima, ao se pensar nos explosivos, quase sempre se faz uma associação imediata com a aplicação criminosa ou como forma de violência. Convém destacar as várias facetas desse emprego nocivo. 1.4.1. Arsenal do crime organizado Uma das principais formas de emprego ilícito reside como forma de arma para os criminosos afrontarem o poder público. Nesta categoria, incluem-se tantos os armamentos industrializados, tais como granadas e rojões, normalmente contrabandeados ou desviados dos meios militares, como os de fabricação artesanal. Figura 16: exemplos de granadas apreendidas pela Polícia Federal/RJ (1999, 2007). Na parte superior, 25 granadas argentinas modelo FMK2, na inferior, 68 granadas nacionais modelo CEV M4. Fontes: parte superior, arquivo pessoal; inferior, PCF Marcos Bacha Santos. São inúmeras apreensões de materiais explosivos, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, onde há varias facções criminosas exercendo um poder paralelo sobre a população. Como forma de demarcação de domínio de território é utilizada a exibição ostensiva de símbolos e nomenclaturas por elas criadas (Figura 17). É uma demonstração de força que desafia o poder público. 43 Figura 17: granada de mão artesanal apreendida pela Polícia Civil/RJ (2002). Destaque para a sigla “C.V.”, uma referência explícita à facção criminosa “Comando Vermelho” e para o conteúdo da granada, composto de pregos, parafusos etc. Fonte: arquivo pessoal. 1.4.2. Roubo de valores A guarda e o transporte de valores se valem tanto da segurança física, por meio de vigilantes devidamente armados, como a utilização de tecnologia em materiais resistentes, que formam obstáculos quase instransponíveis para o acesso não permitido. É no rompimento desses obstáculos que os explosivos são empregados, além da própria intimidação dos agentes de segurança. Valendo-se da brisância dos explosivos, a criminalidade, muitas vezes de forma amadora e inadequada, os utiliza obtendo resultados insatisfatórios (Figura 18). Há exageros na carga, sem muita eficácia para o fim colimado. Entretanto, com utilização cada vez maior, a tendência é que os resultados passem a ser mais efetivos. Figura 18: granada abandonada em uma agência da CEF no Rio de Janeiro (2007). Caso atendido pelo DPF, com uma granada caseira abandonada e outra explodiu no local ferindo o delinqüente. Fonte: arquivo pessoal. 44 1.4.3. Ataques a instalações prisionais De forma análoga ao emprego de explosivos para rompimento de obstáculos visando roubar valores, há a utilização visando libertar criminosos. Os alvos são as paredes das instalações prisionais (Figura 19) e felizmente, mais uma vez, ainda não se observa muito sucesso nos resultados, com falhas até na forma de acionamento dos explosivos. Esses ataques estão também vinculados ao crime organizado. Figura 19: artefatos explosivos utilizados em ataques à presídios em SP (2002). O da esquerda era a base de pólvora negra e foi colocado no Centro de Detenção Provisória – Pinheiros. O da direita continha 25 kg de ANFO e foi colocado no Presídio de Parelheiros. Ambos falharam no acionamento. Fonte: arquivo pessoal. 1.4.4. Crimes passionais Razões emocionais e que desencadeiam em vingança estão entre as maiores causas da utilização de explosivo como meio de atingir as pessoas. Isto ocorre de forma direta lesionando-as ou por meio de seus patrimônios. Esta constatação vem de estudos como o realizado por DAVIS30 (2005) que durante o período de vinte anos (1983 a 2002) analisou 36110 casos de incidentes com explosivos nos Estados Unidos. Também neste mesmo país, um dos alvos preferenciais do terrorismo, há uma publicação oficial do Departamento de Justiça31 que cita o vandalismo e a vingança como os motivos mais freqüentemente apontados nos incidentes com explosivos. Com isso, mais uma vez, desmistifica-se que o Brasil não teria 30 DAVIS, Mark A. et al. The United States twenty-year experience with bombing incidents: implications for terrorism preparedness and medical response. The Journal of trauma injury, Infection, and critical care. San Antonio, n. 59, p.1436-1444, dez. 2005. 31 EUA. Department of Justice. Office of Justice Programs. National Institute of Justice. A guide for explosion and bombing scene investigation. Washington: 2000. 45 esse problema de segurança pública. Infelizmente, não há estudo semelhante para os incidentes ocorridos no Brasil. 1.4.5. Vandalismo Em um artigo sobre violência, MARCONDES FILHO32 (2001) aborda um agir vândalo, como “destruição insensível e inconseqüente do bem público, dos símbolos de cidadania, de urbanidade, indo até as formas elementares de interação social.” Cita ainda no mesmo artigo, ENZENSBERGER sobre “jovens que destroem qualquer coisa que funciona” e “hospitais e equipamentos médicos que são destruídos por vândalos que, fatalmente, precisarão dos mesmos equipamentos no dia seguinte.” Essas referências traduzem bem a irracionalidade destrutiva do vandalismo o que explica a sua fácil e perigosa associação com explosivos, sendo como já dito, uma das principais motivações dos incidentes que figuram nas estatísticas. 1.4.6. Violência entre gangues e torcidas Outro grande problema relacionado com o emprego ilícito dos explosivos está na sua utilização como arma nos confrontos de gangues. Esta questão é mais expressiva e com maior repercussão quando envolvem brigas de torcidas organizadas dos clubes de futebol, principalmente os de grande expressão popular. Em uma busca sistemática em jornais paulistas no período de janeiro de 1980 a dezembro de 1999, PIMENTA33 (2000) constata uma adoção efetiva, a partir da década de 90, de armas de fogo e bombas por parte das torcidas organizadas. Com isso há registro de várias mortes. A própria mídia acaba sendo apontada como incentivo para o aumento desse fenômeno: Jamelão, ex-presidente dos “Gaviões da Fiel”, acredita que “(...) a imprensa tem que chegar junto com a gente (...), porque todo aquele que for associado que está na faixa de 15 a 17 anos, vendo uma matéria no jornal: ‘são-paulino toca bomba no corintiano’, isso automaticamente fica na memória dele no próximo jogo, ele vai fazer bomba para atacar o são-paulino. (...) A imprensa ao invés de colaborar e querer saber quais os pontos para ter uma solução, eles preferem vender a imagem, vender o jornal (...)”. A dificuldade de se prevenir a utilização de bombas caseiras pelas torcidas, reside em parte na tênue distinção entre fogos de artifícios, legitimamente utilizados em comemorações, 32 MARCONDES FILHO, Ciro. Violência fundadora e violência reativa na cultura brasileira. São Paulo em perspectiva, São Paulo, v.15, n.2, p. 20-27, abr. 2001. 33 PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Violência entre torcidas organizadas de futebol. São Paulo em perspectiva, São Paulo, v.14, n.2, p. 122-128, jun. 2000. 46 e artefatos explosivos, que também são, em sua maioria, à base de pólvora negra, mas, visam atingir a torcida adversária. A própria detecção das bombas em estádios com grandes aglomerações é um desafio à segurança pública, face às diversas e criativas formas de dissimulá-las. Ilustra bem esta situação, parte da descrição do evento ocorrido em São Paulo e que ficou conhecido na mídia como “o caso do gordo do ABC”, feita por TOLEDO34 (1997): A paixão pelo futebol herdou do pai, que o levava aos estádios desde criança. Rotina que se alterou bruscamente a partir do dia 23 de janeiro de 1992, semifinal da taça São Paulo realizada no estádio do Nacional, clube da segunda divisão da capital paulistana. Havia uma superlotação no estádio, ânimos acirrados como de costume, insultos disparados por ambas as partes e uma proximidade perigosa entre as torcidas rivais, imposta pelas reduzidas dimensões do estádio. Num determinado momento do gol do São Paulo Futebol Clube, além da explosão de alegria incontida do lado da torcida são-paulina, uma bomba de fabricação caseira é arremessada a esmo em meio aos corintianos ainda aturdidos pelo tento adversário. Bomba sem endereço determinado, a não ser pelo contraste das cores dos opositores, atingiu o outro aglomerado torcedor. Situação em que mal se podia identificar os contendores, sequer qualquer atributo que os individualizassem. Um gol, a explosão posterior, espanto, alegria, dor, indignação compuseram o cenário que vitimou o corintiano Rogério de Gásperi. A violência ocorre tanto entre torcidas adversárias, como entre facções de uma mesma torcida. Há também atos de protesto das torcidas contra os jogadores dos seus próprios times, motivadas por maus resultados ou por atitudes polêmicas dentro e fora do campo. 1.4.7. Violência nas escolas Além da formação de gangues em torno de interesses comuns, como o caso já citado das torcidas organizadas de times de futebol, há também a cumplicidade entre colegas de turmas de colégios que propicia essa formação ou pelo menos aumenta a impunidade dos atos ilícitos pela não delação dos colegas. A violência nas escolas pode ocorrer de várias maneiras. Podem ser ameaças falsas, reais, briga entre alunos, de alunos contra os funcionários da escola e vice versa. Um estudo quantitativo e qualitativo envolvendo 13 capitais do Brasil (ABRAMOVAY35, 2005), aponta para a existência de ocorrências de bombas em banheiros escolares e transcreve um relato de um grupo de estudantes de uma escola pública de Vitória –ES, onde fica patente o pacto de silêncio entre os alunos: Someone blew a bomb last year (...) The kid put together a pile, put a cigarette inside and took it to the restroom. The minute the wick caught fire there was this terrible burst. Then they called the police, they came and investigated, but found 34 TOLEDO, Luiz Henrique de. Short Cuts – histórias de jovens, futebol e condutas de risco. Revista Brasileira de Educação. Campinas, n. 6, p. 209-221, set/out/nov/dez. 1997. p. 216. 35 ABRAMOVAY, Mirian; RUA, Maria das Graças. Violences in schools. Brasília: UNESCO, 2005. p.60. 47 nothing. The kids in our class kind of knew who did it, but we were not going to give them away. For quite some time, the kid stayed in the clear in the bomb case. But then they started suspecting another kid who had done nothing. Then we were in quite a dilemma, but, afterwards, the boy was found out and expelled from school. Em outro estudo, realizado no segundo semestre de 2003 em três escolas públicas estaduais de Curitiba, ficou evidenciado que o problema é relativamente comum. Pela pesquisa de campo, apurou-se que 29,8% dos entrevistados tinham conhecimento de alguma ocorrência de bomba artesanal nas escolas (SILVA36, 2004). 1.4.8. Crimes ambientais Infelizmente o meio ambiente também sofre agressões por conta do emprego ilícito de explosivos. É o caso, por exemplo, da pesca predatória com bombas artesanais e também da mineração ilegal. A pesca predatória com explosivos é feita por meio de bombas improvisadas que podem ter em sua composição materiais desviados como dinamites e emulsões ou reaproveitamento do material de fogos de artifício ou mesmo composições caseiras envolvendo pólvora, clorato de potássio, salitre, enxofre etc. Uma vez preparada, a bomba é arremessada de maneira a explodir na passagem dos cardumes. A força das ondas geradas pela explosão dentro d’água resulta na morte dos peixes pelas lesões já descritas no tópico sobre os efeitos de uma explosão. Não são somente os peixes que sofrem esses efeitos. Todo o ecossistema marítimo é afetado. Há relatos também de danos às construções próximas e de mutilações dos pescadores (RAMOS37, 2006). A mineração utilizando explosivos no desmonte de bancadas, por sua vez é uma atividade que causa grandes impactos ao meio ambiente, pelos vários problemas associados (BACCI38, 2006). É necessário se fazer um estudo prévio de implantação visando minimizar e mitigar esses impactos. A partir do momento em que este tipo de atividade comercial é feito de forma clandestina, não há como ter qualquer gestão ambiental, aumentando em muito os impactos inerentes. 36 SILVA, Maria J. D. da. Violências nas escolas, vozes ausentes: a perspectiva de pais ou responsáveis de escolas públicas. 2004. 166f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba. p. 77. 37 RAMOS, Mariana. Agressão além do mar - Pesca com bomba, um crime social, cultural e ambiental. Salvador: Faculdade de Comunicação e Marketing/Centro Universitário da Bahia - FIB, 2006. 38 BACCI, Denise de La Corte; LANDIM, Paulo Milton Barbosa; ESTON, Sérgio Médici de. Aspectos e impactos ambientais de pedreira em área urbana. Revista Escola de Minas. Ouro Preto, v. 59, n. 1, p. 47-54, jan/mar. 2006. 48 1.4.9. Crimes contra o patrimônio O grande poder emocional, o verdadeiro pânico que uma ameaça de bomba exerce contra as pessoas, seja esta real ou não, propicia vantagens econômicas aos delinqüentes. São crimes que atingem o patrimônio das vítimas. Nesta categoria também se incluem as vantagens aferidas após a ocorrência de uma explosão provocada maliciosamente. É o caso das fraudes contra as operadoras de seguro. Um exemplo famoso de extorsão usando explosivos ocorreu na Colômbia em 15 de maio de 2000 (Figura 20). Até os colombianos, então acostumados com um triste cotidiano de violência, ficaram horrorizados com o terrível crime que inicialmente foi atribuído às Forças Armadas Revolucionárias Colombianas – FARC e depois se verificou que eram criminosos comuns (MARCELLA39, 2003): (…) Elvia Cortez, a rural property owner and community activist, was killed by a bomb placed around her neck, literally a collar bomb. The criminals demanded $7,500, or the bomb would be allowed to explode. They left the note: “To unlock the collar there are numerous ways, mechanical, hydraulic, electrical, and digital. It’s important to note that it can only be unlocked at a specific hour either during the day or night.” The sophisticated device, which was sensitive to body temperature for detonation, decapitated her and killed the technician sent to disarm it. The main perpetrator, thought to be one of nine common criminals not associated with any of the three terrorist groups, was convicted 1 year later and sent to prison for 32 years, while an investigation against eight others began. Figura 20: réplica do colar-bomba utilizado no episódio de extorsão na Colômbia (2003). “Primeiro Seminário de Técnicas antiexplosivos e manejo de equipamento especializado”, Bogotá. Fonte: arquivo pessoal. 39 MARCELLA, Gabriel. The United States and Colombia: the journey from ambiguity to strategic clarity. Strategic Studies Institute. Carlisle: United States Army War College, may 2003. 49 1.4.10. Descarte de material explosivo O descarte de material explosivo, principalmente o bélico, representa um grande risco para toda a sociedade. Infelizmente, não são raras as ocorrências de acidentes envolvendo cidadãos de baixa renda que inadvertidamente recolhem ou mesmo furtam granadas e outros artefatos bélicos imaginando transformá-los em dinheiro pela venda como sucata devido ao valor de suas estruturas metálicas. Com o crescimento urbano, áreas que antigamente eram naturalmente afastadas e, portanto, ideais para o funcionamento de campos de instrução militares, se transformaram em zonas de risco. A presença de moradores no entorno desses campos faz com que eles convivam com o perigo do recolhimento, por catadores de lixo ou mesmo por curiosos, de artefatos lançados que não explodiram ou que ainda possuem algum potencial explosivo. São os chamados “tijolos quentes” no jargão militar. Este descarte a também é uma forma de violência e que deve ser combatida pelo Estado. 1.4.11. Terrorismo Por fim, uma das piores formas de demanda ilícita e violenta dos explosivos reside no terrorismo. Há várias formas de se definir e classificar este mal, demonstrando que se está longe de uma construção conceitual universal. Esta impossibilidade é apontada por SEIXAS40, 2006: Uma primeira dessas questões diz respeito à impossibilidade da neutralidade científica e de uma definição consensual do terrorismo. Apresentei a perspectiva de alguns autores que tentam negar ou mascarar as suas premissas de valor procurando uma definição neutra e universal do terrorismo ou até recusando-se a apresentar uma concepção do mesmo, dada a impossibilidade de encontrar uma definição universal. Outros tentam deslegitimar o terrorismo, despolitizando-o, retirando-o do seu contexto geopolítico e reduzindo-o a uma questão de cognição ou a uma patologia individual ou social. (...) Independentemente de qual conceito ou classificação, o terrorismo é, sem sombra de dúvida, uma das maiores preocupações de segurança de qualquer país, sendo este alvo preferencial ou não, face à sua ubiqüidade. A aviação comercial, por exemplo, permite essa ausência de fronteira do terror, como explica GARCIA41 (2003): 40 SEIXAS, Eunice Castro. “Terrorismos”: uma exploração conceitual. Revista de sociologia e política, Curitiba, v.16, número suplementar, p. 9-26, ago. 2008. 41 GARCIA, Marcos P. P. “Aviação civil e terrorismo”. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira Brant (coord.). Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 316-317. 50 Do ponto de vista operacional, o avião é sítio ideal para a manutenção dos passageiros. Ele voa a grande altitude e não conhece fronteira. Em geral, as vítimas têm diferentes nacionalidades. Envolve-se, com isso, mais de um governo. A pressão política é, portanto, maior. A possibilidade de resgatar militarmente passageiros com vida é virtualmente nula. Em resumo, pode-se dizer, o avião é um importante instrumento para a prática terrorista. Tão controverso quanto à conceituação do terrorismo é a sua origem. Entretanto, não há dúvida de que não se trata de um fenômeno novo, assim também como a descoberta da pólvora e, por conseguinte, há relatos antigos da utilização de explosivos para fins terroristas. No Brasil, apenas para fins de exemplificação, podemos citar os atos de terrorismo praticados durante o regime militar, tanto os denominados subversivos quantos os repressivos, de acordo com a ideologia política extremada, à esquerda ou à direita. Atualmente, prevalecem atos de terror para fins de domínio de poder das organizações criminosas como demonstração de força. 51 2. CASOS EMBLEMÁTICOS Na casuística nacional há vários casos que por apresentarem certas características merecem destaque. Ressalta-se que a pesquisa realizada, além de se limitar as ocorrências nacionais, buscou informações da década de 80 em diante. São situações que ilustram as diversas formas descritas sobre o emprego ilícito do explosivo, além de casos que tiveram grande repercussão. Infelizmente, mais uma vez, ressente-se a ausência de um banco de dados centralizado sobre tão relevante tema para a segurança pública nacional. São informações que se perdem em arquivos-mortos e que criam o mito de que o Brasil é um país que não sofre esse tipo de violência. 2.1. Rio de Janeiro, três atentados à bomba no mesmo dia (1980) O período do regime militar no Brasil (1964-1985) é marcado por diversos episódios de violência patrocinados por grupos extremistas, tanto da direita como da esquerda. Em 1980, mais especificamente nos meses de julho e agosto ocorreu uma onda de atentados contra bancas de jornais, visando coibir a divulgação da imprensa alternativa (MAUES42, 2006). Nesses meses difíceis, o dia 27 de agosto de 1980 tem um triste destaque de três atentados à bomba, todos na cidade do Rio de Janeiro. O primeiro ocorreu de madrugada, na sede do jornal “Tribuna Operária”. O horário foi programado, pois o mecanismo era de uma bomba-relógio. O terceiro foi à tarde na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, no gabinete do vereador Antônio Carlos de Carvalho, ferindo seis pessoas, inclusive uma funcionária grávida. O assessor parlamentar do vereador, José Ribamar Sampaio de Freitas, teve o braço esquerdo amputado em função dos ferimentos, além de perder a visão. O que marcou de forma indelével a história de atentados terroristas no Brasil foi o segundo evento, também à tarde, que vitimou Lyda Monteiro da Silva de forma fatal por meio de um pacote contendo uma bomba, recebido na sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Lyda era funcionária da OAB, secretária do presidente, Eduardo Seabra Fagundes, o provável alvo. A sua morte sensibilizou vários setores da sociedade, em parte por ser um ataque a uma instituição fundamental na luta pela volta à democracia, e também pela forma 42 MAUES, Flamarion. O momento oportuno: Kairós, uma editora de oposição. História, Franca, v. 25, n. 2, p. 135, nov. 2006. 52 brutal como a mesma ocorrera, característica típica do uso de explosivos pelo terrorismo (VEJA43, 1980): Primeiro a chegar à sala, Theodoro Assunção, funcionário da tesouraria, testemunhou o começo da agonia da primeira vítima fatal da onda de atentados promovidos por terroristas de direita. “Foi uma bomba”, balbuciou dona Lyda. Ela estava sem a mão esquerda, depois encontrada na marquise do 3.º andar. Tinha o braço dilacerado, exibia fundas lesões no tórax e no rosto, e, soube-se logo depois, seu pulmão esquerdo fora perfurado. Conduzida ao Hospital Souza Aguiar 10 minutos mais tarde, a mais antiga funcionária da OAB, viúva de um promotor público, só teve tempo de perguntar por seu filho Luís Felipe Dias, 24 anos, estudante de Direito da PUC. Morreu quando médicos tentavam prolongar-lhe a sobrevida com respiração artificial. 2.2. Atentado do Riocentro (1981) Outro evento de triste lembrança ocorrido no regime militar se deu também na cidade do Rio de Janeiro, na noite de 30 e abril de 1981, uma quinta-feira, véspera de feriado. Um show no Riocentro, na Barra da Tijuca, foi organizado para 20 mil participantes comemorarem o dia do trabalhador. Duas explosões mancharam de vez, a já nefasta atuação do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), bem como o próprio regime. A primeira explosão ocorreu no interior de um automóvel Puma que estava no estacionamento do Riocentro. Dentro do veículo, dois militares que serviam no DOI-CODI do I Exército: o Capitão, Wilson Luís Chaves Machado e o Sargento, Guilherme Pereira do Rosário. O Sargento morreu na hora, sentado no banco do carona e com lesões compatíveis com a explosão do artefato no seu colo. O capitão saiu gravemente ferido. A outra explosão ocorre minutos depois, na casa de força do Riocentro sem vítimas e sem afetar o show. Caso houvesse uma falta de energia seguida de explosão, certamente o pânico gerado poderia causar uma tragédia sem dimensões, face ao grande número de pessoas presente. O polêmico Inquérito Policial Militar (IPM) concluiu que os militares sofreram um ataque de um grupo terrorista de extrema esquerda vinculado à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Há várias contradições no suspeito IPM (ZAVERUCHA44,2004). O evento demonstrou mais uma vez o risco que a sociedade está sujeita pelas medidas extremadas, sejam elas de esquerda ou de direita, principalmente quando se utiliza explosivos. 43 ENTRAM os assassinos. Veja, São Paulo, n. 625, p.16, set. 1980. ZAVERUCHA, Jorge; MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. Superior Tribunal Militar: entre o autoritarismo e a democracia. Dados, Rio de Janeiro, v. 47, n. 4, p. 763-797, 2004. 44 53 2.3. Bomba em Boeing 747 aterrissado no Rio de Janeiro (1982) Ainda no período do regime militar, mas sem qualquer conexão com grupos extremistas nacionais, um episódio colocou o Brasil em destaque no cenário internacional. É, possivelmente, um dos raros exemplos de bomba real retirada do interior de uma aeronave após a sua colocação pelo terrorista. Normalmente, quando se atinge esse estágio, ou seja, quando se vence todas as barreiras de segurança e se consegue instalar um dispositivo explosivo dentro de um avião, o sucesso da empreitada é praticamente certo com a explosão da aeronave. Resta aos peritos a difícil tarefa de se buscar evidências junto aos destroços nos cenários de pós-explosão. O fato ocorreu no dia 25 de agosto de 1982 no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, conforme os registros policiais dos especialistas que fizeram o atendimento da ocorrência. No local estiveram equipes da Polícia Federal e da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Era o vôo 441 da Pan Am vindo de Miami. A transcrição do registro da ocorrência pelo Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro descreve o ocorrido45: I – As 10:13 hs, deslocou-se desta base a equipe FALCÃO VII, composta por Gilberto, Ataíde, Figueiredo e Barreto, juntamente com a equipe de FALCÃO I, composta por Gustavo e Egdes, por determinação de Elmo 0 para o Aeroporto Internacional do Galeão, onde, no avião JUMBO 747 da PANAM vôo 441, prefixo nº 748 PA – Pilotado pelo comandante Hellmam, com a escala Londres, Miami e Rio de Janeiro, foi encontrado um embrulho suspeito. O referido embrulho estava afixado sob a poltrona nº 29A, que fica sobre as asa e o tanque de combustível, que foi encontrado pela servente Maria das Mercês Santana e entregue ao Sr. Antonio Agostinho Neto, que é o chefe responsável pela limpeza, às 07:00 hs. Após ter aberto o embrulho, foi constatado que se tratava de uma bomba, que logo foi desativada pela equipe de FALCÃO. Estiveram presentes no local, o major Sartori que é o chefe da Segurança do Aeroporto, Dr. Elbio Pereira Melo – Delegado Titular do DOPS da Polícia Federal, agente Sílvio, Perito Sodré, Equipe de JAGUAR e o Det. Inspetor Wilson mat. 174695-2 da 37. D.P. Regresso a base 13:00hs. Da mesma forma, pelos peritos da Polícia Federal no Rio de Janeiro: EXAME EM LOCAL DE ARTEFATO EXPLOSIVO Às 11h30m do dia 25/08/82, atendendo solicitação telefônica do Dr. Zacarias/SR/RJ, compareceram os signatários, acompanhados do Dr. Élbio/DOPS, ao Aeroporto Internacional do Galeão, Setor B-Internacional. Em lá chegando, após contatos com Agentes do DGIE/SSP, foram os signatários informados de que na aeronave da PAN AM, sita no estacionamento, fora encontrado um artefato explosivo, sob a poltrona um artefato explosivo, sob a poltrona 29-A, lado esquerdo, próximo a asa e local de armazenamento de combustível. 45 Livro de Registros do Esquadrão Anti-Bombas da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, 25.08.1982, p. 161-162. 54 O artefato havia segundo as informações, sido neutralizado pelos próprios agentes do DGIE. Das condições em que pudemos observar, descrevemos da forma que segue: um retângulo de material gelatinoso, odor característico mas leve, de 1 cm de espessura, medindo aproximadamente 40 x 15 cm, contendo um mecanismo elétrico, alimentado por pilhas, uma pequena peça de metal prateado, com características de detonador, embutida em uma das extremidades do artefato, ligada aos fios e pilhas. O mecanismo de disparo, até a saída de todos do local, não era conhecido. Esclarecem os Peritos que o material arrecadado ficou em poder dos Agentes do DGIE/SSP. R.J., 25/08/82.46 Com a rara oportunidade se estudar o dispositivo íntegro, foi possível realizar um laudo detalhado (Figura 21) permitindo compará-lo com o ocorrido semanas antes, em 11 de agosto, quando outro avião da Pan Am, vôo 830 de Tóquio a Honolulu, sofreu uma explosão matando um passageiro e ferindo vários outros. Foi uma bomba instalada embaixo do assento do passageiro, provocando um rombo que obrigou o piloto a fazer uma aterrissagem de emergência. Este atentado foi atribuído ao grupo terrorista “15 de maio”, responsável por diversos episódios similares, em nome da causa palestina(CAUVIN47, 2006). Figura 21: bomba recuperada do vôo 441 da Pan Am (1982). Fonte: imagem cedida pelo Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. 46 Livro de Registros do Núcleo de Criminalística do Setor Técnico-Científico da Superintendência de Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, 25.08.1982, p. 117-118. 47 CAUVIN, Henri E. Bomber of 1982 flight gets 7 years. The Washington post, Washington, 25 mar. 2006. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2006/03/24/AR2006032401795_pf. html>. Acesso em: 24 jul. 2009. 55 2.4. Explosão no monumento aos trabalhadores (1989) Novamente, o dia em homenagem ao trabalhador fica marcado negativamente com um ato de terrorismo com a utilização de bomba e explosivo. No primeiro de maio do ano de 1989, ano seguinte à promulgação da Constituição Federal de 1988, na cidade de Volta Redonda – RJ foi inaugurado um monumento em homenagem aos três operários mortos em 9 de novembro de 1988, o “Memorial 9 de novembro”. Eles perderam as vidas numa operação militar visando reprimir uma greve na Companhia Siderúrgica Nacional – CSN. No dia seguinte, o monumento erguido na Praça Juarez Antunes é tombado por uma forte explosão. A explosão foi tão potente que os efeitos das ondas de choque estilhaçaram janelas de prédios situadas a uma distância aproximada de 300 metros do epicentro (VEJA48, 1989). Ao examinar o local, os técnicos do Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Rio de Janeiro, localizaram dentro do lago que circunda o monumento uma bolsa de lona comum, com quase 7 quilos de explosivos plásticos não detonados. O relatório técnico49 elaborado informa entre outras conclusões: Ocorreu a detonação de praticamente simultânea de 3 (três) cargas explosivas, contendo cada uma no mínimo 4 (quatro) e no máximo 10 (dez) placas do explosivo plástico denominado PLASTEX, no mínimo 1,320 Kg (um quilo trezentos e vinte gramas) e no máximo 3,330 Kg (três quilos trezentos e trinta gramas) em cada carga, escorvadas com ramificações de cordel detonante ligadas a uma linha tronco também de cordel detonante. Assim, a destruição poderia ter sido ainda maior, caso a bolsa encontrada também tivesse sido detonada. Uma das possibilidades apontada no relatório como a mais provável pelo erro grosseiro, incompatível com o grau de especialização do restante do arranjo, é de que a referida bolsa não foi acionada propositalmente. Esta hipótese de que quem executou a explosão não teria cometido a falha de não conseguir a detonação da bolsa é reforçada pela forma como as outras cargas foram posicionadas, obtendo o tombamento a contento da estrutura de concreto, feito relativamente difícil. O memorial foi refeito, mas o seu idealizador, o arquiteto Oscar Niemeyer, modificou o seu projeto original para que ficassem evidenciadas as marcas da violência causada pelo atentado à bomba. 48 UMA bomba nos nervos do país tenso. Veja, São Paulo, n. 1078, p.62-67, mai. 1989. Relatório Técnico nº 018/89 – Seção de Desativação de Artefatos Explosivos e Incendiários – Divisão de Recursos Especiais – Coordenadoria de Apoio Operacional – Secretaria de Estado da Polícia Civil – RJ. 49 56 2.5. Livro-bomba no Itamaraty (1995) O que parecia ser um presente, literalmente explodiu em pesadelo. A vítima, a quem o embrulho se destinava, a diplomata Andréia Rigueira David, era a Chefe da Divisão de assuntos Previdenciários e Sociais do MRE (Ministério das Relações Exteriores), que trabalhava em um anexo do Palácio Itamaraty, em Brasília. A entrega foi feita por um falso mensageiro não identificado, e a rotina de segurança até então adotada permitia essa perigosa imprudência, fazendo chegar até o destinatário sem grande dificuldade. A explosão ocorreu na tarde do dia 3 de outubro de 1995. Andréia sofreu várias lesões, principalmente nos olhos e nas mãos (perdeu dedos das duas mãos). Tratava-se de uma armadilha disfarçada em livro. A forma como o livro foi aberto, sobre a mesa e não próximo ao rosto, como é comum, provavelmente salvou Andréia de um destino pior. O artefato era à base de pólvora e continha esferas de chumbo visando potencializar o efeito de fragmentação. A força da detonação foi capaz de produzir um buraco na mesa de Andréia (Figura 22). Figura 22: estado da mesa da diplomata após a explosão do livro-bomba (1995). Fonte: PCF Luiz Eduardo Lucena Gurgel. Iniciada as investigações, tudo levava a crer que o autor teria sido um funcionário do Itamaraty que tinha sido demitido, o oficial de chancelaria, Jorge Alfredo Lomba Mirândola, autor de várias cartas ameaçadoras ao Itamaraty, todas assinadas, as quais Mirândola dizia serem avisos de suas premonições mediúnicas e não ameaças. Havia outras evidências, como os materiais encontrados em seu apartamento no Rio de Janeiro. Entretanto, com o aprofundamento das investigações, Mirândola, que passou sete dias preso como suspeito da autoria do crime, teve que ser solto, pois era de fato inocente. O verdadeiro remetente, 57 também funcionário insatisfeito do MRE, era Nelson Silva Leonel, preso em fevereiro de 1996. 2.6. Explosão no Fokker 100 (1997) Acidentes com aeronaves comerciais sempre causam grande comoção na sociedade. Tratando-se de interferência ilícita, conforme nomenclatura adotada pelos que militam na área de segurança aeroportuária, o impacto causado aumenta. Se a interferência for com o uso de explosivos, o medo passa a ser extremo. O Brasil, até o dia 9 de julho de 1997, não havia ainda vivido essa combinação de elementos. Esta primazia nada honrosa coube ao vôo 283 da empresa TAM, ligando Vitória à São Paulo, em uma aeronave modelo Fokker 100. A explosão ocorreu minutos após a sua decolagem do aeroporto de São José dos Campos onde fez escala. A 2.400 metros de altura, com o efeito da explosão, combinado com a diferença entre a pressão interna da aeronave e a pressão exterior, surge um rombo, na fuselagem de aproximadamente 3 metros de largura por 1,5 metro de altura. Por este rombo e ainda pela força da despressurização, as poltronas 18C, 18D e 18E foram ejetadas. Na poltrona 18E estava a vítima fatal, o Engenheiro Eletrônico, Fernando Caldeira de Moura Campos. Outros seis passageiros ficaram feridos. Houve divergências de conclusões pelas instituições responsáveis em apurar o ocorrido. Inicialmente levantou-se a hipótese da própria vítima ter sido o responsável. Posteriormente, com a análise mais detalhada dos vestígios recolhidos, com a elucidação de várias evidências e que, tecnicamente tornaram-se fortes indícios, chegou-se à outra autoria, descartando a hipótese inicial e indiciando então o professor Leonardo Teodoro de Castro. O ineditismo, conforme visto, também provocou um desafio às autoridades responsáveis pela apuração do que teria ocorrido. A complexidade das investigações e a necessidade do trabalho em conjunto de várias instituições exigiram uma reflexão crítica de como atuar a contento em um evento dessas proporções. O relato de parte da equipe de peritos que trabalhou no caso ilustra bem a situação (BISTERÇO50, 2005): Data: 09 de julho de 1997. Local: Suzano, São Paulo. Incidente: Um dispositivo explosivo improvisado (DEI) foi colocado sobre uma das poltronas de um avião Fokker 100 da companhia aérea TAM, durante o vôo entre as cidades de São José dos Campos e São Paulo. O artefato explodiu e causou uma ruptura da carcaça do avião, na região anterior à turbina direita deste avião. A descompressão rápida expandiu o dano original, arremessando ao ar parte de revestimentos, bancos e estruturas da nave. Junto com estas foi também lançada ao 50 BISTERÇO, Maristela Guizardi; LOCATELLI, Lys Rosita Boeira. Atentados com uso de explosivos: gerenciamento da crise. Monografia (conclusão do curso). Brasília. Academia Nacional de Polícia e Fundação Getúlio Vargas, 2005. 58 ar uma vítima, que estava sentada ao lado da janela e atrás da poltrona onde foi colocado o dispositivo. Restou provado que o artefato foi colocado por um passageiro sentado na fileira anterior ao dispositivo. Os exames na aeronave ficaram a cargo do Setor de Criminalística da Polícia Federal em São Paulo, em conjunto com o Centro Técnico Aeroespacial – CTA, enquanto o corpo da vítima e sua indumentária foram examinados respectivamente pelo Instituto Médico Legal e Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo. Esta última agência, pressionada pela mídia e a empresa aérea, apresentou o Laudo referente aos exames nas roupas da vítima em curto prazo e com resultados equivocados, divergindo dos exames que ainda estavam sendo realizados pelos peritos da Polícia Federal, juntamente com os engenheiros da Aeronáutica. O referido Laudo e as manifestações açodadas daquele órgão estatal na mídia, conduziam a investigação para a utilização de uma bomba altamente sofisticada que estaria junto ao corpo da vitima, ou seja, suicídio. Quando foi efetivamente apresentado o autor do delito, o passageiro da poltrona anterior ao local onde foi assentado o artefato explosivo, um ex-professor, mesmo fundamentado em provas cabais, o emocional popular já tinha dado o seu veredicto. Lições Aprendidas: As agências, departamentos, laboratórios, servidores e indivíduos envolvidos no processo de apuração de um atentado, necessitam comunicarem-se uns com os outros e compartilhar métodos, informações ou dados, questionando-se e complementando-se, sem prevalecer vaidades políticas ou interesses escusos particulares que prejudicam ou atrasam a solução do incidente. Relacionamentos dentro e entre as instituições de segurança pública devem ser desenvolvidos para facilitar o atendimento aos ataques a bomba. 2.7. Reincidência de bombas na UFRRJ (1997/2008) Bombas colocadas por alunos em estabelecimentos de ensino de todos os níveis possuem várias motivações e suas ocorrências são mais comuns do que aparentam, principalmente nas vésperas de feriados e de finais de semana. O presente relato não possui grande distinção dos vários outros pelo Brasil. Entretanto, justamente por seguir “a regra”, confirmada ainda pela repetição de evento similar na mesma instituição, é que o torna pertinente, servindo de ilustração para mais uma forma de violência com explosivos. O fato ocorreu no dia típico, uma sexta-feira, mais exatamente em 29 de agosto de 1997, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Outra característica também comum são os locais eleitos. Neste caso específico, o artefato foi posto em um dos quatro boxes sanitários do banheiro masculino do refeitório. É o tipo de local onde o acesso é franqueado a todos e se tem necessariamente a privacidade preservada facilitando a atuação do delinqüente. Não houve danos à integridade física, somente danos materiais, o que também, felizmente, costuma também ser o mais comum. Com impacto, a explosão danificou o teto do banheiro e chegou a arrancar a porta do referido boxe51. 51 Informação com base no registro de ocorrência nº 184/97 do plantão da criminalística da Polícia Federal do Rio de janeiro. 59 Onze anos depois, no dia 13 de novembro de 2008, no mesmo campus universitário, outro episódio envolvendo explosivos alterou a rotina da UFRRJ, conforme o trecho transcrito do livro de ocorrências: Registro para os devidos fins que às 09:30h o servidor ROSINALDO ALVES DA SILVA – Chefe do SETOR DE RESIDÊNCIA ESTUDANTIL do DECANATO DE ASSUNTOS ESTUDANTIS desta UFRRJ, comunicou-se via telefone com esta DGV, solicitando-nos para comparecermos ao M-3, pois no local, por volta das 06:00h foram detonados diversos explosivos. Imediatamente atendemos ao chamado do servidor. Constatamos que os artefatos explosivos foram detonados no corredor do 2º andar do M-3, onde danificaram o reboco da parede e do teto do corredor e estilhaçou o vidro das janelas do banheiro. Constatamos também que jogaram um explosivo de uma das janelas do referido alojamento que atingiu o auto que estava estacionado ao lado. Este auto – VW modelo GOL – cor PRETO – Placa LBX8958/Miguel Pereira/RJ é de propriedade do Aluno ALAN DE BONI COSTA – 2005035001-5 – morador do M-3 311-B. O corredor do Alojamento foi imediatamente isolado e mantido sob vigilância.52 Tanto o alojamento quanto o veículo, segundo a conclusão dos peritos que os examinaram, foram alvos de artefatos explosivos (Figura 23). Na explosão que ocorreu no alojamento, os vestígios indicaram a utilização de tubo de PVC com pólvora confinada, as denominadas pipe-bomb. Os prejuízos foram materiais, mas certamente causariam graves lesões, caso houvesse pessoas próximas, conforme se constata pelos danos causados. Figura 23: epicentros das explosões ocorridas na UFRRJ (2008). Fonte: PCF Bruno Rebouças Dalston. 52 Livro da Divisão de Guarda e Vigilância da UFRRJ, Parte de Serviço 044, item III, do dia 13 de novembro de 2008. 60 Os colégios possuem também um número muito grande de denúncias falsas de existência de bombas, ou mesmo de simulacros. O objetivo na maior parte dos casos é de interromper as aulas, a não realização de provas, ou simplesmente a saída mais cedo para um feriado. Para tanto, valem-se do pânico que normalmente causam nos diretores e professores das escolas. Medidas simples, como a não interrupção das aulas antes da devida checagem da real ameaça, minimizam essas ocorrências. Entretanto não se pode descartar a real possibilidade do intuito oculto de se testar o sistema de segurança visando identificar as fragilidades, daí a necessidade de sempre se registrar e investigar esses tipos de ocorrências. 2.8. Atentado as torres da Embratel e de Furnas – (1998) A seqüência dos eventos a serem descritos neste tópico impressiona pela técnica empregada e também pelos riscos impostos aos setores de energia e telecomunicações, vitais a qualquer nação. Atribui-se os atentados a uma represália à privatização do sistema Telebrás, cujo leilão se deu no dia 29 de julho de 1998. O primeiro episódio ocorreu em 27 de julho, com duas explosões praticamente simultâneas, às 6h00 da manhã, em torres do sistema de telecomunicações da Embratel. Uma explosão ocorreu em Lages e outra em Borel, ambas no Estado de Santa Catarina, distantes aproximadamente 70 km. A sincronização das explosões foi possível com a utilização de bombas temporizadas, com relógios digitais e circuitos elétricos de detonação. O explosivo utilizado foi um alto explosivo sob a forma de cordel detonante (nitropenta). Alguns meses depois, mais precisamente no dia 13 de setembro, novamente torres foram alvos de ataques. Desta vez, torres de transmissão de energia de Furnas Centrais Elétricas. Uma torre de aproximadamente 43,5 metros de altura, pesando cerca de 9 toneladas, caiu devido a uma explosão que ocorreu por volta das 2h00 na cidade de Nova Tebas no Paraná, atingindo uma das linhas de transmissão de energia da usina de Itaipu. Próximo desta torre, a uns 80 metros de distância, outro artefato enterrado na base de outra torre, por sorte não detonou (Figura 24). Com a retirada desse segundo artefato, os peritos puderam estudar o modus operandi, a assinatura do terrorista. Foram constatados vários pontos comuns ao modo de atuação do episódio de Santa Catarina. Neste artefato foi empregada também uma massa explosiva de cartuchos de dinamite, visando gerar efeito suficiente para derrubar a torre, diferentemente das torres de telecomunicação onde os alvos foram os cabos de transmissão. 61 Figura 24: torre de energia de Nova Tebas onde uma das bombas foi localizada (1998). Fonte: PCF Aggeu Lemos Bezerra Neto. Poucos dias depois, antes mesmo que as investigações pudessem avançar, a equipe de peritos da Polícia Federal foi novamente acionada, por terem encontrado um terceiro artefato. Este fato ocorreu no dia 17 de setembro, há aproximadamente 30 km do local anterior, no município de Pitanga – PR. O artefato foi neutralizado com sucesso. Comprovou-se pela análise dos vestígios recolhidos nos locais que todos os eventos estavam relacionados. Não se chegou até hoje aos autores, mas certamente eram pessoas com domínio do assunto e que atacaram pontos estratégicos. Utilizaram dispositivos eletrônicos temporizados e dimensionaram as cargas para atingir com êxito os objetivos de interrupção da transmissão de dados e de energia. Felizmente o trabalho policial realizado evitou um desastre maior que atingiria não só a região sul, mas certamente refletiria em todo o Brasil, uma vez que o sistema de energia do país é interligado e as linhas transmitiam energia de Itaipu, usina vital para o bom funcionamento do sistema. Com apenas a derrubada de uma torre, estimou-se um prejuízo de aproximadamente R$ 2.133.000,0053. 2.9. Atentado atribuído a skinhead em São Paulo (2000) Um caso de grande repercussão nacional foi o envio de um pacote pelo serviço SEDEX dos Correios, com uma bomba ao funcionário da Anistia Internacional de São Paulo, ao professor José Eduardo Bernardes da Silva. Como remetente, constava o nome da 53 Dados estimados pela Eletrobrás. 62 Congregação Israelita Paulista. O que foi inicialmente noticiado relatava que o professor teria desconfiado e por isso fez uma abertura pelo lado de trás do pacote, acionando em seguida o GATE. Verificou-se que o artefato era composto por tubos de PVC, envolto em fita adesiva, apresentando nas extremidades o desenho da suástica (Figura 25). Acreditou-se então que era uma ameaça ofensiva de grupos radicais neonazistas ou intolerantes, tais como os skin-heads. Após o GATE contra carregar (desarticular o artefato com a utilização de outros explosivos), constatou-se que era um simulacro e não uma bomba de verdade. Com a grande repercussão na imprensa, o funcionário pediu asilo na Espanha, alegando que o fato era contra a sua pessoa. Figura 25: artefato recebido pela Anistia Internacional (2000). Fonte: GATE/SP. Depois, com o aprofundamento das investigações, o inquérito policial deu uma reviravolta no caso, concluindo que o autor do artefato foi o próprio destinatário do pacote, que teria montado toda a estória. O objetivo era chamar atenção para si e conseguir o asilo político, o que explica a grande divulgação que o caso teve (o professor teria chamado a imprensa). Entre outras provas, os peritos da Polícia Civil de São Paulo encontraram as impressões digitais do professor dentro do artefato, local onde só quem montou poderia ter manuseado. Assim, mais uma vez, fica demonstrado que o uso criminoso dos explosivos pode ter várias motivações e finalidades, o mesmo valendo para os simulacros. 63 2.10. Atentado ao fórum de Barra Funda São Paulo - SP (2000) Análogo ao que ocorre nos colégios, as ameaças de bombas também são utilizadas para, por exemplo, interromperem as atividades judiciárias. Em 14 de julho de 2000, uma bomba caseira explodiu no banheiro, local comum para esse tipo de ocorrência, do Fórum Criminal, localizado no distrito de Barra Funda, São Paulo. Como conseqüência, houve a interrupção dos trabalhos e o banheiro ficou danificado. Felizmente a explosão não fez vítimas. 2.11. Carro-bomba no fórum de Barra Funda, São Paulo - SP (2002) Novamente o Fórum de Barra Funda, em São Paulo, foi alvo do uso criminoso de explosivos. Dessa vez a destruição seria bem maior, não fosse a competência do GATE em resolver o problema, face à grande quantidade de explosivos utilizada. O fato ocorreu no dia 8 de março de 2002, com o abandono de um carro no estacionamento do fórum. O GATE isolou o local e realizou os procedimentos de desativação (Figura 26). Figura 26: aproximação dos policiais ao carro-bomba (2002). Fonte: GATE/SP. 64 Figura 27: dispositivo explosivo do carro-bomba de Barra Funda (2002). Fonte: GATE/SP. No interior do veículo (Figura 27), mais precisamente na mala do carro, havia cerca de 40 kg de explosivos industrializados, tipo emulsão, com grande aplicação comercial pelo seu uso comum em pedreiras, além de um reforçador (booster) de pentolite (alto explosivo). O acionamento que seria feito remotamente, felizmente não ocorreu. A utilização de veículos em atentados é uma forma eficiente em virtude da dissimulação proporcionada, além da grande quantidade de explosivos que esses veículos comportam, por isso é um meio preferido pelos grandes grupos terroristas. Nesse caso específico, causa apreensão por ter sido uma ação atribuída ao PCC, Primeiro Comando da Capital, grupo do crime organizado originário de São Paulo. 2.12. Carro-bomba em Taboão da Serra - SP (2004) Mais um caso de carro-bomba, mas com detalhes que demonstram outra forma de utilização. Desta vez, o objetivo não era necessariamente o alvo próximo ao veículo, como no caso anterior. Um veículo roubado no dia 23 de setembro de 2004, modelo Apollo da Volkswagen, foi localizado na madrugada do dia 29 do mesmo mês, estacionado em frente à Delegacia Seccional de Taboão da Serra (Figura 28). O veículo chegou a ser apreendido pela polícia e seu dono foi acionado para levar o carro. Entretanto, ainda pela manhã ao buscá-lo, o dono 65 percebeu a existência de fiação suspeita no piso do carro e novamente o GATE entrou em ação. Figura 28: carro-bomba de Taboão da Serra (2004). Fonte: GATE/SP (2004). Havia 12,8 kg de explosivo comercial tipo emulsão, distribuídas em quase 100 bisnagas, explosivo do mesmo tipo descrito no caso anterior, além de espoletas convertidas para acionamento elétrico e cordéis detonantes. Os explosivos estavam escondidos pelo forro das portas do motorista e do passageiro (Figura 29), e como foi realizada apenas uma perícia de rotina para veículos apreendidos, os mesmos não foram inicialmente detectados. Figura 29: dispositivo explosivo localizado no interior do veículo (2004). Fonte: GATE/SP. 66 O sistema de acionamento montado, e que por sorte não funcionou, era elétrico por meio de contato direto com a bateria, ativado pela chave do carro. Assim, diferentemente do caso anterior, este carro-bomba visava atingir também a pessoa que fosse tentar ligá-lo. Como a quantidade de explosivos era muito grande, desproporcional para visar à morte de apenas uma pessoa, provavelmente tinha como alvo a destruição de edificações ou mesmo a criação de pânico. O alvo provável seria a delegacia, o que faz novamente pensar numa organização criminosa visando atingir a instituição policial. A outra hipótese, menos provável, é de que o veículo foi abandonado, talvez por medo de ser apreendido, por desistência dos delinqüentes de irem adiante com o seu intuito inicial. 2.13. Explosão no Rio Grande do Sul (2008) Na manhã do dia 09 de junho de 2008, a rotina de uma padaria em Porto Alegre foi drasticamente interrompida após uma forte explosão, causando pânico e terror, chocando a capital gaúcha. Relatos iniciais, colhidos pela investigação, indicam que um cliente entrou na padaria por volta das 9h10min e solicitou um café. Enquanto aguardava, passou a mexer em sua bolsa, do tipo universitária e, logo após, saiu da padaria dizendo que ia se encontrar rapidamente com uma pessoa, deixando a tal bolsa sobre uma das mesas. Em seguida, um dos sócios presentes na padaria recebe um telefonema com uma voz masculina avisando que havia uma bomba no local. Não acreditando na ameaça, o sócio desliga, mas a pessoa insiste, ligando dessa vez para o outro número de telefone fixo do estabelecimento comercial. As duas linhas tinham identificadores de chamada, e ao perceber que era o mesmo número, o sócio da padaria desligou o telefone ignorando a ameaça, acreditando que se tratava de um trote. Infelizmente, a ameaça era real e minutos depois a bolsa deixada sobre a mesa explode, causando grande destruição (Figura 30) e ferindo gravemente uma senhora idosa além de duas outras pessoas. 67 Figura 30: cenário da padaria após a explosão (2008). Fonte: GBE/RS. Durante o exame do local, os peritos coletaram diversos fragmentos, incluindo componentes de um aparelho celular, o qual provavelmente foi utilizado para acionar o artefato explosivo. A recuperação do chip telefônico (Figura 31) foi fundamental para as investigações, permitindo identificar o número da linha e com isso fazer o rastreamento das ligações efetuadas e recebidas, cruzando com o número usado nas ameaças. Figura 31: fragmentos recolhidos da bomba utilizada na padaria (2008). Fonte: GBE/RS. 68 A conclusão da investigação culminou na denúncia pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul de três pessoas. Uma seria a pessoa que teria colocado a bomba no local e feito o acionamento, a segunda, um ex-presidiário a quem foi encomendado o crime e por último um dos sócios da padaria. O motivo identificado foi a tentativa de receber uma apólice de seguro. Assim, este caso ilustra bem o uso criminoso dos explosivos na modalidade fraude. A insistência da pessoa que telefonou em afirmar que havia uma bomba se deve a intenção de não se inserir em outras modalidades criminosas como homicídio, cuja pena é bem maior. 69 3. O PANORAMA BRASIL A PARTIR DO RIO DE JANEIRO A obtenção de subsídios visando avaliar a situação brasileira em relação à violência praticada com o uso dos explosivos possui uma ampla gama de caminhos, mas de resultados imprevisíveis. Para aumentar a chance de êxito, selecionou-se também, baseado nas entrevistas realizadas, as possíveis instituições detentoras desses dados, preferencialmente as com representação na cidade do Rio de Janeiro. Destarte, o problema que é nacional, foi enfocado a partir dos resultados do Estado do Rio de Janeiro. 3.1. Inexistência de estatísticas oficiais Constatou-se que inexistem estatísticas oficias específicas sobre o assunto. Muitas informações são perdidas. Há situações em que as ameaças, que aparentemente não geram prejuízos imediatos, nem sequer são registradas. É o que normalmente acontece nos casos das falsas ameaças ou dos simulacros de bombas. Estas situações, além de impossibilitar sua visibilidade pelos gestores de segurança, também facilitam para que os objetivos dos delinqüentes sejam alcançados. Por trás de uma inocente brincadeira pode se ocultar uma estratégia de verificação dos planos de segurança, visando vencê-los numa próxima oportunidade, dessa vez com artefatos reais. Os registros são fundamentais para que as investigações tenham êxito. 3.2. Fontes próprias de dados Uma vez constatada a inexistência de estatísticas oficiais, ou ainda de órgãos que centralizem as informações, se buscou onde estão ou deveriam estar os registros administrativos das ocorrências. Considerando que o uso ilícito de explosivo, principalmente enquanto forma de violência, é crime tipificado em vários dispositivos legais (ANEXO 1), cabe então ao poder de polícia do Estado atuar na sua repressão e combate, fazendo os devidos registros. Logo, os boletins de ocorrências são fontes próprias para obtenção dos dados almejados. Entretanto, pela especificidade e periculosidade das atividades relacionadas com bombas e explosivos, é natural que as polícias tenham destacamentos especializados para essas ocorrências. No caso da Polícia Federal há o chamado GBE – Grupo Especializado em Bombas e Explosivos e na Polícia Civil o Esquadrão Antibombas. Os livros de registros de ocorrências desses grupos especializados são outras possíveis fontes de dados. E por fim, há também no Estado do Rio 70 de Janeiro, vinculado ao governo estadual, um instituto próprio para pesquisa e análise criminal, o ISP – Instituto de Segurança Pública. 3.2.1. Boletins de ocorrências das delegacias Na teoria, todas as ocorrências que provocam os acionamentos dos grupos especializados no combate a bombas e explosivos deveriam ter o devido registro nas delegacias, pois são na essência crimes, mesmo as falsas ameaças (ANEXO 1). Na prática, os registros nem sempre são feitos. Existem acionamentos que podem não gerar os registros nas delegacias, como por exemplo, os chamados diretos aos grupos especializados, que vão ao local, fazem a vistoria e nada encontram, resolvendo a situação no local, e por não existir de imediato qualquer ilícito, não é feito o registro na delegacia competente. A situação contrária ocorre quando há o registro na delegacia e a situação se resolve sem a necessidade do acionamento do grupo especializado, como por exemplo, quando há uma apreensão de granadas e estas são encaminhadas às forças armadas para a devida destinação (destruição). Os registros nas delegacias, os chamados boletins de ocorrências, ganharam, enquanto fontes de informações, enorme importância a partir da implementação em 1999 do Programa Delegacia Legal. Este programa consistiu numa verdadeira revolução no monitoramento das atividades policiais, equipando as delegacias com infra-estrutura e permitindo a informatização dos procedimentos por meio do preenchimento de formulários padronizados, acessíveis às outras delegacias e demais órgãos interligados na rede, aumentando a transparência. PAES54 (2006) destaca essa mudança no tratamento da informação: Isto é relevante, porque o Programa Delegacia Legal propõe-se a influir sobre a apropriação particular por parte dos policiais dos recursos que são públicos. O Programa Delegacia Legal propõe-se a mexer na rotina, na forma de produção do trabalho e de tratamento das informações por parte da Polícia Civil. Em termos de proposta, o programa dirige-se a uma tentativa de mudança consubstancial na Polícia Civil, não só estética. Verifico que ao condensar as informações em sistema, o PDL impõe três modificações cruciais na Polícia Civil: muda o potencial dos registros das delegacias - os registros de todas as delegacias estão em uma base comum de dados e podem ser pelos policiais pesquisada - integra as unidades policiais isoladas e, por último, confere novo desenho às relações de poder. 54 PAES, Vivian Ferreira. A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro: análise de uma (re) forma de governo na Polícia Judiciária. 2006. 164f. Dissertação (Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. p. 92. 71 Ressalta ainda SOARES55 (2000), um dos principais idealizadores do programa, a importância do fluxo das informações: Sobretudo, é a condição para o estabelecimento de comunicação permanente entre as unidades policiais e os bancos de dados das instituições que compõem o campo da segurança pública. A qualidade de informações e o preenchimento dos registros são ilustrados com o exemplo do ousado episódio de ataque a uma delegacia de polícia com uma bomba (Figuras 32, 33 e 34). Os dados identificadores foram propositalmente cobertos. Os demais campos demonstram a essência do formulário, como a transparência das providências adotadas. É um avanço em relação aos livros de ocorrência. Entretanto, não há campos para, por exemplo, os resultados dos exames, prejudicando a análise qualitativa dos eventos. Assim, principalmente nas delegacias legais, é interessante a coleta e filtragem dos boletins de ocorrências das delegacias, por estes já seguirem uma padronização e também pela facilidade da informatização. Contudo, esses dados precisam ser complementados por aqueles oriundos dos técnicos e peritos que irão examinar os fragmentos (no caso das explosões) e os próprios artefatos. Ou seja, os dados obtidos no trabalho realizado pelos grupos especializados na neutralização e destruição dos artefatos explosivos e também nas perícias em locais pósexplosões podem alimentar a base de dados do registro de ocorrências das Delegacias Legais. 55 SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 89. 72 Figura 32: cópia do registro de ocorrência nº 035-06347/2008da PC/RJ – parte 1. 73 Figura 33: cópia do registro de ocorrência nº 035-06347/2008da PC/RJ – parte 2. 74 Figura 34: cópia do registro de ocorrência nº 035-06347/2008da PC/RJ – parte 3. 75 3.2.2. Registros de ocorrências dos grupos especializados em explosivos No caso do Rio de Janeiro, identificou-se a existência de duas instituições com este mister: a Polícia Federal e a Polícia Civil, cada qual atuando conforme a sua competência. Não se incluiu os grupos das forças armadas por estes atuarem mais especificamente na desativação de engenhos militares falhados em seus campos de instruções de guerra. Na Polícia Civil, dentro da estrutura da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) encontra-se o Esquadrão Antibombas, formando por policiais voluntários selecionados e que passam por treinamentos específicos. Já na Polícia Federal, a atuação compete ao Grupo Especializado em Bombas e Explosivos – GBE. Por ser relativamente novo (oficialmente normatizado em 2004), o seu funcionamento ainda não está consolidado e na ausência do GBE, cabe aos Peritos Criminais Federais, mormente aos plantonistas, a responsabilidade pelo atendimento. Nas duas instituições citadas, os registros das ocorrências são feitos manualmente, lançados em livros que ficam a cargo das equipes de atendimento e que trabalham normalmente em regime de plantão. As compilações desses dados, quando feitas, não seguem uma padronização rigorosa e tampouco podem ser consideradas oficiais. São levantamentos dos próprios funcionários, que os utilizam como instrumentos para demandas específicas, sem compor um planejamento estratégico ou muito menos como ferramenta de gestão, além de não existir uma interligação desses bancos, à exceção da troca de informações por contatos pessoais. Por não serem compilações padronizadas, optou-se por apenas exibir extratos, tais como as mesmas são produzidas, demonstrando a riqueza de informações que são possíveis de serem geradas e o potencial de utilização das mesmas. Percebe-se que o mesmo trabalho realizado na modernização das delegacias de polícia civil surtiria igual ou maior efeito se fosse implementado nos grupos especializados no combate aos artefatos explosivos, dotando-os de uma infra-estrutura e de uma padronização dos registros, facilitando a correta interpretação dos dados. Do Esquadrão Antibombas, tem-se, por exemplo, para o mês de julho de 2007 os seguintes dados (Figura 35): 76 Figura 35: amostra do banco de dados do Esquadrão Antibomba - PC/RJ. É uma pequena amostra, mas demonstra claramente a enorme quantidade de artefatos que são apreendidos pela Polícia Civil em todo o Estado do Rio de Janeiro. Nota-se a existência de apreensões tanto de materiais industrializados (granadas, morteiros), como de materiais artesanais (bombas, artefatos caseiros). São materiais nacionais e estrangeiros. Outra informação interessante é a localização das delegacias onde as apreensões foram realizadas. Com esse dado, é possível fazer um estudo da distribuição geográfica da utilização desses artefatos no Estado do Rio de Janeiro. O que mais chama atenção é a última coluna, referente ao campo observação. Nela estão resumidas informações inseridas mais no intuito de ressaltar aos usuários desse banco, os próprios componentes do Esquadrão Antibomba, as características diferenciadoras ou típicas de um determinado material. Analisadas isoladamente, essas características perdem muito do seu valor enquanto meio de investigação. Como exemplo, os artefatos caseiros que receberam a denominação “tipo pedaleira” no campo observação. São granadas artesanais e que foram classificadas pela semelhança, ou mesmo pela utilização em seu corpo externo de peças de motocicletas, os apoios para pés, as 77 chamadas pedaleiras. Por possuírem a sua superfície externa recartilhada, acabam potencializando o efeito de fragmentação da explosão. Em uma primeira leitura, essas informações podem não indicar o seu verdadeiro potencial como instrumento de pesquisa, mas quando são confrontadas com as diversas apreensões que podem receber a mesma classificação, ou seja, “tipo pedaleira” (Figura 36), não só no Estado do Rio de Janeiro, como também em todo o Brasil, e ainda em épocas diferentes, o resultado pode ser surpreendente. A similaridade pode traçar o perfil do seu fabrico, chegando a um modus operandi, que permita rastrear a origem de componentes e insumos, e até determinar a autoria. Para tanto, é necessário que um conjunto mínimo de informações circule nos órgãos próprios de segurança, sendo ideal a utilização de imagens. Figura 36: granadas artesanais "tipo pedaleira" (2007, 2009, 2003, 2004). Apreensões de granadas semelhantes por instituições distintas. No sentido horário começando pela superior esquerda: Esquadrão Antibombas da PC/RJ; idem; GATE/SP; PF/BA. Fontes: Comissário de Polícia Carlos Alberto Maulaz de Sá (2007); Inspetor de Polícia Luiz Fernando Argento Tinoco (2009); PCF Aggeu Lemos Bezerra Neto (2003); PCF Antônio Luís Brandão Franco (2004). 78 Em relação ao GBE/RJ, o mesmo também não possui uma estatística oficial e tampouco o modo de compilação dos dados é padronizado. A produção de relatórios visa atender demandas específicas e a fonte dos dados são os livros manuscritos de ocorrências. Durante um período experimental de atuação de um grupo embrionário que acabou não se efetivando, foram anotadas as seguintes ocorrências durante o período aproximado de três meses (Figura 37): Figura 37: amostra das ocorrências atendidas pelo GBE/RJ. Nota-se que embora os dois grupos possuam basicamente a mesma função, em decorrência das atribuições distintas dos órgãos à que estão subordinados, as casuísticas possuem enfoques diferentes, além de a freqüência ser bem maior na Polícia Civil. No caso da Polícia Federal, responsável pela segurança de Chefes de Estados e outras autoridades, a demanda principal recaí nas vistorias de segurança, onde os especialistas agem preventivamente na busca de possíveis artefatos explosivos. 79 A forma resumida da informação também é prejudicial neste caso, já que a experiência e o aprendizado resultantes de uma operação acabam não sendo repassados. Existem outros instrumentos, como os relatórios de missão, entretanto, sem a devida padronização não há como se buscar os dados de forma rápida e eficiente, mesmo que sejam informatizados. 3.2.3. Instituto de Segurança Pública O Instituto de Segurança Pública (ISP) foi criado pela lei nº 3329 de 28 de dezembro de 1999, como uma autarquia que visa basicamente às pesquisas e análises criminais. O ISP se propõe a produzir relatórios estatísticos na área de segurança pública, como definido pelo próprio instituto: Através do Núcleo de Pesquisa em Justiça Criminal e Segurança Pública (NUPESP), o ISP produz relatórios estatísticos sobre o sistema de segurança pública estadual com o objetivo de analisar os problemas que mais afetam a população e assim avaliar o desempenho das ações de segurança no Estado. Alguns dos produtos regulares do NUPESP são: as publicações de incidências criminais no Estado do RJ; a divulgação do boletim mensal de monitoramento e análise; quadro de locais e horários de incidência criminal; avaliação de risco e indicação de linhas de ônibus para maior policiamento; monitoramento diário de crimes considerados como prioridades pela Secretaria de Estado de Segurança (homicídio doloso, roubo de veículos, furto de veículos e crimes de rua – roubo de celular, roubo a transeunte, roubo em coletivo); monitoramento de padrões regionais e das Áreas Integradas de Segurança Pública; elaboração e análise de pesquisas voltadas para o tema Segurança (dados sobre vitimização, roubo de veículos, homicídio doloso, crimes de rua, furto de veículos) e ainda apresentação de relatórios temáticos (criança e adolescente, dossiê mulher, e idoso)56. Infelizmente o ISP não tem abordado especificamente a questão de bombas e explosivos, muito embora possua total estrutura para avaliar os boletins de ocorrências das delegacias e também os acionamentos do Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Rio de Janeiro. O que tem sido realizado é um levantamento numérico das apreensões (Figura 38), sem a preocupação de coletar os demais dados que podem caracterizar o artefato ou a ocorrência. A análise quantitativa permite aos órgãos de administração visualizar o crescimento do problema, mas não dá margem a se buscar soluções mitigadoras específicas. Como é coletado apenas o número de apreensões, não é possível a partir do dado existente no ISP fazer emergir as importantes características existentes sob esse número. O único caminho é o retorno às fontes originais, ou seja, aos boletins e registros das delegacias e do Esquadrão Antibomba, refazendo-se o trabalho de coleta. 5656 Descrição da própria instituição, disponível em: <http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=42>. Acesso em: 25 jun. 2009. 80 Figura 38: gráfico do número de apreensões por ano no Estado do Rio de Janeiro (2008). Fonte: ISP, Balanço das incidências criminais e administrativas no Estado do Rio de Janeiro. De qualquer forma, a estrutura criada e os levantamentos realizados representam uma evolução, e como lembra DUARTE57, é um processo de modernização que necessariamente passa por várias etapas. Assim sendo, o ponto a ser almejado é a possibilidade da análise qualitativa e circulação apropriada da informação, dando-lhe mais utilidade. 3.3. Fontes alternativas de dados Além das fontes mais óbvias e diretas, há outras possibilidades que podem complementar, retificar, ou ratificar os dados obtidos de forma própria. Seguem as que foram vislumbradas durante o processo de pesquisa. 3.3.1. Registros hospitalares Uma interessante fonte de dados é a rede hospitalar, principalmente as unidades de emergência, que, à guisa do que acontece quando há feridos por arma de fogo, deveriam proceder obrigatoriamente uma notificação no caso de um paciente ferido por explosão. Excluem-se desse universo, evidentemente, os casos de ferimento ou morte causados por explosões mecânicas, como as que ocorrem em caldeiras e linhas pressurizadas, ou mesmo os acidentes domésticos com panelas de pressão. 57 DUARTE, Mário Sérgio de Brito (coord.). A análise criminal e o planejamento operacional. Série Análise Criminal, v. 1. Rio de Janeiro: Riosegurança, 2008. 81 Utilizando-se a base de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS58, e se restringindo aos casos noticiados de morbidade hospitalar devido às causas externas com o Código Internacional de Doenças (CID) – X96 (agressão por meio de material explosivo) no ano de 2008, é possível notar um número razoável de internações (Tabela 2). Tabela 2 – Morbidade Hospitalar do SUS com CID X96, ano de 2008. Região/UF Região Norte Internações 5 .. Amazonas 1 .. Pará 2 .. Tocantins 2 Região Nordeste 7 .. Piauí 2 .. Ceará 2 .. Rio Grande do Norte 1 .. Bahia 2 Região Sudeste 8 .. Minas Gerais 1 .. Rio de Janeiro 3 .. São Paulo 4 Região Sul 2 .. Paraná 1 .. Rio Grande do Sul 1 Total 22 Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Além do CID X96, há o CID W40 que se refere aos casos referentes à explosão de outros materiais, o que pode abranger as explosões não por agressão com explosivos, mas que contemplem situações que envolvam materiais explosivos (acidente de trabalho com uma granada apreendida, por exemplo). Outras situações também de explosão, porém que não se enquadrariam na situação pesquisada, seriam o CID W35 (explosão ou ruptura de caldeira), CID W36 (explosão ou ruptura de cilindro de gás), CID W37 (explosão ou ruptura de pneumático, tubulação, mangueira, pressurizados), CID W38 (explosão ou ruptura de outros aparelhos pressurizados especificados) e o CID W39 (queima de fogos de artifício) Com o CID W40, o número de internações é bem maior, considerando o mesmo período de avaliação (ano de 2008), passando dos 22 casos para um total nacional de 988 58 Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/fiuf.defdatasus.gov.br>. Acesso em: 28 ago. 2009. 82 (Tabela 3), sendo que destes, o Estado do Rio de Janeiro responde por 74,70% dos casos (738 registros). Tabela 3 – Morbidade Hospitalar do SUS com CID W40, ano de 2008. Região/UF Região Norte .. Rondônia Internações 7 1 .. Acre 2 .. Pará 4 Região Nordeste .. Maranhão 106 21 .. Piauí 4 .. Rio Grande do Norte 2 .. Paraíba 1 .. Alagoas 2 .. Sergipe .. Bahia 1 75 Região Sudeste 843 .. Minas Gerais 49 .. Rio de Janeiro 738 .. São Paulo 56 Região Sul 29 .. Paraná .. Santa Catarina 6 8 .. Rio Grande do Sul 15 Região Centro-Oeste 3 .. Mato Grosso do Sul 2 .. Mato Grosso 1 Total 988 Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Mais uma vez, o simples número não permite entender o fenômeno do uso ilícito e violento dos explosivos, não pela possível existência de casos codificados incorretamente ou não notificados, considerando que envolve toda a rede SUS. O problema reside na ausência de uma narrativa do evento, ou pelo menos de dados que o relacionem com o devido procedimento legal vinculado, já que o fato por si só, em tese, trata-se de um crime. De qualquer forma, a estrutura de notificação existe e é abrangente, o que usada corretamente, poderia alimentar um banco único de dados sobre explosivos. 83 3.3.2. Registros administrativos dos Correios Uma das formas utilizadas para se obter êxito nas ameaças de bombas é a via postal. A segurança do anonimato e a eficiência da entrega são características que atraem os delinqüentes. Destarte, as empresas de entregas postais representam uma preciosa fonte de dados para se estudar o fenômeno. Infelizmente, a inexistência de uma cultura de registros ou de preservação destes, impede a utilização dessa fonte em sua totalidade. Consultando-se a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), no setor responsável pela análise de eventos dessa natureza59, inicialmente obteve-se tão somente a ilustração a seguir (Figura 39), onde nota-se o registro de 41 ocorrências no período de 1972 a 2007, com o Distrito Federal liderando com 8 ocorrências. Figura 39: distribuição nacional de ocorrências de bombas nos Correios (2007). Fonte: Auditoria interna – Audit/ECT. Uma das possíveis explicações para uma maior concentração no Distrito Federal está na motivação política, despertando o interesse pela capital do país, por reunir os órgãos centrais da administração pública nas três esferas do poder, além da concentração de embaixadas. É o caso, por exemplo, do envio da carta bomba de 25 de setembro de 1972 a embaixada israelense em Brasília, uma das muitas enviadas no mundo inteiro pelo grupo terrorista Setembro Negro. O destinatário era o embaixador Itzhak Harakvi e foi postada de 59 Auditoria interna – Audit/ECT – SBN, Q-1 Bloco A, 20º - Norte. Andar – Brasília/DF. 84 Amsterdã, Holanda (Figura 40). A carta bomba foi desativada por peritos do Instituto Nacional de Criminalística, órgão da Polícia Federal60. Figura 40: carta-bomba, Brasília (1972). Fonte: PCF João Dantas de Carvalho. Dois dias depois, no Rio de Janeiro, uma outra carta-bomba foi desativada, esta enviada ao Sr. Hana Olamy, no bairro do Largo do Machado. Os especialistas da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Guanabara, atual Esquadrão Antibomba foram os responsáveis pela desativação. Diante dos vários relatos de casos, foi feita nova solicitação de mais informações quando então foi disponibilizado um arquivo com uma tabela com os registros das ocorrências relativas à ECT. Pela tabela se confirma a distribuição nacional de ocorrências anteriormente comentada e acrescenta-se alguns dados como data, origem, destino e algumas observações (Figura 41). São preciosas informações que deveriam ser mais completas e melhor aproveitadas, servindo inclusive de estudo para identificação de autoria, análise de como proceder, pois como citado no exemplo das cartas do grupo Setembro Negro, houve uma repetição na forma de atuar, o que uma vez identificado, certamente facilitaria o trabalho policial. 60 Conforme relatos obtidos nas entrevistas. 85 Figura 41: registro existente das ocorrências de bombas pela ECT (2006). Fonte: Auditoria interna – Audit/ECT. 86 3.3.3. Registros administrativos da INFRAERO A Empresa Brasileira de Infra-Esrutura Aeroportuária – INFRAERO é a responsável pela administração dos aeroportos brasileiros, e como tal possui o dever institucional de zelar pela segurança da aviação comercial. Atentados a aeroportos e aeronaves são os que mais causam impacto na mídia internacional, e por isso são alvos preferências do terrorismo, até pela possibilidade de atingir diversos cidadãos ou empresas de um determinado país no solo ou na passagem por outro país. Daí a necessidade de uma regulamentação pactual entre as nações visando o mínimo de segurança. A organização que fica à frente dessa regulamentação internacional é a OACI (Organização de Aviação Civil Internacional) sediada em Montreal, Canadá. O Brasil participa do conselho da administração da OACI desde a sua fundação. Nesse contexto, a INFRAERO tem papel fundamental. Além de estabelecer condições para o fiel cumprimento das regulamentações da OACI, são vitais que se registrem as ocorrências relativas a bombas e ameaças, mesmo que estas não resultem em qualquer dano. Após consulta realizada com a gerência de segurança, da mesma forma como foi feito com a ECT, obteve-se uma tabela geral com os eventos ocorridos nos aeroportos, dignos de registros no entendimento da INFRAERO (Figura 42). Para o objetivo desta pesquisa, procurou-se manter a tabela da forma mais fiel que a mesma foi recebida, à exceção das linhas com ocorrências que não são relativas a bombas e explosivos que foram suprimidas. 87 Figura 42: registro da INFRAERO sobre ocorrências de bombas (2008). Fonte: INFRAERO. 88 3.3.4. Instituto Médico-Legal Outra possível fonte de dados reside nos institutos de medicina-legal. Esta assertiva decorre de que há casos em que vítimas fatais podem não estar associadas imediatamente a explosões, mas com o exame cadavérico pode se chegar a esta conclusão face às lesões características. O mesmo vale para quando se precisa comprovar para fins legais a existência de lesões em pessoas vivas. São os peritos médicos legistas que possuem essa competência. No caso do Rio de Janeiro, há o Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto (IMLAP), subordinado ao Departamento de Polícia Técnico-Científica (DPTC), que por sua vez responde à Chefia de Polícia Civil, dentro da estrutura da Secretaria de Estado de Segurança Pública. O IMLAP realiza pesquisas científicas por meio de um Centro de Estudos (CE) e possui inclusive um Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, criado em 18 de outubro de 2004. Assim, é factível que essa estrutura, devidamente provocada, possa atender a uma demanda específica para a geração de informação dos casos de exames onde o resultado aponte para a utilização de explosivos. 89 4. AS RESPOSTAS DA SEGURANÇA PÚBLICA O uso ilícito de bombas e explosivos é um problema essencialmente de segurança pública. Entender a competência de cada ente e como eles se integram faz parte do presente estudo. Esta competência se refere a como esses entes deveriam ser, conforme está previsto nos normativos. Não se pretende explorar o que de fato ocorre, pois o que se busca é a compreensão das respostas que o Estado previu como oposição ao problema do uso ilícito de bombas e explosivos. 4.1. A segurança pública nacional A resposta a ser dada à ameaça com bombas e explosivos necessariamente recai no estudo da segurança pública, suas implicações e bem como seus desdobramentos. A relevância da segurança pública é de tal ordem que coube ao maior ordenamento jurídico nacional, ou seja, a Constituição da República Federativa do Brasil, um capítulo exclusivo (Título V, Capítulo III) para tratar do tema. No primeiro artigo deste capitulo está implícita a definição de segurança pública e a exposição de seus objetivos. Art. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal polícia rodoviária federal polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares. SILVA61 (2003) entende que Segurança Pública é a preservação ou o restabelecimento da ordem pública, isto é, de uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que possa produzir a prática de crimes. Conseqüentemente, permitiria a todos o gozo de seus direitos e exercício de suas atividades sem a perturbação de outrem. Na prática, é uma atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. Como ficou patente em tal definição, a segurança pública é inserida no rol dos deveres do Estado, porém com um diferencial, pois também é atribuída a todos os cidadãos a responsabilidade pela segurança de toda a sociedade. Evidentemente que colocar a segurança pública como uma atribuição de todos os cidadãos não significa que estes devam se organizar materialmente para suplementar o 61 SILVA, José Afonso da: Curso de direito constitucional 22 ed. .São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 753, 754. 90 trabalho do Estado. A pretensão da Lei Maior é de promover a participação comunitária e da sociedade civil, afinal esta é uma causa que interessa a todos e não somente ao Estado. Quanto a tal assertiva assim se manifestou SILVA62 (2003): Mas a segurança publica não é só repressão e não é problema apenas de polícia, pois a Constituição, ao estabelecer que a segurança é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, acolheu a concepção do I Ciclo de Estudos sobre Segurança, segundo a qual é preciso que a questão da segurança seja discutida e assumida como tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população. Daí decorre também a aceitação de outras teses daquele certame, tal como a de que “se faz necessária uma nova concepção de ordem pública, em que a colaboração e a integração comunitária sejam os novos e importantes referenciais”e a de que, dada “a amplitude da missão de manutenção da ordem pública, o combate à criminalidade deve ser inserido no contexto mais abrangente e importante da proteção da população”, o que requer a adoção de outro princípio ali firmado de acordo com o qual é preciso “adequar a polícia às condições e exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando a formação profissional e orientando-a para a obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independentemente de sua condição social. Apesar da necessária participação da sociedade, no que diz respeito ao planejamento e a implementação da segurança pública, certo é que o encargo maior cabe ao Estado. SILVA63 (2008), em sua obra “Criminologia Critica: segurança e polícia”, ao tratar do dever do Estado de proporcionar a tão desejável segurança pública, afirma que esta se caracteriza por ser um setor em que o objetivo é administrar riscos e medos, sendo certo que o maior desafio é evidenciar os riscos e perigos a que os indivíduos e as comunidades estão expostos em um dado momento e lugar. Para tanto, assim se manifesta quanto ao dever do Estado. Ao Estado incumbirá, além de ele próprio oferecer serviços de segurança em quantidade e qualidade razoáveis, imbuir-se da função coordenadora que lhe é inerente e coordenar efetivamente os esforços societários de gerenciamento da insegurança, para o que deverá estar atento às diferentes formas de criminalidade e violência, sem contar outros riscos, como os ligados à relação das comunidades com o meio ambiente. Em seu próprio proveito, mas também no dos indivíduos, das comunidades, das instituições públicas e dos setores privados e com interesse na segurança, elaborará mapas de risco da criminalidade, dando conta da freqüência com que os diferentes tipos de crimes são cometidos, onde, quando e como; que meios são utilizados; a contribuição das vítimas para sua própria vitimização, como no caso do envolvimento com drogas, por exemplo etc. Em suma, não se poderá dizer “a criminalidade”, “a violência”, genericamente, como é comum ouvir-se. O meio com o qual o Estado busca defender a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio é através do seu poder de polícia. É através deste poder, reconhecido 62 63 SILVA, José Afonso da: Op Cit. p. 755. SILVA, Jorge da. Criminologia Crítica: segurança pública e política..2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 229-230. 91 juridicamente, que o Estado visa à promoção da segurança pública, uma vez que atuará limitando o exercício de direitos individuais em benefício do interesse público. MEIRELLES64 (2003) conceituou o poder de polícia da seguinte forma: Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Publica para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. Destarte, constata-se que o grande fundamento desta prerrogativa do Estado em exercer o seu poder de polícia é o interesse público. Tal atuação somente se justifica quando estiver em vistas de satisfazer o interesse da coletividade. O poder de polícia costuma ser dividido em dois segmentos: polícia administrativa e polícia judiciária, sendo certo que ambas fazem parte da função administrativa desempenhada pelo Estado. “A polícia administrativa (polícia preventiva, ou ostensiva) atua preventivamente, evitando que o crime aconteça na área do ilícito administrativo. Já a polícia judiciária (polícia de investigação) atua repressivamente, depois de ocorrido o ilícito penal” (LENZA65, 2008, p. 579). Assim, constata-se que a principal diferenciação está na prática ou não do ilícito penal. Sobre o mesmo tema assim se coloca elucidativamente SILVA66 (2008): Nos velhos tempos, dizia-se que a função da polícia era “pegar o ladrão”. Há muito, porém, que o seu papel tornou-se altamente complexo, devido a fatores como a urbanização, o inchaço populacional, os avanços da ciência e da tecnologia e, principalmente, o crime organizado. É conclusão unânime, todavia, que, no provimento da segurança pública são principais metas da polícia: (a) assegurar a liberdade, a propriedade e a segurança individual e coletiva (polícia administrativa); e (b) apurar os crimes acontecidos, de modo a apontar à justiça os seus autores e apresentar as provas para incriminá-los (polícia judiciária). Com isso, fica nítido que a polícia judiciária prepara a atuação da função jurisdicional penal regulada pelo Código de Processo Penal. Como já exposto anteriormente, a segurança pública é exercida pelos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpo de bombeiros militares. Mister se faz esclarecer que o exercício da 64 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003. p. 127 65 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 579. 66 SILVA, Jorge da. Op Cit. p. 321. 92 segurança pública é de competência de cada unidade da Federação, razão pela qual deve ser observada a repartição de competência entre os Estados e a União. Segundo MORAES67 “a multiplicidade de órgãos de defesa da segurança pública, pela nova Constituição, teve dupla finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção da Forças Armadas na segurança interna”. 4.1.1. Polícia Federal Segundo a divisão constitucional, temos que a Polícia Federal, órgão permanente, instituída por lei, organizada e mantida pela União, apresentando estrutura em carreira, destina-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. Também incube a Polícia Federal prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e descaminho, sem prejuízo da ação federal e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. Incube ainda, exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras. E por fim, segundo a nossa Constituição, exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União. 4.1.2. Polícia Rodoviária e Polícia Ferroviária Já a Polícia Rodoviária Federal (PRF), bem como a Polícia Ferroviária Federal (PFF), ambos órgãos permanentes, organizados e mantidos pela União e estruturados em carreira, destinam-se, respectivamente, ao patrulhamento das rodovias e ferrovias federais. Proporcionalmente à utilização do meio de transporte que esses órgãos visam proteger, estão as suas estruturas. Assim, ao contrário da PRF, a Polícia Ferroviária Federal, em função do reduzido sistema ferroviário nacional, praticamente inexiste. Esta atuação de patrulhamento é fundamental para a repreensão do contrabando e do tráfico de material explosivo que se utiliza até de bagageiros de ônibus de linhas comerciais (Figura 43), por exemplo. 67 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 767. 93 Figura 43: caixa contendo granadas, apreendida dentro de um ônibus pela PRF (2001). Fonte: arquivo pessoal. No que tange as polícias estaduais, temos a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar: 4.1.3. Polícia Civil A Polícia Civil é dirigida pelo delegado de carreira e é responsável pelo exercício das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, ressalvada a competência da Polícia Federal, bem como as infrações militares. No caso do Rio de Janeiro, diferentemente da maioria dos outros estados, cabe a Polícia Civil, por meio da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) a atuação direta na neutralização dos artefatos explosivos. Na estrutura do CORE está o Esquadrão Antibomba, conceituada instituição que recentemente completou 40 anos. O discurso de abertura do dia comemorativo à criação do referido esquadrão, retrata bem a sua grandiosa história: Por iniciativa do Detetive-Inspetor JOSÉ PAULO BONESCHI, no final do ano de 1968 foi idealizada uma equipe constituída por elementos altamente especializados que iriam apoiar os diversos Órgãos de Segurança, Civis e Militares, Estaduais e Federais, em operações especiais e contraterrorismo. Dentro dessa idéia, foi autorizada pelo então Secretário de Segurança, General ANTONIO FAUSTINO DA COSTA, em inícios de 1969, a formação, a título experimental, da equipe proposta. Era idéia de seus idealizadores criar um grupo que pudesse apoiar, com “mão de obra” altamente especializada, os diversos órgãos de segurança, principalmente os da SSP/GB. Imaginavam eles que seus componentes deveriam ser todos voluntários, possuir um alto grau de disciplina, espírito de equipe e cooperativismo, serem treinados em operações do tipo "Ações de Comandos", e estarem aptos a desativar e desmontar engenhos explosivos, terem noções de primeiros socorros e de operações de informações, saberem utilizar qualquer tipo de arma portátil que lhes viessem às mãos, serem adestrados em combate corpo-a-corpo, em alpinismo militar, operações helitransportadas e em combate em localidades urbanas. Criado em 04 de julho de 1969 pela Portaria "E" nº 0947 do Secretário de Segurança Pública, o então Grupo de Operações Especiais viria a ser transformado, por ato do Exmº Senhor Governador, em Serviço de Operações Especiais em 31 de agosto de 1971, através do Decreto "E" nº 5039, quando foi criada a Seção de Desativação de Artefatos Explosivos (SEDAE), transformada em Serviço de Desativação de 94 Artefatos de Explosivos e Incendiários (SEDAEI) pela Resolução SSP nº 551 de 22 de julho de 2002, subordinado à Coordenadoria de Recursos Especiais (CoRE). Com a reestruturação feita através do Decreto nº 34.663 de 23 de dezembro de 2003 (Ato da então Governadora) que alterou a Estrutura Básica de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, passou o Serviço de Desativação de Artefatos Explosivos e Incendiários (SEDAEI) a ser denominado Esquadrão Antibomba da Polícia Civil, dentro da Estrutura da CoRE, subordinada ao recém criado D.P.O.P.(Departamento de Planejamento e Operação Policiais). O Esquadrão Antibomba participou dos mais importantes eventos policiais do Rio de Janeiro com referência a Explosivos, sendo o primeiro e único grupo de operações especiais antibomba do mundo a desativar uma carta-bomba. Em setembro de 1972, o grupo terrorista islâmico conhecido como SETEMBRO NEGRO enviou, simultaneamente, diversas cartas-bombas às Embaixadas e Consulados de Israel em todo o mundo. Algumas explodiram e outras foram destruídas, exceto a da Embaixada de Israel localizada no Estado do Rio de Janeiro, que foi desativada e desmontada pelos técnicos em explosivos e desativação daquela época, fato esse de Repercussão Internacional, exaustivamente comentado pela mídia, gerando diversos elogios por parte de vários Embaixadores e Cônsules de países amigos. OBS: Esta Carta bomba se encontra desmontada, colocada em moldura própria e exposta com orgulho na parede da Sala de Expediente do ESQUADRÃO ANTIBOMBA, com "status" de um troféu. Nos dias atuais, conta com 32 (trinta e dois) componentes TODOS VOLUNTÁRIOS e altamente especializados, vários com cursos no exterior (Estados Unidos, Israel, Colômbia, Venezuela, Panamá, Peru). Atualmente, seus equipamentos Técnicos de Desativação e Proteção ao Explosivista são de última geração, face ao reequipamento do Esquadrão Antibomba por ocasião do (PAN 2007). Seus componentes continuam realizando o árduo trabalho de arrecadar explosivos, atendendo a todos os locais de bombas, locais pós-explosão, locais de ameaças e suspeitas de bombas, sempre que são solicitados, ocasiões nas quais colocam em risco suas próprias vidas, agindo com bravura e destemor visando a resguardar a integridade física da população protegendo-as de criminosos e grupos criminosos, que com freqüência usam locais públicos em suas ações (vias públicas, no interior de comunidades carentes, túneis, estações de metrô, prédios comerciais, instituições policiais, repartições públicas e até mesmo em hospitais) para atentados, ameaças de bombas explosivas e incendiárias e até mesmo o arremesso de granadas privativas das Forças Armadas e de fabricação caseira. Este é o Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro que, na data de amanhã (04 de julho de 2009), completa 40 anos de existência e de Bons Serviços Prestados à Sociedade do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Rio de Janeiro, 03 de julho de 2009. 4.1.4. Polícia Militar Quanto à polícia militar a esta fica reservada, em cada estado, a atribuição de polícia ostensiva, visando à preservação da ordem pública. Na maioria dos estados brasileiros, compete a polícia militar a atuação direta na desativação e nas medidas preventivas relativas à bombas e explosivos. O destaque fica para Polícia Militar de São Paulo, que tem em sua estrutura o GATE – Grupo de Ações Táticas Especiais, encarregado pelo atendimento de ocorrências com artefatos explosivos. 95 4.1.5. Corpo de Bombeiros Já aos corpos de bombeiros militares cabe a execução de atividades de defesa civil e nesses essenciais trabalhos, eventualmente se deparam com situações que envolvem bombas e explosivos. Há também situações, como as bombas incendiárias, em que a participação do corpo de bombeiro é essencial, tanto no combate aos locais com incêndio como nas perícias pós-explosão, pela experiência em identificar a causa inicial do fogo. 4.1.6. Força Nacional A Força Nacional de Segurança Pública foi instituída pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através do Decreto 5289/2004 e trata-se de um programa de cooperação federativa ao qual poderão aderir os estados interessados. A atuação da Força Nacional se restringe as atividades de policiamento ostensivo e somente ocorrerá em determinadas hipóteses episódicas e planejadas, sempre por determinação do Ministro de Estado da Justiça. A Força Nacional é composta por servidores que tenham recebido do Ministério da Justiça treinamento especial para atuação conjunta, integrantes das polícias federais e dos órgãos de segurança pública dos estados, que tenham aderido ao programa de cooperação efetiva. A atuação da Força Nacional tem área e prazo delimitado. Todo o desempenho, bem como as medidas a serem implementadas, serão norteados por ato do Ministro de Estado da Justiça, uma vez que é através deste que será determinado o emprego da Força Nacional. Visando a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio, a Força Nacional deve seguir determinados princípios inerentes ao desempenho de suas funções, quais sejam: respeito aos direitos individuais e coletivos, uso moderado e proporcional da força, unidade de comando, eficácia, pronto atendimento, emprego de técnicas proporcionais e adequadas de controle de distúrbios civis, qualificação especial para gestão de conflitos e solidariedade. Tais polícias militarizadas do Estado são consideradas forças auxiliares do exército. Diante do exposto, fica a indagação quanto à responsabilidade ou não do Município no que tange a segurança pública. Certo é que, não incube ao Município nenhuma responsabilidade específica pela segurança pública, sendo apenas facultado ao mesmo a constituição de Guarda Municipal, que ficará com a incumbência de proteger bens, serviços e instalações do Município, conforme dispuser a lei. Logicamente que o Município não se exime de zelar pela segurança pública, visto que por ser entidade estatal deverá ajudar os estados no cumprimento dessa função. 96 Assim, quando se trata de segurança pública, fica evidente o uso do poder soberano do Estado no trato com particulares, visando atuar na proteção dos bens coletivos. Neste sentido, se manifesta SILVA68 (2008): Em se tratando de segurança pública, estamos falando de bens e interesses difusos, relativos a titulares dispersos, sem qualquer vínculo especial a não ser o fato de serem residentes de cidade, região ou país. Estamos falando de “ordem pública” como bem coletivo; “da incolumidade das pessoas e do patrimônio” em geral, e não destes e daqueles indivíduos. A ordem pública, portanto, tem a ver com a segurança dos cidadãos coletivamente considerados, e com a tranqüilidade e a salubridade públicas. Logo, tendo em vista o acima exposto, conclui-se que a segurança pública deve ser implementada através de um trabalho conjunto do governo e sociedade, apoiado na solidariedade e na cooperação. 4.2. Prevenção e controle do uso de explosivos Muito embora todas as instituições anteriormente listadas e descritas possuam papéis importantes no combate e na prevenção do uso criminoso do explosivo, o controle efetivo cabe ao Exército Brasileiro (EB), conforme dispõe o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), cuja redação é dada pelo Decreto 3665 de 20 de novembro de 2000. É com base na R-105 que o EB, por meio da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), órgão central em Brasília, exerce o controle do uso de explosivos, desde a fabricação, armazenamento, transporte e destinação final. Essa fiscalização é exercida pelas 12 regiões militares, cada uma com o seu respectivo Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC). O Estado do Rio de Janeiro está no campo de atuação do SFPC/1 juntamente com o Estado do Espírito Santo. O papel da fiscalização é de suma importância nas medidas preventivas para que não haja o desvio para utilização ilícita dos explosivos. 4.3. Visão dos que estão na linha de frente Durante o processo de conhecimento e análise preliminar do objeto de estudo formatou-se um pequeno questionário que foi encaminhado a alguns técnicos e peritos responsáveis pelo atendimento a locais sob ameaça de bombas. Buscou-se atingir os técnicos e peritos que lidam com problema e que estão na ponta, na execução, ou seja, na linha de frente dos atendimentos às ocorrências que envolvem bombas e explosivos. 68 SILVA, Jorge da. Op Cit. p. 245. 97 Foram encaminhados formulários, pelo correio eletrônico, aos especialistas do Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, do GATE em São Paulo e da Polícia Federal. Nesta última instituição foram enviados às unidades da federação onde estão instituídos os Grupos Especializados em Bombas e Explosivos (GBE) quais sejam: Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e ao GBE central ligado à DITEC (Diretoria Técnica-Científica) localizado no Distrito Federal. Além disso, algumas pessoas consideradas estratégicas pela experiência no assunto, ou pela participação nos casos emblemáticos apresentados neste estudo, também foram consultadas. A mensagem enviada a essas pessoas solicitava ainda que os formulários fossem repassados aos demais especialistas a quem elas tivessem contato direto, sendo uma forma de tentar aumentar o número de respostas, minimizando o efeito da desconfiança devido à sensibilidade do tema. Desse universo, vários se abstiveram de responder e não houve uma reiteração ou insistência pela resposta, pois a proposta foi de propiciar aos que labutam em tão arriscada área a oportunidade de se manifestar, o que muitos fizeram diretamente, ou por telefone, sem o preenchimento das fichas. No total foram obtidos 21 formulários respondidos. A maioria, 17, foi da Polícia Federal, sendo 1 da Bahia, 1 do Paraná, 3 do Rio Grande do Sul, 7 do Rio de Janeiro e 2 do Distrito Federal. Os outros 3 formulários foram de estados onde não há ainda GBE funcionando plenamente, embora haja a função do perito em explosivos: Ceará, Minas Gerais e Rondônia. Das outras instituições, 2 formulários foram da Polícia Militar de São Paulo (GATE) e 2 da Polícia Civil do Rio de Janeiro (Esquadrão Antibomba). Destaca-se dos formulários a experiência declarada de alguns dos entrevistados. Do total, 13 possuem mais de 10 anos de trabalho na área, sendo 4 com mais de 20 anos. O mais experiente possui 38 anos de dedicação ao combate ao crime envolvendo bombas e explosivos. A preferência de alguns especialistas em participar da pesquisa proposta, por meio de opiniões, sugestões e fornecimento de material, mas sem o preenchimento do formulário, é um importante aspecto a ser considerado na eventual construção de um banco de dados sobre o assunto. Essa resistência em formalizar opiniões pode ter reflexos nos registros das informações das ocorrências, de onde se depreende que nem sempre os técnicos que estão na execução das medidas de combate são os mais indicados a formalizar o que ocorreu. Na formulação dos campos (Figura 44) se questionou: a importância que cada um atribuía ao seu trabalho; quais são as maiores dificuldades enfrentadas; se as situações relativas a bombas e explosivos têm sido bem resolvidas e o que pode ser melhorado; qual 98 seria a principal motivação para o uso violento do explosivo e por fim qual a experiência na utilização de bases de dados com as ocorrências de bombas e explosivos. Figura 44: formulário de entrevista Mesmo existindo um espaçamento prévio no formulário, não houve uma limitação rigorosa que impedisse ao entrevistado ultrapassar o dimensionamento inicial. Também não foram rejeitadas as fichas com alguns campos incompletos. Com isso, reforçou-se a idéia de liberdade para se tentar extrair ao máximo os anseios e as dificuldades desse campo de estudo, pouco explorado, do combate aos crimes com bombas e explosivos. 99 Visando preservar a identidade desses colaboradores, muito embora todos tenham autorizados a utilização das fichas, as referências aos entrevistados passam a ser por números. 4.3.1. Utilidade do serviço prestado Nas respostas ao primeiro quesito do formulário, versando sobre quais benefícios os entrevistados acreditam terem proporcionados à sociedade com o seu trabalho, destacam-se os trechos a seguir. Do “entrevistado 3”, nota-se a compreensão da importância do uso lícito dos explosivos como um meio necessário ao progresso: Como produto comercial os explosivos contribuem para o desenvolvimento da sociedade, seja na mineração, demolição ou ate em produtos do dia-a-dia como airbags. Infelizmente desvios da sociedade podem utiliza-los para produzir medo ou terror. Assim, a polícia necessita ter equipes especializadas para proporcionar um adequado tratamento a ameaças com explosivos ou agentes de guerra passando uma sensação de segurança para a sociedade e salvando vidas. Trabalhando nestas equipes espero ter alcançado este objetivo. O “entrevistado 4” talvez devido à sua grande experiência (30 anos) na área aponta pela importância doutrinária: Em primeiro plano: a estabilidade social, através da sensação de segurança transmitida a população em geral e as autoridades do Estado Brasileiro em particular, e da manutenção da paz e da tranqüilidade em inúmeros grandes eventos públicos de interesse do país. Em segundo plano: a participação na construção e consolidação de um doutrina para a segurança pública, nesta atividade, a participação na formação e capacitação de profissionais da segurança pública e privada para prevenir, responder e apurar atos criminosos dessa natureza. O “entrevistado 8” chama atenção para o objetivo de instalação do terror, o que pode ser obtido com as ameaças de bombas, mesmo sendo falsas: Segurança no atendimento de ameaças de artefatos explosivos. Essas ameaças têm grande poder desestabilizador independente da sua veracidade. A correta abordagem da situação, baseada em sólidos conhecimentos técnicos, oferece segurança ao público envolvido no incidente. A orientação adequada para a busca no ambiente tem sido fator fundamental - de educação - no lidar com tais ameaças. O objetivo nem sempre é a perda de vidas ou perda material, mas apenas instalar desespero e terror, ao que a nossa atuação tem respondido de forma eficaz. Nos casos positivos, a nossa atuação tem se mostrado igualmente eficaz. Interessante destacar a forma simples como o “entrevistado 13” resume o trabalho às vezes imperceptível dos que fornecem segurança à sociedade: Agregar segurança à sociedade, mesmo sem ela perceber. 100 4.3.2. Dificuldades enfrentadas No preenchimento do segundo item do formulário, a abordagem feita pela grande maioria dos entrevistados como a principal dificuldade enfrentada pode ser sintetizada pela resposta do “entrevistado 3”: Falta de equipamentos, falta de condições e meios adequados ao treinamento do pessoal e por último ausência de reconhecimento pelo trabalho realizado. O “entrevistado 2” faz uma análise mais profunda sobre as situações que envolvem o uso ilícito de explosivos, destacando a idéia da sensação do problema ser algo distante da realidade brasileira: A maior dificuldade é a crença de que no Brasil não se tem uso criminoso de explosivos. O fato de não ocorrerem ações de terrorismo com fundamentação ideológica no país faz com que a mídia e a própria população tratem o assunto como um problema distante. Mesmo não causando a mesma comoção que os grandes atentados, é essencial caracterizar a real dimensão das ações criminosas que empregam explosivos, dimensionando seus riscos potenciais e os prejuízos correlatos. Como demonstra o “entrevistado 15”, a disponibilidade de informações na internet propicia as atividades delituosas e, por outro lado, a inexistência de um banco de dados integrado dos órgãos de segurança fragiliza a reação por parte desses órgãos: As dificuldades começam pela impossiblidade de trabalhar exclusivamente da área de bombas e explosivos no âmbito do DPF devido ao reduzido efetivo dos Peritos Criminais Federais; dificuldades de troca de informações entre as diversas instituições policiais; poucas oportunidades de realizar cursos e treinamentos no exterior junto às escolas mais avançadas; as informações sobre a área de bombas e explosivos encontram-se cada vez mais acessíveis ao público em geral na grande rede; tem se observado um maior grau de complexidade técnica na confecção dos artefatos explosivos em geral; e necessidade da participação de especialistas na elaboração do planejamento tático e operacional de grandes eventos, bem como no gerenciamento de crises e na execução do comando e controle de operações. O “entrevistado 12” também resume as maiores dificuldades enfrentadas no setor: Falta de importância e reconhecimento da atividade, falta de investimentos no setor, dificuldade na aquisição de equipamentos e treinamentos, dificuldades na dedicação exclusiva de pessoal. Em relação às dificuldades de obtenção de informação sobre os casos que ocorrem no Brasil, o “entrevistado 4” sentencia no final de sua resposta: Além da complexidade instríseca da atividade, as duas maiores dificuldades têm sido: a carência de recursos materiais e/ou sua obsolescência, e a falta de dados sobre o que ocorre em território nacional, principalmente de forma sistêmica e organizada. Por vezes é mais fácil e mais rápido obter dados de casos ocorridos em outros países do que no nosso. 101 4.3.3. Adequabilidade das respostas da segurança pública e possíveis melhorias Com esse questionamento propiciou-se um diagnóstico do atual quadro e estimulouse a formulação de sugestões. O “entrevistado 9” apresenta uma análise profunda: Como me referi no item "Quais benefícios você acredita ter proporcionado à sociedade com o trabalho.desenvolvido nessa área?" acredito que em parte está sendo resolvido, apesar do aumento das apreensões de Artefatos Bélicos Leves (granadas de mão) e dos Pesados (Granadas de Obus, AT 4, e tubos descartáveis e carregados dos M72A2), intáctos e falhados, das bombas de fabricação caseira, dos explosivos desviados de pedreiras, dos coletes bombas desativados, todos estes materiais que, com a sua simples apresentação se tornam armas de coação e intimidação. A ação com uso (detonação) dos artefatos e das bombas de fabricação caseira diminuíram. Felizmente, os marginais não têm maiores conhecimentos e confiança para utilizar estes materiais, ficando com uma pequena parcela de elementos marginalizados, oriundos das Forças Armadas e das Polícias Civil e Militar, afastados por desvios de conduta. São eles que sabem manejar e fabricar estes artefatos. O que se pode fazer para minimizar a atual situação é desenvolver um controle rigoroso nas pedreiras, nas fábricas de explosivos e de materiais bélicos, e tornar mais eficaz a vigilância dos depósitos e paióis das Forças Armadas, tentando evitar os desvios de explosivos, armas, munições e granadas. As Autoridades do país deveriam dar ênfase à segurança das fronteiras brasileiras, exercendo um maior controle e vigilância, para desestimular o desvio e o contrabando de armas, explosivos e munição; ativar e manter em permanente funcionamento as barreiras de fiscalização tanto nas fronteiras com outros países, como nas principais rodovias de entrada e saída dos grandes Centros como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Belo Horizonte, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Brasília, etc.; manter permanente vigilância e fiscalização nos aeroportos internacionais e nos aeroportos secundários; manter vigilância e inspecionar os Containers de procedência duvidosa que são desembarcados nos principais portos do país; checar certos tipos de remessas oriundas do exterior (pacotes pesados), pois se tem notícias de que explosivos, granadas, armas desmontadas, munições e drogas são postadas em países distantes como Dinamarca, Estados Unidos etc., e são entregues ao destinatário aqui no Brasil sem nenhum problema. A necessidade do banco de dados integrado e a normatização com relação ao material apreendido são indicadas pelo “entrevistado 2” como as principais melhorias: Duas vertentes devem ser observadas. A primeira é a continuidade do processo investigativo, efetuando análises para rastreamento da procedência do explosivo, tentando determinar a autoria, inclusive intelectual, dos crimes. Para atingir este patamar de eficiência é imperativo a criação de um banco de dados em âmbito nacional. O segundo aspecto é referente ao material apreendido. Não há dispositivos legais que estabeleçam procedimentos de análise e descarte célere de explosivos, ocasionando exposições desnecessárias da segurança dos profissionais envolvidos no processo de apreensão e custodia. O “entrevistado 10” considera que, em vista dos poucos recursos que são destinados a essa área no Brasil, os resultados tem sido a contento, mas mesmo assim, novamente surge a necessidade de criação de um banco de dados nacional: 102 A solução tem sido satisfatória, proporcional aos problemas que estão surgindo no Brasil, mas muitos casos são resolvidos com procedimentos improvisados e empíricos. Falta criar uma padronização operacional e um banco de dados nacional sobre casos com bombas e explosivos. O “entrevistado 15” considera os bons resultados alcançados, mas aponta alguns tópicos a serem reforçados, inclusive o intercâmbio entre as instituições: Ultimamente temos observado uma melhora substancial no trabalho de prevenção e de contramedidas graças a aquisição de modernos equipamentos pelas principais polícias do país, mas considero ser fundamental a difusão de doutrinas visando uma uniformização de procedimentos, o que pode ser conseguido através de cursos, treinamentos e troca de informações entre as diversas polícias. Há um alerta por parte do “entrevistado 17’ de que, embora até o presente momento os atos sejam isolados, está ocorrendo um crescimento, em especial na utilização de granadas: No país como um todo, os atos terroristas com emprego de artefatos explosivos, nunca foram tradição, porém, ultimamente, percebe-se um incremento de ocorrências desta natureza, especialmente com o emprego de granadas, porém estas intervenções, em meu entendimento ainda são casos isolados e de pequena magnitude. É claro, que os órgãos que detém esta atribuição, devem sempre estar equipados e treinados para atuarem prontamente, oferecendo a resposta necessária, o que a meu ver ainda não ocorre. Como forma de prevenir e prontamente responder a atos desta natureza, creio que a efetiva implementação dos itens relacionados no quesito anterior, já seria um ótimo começo. 4.3.4. Motivações identificadas para o uso violento dos explosivos Face à ausência de estatísticas oficiais, buscou-se identificar junto aos entrevistados qual seria a principal motivação para o uso violento dos explosivos. Não houve limitação quanto ao número de opções a serem marcadas, ocorrendo casos de entrevistados assinalarem cinco opções distintas (entrevistado “7” e “10”). Na opção “Outros”, o “entrevistado “7” destacou a possibilidade do intuito de se causar danos ou mesmo como chamativo: A utilização de explosivo de maneira criminosa ou violenta se dá para causar um grande dano ou para chamar a atenção da sociedade para algum fato, portanto entendo que a principal motivação vai depender do agente que utiliza. Ao final, obteve-se no total 41 indicações. A resposta mais apontada foi a do uso como arma do crime organizado, com 16 votos. Em segundo lugar ficou o emprego para roubo de valores, com 7, seguido de vandalismo e terrorismo, ambos com 5 indicações. Após, vieram as opções de ataque a instalações prisionais, com 4 votos, e crimes passionais com 2. As motivações de violência entre gangues e torcidas e crime ambiental receberam 1 voto cada. 103 4.3.5. Utilização de base de dados estatísticos A maioria dos entrevistados não utiliza uma base de dados. Os que a utilizam, citam registros do próprio grupo especializado onde trabalham e arquivos pessoais. É o caso do relato do “entrevistado 10” que reporta a utilização de uma base de dados própria de seu grupo de atuação, que registra as ocorrências atendidas, ou seja, não é um banco integrado: Sim, uma base própria, criada no GATE-SP para atender a sua demanda de serviço, mas é local, apenas registra as ocorrências atendidas por esse grupo. O “entrevistado 4” além dos registros próprios para análise quantitativa e de tendências, cita também o uso de bancos de dados estrangeiros: Os registros de ocorrência na minha atividade, sempre foram efetuados de forma simples, para estatísticas quantitativas, não se prestando como uma base dados de consulta para outro tipo de pesquisa, mesmo assim, se torna útil para acompanhar as tendências de crescimento ou redução dessa modalidade criminosa. Entretanto, várias vezes, efetuei consultas a banco de dados, principalmente estrangeiros como auxílio em meu trabalho. 4.4. A integração das diversas forças A segurança pública nacional, com os seus vários órgãos, necessita de uma coordenação que os integre, somando os esforços e otimizando os resultados, no interesse da sociedade. A área da segurança é afeta ao Ministério da Justiça que por sua vez possui uma secretaria de ações coordenadas com esta finalidade. Trata-se da Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp. A sua criação ocorreu por meio do Decreto nº 2.315 de 4 de setembro de 1997. Anteriormente, existia a Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública – SEPLANSEG, que foi criada pela Medida Provisória nº 813 de 1º de janeiro de 1995. O texto legal que atualmente vigora dando a competência da Senasp é o disposto no Decreto nº 6.061, de 15 de março de 2007, Anexo I. São as seguintes atribuições: I - assessorar o Ministro de Estado na definição, implementação e acompanhamento da Política Nacional de Segurança Pública e dos Programas Federais de Prevenção Social e Controle da Violência e Criminalidade; II - planejar, acompanhar e avaliar a implementação de programas do Governo Federal para a área de segurança pública; III - elaborar propostas de legislação e regulamentação em assuntos de segurança pública, referentes ao setor público e ao setor privado; IV - promover a integração dos órgãos de segurança pública; V - estimular a modernização e o reaparelhamento dos órgãos de segurança pública; VI - promover a interface de ações com organismos governamentais e nãogovernamentais, de âmbito nacional e internacional; 104 VII - realizar e fomentar estudos e pesquisas voltados para a redução da criminalidade e da violência; VIII - estimular e propor aos órgãos estaduais e municipais a elaboração de planos e programas integrados de segurança pública, objetivando controlar ações de organizações criminosas ou fatores específicos geradores de criminalidade e violência, bem como estimular ações sociais de prevenção da violência e da criminalidade; IX - exercer, por seu titular, as funções de Ouvidor-Geral das Polícias Federais; X - implementar, manter e modernizar o Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública - INFOSEG; XI - promover e coordenar as reuniões do Conselho Nacional de Segurança Pública; XII - incentivar e acompanhar a atuação dos Conselhos Regionais de Segurança Pública; e XIII - coordenar as atividades da Força Nacional de Segurança Pública. Assim, cabe à Senasp o desempenho de importantes funções. Para tanto, a Senasp administra o Fundo Nacional de Segurança Pública, criado em 2000, visando financiar projetos na área de segurança pública. Também é da Senasp a gerência do programa de Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, estruturado em 2003. Devido à atuação da Senasp, estão sendo adotadas várias ações no sentido de capacitar, tanto materialmente como em termos de conhecimento, policiais de todo o Brasil, sejam eles federais, estaduais, civis e militares. Com essa formatação, que permeia as diversas esferas administrativas de todos os estados federados, a Senasp, em um primeiro momento, é a estrutura mais indicada para planejar e gerir um banco de dados sobre bombas e explosivos, único, centralizado e de âmbito nacional, dando acesso à quem de direito, como ocorre com o sistema INFOSEG. A partir desse banco, planejar as ações visando integrar as forças da segurança pública, especificamente no combate ao emprego ilícito de explosivos. A Senasp é assim, conforme FERREIRA69, um verdadeiro elo de união entre os governos federal, estaduais e municipais. 69 FERREIRA, Helder; FONTOURA, Natália de Oliveira. Sistema de justiça criminal no Brasil: quadro institucional e um diagnóstico de sua atuação. Texto para discussão nº 1330. Brasília: IPEA, 2008. p. 10. 105 5. PERSPECTIVAS E DESAFIOS A questão da violência utilizando bombas e explosivos está longe de ser um problema local, do Brasil ou de qualquer outra nação. Muito embora cada país possua suas peculiaridades, com maior ênfase para determinada motivação dos atos violentos e ainda, diferentes níveis de controle e de segurança no uso do explosivo, a preocupação é global. Independentemente do quadro instalado, trata-se de um desafio para as nações que almejam serem reconhecidas como Estados seguros, capazes de receber qualquer cidadão, seja qual for a sua nacionalidade, religião, orientação política etc. O Brasil se insere nesse contexto, organizando grandes eventos internacionais e se candidatando a tantos outros. O País busca o desenvolvimento pelo intercâmbio com outras nações e também com o desenvolvimento de tecnologia própria. Por outro lado, o risco do surgimento de novas e catastróficas ameaças é real e preocupante. Para a prevenção e combate das ameaças existentes e futuras, são fundamentais medidas de políticas públicas, como a criação de um banco de dados oficial, centralizado e específico para bombas e explosivos e que sirva como ferramenta de gestão e controle. 5.1. A segurança de grandes eventos mundiais sediados pelo Brasil O Brasil vem se destacando pela organização de grandes eventos que reúnem importantes dignitários como os chefes de Estados, líderes eclesiásticos mundiais, e outros representantes de destaque internacional. Esses encontros são constantes desafios à segurança pública, quer pela permanência de vários líderes em um mesmo ambiente, tornando-os um alvo preferencial aos possíveis ataques terroristas, ou pela aglomeração de multidões em busca de seus líderes, o que necessita de todo um aparato visando à integridade dos participantes. As realizações desses eventos alavancam aquisições de novos e modernos equipamentos, que por sua vez demandam treinamentos e cursos de capacitação. A operação integrada dos órgãos de segurança é condição necessária para a obtenção do sucesso. Passado o evento, normalmente fica como legado um acréscimo na qualidade e na capacidade de resposta da segurança pública. Há vários exemplos, e todos eles têm sido relatados positivamente quanto à segurança proporcionada, gerando com isso mais crédito ao país, habilitando-o a concorrer na realização de novos e disputados eventos, como as competições desportivas internacionais. 106 Seguem alguns desses exemplos, todos de grande repercussão e que foram sediados no estado do Rio de Janeiro nos últimos anos. 5.1.1. ECO 92 (03 a 14 de junho de 1992) A ECO 92, também chamada Rio-92, reuniu na cidade do Rio de Janeiro diversos chefes de Estado que discutiram, por quase duas semanas, o futuro sustentável da humanidade. O Exército Brasileiro comandou as operações de segurança. A Polícia Federal atuou juntamente com a Polícia Civil e Militar. Foi considerado o primeiro grande desafio de integração entre as forças. Meses antes, policiais federais foram capacitados por especialistas em explosivos da Bundeskriminalamt (BKA), polícia federal alemã. Equipamentos e materiais foram cedidos e a partir dessa transferência de conhecimento foi possível o desenvolvimento de tecnologia própria para a produção de canhões disruptores, importante ferramenta na desarticulação de pacotes com suspeição de serem artefatos explosivos. O canhão disruptor, também chamado de canhão d’água, tem uma definição básica por FRANCO70: É como um cano de uma espingarda calibre 12, com as paredes reforçadas para suportar um disparo com uma pressão de gases bem maior que uma arma comum, acelerando um pequeno volume de água (150 ml) contra o objeto suspeito. Ao atingir o objeto suspeito, espera-se com isso que haja o rompimento do invólucro, externando o seu conteúdo e também, se possível a desarticulação dos componentes, neutralizando no caso a bomba, sempre de forma remota. O canhão pode ser usado diretamente no artefato explosivo ou utilizado para acessálo. Isto ocorre quando, por exemplo, há um pacote suspeito dentro de um veículo. Nesses casos, o canhão é direcionado contra o sistema de fechamento das portas (Figura 45). Figura 45: ação do canhão d’água na abertura da mala de um veículo (2000). Treinamento realizado durante o VIII CABE, no RJ. Fonte: arquivo pessoal. Assim, passada a ECO 92, os ganhos tecnológicos foram incorporados resultando em benefícios para o interesse público. 70 FRANCO, Antônio Luís Brandão; MARTINS, Ataide da Rosa; SAIKALI, Ricardo Hamid. Segurança na aviação civil: o papel do Departamento de Polícia Federal no combate ao terrorismo envolvendo bombas e explosivos. Monografia apresentada no Curso Superior de Polícia. Brasília. Academia Nacional de Polícia e Fundação Universidade do Tocantis – UNITINS, 2006. 107 5.1.2. Encontro do Santo Padre com as famílias (2 a 6 de outubro de 1997) Em sua última visita ao Brasil, o Papa João Paulo II participou do “II Encontro Mundial do Santo Padre com as Famílias”. Qualquer evento que tenha a participação de um Papa requer uma enorme estrutura de segurança, pela importância da sua presença. Sendo uma visita oficial, e ainda tratando-se de um Papa extremamente popular como foi João Paulo II, já vítima de um atentado anterior71, as cautelas são redobradas. Mais uma vez, as forças que compõem a segurança nacional e também o EB demonstraram boa capacidade de integração, cada qual realizando as tarefas conforme suas competências. A preocupação não se resumiu só ao evento, toda a permanência do Papa em solo nacional foi monitorada, incluindo os deslocamentos e os pernoites, o que de certa forma foi um ponto crítico devido ao local escolhido (Residência do Sumaré, no Bairro do Rio Comprido, Rio de Janeiro). A logística exigiu planejamento e vistorias prévias de segurança nos ambientes e posteriormente nos presentes enviados ao Santo Padre. As possibilidades de ameaças ou suspeitas de explosivos teriam que ser prontamente atendidas evitando comprometer o evento. Peritos em explosivos da Polícia Federal se revezaram cobrindo o evento 24 horas. A missa campal foi outro ponto crítico, tendo sido realizada no Aterro do Flamengo para um público estimado de mais de 2 milhões de pessoas (Figura 46). Figura 46: missa campal realizada por Sua Santidade o Papa João Paulo II (1997). Fonte: arquivo pessoal. 71 Em 13 de maio de 1981, o Papa João Paulo II é alvejado por dois tiros de pistola disparados pelo turco Mehmet Ali Agca. 108 5.1.3. CIMEIRA (28 e 29 de junho de 1999) Outro grande encontro de chefes de Estado ocorrido no Rio de Janeiro foi a “Cimeira dos Países da América Latina e Caribe – União Européia”. Não houve grandes incidentes com a segurança. Especificamente com relação a bombas e explosivos, várias equipes foram formadas com especialistas da Polícia Federal, devido à grande quantidade de locais a serem examinados antes do evento, buscando-se localizar possíveis artefatos explosivos (vistoria prévia de segurança). Apenas um incidente foi registrado. Ocorreu durante uma das vistorias de segurança, às vésperas do início do evento, mais precisamente na madrugada do dia 27 de junho, quando os peritos foram acionados devido a uma mochila suspeita72. A ação de neutralização ocorreu em pleno campo de futebol do Aterro do Flamengo (Figura 47). Posteriormente, verificou-se com a abertura segura da mochila, por meio de procedimentos remotos, conhecido como “técnica da corda”, que não havia explosivos no seu interior e sim equipamentos eletrônicos (rádio, toca-fitas, etc.). Mesmo ocorrendo em local público, não houve alarde, o que pode ser atribuído a eficiência do grande aparato de segurança montado. Figura 47: neutralização de uma mochila suspeita (1999) Fonte: arquivo pessoal. 5.1.4. PAN 2007 (13 a 29 de julho de 2007) A realização do XV Jogos Pan-Americanos na cidade do Rio de Janeiro, e logo em seguida o III Jogos PARA PAN-AMERICANOS (12 a 19 de agosto de 2007), foi sem dúvida o grande momento da segurança nacional em termos de realização de eventos dessa natureza, um verdadeiro marco. Certamente, o sucesso do Brasil na organização o credenciou para ganhar a eleição de sede da Copa de 2014, e ainda pontuar para futuras candidaturas olímpicas. 72 A ocorrência gerou o número de registro 126/99 no livro de registros de plantão da criminalística da PF. 109 A magnitude do PAN 2007 pode ser representada pelos números envolvidos. Apenas em relação à segurança do evento, em especial a questão das ameaças de bombas e explosivos, foram vistoriados 22 locais, destacando-se a Vila Pan-americana, o complexo do Maracanã, o complexo do Autódromo e o Riocentro. Também foram examinados 101 ônibus da frota utilizada para a cerimônia de abertura, 63 ônibus para a de encerramento e aproximadamente 870 carros. Foram formadas 44 equipes de vistorias, totalizando 136 policiais capacitados e treinados para esse fim (BELARMINO73, 2008). Novamente o sucesso veio da integração e coordenação das forças envolvidas, desde o planejamento estratégico até a execução final. Estrearam novos atores nesse cenário de segurança, com a participação da Força Nacional e de técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, estes visando treinar os policiais no uso de equipamentos de detecção e apoio numa eventual resposta a ameaças radiológicas. A coordenação coube à Senasp, que fomentou projetos e planejou as ações, desde a capacitação até a compra de equipamentos. Um exemplo foi a utilização de policiais com cães farejadores de explosivos, que receberam treinamento bem antes do evento e foram bastante utilizados nos grandes espaços abertos do evento (Figura 48). Figura 48: utilização de cães adestrados para farejar explosivos (2007). Fonte: arquivo pessoal. 73 BELARMINO, Alexanders Tadeu das Neves; FORTES, Marcelo de Azambuja; MAIA, Bruno Costa Pitanga. Análise da atuação da coordenação de vistorias e contramedidas nos jogos panamericanos: gestão de grupos antibombas em grandes eventos. 2008. 68f. Monografia (conclusão do curso) – Academia Nacional de Polícia, Curso Superior de Polícia. Brasília. 110 Para o futuro, a realização da Copa do Mundo de 2014 é aguardada com grandes expectativas. O desafio é maior ainda do que foi o PAN 2007, tanto pelo volume de pessoas e estruturas envolvidas quanto pela descentralização das sedes dos jogos em várias unidades da federação, envolvendo um número muito maior de instituições da segurança pública nacional. 5.2. Novas tecnologias e equipamentos O uso criminoso de explosivo está cada vez mais sofisticado. Os instrumentos de combate também precisam progredir em velocidade compatível. Além do intercâmbio e da compra de novos equipamentos, é importante o desenvolvimento de tecnologias nacionais. O PAN 2007 representou um enorme salto de qualidade em termos de novas técnicas e equipamentos na detecção e neutralização das ameaças envolvendo bombas e explosivos. Cinco viaturas completamente equipadas com as mais modernas ferramentas, incluindo robôs e trajes antibombas foram montadas. Foram entregues 2 viaturas à Força Nacional, 2 para a Polícia Federal, que as redistribuiu para o GBE de Brasília (GBE/DITEC) e 1 para o Esquadrão Antibomba da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Figura 49). Figura 49: exposição de equipamentos do Esquadrão Antibombas da PC/RJ (2009). Fonte: arquivo pessoal. As críticas relatadas pelos técnicos em explosivos nos formulários de entrevistas foram principalmente pela falta de critério na distribuição dessas estações após a realização dos jogos. A inexistência de um banco centralizado de dados e de estatísticas oficiais das ocorrências em todo o território nacional não permite a gestão técnica e objetiva desses 111 recursos, cuja distribuição deveria priorizar as maiores demandas. Em substituição, são adotados critérios subjetivos passíveis de críticas. O destaque foi para aquisições de unidades robóticas teleguiadas. Esses robôs possuem controles precisos e são capazes de superar diversos obstáculos (escadas, por exemplo), permitindo aos peritos em explosivos proceder as ações de remoção, desativação e, já que são dotados de canhões disruptores, também a neutralização dos artefatos suspeitos, sempre remotamente, resguardando a vida dos técnicos. Figura 50: robô antibombas dotado de canhão disruptor (2009). Treinamento realizado em Brasília. Fonte: GBE/DITEC. A necessidade de constante evolução é incompatível com dependência da realização de grandes eventos. O processo não deve ocorrer em saltos descontínuos e sim em constantes aquisições de tecnologia. Nesse intuito, a parceria escola-polícia pode ser o caminho mais promissor, fornecendo aplicações práticas para os alunos utilizarem os seus conhecimentos acadêmicos, e na via contrária, propiciar embasamento teórico e instrumental para os profissionais da área de bombas e explosivos desenvolverem suas idéias e assim suprirem suas necessidades. Estas podem ser complexas, como o desenvolvimento de robôs, ou mesmo simples como a geração de espuma capaz de conter fragmentos de uma explosão. Sobre esta última, destaca-se a pesquisa feita por peritos da Polícia Federal sobre a confecção de um gerador de espuma de baixo custo, capaz de envolver o artefato explosivo e minimizar os efeitos da explosão (Figura 51). 112 Figura 51: gerador de espuma de baixo custo desenvolvido por Peritos da PF (2008). Fonte: PCF Roberto de Araújo Vieira. Os resultados do gerador de espuma foram bastante animadores como concluem seus idealizadores (PINTO74, 2008): A variação do impacto da fragmentação e das ondas de choque da granada padrão utilizada nas explosões controladas realizadas demonstraram que esta espuma, somada às caixas contentoras também desenvolvidas foram eficazes em reter mais de 95% (noventa e cinco por cento) dos fragmentos decorrentes das explosões. Assim, as pesquisas devem ser sempre incentivadas e com ampla divulgação dos resultados entre os técnicos de bombas e explosivos, ampliando a discussão e propiciando uma cultura de desenvolvimento tecnológico que pode ser, no primeiro momento, para uso próprio, mas que possui potencial para o fomento de indústrias nacionais gerando empregos e divisas ao país. 5.3. Ameaças futuras – o desafio QBRN Conforme exposto, a ameaça dos explosivos convencionais é real e precisa ser bem monitorada e devidamente combatida. A facilidade de obtenção dos meios necessários para a confecção de uma bomba é, de certa forma, uma explicação para a freqüência das ocorrências. Em contrapartida, há outros tipos de artefatos que ainda não são vistos como ameaças reais pela dificuldade do acesso aos seus constituintes, ou pela complexidade na construção e 74 PINTO, Cleverson Neves; SILVA, Marcello Torres da; VIEIRA, Roberto de Araújo. O uso de espuma própria para a contenção de material explosivo: uma abordagem prática. 2008. 64f. Monografia (conclusão do curso) – Academia Nacional de Polícia, Curso Superior de Polícia. Brasília. 113 aplicação do dispositivo, passando uma sensação, às vezes falsa, de segurança. São as armas não convencionais. Os especialistas que se dedicam ao estudo do combate ao terrorismo possuem uma preocupação com armas não convencionais, ou seja, os ataques envolvendo Armas de Destruição em Massa (ADM). Essas armas podem se valer de elementos químicos, biológicos, radiológicos e nucleares. São as chamadas ameaças QBRN (Químicas, Biológicas, Radiológicas e Nucleares). Essencialmente não há um alvo específico, o que se busca é ferir ou matar o maior número de pessoas possível. As armas de destruição em massa não focam um determinado grupo da população e por isso, em tese, todos os países estão sujeitos a esta terrível ameaça. O risco de realmente acontecer um ataque com armas QBRN é relativamente muito pequeno quando comparado com as ameaças com explosivos, entretanto, caso ocorra, as conseqüências são extremamente danosas (Figura 52). Explosivos Químicas Radiológicas Biológicas Nucleares RISCO AMEAÇAS CONSEQUÊNCIA Figura 52: gráfico de risco x consequência das ameaças. Fonte: adaptação de ACKERMAN75. A utilização dos explosivos combinada com algum elemento QBRN forma as chamadas bombas sujas, as quais possuem o objetivo de dispersar o material agressivo e contaminar grandes áreas. Novamente é notória a necessidade do controle do uso dos explosivos, além de outros materiais, principalmente as fontes radioativas, pela sua ampla utilização em equipamentos industriais e médico-hospitalares. 75 ACKERMAN, Gary. WMD terrorism research: whereto from here? International Studies Review. Monterey, v. 7, n.1, p. 140-143, 2005. 114 5.4. A criação de um banco de dados oficial Conforme evidenciado nos capítulos anteriores, há várias fontes de dados sobre bombas e explosivos. Algumas mais imediatas, como os registros de ocorrências policiais, decorrentes de iniciativas pessoais, não sistematizadas e realizadas de acordo com demandas específicas, para uso próprio ou no máximo para uso do grupo especializado ao qual o policial que teve a iniciativa de levantar os registros pertença. Outras possíveis fontes se referem a instituições como a INFRAERO, Correios, Hospitais, entre outros, onde a busca pela informação é mais difícil por não ser a atividade fim dessas instituições. Percebe-se a falta de uma instituição que normatize a coleta e o tratamento dessas informações, impondo a alimentação de uma base de dados única. No Rio de Janeiro, existe a atuação do ISP na geração de pesquisas e produção de relatórios estatísticos, se valendo da implementação do Programa Delegacia Legal que informatizou os registros de ocorrência. Entretanto, a única informação oferecida relativa ao uso ilícito dos explosivos como forma de violência é o número de apreensões dos artefatos. Embora este seja um dado importante, diversas outras informações não são oferecidas, limitando a capacidade de resposta e gestão da administração pública, e também impedindo que os especialistas que estão na linha de frente possam usufruir do conhecimento de outros grupos especializados ou das experiências antigas do seu próprio grupo de atuação. Uma vez existindo um banco centralizado, a forma como a informação irá circular requer uma análise criteriosa sobre qual público pretende se atingir e como fazê-lo adequadamente sem perder o objetivo e nem a segurança de informações mais sensíveis. Por fim, é interessante uma breve análise da experiência de outros países que adotam um banco centralizado sobre o assunto. 5.4.1. O desafio da centralização dos dados em estatísticas oficiais Ao longo do trabalho de pesquisa, constatou-se a existência de relevantes e numerosas ocorrências envolvendo bombas e explosivos. Evidenciou-se a forte necessidade de obtenção de informações das ocorrências por parte dos policiais que operam na ponta do combate desse mal da sociedade. Percebeu-se também o prejuízo que a ausência de dados acarreta ao impossibilitar a objetividade na gestão dos recursos públicos para a aquisição e distribuição de equipamentos, bem como treinamento e capacitação dos policiais. Assim, fica patente a demanda pelos dados e a necessidade que os mesmos estejam centralizados em uma 115 única base. A partir daí, um desafio se impõe: como centralizar os dados dessas ocorrências e gerar estatísticas oficiais? Essas estatísticas não podem ter caráter especulativo e nem oriundas de arquivos pessoais, ou realizadas por profissionais poucos afetos às estatísticas e às ciências da informação, que buscam simplesmente solucionar problemas imediatos do seu dia-a-dia. Devem atender à sociedade e não ao indivíduo, devem ter suas devidas defesas à má utilização pela natureza sensível do tema, mas nem por isso perder sua essência pública. Como se trata de informações de segurança pública e de âmbito nacional, o mister de tratá-las recai na alçada do Ministério da Justiça (MJ). Pela estrutura da segurança pública nacional, como já visto na teoria e exemplificado na prática pela execução dos grandes eventos de segurança com as forças policiais trabalhando de forma integrada, cabe à Senasp promover ações para a formação desse almejado banco de dados. Para uma solução mais consistente, o ideal é que haja a coordenação por uma instituição com essência na geração de estatísticas e com a autoridade de produzi-las nos mais variados temas. A aceitação internacional dessas estatísticas é vital para o correto intercâmbio entre os países. Assim, nesse contexto, caberia ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE realizá-las. A estrutura de coleta e centralização dos dados oriundos das unidades da federação existe desde o lançamento do primeiro módulo do Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal (Sinesp) em dezembro de 2003, com a realização de padronizações de procedimentos para o tratamento da informação das ocorrências policiais. O monitoramento é relacionado a 54 tipos de delitos, em 224 municípios brasileiros com população acima de 100 mil habitantes, caracterizando vítimas, agressores e a presença de armas (PEIXOTO76, 2004). A estrutura prevê a utilização de várias bases de dados (Tabela 4). 76 PEIXOTO, Betânia Totino; LIMA, Renato Sérgio de; DURANTE, Marcelo Ottoni. Metodologias e criminalidade violenta no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n.1, p. 13-21, mar. 2004. 116 PERIODICIDADE Mensal Anual Anual Anual Tabela 4 – Estrutura de coleta de dados do Sinesp. BASES DO SISTEMA FONTES DE DADOS Polícia Civil Ocorrências Criminais e Polícia Militar Atividades de Segurança Corpo de Bombeiros Pública Guardas Municipais Polícia Civil Cadastro Nacional de Mortes Sistema Único de Saúde Violentas Ouvidorias Controle de Ação Policial Corregedorias Polícia Civil Fluxo Sistema Justiça Polícia Militar Criminal Ministério Público Tribunais Pesquisa Nacional de IBGE Vitimização Polícia Civil Polícia Militar Perfil das Organizações de Corpo de Bombeiros Segurança Pública Guardas Municipais Polícia Técnica 77 Fonte: Ministério da Justiça - Sinesp . Evidentemente, os dados coletados para, por exemplo, descrever um crime de homicídio, caracterizando tão somente o agressor, a vítima e a arma utilizada, não atenderá a demanda desejada. Há diversas outras informações necessárias. Entretanto, pode-se valer da estrutura existente na Sinesp, acrescentando outras fontes de dados, conforme já descrito, e padronizar junto a essas um conjunto mínimo de procedimentos, visando tratar especificamente das informações relativas às ocorrências de bombas e explosivos. 5.4.2. As informações quantitativas e qualitativas relevantes Os dados quando existentes, não seguem uma formatação própria. Assim, mesmo que exista uma política de registro, nem sempre as informações mais importantes são preservadas. Além de um breve relato do ocorrido, algumas descrições são imprescindíveis. É preciso então realizar um profundo estudo técnico objetivando padronizar os campos necessários a correta utilização das informações. Comparativamente a outras bases de dados, mesmo as criminais, a quantidade de registros não é muito grande, o que pode propiciar o uso também de imagens. 77 Disponível em: <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJCF2BAE97ITEMID01FDE79D86AA482EA3A212E94 697F2C2PTBRNN.htm>. Acesso em: 28 ago. 2009. 117 Em se tratando de artefato explosivo, cita-se, por exemplo, a diferenciação de algumas características, tais como tipo de explosivo, quantidade utilizada, tamanho, forma de acionamento, origem, grau de sofisticação, habilidade empregada na fabricação, etc. Caso se trate de um local onde já tenha ocorrido uma explosão, este também deve ser minuciosamente descrito, relacionando os danos, os relatos de possíveis testemunhas sobre suas percepções, como som da explosão, cor da fumaça (podem ajudar a diferenciar o tipo de explosivo empregado), características dos fragmentos encontrados, a distância que houve lançamento de fragmentos, etc. Até mesmo as ameaças não concretizadas, devem ser devidamente registradas e caracterizadas, podem ser descritos o meio empregado (ligação telefônica, carta anônima, etc.), a ameaça em si, as características de quem fez a ameaça, o alvo, etc. A quantidade de apreensões e o quanto elas representam em termos de material explosivo (massa) é relevante para se rastrear a origem dos mesmos, bem como o meio como foram obtidos. 5.4.3. Política de acesso aos dados As informações oriundas desse banco de dados centralizado podem ter vários usos, e com isso, diversos públicos. A utilização pode servir de termômetro do fenômeno, o que implica numa ampla divulgação de dados quantitativos, como já faz o ISP para apreensões de explosivos no Rio de Janeiro. Na utilização para intercâmbio técnico entre as instituições policiais, com o acesso total ou mesmo parcial das características registradas do evento, é fundamental que haja um controle. Pode-se usar como exemplo o que já existe hoje na Rede INFOSEG da Senasp78: A REDE INFOSEG integra as 28 criminais do Brasil (26 estados, distrito federal e polícia federal) e tem como premissa integrar todas as bases de dados que sejam úteis à área de segurança pública, justiça e fiscalização de forma a disponibilizar as informações de acordo com o perfil dos usuários da rede nacional. Foram criados perfis a fim de serem disponibilizadas para cada usuário somente as informações necessárias de acordo com a função exercida pelos usuários dentro de sua instituição. A rede nacional permite a criação de novos perfis sempre que solicitado por algum órgão componente da Rede Infoseg, pois o objetivo é difundir o acesso e levar a informação a todo e qualquer órgão ligado segurança pública, justiça e fiscalização. São definidos perfis de acessos pela instituição de segurança a qual o usuário pertence. Além do acesso aos dados, é importante que a informação trafegue na outra mão, ou 78 Disponível em: < http://www.infoseg.gov.br/infoseg/rede-infoseg/perfis-dos-usuarios>. Acesso em: 30 ago. 2009 118 seja, que vá até o usuário. Isto é possível com a publicação de boletins e relatórios técnicos, onde os casos mais relevantes são descritos e analisados por especialistas da área, servindo como fonte de consulta. Ao governo interessa principalmente a utilização como ferramenta de gestão, embasando as decisões na alocação de recursos. Para tanto, as informações precisam ser trabalhadas traduzindo os números em seus significados de prioridades e demandas, satisfazendo o interesse público de forma clara e objetiva. 5.4.4. A experiência de alguns países na adoção de um banco de dados A adoção de um sistema que centralize os dados referentes às ocorrências que envolvem artefatos explosivos, locais sob ameaça, locais de pós-explosão, etc. já é vivenciada por alguns países há muito tempo. LEÃO79 alerta para a necessidade de se aproveitar esses sistemas já desenvolvidos e testados, estudando a forma que eles coletam, analisam e divulgam os dados sobre bombas e explosivos. Citando como exemplos alguns bancos que possuem sítios na rede mundial de computadores, têm-se: o banco de dados australiano ABCD (Australian Bomb Data Centre); o norte americano BDC (Bomb Data Centre) vinculado ao FBI (Federal Bureau of Investigations); o canadense CBDC (Canadian Bomb Data Centre) e o filipino PBDC (Philippinne Bomb Data Center). LEÃO80 faz uma análise detalhada dos seguintes bancos: ABCD, FBI BCD, CBDC e também do USBDC (United States Bomb Data Center), sendo este mais um banco norte americano, diferenciando-se do FBI BDC por ser vinculado a outra agência, a ATF (Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives). São comparadas as formas de classificação do tipo de evento (explosão de bomba, falsa bomba, extravios de explosivos, etc.); os tipos de local (alvos comerciais, área aberta, pessoa, veículo, etc.); as possíveis motivações (vandalismo, suicídio, gangues, etc.); o tipo de objeto (caixa, cano, bolsa, granada, garrafa, etc.); e o tipo de explosivo (ANFO, dinamite, emulsão, pólvora negra, etc.). No comparativo, são apresentadas as propostas para implementação na Polícia Militar do Estado de São Paulo, adequando as várias formas à realidade do estado de São Paulo.. 79 LEÃO, Décio José Aguiar. Metodologia para análise de eventos criminais com bombas e explosivos. Monografia apresentada no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais I/09. São Paulo. Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar de São Paulo, 2009. p. 90. 80 LEÃO, Décio. Op Cit. p. 90-136. 119 A complexidade da modelagem de um banco de dados tão específico requer o trabalho de profissionais especializados na tecnologia da informação, bem como o amplo assessoramento dos especialistas em bombas e explosivos dos vários entes da segurança pública em todas as unidades da federação. Essa etapa inicial é fundamental para o sucesso na criação de um banco centralizado que contemple as demandas existentes, considerando as diversidades regionais de um país como o Brasil. 120 CONCLUSÃO O fabrico e a utilização de explosivos foi uma inovação científica e tecnológica, fruto da engenhosidade humana. Há cerca de mil anos, os chineses descobriram a pólvora e passaram a utilizá-la, em diversas situações, nos chamados “fogos químicos”. Coube ao sueco Alfred Nobel, em 1867, dominar os problemas técnicos de sensibilidade e de detonação para criar a dinamite e colocá-la a serviço da indústria e da exploração mineral, mas também para o uso militar e de guerras. Embora os royalties da invenção da dinamite tenham sido utilizados para criar o fundo Nobel de apoio à ciência e à paz, o desenvolvimento dos explosivos serviu também para a destruição em massa de vidas nas guerras e para ações violentas contra populações civis e para ações criminosas e terroristas. A humanidade encontra-se no atual estágio de evolução graças ao emprego dos explosivos nas mais diversas áreas. Entretanto, o seu uso ilícito e violento pode ocasionar verdadeiras tragédias, ou mesmo pequenos incidentes que passam despercebidos no cotidiano. No Brasil, ao contrário do que se pensava, o uso ilícito dos explosivos é um sério e grave problema de violência, uma questão de segurança pública requerendo uma maior atenção das autoridades e da sociedade como um todo. Nessa dissertação foi mostrado como os explosivos são utilizados pelo crime organizado, no roubo de valores, em ataques a instalações prisionais, em crimes passionais, no vandalismo, na violência entre gangues e torcidas, na violência em escolas, em crimes ambientais, em crimes contra o patrimônio e nas ações terroristas. Foram também identificados alguns casos emblemáticos que tiveram grande repercussão quando ocorreram, mas que não foram suficientemente documentados e suas lições, muitas vezes, esquecidas. Neste sentido, a constatação mais grave é de que os registros dessa forma de violência não estão sistematizados e muito menos contabilizados da forma como deveriam. Há várias instituições que lidam diretamente com o problema, principalmente as instituições policiais, mas não há uma comunicação adequada sobre os dados registrados, muito embora ocorram várias ações conjuntas demonstrando a existência de integração operacional. Impressiona a variedade de exemplos para os mais diversos tipos de utilização ilícita dos explosivos. Desde os simulacros ou ameaças falsas, até os perigosos carros-bombas. Da simplicidade à sofisticação, do crime passional ao terrorismo empresarial. Todas essas ocorrências desmitificam de vez qualquer idéia de que o Brasil não possui este problema. Os casos descritos comprovam tal realidade. 121 Por inexistir uma centralização dos importantes registros desses crimes e ainda com raras referências bibliográficas, os mesmos estão fadados a caírem no esquecimento. O resgate dessa história só foi possível graças ao empenho dos técnicos policiais que forneceram muitos dados dos seus próprios arquivos pessoais. Foram identificadas várias fontes de dados, tantos as diretas, como as alternativas. Se o problema existe, tem que existir a responsabilidade para solucioná-lo. Neste caso, é um problema de segurança nacional. As atribuições de cada ente que compõe o sistema foram levantadas, buscando identificar os possíveis pontos de integração. A funcionalidade e utilidade de uma sistematização dos dados sobre o uso ilícito dos explosivos, centralizando todas as ocorrências em um grande banco nacional são enormes. Basta analisar o que já é feito em outros países. Não só os Estados Unidos, tido como alvo preferencial do terrorismo, mas também, países que teoricamente teriam uma preocupação menor, como o a Austrália, o Canadá, Filipinas e outros, só para citar os que possuem acesso pela rede mundial de computadores. A realização da primeira Conferência de Segurança Pública (1ª CONSEG), realizada entre os dias 27 e 30 de agosto de 2009, constitui-se em uma iniciativa fundamental para a democratização do tema e para a busca de instrumentos que possam garantir a efetividade das ações de segurança. No eixo 1 do Texto-base da 1ª CONSEG - Gestão democrática: controle social e externo, integração e federalismo, está escrito o seguinte: I. Partindo dos princípios do federalismo democrático e da premissa de que a política de segurança orienta-se por uma abordagem sistêmica, a idealização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) teve como objetivo, entre outros, incrementar a cooperação intergovernamental em ambiente democrático de negociação e consenso de interesses, metas e objetivos entre os órgãos de segurança pública e entre as esferas de governo. Essa premissa é reforçada pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que busca ainda fortalecer os laços federativos e os comunitários. A mesma política de integração sistêmica dos entes federados e o envolvimento progressivo dos municípios resultaram na criação de Gabinetes de Gestão Integrada (GGIs), como um espaço de interlocução permanente entre instâncias governamentais e instituições, sem afetar as respectivas autonomias e sem qualquer tipo de subordinação funcional ou política, mas com o objetivo de formalizar e consolidar a participação dos governos locais nas políticas públicas de segurança e para uma ação coordenada das instituições de segurança pública. Cabe ainda ressaltar a forte indução do PRONASCI para a constituição dos Gabinetes de Gestão Integrada Municipais de forma a produzir mobilizações comunitárias e policiais em torno da sua execução. Nesse contexto, um dos desafios que se apresenta é a revisão das normas e estruturas hoje existentes referentes à área de segurança pública, tais como Pronasci, Fundo Nacional de Segurança Pública e a própria Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) 81. 81 Texto-base da 1ª CONSEG, disponível em: http://www.conseg.gov.br/index.php?option=com_content&view=category&id=209&Itemid=154 122 Assim, a questão dos explosivos deve ser tratada dentro dos “princípios do federalismo democrático”. A análise quantitativa e posterior estudo das ocorrências permitirão a produção e divulgação de relatórios técnicos dos casos mais relevantes nos meios apropriados, servindo tanto para o conhecimento dos técnicos que lidam com esse problema, como para as investigações, que podem identificar o modus operandis nas diversas regiões do país e assim chegar aos autores. A conclusão que se chega é a necessidade de implantação de um banco de dados sobre bombas e explosivos, modelados de acordo com os anseios dos profissionais que lidam com o problema, e adequado à realidade brasileira, visando sempre o interesse público. Para a concepção e efetiva utilização desse banco, novos estudos precisam ser realizados sobre os mais diferentes aspectos sobre o tema. 123 ANEXO 1 – LEGISLAÇÃO FEDERAL PERTINENTE AO TEMA DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 07 DE DEZEMBRO DE 1940 - CÓDIGO PENAL a) Aplicação da pena - Circunstâncias agravantes: Artigo 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (...) II – ter o agente cometido o crime: (...) d) com o emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; (...) b) Dos Crimes contra a vida – Homicídio qualificado: Artigo 121 – Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. (...) Parágrafo segundo: se o homicídio é cometido: (...) III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; (...) Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. c) Dos crimes contra a liberdade individual – Ameaça: Artigo 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Parágrafo único: somente se procede mediante representação. d) Dano qualificado: Artigo 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Parágrafo único. Se o crime é cometido: (...) II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; (...) Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 124 e) Dos crimes de perigo comum – Incêndio: Artigo 250 – Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º - As penas aumentam-se de um terço: I – se o crime é cometido com o intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio; II – se o incêndio é: a) em casa habitada ou destinada a habitação; b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura; c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo; d) em estação ferroviária ou aeródromo; e) em estaleiro, fábrica ou oficina; f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável; g) em poço petrolífero ou galeria de mineração; h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta. § 2º - Se culposo o incêndio, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. f) Dos crimes de perigo comum – Explosão: Artigo 251 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º - Se a substância não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no Nº II do mesmo parágrafo. § 3º - No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; nos demais casos, é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. g) Dos Crimes de perigo comum – Uso de gás tóxico ou asfixiante: Artigo 252 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou asfixiante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) anos. h) Dos crimes de perigo comum – Fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante: Artigo 253 – Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 125 i) Formas qualificadas de crime de perigo comum: Artigo 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. j) Comunicação falsa de crime ou de contravenção penal: Artigo 340 – Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. DECRETO-LEI N° 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS a) Falso alarma Artigo 41 – Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa. DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969 - CÓDIGO PENAL MILITAR a) Bombas e explosivos como circunstâncias agravantes: Art. 70 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime: (...) II - ter o agente cometido o crime: (...) e) com o emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; (...) b) Homicídio qualificado pelo uso de bombas ou explosivos: Art. 205 - Matar alguém Pena - reclusão, de seis a vinte anos. (...) § 2º - Se o homicídio é cometido: (...) III - com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro 126 meio dissimulado ou cruel, resultar perigo comum; (...) Pena - reclusão, de doze a trinta anos. ou de que possa c) Ameaça de bomba: Art. 223 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de lhe causar mal injusto e grave: Pena - detenção, até seis meses, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. Se a ameaça é motivada por fato referente a serviço de natureza militar, a pena é aumentada de um terço. d) Dano qualificado pelo uso de bombas ou explosivos: Art. 259 - Destruir, inutilizar, deteriorar ou fazer desaparecer coisa alheia: Pena - detenção, até seis meses. Parágrafo único. Se se trata de bem público: Pena - detenção, de seis meses a três anos. Art. 261 - Se o dano é cometido: (...) II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; (...) Pena - reclusão, até quatro anos, além da pena correspondente à violência. e) Bomba incendiária Art. 268 - Causar incêndio em lugar sujeito à administração militar, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a oito anos. § 1º - A pena é agravada: I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária para si ou para outrem; II - se o incêndio é: a) em casa habitada ou destinada a habitação; b) em edifício público ou qualquer construção destinada a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura; c) em navio, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo; d) em estação ferroviária, rodoviária, aeródromo ou construção portuária; e) em estaleiro, fábrica ou oficina; f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável; g) em poço petrolífero ou galeria de mineração; h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta. § 2º - Se culposo o incêndio: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. f) Bomba explosiva Art. 269 - Causar ou tentar causar explosão, em lugar sujeito à administração militar, expondo a perigo a vida, a integridade ou o patrimônio de outrem: 127 Pena - reclusão, até quatro anos. § 1º - Se a substância utilizada é dinamite ou outra de efeitos análogos: Pena - reclusão, de três a oito anos. § 2º - A pena é agravada se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1, número I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no número II do mesmo parágrafo. § 3º - Se a explosão é causada pelo desencadeamento de energia nuclear: Pena - reclusão, de cinco a vinte anos. § 4º - No caso de culpa, se a explosão é causada por dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é detenção, de seis meses a dois anos; se é causada pelo desencadeamento de energia nuclear, detenção de três a dez anos; nos demais casos, detenção de três meses a um ano. g) Bomba tóxica Art. 270 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, em lugar sujeito à administração militar, usando de gás tóxico ou asfixiante ou prejudicial de qualquer modo à incolumidade da pessoa ou da coisa: Pena - reclusão, até cinco anos. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. h) Bomba radioativa Art. 271 - Expor a perigo a vida ou a integridade física de outrem, em lugar sujeito à administração militar, pelo abuso de radiação ionizante ou de substância radioativa: Pena - reclusão, até quatro anos. Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. i) Formas qualificadas pelo resultado Art. 277 - Se do crime doloso de perigo comum resulta, além da vontade do agente, lesão grave, a pena é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. j) Crime de perigo comum em tempo de guerra Art. 386 - Praticar crime de perigo comum definido nos artigos 268 a 276 e 278, na modalidade dolosa: I - se o fato compromete ou pode comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares; II - se o fato é praticado em zona de efetivas operações militares e dele resulta morte: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo. 128 LEI Nº 7.170, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1983 - LEI QUE DISPÕE SOBRE CRIMES CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL a) Sabotagem: Artigo 15 – Provocar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragens, depósitos e outras instalações congêneres: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos. § 1º - Se do fato resulta: a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; b) dano, destruição ou neutralização dos meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro; c) morte, a pena aumenta-se até o triplo. § 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave. b) Terrorismo Artigo 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos. Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990 - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE a) Dos crimes: Artigo 242 – Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou ao adolescente arma, munição ou explosivo: Pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos; Artigo 244 - Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou ao adolescente fogos de estampido ou de artifício, exceto aqueles que, pelo seu reduzido potencial, sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização indevida: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 129 LEI N.º 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990 - LEI QUE DISPÕE SOBRE OS CRIMES HEDIONDOS a) Homicídio qualificado pelo uso de explosivos: Art. 1º - São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V); (...) b) Conseqüências da pratica do terrorismo Art. 2º - Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança. § 1º - A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. § 2º - A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. § 3º - Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. § 4º - A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. LEI Nº 7.565, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1986 - CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA a) Transporte de material perigoso: Art. 21. Salvo com autorização especial de órgão competente, nenhuma aeronave poderá transportar explosivos, munições, arma de fogo, material bélico, equipamento destinado a levantamento aerofotogramétrico ou de prospecção, ou ainda quaisquer outros objetos ou substâncias consideradas perigosas para a segurança pública, da própria aeronave ou de seus ocupantes. Parágrafo único. O porte de aparelhos fotográficos, cinematográficos, eletrônicos ou nucleares, a bordo de aeronave, poderá ser impedido quando a segurança da navegação aérea ou o interesse público assim o exigir. Art. 299. Será aplicada multa de (vetado) ate 1.000 (mil) valores de referência, ou de suspensão ou cassação de quaisquer certificados de matrícula, habilitação, concessão, autorização, permissão ou homologação expedidos segundo as regras deste Código, nos seguintes casos: (...) 130 k) transportar, ciente do conteúdo real, carga ou material perigoso ou proibido, ou em desacordo com as normas que regulam o trânsito de materiais sujeitos a restrições; b) Detenção, Interdição e Apreensão de Aeronave Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos: (...) IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21); V - para averiguação de ilícito. Art. 304. Quando, no caso do item IV, do artigo anterior, for constatada a existência de material proibido, explosivo ou apetrechos de guerra, sem autorização, ou contrariando os termos da que foi outorgada, pondo em risco a segurança pública ou a paz entre as Nações, a autoridade aeronáutica poderá reter o material de que trata este artigo e liberar a aeronave se, por força de lei, não houver necessidade de apreendê-la. § 1° Se a aeronave for estrangeira e a carga não puser em risco a segurança pública ou a paz entre as Nações, poderá a autoridade aeronáutica fazer a aeronave retornar ao país de origem pela rota e prazo determinados, sem a retenção da carga. § 2° Embora estrangeira a aeronave, se a carga puser em risco a segurança pública e a paz entre os povos, poderá a autoridade aeronáutica reter o material bélico e fazer retornar a aeronave na forma do disposto no parágrafo anterior. Art. 307. A autoridade aeronáutica poderá interditar a aeronave, por prazo não superior a 15 (quinze) dias, mediante requisição da autoridade aduaneira, de Polícia ou de saúde. Parágrafo único. A requisição deverá ser motivada, de modo a demonstrar justo receio de que haja lesão grave e de difícil reparação a direitos do Poder Público ou de terceiros; ou que haja perigo à ordem pública, à saúde ou às instituições. LEI 10.744, DE 09 DE OUTUBRO DE 2003 – LEI QUE DISPÕE SOBRE ATENTADOS TERRORISTAS CONTRA AERONAVES DE MATRÍCULA BRASILEIRA a) Assunção pela União de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados terroristas e outros eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público: Art. 1º. Fica a União autorizada, na forma e critérios estabelecidos pelo Poder Executivo, a assumir despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo. §1º O montante global das despesas de responsabilidades civis referidas no caput fica limitado ao equivalente em reais a US$ 1,000,000,000.00 (um bilhão de dólares dos Estados Unidos da América) para o total dos eventos contra aeronaves de 131 matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo. §2º As despesas de responsabilidades civis perante terceiros, na hipótese da ocorrência de danos a pessoas de que trata o caput deste artigo, estão limitadas exclusivamente à reparação de danos corporais, doenças, morte ou invalidez sofridos em decorrência dos atos referidos no caput deste artigo, excetuados, dentre outros, os danos morais, ofensa à honra, ao afeto, à liberdade, à profissão, ao respeito aos mortos, à psique, à saúde, ao nome, ao crédito e ao bem-estar, sem necessidade da ocorrência de prejuízo econômico. §3º Entende-se por atos de guerra qualquer guerra, invasão, atos inimigos estrangeiros, hostilidades com ou sem guerra declarada, guerra civil, rebelião, revolução, insurreição, lei marcial, poder militar ou usurpado ou tentativas para usurpação do poder. §4º Entende-se por ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional. §5º Os eventos correlatos, a que se refere o caput deste artigo, incluem greves, tumultos, comoções civis, distúrbios trabalhistas, ato malicioso, ato de sabotagem, confisco, nacionalização, apreensão, sujeição, detenção, apropriação, seqüestro ou qualquer apreensão ilegal ou exercício indevido de controle da aeronave ou da tripulação em vôo por parte de qualquer pessoa ou pessoas a bordo da aeronave sem consentimento do explorador. 132 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Mirian; RUA, Maria das Graças. 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