Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Goldsworthy, Graeme Introdução à teologia bíblica: o desenvolvimento do evangelho em toda a Escritura / Graeme Goldsworthy; tradução de Daniel Hubert Kroker. — São Paulo: Vida Nova, 2018. 272 p. ISBN 978-85-275-0836-0 Título original: According to plan : the unfolding revelation of God in the Bible 1. Bíblia - Teologia I. Título II. Kroker, Daniel 18-0776 CDD 230.041 Índices para catálogo sistemático: 1. Bíblia - Teologia ©1991, de Graeme Goldsworth Título do original: According to plan: the unfolding revelation of God in the Bible, edição publicada por INTER-VARSITY PRESS (Nottingham, Nottinghamshire, Reino Unido). Todos os direitos em língua portuguesa reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020 vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br 1.a edição: 2018 Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em citações breves, com indicação da fonte. Impresso no Brasil / Printed in Brazil Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram extraídas da Almeida Século 21. As citações bíblicas com indicação da versão in loco foram traduzidas diretamente da Revised Standard Version (RSV) ou extraídas da Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Almeida Revista e Corrigida (ARC) e da Nova Versão Internacional (NVI). DIREÇÃO EXECUTIVA Kenneth Lee Davis GERÊNCIA EDITORIAL Fabiano Silveira Medeiros EDIÇÃO DE TEXTO Lenita Ananias Fernando Mauro S. Pires PREPARAÇÃO DE TEXTO Virginia Neumann Marcia B. Medeiros REVISÃO DE PROVAS Gustavo N. Bonifácio GERÊNCIA DE PRODUÇÃO Sérgio Siqueira Moura DIAGRAMAÇÃO Claudia Fatel Lino CAPA Lico Rolim Sumário Apresentação Prefácio Introdução: como usar este livro PRIMEIRA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — POR QUÊ? 1. A sanguessuga tem duas filhas SEGUNDA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — COMO? 2. Deus se dá a conhecer 3. Mas como podemos conhecer? 4. Cristo o tornou conhecido 5. E nós o conhecemos por meio das Escrituras 6. A Bíblia é a palavra divina e humana 7. Começamos e terminamos com Cristo TERCEIRA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — O QUÊ? 8. Eu sou o Primeiro e o Último 9. Criação pela Palavra 10. A Queda 11. A primeira revelação da redenção 12. Abraão, nosso pai 13. Êxodo: modelo da redenção 14. Nova vida: dádiva e dever 15. A tentação no deserto 16. Na boa terra 17. O governo de Deus na terra de Deus 18. A vida de fé 19. A sombra que se desvanece 20. Uma nova criação 21. O segundo êxodo 22. A nova criação para nós 23. A nova criação iniciada em nós 24. A nova criação em nós agora 25. A nova criação consumada QUARTA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — ONDE? 26. Conhecendo a vontade de Deus 27. Vida após a morte Índice de passagens bíblicas Índice remissivo Apresentação O leitor tem em mãos a obra mais importante de Graeme Goldsworthy e, em minha avaliação, uma das melhores introduções à teologia bíblica disponíveis na atualidade. A abordagem de estudo da teologia bíblica adotada por Goldsworthy segue o método sintético. Em outras palavras, o autor segue um tema teológico básico (Mittelpunkt) que percorre todas as partes do Antigo e do Novo Testamento para acompanhar seu desenvolvimento através da Escritura. O objetivo desse método é a compreensão de um tema único (neste caso, o evangelho, consubstanciado no Reino de Deus) para explicar o conteúdo da Escritura. Esta obra é assim escrita com base na convicção de que “aprender a compreender a unidade da Bíblia, a sua mensagem única e integral de Gênesis a Apocalipse, é necessário para o entendimento correto do significado de qualquer texto isolado”. Assim, o autor foge da tendência de tratar um dos Testamentos isoladamente e oferece ao estudioso uma teologia bíblica que aborda o ensino das Escrituras por meio de um excelente resumo da história dos atos redentores e poderosos de Deus registrados progressivamente na narrativa bíblica. Ao fazer essa síntese, deve-se apreciar como o autor mantém o foco, de forma vigorosa, em Jesus Cristo como o ponto culminante da história da redenção. Isso pode parecer óbvio, mas é de extrema importância, uma vez que os diferentes métodos e as complexidades da teologia bíblica muitas vezes podem levar o estudante desavisado para longe da cruz e da morte expiatória de nosso Senhor, desviando sua atenção para questões interessantes, mas meramente periféricas. De modo magistral, Goldsworthy chama o leitor de volta para Jesus Cristo e luta para mostrar como o Antigo e o Novo Testamento se encaixam na Pessoa e na obra de Jesus. Com base nessa premissa, o autor responde a perguntas fundamentais, como: “Qual é o objetivo da teologia bíblica? Como podemos fazer uma teologia bíblica e ter certeza de estarmos lidando com a verdade? E qual é a relação entre o Antigo e o Novo Testamento?”. Esta obra é, então, uma apresentação da mensagem da revelação de Deus em toda a Escritura, o que Goldsworthy faz com precisão ao reconstituir os movimentos da aliança graciosa de Deus, estabelecida na Criação, passando por Abraão, Davi e culminando em Jesus Cristo e na igreja. A apresentação de conceitos como tipo e antítipo, promessa e cumprimento, redenção realizada e aplicada dará, para muitos, a impressão de estarem lendo a Bíblia pela primeira vez. Só posso recomendar este livro enfaticamente a todos os interessados em um estudo mais aprofundado das Escrituras, especialmente a pastores e presbíteros que precisam pregar e ensinar a Bíblia domingo após domingo. Com a bênção de Deus, esta obra também servirá igrejas, seminários e escolas teológicas como um livro introdutório vital para a disciplina de teologia bíblica. FRANKLIN FERREIRA, pastor da Igreja da Trindade, em São José dos Campos, e diretor e professor de Teologia Sistemática e História da Igreja no Seminário Martin Bucer, na mesma cidade Prefácio Algum tempo atrás, um colega insistiu comigo para que eu escrevesse uma teologia bíblica para os cristãos comuns. Nós dois temos consciência de que ao longo do século 20 foram produzidas muitas teologias do Antigo ou do Novo Testamento, mas em geral limitadas em um dos aspectos a seguir, quando não em ambos. O mais crítico deles é a falha de tantos autores em deixar a Bíblia falar com autoridade em seus próprios termos; o outro aspecto consiste no tratamento de cada um dos Testamentos em si mesmo, de modo que é difícil encontrar alguma obra que trate da teologia da Bíblia no seu conjunto. Mesmo as obras escritas da perspectiva do cristianismo evangélico são quase sempre produzidas em um nível não adequado para os cristãos sem formação teológica convencional. Nesta obra, procurei fazer três coisas. Em primeiro lugar, apresentar ao leitor uma teologia integrada de toda a Bíblia. Em segundo, redigir essa apresentação introdutória reconhecendo totalmente a inspiração e a autoridade plenas da Bíblia como a Palavra de Deus. Em terceiro, escrever para os cristãos comuns sem tecnicidades desnecessárias. Por trás desse empenho, está a convicção de que aprender a compreender a unidade da Bíblia, a sua mensagem única e integral de Gênesis a Apocalipse, é necessário para o entendimento correto do significado de qualquer texto isolado. Em meu primeiro livro, Gospel and kingdom (Exeter: Paternoster, 1981), o objetivo era prover uma abordagem cristã básica para entender o Antigo Testamento usando o método da teologia bíblica. Em meus livros posteriores, The gospel in Revelation (Exeter: Paternoster, 1984) e Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster, 1987), esse método foi aplicado para mostrar a relação do livro de Apocalipse e da literatura de sabedoria do Antigo Testamento com o evangelho de Jesus Cristo.1 Em Introdução à teologia bíblica, prossegui do mesmo ponto de partida do evangelho como o meio de esclarecer a mensagem de toda a Bíblia. Tenho profunda convicção de que todas as partes da Bíblia recebem o seu significado mais pleno na obra salvadora de Cristo, que restaura a criação pecadora e caída e faz novas todas as coisas. GRAEME GOLDSWORTHY 1 Edição em português: Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria, tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo: Shedd, 2016). Introdução: como usar este livro Este manual foi escrito para leitores que não tiveram nenhuma educação teológica formal. Mesmo que seu nível de conhecimento até agora seja muito básico, se você tiver desejo de conhecer as Escrituras, este livro foi concebido para auxiliá-lo. É claro que, se você frequentou um seminário bíblico ou uma faculdade teológica, ele ainda pode lhe ser proveitoso. Acredito que muitos pregadores, ministros, mestres das Escrituras, líderes de jovens, entre outros, venham a se beneficiar com o estudo dos elementos fundamentais da teologia bíblica. Desse modo, este trabalho é um manual para iniciantes no sentido de que procurei apresentar o tema sem pressupor muito conhecimento prévio. Presumo, no entanto, que você seja um crente em Jesus Cristo e tenha algum entendimento elementar do que a Bíblia trata. Também é um guia para iniciantes porque restringi a análise aos princípios essenciais da mensagem bíblica. Com capítulos curtos e uso frequente de diagramas e de quadros com declarações resumidas, espero conduzir mesmo o leitor mais receoso, passo a passo, pelos caminhos da teologia bíblica. QUATRO PARTES A parte principal do livro é a terceira, que delineia o conteúdo da teologia bíblica. Escrevi as outras três partes a fim de tornar o livro mais completo para o uso prático. As partes são as seguintes: Primeira parte: Teologia bíblica — POR QUÊ? Comece a sua leitura pelo capítulo 1. A teologia bíblica não é um exercício acadêmico, mas uma parte essencial do entendimento da Bíblia. O objetivo desse capítulo é propor algumas situações práticas e alguns problemas de compreensão e aplicação da Bíblia que requerem conhecimento de teologia bíblica. Segunda parte: Teologia bíblica — COMO? Em seguida, leia os capítulos 2 a 7, mas somente se você achar que está pronto para refletir sobre questões de natureza mais teórica. Contudo, não será tão fácil adiar essa leitura, porque, de todo modo, você vai precisar ler essa seção em algum momento. Nela a preocupação é saber como podemos fazer teologia bíblica e ter certeza de que estamos lidando com a verdade. Talvez você sempre tenha partido do princípio de que a Bíblia é a Palavra de Deus e que sua mensagem essencial é clara. Mas você consegue apresentar um motivo para esse pressuposto? O que determina o método da teologia bíblica? Pessoas diferentes usaram métodos diferentes e, para muitos cristãos, é mais fácil ignorar completamente a questão do método. É importante ter cuidado com aquilo que consideramos óbvio e identificar os nossos pressupostos. Porém, se tudo isso parece muito difícil, sugiro que você leia essa seção depois de ter lido a terceira parte. Terceira parte: Teologia bíblica — O QUÊ? Leia os capítulos 8 a 25 ainda que não leia nada mais do livro, pois essa parte é o seu cerne. Lembre-se de que esta obra não é um estudo exaustivo de todos os temas e materiais encontrados na Bíblia. Se alguns de seus personagens ou acontecimentos preferidos da Bíblia não foram mencionados, talvez você descubra que eles não são tão centrais na mensagem bíblica como você pensava ou que eles não acrescentam nenhum conceito teológico aos já tratados. Por certo, não é possível tratar de todas as partes da Bíblia, mas procurei incluir os temas mais importantes da revelação. Quarta parte: Teologia bíblica — ONDE? A quarta parte se restringiu ao mínimo indispensável tendo em vista a brevidade. Eu não queria que um manual para iniciantes fosse longo a ponto de desanimá-los de o adquirir e ler. A aplicação prática da teologia bíblica na investigação de temas vitais para nossa vida cristã precisa de um livro à parte. Contudo, no intuito de mostrar que tipos de questões podem ser pesquisadas com proveito por meio da abordagem da teologia bíblica, incluí alguns esboços que você mesmo pode estudar mais detalhadamente. O importante é adquirir segurança na aplicação da teologia bíblica em relação às questões que de fato lhe dizem respeito. IMPACTO VISUAL Com o objetivo de ajudar você a assimilar os conteúdos do livro, usei subdivisões de capítulos, resumos e diagramas. Na segunda parte do livro, cada capítulo começa com um resumo do assunto discutido. Esse recurso lhe possibilita ter uma noção prévia do assunto tratado e, então, depois da leitura do capítulo, permite que você reveja o conteúdo estudado. Leia esses resumos atentamente para ter a ideia geral, depois vá para a análise mais detalhada no corpo do capítulo. Na terceira parte, cada capítulo começa com um breve resumo da história bíblica relevante para o que será estudado, seguido de referências aos livros da Bíblia envolvidos. Nessa seção, cada capítulo é encabeçado também por uma seleção de textos bíblicos. Preste bastante atenção a esses textos. Todos foram extraídos do Novo Testamento e ligam o tema do capítulo à pessoa e à obra de Cristo. Eles nos lembram de como os Evangelhos interpretam toda a Bíblia. As subdivisões de cada capítulo se encontram abaixo dos subtítulos. Meu alvo foi estabelecer uma progressão lógica das ideias indicadas nos subtítulos. A maioria das subdivisões termina com um breve resumo de suas principais ideias. O final de cada capítulo da terceira parte contém cinco elementos 1.principais: O cabeçalho resume o tema do capítulo como parte da mensagem total da Bíblia, que vai da Criação à nova criação. REGENERAÇÃO DE UMA NAÇÃO 2. Um breve resumo do capítulo dirige a atenção para a ideia do reino de Deus como um tema central e unificador da Bíblia. Um diagrama mostra como o tema do reino é construído progressivamente, em estágios, à medida que caminhamos através da história bíblica. Os três elementos do reino são representados: (1) Deus, como o Senhor governante, (2) o seu povo e (3) a ordem criada, em que Deus e o seu povo se relacionam. Com isso conseguimos perceber de imediato como determinado estágio da história bíblica revela a natureza do reino. RESUMO A rebeldia da humanidade contra Deus resulta na Queda de toda a ordem criada de seu lugar no reino de Deus. 3. São listados os temas principais do capítulo. Esses temas são as peças fundamentais da teologia bíblica, que mostram a tessitura da revelação. Com o tempo, você deve ter por objetivo familiarizar-se com esses conceitos e com o modo que eles estão entrelaçados na narrativa bíblica. TEMAS PRINCIPAIS Soberania de Deus Criação ex nihilo (do nada) pela palavra de Deus Ordem e boa qualidade da criação Imagem de Deus no homem Algumas palavras-chave são fornecidas como guia para o 4. vocabulário técnico da teologia bíblica. Essas palavras foram apresentadas no capítulo. Se você achar que não consegue reconhecer nenhuma delas, talvez seja preciso fazer uma segunda leitura. Uma pesquisa aprofundada pode ser feita com o uso de uma boa concordância bíblica e de outras obras de referência, como um dicionário bíblico ou um dicionário teológico. ALGUMAS PALAVRAS-CHAVE Criação/geração Soberania Imagem Reino 5. Por fim, damos uma breve previsão do que vem adiante. Essa importante seção nos lembra de que nenhum tema bíblico importante pode ser examinado sozinho, sem ligação com seu propósito ou cumprimento em Cristo. É um esboço do desenvolvimento dos principais temas e conceitos bíblicos do Antigo ao Novo Testamento. O CAMINHO ADIANTE Adão — Último Adão, 1Coríntios 15.45 Criação — nova criação, 2Coríntios 5.17 Céus e terra — novos céus e nova terra, Isaías 65.17; 2Pedro 3.13; Apocalipse 21.1 SUGESTÕES DE ESTUDO No final de cada capítulo, é você quem decide o que fará. Os guias de estudo propõem perguntas e definem tarefas para incentivá-lo a recapitular o material. Um manual para iniciantes não pode ser lido como um romance se o leitor quiser extrair o melhor dele. Você precisa refletir sobre o que leu e aplicar os conceitos. Recomendo dois livros para sua leitura se você desejar construir sobre o conteúdo deste livro. O primeiro livro é o meu Gospel and kingdom,1 que oferece uma visão geral do tema: reino. O segundo é Biblical theology, de Geerhardus Vos,2 cujo estudo atento lhe trará uma rica recompensa. No final dos capítulos, há outras sugestões de leituras relacionadas. NOTAS Para manter o formato simples, evitei notas de rodapé. No entanto, algumas circunstâncias exigem notas explicativas ou de reconhecimento de fontes. Agora continue lendo, mas, por favor, observe que no tocante à palavra homem estou ciente dos problemas ligados ao seu uso no sentido genérico e inclusivo para significar “humanidade”. Por isso, usei sinônimos (como, por exemplo, humanidade), mas em alguns contextos o sinônimo pode ser um pouco inconveniente. Logo, mantive um uso limitado do termo genérico homem. REDUÇÕES GRÁFICAS Utilizadas na seção “Leitura complementar” BT GK IBD KG TNTC TOTC ZPEB VOS, Geerhardus. Biblical theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948). ______. Teologia bíblica. Tradução de Alberto Almeida de Paula (São Paulo: Cultura Cristã, 2010). Tradução de: Biblical theology. GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and kingdom (Exeter: Paternoster, 1981). ______. “O evangelho e o reino”. In: GOLDSWORTHY, Graeme. Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and kingdom; The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom. ILLUSTRATED Bible dictionary (Leicester: Inter-Varsity, 1980). BRIGHT, John. The kingdom of God (Nashville: Abingdon, 1953). TYNDALE New Testament Commentaries. TYNDALE Old Testament Commentaries. ZONDERVAN pictorial encyclopedia of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1975). 5 vols. Utilizadas nas referências bíblicas Antigo Testamento Gn Gênesis Êx Êxodo Lv Levítico Nm Números Js Dt Deuteronômio Josué Jz Juízes Rt Rute 1Sm 1Samuel 2Sm 2Samuel 1Rs 1Reis 2Rs 2Reis 1Cr 1Crônicas 2Cr 2Crônicas Ed Esdras Ne Neemias Et Ester Jó Jó Sl Salmos Pv Provérbios Ec Eclesiastes Is Ct Cântico dos Cânticos Isaías Jr Jeremias Lm Lamentações Ez Ezequiel Dn Daniel Os Oseias Jl Joel Am Amós Ob Obadias Jn Jonas Mq Miqueias Na Hc Sf Ag Zc Ml Naum Habacuque Sofonias Ageu Zacarias Malaquias Novo Testamento Mt Mateus Mc Marcos Lc Lucas Jo João At Atos Rm Romanos 1Co 1Coríntios 2Co 2Coríntios Gl Gálatas Ef Efésios Fp Filipenses Cl Colossenses 1Tm 2Ts 1Ts 1Tessalonicenses 2Tessalonicenses 1Timóteo 2Tm 2Timóteo Tt Tito Fm Filemom Hb Hebreus Tg Tiago 1Pe 1Pedro 2Pe 2Pedro 1Jo 1João 2Jo 2João 3Jo 3João Jd Judas Ap Apocalipse 1 Edição em português: “O evangelho e o reino”, in: GOLDSWORTHY, Graeme. Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria, tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo: Shedd, 2016). 2 Grand Rapids: Eerdmans, 1948 [edição em português: Teologia bíblica: Antigo e Novo Testamentos, tradução de Alberto Almeida de Paula (São Paulo: Cultura Cristã, 2010)]. PRIMEIRA PARTE TEOLOGIA BÍBLICA — POR QUÊ? Nesta primeira parte, respondemos à pergunta “Por que os cristãos deveriam se interessar por teologia bíblica?”. Examinamos diversos problemas que podemos encontrar quando lemos a Bíblia e sugerimos modos pelos quais a teologia bíblica pode nos ajudar ao lidarmos com esses problemas. A sanguessuga tem duas filhas Quem de nós não acha pelo menos algumas partes da Bíblia difíceis de entender? É cômodo ignorar os problemas permanecendo nos caminhos bastante trilhados de passagens bem conhecidas. Porém, quando começamos a levar a sério que a Bíblia inteira é a Palavra de Deus, inevitavelmente deparamos com as dificuldades. É nesse ponto que precisamos que a teologia bíblica nos ensine como ler e entender a Bíblia. O que determinada passagem problemática significa? Como posso contar uma história bíblica de modo que ela nos fale como a Palavra de Deus? Como o Antigo Testamento se aplica à sua e à minha vida? O que significa interpretar a Bíblia? Essas são algumas perguntas às quais a teologia bíblica vai nos ajudar a responder. A LUTA DOS QUE CREEM NA BÍBLIA Não há nada como perceber que uma coisa é um problema real para nós para ficarmos motivados a ler sobre ela. Se o médico lhe disser que provavelmente você vai morrer de ataque cardíaco caso não faça algo para mudar seus hábitos alimentares e estilo de vida, é bem provável que você comece a se informar sobre doenças cardíacas, exercícios físicos e dieta. É também provável que você considere uma atitude sábia obter as informações corretas antes de se comprometer a comprar um carro novo ou fazer uma viagem pelo mundo. Quando você compra algum equipamento eletrônico caro, em geral sente a necessidade de ler o manual atentamente. Você lê as instruções a fim de não causar nenhum dano ao equipamento, bem como para obter os melhores resultados de seu investimento. Às vezes, ao lermos a Bíblia, encontramos informações que são um problema para nós. Pode ser algo que parece muito incoerente com verdades fundamentais encontradas em outras partes da Bíblia, ou pode ser o caso de uma passagem que não faz nenhum sentido para nós. Diante disso, algumas pessoas podem simplesmente dar de ombros e voltar às passagens conhecidas da Bíblia que aparentemente não oferecem nenhum problema. Mas o cristão seriamente interessado em descobrir o que a Palavra de Deus diz não se contentará em tomar essa saída fácil. Espero que você esteja entre os que preferem se esforçar um pouco a fim de obter melhor entendimento da Bíblia por completo. Nesse estágio, você pode perguntar “O que é teologia bíblica?” e “Por que preciso dela?”. Como cristãos, queremos saber se a nossa fé e o nosso compromisso com Cristo têm um fundamento sólido. Queremos saber a verdade sobre a eternidade e sobre o aqui e agora. No que devemos crer e por quê? Como devemos viver e por qual razão? Quais são os meios de saber as respostas a essas perguntas? A maioria dos cristãos reconhece a Bíblia como a fonte primária de nosso conhecimento da verdade. Como, então, há visões tão diferentes, até visões opostas, sobre alguns assuntos importantes para nós? Algumas diferenças nascem de entendimentos divergentes a respeito da autoridade da Bíblia. Se a Bíblia pode ser interpretada corretamente apenas por uma igreja investida de autoridade, então ela fica sujeita a um corpo de tradição e ensino eclesiásticos. Se a Bíblia realmente contém uma mescla de verdade e erro, então a base para identificar o que nela é verdadeiro passa a ser uma autoridade mais elevada do que a própria Bíblia. Quando os cristãos concordam que a Bíblia é a autoridade suprema, as diferenças costumam surgir no nível de querer saber o que o texto bíblico de fato diz e como ele deve ser interpretado. Um adventista do sétimo dia que gosta de uma boa discussão se aproxima de um jovem pároco anglicano em uma estação ferroviária e pergunta: “Com licença, que dia é o Sabbath?”. Sem hesitação, o anglicano responde: “Sábado”, o que surpreende o adventista, pois ele esperava que a resposta do anglicano fosse “domingo”. Então ele acena com a cabeça e continua seu caminho. Os dois falam com base na aceitação da Bíblia como a autoridade final. A pergunta sobre por que os dois divergem acerca de em qual dia os cristãos devem ir à igreja não surge na conversa. Se ela fosse discutida, sem dúvida exemplificaria o problema de como interpretar a Bíblia. Organiza-se um fórum de discussão sobre o assunto falar em línguas. Um ministro da Igreja de Cristo e um anglicano têm a mesma posição contra dois ministros pentecostais. Entre eles, não há questão alguma a respeito da autoridade suprema da Bíblia. Apesar disso, sobre o tema da obra do Espírito Santo, manifestamse diferenças muito grandes de compreensão. Cada um considera a sua posição coerente com o ensino geral da Bíblia como a Palavra de Deus. E nesse mesmo sentido outros exemplos podem ser dados. Cristãos com as mesmas convicções ou com convicções muito semelhantes sobre a Bíblia discordam a respeito do que a Bíblia ensina sobre o batismo, a predestinação ou a segunda vinda de Cristo. Os cristãos “crentes na Bíblia” levam isso muito a sério. A verdade importa, e é preciso defender aquilo em que se acredita ser verdade. Decidir ser bíblico, crer e agir de acordo com o que a Bíblia ensina, não resolve todos os nossos problemas. Nossas perguntas sobre o que a Bíblia diz, como diz e o que isso deve significar para nós jamais terminam. Não estou querendo dar a entender que todas as diferenças nas convicções denominacionais serão resolvidas pela teologia bíblica. Antes, estou querendo dizer que qualquer cristão que deseja entender as razões das diferenças e queira criar um método sólido de abordar o texto bíblico, a fim de descobrir o que ele realmente diz e significa, precisa de conhecimento de teologia bíblica. O significado da Bíblia não é estabelecido puramente com base entendimento de sua inspiração e autoridade. em nosso PASSAGENS PROBLEMÁTICAS Se eu disser: “A Bíblia inteira é a Palavra de Deus para mim”, como posso saber o que Deus está me dizendo em uma determinada passagem? De que modo a mensagem de um profeta a um israelita antigo é uma mensagem para mim? Como a narrativa de um acontecimento passado influencia a minha existência hoje? E isso é somente o início de nossas dificuldades. Na Bíblia, há muitas passagens difíceis e muitas cujo significado parece não ter sentido nem coerência em relação ao que acreditamos que a Bíblia ensina em outras partes. Algumas são bem claras quanto a seu verdadeiro significado, mas não fazem sentido como Palavra de Deus para pessoas da atualidade. Vamos observar alguns problemas típicos. Você se lembra do adventista e do anglicano? Se a discussão tivesse prosseguido, o texto a seguir provavelmente teria sido levado em consideração: Lembra-te do dia de sábado, para o santificar (Êx 20.8). À primeira vista, o sentido de “sábado” parece bem claro. Não haveria controvérsia alguma a respeito do que era o dia de sábado para Israel, e a Bíblia dá uma boa quantidade de informações a respeito do que significava santificá-lo no antigo Israel. A controvérsia diz respeito ao que ele significa para nós hoje. Uma mensagem semelhante da mesma parte da Bíblia apresentaria um tipo de problema diferente para a discussão de nossos dois cristãos: … Não cozinhem o cabrito no leite da própria mãe (Êx 23.19, NVI). E há ainda aquelas passagens que empregam figuras de linguagem ou metáforas difíceis de entender enquanto não adquirimos conhecimento de seu contexto histórico-cultural: … Dã é filhote de leão, que salta de Basã (Dt 33.22). … o teu nariz é como a torre do Líbano, voltada para Damasco (Ct 7.4). Algumas passagens são difíceis porque são suscetíveis de uma gama de significados e não apresentam nenhum contexto claro que possa nos ajudar: A sanguessuga tem duas filhas, a saber: Dá! Dá!… (Pv 30.15, ARA). Por fim, poderíamos mencionar passagens que parecem apresentar problemas morais, ou passagens que simplesmente nos parecem difíceis de acreditar: Filha da Babilônia, que serás destruída; feliz aquele que te retribuir o mal que fizeste a nós; feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra (Sl 137.8,9). … E o sol parou no meio do céu, e não se apressou a se pôr, quase um dia inteiro (Js 10.13). O SENHOR, porém, endureceu o coração do faraó, e este não deixou ir os israelitas (Êx 10.20). … tudo o que tinha fôlego destruiu totalmente, como ordenara o SENHOR, o Deus de Israel (Js 10.40). Esses textos exemplificam o fato de que parece haver vários tipos de passagens problemáticas na Bíblia. Às vezes, o problema é o que o texto realmente quer dizer e, outras vezes, o problema é discernir sua aplicação pessoal. A natureza da Bíblia é tal que o meio de resolver esses problemas é observar que ela se mantém coesa como um livro com uma só mensagem. A teologia bíblica é, de fato, o estudo da unidade da mensagem da Bíblia. A teologia bíblica fornece o meio de lidar com passagens problemáticas da Bíblia relacionando-as à mensagem única da Bíblia. COMO CONTAR UMA HISTÓRIA BÍBLICA? As histórias bíblicas podem ser contadas com excelente efeito quer para crianças pequenas, quer para uma congregação familiar, quer para uma capela cheia de professores de teologia. A arte de contar histórias requer a habilidade de criar com palavras uma representação dramática, não importa qual seja a origem da história ou sua relação com a verdade. Até as crianças que contam histórias de fantasmas ao redor de uma fogueira ou quando as luzes já se apagaram em uma festa do pijama percebem instintivamente o valor do realismo, do suspense e da surpresa em sua narrativa. As histórias da Bíblia podem ser contadas levando em conta aqueles elementos que lhe infundem a vida da dramatização e o interesse humano, ou podem ser despojadas de toda a vivacidade e encanto. Os cristãos, no entanto, normalmente não contam histórias da Bíblia simplesmente para entretenimento. Nós as consideramos veículos da verdade acerca de Deus e de nós mesmos. Às vezes temos essa visão não porque a verdade nos seja óbvia, mas porque a história em questão faz parte do desenrolar do drama que encontra seu apogeu na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Essas histórias estão principalmente no Antigo Testamento. E se eu, então, contar uma história do Antigo Testamento com todas as habilidades narrativas que eu for capaz de reunir? Isso é tudo? A história se interpreta a si mesma e depois leva as pessoas a agirem de acordo com a verdade? Em geral, queremos fazer algum tipo de aplicação para o ouvinte de modo que, no momento em que ouve a narração, ele identifique o que aconteceu nos tempos antigos como a palavra de Deus. Não é suficiente dizer que reconhecemos que se trata da palavra de Deus para nós porque está na Bíblia. Será que o significado de Josué conquistar Jericó é evidente para nós? Tendo em vista que não nos encontramos hoje na situação de atacar cidades, talvez identifiquemos uma lição muito geral e bem suave sobre confiança e obediência às ordens de Deus. Nesse caso, as narrativas bíblicas seriam em geral ilustrações de fé ou incredulidade? Em algum momento, a importância da narrativa bíblica para o leitor ou ouvinte precisará ser levada em conta se quisermos refletir sobre ela como parte da palavra de Deus para nós. A teologia bíblica é um meio de examinar um acontecimento específico em relação ao quadro completo. Esse quadro completo nos inclui, no ponto em que estamos agora, entre a ascensão de Jesus e a sua volta no fim dos tempos. A teologia bíblica nos habilita a enxergar a nós mesmos em relação aos acontecimentos remotos das narrativas da Bíblia. Descobrir a nossa relação com determinado acontecimento é descobrir o significado dele para nós. A teologia bíblica nos capacita a relacionar qualquer história bíblica com a mensagem inteira da Bíblia e, portanto, com nós mesmos. O QUE DIZER DO ANTIGO TESTAMENTO? O Antigo Testamento é mais do que tão somente uma grande coleção de histórias, embora a narrativa histórica seja a estrutura em que tudo o mais se enquadra. Os cristãos encontram inúmeros problemas ao ler o Antigo Testamento, mas mencionarei apenas alguns. Em primeiro lugar, o Antigo Testamento é pré-cristão e nunca menciona as particularidades da fé cristã. O povo de Israel não é cristão e não se pode dizer que essas pessoas viviam uma vida “cristã”. Em segundo lugar, o Antigo Testamento contém uma série de instruções e ordens que nós como cristãos não observamos. Isso é ressaltado no fato de muitos cristãos fazerem uma distinção entre uma lei ritual de Israel, que não se aplica mais a nós, e uma lei moral, cuja vigência ainda é reconhecida. O problema surge com um mandamento como, por exemplo, o que exige a observância do sábado, o qual alguns descartam como ritual, enquanto outros consideram uma lei moral. Em terceiro lugar, a visão profética da obra salvadora definitiva de Deus não faz nenhuma referência específica a Jesus Cristo e é voltada, em vez disso, para o destino da nação de Israel. O reino de Deus se concentra no templo restaurado em uma Jerusalém reconstruída, onde serão reunidos todos os israelitas anteriormente dispersos. Além disso, os profetas não tratam da questão da vida após a morte nem do problema dos fiéis que já tiverem morrido quando o reino de Deus chegar. Em quarto lugar, se o Antigo Testamento é de algum modo uma preparação para o Novo Testamento, como a maioria dos cristãos entende, por que a religião de um é tão diferente da do outro? O fato de a leitura do Antigo Testamento nas igrejas ser, ao que parece, uma prática à beira da extinção só indica que as pessoas percebem algum problema com ele. É fácil dizer que as formas da religião do Antigo Testamento são sombras da religião do Novo Testamento e que elas são realizadas por este. Como uma proposição em si, isso pode ser dito para defender a rejeição do Antigo Testamento de uma vez por todas. No entanto, há algo no próprio Novo Testamento, bem como nas antigas tradições da igreja, que nos impede de fazer isso. O Antigo Testamento continua sendo reconhecido como Escrituras cristãs válidas e, como tal, requer interpretação. A teologia bíblica examina o desenvolvimento da história bíblica, do Antigo Testamento para o Novo, e busca descobrir as interrelações entre as duas partes. Profecia, lei, narrativa, provérbios de sabedoria e visão apocalíptica estão todos relacionados à vinda de Jesus Cristo de algum modo identificável. A teologia bíblica é uma abordagem metódica que visa a mostrar essas relações a fim de que se compreenda o Antigo Testamento como Escrituras cristãs. A teologia bíblica mostra a relação de todas as partes do Antigo Testamento com a pessoa e a obra de Jesus Cristo e, portanto, com o cristão. VISÃO PANORÂMICA Quando se está próximo do solo, é quase sempre muito difícil enxergar exatamente onde se está em relação a outros lugares. Algumas árvores, um declive no solo, alguns edifícios ou outros elementos naturais ou artificiais podem impedir nossa orientação correta. É por isso que se constroem plataformas de observação em edifícios altos ou em montanhas, e por isso a fotografia aérea se tornou tão importante na guerra ou na elaboração de mapas em tempos de paz. A visão panorâmica nos permite enxergar os objetos e lugares em relação a outros objetos e lugares. Um mapa é uma representação da vista panorâmica de determinada parte da superfície da terra. Ele reduz uma área grande demais para observarmos diretamente a um modelo suficientemente pequeno para ser visto de uma só vez. Alguns mapas não mostram relações espaciais porque elas não são necessárias. Antes, mostram como partes diferentes funcionam em relação a outras partes ou quais são os seus tamanhos relativos. Os diagramas de circuitos elétricos e o organograma da administração de uma empresa são tipos de mapa, assim como as tabelas e os gráficos que mostram, por exemplo, as importações e as exportações de um país. Também há os mapas descritivos verbais, que não dependem de gráficos nem de digramas, mas, em vez disso, oferecem informações verbais. A teologia bíblica é um mapa verbal da mensagem completa da Bíblia. Neste livro, vamos usar também alguns mapas na forma de diagramas que nos ajudarão a entender como todas as partes da Bíblia se encaixam em um todo coerente. A teologia bíblica pressupõe algum tipo de unidade da Bíblia e que há, de fato, uma mensagem única integrada, e não uma série de temas não relacionados. A teologia bíblica permite mapear a unidade da Bíblia examinando a sua mensagem como um todo. UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO A interpretação da Bíblia nem sempre é uma coisa simples. Alguns não se convencerão disso se a sua atitude for do tipo “Eu sou apenas um simples crente na Bíblia”. Precisamos reconhecer, porém, que as palavras escritas são apenas sinais ou símbolos que têm significado atribuído pelo uso comum. Esses signos representam sons que produzimos com a boca para comunicar sentido às pessoas. Uma palavra pode ter uma série de significados diferentes em situações ou contextos diferentes. De modo semelhante, um grupo de palavras pode ter significados diferentes dependendo de ser entendido literal, metafórica ou simbolicamente. Com as palavras da Bíblia não é diferente, uma vez que elas sempre precisam ser interpretadas em seu próprio contexto. Como um estudo em si, a interpretação é chamada de hermenêutica, um termo derivado de uma palavra grega que significa “interpretar”. A maioria dos comentários sobre o texto bíblico se concentra no significado que o autor ou enunciador original tinha em mente. Mas precisamos ir além disso, considerando também a questão do significado do texto para nós hoje. Uma vez que entendemos o que o autor bíblico estava realmente dizendo, procuramos o seu significado atual para nós. É disso que trata a interpretação. A teologia bíblica é essencial para a hermenêutica. A interpretação correta da Bíblia pressupõe algum tipo de conhecimento bíblico-teológico. A teologia bíblica estabelece a Bíblia como a Palavra de Deus para nós hoje e não como apenas um registro histórico interessante. Hamurabi, rei da antiga Babilônia, é famoso pelo seu código de leis. Assim como qualquer texto, essas leis precisam de interpretação para entendermos o seu significado. Podemos até perguntar como essas leis influenciaram os conceitos modernos de lei, se é que influenciaram, e, portanto, como nos afetaram. Quando, porém, examinamos as leis de Deus dadas a Israel por meio de Moisés, nós as entendemos como parte da revelação total de Deus, que culminou com a vinda de Jesus Cristo. Como cristãos, portanto, estamos mais profundamente interessados em perguntar de que modo as leis de Moisés têm significado para nós hoje. A teologia bíblica nos disponibiliza os meios de avançar para a resposta a essa pergunta. A teologia bíblica provê a base para a interpretação de qualquer parte da Bíblia como a palavra de Deus para nós. GUIA DE ESTUDO 1. Anote alguns problemas que você tem para ler e entender a Bíblia. 2. Faça um registro das passagens difíceis que você encontra em sua leitura da Bíblia. 3. Que lições você acha que podem ser extraídas das histórias de Moisés no meio dos juncos (Êx 2) e de Davi e Golias (1Sm 17)? Teste a si mesmo em relação a outras histórias muito conhecidas. 4. Por que uma visão panorâmica é importante para entender qualquer assunto? SEGUNDA PARTE TEOLOGIA BÍBLICA — COMO? Podemos mesmo conhecer a Deus? Se podemos, que papel a Bíblia deve ter em nossa capacitação para o conhecermos? Nesta parte, tratamos da questão de como é possível conhecer a Deus e quais são as fontes de nosso conhecimento. Como foi sugerido na introdução deste livro, alguns leitores talvez achem melhor passar imediatamente para a análise do conteúdo da teologia bíblica na terceira parte (caps. 8-25), antes de ler esta seção. Contudo, a segunda parte não deve ser considerada um extra opcional, e é melhor que você a leia antes da terceira parte. Deus se dá a conhecer Como podemos realmente conhecer a Deus? A resposta começa por sabermos que Deus nos conhece e se permite ser conhecido por nós. Ele expressou e nos disse o que deseja que conheçamos dele. Nós não só podemos saber sobre ele, mas também podemos conhecê-lo quando ele nos atrai para si e nos torna seus filhos por intermédio de Jesus Cristo. Teologia é a palavra que usamos para nos referir ao que sabemos sobre Deus. Ela pode ser empregada de muitos modos distintos mas relacionados. Não precisa ser algo complicado. Podemos empregar a palavra para designar o conhecimento que todo cristão tem de Deus (Theos = Deus, logos = palavra, conhecimento). A teologia bíblica é um meio de entender a Bíblia no seu todo, a fim de podermos perceber o desenrolar do plano da salvação estágio por estágio. A teologia bíblica se ocupa da mensagem de Deus para nós na forma em que ela realmente assume nas Escrituras. TODO CRISTÃO É UM TEÓLOGO A Bíblia fala que nós conhecemos a Deus e somos conhecidos por Deus. Esses dois fatos importantes fazem parte da teologia que cada um de nós constrói durante toda a nossa vida de cristãos. Alguma vez você já ouviu alguém dizer (sobretudo no meio de uma discussão sobre a Bíblia): “Não sou teólogo, mas…?”. Quando ouço isso, minha resposta é: “Sim, você é! Todo cristão é teólogo, mas alguns são teólogos mais capacitados do que outros”. Todo cristão por definição conhece a Deus, reflete acerca de Deus e faz declarações sobre Deus. Portanto, você é um teólogo. Uma das características de ser cristão é fazer teologia. Isto é, reunimos diferentes aspectos do que entendemos sobre Deus e com isso construímos uma espécie de entendimento coerente de nossa existência como povo redimido de Deus que vive no mundo. Há uma série de diferentes métodos pelos quais podemos fazer teologia. Neste livro quero examinar um desses métodos com o objetivo de ajudar os cristãos comuns a se tornarem teólogos mais capacitados e, por conseguinte, servos mais fiéis de Cristo e de seu reino. Para entendermos melhor o que é a teologia bíblica, vou compará-la com alguns outros métodos de fazer teologia. TEOLOGIA SISTEMÁTICA Esse nome soa como algo que se ensina nas faculdades de teologia e cursos de divindade. E de fato é. Mas também é algo de grande interesse para os cristãos que apenas querem entender melhor o cristianismo. A teologia sistemática tem esse nome porque envolve a organização sistemática de verdades ou doutrinas sob determinados títulos ou tópicos. Às vezes, ela é chamada de dogmática e se refere ao arranjo metódico das doutrinas de determinado entendimento do cristianismo. Sua preocupação é declarar aquilo em que os cristãos creem como um sistema de doutrinas completo, que abrange todos os aspectos de nossa religião. O que acreditamos sobre Deus, a morte de Cristo, a ceia do Senhor ou os ministérios da igreja? A teologia sistemática é uma tentativa de responder à pergunta: “O que é a fé cristã?”. A teologia sistemática está por trás das confissões de fé que algumas denominações formularam em certas épocas críticas de sua história. As igrejas anglicanas têm os Trinta e Nove Artigos da Religião (1562), e as igrejas presbiterianas têm a Confissão de Westminster (1644). Se você quiser encontrar as doutrinas oficiais da Igreja Católica Romana, vai precisar ir aos cânones do Concílio de Trento (1545-1563) e aos decretos do Concílio Vaticano II (19631965). A teologia sistemática pergunta: Em que os cristãos devem crer agora acerca de determinado aspecto do cristianismo? Contribuição da resposta a essa pergunta: a doutrina cristã. TEOLOGIA HISTÓRICA Trata-se do estudo histórico do modo que a teologia tem sido feita na igreja cristã ao longo dos séculos. A teologia histórica examina o surgimento de doutrinas importantes em momentos específicos da história do cristianismo. Ela se interessa pelos conflitos ocorridos, a fim de procurar estabelecer a teologia verdadeira, e pela infiltração dos ensinamentos falsos em várias épocas. Grandes pensadores e movimentos cristãos, credos e concílios, cismas e controvérsias são todos parte da história da doutrina e do pensamento cristão, que é o interesse da teologia histórica. A teologia histórica está estreitamente relacionada com a história da igreja e a teologia sistemática. A teologia histórica pergunta: Em que os cristãos acreditavam em relação à sua fé em determinada época? Contribuição da resposta a essa pergunta: o registro do desenvolvimento da doutrina cristã. TEOLOGIA PASTORAL Como um enfoque específico no campo da teologia, a teologia pastoral é relativamente nova. Ela se ocupa do modo que a Palavra de Deus toca as pessoas, onde elas estão e na condição em que se encontram, quaisquer que sejam estas. Seu interesse é a aplicação prática do evangelho em todos os aspectos da vida dos cristãos. No centro da teologia pastoral está a teologia do ministério, suas formas, seus dons, sua função e autoridade. Ela precisa estabelecer uma compreensão bíblica do homem em geral e da existência cristã em particular. Entre os seus objetivos práticos estão curar, apascentar e promover o crescimento. Os crentes que estão enlutados por causa da morte de um parente, os que sofrem de ansiedade ou depressão, os que não veem motivo para se encontrar regularmente com outros crentes, os que acreditam que o perdão dos pecados nos permite continuar pecando livremente, os que anseiam por uma comunhão mais íntima do que a oferecida por um culto formal ou os crentes que querem aprender como devem orar e tomar decisões são todos o alvo da teologia pastoral. Essa abordagem procura os princípios que devem ser extraídos de nosso conhecimento de Deus e podem ser aplicados de forma válida a cada um desses candidatos ao cuidado pastoral. A teologia pastoral pergunta: Como cristãos devem ministrar uns aos outros a fim de crescerem em maturidade na vida cristã? Contribuição da resposta a essa pergunta: cuidado e crescimento na igreja local. TEOLOGIA BÍBLICA Apesar de termos a Bíblia como a nossa fonte da teologia, é óbvio que ela não a apresenta de modo sistemático. Se pudermos fazer alguma comparação, a Bíblia está mais para uma teologia histórica que traça a história do pensamento teológico do povo de Deus desde o início. Um exame mais atento, porém, mostra que isso é verdade apenas em parte. Há algumas diferenças significativas entre a história na Bíblia e a história do pensamento cristão. A Bíblia afirma ser a própria verdade do próprio Deus. Desse modo, ela contém a história da revelação de Deus à humanidade, e não a história daquilo que as pessoas pensam sobre Deus. Ela consiste em uma ampla variedade de documentos que afirmam seguir o processo pelo qual Deus se revela ao homem e age para salvar um povo para si mesmo. A teologia bíblica está interessada nos atos salvadores de Deus e em sua palavra à medida que ocorrem na história do povo de Deus. Ela segue o progresso da revelação desde a primeira palavra de Deus ao homem até a revelação da glória plena de Cristo. Examina os vários estágios da história bíblica e a relação deles entre si. Com isso, a teologia bíblica provê a base para entendermos como os textos de uma parte da Bíblia se relacionam com todos os outros textos dela. A interpretação correta da Bíblia se assenta nas descobertas da teologia bíblica. A teologia bíblica pergunta: Por qual processo Deus se revelou à humanidade? Contribuição da resposta a essa pergunta: a relação de toda a Bíblia com a nossa vida cristã hoje. Ninguém se engaja em qualquer uma dessas diferentes abordagens da teologia sem levar em consideração algumas das outras. A teologia sistemática faz uso constante da teologia bíblica e da histórica. A teologia pastoral provavelmente se valerá bastante da teologia bíblica e da teologia sistemática. Cada tipo de teologia oferece uma perspectiva diferente sobre a verdade única revelada por Deus. TEOLOGIA EXEGÉTICA A teologia bíblica às vezes é considerada parte de uma disciplina mais ampla chamada de teologia exegética. A exegese é o processo de extrair de um texto o que ele de fato diz em seu contexto original. Para fazer a exegese de qualquer texto, precisamos entender alguma coisa do modo pelo qual as palavras eram empregadas na época em que o texto foi proferido ou escrito pela primeira vez. Também precisamos ter informações sobre o contexto em que elas foram proferidas: os acontecimentos históricos e as verdades reveladas que circundam o texto em questão. A própria exegese envolve uma série de operações distintas. Algumas dessas operações o teólogo leigo terá de deixar para o especialista com formação técnica. Podemos expressar essas operações em forma de perguntas. 1. Qual é o texto? Uma comparação de duas ou três versões em português da mesma referência bíblica nos lembrará de que estamos lidando com traduções de textos antigos, escritos em línguas estrangeiras. Não existe um modo único de traduzir um texto de uma língua para outra. A tradução é tanto arte quanto ciência. Contudo, para traduzirmos, precisamos ter um texto fidedigno no idioma original. Muitos desconhecem que os textos nos quais se baseiam as versões para a nossa língua são, em alguns casos, de linhagem bem obscura. A crítica textual é um recurso necessário por meio do qual os textos mais antigos conhecidos dos documentos bíblicos são comparados, juntamente com várias traduções antigas para outras línguas (chamadas de versões), e a história desses textos é investigada com o propósito de descobrir o texto mais fidedigno do Antigo e do Novo Testamentos. A crítica textual pergunta: Qual é o texto? Contribuição da resposta a essa pergunta: a obtenção do texto mais fidedigno possível do qual podem ser feitas as traduções para nosso idioma. 2. Qual é a fonte do texto? Essa pergunta infelizmente se tornou uma das principais preocupações de muitos pesquisadores da Bíblia que têm abordado as Escrituras com maior ou menor grau de ceticismo acerca de suas origens divinas. Não obstante os aspectos negativos e inaceitáveis desses estudos acadêmicos, muitas das perguntas que eles fazem são legítimas e relevantes. Essa área de estudo se ocupa de perguntas tais como quem escreveu o documento, quando e onde? Também se interessa em saber se a forma bíblica é a original ou se envolveu o uso de tradições anteriores, orais ou escritas. Se foram utilizadas tradições anteriores, como o autor bíblico as reformulou na produção da forma final? Todas essas perguntas podem ser agrupadas no campo da teologia exegética chamado de introdução bíblica. Você encontrará referências a esses assuntos por meio dos seguintes termos técnicos: a. Crítica literária e crítica da fonte: quem escreveu o documento, quando e onde, em que circunstâncias e com que propósito? b. História da tradição: por quais processos as várias tradições escritas e orais vieram a compor o documento bíblico? c. Crítica da forma: como as formas distintas de expressão literária revelam informações das origens, da história e do significado do texto? d. Crítica da redação: como o autor manifestou sua própria criatividade ao reformular tradições mais antigas para servir a seu propósito teológico específico? A introdução bíblica pergunta: Que tipo de documento é esse, de onde ele veio e como, quem o escreveu e com que propósito? Contribuição da resposta a essa pergunta: provisão de dados do ambiente histórico para o significado do texto. 3. Qual é o significado do texto? Nosso interesse neste ponto é sobretudo pelo que o texto significava na época de sua produção; o que significava para o autor ou falante original. As palavras devem ser entendidas em seu contexto próprio. Não devemos atribuir-lhes sentidos atuais, mas, sim, procurar refazer o caminho até as formas de linguagem e de pensamento do autor antigo. O contexto das palavras se constitui não só dos acontecimentos históricos que as cercam, mas também de todos os demais aspectos que as condicionam, relacionados ao acontecimento específico, à língua, à cultura e às próprias pessoas. Uma vez que nosso interesse é pelo significado das palavras (gramática) em seu contexto histórico próprio, designamos esse procedimento de exegese histórico-gramatical. A exegese bíblica pergunta: O que o texto queria comunicar àqueles para quem foi originariamente escrito? Contribuição da resposta a essa pergunta: entendimento do significado pretendido do texto. 4. Como o texto veio a ser reconhecido como singularmente dotado de revelação e autoridade? Nosso interesse no texto bíblico é bem diferente do interesse que podemos ter em qualquer outra coletânea de livros religiosos antigos. Sem dúvida, há quem situe a Bíblia no mesmo nível que a literatura religiosa em geral. Os cristãos, porém, não podem fazer isso. Reconhecemos a Bíblia como uma unidade não somente com base nos temas comuns que a perpassam, mas também porque ela nos fala como a palavra de Deus ao homem. Quando refletimos a respeito do cânon, isto é, a extensão das Escrituras Sagradas, vemo-nos diante da pergunta de como e por que os documentos bíblicos têm de ser distinguidos de todos os outros documentos. Com isso, surge a questão de sua autoridade única. Se esses documentos são inspirados por Deus a fim de comunicarem a sua autorrevelação exatamente da forma que ele pretende, então, eles têm uma autoridade que nenhum outro documento tem. A existência do cânon significa que ele é o texto tal como o temos na Bíblia, e não algum possível texto anterior que tratamos como Escrituras. O estudo da extensão das Escrituras é chamado às vezes de canônica bíblica. A canônica bíblica pergunta: Qual é a extensão do texto e a natureza de sua autoridade? Contribuição da resposta a essa pergunta: reconhecimento da Bíblia inteira como a Palavra de Deus investida de autoridade. A teologia exegética, portanto, abrange uma série de abordagens diferentes do texto bíblico com a finalidade de entendê-lo como parte de um processo vivo dentro da história que resultou na Bíblia finalizada. Seu objetivo é a exegese correta da Bíblia toda a fim de que cada parte do todo seja entendida do modo que foi originariamente pretendido. O último estágio da teologia exegética é a teologia bíblica, que examina o processo, ou progresso, da revelação de Deus à humanidade. A teológica bíblica é, então, puramente descritiva? O fato de os últimos cem anos terem presenciado a produção de tantos estudos teológicos bíblicos diferentes, até mesmo opostos, do Antigo e do Novo Testamentos deve nos fazer refletir. Quem ou o que estabelece os critérios do método para a teologia bíblica? Essas são questões que vamos analisar no próximo capítulo. GUIA DE ESTUDO 1. Quais são alguns dos diferentes métodos de fazer teologia e quais são seus resultados? 2. Como você responderia a alguém que dissesse: “Eu sou apenas um cristão que crê na Bíblia. Não preciso de teologia”? 3. Relacione cada um dos temas a seguir com um dos ramos da teologia tratados nesta seção e explique a sua escolha. a. Batismo cristão b. Versões latinas do Antigo Testamento c. O desenvolvimento da fé em crianças d. A aliança com Abraão e. Dificuldades no texto hebraico de Jó f. A soberania de Deus na salvação g. A doutrina paulina do corpo de Cristo h. Vida após a morte no Antigo Testamento i. Ajudar o moribundo a enfrentar a morte j. A teologia de Isaías a respeito da salvação LEITURA COMPLEMENTAR BROMILEY, G. W. Historical theology: an introduction (Edinburgh: T&T Clark, 1978). p. xxi-xxix. BT. cap. 1. IBD. Verbetes “Texts and versions”, “Biblical criticism”. ZPEB. Verbetes “Biblical criticism”, “Biblical theology”. Mas como podemos conhecer? Há três visões principais de como conhecemos o que é real e verdadeiro. A primeira é que somos completamente independentes de Deus. Segundo essa visão, temos total controle do processo de aquisição de todo o conhecimento. Deus não existe ou, se existir, é irrelevante. Não pode haver, portanto, nenhum conhecimento de Deus, mas apenas o conhecimento do que as pessoas acreditam acerca de Deus. Adquirimos conhecimento somente por meio dos nossos sentidos e da razão, e devemos decidir por nós mesmos o que é verdadeiro. A segunda visão é que somos independentes de Deus apenas em parte. Há uma área da verdade que está além de nossa capacidade de descoberta. Assim, essa área só pode ser conhecida por revelação. O conhecimento proveniente de revelação é simplesmente acrescentado ao conhecimento que adquirimos por nós mesmos, para completar o quadro. A terceira perspectiva, a bíblica, é que Deus criou tudo e, portanto, conhece tudo. Ele também criou a humanidade à sua própria imagem para o conhecermos pelo que foi criado. Todos os fatos, incluindo os relativos a nós mesmos, são fatos a respeito de Deus, visto que ele é o criador de todos os fatos e lhes dá o significado que têm. A confusão começa por causa do pecado. Como pecadores, nós nos recusamos a reconhecer que o universo é de Deus e que somos criaturas dele. Recusamos a interpretação de Deus da realidade e a substituímos por nossa própria interpretação falsa. Com justiça, Deus entrega a humanidade a essa insensatez e, por consequência, não conseguimos mais perceber a verdade sobre Deus, que está em todos os lugares ao redor de nós e em nós. Por sua bondade, porém, e de acordo com o seu plano de salvação, Deus provê uma revelação especial por meio de sua Palavra. Ele também envia o seu Espírito Santo para subjugar as inclinações rebeldes de seu povo, a fim de que este perceba a verdade dessa revelação. Somente por esse meio podemos conhecer verdadeiramente. O CONHECIMENTO É INDEPENDENTE DE DEUS (HUMANISMO SECULAR) A maioria das pessoas pressupõe que, para entendermos o mundo, nós o investigamos com os nossos sentidos e, em seguida, usamos a razão para reunir os fragmentos de informação sobre as coisas e construir um todo com significado. As experiências voltadas para a construção desse quadro podem ser planejadas deliberadamente, como, por exemplo, quando um cientista projeta um experimento e observa os resultados. Ou, no caso de quase todos nós, são as experiências da vida diária. Tomamos emprestadas as experiências das outras pessoas e compartilhamos as nossas. Com isso, construímos uma visão do mundo e de nós mesmos com certas regularidades que fazem da vida algo contínuo e com significado. Hoje é a continuação de ontem; e espero ser amanhã essencialmente a mesma pessoa que sou hoje. Pressuponho que o sol vai nascer e se pôr e que as “leis” da natureza às quais me acostumei ainda continuarão a operar. Esse enfoque do conhecimento do mundo evidentemente funciona até certo ponto. Deixando de lado a questão moral de como a humanidade abusou da posse de conhecimento, não há nenhuma dúvida de que como raça aprendemos muito sobre o mundo e o universo além. Por conseguinte, tivemos grandes avanços no cuidado do corpo humano, na produção de alimento e na tecnologia de transportes e de comunicações. Digo que essa visão funciona até certo ponto porque ela não pode lidar com questões que estejam além do alcance de nossos sentidos, como, por exemplo, a vida após a morte e a existência de Deus. O pressuposto dessa abordagem é que, como seres humanos, estamos no controle de todo o processo de aquisição de conhecimento. Ainda não descobrimos tudo o que há para saber, é claro. Uma vez que pressupomos que a realidade é organizada, reconhecemos que todo fato se relaciona de algum modo com todos os outros. Assim, todos os novos fatos descobertos vão influenciar de algum modo o entendimento dos fatos antigos. Ainda assim, presumimos que, se tivéssemos tempo suficiente e acesso a todas as partes do universo, seríamos capazes de conhecer tudo o que há para ser conhecido. Podemos definir, em termos gerais, essa posição como humanismo ateísta. É ateísta porque afirma ou pressupõe que não existe Deus nenhum que possa se relacionar de algum modo com o nosso mundo real. Essa visão de mundo simplesmente exclui Deus por considerá-lo impossível ou irrelevante. Há aqueles que alegam acreditar em Deus, mas conseguem mantê-lo completamente fora de sua consideração e de sua vida. Estes são ateus na prática, porque pensam e agem como se Deus não existisse. Essa posição é humanista porque considera que o homem é o centro do processo e está no controle de sua situação. Isso não significa que sempre soubemos para onde estamos indo, nem significa que sempre pudemos evitar desastres. Significa que o homem é o único adquirente de conhecimento real e somente ele pode decidir o que é verdadeiro e o que não é. No pensamento popular, o homem é capaz de decidir o que faz sentido e o que não faz. Contudo, um mínimo conhecimento da história da civilização nos mostra que o que outrora foi considerado desarrazoado, e, portanto, impossível, frequentemente se torna lugar-comum do conhecimento humano. O que rege o “razoável” no pensamento humanista não é a ideia de que sabemos tudo agora, mas a hipótese de que a aquisição de conhecimento humana é completamente independente de qualquer auxílio externo ou sobrenatural. O único mundo que existe para ser conhecido é o mundo natural, ao qual nossos sentidos têm acesso. Todas as formas de humanismo partem da enorme suposição de que apenas a mente humana, mais ninguém, é o juiz definitivo do que é verdade e do que não é. Quando alguém apresenta “provas” científicas de que uma coisa é “verdadeira”, raramente se admite que determinadas hipóteses indemonstráveis têm de ser feitas. Presume-se que os sentidos humanos e a razão de fato fazem contato com o que existe e que estes são capazes de avaliar o sentido do que existe. Em outras palavras, as experiências humanas são o ponto de referência decisivo do que é verdadeiro. Uma vez que o homem é livre e está no controle da aquisição de conhecimento, qualquer deus que ele possa conceber não está no controle e está sujeito às mesmas leis a que estão sujeitos o homem e a natureza. O ateu elimina a ideia de Deus por considerar irrelevante, e assim põe o homem no controle. Humanismo ateísta Não há Deus, não há revelação, não há Queda. O homem está no controle e adquire seu conhecimento da natureza. O CONHECIMENTO É PARCIALMENTE INDEPENDENTE DE DEUS (HUMANISMO TEÍSTA) Imagine que fôssemos visitados por alienígenas imensamente superiores ao homem em inteligência e conhecimento. Nós iríamos querer aprender deles o máximo possível. Talvez eles nos mostrassem novidades surpreendentes, capazes de alterar a nossa compreensão de todos os fatos que aprendemos até agora. Contudo, presume-se, eles não poderiam alterar os fatos que já havíamos percebido verdadeiramente. Receberíamos essas revelações dos visitantes extraterrestes como informações de especialistas com conhecimento maior do que o nosso. Mesmo assim, ainda consideraríamos que esses especialistas existem em nosso universo e, portanto, estão sujeitos às suas leis como nós. Algumas pessoas acham, em graus variados, que Deus é um extraterrestre com conhecimento especializado para compartilhar conosco. Podemos definir essas pessoas, em termos gerais, como humanistas teístas. São teístas porque acreditam que existe um deus ou deuses em uma esfera além de nossa capacidade de conhecer. Se elas concebessem esse Deus de forma em grande parte cristã, talvez acreditassem que ele tem alguma relação com a criação do mundo e que deixou nele a marca de seu caráter. Essa visão é humanista porque também considera o homem capaz de controlar a sua aquisição de conhecimento. Uma vez que está no controle, ele é independente de Deus. O homem investiga o universo e descobre fatos, os quais organiza em um conjunto de conhecimento coeso e coerente. Ele faz isso sem auxílio externo e faz bem! No entanto, prosseguindo com o raciocínio, existe uma esfera da verdade que não conseguimos observar diretamente. Para conhecermos alguma coisa dessa esfera espiritual, ou sobrenatural, precisamos receber uma revelação especial, ou sobrenatural. O humanista teísta entende que esse conhecimento preenche as lacunas do nosso conhecimento adquirido naturalmente e, sendo assim, influencia o modo de enxergarmos nosso conhecimento natural, pois todos os fatos estão relacionados. Contudo, não afetará a verdade essencial do que já descobrimos; tão somente será um acréscimo ao que já sabemos. Logo, Deus é o especialista que pode acrescentar consideravelmente ao que já conhecemos. Uma vez que já entendemos um pouco da natureza da realidade, é provável que o humanista teísta considere Deus sujeito às mesmas leis do universo a que estamos sujeitos. Desse modo, podemos formular leis mediante as quais decidimos o que faz sentido. É inconcebível Deus nos dizer algo que contradiga a razão. A razão humana, portanto, julga a Bíblia para decidir quais de seus aspectos podem ser reconhecidos como revelação de Deus. Humanismo teísta Deus existe, mas faz parte de uma realidade geral. A Queda não significa nada. O homem ainda está no controle e adquire conhecimento da natureza, incluindo algum conhecimento de Deus. A revelação de Deus que se acrescenta é sempre filtrada pelo conhecimento natural. O CONHECIMENTO É DEPENDENTE DE DEUS (TEÍSMO CRISTÃO) Agora vamos trabalhar com algumas hipóteses opostas às do humanismo. Suponha que a Bíblia é certa no que diz e que o Deus da Bíblia é real. Ela nos mostra que Deus é bem distinto de tudo na criação. Ele não é uma mera parte de uma realidade geral, mas, sim, o criador, sustentador e controlador de tudo o que existe na realidade. Além do mais, Deus, como criador, imprimiu seu caráter em toda a criação. Ele fez isso de modo singular e extraordinário na criação da humanidade à sua própria imagem. O homem foi criado para conhecer a Deus. Todos os fatos no universo falam de seu criador e estão abertos ao nosso discernimento. Além disso, a imagem de Deus em nós significa que conhecemos a nós mesmos somente à medida que conhecemos a Deus, e conhecemos a Deus somente à medida que conhecemos a nós mesmos. O poder eterno de Deus e o seu divino caráter podem ser discernidos pela natureza, da qual a humanidade faz parte. O homem à imagem de Deus se comunica pela palavra, e isso reflete o fato de que Deus é aquele que se comunica pela palavra. A primeira palavra de Deus ao homem indicava a relação que Deus estabeleceu entre ele próprio e o homem, e entre o homem e o resto da criação (Gn 1.28-30). Deus falou a Adão e lhe comunicou o que este precisava saber sobre si mesmo e sobre sua relação com Deus. Desse modo, toda palavra de Deus ao homem interpreta o significado da realidade. Teísmo cristão 1. O homem antes da Queda O homem recebe a revelação por meio da natureza e a revelação sobrenatural por meio da palavra de Deus. Toda revelação natural é interpretada mediante a revelação da palavra. Até aqui talvez pareça que apresentamos um quadro muito parecido com o do humanismo teísta. Há algumas semelhanças, mas há duas diferenças importantes. A primeira é que o teísmo cristão reconhece que, mesmo antes de o pecado ter entrado no mundo, o homem dependia da palavra de Deus para a interpretação correta do mundo. O ato divino de criação foi absolutamente livre. Isto é, Deus não foi obrigado a criar por alguma força ou necessidade que ele não conseguisse controlar. Também foi um ato soberano, porque a criação cumpre todos os propósitos que Deus determinou livremente. O que ele queria que acontecesse aconteceu, e a história da criação, incluindo a nossa história humana, é determinada por sua vontade soberana. Com base nisso, Deus, e somente Deus, pode interpretar todos os fatos da realidade. A segunda diferença é que o humanismo teísta pressupõe que a aquisição de conhecimento humana não é impedida pela realidade do pecado. Na verdade, o pecado é considerado uma causa de certa confusão, mas ele não altera a capacidade humana de perceber a verdade na natureza. O pecado não remove por nenhum meio real a livre vontade do homem. Desse modo, o livre-arbítrio é considerado a capacidade de decidir o que não é determinado por Deus. Deus não opera tudo em conformidade com o propósito de sua vontade, como Paulo afirma que ele faz em Efésios 1.11, mas, sim, deve esperar as decisões do homem. Ao contrário dessa perspectiva, o teísmo cristão trata a questão do pecado com muita seriedade. De acordo com a Bíblia, o pecado produz a morte (Gn 2.17; Rm 6.23). Esse estado de morte atual significa não apenas que todo ser vivente acabará partindo desta vida, mas também que as relações com Deus estão rompidas. Na verdade todas as relações na criação inteira foram afetadas (Gn 3.15-24; Rm 8.20-22; Ef 2.1-3). A Bíblia também afirma que o homem suprime o conhecimento de Deus que se pode ter por meio da natureza. Ele conhece a verdade, mas a suprime em sua impiedade. É esse conhecimento de Deus que torna todas as pessoas indesculpáveis perante ele, quer tenham ouvido o evangelho, quer não. Entretanto, em sua consciência, o homem não consegue mais admitir que sabe da existência de Deus e que todos os fatos do universo apontam para ele. Por isso, o pecador reinterpreta deliberadamente todo fato e lhe dá um significado que se ajuste à sua negação de Deus. Existe nele o senso de Deus pertinente à imagem de Deus. No seu pensar, porém, ele trocou essa verdade por uma concepção do universo centrada no homem. A mente se tornou fútil e obscurecida (Rm 1.18-25). Teísmo cristão 2. O homem depois da Queda O homem suprime o conhecimento de Deus e o substitui pelo humanismo ateísta. O teísmo cristão, portanto, entende o humanismo ateísta e o humanismo teísta em termos bíblicos. Todas as formas de humanismo são expressões da natureza pecaminosa da recusa dos seres humanos a reconhecer a verdade de Deus. São substituições fúteis da verdade. Se a pecaminosidade do homem o torna incapaz de reconhecer conscientemente a verdade, que esperança existe? A Bíblia nos diz que o estado de morte do coração humano e o seu ódio a Deus são vencidos pela bondade deste. Deus dá uma revelação nova e especial de si e subjuga a nossa vontade rebelde com o seu Espírito, para que entendamos e recebamos a sua revelação. O Espírito Santo nos convence de que a Palavra de Deus é a verdade. Desse modo, o pecador convertido, ou crente, tem a mente restaurada para receber a verdade de Deus. Nossa restauração não estará completa até que sejamos transformados no último dia mediante a nossa ressurreição. Durante esta vida, existe a tensão entre a nova vida em nós e a velha vida de rebeldia contra Deus. Nunca conseguimos ser totalmente coerentes em nosso pensar e agir com o que Deus revela em sua Palavra. Contudo, somos capazes de conhecer as coisas pelo que verdadeiramente são: fatos interpretados por Deus. COMO PODEMOS CONHECER A VERDADE? Essa análise é importante para entender como se faz teologia. Precisamos de alguns princípios, ou regras, quando chegamos à Bíblia para fazer teologia bíblica. Analisei três abordagens diferentes. 1. Humanismo ateísta Essa abordagem presume que não existe Deus. A Bíblia, portanto, não é a revelação de Deus, mas, sim, um registro de determinadas ideias religiosas. O estudo e a interpretação da Bíblia são regidos por esses pressupostos. 2. Humanismo teísta Essa concepção presume que há um Deus, mas, assim como o humanismo ateísta, afirma que o homem está no controle da aquisição de conhecimento. O ser humano adquire conhecimento verdadeiro da natureza por meio de seus sentidos e, com base nisso, conclui qual é o enfoque correto para o estudo da Bíblia. 3. Teísmo cristão Essa posição reconhece a dependência que o homem tem de Deus para o verdadeiro conhecimento. A Palavra de Deus deve nos instruir nos vários aspectos do que Deus fez e disse para nos resgatar das consequências de nossa rebelião. Ela também deve nos instruir quanto ao método com que lemos e entendemos a Bíblia. Não há nenhuma lógica autoevidente identificável fora da Bíblia; nenhuma lógica identificada naturalmente quanto ao que é possível ou impossível. Deus como criador deve interpretar todo acontecimento e todo fato no universo dele. Cada uma dessas perspectivas escolheu o seu ponto de partida próprio, presumido como verdadeiro. Se o ponto de partida for falso, então tudo o que dele decorre também será falso. Essas hipóteses fundamentais são chamadas de pressupostos. PRESSUPOSTOS Pressupostos, portanto, são as hipóteses que fazemos para poder sustentar que um fato é verdadeiro. Não podemos prosseguir indefinidamente dizendo: “Sei que isso é verdade porque…”. No fim, temos de chegar àquilo que reconhecemos como a autoridade final. Por definição, uma autoridade final não pode ser provada como uma autoridade com base em alguma autoridade mais elevada. A autoridade máxima deve atestar-se por si mesma. Somente Deus é uma autoridade desse tipo. Os pressupostos dos quais devemos partir ao fazer teologia bíblica são os do teísmo cristão. A alternativa a isso seria aceitarmos os pressupostos de algum tipo de humanismo. Ou trabalhamos tendo por base um Deus soberano, que dá provas de si mesmo e nos fala por uma palavra que reconhecemos como verdadeira simplesmente por ser a sua palavra, ou trabalhamos tendo por base o homem como juiz definitivo de toda a verdade. A posição cristã, para ser coerente, reconhece que a Bíblia é a Palavra de Deus e que ela diz o que Deus quer exatamente do modo que ele quer. Por isso, quando o teólogo bíblico se propõe descrever a teologia que está na Bíblia, ele deve reconhecer os pressupostos que aceita como a base de seu método. Muitas teologias bíblicas escritas ao longo dos últimos cem anos foram moldadas pelos pressupostos do humanismo. Nesses casos, não se permite que a Bíblia fale por si mesma; antes, ela é submetida a uma avaliação constante baseada na razão humana, considerada bem independente de Deus. O pressuposto de uma razão humana independente e autossuficiente resultou na produção de teologias bíblicas que tendem a ser descrições do suposto desenvolvimento de ideias religiosas entre o povo bíblico. Essas descrições são agravadas pela recusa em aceitar o próprio testemunho dado pela Bíblia sobre a história da fé de Israel. Quando a filosofia evolucionária estava em voga, era aplicada aos documentos bíblicos para pôr à prova sua precisão histórica. O pressuposto era que as ideias religiosas passam por um desenvolvimento natural de formas mais simples para mais complexas. Excluía-se a possibilidade de que o Deus da Bíblia existisse de fato e se revelasse do modo que a Bíblia descreve. O homem está no controle de todo o processo de aquisição de conhecimento, e Deus é tão somente uma ideia religiosa que muitos defendem em variadas formas. Nem todos os teólogos que empregam pressupostos humanistas são céticos tão extremados quando se trata de avaliar a Bíblia. O que chamamos de humanismo é, de acordo com a Bíblia, a expressão de nossa rejeição pecaminosa de Deus. Como cristãos, ainda somos pecadores e a tendência ao pensamento humanista está sempre conosco. Mesmo começando com pressupostos verdadeiramente cristãos, é difícil permanecer totalmente coerente com eles em nossa reflexão sobre a Bíblia. A teologia bíblica deve ser feita com um constante esforço autoconsciente de ser coerente com pressupostos bíblicos. Os pressupostos da teologia bíblica 1. Deus criou todos os fatos do universo e só ele pode interpretar todas as coisas e acontecimentos. 2. Porque fomos criados à imagem de Deus, sabemos que dependemos de Deus para a verdade. 3. Como pecadores, suprimimos esse conhecimento e reinterpretamos o universo sob o pressuposto de que nós, e não Deus, damos às coisas o seu significado. 4. A revelação especial mediante a palavra redentora de Deus, que atinge seu ponto culminante em Jesus Cristo, é necessária para tratar de nossa supressão da verdade e hostilidade contra Deus. 5. A obra especial do Espírito Santo produz arrependimento e fé para que pecadores reconheçam a verdade que está nas Escrituras. GUIA DE ESTUDO 1. Quais são os principais pressupostos em que se baseia o humanismo ateísta? 2. Em que o humanismo teísta difere do humanismo ateísta? 3. Da perspectiva do teísmo cristão, quais são as falhas do humanismo ateísta e do humanismo teísta? 4. Leia Romanos 1.18-32 e sintetize com suas próprias palavras o que Paulo diz sobre os efeitos do pecado em nosso conhecimento de Deus. 5. Quais são os pressupostos do teísmo cristão? LEITURA COMPLEMENTAR BROWN, Colin. Philosophy and the Christian faith (Downers Grove: InterVarsity, 1968). cap. 4. ______. Filosofia e fé cristã. 2. ed. Tradução de Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 2007). Tradução de: Philosophy and the Christian faith. CHAPMAN, Colin. The case for Christianity (Tring: Lion, 1981). esp. seções 5 e 6. ______. Cristianismo: a melhor resposta (São Paulo: Vida Nova, 1990). Tradução de: The case for Christianity, LLOYD-JONES, D. M. Romans: the gospel of God (Edinburgh: Banner of Truth, 1985). p. 366-94. ______. Romanos: exposição sobre o capítulo 1: o evangelho de Deus (São Paulo: PES, 1998). Tradução de: Romans: the gospel of God. Cristo o tornou conhecido Teologia não é apenas saber sobre Deus, mas conhecê-lo. Para conhecer a Deus, precisamos ter restabelecida a amizade com ele. Em outras palavras, fazemos teologia bíblica como cristãos, não como observadores neutros. Por meio da pregação do evangelho, fomos trazidos para a fé em Jesus Cristo. Cristo vence nosso coração e nossa mente rebeldes para que o adoremos como Senhor. Nosso único conhecimento de Cristo provém das Escrituras, e elas dão testemunho unificado dele. Cristo é proclamado como aquele que nos revela Deus; ele é a Palavra de Deus. A Bíblia é o livro acerca de Cristo inspirado pelo Espírito Santo. Deus garantiu que a Bíblia dá testemunho infalível de Cristo. A teologia bíblica, portanto, concentra-se em Jesus Cristo como o revelador e salvador. A fim de entender a Bíblia, iniciamos pelo ponto em que começamos a conhecer a Deus. Começamos com Jesus Cristo e observamos todas as partes da Bíblia em relação a ele e sua obra salvadora. Isso se aplica tanto ao Antigo Testamento quanto ao Novo. O TEÓLOGO É UM CRENTE O cristão é alguém que crê em Jesus Cristo. Esse fato óbvio não nos deve escapar! A palavra do evangelho nos conquista e, pelo poder do Espírito Santo, nos leva das trevas para a luz, isto é, ela nos leva a Cristo. O evangelho é a mensagem do reino de Deus que vem pela pessoa e obra de Jesus de Nazaré. O evangelho se concentra no nascimento, na vida, na morte, na ressurreição e na ascensão de Jesus como o meio de Deus nos salvar da morte e nos tornar membros de seu reino eterno. Assim como iniciamos a vida cristã depositando toda a nossa confiança no Cristo do evento do evangelho, assim também prosseguimos na vida cristã. O evangelho não só nos traz para o novo nascimento e a fé como cristãos; ele também é o meio de Deus nos salvar por completo. O evangelho é o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16), e isso significa a salvação integral para a pessoa toda. Desse modo, o evangelho nos converte, o evangelho nos sustenta na vida cristã e nos conduz à maturidade, e o evangelho nos leva à perfeição mediante a nossa ressurreição da morte. Uma parte importante da salvação é ter nossa mente e vontade rebeldes transformadas a fim de que se submetam à Palavra de Deus. O cristão não pode mais pensar como um humanista ateísta. A mente que suprime a verdade é vencida pelo Espírito Santo, que a leva a reconhecer o evangelho e crer nele. Essa renovação da mente é um processo contínuo (Rm 12.2) e significa que o cristão desenvolve a mentalidade do teísmo cristão. Uma vez que nossa perfeição não é alcançada nesta vida, todos nós conservamos alguma medida do pensamento humanista. Precisamos lutar continuamente para vencer esse mal mediante o poder do evangelho. Como teólogos bíblicos, não apenas cremos, mas também entendemos e reconhecemos que a Palavra de Deus atesta a si mesma. Vamos fazer mais do que simplesmente descrever o que está na Bíblia. Vamos nos colocar debaixo da autoridade da Palavra de Deus e procurar descrever o que sabemos ser o conteúdo da Palavra de Deus, unificada e coerente em si mesma. Infelizmente, é possível que o teólogo bíblico comprometa o princípio da Palavra de Deus de atestar a si mesma e aplique critérios não bíblicos para avaliar a natureza da Bíblia e de sua mensagem. Depois disso, ele rearranjará as partes, reconstruirá a história, removerá os textos que não se harmonizam com a filosofia particular dele e reinterpretará o conjunto à luz de seus próprios pressupostos, que são produto do pensamento que nega a Deus. Foram escritas muitas teologias bíblicas em que os pressupostos bíblicos foram rejeitados em favor dos pressupostos humanistas. A VERDADE É RESTAURADA EM CRISTO Jesus não apenas nos salva dos efeitos de nossa ignorância pecaminosa; ele também informa a nossa mente da natureza da verdade. Não é possível separar a obra salvadora de Cristo de sua obra reveladora. Fomos salvos para conhecer a Deus verdadeiramente e viver em comunhão com ele. A verdade é restaurada para nós em Cristo. Em tudo o que Cristo foi e fez no seu ministério terreno, ele estava nos revelando a verdade acerca de Deus, de nós mesmos e de toda a ordem criada. Desse modo, parte de nossa salvação é ter nossa mente salva. Quando o Espírito Santo de Deus aplica o evangelho ao pecador para produzir a fé, ocorre o novo nascimento, o que inclui a renovação de sua mente. Desse momento em diante, ele percebe que todos os fatos do universo confirmam a realidade de Deus. A mente cristã está sendo restaurada à sua função correta de interpretar todas as coisas pela Palavra de Deus. A obra de Cristo de restauração da mente em seu evangelho deriva de seu papel eterno de agente e propósito da criação. Paulo diz que todas as coisas foram criadas em Cristo, por meio de Cristo e para Cristo (Cl 1.16). Isso significa que o sentido do universo se encontra no evangelho. Deus criou todas as coisas tendo em vista a redenção delas em Cristo. O evangelho é a disposição prévia de Deus, o seu projeto para a criação, não meramente um plano posterior por causa do pecado. Sendo assim, parte de ser salvo é aprender a fazer teologia corretamente. Não estou propondo que isso tenha prioridade sobre todos os outros aspectos. Também não estou dizendo que o lado intelectual da salvação tem precedência. Contudo, ele é importante. Estou dizendo que o modo de nossa mente ser salva e renovada é pela ação do Espírito Santo de conformar o nosso pensamento acerca de tudo à verdade em Jesus. Isso faz parte do que significa dizer: “Jesus é o Senhor”. Se lhe obedecermos nas ações morais de nossa vida para combatermos ativamente as ações pecaminosas que negam a Deus, também lhe obedeceremos em nosso pensamento. Temos de combater o pensamento que não se conforma à verdade revelada em Jesus. Teísmo cristão 3. O homem é redimido em Cristo Cristo revela e interpreta toda a verdade acerca de Deus e de tudo criado. O cristão resiste à mentalidade do humanismo. CRISTO INTERPRETA TODA A BÍBLIA O único meio de saber quem é Cristo e o que o seu evangelho significa é pela Bíblia. Jesus retirou a sua presença física do mundo. Em seu lugar, ele deixou o Espírito Santo e prometeu que esse Espírito conduziria os discípulos a toda a verdade (Jo 16.13). Mas Jesus mesmo é essa verdade (Jo 14.6) e, por isso, prometeu que o Espírito Santo testemunharia dele e o glorificaria. Esse ministério do Espírito em que ele aponta para Cristo produziu a pregação do evangelho pelos apóstolos e a composição de um registro fidedigno do testemunho deles no Novo Testamento. Isso significa que o que a Bíblia diz é o que Deus quer que ela diga. A Bíblia é infalível no sentido de que é a Palavra do Deus da verdade, e ela não nos desviará do caminho. Todas as palavras do Novo Testamento provêm do testemunho que o Espírito Santo dá de Jesus. O Novo Testamento registra os fatos principais do evangelho e examina as consequências do evangelho na vida do povo de Deus. Ele nos mostra que o evangelho é o único meio de Deus conduzir pecadores à perfeição. Todos os problemas e imperfeições que vivemos são falhas a ser reparadas em conformidade com o evangelho. O único remédio que o Novo Testamento prescreve para os nossos problemas é fazer com que a nossa vida se amolde ao evangelho. Do mesmo modo, o único problema que temos na interpretação da Bíblia é não conseguir interpretar os textos pelo evento decisivo do evangelho. Isso se aplica nas duas direções: o que veio antes de Cristo no Antigo Testamento, bem como o que vem depois dele, encontra o seu significado nele. Assim, é necessário entender o Antigo Testamento em relação ao evento do evangelho. Essa relação somente pode ser determinada a partir do próprio testemunho do Novo Testamento. Jesus, desse modo, é a Palavra de Deus a nós: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele e, sem ele, nada do que foi feito existiria… E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, pleno de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai. […] Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está ao lado do Pai, foi quem o revelou (Jo 1.1-3,14,18). Ele é a Palavra de Deus para os “últimos dias”, a qual conclui a palavra dos profetas do Antigo Testamento (Hb 1.1,2). Ele é o fim dos atos salvadores divinos na história de Israel (Rm 1.1-4) e, assim, cumpre toda a profecia (At 13.32,33). O real significado da profecia sempre está na pessoa e obra de Jesus Cristo (1Pe 1.1012). O testemunho apostólico somente reafirmou o que Cristo mesmo disse quando afirmou ser o conteúdo do Antigo Testamento (Lc 24.27,44; Jo 5.39). Com base nisso, ele abriu as mentes dos discípulos para compreenderem o Antigo Testamento (Lc 24.45). A relação do Antigo Testamento com Cristo Algumas avaliações do Novo Testamento GUIA DE ESTUDO 1. Por que o teólogo bíblico precisa ser cristão? 2. Como você pode explicar algumas das diferenças no modo de os teólogos bíblicos abordarem sua tarefa? 3. O que o teísmo cristão ensina sobre como o pecador pode vir a conhecer a verdade? 4. Consulte as passagens referidas na última seção deste capítulo. Que tipo de relação entre o Antigo e o Novo Testamentos elas indicam? LEITURA COMPLEMENTAR CALVIN, John. Institutes. livro 1. caps. 1-7. ______ [João Calvino]. As institutas. Tradução de Waldyr Carvalho Luz (São Paulo: Cultura Cristã, 2006). 4 vols. Tradução de: Institutes. ______. A instituição da religião cristã. Tradução de Carlos Eduardo Oliveira; José Carlos Estevão (São Paulo: Unesp, 2008). 2 vols. Tradução de: Institutes. GK. esp. cap. 9. WENHAM, John. Christ and the Bible (Downers Grove: InterVarsity, 1984). esp. a introdução. E nós o conhecemos por meio das Escrituras De acordo com Jesus, o Antigo Testamento é a Palavra de Deus, as Escrituras que não podem ser anuladas. Jesus também afirma que ele mesmo é o tema do Antigo Testamento. Seus ensinos indicam constantemente o Antigo Testamento como aquilo que ele está cumprindo. Desse modo, o Antigo Testamento não existe de modo independente, pois ele é incompleto sem sua conclusão e seu cumprimento na pessoa e na obra de Cristo. Não se pode entender corretamente nenhuma parte do Antigo Testamento sem Jesus. Todo o seu conteúdo se refere a Cristo. A revelação de Deus nas Escrituras é progressiva, desenvolvendo-se em estágios desde as promessas originais feitas a Israel até o significado mais pleno dessas promessas revelado em Cristo. Embora compreendamos o Novo Testamento à luz do que vem antes dele no Antigo Testamento, é a revelação mais plena e a palavra final de Deus em Cristo que dá significado a todas as coisas. Assim, Cristo, e, portanto, o Novo Testamento, interpreta o Antigo Testamento. O ANTIGO TESTAMENTO É A PALAVRA DE DEUS Jesus e os apóstolos estavam convictos da autoridade suprema do Antigo Testamento. Eles o honravam como o meio de Deus falar ao seu povo. Para eles, o Antigo Testamento é o registro fiel do que Deus dissera por intermédio de seus servos, os profetas. Desse modo, Jesus jamais expressou nenhuma dúvida quanto à veracidade da história do Antigo Testamento. Na verdade, os acontecimentos da história de Israel eram considerados parte da história única em que o próprio Jesus desempenhava o papel decisivo. A interpretação neotestamentária da pessoa e da obra de Jesus de Nazaré não faz sentido algum se as declarações históricas do Antigo Testamento não tiverem consistência. Além disso, Jesus considerava o Antigo Testamento a autoridade no que diz respeito à verdade de Deus. As disputas teológicas eram decididas com base no que estava escrito, e os erros eram considerados consequência da recusa do que está nas Escrituras. Quando os fariseus puseram Jesus à prova a respeito da questão do divórcio, ele os remeteu às Escrituras, isto é, ao Antigo Testamento: … Não lestes que desde o princípio o Criador os fez homem e mulher, e ordenou: Por isso o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher; e serão os dois uma só carne? (Mt 19.4,5). Em uma polêmica com os judeus a respeito de sua afirmação de ser o Filho de Deus, Jesus mencionou uma passagem das Escrituras e acrescentou: “… e a Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35). Os saduceus receberam o mesmo tratamento a respeito da questão da ressurreição: … Acaso não errais por não conhecer as Escrituras nem o poder de Deus? (Mc 12.24). Na ocasião em que foi tentado pelo Diabo, Jesus refutou cada uma das tentações com a expressão revestida de autoridade “Está escrito”, seguida de uma citação do Antigo Testamento (Mt 4.1-11; Lc 4.1-13). Na situação desse tremendo conflito entre o Filho de Deus e o príncipe das trevas, Jesus sabia que a palavra do Antigo Testamento era a sua arma mais eficaz, porque ela tem a autoridade e o poder do próprio Deus. Jesus ensinava: O que o Antigo Testamento diz é o que Deus diz. O ANTIGO TESTAMENTO É A PALAVRA DE DEUS SOBRE CRISTO Para a nossa compreensão do Antigo Testamento, é fundamental sabermos que Jesus, os apóstolos e todos os autores neotestamentários o consideravam de algum modo um livro acerca de Jesus Cristo. Uma série de passagens importantes indicam isso, embora não estejamos restritos a alguns textos específicos como prova. O testemunho irresistível do Novo Testamento é que Jesus cumpre o Antigo Testamento — outro modo de dizer que o Antigo Testamento diz respeito a Jesus. Para citar alguns exemplos: Então ele lhes disse: Ó tolos, que demorais a crer no coração em tudo o que os profetas disseram! Acaso o Cristo não tinha de sofrer essas coisas e entrar na sua glória? E, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras (Lc 24.25-27). Depois lhes disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco: Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lc 24.44,45). Vós examinais as Escrituras, pois julgais ter nelas a vida eterna; e são elas que dão testemunho de mim; mas não quereis vir a mim para terdes vida! (Jo 5.39,40). Jesus ensinava: O Antigo Testamento é a Palavra de Deus acerca de Cristo. O NOVO TESTAMENTO INTERPRETA O ANTIGO Essas afirmações nos mostram que o Antigo Testamento não existe de modo independente. Sem dúvida, podemos obter nele o conhecimento do âmbito histórico de uma longa série de acontecimentos concatenados. Podemos até obter alguma compreensão teológica das promessas de Deus a seu povo, não cumpridas até então. Contudo, é impossível entender apenas pelo Antigo Testamento o significado pleno dos atos e das promessas de Deus nele registrados. Ainda assim, uma série de fatores parece trabalhar contra a relação de Cristo com o Antigo Testamento; fatores esses que o cristão percebe e que o afetam. Não somente existe uma lacuna de cerca de três séculos entre os testamentos, o que gera ruptura na continuidade histórica, mas também a língua hebraica do Antigo Testamento dá lugar ao grego do Novo. Ao longo dos anos, acadêmicos cristãos fomentaram especializações em estudos do Antigo Testamento ou do Novo. A tendência tem sido estudar o Antigo Testamento nele e por ele mesmo. Mas essa não é uma perspectiva cristã da matéria. Cada vez mais cristãos têm escrito livros sobre o Antigo Testamento que raramente mencionam a existência do Novo Testamento. Passou a ser uma característica comum dos currículos de faculdades de teologia e de seminários bíblicos o estudo do Antigo Testamento completamente dissociado do Novo Testamento. Uma consequência é que o modelo de pregação e ensino a partir do Antigo Testamento muitas vezes deixa muito a desejar. Parece haver um fracasso em permitir que o Novo Testamento determine como relacionarmos o Antigo Testamento a Cristo. Como cristãos, temos de voltar aos princípios de interpretação do Antigo Testamento ditados pelo Novo Testamento. Quando Jesus diz que ele é quem dá significado ao Antigo Testamento, também está afirmando que precisamos do Antigo Testamento para entender o que ele, Jesus, diz acerca de si mesmo. Jesus nos leva de volta ao Antigo Testamento para o examinarmos com o olhar cristão quando nos ensina que todas as Escrituras nos guiam para ele. Ao fazer teologia bíblica como cristãos, não começamos em Gênesis 1 e avançamos até descobrir para onde tudo está nos levando. Em vez disso, primeiro vamos a Cristo, e ele nos dirige no estudo do Antigo Testamento à luz do evangelho. O evangelho interpreta o Antigo Testamento mostrando-nos o seu alvo e o seu significado. O Antigo Testamento aumenta o nosso entendimento do evangelho mostrando o que Cristo cumpre. Os dois diagramas a seguir ilustram as diferenças entre as abordagens. Abordagens não cristãs do Antigo Testamento A entrada se dá em qualquer ponto (A). Uma vez que nenhum pressuposto do Novo Testamento é considerado, mesmo a identificação da natureza progressiva da teologia veterotestamentária dificilmente conduzirá ao Novo Testamento como meta do Antigo. Abordagem cristã do Antigo Testamento A entrada se dá pelo evangelho (A), que nos remete ao Antigo Testamento (B). Com o conhecimento prévio de que o Antigo Testamento é um livro acerca de Cristo (C), acompanhamos a sua revelação progressiva até chegar ao seu cumprimento no evangelho (D). O ANTIGO TESTAMENTO É A PALAVRA REVELADA PROGRESSIVAMENTE O evangelho não incute necessariamente em nós a necessidade de voltar e nos ocupar de todos os acontecimentos do Antigo Testamento em ordem cronológica. Podemos voltar a algum aspecto de profecia ou, digamos, à história de Davi. Com o tempo, porém, vamos perceber que a natureza do evangelho de ser a conclusão de uma longa sequência de acontecimentos específicos exige que observemos com seriedade o processo histórico completo do Antigo Testamento. Assim que iniciamos o estudo do Antigo Testamento fica claro que ele se constrói dentro de um quadro histórico que não é difícil de identificar. Além disso, há muitas evidências de que os autores do Antigo Testamento percebiam uma unidade nessa história. O Antigo Testamento narra uma história única, coesa e coerente centrada na linhagem de determinadas pessoas. Desse modo, o relato de cada estágio sucessivo da história de Israel se baseia no que aconteceu antes. Na progressão da história unificada do Antigo Testamento, ocorre a progressão de uma teologia unificada. Trata-se da revelação progressiva de Deus e de seus propósitos para a salvação de seu povo. Nossa tarefa na parte principal deste estudo será examinar a natureza dessa revelação progressiva. O Novo Testamento nos fornece muitos indicadores dessa progressão unificada da revelação. Dois acontecimentos fundamentais, acima de todos, são considerados a preparação para a vinda de Jesus. São eles as promessas da aliança com Abraão, Isaque e Jacó, e o reino de Davi. Três pessoas, Abraão, Davi e Jesus, unem os propósitos e atos da salvação de Deus numa única grande obra de salvação. A história inteira de Israel inclui-se, portanto, na revelação redentora de Deus, cujo ponto culminante é Jesus Cristo. Alguns exemplos dessa perspectiva neotestamentária do Antigo Testamento nos são suficientes. A promessa do anjo a Maria a respeito de Jesus é: Ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará eternamente sobre a descendência de Jacó… (Lc 1.32,33). Tanto Pedro (At 2.30,31) quanto Paulo (At 13.16-33; Gl 3.15-29) afirmam que aquilo que foi prometido a Abraão, bem como a Davi, tem sua concretização em Cristo. A Epístola aos Hebreus inteira é um comentário sobre a relação de Cristo com o Antigo Testamento, o que se reflete nas palavras iniciais da epístola: No passado, por meio dos profetas, Deus falou aos pais muitas vezes e de muitas maneiras; nestes últimos dias, porém, ele nos falou pelo Filho, a quem designou herdeiro de todas as coisas e por meio de quem também fez o universo (Hb 1.1,2). Essas declarações nos preparam para o estudo da teologia do Antigo Testamento como uma revelação progressiva e redentora. É revelação porque Deus se dá a conhecer no Antigo Testamento. É redentora porque Deus se revela no ato de nos redimir. É progressiva porque Deus se faz conhecer a si e a seus propósitos em estágios, até que a luz plena seja revelada em Jesus Cristo. O Antigo Testamento revela progressivamente os planos redentores de Deus, que são cumpridos por Jesus Cristo. GUIA DE ESTUDO 1. Qual era a atitude de Jesus em relação à autoridade do Antigo Testamento? 2. Em que sentido o Antigo Testamento é um livro sobre Jesus Cristo? 3. O que determina a abordagem cristã do Antigo Testamento e em que ela difere das abordagens não cristãs? 4. Que evidências o Novo Testamento apresenta da natureza progressiva da revelação do Antigo Testamento? Pense nessa pergunta tendo em mente as passagens a seguir: a. Mateus 1.17; b. Mateus 3.17—4.4, comparada com Êxodo 4.23 e Oseias 11.1; c. Lucas 1.46-55; d. João 3.14,15; e. Atos 2.16-39; f. Atos 7.2-56; g. Atos 13.16-43. LEITURA COMPLEMENTAR PACKER, J. I. Fundamentalism and the Word of God (London: InterVarsity, 1958). cap. 3. WENHAM, John. Christ and the Bible (Downers Grove: InterVarsity, 1984). cap. 1. A Bíblia é a palavra divina e humana Deus fala por meio de uma palavra que é tanto divina quanto humana. Vemos isso na Palavra de Deus, Jesus Cristo, que é Deus e homem. Não honramos a natureza divina de Cristo minimizando sua humanidade, nem honramos a sua humanidade ignorando sua divindade. O fato de a Bíblia encontrar seu significado no Verbo divino que se tornou carne nos ajuda a entender a natureza dela de ser palavra divina e humana. A Palavra de Deus chega à humanidade por intermédio de seres humanos e em meio à história humana. Alguns métodos de interpretação negligenciam essas verdades. Entre eles estão a interpretação literalista e a alegórica. A literalista minimiza o lugar da revelação como o intérprete da história, e a alegórica remove a história como cenário da revelação. A Bíblia contém uma estrutura de tipologia em que a história é essencial na revelação progressiva de Deus. DEUS AGE ENTRE NÓS PELA SUA PALAVRA Vamos fazer aqui uma revisão de alguns pontos fundamentais tratados até agora. Antes da Queda, a humanidade percebia a verdade acerca de Deus pela natureza e pela consciência, mas sempre precisou da palavra sobrenatural, a palavra que vem diretamente de Deus, e não pela natureza. Sem a palavra sobrenatural, nem mesmo a humanidade inocente, sem pecado, conseguiria interpretar corretamente o universo. A revelação natural sempre precisou da revelação sobrenatural. O pecado original resultou na supressão da verdade de Deus na natureza e na consciência, bem como na rebeldia contra toda palavra sobrenatural de Deus. Desde o pecado original de Adão e Eva, toda a humanidade esteve envolvida no pecado e é caracterizada pelo pecado. Os atos salvadores de Deus implicam uma nova revelação sobrenatural de Deus dada progressivamente através de toda a história da redenção. Essa mensagem foi preservada para nós na Palavra das Escrituras divinamente inspirada. O significado pleno da palavra redentora, que começou com o primeiro anúncio da vontade de Deus de tratar do pecado, não foi revelado até a vinda de Jesus Cristo. A relação de Jesus Cristo com a palavra de Deus nas Escrituras é que ele a resume, cumpre e interpreta. Desse modo, a Palavra de Deus é Jesus Cristo. Toda palavra nas Escrituras aponta para Jesus e adquire sentido nele. Além disso, João 1.1-3 e Colossenses 1.16 nos dizem que Jesus Cristo é a eterna Palavra de Deus, pela qual o universo foi criado. Essas duas passagens do Novo Testamento indicam que a obra salvadora de Jesus no mundo não foi um plano posterior por causa do pecado, mas era o propósito eterno de Deus. Era o seu plano antes da criação e desde toda a eternidade. Com base nesse plano, Deus criou todas as coisas. Se pudéssemos imaginar Deus traçando os planos para o universo antes de o criar e se pudéssemos examinar esses planos, não veríamos Adão e Eva no jardim do Éden, mas, sim, Jesus Cristo no evangelho. Vale a pena repetir a importância disso: Jesus Cristo, em sua vida, morte e ressurreição, é o ponto de referência para a compreensão de toda a realidade. Esse fato tem de ser aplicado ao nosso fazer da teologia bíblica. O evangelho é o ponto de referência fixo para entender o significado de toda a extensão da revelação bíblica. Desse modo, para fazer teologia bíblica, temos de começar com uma base dogmática, um pressuposto ou conjunto de pressupostos que nos vêm da revelação. Devemos nos lembrar constantemente de que os pressupostos provenientes da revelação não podem ser provados nem autenticados pelo que está fora da revelação. Por meio da revelação, Deus nos dá sua interpretação de todos os fatos existentes; portanto, a revelação está acima de qualquer outro fato. O pressuposto de que Jesus Cristo é a Palavra de Deus nos é dado somente pela Bíblia. E podemos confiar porque a Bíblia é o testemunho inspirado de Deus da Palavra viva, Jesus Cristo. Não se pode provar isso por evidências empíricas, pois não há verdade maior que possa comprová-lo. Se Cristo é a autoevidente Palavra de Deus, por que tanta gente o rejeita? A resposta está no pecado original, a rejeição original de Adão à palavra de Deus em que toda a raça humana está envolvida. Assim como Adão rejeitou toda palavra sobrenatural de Deus mediante a qual a existência humana e o mundo poderiam ser corretamente entendidos, também os filhos de Adão nascem rebeldes e suprimem de seu interior a verdade de Deus, rejeitando o mundo sobrenatural de fora deles. Somente a graça de Deus na obra salvadora de Cristo pode restaurar a relação correta entre Deus e o homem, levando-nos assim a aceitar a verdade. Por meio do evangelho, Deus nos aceita como filhos seus. Por meio da obra do Espírito Santo, que o evangelho conquista para nós, podemos aceitar Cristo como salvador e conhecer Deus como Pai. O Espírito vence a nossa vontade rebelde e retira do nosso coração o ódio a Deus que nós mesmos incutimos. Deus escolheu Jesus Cristo, a Palavra, como meio de falar conosco e agir entre nós. JESUS É A PALAVRA DE DEUS DIVINA E HUMANA A pessoa e a obra de Jesus são inseparavelmente ligadas, porque ele é a Palavra de Deus. Ele é o Verbo encarnado, isto é, que veio em carne humana. Contudo, essa Palavra que assume uma natureza completamente humana (Jo 1.14) era Deus desde o início (Jo 1.1). Ao se tornar homem, Deus não perdeu parte de sua natureza divina para acomodá-la à natureza humana. Tampouco foi removida característica humana alguma para que Deus “se encaixasse”. Jesus é plenamente Deus e plenamente homem, embora seja uma só pessoa, o Deus-homem. Em Jesus Cristo, Deus se comunicou conosco por meio de uma Palavra, que é ao mesmo tempo divina e humana. Como veremos, isso tem implicações importantes para o modo que fazemos teologia. 1. Jesus é Deus Ele vem do Pai, com quem é um só. Ter visto Jesus é ter visto o Pai. Deus, que estabeleceu tudo o que existe, e o único que pode interpretar todas as coisas, tornou-se homem. Em Jesus, temos a verdade absoluta de Deus. Tudo o que nos é revelado em Jesus é a verdade, e ele é a nossa fonte suprema da verdade. 2. Jesus é homem Ele se comunica conosco por sua humanidade. Ele viveu na história humana como um judeu da Palestina no primeiro século. Jesus falava e agia e também, devemos supor, pensava como um judeu do primeiro século. Ele era verdadeira e plenamente humano. Experimentou toda a variedade de emoções humanas, sofrimento e tentações. A importante exceção é que ele não foi afetado pelo pecado original e não cometeu pecado nenhum. Desse modo, na sua humanidade, ele era o Filho de Deus verdadeiramente amado e viveu todos os aspectos de sua vida em um relacionamento perfeito com Deus Pai. Para nós, humanos, mesmo quando regenerados, é impossível saber como Jesus pode ser tanto plenamente Deus quanto plenamente homem. Temos de nos contentar em aceitar que ele é, e não procurar soluções lógicas. É um mistério que se destrói quando tentamos compreendê-lo pela razão humana. O teólogo aceita que Jesus é o Deus-homem sem entender como pode ser isso. Falsas soluções para o problema sempre reduzem ou a divindade de Cristo ou a sua humanidade para poder acomodar uma à outra. Surge assim a argumentação de que, se ele é homem, não pode ser Deus. Talvez fosse o melhor dos homens, mas não Deus. Essa era a solução de muitos judeus dos dias de Jesus. Outros dizem que, se ele é Deus, não pode ser homem, e a sua humanidade é ilusória. Essa era a solução de muitos gregos. Alguns propuseram que Jesus era tanto Deus como homem, com exceção do fato de que o seu espírito humano foi substituído pelo Espírito divino. Outros alegavam que ele necessariamente teria de ser duas pessoas, para que fosse tanto Deus quanto homem. Essas falsas soluções nos advertem de que temos sempre de considerar tanto a natureza divina quanto a humana de Cristo. Não honramos a sua natureza divina ignorando a sua natureza humana, e vice-versa. Ainda mais importante, entendemos que a relação Deus/homem em uma só pessoa, Jesus Cristo, nos abre o caminho para conhecer um pouco da relação que temos com Deus mediante a obra redentora de Cristo. Portanto, a correta relação entre Deus e o homem de modo algum reduz ou compromete a natureza de cada um. Deus sempre permanece o Senhor totalmente soberano, criador e redentor, e o homem sempre permanece a criatura à imagem de Deus e totalmente responsável. Jesus Cristo é revelado como a união do verdadeiro Deus e do verdadeiro homem em uma só pessoa. A BÍBLIA É A PALAVRA DE DEUS DIVINA E HUMANA A parte específica da história humana da qual a Bíblia nasceu, e que nela está registrada, inclui a história de Jesus de Nazaré. Como qualquer outro personagem histórico da Bíblia, Jesus faz parte da história da redenção. Mas ele também é parte singular dessa história. Como já vimos, a história bíblica toda encontra o seu propósito e significado nele. Podemos afirmar com segurança que a Bíblia inteira, incluindo o Antigo Testamento, é o testemunho que Deus dá de Cristo. Se, como observamos antes, Jesus, o Verbo, é a Palavra divina e humana, não deveria nos surpreender descobrirmos que a Bíblia é a Palavra divina e humana. A palavra profética do Antigo Testamento encontrou seu cumprimento e significado na Palavra encarnada divina e humana. Mas o próprio testemunho profético é um testemunho de que a Palavra divina veio por meio de profetas humanos, de modo que aquilo que o profeta de Deus dizia como um oráculo do Senhor era o que o próprio Deus dizia. O fato de que a Bíblia é o testemunho divinamente inspirado da palavra de Deus, tal como veio por meio dos profetas e por meio de Jesus Cristo, significa que a própria Bíblia é a Palavra de Deus. Contudo, ela é a palavra dada por intermédio de seres humanos em sua própria história e cultura. Deus não suspendeu a humanidade dos autores bíblicos assim como não suspendeu a humanidade de Jesus. A Bíblia carrega todas as marcas de seus autores. A língua, as formas de pensamento, os estilos e formas literárias, bem como a cultura, tudo isso moldou a maneira efetiva pela qual as mensagens foram transmitidas. A encarnação de Cristo ocorreu pela ação especial do Espírito Santo, que produziu a concepção no ventre da virgem Maria. Com esse meio, Deus rompeu a ligação natural com a humanidade pecaminosa e assegurou que a humanidade de Jesus fosse exatamente o tipo necessário para a obra de salvação: perfeita. Do mesmo modo, Deus agiu por seu Espírito para inspirar os autores bíblicos a fim de que a humanidade da Bíblia fosse exatamente o que precisava ser para comunicar a verdade de Deus sem erro. Quando falamos sobre a infalibilidade da Bíblia, queremos dizer que ela comunica exatamente o que Deus pretendeu comunicar. Deus não permite que a pecaminosidade humana interfira em sua comunicação da verdade à humanidade. Ao assinalar os paralelos entre a Palavra encarnada (o Verbo que se tornou humano) e a Palavra escriturada (escrita em um livro), temos de ter o cuidado de observar algumas diferenças importantes. Jesus, como a Palavra, é Deus e homem. Portanto, ele tem o mesmo poder e autoridade que Deus, e nós o adoramos como Deus. A Bíblia, como a Palavra, não é Deus e não pode ser adorada como Deus. Suas qualidades divinas não lhe são inerentes, mas derivadas de dois fatos. Primeiro, a Bíblia foi inspirada pelo Espírito Santo, e, segundo, ela é o registro inspirado da Palavra viva, que em um momento do tempo se tornou homem. A Bíblia é a união da palavra verdadeiramente divina com a palavra verdadeiramente humana em um só livro. JESUS É A REVELAÇÃO MAIS PLENA E FINAL DE DEUS A importância e o significado de Jesus não eram autoevidentes para as pessoas que o conheciam. A carne e o sangue, isto é, a compreensão humana, não podiam revelar a Pedro que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.15-17). Somente Deus podia revelar esse fato. Isso é um ponto importante para nós. Ninguém é capaz de entender Cristo sem a Palavra de Deus e o Espírito Santo. Mesmo os discípulos precisaram do derramamento do Espírito Santo no Pentecostes para finalmente compreenderem o significado da vinda de Cristo. Em outras palavras, os fatos históricos não interpretam a si mesmos. Na história secular, os historiadores podem deduzir muitas coisas sobre, por exemplo, as causas da Segunda Guerra Mundial. Mas nós somente podemos conhecer o significado último dessa expressão catastrófica da insensatez humana à medida que ele nos é revelado pela Palavra de Deus. Os simples fatos da história bíblica não interpretam a si mesmos. Juntos, eles constituem o meio da revelação progressiva de Deus acerca de si mesmo e de seu reino. A forma mais simples de explicar a revelação progressiva é que a revelação de Deus não foi dada de uma só vez no início, mas foi sendo feita em estágios até que a luz plena da verdade fosse revelada em Jesus Cristo. O centro dessa revelação são as promessas de Deus e o seu cumprimento. Vamos imaginar que Deus revelasse todos os fatos sobre Jesus (como os encontramos nos quatro Evangelhos) e o significado deles a Abraão, cerca de dois mil anos antes do acontecimento. Nesse caso, a revelação divina teria interpretado a história de Jesus antes que esta ocorresse. Pelo que Jesus diz, chega a parecer que foi isso que aconteceu: Abraão, vosso pai, regozijou-se por ver o meu dia; ele o viu e alegrou-se (Jo 8.56). Contudo, as evidências na Bíblia não permitem essa interpretação do modo que a revelação ocorreu. Abraão de fato recebeu a promessa de determinados fatos a respeito de seus descendentes e da terra de Canaã. Mas não há nenhuma indicação de que Abraão recebeu alguma informação específica acerca de Jesus. Essa é uma perspectiva falsa da revelação. Agora suponhamos que Deus tenha dado a Abraão as promessas fundamentais e que acrescentou mais revelações em vários estágios ao longo da história do Antigo Testamento. Suponhamos que todos os fatos sobre Jesus e o significado deles já fossem conhecidos na época do profeta Malaquias. Mais uma vez, a história de Jesus teria sido interpretada antes do fato. Nesse caso, o real significado das promessas a Abraão teria sido plenamente manifestado antes de chegarmos aos próprios acontecimentos. Os acontecimentos não teriam sido nada mais que um cumprimento literal das promessas do Antigo Testamento. Não que um cumprimento literal exija que todos os fatos sejam dados de antemão. Mas, de novo, descobrimos que isso não corresponde ao modo que a Bíblia é, e temos aqui mais uma perspectiva falsa da revelação. Perspectiva falsa sobre a revelação (1) Toda a verdade acerca de Cristo é dada a Abraão (A). O restante da história veterotestamentária (B) apenas liga as promessas a seu cumprimento completamente literal (C). O próprio Cristo não é a revelação. Isso é claramente falso. Contrariamente a esses dois modelos, descobrimos que Deus, na realidade, reserva a sua mais especial e importante revelação até a ocasião do cumprimento. Jesus não simplesmente cumpre as promessas; antes, ele é a revelação mais plena e definitiva daquilo que é referido pelas promessas. Isso significa que a forma e o conteúdo do cumprimento excedem em muito a forma e o conteúdo das promessas em si. O próprio cumprimento das promessas do Antigo Testamento é ele mesmo a mais importante de todas as revelações. Um aspecto dessa revelação final é deixar claro que certamente ela satisfaz as expectativas. Não se trata de um fato evidente por si mesmo. A revelação deve nos mostrar isso. Jesus ter cumprido as promessas veterotestamentárias não é algo autoevidente. Os judeus que esperavam um cumprimento literal das promessas do Antigo Testamento não conseguiram reconhecer Jesus como esse cumprimento. Eles precisavam ter entendido melhor as Escrituras, mas mesmo isso não teria sido suficiente. Foram necessários a própria palavra de Jesus a respeito de si e o testemunho do Espírito Santo por intermédio dos apóstolos para mostrar que todas as promessas do Antigo Testamento se cumpriram na ressurreição de Jesus. Perspectiva falsa sobre a revelação (2) As promessas feitas a Abraão (A) se cumprem progressivamente (B). No fim do período veterotestamentário, a revelação plena de Cristo já foi dada (C). O Novo Testamento tão somente relata o cumprimento literal do Antigo (D). Revelação bíblica As promessas feitas a Abraão (A) cumpriram-se progressivamente (B), mas sem chegar a uma conclusão no Antigo Testamento. Cristo vem como a revelação final e mais plena de Deus (C), cumprindo e interpretando tudo o que aconteceu antes. Nos dois primeiros modelos de revelação, o Antigo Testamento tem prioridade sobre o Novo e o interpreta. O evento do evangelho é simplesmente a ocorrência na história de algo há muito tempo revelado por completo. No entanto, de acordo com o Novo Testamento, Jesus é a Palavra que explica todas as outras palavras. Ele vem para realizar o que fora prometido no Antigo Testamento e, ao fazer isso, mostra que as promessas eram apenas sombras do cumprimento. Portanto, não era nada evidente como qualquer promessa seria cumprida. Isso não deve nos surpreender, pois na encarnação Deus acomodou sua verdade numa forma que os seres humanos podiam compreender. Do mesmo modo, a natureza da revelação como promessas elementares, que são progressivamente construídas sobre outras revelações, foi uma adequação ao estado da humanidade. Temos de concluir que um método de interpretação que exija o cumprimento literal das promessas do Antigo Testamento, de modo que haja correspondência exata entre o prometido e o que por fim acontece, não se harmoniza com as evidências da Bíblia. É claro que muitos aspectos de cumprimento no Novo Testamento correspondem exatamente à promessa. Contudo, essa correspondência exata de alguns aspectos não estabelece nenhum princípio de interpretação literal. Antes, ela torna mais claro o princípio diferente de que Deus se acomoda, se ajusta à história humana, ao se revelar. Se Deus decide revelar seus propósitos progressivamente, podemos ter certeza de que ele tem uma razão e faz isso para o nosso bem. LITERALISMO, ALEGORIA E TIPOLOGIA O literalismo acarreta o gravíssimo erro de não dar ouvidos àquilo que o Novo Testamento diz sobre o cumprimento. Ele parte do pressuposto de que o cumprimento deve corresponder exatamente à forma da promessa. Na verdade, o literalismo pressupõe que o significado da história é evidente por si mesmo. Essa hipótese vai contra tudo o que dissemos sobre a necessidade da revelação para a interpretação correta de todo fato. Se o literalismo pressupõe que a história é evidente por si, a alegoria, por sua vez, pressupõe que a história não tem valor como história. A alegoria surge quando se identifica um suposto significado oculto em um relato que seria histórico na superfície, mas que, na verdade, não teria nenhum valor como história. No caso da Bíblia, considerava-se que a história do Antigo Testamento não teria nenhuma serventia para o cristão. Por influência da cultura grega, alguns pensadores interpretavam o evangelho da perspectiva de ideais atemporais ou da salvação da alma, independentemente do corpo, mediante um processo de iluminação. Uma vez que, desse modo, o evangelho era separado dos fatos históricos de Jesus de Nazaré, sem dúvida deixava de ser o evangelho verdadeiro e, evidentemente, deixava de ter qualquer utilidade para os fatos históricos do Antigo Testamento. Com isso, o Antigo Testamento podia ser completamente descartado ou podia ser alegorizado. Os alegoristas não estavam nem um pouco interessados nos fatos históricos, mas apenas no suposto significado oculto por trás desses fatos. A interpretação alegórica é totalmente subjetiva, uma vez que é uma questão de preferência individual aceitar determinada interpretação como a verdadeira. E não há nenhum termo objetivo com que se possa testar essa interpretação. Se descartarmos o literalismo e a alegoria, existe algum outro meio de expressar a relação do Antigo Testamento com o Novo? Certamente existe. A revelação progressiva estabelece o princípio da tipologia. Embora a relação subjacente permaneça a mesma, a forma em que a revelação se dá passa por algum desenvolvimento ou expansão até alcançar o cumprimento. Assim, por exemplo, Abraão foi escolhido para ser o pai do povo de Deus. Ele recebeu promessas a respeito de seus descendentes naturais e da terra que herdariam. O título “o povo de Deus” expressa a relação subjacente. Outras revelações posteriores mostram que os descendentes de Abraão vêm por meio de Jacó (Israel), e não de Esaú (Edom). À medida que a revelação progride, ficamos sabendo que o povo de Deus é um remanescente restaurado de Israel, um povo renovado pelo Espírito de Deus. Ao longo dessas etapas, o tipo vai sendo esclarecido progressivamente. O cumprimento de todas as etapas é chamado de antítipo. O Novo Testamento nos diz que o descendente de Abraão para o qual tudo isso aponta é Jesus Cristo. A igreja também é o antítipo, mas somente porque está em Cristo. A tipologia, portanto, leva em consideração que Deus usou uma parte específica da história humana para se revelar a si mesmo e seus propósitos à humanidade. Isso, porém, foi um processo, de modo que os tipos históricos são revelações incompletas e dependem de seu antítipo para ter seu real significado. A tipologia rejeita o princípio do literalismo; o significado da história, longe de ser autoevidente, depende da revelação. Ela rejeita também o princípio da alegoria; a história, longe de não ter significado, é controlada e interpretada por Deus na revelação. A tipologia pressupõe que a história toda é a história de Deus e que ele usou uma parte específica da história juntamente com a sua palavra para se revelar à humanidade. O Novo Testamento reconhece o princípio da tipologia no fato de Cristo cumprir as promessas do Antigo Testamento de modos diferentes dos termos próprios das promessas. A tipologia também é comprovada à medida que o literalismo é rejeitado com base na ideia de que a revelação do Antigo Testamento é apenas uma sombra da realidade concreta revelada em Cristo (Cl 2.17; Hb 10.1). O literalismo afirma que as promessas históricas se encaminham para cumprimentos históricos que correspondem exatamente a essas promessas. A alegoria afirma que as promessas e os fatos históricos só têm importância para os significados ocultos que subjazem a eles. A tipologia afirma que as promessas históricas são os primeiros estágios de verdades reveladas progressivamente. O cumprimento histórico corresponde às promessas e as aperfeiçoa. LITERAL OU LITERALISTA Nossa análise da interpretação literal pode causar alguma confusão entre os que têm conhecimento da história da interpretação bíblica. Os reformadores protestantes do século 16 consideravam que estavam se afastando das interpretações alegóricas da Idade Média para recuperar a interpretação literal correta. O que eles queriam dizer com literal é muito diferente do que hoje muitas vezes se tem em mente no debate. Na análise que acabei de fazer, empreguei os termos “literal” e “literalista” para designar um método de interpretar as promessas do Antigo Testamento. De acordo com esse método, se Deus prometeu a Abraão muitos descendentes que teriam a posse da terra de Canaã, será exatamente assim que o cumprimento final se dará. Se os profetas se referem ao dia da salvação de Israel como o retorno dos exilados para a Palestina, a reconstrução do templo e a restauração de Jerusalém, o cumprimento será exatamente esse. Nesses termos, as promessas ainda aguardam o cumprimento, e existe o problema de onde situar Cristo, uma vez que nessas promessas ele literalmente não tem espaço. As raízes da interpretação evangélica estão na Reforma, que empregava as palavras “literal” ou “natural” de outro modo. O significado literal ou natural do texto para os reformadores é o que o texto pretendia comunicar a seus leitores originais. Tratava-se, portanto, da rejeição da interpretação alegórica, que considerava esse significado irrelevante. Ainda mais digno de nota, porém, é que os reformadores consideravam que o significado literal não se esgotava enquanto não chegasse a seu cumprimento em Cristo. Portanto, eles reconheciam que o sentido literal no âmbito do Antigo Testamento aponta para um acontecimento futuro com um significado mais pleno. Diferentemente do que ocorre na alegoria, o vínculo entre os dois é uma questão de revelação na própria Bíblia. Além disso, diferentemente da alegoria, a revelação do Antigo Testamento era o meio de pôr as pessoas daquele período em contato com a realidade posterior de Cristo. Com seu enfoque de significado literal do Antigo Testamento, os reformadores estabeleceram a tipologia como a base da interpretação evangélica. GUIA DE ESTUDO 1. Agora é o momento de você refletir a respeito de como estão se formando os seus próprios pressupostos. Você pode explicar por que temos de confiar na revelação de Deus nas Escrituras para saber qual é, em última instância, a verdade? 2. De que modo Jesus como a Palavra divina e humana nos ajuda a entender a Bíblia como a Palavra divina e humana? 3. Qual é o erro de presumir que a Bíblia deve ser entendida de modo literalista? 4. De que modo a revelação progressiva na história molda a nossa perspectiva da interpretação da Bíblia? LEITURA COMPLEMENTAR BRUCE, F. F. The time is fulfilled (Grand Rapids: Eerdmans, 1978). ______. This is that (Exeter: Paternoster, 1968). GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster, 1987). esp. caps. 11 e 12. Começamos e terminamos com Cristo A teologia bíblica nos capacita a descobrir como qualquer texto da Bíblia se relaciona conosco. Tendo em vista que Cristo é o ponto de referência fixo para a teologia, nosso interesse é em como o texto se relaciona com Cristo e como nós estamos relacionados com Cristo. As duas questões nos dirigem para o modo que Cristo entendia o evangelho. Ele o enxergava como o cumprimento do Antigo Testamento e a chegada do reino de Deus, que exige nossa submissão. Esse evangelho nos indica os aspectos da Bíblia que a teologia bíblica observa constantemente. São eles a literatura, ou as palavras do texto; a história, ou a narrativa bíblica; e a revelação transmitida por esses aspectos. A teologia bíblica começa com a palavra acerca de Cristo e procura entender de que modo o testemunho do Novo Testamento se relaciona com tudo o que Deus revelou no Antigo Testamento. Cristo nos oferece o padrão subjacente da teologia bíblica porque ele revela o interesse central da Bíblia na relação de Deus com a sua criação e, especialmente, com a humanidade. CRISTO É A VERDADE Os tópicos tratados nos capítulos 2 e 6 indicam o método que devemos adotar ao fazer teologia bíblica. Vamos deixar de lado no momento todas as considerações sobre o estudo teológico formal que nos pressionam a nos preocuparmos com os programas de estudo, os exames e os diplomas. Até aqui procurei dar respostas bíblicas à indagação sobre por que devemos estudar teologia bíblica. Essas respostas têm pouca relação com obter títulos acadêmicos; antes, dizem respeito à questão mais essencial de como lemos a Bíblia. Como cristãos, devemos estar interessados na interpretação correta da Bíblia para saber e entender o que Deus está nos dizendo por meio de sua Palavra. Sem alguma compreensão do plano geral ou da estrutura da Bíblia, é difícil relacionar corretamente suas várias partes a nós. Para saber como determinada parte da Bíblia diz respeito a nós, temos de responder antes a duas perguntas: Como o texto em questão se relaciona com Cristo? e Como estamos relacionados com Cristo?. Tendo em vista que Cristo é a verdade, a palavra mais plena e definitiva de Deus à humanidade, todas as outras palavras da Bíblia adquirem o significado final por meio dele. O mesmo Cristo nos dá o nosso significado e define o sentido de nossa existência da perspectiva de nossa relação com ele. Outro modo de dizer isso é que Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e o homem (1Tm 2.5). A palavra de Deus a nós na Bíblia é mediada por Jesus Cristo. Não há nenhuma palavra direta do Pai a mim ou a você. Todas as palavras do Pai chegam a nós por intermédio da pessoa e da obra de Jesus. Até as palavras do Antigo Testamento são mediadas por Cristo, uma vez que só entendemos o que Deus nos está dizendo com elas quando as vemos cumpridas em Cristo. Somado a isso há o fato de que a relação de Jesus com o Pai é a relação com o Pai que compartilhamos com ele; somos coerdeiros com Cristo (Rm 8.17). Todos os fatos no universo, incluindo os fatos da Bíblia, têm de ser interpretados à luz da revelação de Deus em Jesus Cristo. Consulte de novo o diagrama do teísmo cristão na página 49 e agora aplique-o à relação que cada texto da Bíblia tem conosco como cristãos. Jesus Cristo é a ligação entre todas as partes da Bíblia e nós. COMEÇAMOS COM O EVANGELHO O evangelho é o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). Por ele somos trazidos das trevas para a luz. Deus nos resgata de um estado em que nossa mente está obscurecida, o que nos impede de conhecer a verdade, e nos faz conhecer a verdade como ela se encontra em Cristo. Somente por esse meio podemos verdadeiramente nos tornar teólogos. Podemos examinar a Palavra de Deus para conhecer o conteúdo do evangelho de Cristo e as indicações de sua relação com todas as outras partes da Bíblia. Fazemos isso em resposta ao senhorio de Cristo, reconhecendo que ele determina as condições para entendermos a Bíblia. O que, então, está no centro do ensino de Jesus? Dificilmente haveria melhor resposta do que considerar o resumo do evangelho segundo o próprio Jesus em Marcos 1.15: “… Completou-se [cumpriu-se] o tempo, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho”. É importante perceber que Jesus não veio porque o tempo havia se cumprido; ao contrário, ele cumpriu o tempo ao vir. O cumprimento não é uma referência à história em geral, mas ao modo que Jesus cumpre todas as expectativas do Antigo Testamento no tempo designado por Deus. Sobre o conteúdo de sua mensagem, Jesus nos diz que o tema central é a chegada do reino de Deus. O quanto o reino está próximo e o que a chegada dele significa são o tema das narrativas dos Evangelhos e do Novo Testamento como um todo. Jesus ter anunciado o reino sem explicar o que ele quis dizer com isso dá a entender que ele falava de uma ideia já existente na mente dos judeus. É muito provável que o Antigo Testamento nos ajude a entender qual era essa ideia. Mas Jesus já mostra o significado do reino quando diz que exige arrependimento e fé. Arrepender-se é virar as costas para o nosso desejo de ser independente de Deus. Desejar ser independente de Deus, aliás, é lealdade ao reino de Satanás. Arrepender-se é voltar-se para Deus com submissão ao seu governo soberano. Essa submissão implica fé como confiança segura na Palavra do próprio Rei. A Palavra anuncia uma mensagem do amor de Deus pelos pecadores rebeldes, o que se manifesta em atos de redenção imerecidos. Deus age efetivamente para restabelecer sua amizade com aqueles que a ele se opõem e o odeiam. O fato de Deus ter planejado um reino de pecadores redimidos indica outro tema muito importante para a teologia bíblica: a aliança. Tenho muito mais que dizer sobre esse tema. Por ora, vamos apenas observar que “aliança” é um conceito bíblico que se refere essencialmente ao compromisso de Deus com o seu povo e que Jesus é apresentado como a renovação da aliança do Antigo Testamento mediante o evento do evangelho. Começamos com Cristo porque somos redimidos segundo a nova aliança. Todas as outras menções de aliança na Bíblia devem ser entendidas em relação à nova aliança em Cristo. O evangelho é a palavra acerca de Jesus Cristo e do que ele fez por nós para restabelecer uma relação sem pendências entre Deus e o homem. O PRIMEIRO COMPONENTE A teologia bíblica tem como objeto aquilo que Deus nos dá a conhecer na Bíblia e o modo que ele o faz conhecido. Já observamos que a teologia bíblica tem três componentes distintos, mas estreitamente relacionados. Agora é hora de estabelecê-los como os pontos de apoio para uma teologia bíblica. Eles são, na verdade, os três principais aspectos da Bíblia em si: a literatura, o registro histórico e a teologia ou a revelação nela contida. Em primeiro lugar, vamos estudar a literatura. Começamos com as palavras da Bíblia sobre Cristo, as quais nos chegam particularmente como o evangelho. Por mais que essas mensagens sejam parafraseadas livremente, atualizadas ou interpretadas pela pessoa que as transmitem para nós, somente entendemos o que significam quando entendemos como a Bíblia as apresenta. No primeiro nível, o problema de entender a Bíblia é o mesmo que entender qualquer literatura. O modo que as palavras são empregadas é uma questão de primordial importância. Jesus usava as palavras de várias maneiras, e o registro bíblico no todo também usa as palavras de diversos modos. Mencionei que a encarnação significa que Deus se revelou por intermédio de Jesus, a Palavra, que é a um só tempo divina e humana. Isso exige que levemos em consideração a humanidade de Jesus como a forma “visível” da Palavra. A encarnação também exige que consideremos atentamente a humanidade do registro bíblico. Parte de nossa exegese histórico-gramatical (veja p. 34-5) é perceber que narrativa, parábola, hino, preceito legal e visão apocalíptica, para mencionar apenas alguns gêneros, todos usam palavras de diferentes maneiras para comunicar a verdade de Deus. Essas questões da exegese da literatura jamais podem ser separadas do interesse pelos outros dois aspectos da Bíblia. Os três caminham lado a lado e são inseparáveis ao longo de todo o trabalho da teologia bíblica. As palavras invariavelmente nos indicam os fatos históricos que constituem a estrutura da revelação bíblica. Entender a Bíblia significa entender as palavras que os autores bíblicos empregaram da maneira que eles pretenderam que fossem entendidas. O SEGUNDO COMPONENTE Nem todos os textos da Bíblia falam diretamente da história de Israel e da igreja primitiva. No entanto, em geral, a Bíblia trata de uma sucessão específica de acontecimentos históricos. Embora os historiadores críticos (com base em pressupostos humanistas) possam questionar se a história bíblica é narrada do modo que realmente ocorreu, não há nenhuma dúvida de que a Bíblia de fato apresenta essa narrativa como uma série de acontecimentos históricos relacionados de importância central para a mensagem bíblica. Para começar, precisamos de um esboço da história que destaque os principais acontecimentos da narrativa bíblica. A história bíblica não se atém a todas as regras que os historiadores seculares impõem, e isso às vezes gera tensão entre o que a Bíblia diz e o que os historiadores modernos reconhecem. Nesse ponto, nossos pressupostos sobre a revelação são importantes. Obviamente, acontecimentos como a Criação e a Queda não são passíveis de investigação histórica, mas os aceitamos como verdadeiros com base na revelação de Deus. Alguns historiadores cristãos não reconhecem isso e por isso acham que devem ser céticos em relação aos acontecimentos bíblicos sem comprovação de evidências exteriores à Bíblia. O que eu disse no capítulo 2 é relevante aqui. Não só o significado dos acontecimentos históricos nos chega pela revelação de Deus, mas também os próprios fatos, sobretudo quando estão além dos meios normais de investigação histórica, podem ser revelados por Deus. Entender a Bíblia significa entender a narrativa histórica na qual a mensagem da Bíblia se revela. O TERCEIRO COMPONENTE Do mesmo modo que é impossível falar da literatura da Bíblia dissociada da história na Bíblia, também é impossível falar da literatura e da história bíblicas dissociadas da revelação da Bíblia. Uma vez que é indissociável da revelação, a história bíblica se estende para além dos limites da história secular nos dois sentidos. Ela considera a história como acontecimentos com significado e interligados no tempo, os quais emergem da eternidade passada e vão além de nosso tempo para um futuro em que novamente imergem na eternidade. A revelação pode escrever uma história futura porque o revelador é o Senhor da história, que tem total controle dos acontecimentos e está dirigindo tudo quanto existe para o seu destino final. Portanto, as palavras, a história e a revelação são os aspectos fundamentais da Bíblia que podem ser claramente distinguidos, mas não separados. Uma vez que a Bíblia como a Palavra de Deus obtém sua natureza de Jesus Cristo, a Palavra de Deus, podemos enxergar nele as mesmas relações. As palavras de Jesus e o registro inspirado a seu respeito são indissociáveis da pessoa histórica e de seus atos. Todos se combinam e assim constituem a revelação de Deus. Entender a Bíblia significa entender de que modo as palavras e a história são usadas para revelar a verdade acerca de Deus e de sua atividade redentora. CRISTO COMO PADRÃO DA TEOLOGIA BÍBLICA Uma vez que Cristo é a síntese de toda a revelação bíblica, o que é revelado dele rege o nosso modo de fazer teologia bíblica. Jesus de Nazaré é a mais plena autorrevelação de Deus à humanidade. Ele traz plena luz ao que, desde o início, foi apresentado no Antigo Testamento como sombra. Embora Cristo seja o cumprimento e a realidade concreta, ele não pode ser entendido isoladamente das promessas e sombras do Antigo Testamento. De nosso ponto de partida com Cristo, nós nos vemos caminhando para trás e para frente entre os dois Testamentos. Nossa compreensão do evangelho é aprimorada com a compreensão de suas raízes veterotestamentárias, ao mesmo tempo que o evangelho nos mostra o verdadeiro significado do Antigo Testamento. É difícil representar essa inter-relação entre os dois Testamentos na presente elaboração de uma teologia bíblica. Não obstante, temos de procurar fazer isso realçando Cristo tanto como nosso ponto de partida quanto como o alvo ao qual nos dirigimos. Cristo é o ponto em que começamos porque ele nos mostra a que de fato diz respeito a mensagem revelada do Antigo Testamento. Com base no evangelho, podemos dizer que uma teologia bíblica se concentra em determinados elementos fundamentais da mensagem da Bíblia. A relação de Deus com a sua criação em geral e com a humanidade em particular é um desses elementos. O evangelho nos mostra o que era para ser essa relação. Mostra que, embora a humanidade tenha se rebelado contra essa relação, deteriorando-a, Deus revelou o seu meio para restaurá-la. Jesus Cristo mostra que a teologia bíblica diz respeito a Deus inaugurar seu reino, no qual todas as relações são restauradas à perfeição. A ESCOLHA DE UM TEMA CENTRAL Há uma grande diversidade na Bíblia. Os muitos autores pertencem a ambientes culturais variados. Eles dão ênfase a aspectos diferentes do que Deus está fazendo e de como está fazendo. As formas de expressarem a verdade em palavras são diversas. Contudo, o pressuposto claro ao longo das Escrituras é que se trata do testemunho de uma obra singular realizada por um único Deus. Com base no que Jesus e os apóstolos ensinaram, reconhecemos que a diversidade de expressão na Bíblia existe dentro de um todo coeso. O problema para uma teologia bíblica, sobretudo se ela pretende ser introdutória, como é o caso desta, é qual princípio de unidade pode ser enfocado para apresentar as relações essenciais de todas as partes da Bíblia. Tendo em vista que a Bíblia não se apresenta como um acervo de ideias abstratas ou pensamentos filosóficos, mas, antes, enfatiza os atos de Deus na criação e na história, a teologia bíblica deve evitar o que é abstrato e se concentrar nos próprios fatos e na interpretação deles conforme registrados na Bíblia. Na próxima seção do livro, vamos examinar a progressão histórica da revelação de Deus com ênfase especial na relação de aliança e em como ela se enquadra no governo de Deus sobre sua criação, no que vem a ser chamado de o reino de Deus. Não vamos nos ocupar de aspectos técnicos a respeito do que é a aliança, mas, sim, da noção de aliança como compromisso de Deus para com a sua criação em geral e a humanidade em particular, mediante a criação e a redenção. Uma vez que a aliança se faz evidente pela primeira vez no compromisso de Deus com a sua criação logo no início e que a aliança de redenção é o compromisso divino de renovar todas as coisas em uma nova criação, escolhi os temas interligados da aliança e da nova criação como elemento unificador na mensagem bíblica. O tempo e o espaço de que dispomos não nos permitem investigar em pormenores todos os temas diferentes que podem ser considerados a base da unidade bíblica. A maioria deles aparecerá de um jeito ou de outro em nosso exame da teologia bíblica, mas precisamos nos concentrar em um só para realçar o fato da unidade. A teologia bíblica precisa destacar algum tema, ou temas que constituam a base para o entendimento da mensagem única e unificada da Bíblia. GUIA DE ESTUDO 1. Quais são os motivos para considerar Jesus Cristo o ponto de partida para fazer teologia bíblica? 2. Como você define a relação entre a literatura, a história e a teologia da Bíblia? 3. De que modo Cristo é o padrão da teologia bíblica? 4. A teologia bíblica reconhece tanto a unidade quanto a progressão da mensagem bíblica. Você pode sugerir uma estrutura para uma teologia bíblica que use como tema central “o povo de Deus”? LEITURA COMPLEMENTAR BT. cap. 2. GK. caps. 3 e 4. YOUNGBLOOD, Ronald. The heart of the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1971). TERCEIRA PARTE TEOLOGIA BÍBLICA — O QUÊ? Até aqui perguntamos por que e como fazer teologia bíblica. Agora podemos perguntar qual é o conteúdo da teologia bíblica. Nesta parte nos propomos delinear alguns dos temas principais da revelação que se desenvolvem progressivamente na Bíblia até terem sua expressão mais plena na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Eu sou o Primeiro e o Último … Sou o primeiro e o último. Eu sou o que vive; fui morto, mas agora estou aqui, vivo para todo sempre… (Ap 1.17,18). O EVANGELHO DE JESUS CRISTO A principal mensagem da Bíblia acerca de Jesus pode facilmente se confundir com toda sorte de assuntos relacionados a ela. Percebemos isso no modo que as pessoas definem ou pregam o evangelho. Contudo, é importante manter o evangelho em si claramente distinto de nossa resposta a ele ou das consequências dele em nossa vida e no mundo. Se a nossa resposta apropriada ao evangelho é a fé, não devemos tornar a fé parte do próprio evangelho. Seria absurdo chamar as pessoas a terem fé na fé! Embora o novo nascimento tenha uma relação estreita com a fé em Cristo, é um erro falar do novo nascimento como se ele mesmo fosse o evangelho. A fé no novo nascimento em si não nos salva. É importante, portanto, entender o que o evangelho é, para incluirmos aquilo em que se deve crer, e o que o evangelho não é, para não exigirmos que as pessoas creiam em mais do que o necessário para a salvação. A Bíblia contém uma série de declarações do evangelho, das quais uma das mais claras está em Romanos 1.1-4. Com ela aprendemos quatro informações 1.importantes sobre o evangelho: O evangelho de Deus, 2. que ele antes havia prometido pelos seus profetas […] 3. acerca de seu Filho, que […] nasceu da descendência de Davi […] 4. e com poder foi declarado Filho de Deus […] pela ressurreição […] Em primeiro lugar, trata-se do evangelho de Deus. Ele é o seu autor e quem o põe em ação. O evangelho realiza o que Deus quer que realize e do modo que ele determina. Trata dos problemas que Deus percebe e expõe. Não trata principalmente de nossas necessidades como as percebemos — como posso viver uma vida melhor, superar meus problemas emocionais, dar sentido a minha existência —, embora essas necessidades sejam contempladas. O evangelho é o meio de Deus lidar com seu “problema” de como ele, um Deus santo e justo, pode justificar e aceitar o pecador. Somente a sabedoria de Deus é suficientemente grandiosa para conceber um plano capaz de realizar isso. Em segundo lugar, trata-se do evangelho do Antigo Testamento. Uma parte importante da teologia bíblica é entender como as promessas feitas no Antigo Testamento são efetivamente cumpridas no Novo. Em outras palavras, o uso que nós cristãos fazemos do Antigo Testamento é orientado pelo modo que enxergamos a mensagem veterotestamentária referente a Cristo e, por intermédio dele, a nós. Porque Jesus é a nossa autoridade final e definitiva, nosso interesse essencial é em como ele e os apóstolos pregavam o evangelho usando o Antigo Testamento como as Escrituras que eles seguiam. Em terceiro lugar, há o tema claro do evangelho. Ele diz respeito ao Filho, de modo que não é a respeito do Pai nem do Espírito, tampouco do crente. O Filho é identificado claramente. Ele não é só Deus Filho, a segunda pessoa da Trindade eterna. Ele é Jesus de Nazaré, descendente de Davi, o rei de Israel. Isso define os limites do evangelho em relação ao Jesus histórico e seu nascimento em uma família importante, sua vida, morte, ressurreição e ascensão. Para pregar o evangelho, temos de falar sobre essas coisas e o significado delas para a nossa salvação. Em quarto lugar está o fato central do evangelho, que é a ressurreição de Jesus dentre os mortos. Paulo diz que a ressurreição identifica Jesus como o Filho de Deus. A ressurreição não é percebida claramente no Antigo Testamento por razões que observaremos mais adiante. Todavia, há alguma menção do Filho de Deus como título do povo de Deus. Agora temos de perguntar como a ressurreição demonstra que Jesus é esse Filho de Deus. VERDADE FUNDAMENTAL, MAS QUE NÃO É EVANGELHO Outros aspectos importantes da obra de Deus que em si não são o evangelho estão associados ao evento do evangelho. Se cremos no evangelho, provavelmente também creiamos nesses aspectos, mas eles não são o foco de nossa confiança como é a obra salvadora de Jesus. Não os pregamos aos não crentes como centro de nossa mensagem. Primeiro, há a obra distinta de Deus Pai. A Bíblia nos diz que Deus não é dividido; ele é um. Assim, Pai, Filho e Espírito Santo estão envolvidos em todos os aspectos da obra de Deus. Mas a natureza trina do Deus único implica que cada uma das três pessoas tem papéis distintos, mesmo que as outras duas estejam envolvidas. O Pai, ao que tudo indica, é a pessoa que elege, gera e envia o Filho ao mundo. Pregar a obra do Pai, mesmo que seja “… Deus amou tanto o mundo…”, de João 3.16, não é pregar o evangelho, a não ser que apresentemos os fatos sobre a pessoa e a obra do Filho. Em segundo lugar, há a obra distinta do Espírito Santo. Ele concede a fé e o novo nascimento, dá testemunho de Cristo ao nosso coração, habita os que são de Deus e os santifica. Todas essas obras de Deus são boas e necessárias e não existem sem o evangelho. Contudo, temos de distingui-las do evangelho. Elas são as consequências, ou frutos, da obra do evangelho de Jesus. Em terceiro lugar, assinalamos que o que eu faço ou você faz em resposta ao evangelho não é em si o evangelho. Não se pode dizer que arrependimento e fé são o evangelho. Arrependimento e fé são as respostas que o Espírito Santo nos capacita a ter em relação ao evangelho. Se você disser aos não crentes que eles devem confiar em Cristo, crer nas boas-novas e confessar seus pecados, essas coisas são certamente verdadeiras, mas elas não são o evangelho. Temos de lhes dizer no que devem crer e confiar a respeito de Cristo, o que são as boas-novas para que eles creiam nelas e por que os pecados têm de ser confessados. O Novo Testamento ressalta a pessoa histórica de Cristo e o que ele fez para nos permitir, mediante a fé, ser amigos de Deus. O Novo Testamento também o destaca como aquele que sintetiza todas as promessas e expectativas do Antigo Testamento e que as leva ao devido apogeu e cumprimento. Aqui existe uma ordem de prioridade que temos de levar em conta para entender a Bíblia corretamente. É o evento do evangelho que produz fé no povo de Deus, e o evangelho motivará, dirigirá, modelará e capacitará a vida da comunidade cristã. Por isso, começamos pelo evangelho e caminhamos para o entendimento da vida cristã e do alvo final para o qual nos dirigimos. Novamente, começamos pelo evangelho e voltamos ao Antigo Testamento para entender o que está por trás da pessoa e da obra de Cristo. O Antigo Testamento não é completamente suplantado pelo evangelho, pois isso o tornaria irrelevante para nós. Ele nos ajuda a entender o evangelho nos mostrando as origens e o significado dos vários conceitos e palavras especiais empregados para falar de Cristo e de suas obras no Novo Testamento. Contudo, também reconhecemos que Cristo é a palavra mais plena e final de Deus à humanidade. Como tal, Cristo nos revela o significado final do Antigo Testamento. E não só isso, como veremos à medida que prosseguirmos. OS QUATRO EVANGELHOS COMO TESTEMUNHOS DO EVANGELHO Os quatro Evangelhos são formas literárias distintas assim chamados porque o conteúdo principal deles é o evangelho. Como seus respectivos autores apresentaram o evangelho? Darei atenção especial à obra de dois volumes de Lucas, constituída por seu Evangelho e pelo livro de Atos dos Apóstolos. Antes, porém, vamos observar a introdução dos outros três Evangelhos. Cada autor tem um enfoque distinto, mas todos têm algo em comum: eles estabelecem uma ligação imediata entre a sua mensagem e a do Antigo Testamento. Mateus apresenta o vínculo familiar histórico de Jesus até Abraão e assim relaciona a história de Israel ao evangelho. Marcos entende que o evangelho de Jesus Cristo tem como base uma mensagem profética do Antigo Testamento. João recorda as palavras iniciais de Gênesis e assim aponta para Jesus de Nazaré como o Criador, que agora veio em carne. Quando Mateus inicia seu Evangelho com a árvore genealógica de Jesus, passando por três grupos de quatorze gerações, ele não está simplesmente apresentando um registro de linhagem humana. Os três grupos vão de Abraão a Davi, de Davi ao Exílio e do Exílio a Cristo. O significado teológico desses marcos da história de Israel subjaz à interpretação de Cristo no Evangelho de Mateus. Abraão e Davi são os principais recebedores das promessas de Deus, enquanto o Exílio mostra o fracasso de Israel em receber as bênçãos dessas promessas. Jesus Cristo é apresentado nesse Evangelho como aquele por meio de quem as promessas se cumprem. Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Mt 1.1). Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Conforme está escrito no profeta Isaías… (Mc 1.1,2). No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus […] Todas as coisas foram feitas por intermédio dele […] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós… (Jo 1.1,3,14). Marcos começa com algumas profecias da última parte da história de Israel. Estas dizem respeito ao anúncio dos atos finais de Deus para a salvação de seu povo. Marcos liga essas profecias a João Batista, que prepara o caminho para Jesus, e assim apresenta o seu Evangelho como um relato do que Jesus fez para cumprir as expectativas do Antigo Testamento. Quando João relembra a Criação, não tem tanto em mente o início do universo, mas, sim, que Deus o criou pela sua palavra. A palavra de criação é a palavra pela qual ele se revela e redime o seu povo. Um dos temas fundamentais de João é a vida. A humanidade recebeu a vida de Deus na Criação, mas perdeu-a pela desobediência na Queda. João desenvolve em seu Evangelho muitos temas do Antigo Testamento, a fim de mostrar que os que creem em Jesus Cristo têm a vida restaurada (Jo 20.31). O TESTEMUNHO DE LUCAS-ATOS Lucas inicia o seu Evangelho dirigindo-se a certo Teófilo. A introdução de Atos, também dirigida a Teófilo, mostra que seu objetivo é ser uma sequência do Evangelho, que Lucas define como um relato do que Jesus começou a fazer e a ensinar. Tendo em vista que o Evangelho nos leva até a ascensão de Jesus ao céu, podemos concluir que Atos trata do que Jesus continuou fazendo por meio do Espírito Santo. Tema do Antigo Testamento Lucas O profeta Elias voltará para preparar o João Batista cumpre o papel de Elias caminho do Salvador (Ml 4.5,6). (Lc 1.17). Deus prometeu a Davi que os seus Jesus é esse descendente e cumpre o descendentes sempre teriam o trono papel de linhagem de Davi (Lc 1.27(2Sm 7.12-14). 32). Deus prometeu a Abraão que os seus Maria entende o nascimento de Jesus descendentes seriam o povo de Deus como cumprimento das promessas a (Gn 17.1-8). Abraão (Lc 1.54,55). As promessas da aliança de Deus a Zacarias entende o nascimento de Abraão e a Davi (Gn 17; 2Sm 7). João Batista à luz das promessas da aliança (Lc 1.70-75). A salvação de Israel terá efeitos para Simeão entende que Jesus é o as nações (Is 42.6; 52.10). portador dessa salvação (Lc 2.29-32). O povo de Deus é chamado de o filho Jesus é chamado em seu batismo de de Deus (Êx 4.22). o Filho de Deus (Lc 3.22-28). Adão e Israel fracassam quando Jesus vence a tentação de Satanás tentados (Gn 3; Dt 8). (Lc 4.1-12). O Messias prometido pelo profeta (Is Jesus cumpre a promessa (Lc 4.1661). 21). Nosso presente interesse nessa obra de duas partes é sua ênfase no Antigo Testamento e sua relação com a pessoa e a obra de Jesus. Nos quatro primeiros capítulos, percebemos que Lucas recorda uma série de temas do Antigo Testamento, entre eles, os mencionados no diagrama acima. Esse senso de cumprimento do Antigo Testamento é mais forte nos sermões de Jesus posteriores a sua ressurreição. Os dois discípulos da estrada de Emaús pensavam que a morte de Jesus significava o fim de todas as suas esperanças. Jesus os repreende, porque deviam ter entendido melhor o evangelho pelo Antigo Testamento. A morte de Cristo (Messias) é claramente parte da mensagem dos profetas. … Ó tolos, que demorais a crer no coração em tudo o que os profetas disseram! Acaso o Cristo não tinha de sofrer essas coisas e entrar na sua glória? (Lc 24.25,26). Isso levou ao que seriam duas das instruções mais importantes que Jesus já deu: E, começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras (Lc 24.27). Depois lhes disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco: Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lc 24.44,45). Podemos apenas supor que Lucas não entra em detalhes aqui sobre o próprio método de Jesus interpretar o Antigo Testamento porque isso será amplamente demonstrado nos sermões dos apóstolos registrados em Atos. Atos apresenta essa mesma forte ênfase na relação do evangelho com a mensagem do Antigo Testamento. Em diversas ocasiões, Lucas registra, e supostamente resume, um discurso ou sermão sobre o evangelho. Encontramos esses sermões em Atos 2.14-39; 3.13-26; 4.10-12; 5.30-32; 10.36-43; 13.16-41. Podemos somar a esses o discurso de Paulo aos atenienses, em Atos 17.2231. Todos eles apresentam alguns elementos comuns indicativos do conteúdo do evangelho pregado pelos apóstolos. O cumprimento do Antigo Testamento é um desses elementos, constantemente mencionado. Se, como em geral se acredita, Lucas era um não judeu escrevendo a outros não judeus, é mais notável que ele não considera as origens veterotestamentárias do evangelho de interesse apenas de judeus. Pelo contrário, ele se refere constantemente ao evangelho apostólico como o evangelho que é pregado a partir do Antigo Testamento, sem o qual é inexplicável. Os primeiros sermões registrados tanto de Pedro como de Paulo são mais ou menos detalhados, e o conteúdo do Antigo Testamento pode ser facilmente observado neles. Evangelho 1. O Antigo Testamento é cumprido Pedro (Atos 2) Paulo (Atos 13) versículos 16-21, versículos 25-31, 34-36 23,32-39 16- 2. na pessoa e na obra de Jesus de versículo 22 Nazaré, versículos 23-26 3. que morreu versículo 23 versículos 27-29 4. e ressuscitou versículos 24,32 versículos 30,31,34-37 5. e agora está exaltado. versículos 33,36 versículo 34 6. Por meio dele, há perdão dos versículo 38 pecados. versículos 38,39 7. Portanto… versículos 40,41 versículos 38-40 Já foi dito o suficiente para indicar a perspectiva do Novo Testamento sobre a pessoa de Cristo. Seria absolutamente impossível proclamar Jesus Cristo como o Salvador sem mencionar sempre os fundamentos que foram lançados na história da obra salvadora de Deus no Antigo Testamento. Alfa (A) e ômega (Ω) são a primeira e a última letras do alfabeto grego. Quando é dito que Jesus é o A e o Ω, o primeiro e o último, o início e o fim (Ap 22.13), isso certamente significa que ele é Deus (veja Ap 1.8,17,18). Entretanto, isso também nos indica a realidade do que viemos examinando neste capítulo: Jesus é o nosso ponto de partida para todo verdadeiro conhecimento e, portanto, para a teologia. Ele é o alvo para o qual nos dirigimos. Percebemos isso em nossa existência cristã, pois começamos a vida de filhos de Deus quando somos unidos a Cristo pela fé em sua obra salvadora, e o nosso destino é ser enfim transformados conforme sua imagem. Agora que observamos alguns temas do Antigo Testamento que são retomados no Novo Testamento, somos compelidos a examinar todo o alicerce veterotestamentário do evangelho. Com efeito, existe um sentido real em que o evangelho não pode ser o evangelho sem o Antigo Testamento. Ao caminharmos de volta para o início da narrativa bíblica, e conforme a seguirmos até chegar novamente ao evangelho, faremos isso com a perspectiva cristã de que a progressão de acontecimentos somente encontrará o seu verdadeiro significado em Cristo. Nunca é demais repetir isso. O Antigo Testamento é uma narrativa sem final. Tanto o judaísmo quanto o islamismo providenciaram seus respectivos finais para a narrativa, os quais nós, como cristãos, não podemos reconhecer como válidos. Jesus Cristo é o objetivo do Antigo Testamento e lhe dá seu verdadeiro significado. Qualquer entendimento do Antigo Testamento ou comentário sobre ele que não deixe isso claro é, na melhor das hipóteses, incompleto e, na pior, não cristão. Alguns temas do Antigo Testamento aplicados pelo Novo Testamento a Cristo Criador Filho de Abraão Nova aliança Palavra Filho de Davi Salvação Sabedoria Profeta Servo de Deus Filho de Deus Sacerdote O Ungido Adão Rei Redenção Israel Luz das nações Pastor GUIA DE ESTUDO 1. Que elementos do evangelho são 1Coríntios 15.1-11 e 2Timóteo 2.8? mencionados em 2. Usando os esboços de sermões em Atos 3.13-26; 4.10-12; 5.30-32; 10.36-43, faça um quadro do conteúdo deles semelhante ao das páginas 87-8. 3. Além do evangelho, o que mais pode conter um sermão evangelístico? Por quê? 4. Há maior ênfase no Novo Testamento em entender Cristo pelo Antigo Testamento ou em entender o Antigo Testamento por Cristo? Exponha os motivos de sua resposta. LEITURA COMPLEMENTAR CHAPMAN, J. C. Know and tell the gospel (London: Hodder & Stoughton, 1985). GREEN, Michael. Evangelism in the early church (London: Hodder & Stoughton, 1970). esp. cap. 3. ______. Evangelizacão na igreja primitiva. 2. ed. Tradução de Hans Udo Fuchs (São Paulo: Vida Nova, 1989). Tradução de: Evangelism in the early Church. IBD. Verbete “Gospels”. ROBINSON, Donald. Faith’s framework (Exeter: Paternoster, 1985). Criação pela Palavra No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito existiria (Jo 1.1-3). … porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra […] tudo foi criado por ele e para ele (Cl 1.16). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS 1 E2 No princípio, Deus criou tudo o que existe. Criou Adão e Eva e os colocou no Jardim do Éden. Deus lhes falou e deu determinadas tarefas no mundo. Por alimento, ele lhes permitiu que comessem dos frutos de todas as árvores do jardim, exceto de uma. Ele os advertiu de que morreriam se comessem o fruto dessa única árvore. DEUS CRIA POR SUA PALAVRA O evangelho de Jesus Cristo nos revela Deus. O evangelho só tem significado se o Deus que o concebeu for o Senhor e Criador soberano do universo. Pelo evangelho sabemos o propósito da criação e o significado do universo. Os relatos da Criação em Gênesis 1 e 2 nos contam sobre o início de todas as coisas, além de nos informar sobre a relação entre elas. Como essas coisas deviam se relacionar está intimamente ligado ao propósito delas. Essas relações, que mais tarde foram perturbadas pelo pecado, estão no centro do evangelho, com o qual Deus está restaurando todas as coisas de volta às relações corretas. Os relatos bíblicos da Criação são um tormento para a mentalidade moderna, uma vez que não tratam das questões para as quais desejamos respostas. Como posso saber se existe um Deus? De onde veio Deus? O que havia antes do início, e podemos mesmo considerar um início? Como Deus pode criar do nada? Qual é o significado da eternidade? Entre outras perguntas. Temos de nos satisfazer em procurar entender o que a Bíblia está nos dizendo. Nossa fonte principal é Gênesis 1 e 2, embora muitas outras passagens da Bíblia tratem do tema da Criação. O que a Bíblia quer dizer quando afirma que Deus criou por sua palavra? O Novo Testamento menciona isso várias vezes: João 1.3; Colossenses 1.16; Hebreus 11.3; 2Pedro 3.5-7. Esses textos são importantes para a nossa compreensão do ensino do Antigo Testamento. Contudo, ainda é importante examinarmos os textos do Antigo Testamento em seus respectivos contextos israelitas originais. Não sabemos quem pela primeira vez teve a revelação de Deus a respeito da Criação. Muito se discute acerca de quando a passagem de Gênesis 1 e 2 foi escrita na forma em que a temos hoje. Mesmo que esses textos sejam de Moisés, de acordo com as atribuições mais conservadoras, ainda assim eles ainda ingressam na corrente do pensamento israelita percorrendo um longo caminho no curso da história bíblica. Menciono isso não para incitar dúvidas sobre a fidedignidade desses relatos, mas, pelo contrário, para chamar a atenção para a consciência, em Israel, da soberania absoluta de Deus e de sua palavra. Soberania significa exercer o poder de rei. Empregamos essa palavra em relação a Deus para dizer que não há absolutamente nada que ele não controle. A criação é uma demonstração dessa soberania. Deus não teve início, mas o universo teve. Portanto, este foi criado a partir do nada, um fato muitas vezes referido pela expressão latina ex nihilo (do nada). A grandiosidade de Deus se manifesta no fato de ele simplesmente dizer “Haja…” para que as coisas passem a existir. Nada o compeliu a criar, pois não havia nada nem ninguém para o obrigar. Nem tampouco ele foi compelido por algo em si mesmo, como solidão, por exemplo. A soberania de Deus na criação significa sua liberdade absoluta. Soberania e liberdade absolutas são atributos além da nossa compreensão, pois jamais as poderemos experimentar. Não obstante, temos de aceitálas como fatos a respeito de Deus e aprender a identificá-las em suas obras e em suas palavras. Outro efeito da Criação pela palavra de Deus é deixar claro que ele decidiu relacionar todas as coisas pela sua palavra. Não há como enfatizar demasiadamente essa verdade. A supremacia da palavra de Deus no mundo remonta à Criação. Todas as criaturas têm de se curvar à palavra do Criador. O governo de Deus sobre a criação mediante sua palavra indica a real distinção entre Deus e sua criação. Algumas ideias modernas com intenso apelo para as religiões orientais ensinam que não existe nenhuma distinção real entre Deus e a criação. Considera-se que Deus é tudo, e tudo é Deus. Contudo, a Bíblia ensina que Deus se distingue e está além de tudo quanto foi criado e existe no universo. A palavra usada para definir essa distinção é transcendência. Essa nova moda baseada no hinduísmo e conhecida como meditação transcendental é, na verdade, uma negação de que existe um ser transcendente ou Deus. Deus, o Senhor, decide se relacionar com a sua criação por meio de sua palavra. A PALAVRA E A ORDEM ESTABELECIDA Por que Gênesis 1 relata que a criação ocorreu em seis dias? A essa pergunta foram dadas diferentes respostas, que variam de “porque foi assim literalmente que aconteceu” até “porque se trata de um arranjo artificial para ajudar na memorização dos detalhes”. É verdade que a palavra hebraica para “dia” (yom) é empregada em todo o Antigo Testamento designando o dia normal tal como o conhecemos. Mas também é verdade que é usada para designar períodos de tempo mais longos não especificados. Não cabe aqui entrar nessa discussão, sobretudo no que diz respeito ao debate Criação versus evolução. Entretanto, podem-se tecer dois comentários. Primeiro, a passagem é única e, por isso, apresenta algumas dificuldades de interpretação. As possibilidades são muito mais numerosas do que uma simples opção entre a história estritamente literalista (que normalmente se entende como a Criação levada a efeito em seis períodos de 24 horas) e um mito não histórico (que em geral é tido como não tendo nenhuma relação com o fato histórico). É claro que os textos do Novo Testamento citados no início deste capítulo (Jo 1.3; Hb 11.3; 2Pe 3.5-7) entendem a Criação como um acontecimento histórico. Segundo, quando nos vemos diante de ambiguidades como essas, isto é, quando pode haver mais de uma possibilidade de entender uma passagem da Bíblia, o evangelho deve nos orientar, uma vez que ele é a palavra mais plena e definitiva de Deus ao homem. Pelo evangelho fica claro que Deus criou todas as coisas para uma finalidade e que ele exerce o seu governo sobre a criação mediante a sua palavra. Não está totalmente claro no evangelho que a Criação tenha ocorrido em seis períodos de 24 horas, nem tampouco que ela não tenha ocorrido assim. A questão não é se a Bíblia diz a verdade, mas como ela a diz. Dos dois relatos da Criação (Gn 1 e 2) podemos extrair uma série de verdades essenciais para a mensagem bíblica. A Criação não diz respeito apenas aos primórdios, mas também ao propósito e às relações. Os dois relatos fornecem perspectivas diferentes sobre a única realidade, que é uma criação em que existe perfeita harmonia. Com harmonia queremos dizer ausência de conflito entre os vários elementos da criação. Os relatos bíblicos desafiam constantemente nossa tendência de presumir que o significado de determinadas qualidades, como harmonia, bondade, entre outras, são evidentes por si. Os relatos de Gênesis mostram que a criação tem uma estrutura, a qual é descrita, em primeiro lugar, no que se refere aos elementos principais do universo e suas relações (Gn 1) e, em segundo lugar, no que se refere aos seres humanos e suas relações (Gn 2). No primeiro relato, lemos a confirmação progressiva de Deus sobre a bondade da criação (Gn 1.10,12,18,21,25). Por fim, Deus declara que “… tudo quanto fizera…” era “muito bom” (Gn 1.31). Não há indicação alguma de qualquer padrão autoevidente de bondade ou harmonia fora de Deus ao qual ele tenha conformado a sua criação. Deus, a fonte tanto de uma quanto de outra, é quem as define apresentando uma organização que é a expressão de sua bondade e harmonia. Desse modo, a boa ordem do universo é boa porque Deus declara que é. Ordem significa que existe uma função certa para cada coisa e uma relação correta de cada uma com todas as outras. Ordem também significa hierarquia. O Criador é Senhor sobre tudo e exerce esse senhorio pela sua palavra. Depois de Deus vem a humanidade, que recebe um senhorio secundário sobre o restante da criação. Desse modo, bondade e harmonia são características que só podem ser definidas por Deus, uma vez que ele estabeleceu relações entre ele mesmo e tudo quanto criou. Posteriormente, quando Israel veio a entender a bondade à luz da revelação de Deus de sua graça salvadora, as narrativas da Criação lembrariam a nação de que Deus é a única fonte de bondade e o único que a define. Essa revelação também seria um testemunho de que as rupturas nas relações, tão evidentes na história bíblica, não são originais na ordem das coisas nem tampouco caracterizam o Deus que criou boas todas as coisas. Deus não apenas cria o universo, mas também o rege. Essa providência, ou o governo contínuo do universo pelo Criador, vem a ser um aspecto proeminente da compreensão bíblica do propósito supremo de Deus, que nada, nem mesmo o pecado, pode frustrar. Ao estabelecer as relações de todas as coisas na criação e designar suas respectivas funções, Deus sustenta a ordem. O sol, a lua e as estrelas regulam o dia e a noite e as estações do ano (Gn 1.14-19). As plantas e os animais se reproduzem de acordo com a sua espécie (Gn 1.11-13,24,25). A existência humana de algum modo reflete a imagem de Deus e se caracteriza pelo domínio sobre o restante da criação (Gn 1.26-30). A vida humana é definida pela liberdade que Deus lhe deu e por limites e sanções. Somente um Deus constantemente comprometido em governar o universo pode advertir contra a rejeição de seu governo dizendo: “… no dia em que dela comeres, com certeza morrerás” (Gn 2.15-17). Por sua palavra, Deus criou todas as coisas e estabeleceu relações ordenadas entre elas. Por sua palavra, Deus continua sustentando a ordem no universo. DEUS AMA SUA CRIAÇÃO Os relatos da Criação não defendem a existência de Deus nem procuram explicar como ele pode existir eternamente. Ser o único que existe eternamente significa que apenas ele pode nos dizer que ele, de fato, existe. É por isso que a sua Palavra não pode ser testada nem provada; ela tem de ser a autoevidente Palavra de Deus. Do mesmo modo, a criação é a autoevidente criação dele. A Palavra de Deus e a criação confirmam do único modo possível que Deus existe. Ora, com base nisso você pode supor que, quando um não cristão perguntar: “Como posso saber que Deus existe?”, tudo o que você precisa responder é: “A Palavra e a criação dele provam isso”. É uma resposta correta, mas não vai convencer o não cristão, por motivos que temos de deixar para o capítulo seguinte. O Criador evidente por si mesmo, portanto, criou todas as coisas e estabeleceu entre elas uma ordem fixa de relações que ele afirmou ser muito boa. Como entender o sentido das palavras “… era muito bom…”? São palavras escritas em Israel e para Israel, que pertence a um mundo que continua existindo e ouvindo sobre o amor de Deus depois que o pecado entrou no mundo. Nesse contexto mais amplo, o ato livre de Criação e a aprovação de Deus expressa pelas palavras “muito bom” indicam um compromisso amoroso e imensamente forte da parte de Deus para com tudo o que ele criou. No contexto imediato de Gênesis 1, as palavras não necessariamente significam o compromisso amoroso e a intenção de continuidade, mas elas são coerentes com esses fatos, visto que surgem mais tarde nos registros bíblicos. Tudo o que a Bíblia diz sobre o compromisso de Deus com a sua criação e com o seu povo procede da comunicação inicial: “No princípio, Deus criou os céus e a terra”. Não é preciso muita imaginação para perceber que o Deus que cria também é o Deus que governa. Reino de Deus é um nome que não é usado na Bíblia até muito tempo depois, mas a ideia desse reino nos vem à mente de imediato quando pensamos na Criação. Esse ato livre de Deus e o seu governo contínuo sobre tudo o que ele criou, a sua soberania, comprovam o elemento fundamental da teologia bíblica que mencionei anteriormente neste capítulo: Deus é distinto de sua criação. Jamais devemos nos considerar, nem a natureza, parte de Deus. Nem Deus tampouco faz parte da “natureza” ou de seus processos. Portanto, ele não está sujeito às regularidades observadas na ordem das coisas, que chamamos de leis da natureza. É essa distinção entre o Criador e a criação, sobre a qual ele tem pleno controle, que subjaz aos milagres. Como podemos falar do reino de Deus conforme ele foi revelado até este ponto nas Escrituras? O reino de Deus envolve as relações que ele estabeleceu entre si e tudo o que há na criação. Em outras palavras, Deus cria as regras para tudo quanto existe. Os dois relatos da Criação apresentam a humanidade como o centro da atenção de Deus e o alvo de uma relação singular com ele. Por isso, o foco do reino de Deus está na relação entre Deus e o seu povo. O homem é sujeito a Deus, enquanto o restante da criação é sujeito ao homem e existe para o benefício dele. O reino significa Deus governando sobre o seu povo no universo material. Esse entendimento elementar do reino jamais se altera nas Escrituras. A bondade da criação: No universo que criou para o seu povo, Deus reina sobre esse povo com o compromisso constante e amoroso com toda a criação. Isso é o reino de Deus. HOMEM CRIADO À IMAGEM DE DEUS O Antigo Testamento se refere apenas três vezes à criação do homem segundo a imagem de Deus: Gênesis 1.26,27 e 9.6. Nenhuma delas nos diz o que isso significa. A primeira liga a imagem (hebraico: tselem) à semelhança (hebraico: demuth) e, em seguida, ao domínio do homem sobre a criação. A segunda liga a imagem de Deus à criação do ser humano como homem e mulher. Em nenhum dos casos podemos afirmar que há intenção de definir o que significa ser criado à imagem de Deus. A terceira referência indica a criação à imagem de Deus como a razão para que o homicídio seja um crime punível com a pena capital. Se são tão poucas as referências à criação à imagem de Deus, poderíamos pensar que não se trata de uma ideia muito importante. O mais seguro, porém, é concluir que o significado de ser criado à imagem de Deus é exposto de outras formas nas Escrituras. Ao se referir ao homem, a Bíblia mostra que ele tem dignidade especial diante de Deus. A imagem de Deus é um modo de se referir a essa dignidade. Podemos dizer sem dúvida que a imagem indica a singularidade dos seres humanos, que consiste no mínimo em uma relação especial com Deus. Ser conforme a semelhança de Deus (Gn 1.26) é outro modo de afirmar ser à imagem de Deus e não se refere a nenhum atributo distinto da imagem. O domínio não é a definição da imagem, mas, provavelmente, uma consequência dela. Se a sexualidade humana (Gn 1.27) está relacionada à imagem, deve estar em um nível não compartilhado pelas outras criaturas, que também têm sexualidade física. Portanto, a imagem divina no homem demonstra que pertence à sua dignidade ser o seguinte, depois de Deus, na ordem das coisas (Sl 8.5). Embora Deus tenha o compromisso com toda a sua criação de mantê-la e preservar-lhe a boa ordem, a humanidade é o foco especial de seu cuidado. A criação existe para o nosso benefício. A humanidade é a representante de toda a criação, de modo que Deus lida com a criação com base em como ele lida com os seres humanos. Somente o homem é tratado como um ser que conhece Deus e foi criado para viver intencionalmente para Deus. Quando o homem caiu por causa do pecado, a criação caiu com ele. Para restaurar toda a criação, Deus age por intermédio de seu Filho, que se fez homem para restaurar o homem. A criação inteira aguarda ansiosamente que o povo redimido de Deus seja enfim revelado como filhos de Deus aperfeiçoados, pois nesse momento a criação será libertada de seu próprio cativeiro (Rm 8.19-23). Essa visão geral do homem como o objeto da redenção de Deus e de seu amor aliancístico confirma o significado central dado ao homem em Gênesis 1 e 2. A imagem de Deus no homem: A humanidade foi criada em uma relação única com Deus. Deus também trata com o homem pessoalmente como a criação mais elevada e o foco de seu propósito. O HOMEM, UMA CRIATURA QUE É GOVERNADA O homem moderno acredita que ele próprio está no comando. Ele estabelece o seu próprio ritmo, cria as suas próprias regras e não agradece a ninguém, senão a si mesmo, o progresso e os bens da vida. A doutrina bíblica da Criação contradiz tudo isso. Tudo o que somos e temos é dádiva de Deus. A singularidade da raça humana não está em ter se desenvolvido mais ou sobrevivido melhor, mas em ter sido criada à imagem de Deus. A raça humana é a criatura de Deus, e não se pode mudar esse fato o negando ou ignorando. Como criaturas de Deus, somos completamente dependentes dele para tudo. Dependemos do governo e da providência constantes de Deus na natureza não só para a produção de alimentos e outros bens, mas também para cada momento de nossa existência. Inspiramos mais um pouco de ar, nosso coração bate mais uma vez, temos consciência de mais um momento de nossa existência tão somente porque Deus continua sustentando a própria substância da criação. Não há nenhuma lei da natureza autossustentável. Se Deus retirasse por um átimo de segundo a sua palavra poderosa, o universo deixaria de existir nesse mesmo átimo de segundo. É por isso que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus (Dt 8.3; veja também Sl 104.24-30). Desse modo, Cristo, como a Palavra de Deus criadora, sustenta “… todas as coisas pela palavra do seu poder…” (Hb 1.3) e “… nele tudo subsiste” (Cl 1.17). Mas o que é o homem? Continuamos fazendo essa pergunta assim como o salmista fez no salmo 8. As pessoas respondem a ela de várias formas. O evolucionista ateu considera o homem o mais complexo desenvolvimento de forma de vida graças a uma combinação de tempo e acaso. O teísta ou cristão evolucionista enxerga o homem como o resultado do tempo mais a intervenção contínua de Deus no processo evolutivo. Outros se concentram na descrição de algum aspecto do ser humano, como a sua estrutura física, seus processos psicológicos ou suas relações sociais. Os relatos da Criação, porém, nos ensinam que nenhuma tentativa de definir os seres humanos é adequada se não incluir ao menos o reconhecimento de nossa criação à imagem de Deus. Ainda que hesitemos em definir o que isso significa, a realidade da imagem de Deus nos diz que a humanidade não existe verdadeiramente sem uma relação especial com Deus. Todas as tentativas de definir o que significa ser humano necessariamente fracassam quando deixam Deus de fora. Além do mais, faz parte da relação entre Deus e o homem ser este informado de quais são as suas funções (Gn 1.26-28). A sexualidade humana tem de ser entendida na perspectiva dessa relação, assim como entendemos o domínio que exercemos sobre a criação. A busca humana de conhecimento e tecnologia, e, na verdade, todo o nosso desenvolvimento cultural, são tarefas que Deus atribuiu a nós. O homem é singularmente responsável diante de Deus. Ser responsável significa prestar contas a alguém daquilo que fazemos. Enfraquecemos o significado da palavra ao fazê-la se referir a uma qualidade que os indivíduos têm em graus variados. Contudo, a pessoa que talvez definamos como irresponsável e outra que consideremos responsável devem igualmente prestar contas a Deus. Somos responsáveis perante Deus, quer gostemos disso, quer não, e não temos nenhuma escolha nesse assunto. No âmago da responsabilidade humana está a liberdade. As narrativas da Criação definem o significado de liberdade. Em Gênesis 1.28, está implícito que fomos criados para fazer escolhas reais entre opções reais, ainda que essa liberdade esteja ligada à ordem de sermos frutíferos e sujeitarmos a terra. Sem a liberdade de fazer escolhas reais, seria impossível dominar. Reconhecendo isso, a maioria das versões da Bíblia traduz Gênesis 2.16 por permissão para “… comer livremente…” de todas as árvores do jardim. Não há “livremente” no texto hebraico, que, na verdade, emprega aqui a mesma construção usada no versículo 17, “… com certeza morrerás”. No contexto, vemos que Adão e Eva têm liberdade para escolher o que comer de todas as árvores, mas eles não têm nenhuma liberdade quanto às consequências de comerem da única árvore proibida. Assim, com a liberdade e a responsabilidade vem um teste de obediência na proibição imposta de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Nada no texto dá a entender que o fruto dessa árvore (que em momento nenhum é chamada de macieira!) tenha algum atributo mágico que produza o conhecimento do bem e do mal em qualquer um que o comer. Isso estaria completamente em desacordo com a natureza da literatura bíblica. É mais provável que Deus tenha designado a árvore como proibida como um meio de mostrar a diferença entre o bem e o mal. A escolha para Adão e Eva não era entre a ignorância e o conhecimento do bem e do mal, mas entre permanecerem bons ou se tornarem maus. A natureza do teste era tal que, qualquer que fosse a escolha que fizessem, eles conheceriam tanto o bem como o mal. Eles eram seres morais que conheceriam o bem e o mal pela resposta pessoal deles a Deus. Deus não é uma força ou alguma outra energia impessoal. Por mais difícil que nos seja conceber Deus como pessoa sem ao mesmo tempo reduzi-lo a um ser sobrehumano, a Bíblia se refere a ele de modo sistemático com termos pertinentes a uma pessoa. Ele é a origem de nossa pessoalidade. O governo de Deus e a imagem de Deus na humanidade significam que somos singularmente responsáveis diante de Deus por tudo o que fazemos. O MODELO DO REINO A Geração, ou Criação, dos céus e da terra, de todo o universo e tudo o que nele há, concentra-se no povo de Deus no lugar onde foi colocado para viver sob a orientação e o governo amorosos de Deus. Adão e Eva vivendo diante de Deus no jardim do Éden nos mostram o modelo do reino de Deus. Todas as relações essenciais que estruturam o universo são estabelecidas nesses relatos da Criação. Nestes últimos tempos, em que os avanços da ciência e tecnologia têm sido imensos, não podemos confiar em novos princípios como se os princípios bíblicos estivessem desatualizados. A ciência pode nos capacitar a enxergar mais detalhes de apenas algumas relações estabelecidas na criação. Quando deu nome aos animais, Adão iniciou o processo de observação, classificação e descrição que está no centro do conhecimento científico. Entretanto, ele jamais poderia deduzir a sua própria relação com Deus ou mesmo com o mundo tão somente pela observação. Antes, foi a palavra de Deus que veio a Adão para lhe dizer de que modo ele se relacionava com Deus e com o mundo. É a palavra de Deus que informa ao homem que este deve ser cientista e cuidador amoroso do mundo, e não um mágico e explorador do mundo motivado pelo poder. A Criação indica que a verdadeira ciência ou conhecimento precisa da revelação da palavra de Deus para ter direção e não entrar no domínio da superstição e magia. A Criação nos lembra de que teorias modernas que enxergam como resultado do acaso a vida, a pessoalidade, o amor e o valor moral há muito tempo abandonaram o domínio da verdadeira ciência. O modelo do reino de Deus é este: Deus constitui uma criação perfeita, que ele ama e governa. A maior honra é dada à humanidade como única parte da criação feita à imagem de Deus. O reino quer dizer que tudo na criação se relaciona perfeitamente, isto é, como Deus pretende que se relacione, com todo o resto e com o próprio Deus. O reino de Deus na criação era tudo o que existe: Deus, humanidade e o restante da criação, todos se relacionando perfeitamente uns com os outros como Deus planejou. CRIAÇÃO (GERAÇÃO) DO REINO DE DEUS RESUMO O resultado da Criação é o reino, com Deus, a humanidade e tudo o mais que fora criado relacionando-se perfeitamente. TEMAS PRINCIPAIS Soberania de Deus Criação ex nihilo (do nada) pela palavra de Deus Ordem e bondade na criação Imagem de Deus no homem Responsabilidade do homem perante Deus ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Criação/Geração Soberania Imagem Reino O CAMINHO ADIANTE Adão — Último Adão, 1Coríntios 15.45 Criação — nova criação, 2Coríntios 5.17 Céus e terra — novos céus e nova terra, Isaías 65.17; 2Pedro 3.13; Apocalipse 21.1 Observação: o diagrama acima representa o reino constituído por Deus, o povo de Deus e o restante da criação, todos se relacionando como Deus planejou. No fim de cada capítulo subsequente, esse diagrama será ampliado de acordo com a revelação do reino em cada estágio na história da salvação. Assim, observaremos o progresso contínuo da criação até a nova criação em Cristo. O diagrama representa o ideal que é revelado. Contudo, por causa do pecado, a experiência histórica nunca corresponde a esse ideal enquanto não alcançarmos a pessoa de Cristo. GUIA DE ESTUDO 1. Leia Gênesis 1 e 2. Faça uma lista dos aspectos que lhe pareceram mais importantes no ensino desses capítulos. 2. Deus criou por sua palavra. Ele falou ao homem antes do homem lhe falar ou entender a si mesmo. Como isso nos ajuda a entender a autoridade da Palavra de Deus para nós hoje? 3. Liste alguns motivos por que os cristãos não devem negligenciar o ensino bíblico de que Deus é o Criador de todas as coisas. LEITURA COMPLEMENTAR BONHOEFFER, Dietrich. Creation and Fall (London: SCM, 1959). caps. 1 e 2. BT. cap. 3. HAYWARD, Alan. Creation and evolution (London: Triangle, 1985). HOUSTON, James. I believe in the Creator (London: Hodder & Stoughton, 1979). TILL, Howard J. Van. The fourth day (Grand Rapids: Eerdmans, 1986). YOUNG, E. J. In the beginning (Edinburgh: Banner of Truth, 1976). A Queda Então o Diabo lhe disse: Se tu és o Filho de Deus, ordena que esta pedra se transforme em pão. Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão o homem viverá (Lc 4.3,4). Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas alguém que, à nossa semelhança, foi tentado em todas as coisas, porém sem pecado (Hb 4.15). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS 3 A serpente persuadiu Eva a desobedecer a Deus e comer o fruto proibido. Ela deu do fruto a Adão, que também comeu. Então Deus lhes falou em julgamento e os expulsou do jardim para um mundo que também recebera o mesmo julgamento e castigo. TENTAÇÃO O texto de Gênesis 3 também nos deixa com muitas perguntas não respondidas. Por que uma serpente foi a tentadora da humanidade? Onde o mal começou? No livro de Apocalipse a serpente é identificada como o Diabo (Ap 12.9; 20.2), mas isso não nos informa a origem do mal, e não há certeza de que a Bíblia chegue a dar alguma pista para esse problema. Alguns propõem que Isaías 14.12-15 trata da revolta de Satanás contra Deus nos lugares celestiais antes de atacar no Éden, mas a passagem está efetivamente se referindo a um antigo rei da Babilônia (v. 4). Nenhum texto bíblico nos informa por que Satanás se tornou mau nem por que a serpente o representa no jardim do Éden. Entretanto, a Bíblia não admite o dualismo do bem e do mal, em que as forças do bem estão eternamente em conflito com as forças do mal. O diálogo entre a serpente e a mulher retrata brilhantemente o processo pelo qual a raça humana se tornou rebelde contra a autoridade do Criador. As opiniões diferem muito quanto à natureza exata desse relato. Alguns o consideram história absolutamente literal, outros o veem como um relato simbólico de algo que realmente aconteceu na história, ainda outros o consideram uma espécie de mito ou alegoria do sempre presente problema do mal em nossa condição humana. A narrativa da tentação, assim como os relatos da Criação, é um texto literário incomum e único na Bíblia. Quando a tratamos isoladamente, não é nada claro como devemos entender essa passagem. É por isso que o evangelho e a mensagem total da Bíblia devem nos guiar quando lidamos com ela. Determinados elementos do ensino do Novo Testamento consideram que a pessoa e a obra de Jesus Cristo respondem à tentação e à Queda da humanidade conforme o registro de Gênesis 3. Nessa perspectiva, o evangelho só faz sentido se de fato houve a tentação e a Queda reais, que alteraram radicalmente o curso da natureza humana e a história da humanidade daí em diante. Temos de afirmar que houve de fato um homem, Adão, por meio de quem o pecado e a morte entraram no mundo, como Paulo diz em Romanos 5.12. Vamos agora voltar à serpente e à mulher. A criatura astuciosa começa fazendo uma pergunta religiosa: “… Foi assim que Deus disse…?”. Até esse instante, não havia ocorrido à mulher a possibilidade de discutir Deus e a verdade de sua palavra. Os seres humanos existiam na criação de Deus e confiavam na palavra de Deus para a interpretação verdadeira da realidade. No capítulo 3, analisei essa questão relacionada a como podemos conhecer a verdade; por isso, não vou repetir a discussão aqui. No entanto, é importante reconhecer que, se Deus é o criador de tudo, ele também é a fonte de toda a verdade. Não há verdade fora da sua verdade, que ele nos comunica pela sua palavra. Deus é a autoridade final e absoluta, e, visto que decidiu se comunicar pela sua palavra, essa palavra tem autoridade absoluta e final. A pergunta religiosa tem muito potencial para o mal, porque lança dúvida sobre a autoridade da palavra de Deus. Desse modo, a serpente faz a primeira pergunta: “… Foi assim que Deus disse: Não comereis de nenhuma árvore do jardim?”. A serpente sabia, e Eva também sabia, que Deus não dissera isso de jeito nenhum. Apenas o fruto de uma única árvore era proibido. Eva corrige a declaração da serpente, mas, ao fazê-lo, permite que a palavra de Deus se torne para ela algo a ser questionado. Estavam sendo lançadas dúvidas sobre as credenciais da palavra. Estava se formando a hipótese de que a palavra não apenas podia ser analisada e avaliada, mas provavelmente também devesse ser analisada e avaliada. Mas com que base Eva poderia avaliar a palavra de Deus? Qualquer padrão para pôr à prova a verdade da palavra de Deus teria de ser a palavra de uma autoridade ainda maior que Deus, o que é impossível. A próxima afirmação da serpente efetivamente contradiz a palavra de Deus: “… Com certeza, não morrereis”. A oposição à autoridade de Deus agora é direta. Deus não disse a verdade quando advertiu: “… no dia em que dela comeres, com certeza morrerás” (Gn 2.17). Isso era, segundo a acusação da serpente, uma mentira deliberada: “Na verdade, Deus sabe que no dia em que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5). Desse modo, Deus é acusado de ser motivado pelo egoísmo. Isso significa que ele não é amoroso nem digno de confiança. A tentação: A insinuação de Satanás de que a palavra de Deus não poderia ser invocada como a autoridade absoluta e a fonte de verdade para a humanidade. QUEDA De novo se percebe a astúcia da serpente porque ela apresenta as suas mentiras no contexto da verdade. Comer o fruto proibido significava de fato que os seres humanos passariam a conhecer o bem e o mal (Gn 3.22). O processo pelo qual eles alcançaram isso incluiu a rebeldia contra a verdade e a sua fonte. Ao invés de conhecer o bem e o mal rejeitando o mal e permanecendo bons, eles preferiram rejeitar o bem e se tornarem maus. A principal consequência disso é que Deus deixou de ser considerado o autoevidente Criador e Senhor. A palavra dele não é mais reconhecida como verdade autoevidente, e sim reduzida à condição da palavra da criatura. Tanto Deus quanto a sua palavra são considerados autoridades menores que devem ser testadas constantemente por autoridades mais elevadas. Mais uma vez, a astúcia da serpente: ela não propõe que os seres humanos transfiram a lealdade a Deus para ela, mas apenas que eles mesmos devem examinar e avaliar a reivindicação de Deus de que ele é a verdade. A consequência final foi a mesma, como se eles tivessem investido Satanás com a autoridade de Senhor; contudo, isso ocorreu sem que os seres humanos percebessem. O casal se rebelou contra Deus não por fazer conscientemente de Satanás a nova autoridade definitiva, mas por terem eles mesmos assumido essa função. Desse momento em diante, a verdade de qualquer proposição passaria a ser testada pelo que estava nos próprios seres humanos. Nesse sentido, eles se tornaram como Deus. Assim, a mulher fez o inconcebível. Decidiu que não se pode confiar em Deus. Tomou do fruto proibido, comeu e em seguida o deu ao homem, que também dele comeu. Embora não tenhamos como saber por qual processo, esse ato de desobediência fez eles terem consciência da própria nudez. A primeira reação dos dois foi cobrir a nudez (Gn 3.7). Por quê? Seguindo a sabedoria mundana de hoje, pessoas expressam a rebeldia contra Deus exibindo a própria nudez e ostentando a sexualidade. A fornicação e o adultério não eram problema para Adão e Eva, uma vez que eles eram parceiros sexuais legítimos. Ainda assim, a sensação de vergonha é mencionada como o primeiro efeito do pecado contra Deus. A vergonha se manifesta novamente quando Adão alega que sua nudez é causa de medo diante de Deus (Gn 3.10). Seria esse o primeiro sinal de distúrbio da consciência, o conflito entre a harmonia da imagem de Deus e a discórdia do pecado? Será que a rebeldia contra o Criador significa negação da condição de criatura, em que a sexualidade é o lembrete de que não temos capacidade de criar, mas somente de procriar? Do mesmo modo que a presença de Deus no jardim expõe exatamente o que eles negaram, isto é, sua existência e seu ser limitados, também a sexualidade os faz lembrar de sua interdependência e contesta suas presunções de independência e de serem como Deus. Desajeitadamente, eles tentam se cobrir, mas aprendem que é muito difícil abafar a consciência. Nem é possível ludibriar os olhos do Criador, capazes de enxergar tudo. A Queda foi um gigante salto para cima terrivelmente malogrado, simplesmente porque não podia dar certo. Descontente com sua condição humana, o casal foi atrás de divindade. Ao cobiçarem um trono que não lhes pertencia, os dois perderam os privilégios que já tinham. Eles se degradaram tentando se tornar o que nunca poderiam ser. A consequência não foi a “condição humana” para a qual a humanidade sempre apela a fim de desculpar seus pecados menores, mas, sim, uma condição menos do que humana, porque não mais consiste essencialmente em uma relação com Deus caracterizada por amor e confiança. A Queda: Rebelião de toda a raça humana contra Deus mediante o ato histórico de nossos primeiros pais. A desobediência deles foi uma tentativa fracassada de se tornarem como Deus. JUÍZO Quando confrontado por Deus, o homem culpa a mulher, e esta, por sua vez, culpa a serpente (Gn 3.12,13). Desse modo, ambos culpam a Deus. Adão acusa a mulher, que Deus lhe deu como companheira e por quem Deus é, portanto, responsável. Eva culpa a serpente, que é uma criatura de Deus e por quem Deus também é responsável. No entanto, os seres humanos é que são responsáveis pelo que fizeram. O primeiro e mais danoso crime deles foi rejeitar a autoridade da palavra de Deus. A passagem de Gênesis 3.14-24 trata do juízo de Deus sobre a desobediência da humanidade. Alguns aspectos desse relato, em razão da própria natureza da narrativa, são difíceis de entender. Por exemplo, o que significou amaldiçoar a serpente? Deus não questiona a serpente. Como propõe um comentarista, talvez isso ocorra porque, como animal, ela não pode ter responsabilidade nenhuma pelo pecado, enquanto Satanás não tem nenhuma esperança de perdão. A serpente é amaldiçoada, mas não se pode sugerir que a tentação no Éden foi o pecado original de Satanás, que trouxe sobre ele o juízo de Deus. É possível que a forma da serpente — rente ao chão, sem pés e rastejante no pó — simbolize a maldição sobre a criação. O texto diz que ela será maldita “mais que toda besta e mais que todos os animais do campo” (v. 14, ARC), isto é, ela é mais amaldiçoada do que todas as outras criaturas. Todas de algum modo seriam amaldiçoadas, mas a serpente, como agente de Satanás, manifestaria a maldição com mais intensidade. O texto de Gênesis 3.15 às vezes é chamado de o protoevangelho, a primeira alusão ao evangelho. Isso porque a inimizade entre a descendência da serpente e a descendência da mulher prenuncia o conflito entre Cristo e Satanás. O Novo Testamento dá apenas uma base sumária para isso quando afirma que Deus esmagará Satanás sob os pés dos cristãos (Rm 16.20). É possível que o fato de o Filho de Deus ter nascido de uma mulher também relembre essa predição (Gl 4.4). A palavra de maldição sobre a serpente implica graça para a raça humana e recuperação da Queda. O juízo sobre a mulher (Gn 3.16) introduz a dor como uma realidade do mundo caído. Não é simplesmente que a dor física passa a ser nossa sina, mas também que há uma perturbação na relação humana mais íntima, a do casamento entre um homem e uma mulher. Paixão e poder passam a caracterizar os instintos do homem caído, e o prazer das relações sexuais será acompanhado de dor e tristeza. O castigo de Deus sobre o homem é o mais abrangente (Gn 3.17-24). Na criação, ele (e Eva) havia recebido o domínio sobre toda a terra e todas as outras criaturas. Agora esse domínio é contestado em todos os lugares pela própria terra. O rebelde contra o governo legítimo recebe um pouco de seu próprio veneno e sofre a rebeldia contra o seu governo legítimo. A maldição sobre o solo é na verdade uma maldição sobre Adão. O rei da terra agora não tem no solo um servo obediente. A liberdade de comer do fruto de todas as árvores do jardim é substituída pela luta para fazer a terra produzir o necessário pão de cada dia. Onde as plantas alimentícias crescem com dificuldade vicejam ervas daninhas. O fim do homem é alimentar a terra voltando ao pó do qual veio. Por fim, os seres humanos perdem o paraíso. O quadro da Queda e do juízo se completa quando a raça humana é expulsa do lugar onde a vida é vida de verdade. Daí em diante o que os seres humanos chamam de vida é a existência em meio à morte. A narrativa não recorre à distinção entre morte física e morte espiritual. Se Deus diz: “… no dia em que dela comerdes, com certeza morrerás”, então, o que se descreve aqui é a morte. Viver é viver em comunhão com Deus. Quando a rebeldia destrói essa comunhão, a sentença de morte é executada. No entanto, não é destruição imediata. A raça humana, apesar de morta, continua, multiplica-se e prossegue, de algum modo, portando a imagem de Deus. A graça de Deus permite que a raça morta exista para que um propósito maior se cumpra nela. Enquanto isso, cada indivíduo da raça de Adão aguarda a experiência inevitável e definitiva da morte. Essa continuação da raça, em vez da destruição imediata, prenuncia o fato extraordinário de que, pela bondade de Deus, a humanidade está aqui para ficar. O juízo: O pecado original da humanidade trouxe a sentença de morte. A comunhão com Deus foi destruída, o domínio humano encontra oposição e os seres humanos enfrentam a morte inevitável. Contudo, juntamente com o juízo, a graça de Deus opera para o bem da raça humana. CONFLITO HUMANO A narrativa não nos diz como Adão e Eva perceberam seu estado após a Queda. Fora do Éden, temos apenas duas declarações atribuídas a Eva, que são expressões de fé (Gn 4.1,25). O texto de Gênesis 4 ilustra a pecaminosidade humana e qual é sua consequência lógica nas relações entre as pessoas. Caim não aceita o veredito de Deus, que rejeitou a sua oferta e aceitou a de seu irmão. Ele reage com ira direcionada contra Abel e o mata. Desse modo, demonstra-se que o conflito humano é a consequência da quebra da comunhão com Deus. Quando uma pessoa se ira contra outra, a ira contra a graça de Deus é demonstrada. A aceitação da oferta de Abel não é explicada, e qualquer tentativa de fazer isso incorre no risco de obscurecer a soberania da graça: Deus tem misericórdia de quem ele quer ter misericórdia. O fato de Abel ter feito sua oferta “pela fé” (Hb 11.4) não exclui a realidade da graça. A graça demonstrada a Abel representa a bondade de Deus que será demonstrada a homens e mulheres ao longo dos séculos. Ela provocou a ira de Caim e assim evidenciou seu efeito de causar uma distinção real entre os que a recebem e os que não a recebem. Essa distinção é parte essencial e constante da revelação em toda a história bíblica. No entanto, a soberania da graça não deve ser interpretada equivocadamente como um fatalismo cruel. O primeiro homicida recebe um juízo semelhante ao juízo sobre Adão (Gn 4.11,12). A terra se opõe a ele, que é expulso de seu território familiar. A misericórdia também se faz presente, pois Deus lhe põe uma marca a fim de o proteger da vingança dos homens (Gn 4.15), ainda que ele tenha perdido todo o direito a essa proteção. Existe a graça que age para os impenitentes a fim de preservar a raça humana. Os descendentes de Caim são marcados por um afastamento ainda maior de Deus. Caim construiu uma cidade para tentar, ao que parece, obter segurança daqueles que o matariam. As cidades figuram com destaque na Bíblia como expressão da perversidade humana. Babel, Sodoma e Gomorra, as cidades do Egito e de Canaã e, por fim, Babilônia e Roma, todas representam a concentração da impiedade humana. Não é a sociedade humana em si que é errada, mas o uso que dela é feito para fugir das implicações do direito divino de dominar. Há uma cidade de Deus — Jerusalém, ou Sião —, mas ela vem a ser a cidade onde o Filho de Deus é condenado à morte. Somente a Jerusalém celestial, cujo construtor e criador é Deus, proporciona à sociedade humana uma relação perfeita com o governo de Deus. Os descendentes de Caim se notabilizaram pela domesticação de animais, pela música e pela arte em geral, bem como pela violência (Gn 4.17-24). Nisso se evidencia a bondade de Deus, ou graça comum, contínua em um mundo de gente ímpia, junto com as demonstrações cada vez maiores de maldade. A sociedade, a domesticação de animais e as artes não são inerentemente más, porém todas têm um grande potencial para o mal, como mostram alguns de nossos problemas sociais e ambientais modernos. Pela graça de Deus, a sociedade humana continua, mas ela traz em seu seio as sementes da autodestruição no colapso das relações humanas. Essa graça é a dádiva da preservação da raça durante um tempo, mas não é a graça que age para redimir um povo e lhe restaurar a amizade com Deus. As relações humanas se rompem como um efeito direto da ruptura da relação entre Deus e a humanidade. Todo conflito humano reflete nosso conflito com Deus. A MALDADE DA HUMANIDADE A passagem de Gênesis 6 retrata o auge da maldade humana. Os filhos de Deus começaram a se casar com as filhas dos homens, e isso acarreta o juízo de Deus (Gn 6.1-4). Esse breve trecho é difícil tanto de traduzir (compare o versículo 3 da RSV [e da A21] com o da NIV [e da NVI], por exemplo) quanto de interpretar (Quem são os filhos de Deus e quem são as filhas dos homens?). Os 120 anos concedidos aos homens talvez signifiquem uma redução na longevidade até então enorme — os 969 anos de Matusalém ou os 777 anos de Lameque —, ou podem se referir ao tempo que restava antes da destruição da sociedade pelo Dilúvio. As coisas estavam bem ruins para a humanidade quando lemos que “pesou” no coração de Deus ele ter criado as pessoas na terra (Gn 6.5-7). Isso dá a entender que, qualquer que tenha sido o problema envolvido no casamento entre os filhos de Deus e as filhas dos homens, para Deus isso foi a gota d’água da maldade cada vez maior no mundo. O juízo que se seguiu na forma do Dilúvio também é difícil de entender. Não estou me referindo aqui aos problemas históricos muitas vezes levantados, como, por exemplo, qual foi a extensão do Dilúvio e que registros geológicos ele deixou. Antes, a dificuldade é saber qual é o significado teológico do Dilúvio. A morte já era realidade como castigo sobre o pecado. Deus evidentemente não usa o Dilúvio para mostrar que está retirando a sua graça, pois Noé encontrou graça diante dele tanto para a preservação da raça quanto para a salvação de um povo para Deus. O Dilúvio tampouco resolve o problema da maldade dos homens, como a história subsequente da raça humana mostrará. Quando a Bíblia registra morte e destruição pelas mãos de Deus, muitas pessoas reagem com um sentimento de indignação moral. Esses juízos têm de ser entendidos pelo que são, porque a Bíblia os apresenta coerentemente como a expressão da justiça de Deus. O juízo é sempre merecido por quem o sofre. O juízo de Deus no Dilúvio foi expressão de sua justiça, na qual se vê a graça agindo para resgatar um grupo de pessoas que, embora não merecessem, foram escolhidas. O Dilúvio não purgou a terra da maldade, e não podemos pensar que era esse o seu propósito. Ele foi um dos muitos juízos que ocorreram na história humana prenunciando o destino final da humanidade rebelde. Diante desses juízos se pode entender a natureza da salvação. Em toda a Bíblia, a salvação e o juízo são aspectos inseparáveis e complementares da ação de Deus de trazer o seu reino. O juízo de Deus continuou sendo executado depois da primeira sentença de morte e da expulsão do Éden. Os juízos na história bíblica prenunciam o juízo final e evidenciam a situação da qual Deus nos salva. QUEDA (DEGENERAÇÃO) DA CRIAÇÃO RESUMO A rebeldia da humanidade contra Deus resulta na Queda de toda a ordem criada de seu lugar no reino de Deus. TEMAS PRINCIPAIS Tentação Desobediência A humanidade se torna autocentrada, e não centrada em Deus Juízo e morte Perturbação de todas as relações na criação Graça de Deus ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Queda Juízo Morte Graça O CAMINHO ADIANTE Tentação de Adão — tentação de Israel — tentação de Cristo, Lucas 4.1-12 Serpente — Satanás, Apocalipse 12.9 Éden perdido — Éden recuperado, Deuteronômio 8.7-9; Ezequiel 47.1-12; Apocalipse 22.1-6 Juízo — juízo final, Mateus 7.15-23; Apocalipse 20.11-15 O REINO E A QUEDA O propósito supremo de Deus para o seu reino é que ele não retirará o seu amor do universo caído. Entretanto, o pecado da humanidade resultou na confusão de todas as relações entre Deus e a criação, e entre toda as criaturas. Deus ainda é soberano, e mesmo a rebeldia humana jamais frustrará o seu propósito. Contudo, esse governo soberano de Deus no universo caído precisa ser distinguido do reino de Deus. O reino é o governo de Deus sobre o seu povo em um domínio em que todas as relações são perfeitas. O universo caído é exatamente o oposto do reino. Somente pela salvação o reino será restaurado, pois a salvação é Deus trazendo todas as coisas de volta às suas relações corretas. É trabalho da teologia bíblica descrever como a Bíblia revela essa restauração ocorrendo. A rebeldia da humanidade perturbou todas as relações do reino. Deus, a humanidade e o restante da criação não se relacionam mais do modo perfeito que Deus planejou. GUIA DE ESTUDO 1. Leia Gênesis 3 e observe os estágios pelos quais a serpente instiga os seres humanos a se rebelarem contra Deus. 2. De que maneira nossa condição humana se perdeu na Queda? 3. Como a Queda afetou a harmonia das relações que existia desde a Criação? 4. Como a graça de Deus se mostra concomitante ao juízo divino? LEITURA COMPLEMENTAR BONHOEFFER, Dietrich. Creation and Fall (London: SCM, 1959). caps. 3 e 4. BT. cap. 3. ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980). ______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The Christ of the covenants. YOUNG, E. J. Genesis 3 (London: Banner of Truth, 1966). A primeira revelação da redenção Pois a vinda do Filho do homem se dará à semelhança dos dias de Noé (Mt 24.37). … Por meio da fé, [Noé] condenou o mundo e tornou-se o herdeiro da justiça segundo a fé (Hb 11.7). ESBOÇO DA TEOLOGIA BÍBLICA EM GÊNESIS 4 —11 Caim e Abel nasceram de Adão e Eva, fora do Éden. Caim assassinou Abel, e Eva deu à luz mais um filho, Sete. A raça humana acabou se tornando tão má que Deus resolveu destruir todo ser vivente com um dilúvio. Noé e sua família foram salvos construindo um grande barco por ordem de Deus. A raça humana recomeçou por meio de Noé e seus três filhos com suas famílias. Algum tempo depois do Dilúvio, a raça humana ainda unificada empreendeu um ato ímpio para afirmar o seu poder na construção de uma torre elevada. Deus frustrou esses planos dispersando as pessoas e confundindo a língua delas. O COMPROMISSO DE DEUS O contexto da obra de Deus de resgatar pecadores é o seu compromisso com sua criação. Não há nenhum indício nas Escrituras de que Deus criou o universo como um experimento ou com a intenção de descartá-lo depois de um tempo. Quando Deus viu que tudo era muito bom (Gn 1.31), aprovou tudo o que havia feito e colocou o seu amor sobre tudo. A força do compromisso de Deus se torna mais clara à medida que a narrativa avança. A rebelião da humanidade traz o juízo, mas não a destruição instantânea. Deus preserva a ordem no universo e na sociedade humana e, ao mesmo tempo, começa a revelar o seu propósito para superar os efeitos do pecado humano. A narrativa de Gênesis menciona que, no meio do jardim do Éden, havia duas árvores: a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Os seres humanos foram proibidos apenas de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Temos de partir do pressuposto de que a árvore da vida estava à disposição deles e que simbolizava a dádiva da vida eterna. Se tivessem rejeitado o tentador, a obediência deles a Deus teria sido simbolizada pelo fato de compartilharem da árvore da vida. Uma vez que ficaram conhecendo o bem e o mal pela desobediência, eles não podem desfrutar do fruto da árvore da vida e são expulsos do jardim. Contudo, a árvore permanece e, apesar de não ser um tema em destaque na Bíblia, ela reaparece como um símbolo da vida eterna para os que foram redimidos (Ap 2.7). Deus pune os pecadores negando-lhes a vida eterna. Nisso também se mostra a misericórdia de Deus, porque o reino de Deus exige que toda rebelião seja erradicada. O próprio ato de juízo é um sinal do compromisso de Deus com a humanidade de que, apesar de ainda não sabermos como, haverá uma raça de pessoas vivendo para sempre como amigos de Deus. Após a morte de Abel pelas mãos de Caim, Adão e Eva têm mais um filho, a quem dão o nome de Sete (Gn 4.25). Eva reconhece que Deus lhes deu mais um filho no lugar de Abel. Mas esse filho não é simplesmente uma restituição por terem ficado com um filho a menos. Antes, Sete passa a ocupar o lugar do justo Abel como um testemunho da bondade de Deus agindo na raça humana. Sete é o cabeça de uma nova linhagem de pessoas por meio da qual as bênçãos de Deus virão ao mundo. Nesse tempo, as pessoas começam a invocar o nome do Senhor (Gn 4.26). Tanto Caim como Abel, a primeira geração de pessoas de fora do Éden, sacrificaram a Deus, e isso mostrou que o juízo não tirou deles a percepção da realidade de Deus e a necessidade de se relacionar com ele. Os descendentes de Sete agora começam a adorar a Deus invocando o seu nome. Invocar o nome de Deus significa expressar fé e confiança no Deus que revelou o seu caráter. Na época dos profetas, significa crer em Deus para a salvação (Jl 2.32). Essa linhagem piedosa, mas ainda pecaminosa, dos descendentes de Sete é descrita em Gênesis 5 como os descendentes legítimos de Adão. Parece que o autor desse relato escolheu e organizou esse material a fim de incutir em nós a importância teológica dessa linhagem. De Adão até Noé há uma conexão direta que passa por Sete, e toda essa linhagem contrasta com a linhagem ímpia de Caim, em Gênesis 4. O compromisso de Deus com a criação se vê na preservação da humanidade e no estabelecimento de uma linhagem de pessoas que são o alvo do amor redentor especial de Deus. NOÉ E A ALIANÇA Duas palavras importantes são empregadas pela primeira vez na narrativa de Noé (Gn 6—9). São elas graça e aliança. Embora a humanidade, por causa de sua maldade, provoque a ira de Deus, Noé encontra graça aos seus olhos (6.8). Ele era um homem justo e íntegro, e andava com Deus. Em outras palavras, Noé vivia pela fé na palavra de Deus qualquer que fosse o modo que esta chegasse a ele. Quando a palavra lhe veio como uma ordem específica de construir uma arca, Noé obedeceu mesmo não percebendo claramente a razão para que essa embarcação enorme fosse construída. Quando o motivo se tornou evidente, ele e sua família foram salvos da devastação do Dilúvio. A graça não tem explicação clara aqui. A expressão hebraica “Noé […] encontrou graça aos olhos do SENHOR” não significa nada mais que “Deus gostou dele”. Aqui, a ênfase da expressão está no que Deus faz pelo homem de quem ele gosta. Ele o resgata. A justiça de Noé é simplesmente mencionada ao lado da graça de Deus, sem nenhum comentário se ela é a causa ou o efeito da atitude Deus para com ele. Depois vai ficar muito mais claro que a graça de Deus é a causa de pessoas pecaminosas se tornarem justas. A graça, portanto, é uma atitude de Deus para o bem daqueles que não merecem o bem. Ao orientar Noé sobre como sobreviver ao Dilúvio, Deus lhe diz: “Mas estabelecerei contigo a minha aliança; tu entrarás na arca…” (Gn 6.18). Essa é a primeira referência a aliança, palavra que se tornará um termo bíblico fundamental empregado para expressar a relação entre Deus e o seu povo. Na vida comum, aliança é uma palavra que pode ser usada para designar um acordo ou contrato entre pessoas, que é um compromisso obrigatório para todos os participantes. Entretanto, só podemos compreender o significado da aliança de Deus observando como ela opera e qual é seu efeito. A primeira referência a aliança, portanto, significa o compromisso de Deus de salvar Noé e sua família da destruição. Essa salvação não significa em si a vida eterna, mas é preciso dizer que ela certamente aponta para essa direção. A vida eterna como o Novo Testamento a define está muito além do que uma pessoa do Antigo Testamento podia vislumbrar. As expressões de salvação veterotestamentárias estavam relacionadas aos acontecimentos históricos desta vida, e seu progresso rumo ao pleno entendimento neotestamentário de vida eterna é uma das coisas que o nosso estudo da teologia bíblica vai expor. Temos razão para nos referir à primeira afirmação da aliança como uma aliança de salvação, não obstante o significado pleno de salvação ainda estivesse por ser revelado. Noé e sua família demonstram confiança na palavra de Deus obedecendo. Eles existem em uma relação singular com Deus juntamente com todos os animais a bordo de seu pequeno mundo flutuante. Quando desembarcam em um mundo novo, Deus promete que, embora a humanidade, incluindo Noé, ainda seja inclinada para o mal, ele nunca mais destruirá o mundo com as águas de um dilúvio (Gn 8.21). Deus ordena que Noé encha a terra e exerça domínio, exatamente como ordenou a Adão (9.1-3). Em seguida, vem a segunda referência à aliança (9.8-17), que é o compromisso de Deus de nunca repetir o Dilúvio. Nessas duas declarações da aliança, Deus dá o primeiro passo e estabelece uma relação que funciona para o bem da criação. Ele a chama de “minha aliança” em cada uma das vezes e, embora os detalhes sejam diferentes, devemos dizer que são expressões diferentes da única aliança. Além disso, agora está evidente que a aliança é uma expressão da relação que sempre existiu, pois todas as coisas foram criadas por Deus. Ele se recusa a permitir que a rebeldia humana o desvie de seu propósito de criar um povo para ser o seu povo em um universo perfeito. O compromisso de Deus com a criação se manifesta na aliança com Noé. O resgate de Noé e de sua família prenuncia a restauração da raça humana. Isso leva à promessa de que a terra também será preservada. A DIVISÃO DA HUMANIDADE Noé e sua família deixam a segurança da arca e se tornam o novo começo da raça humana (Gn 9.19). A narrativa relata como Noé um dia se deitou completamente embriagado e qual foi a reação de seus filhos. A consequência disso foi uma nova divisão entre as pessoas decorrente das bênçãos e maldições que Noé pronunciou sobre seus filhos. Canaã, filho de Cam, é amaldiçoado, e Sem, abençoado, enquanto Jafé compartilha das bênçãos de Sem (Gn 9.20-27). Essa passagem apresenta algumas dificuldades. O significado claro do texto é que apenas Noé e sua família sobreviveram ao Dilúvio, e todas as nações da terra descendem deles. As genealogias (árvores genealógicas) de Gênesis 10 se baseiam na palavra profética de Noé a respeito dos três filhos. Mas por que o filho mais novo de Cam é escolhido para ser amaldiçoado pelo pecado de seu pai? Que relação essas palavras têm com o futuro das nações mencionadas? Podemos pelo menos dizer que a bênção de Sem indica o lugar especial que ele e os seus descendentes têm no propósito de Deus. Esse propósito está de acordo com a aliança com Noé. É difícil identificar todas as nações mencionadas nas genealogias. A menção da linhagem de Sem por último indica o significado especial que ela tem no propósito de Deus. Isso é confirmado posteriormente na genealogia mais detalhada de Sem até Abraão (Gn 11.10-32). Ser descendente natural de uma linhagem escolhida se mescla com a graça soberana de Deus, que pode transcender e de fato transcende todos os limites naturais ao longo da história da redenção. O significado dessas divisões vai ficando mais claro à medida que a história se desenvolve. Independentemente de como funcionam essas identidades nacionais (Gênesis 10 é vago a esse respeito), a subsequente combinação da graça soberana com a eleição nacional envolve três tipos de pessoas: o povo da aliança escolhido como nação, outras pessoas de nações não eleitas, que surpreendentemente são incluídas nas bênçãos da aliança nacional, e as nações que permanecem fora da aliança. Como o evangelho qualifica essas divisões veremos mais adiante. Entre os quadros das nações e a genealogia detalhada de Sem até Abraão encontramos mais uma passagem difícil: o relato da Torre de Babel. Temos aí uma retrospectiva de um período anterior à divisão das nações e seus idiomas. Como conciliar isso historicamente com os fatos pós-diluvianos de Gênesis 9.18-28 não está claro. A narrativa (11.1-9) indica que a raça humana tinha planos de união e poder com base em interesse próprio. A unidade em si não é ruim; na verdade, ela é uma marca do povo de Deus quando este corresponde ao propósito divino. Contudo, unidade sob o governo de Deus é uma coisa, e unidade como arrogante independência de Deus é outra. Em Babel, vemos uma expressão coletiva da tentativa original de Adão e Eva de tirar Deus de sua posição legítima de Senhor do universo. Numa relação correta com Deus, as pessoas precisam apenas da aprovação de Deus para se realizarem. No entanto, os pecadores não se satisfazem de ser conhecidos pelo nome de Deus e buscam sua própria reputação e fama. Para que essa rebeldia contra Deus não demonstrasse uma força indivisa, Deus confunde a unidade que as pessoas desejavam manter para seus fins maléficos. Não ficamos sabendo exatamente como isso se deu, mas teologicamente é considerado mais uma demonstração do juízo de Deus sobre toda a raça humana. Apesar do desejo de unidade universal, o que houve foi a fragmentação inevitável da sociedade em unidades menores, todas buscando sua própria primazia. O pecado causa divisão na vida humana. A confusão de línguas e a divisão das nações caracterizará a humanidade pecadora até que o poder redentor de Deus una em Cristo um povo tirado de todas as nações, tribos e línguas (Ap 7.9). A aliança de Deus distingue os que são escolhidos como objeto de bênção, os que de algum modo vão compartilhar dessa bênção e os que estão sob juízo. AS DUAS LINHAGENS DA RAÇA HUMANA Quando estudamos Gênesis 4—11, podemos observar que alguns elementos fundamentais se destacam. Um deles é a divisão da humanidade em pelo menos dois grupos principais que têm relação bem diferente com Deus mediante a aliança divina. A aliança permanece como a recusa de Deus de permitir que o pecado destrua o seu propósito de criar para si um povo que tenha com ele um relacionamento perfeito. Esse compromisso existia antes da rebeldia de Adão e Eva, e a sua expressão como uma aliança de redenção mostra que Deus é sempre fiel às suas promessas, mesmo quando elas são dirigidas para um povo que rejeita o seu amor. A graça de Deus é o seu compromisso amoroso incessante com uma raça que agiu de um modo que não só não merece esse amor, mas, na realidade, merece exatamente o oposto. A humanidade sem Deus é representada na linhagem de Caim. Digo representada porque temos de supor que até os descendentes de Sete, exceto Noé, estão entre os ímpios da época do Dilúvio. Essas genealogias a princípio se baseiam na descendência natural, mas o real caráter delas é mostrar a distinção entre dois tipos de pessoas: as que estão debaixo da graça e as que estão sob a maldição. Nessa perspectiva, portanto, a linhagem ímpia de Caim termina no Dilúvio. Mas não é tão fácil se livrar do pecado. A linhagem piedosa de Sete, que chega a Noé, sobrevive com a família de um só homem e acaba por se dividir novamente, de modo que mais uma raça ímpia surge por meio de Canaã. A linhagem de Sem dá continuidade à linhagem de Sete e chega a Terá, o pai de Abraão. Shem é a palavra hebraica para designar “nome”, e a raça ímpia busca o seu shem por seus próprios esforços (Gn 11.4), mas acaba sendo frustrada pelo castigo de Deus. Isso contrasta com a linhagem piedosa de Sem, a qual mostra que podemos obter um nome tão somente como objetos da graça salvadora de Deus. A única reputação que conta é ser conhecido como o povo de Deus, povo que se chama pelo nome dele. Esses primeiros capítulos da Bíblia demonstram que os planos de Deus para o resgate da humanidade envolvem uma distinção contínua entre os resgatados pela graça e os perdidos em consequência do juízo sobre seus pecados. No Antigo Testamento, o destino final das pessoas sob juízo nem sempre é claro; todavia, existe uma distinção constante que nos remete para a doutrina neotestamentária da eleição para a vida eterna. Assim, Abel, não Caim, encontra favor de Deus. Noé e sua família são salvos, enquanto o resto da raça humana perece. Jafé compartilha das bênçãos de Sem, e Canaã é amaldiçoado. Por fim, entre a multidão da humanidade sob juízo, um só homem é escolhido, Abraão, o chefe de uma família mediante a qual o plano redentor de Deus se realizará. A distinção entre os escolhidos e os não escolhidos não se baseia nem um pouco nas pessoas envolvidas. Isso não é tão óbvio nos estágios iniciais da revelação bíblica, e alguns talvez se inclinem a aventar que Abel, Sete, Noé, Sem e Abraão tinham algumas virtudes de fé ou boas obras que justificassem sua escolha. Esse tipo de visão solapa o significado da graça como fica claro no uso bíblico mais amplo e é explicitamente negado em muitas partes das Escrituras. Essa escolha, ou eleição, de Deus é entendida como absolutamente incondicional. A razão de Deus escolher um e não outro pertence somente a ele, pois nenhum rebelde contra o Senhor Deus soberano merece ser escolhido nem jamais pode fazer algo que convença Deus a escolhê-lo. A aliança de Deus se manifesta em sua efetivação em um plano de redenção. Isso envolve a eleição de indivíduos representativos por cujo intermédio o plano de Deus será levado a efeito. A eleição não se baseia em qualidade alguma dos eleitos. PRIMEIRAS PROMESSAS DE REGENERAÇÃO RESUMO Imediatamente depois da Queda, Deus inicia a sua obra de restauração de toda a ordem criada para a correta relação com ele. Ele age com base em seu compromisso de aliança com a criação e revela o seu reino pela eleição de algumas pessoas por intermédio de quem ele realizará os seus propósitos. TEMAS PRINCIPAIS O compromisso da aliança de Deus com o seu povo apesar da rebeldia desse povo Eleição com base na graça Divisão da raça humana em eleitos e não eleitos ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Aliança Eleição Vida O CAMINHO ADIANTE Noé — batismo cristão, 1Pedro 3.20,21 Eleição de Abraão — Eleição de Israel — Eleição de Cristo — Eleição daqueles que estão em Cristo, Efésios 1.3-10 GUIA DE ESTUDO 1. Prepare um esboço ou diagrama de Gênesis 4—11 que apresente a história teológica (aliança) da humanidade de Adão até Abraão. 2. Quais são os principais elementos concernentes à aliança que aparecem em Gênesis 1—11? É realista falar de aliança de Deus feita com a criação já bem no início? 3. De que modo a história de Noé e do Dilúvio ilustra que a graça e a eleição não são condicionadas por qualquer característica daqueles que são alvo delas? 4. Quais são as principais lições da história da Torre de Babel? LEITURA COMPLEMENTAR BT. caps. 4-6. DUMBRELL, William J. Covenant and Creation (Exeter: Paternoster, 1984). cap. 1. KIDNER, Derek. Genesis: an introduction and commentary. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1967). ______. Gênesis: introdução e comentário. Tradução de Odayr Olivetti (São Paulo: Vida Nova, 1979). Tradução de: Genesis: an introduction and commentary. ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980). caps. 5-7. ______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The Christ of the covenants. Abraão, nosso pai Abraão, vosso pai, regozijou-se por ver o meu dia; ele o viu e alegrou-se (Jo 8.56). … antes que Abraão existisse, Eu Sou (Jo 8.58). E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa (Gl 3.29). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS 12 —50 Em algum momento do início do segundo milênio a.C., Deus chamou Abraão para sair da Mesopotâmia e ir para Canaã. Ele prometeu dar essa terra aos descendentes de Abraão e os abençoar como seu povo. Abraão foi e muitos anos depois teve um filho, Isaque. Este, por sua vez, teve dois filhos, Esaú e Jacó. As promessas de Deus foram estabelecidas com Jacó e seus descendentes. Jacó teve doze filhos, e com o tempo todos eles foram morar no Egito por causa da fome em Canaã. ABRAÃO Os onze primeiros capítulos de Gênesis condensam a história da humanidade desde a Criação até o início do segundo milênio a.C. em uma breve visão geral escrita de uma perspectiva teológica. O restante de Gênesis, 39 capítulos ao todo, trata apenas de quatro gerações de uma única família: Abraão, Isaque, Jacó e José. A história deles também foi escrita com um significado teológico em mente, mas o maior detalhamento é exigido em razão da singular importância dessa família no plano de Deus para a raça humana. A história mundial inteira está relacionada às promessas que Deus faz a Abraão. O significado definitivo da história se encontra na pessoa de Jesus de Nazaré, um descendente de Abraão. Aos 75 anos de idade, Abrão (seu nome na época) saiu de Harã, no norte da Mesopotâmia, e, em obediência a Deus, viajou para Canaã acompanhado de seu sobrinho Ló, cada um com sua família. O tema central que perpassa a narrativa é a promessa da aliança a Abrão e como ela foi feita. Diversas vezes, a promessa é reiterada em um contexto de acontecimentos que parecem ameaçá-la e tornar seu cumprimento impossível. Desse modo, o patriarca aprende que tem de viver pela fé nas promessas de Deus mesmo quando parece que foram destruídas pelas circunstâncias. Em um momento decisivo, Deus muda seu nome de Abrão (pai exaltado) para Abraão (pai de uma multidão), a fim de simbolizar um aspecto proeminente da aliança: Abraão seria o pai de muitas nações. Ao mesmo tempo (Gn 17.1-14), Deus afirma que a aliança é assinada com o sinal da circuncisão. Essa marca feita na carne de todo filho hebreu do sexo masculino simboliza a relação especial que a aliança estabelece entre Deus e o seu povo. O contraste entre Abraão e o povo de Babel é imediatamente óbvio. Babel manifesta o anseio por um grande nome sem Deus, e isso se mostra infrutífero. Depois desse relato, é apresentada a genealogia de Sem (“nome”) até Abraão. Deus promete engrandecer o nome de Abraão (12.2), e assim vemos que o único nome que importa vem pela bênção de Deus. A aliança é apresentada a Abraão na forma de uma promessa em quatro partes que permanecerá no centro da teologia bíblica: 1. Deus dará muitos descendentes a Abraão. 2. Eles possuirão a Terra Prometida. 3. Deus será o Deus deles. 4. Por meio deles, todas as nações do mundo serão abençoadas. A importância dos desafios ao cumprimento das promessas é que estas indicam um cumprimento supremo que só pode ser obtido pela obra sobrenatural de Deus. Não é nada que esteja no controle do homem, nem é simplesmente uma questão de fatos naturais. Desse modo, no momento de seu chamado para sair de Harã, Abraão recebe a promessa da posse de Canaã por uma nação de descendentes seus que conhecerão a bênção de Deus e serão o veículo de bênção para todo o mundo (12.1-3). Em evidente oposição a essas promessas, observamos que a Terra Prometida está em posse dos cananeus, Abraão e Sara estão velhos, e esta, pela insensatez do marido, quase é tomada como esposa pelo rei do Egito. Quando Abraão e Ló se estabelecem em Canaã, logo descobrem que precisam separar-se para evitar a superpopulação de seus rebanhos e manadas. Ló escolhe o vale fértil do Jordão para si, deixando que Abraão vá para outro lugar. Deus confirma novamente a Abraão que ele e os seus descendentes tomarão posse da terra (13.14-18). Durante 25 anos depois de Deus ter feito essas promessas pela primeira vez, Abraão permanece sem filhos. Em momentos críticos desse período, Deus lembra Abraão de suas promessas, a fim de o suster diante das aparentemente impossíveis chances de elas se concretizarem (15.4-6,13-21; 17.1-21; 18.16-19). Alguns temas bíblicos importantes são entrelaçados com a história de Abraão e da aliança. O primeiro é a graça. Como no caso de Noé, não há nada de especial em Abraão que mereça a bondade de Deus de chamá-lo para essas bênçãos. Tudo o que sabemos sobre ele é que morava entre povos pagãos e atendeu com obediência e fé ao chamado de Deus. Não sabemos nada sobre sua fé e o conhecimento de Deus que tinha antes disso. Não há indício nenhum de que Deus estivesse correspondendo à bondade de Abraão. Muito pelo contrário, a narrativa é contundentemente franca na descrição do patriarca com todos os seus defeitos e qualidades. Ele se dispôs a mentir a respeito de sua esposa em duas ocasiões distintas a fim de, pensava ele, preservar sua vida (12.11-20; 20.118). Pondo em risco com isso o seu casamento com Sara, ele demonstra falta de fé nas promessas de Deus e efetivamente age para minar as promessas de que Sara seria a mãe dos descendentes prometidos. A narrativa deixa claro que não podemos considerar merecida a bondade de Deus para com Abraão. Ao contrário, o retrato bíblico da graça livre e soberana de Deus se manifesta. O segundo tema, que caminha junto com o da graça, é a eleição. Sempre que Deus age para o bem do povo, está agindo contrariamente àquilo que o povo, constituído de pecadores rebeldes, merece. Essa ação é graça. Eleição significa que Deus escolhe alguns, e não outros, como alvo de sua graça. É inútil buscarmos uma razão ao questionarmos por que encontramos uma linhagem piedosa e uma linhagem ímpia nos primeiros capítulos de Gênesis, ou por que Noé, e não alguma outra pessoa, encontra graça, ou por que Abraão, e não algum outro, foi escolhido como o pai de uma raça abençoada. Mais tarde ficamos sabendo que a eleição opera para a glória de Deus (Rm 9.19-24), pois ela demonstra a soberania divina. A eleição é um princípio que se manifesta em toda a história bíblica, e devemos tomar cuidado para não entendê-la mal nem procurar remoldá-la pela lógica humana em uma doutrina mais aceitável. Não podemos resolver esse mistério recorrendo a soluções fáceis, como a ideia de que Deus antevê a fé daqueles que ele posteriormente, e com base nisso, elege. Tampouco podemos levantar objeções falsas à doutrina, talvez aparentemente lógicas, tais como dizer que a eleição baseada na graça livre de Deus nos reduz a robôs ou marionetes sem nenhuma vontade nem poder de fazer escolhas. O terceiro tema é a fé como o meio de restauração a Deus. A fé de Abraão certamente não era perfeita, nem sempre foi forte e algumas vezes beirou à incredulidade (Gn 15.2,3). No entanto, nos momentos decisivos, ele crê na palavra de Deus e em suas promessas. O segredo não é a força nem a perfeição da fé de Abraão, mas a força e a perfeição do Deus em quem ele confia. Abraão aprende que Deus é completamente confiável e fiel à sua palavra. E, visto que Abraão não merece nada do que lhe foi prometido, é preciso considerar isso uma dádiva pura e imerecida. É por isso que ele é contado como justo diante de Deus tão somente por crer (15.6). À medida que a história bíblica revela o significado da graça, a eleição e a fé também se revelam. A revelação progressiva exige que sempre deixemos que as palavras posteriores e mais plenas de Deus interpretem o significado das anteriores e menos explícitas. Todos os temas fundamentais na história teológica de Gênesis serão desenvolvidos ao longo de todo o Antigo Testamento e vão encontrar seu cumprimento no evento do evangelho. Devo ressaltar mais uma vez que, embora expressões anteriores nos ajudem a entender as posteriores, é o cumprimento posterior que deve interpretar o significado real das expressões anteriores. Isso significa, obviamente, que as expressões anteriores indicam coisas além delas mesmas, maiores do que o significado que seria percebido pelos que receberam essas expressões anteriores. A aliança com Abraão inclui as promessas de Deus de que os seus descendentes se tornarão uma grande nação, tomarão posse da Terra Prometida e serão o povo de Deus. Por meio deles, todas as nações serão abençoadas. A aliança expressa a graça de Deus na eleição, e as suas bênçãos são recebidas pela fé. ISAQUE A história de Isaque começa quando Abraão tinha cem anos de idade (Gn 21.5). Isso ressalta que o nascimento do filho se deve à promessa de Deus, impossível de ser cumprida por meios puramente naturais. Isaque é um presente da graça, e o seu nascimento de pais tão velhos representa o elemento sobrenatural no nascimento do povo da aliança. Contra todas as expectativas naturais, Deus se mostra absolutamente fiel a suas promessas. Abraão tenta contornar a dificuldade de estar velho e sem filhos gerando filhos com a serva Hagar e outras mulheres. Contudo, Isaque é o escolhido de Deus, e Abraão não pode mudar isso. O desafio mais importante à confiança de Abraão no Deus da aliança surge na exigência de que ele ofereça o menino como sacrifício. Se Isaque morresse no sacrifício, como as promessas seriam cumpridas nele? De fato, ele não morreu, e Deus proveu um sacrifício substituto na forma de um carneiro preso em um arbusto. A oferta de sacrifícios remonta a Caim e Abel, e a primeira menção de um altar é na chegada de Abraão a Canaã (12.7). Pouco se diz para explicar o significado dos sacrifícios como restauração da comunhão com Deus. A narrativa de Isaque como oferta de sacrifício implica o princípio do substituto, e esse princípio ficará mais claro com o progresso da revelação. O longo relato do servo de Abraão que vai em busca de uma esposa para Isaque dentre a parentela na Mesopotâmia é evidentemente necessário segundo os termos da aliança (24.1-7). Isaque precisa aprender que as promessas feitas a seu pai agora recaem sobre ele. Após a morte de Abraão, ocorre outra fome na terra. Isaque é advertido a não deixar a Terra Prometida e tem novamente a garantia de que os seus descendentes tomarão posse dela (26.1-6). Naquela parte da terra há filisteus, e Isaque usa do mesmo artifício ímpio que Abraão usou, negando que Rebeca é sua esposa (26.7-16). A narrativa nos dá bem poucos detalhes da vida de Isaque, e temos de inferir disso que sua principal importância se vê na repetição das promessas da aliança a ele e no fato de ser ele próprio a prova viva da fidelidade de Deus às promessas feitas a Abraão. Isaque é apresentado como o descendente de Abraão por meio de quem as promessas de Deus se realizarão. Seu nascimento demonstra a fidelidade de Deus a essas promessas. JACÓ Rebeca, esposa de Isaque, é estéril até ele chegar aos sessenta anos de idade (Gn 25.19-26). Assim, o nascimento de seus gêmeos deve ser considerado um nascimento sobrenatural, do mesmo modo que o de Isaque. Antes de nascerem, os dois lutavam no ventre da mãe, e Deus disse a Rebeca que eles seriam pais de duas nações, e o mais velho serviria ao mais novo. Esaú é o primeiro a nascer, mas logo fica claro que o outro, Jacó, é o escolhido por Deus. Novamente, a aliança da graça atua contra a escolha natural. É verdade que Esaú desprezou o seu direito de primogenitura na qualidade de o mais velho dos gêmeos, mas também é verdade que Jacó não é de jeito nenhum uma pessoa boa. Gênesis 27 fala detalhadamente da astúcia de Jacó para enganar o pai já fraco e quase cego. Ele engana Isaque para que este lhe dê a bênção pertencente ao primogênito. Se há alguma dúvida de que Deus confirmará esse arranjo, ela logo se dissipa. Isaque invoca a bênção da aliança de Abraão sobre Jacó (28.3) e o envia para encontrar uma esposa entre os parentes na Mesopotâmia. Na saída da Terra Prometida, Deus fala a Jacó em um sonho e afirma que todas as promessas feitas a Abraão lhe dizem respeito (28.13-15). Jacó chama aquele lugar de Betel — “… casa de Deus…” (28.17). Ele então vai para Padã-Arã, na Mesopotâmia, e encontra sua prima Raquel. Ele deseja casar-se com Raquel e trabalha para o pai dela durante sete anos. Labão, porém, lhe dá a filha mais velha, Leia, em vez de Raquel, e, por isso, Jacó precisa trabalhar mais sete anos por Raquel. Essa provação surge como mais um dos desafios ao cumprimento das promessas da aliança, embora talvez pareça uma punição justa para o homem que ludibriou o irmão para lhe tirar o direito de primogenitura. Contudo, Deus está com Jacó, que finalmente deixa de ser empregado de Labão e parte com as esposas e os filhos de volta para Canaã. Fica bem claro que a eleição de Jacó é pela graça, não por nenhum merecimento dele. Ao voltar para Canaã, Jacó se prepara para o pior, já que teme a ira de seu irmão Esaú. Ele tem como defesa somente as promessas de Deus (32.9-12). Porém, não é Esaú que ele encontra primeiro, e sim um homem cujo nome não se sabe e que por alguma razão começa a lutar com ele (32.22-32). Jacó percebe que não se trata de um homem comum, mas, sim, de um mensageiro de Deus. Esse fato é envolto em certo mistério. Parece que o homem procura impedir o retorno de Jacó para a terra da promessa; contudo, quando ele põe fim à luta, Jacó se recusa a deixá-lo ir. Ele reconhece a origem divina, talvez até a natureza divina, de seu oponente. Tendo apenas as promessas de Deus por sustento, Jacó exige uma bênção antes de deixar o homem partir. Jacó recebe a bênção e, com ela, a mudança de nome para Israel, cujo significado diz que ele lutou com Deus. Só podemos pensar que isso foi uma espécie de experiência de conversão. Desse momento em diante, Jacó passa a ser outro homem. Não é mais o enganador astucioso, mas o patriarca piedoso. Como uma possível confirmação disso, Esaú o recebe bem. Depois, Jacó se muda para Betel (onde Deus lhe apareceu pela primeira vez em um sonho), e ali o seu nome, Israel, é vinculado às promessas da aliança. Por isso, Deus é conhecido como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó (35.9-15). Até aqui, vimos que o princípio da eleição atua para destacar determinadas famílias de uma família maior. Abraão é escolhido como o pai do povo da aliança, e não Ló. Os descendentes de Ló, originados de uma união incestuosa com suas duas filhas, são Moabe e Ben-Ami. As nações que surgem disso, os moabitas e os amonitas, são, portanto, parentes de Israel e foram protegidos dos israelitas quando mais tarde estes avançaram para tomar posse da Terra Prometida (Dt 2.9,19). Dos descendentes de Abraão, a aliança diz respeito a Isaque, o filho de Sara, e não a Ismael, o filho de Agar. Dos descendentes de Isaque, Jacó, e não Esaú, é quem recebe as promessas da aliança. Esaú é Edom, e os seus descendentes também são protegidos de Israel (Dt 2.4,5). De diferentes maneiras, esses irmãos não eleitos, especialmente Edom, entram vez ou outra em conflito com Israel. Depois que chegamos a Jacó e sua família, o processo de eleição se mantém fortemente com os seus descendentes. Israel é a nação eleita, mas a revelação posterior vai mostrar que essa eleição exterior prossegue lado a lado com a eleição interior para a vida eterna. Nem todo o Israel é Israel, o apóstolo Paulo mais tarde concluirá (Rm 9.6). O tratamento de Deus com a nação como um todo terá de se diferenciar de seu tratamento com os indivíduos quanto a sua salvação eterna. Esses dois aspectos da eleição também vão se distinguir da eleição de determinados indivíduos representativos, que são o alvo dos propósitos de Deus de um modo especial. Os princípios da aliança continuam se manifestando em Jacó. Pela eleição da graça, ele se torna o descendente de Abraão por meio de Isaque, a quem se dirigem as promessas de Deus. JOSÉ E OS FILHOS DE JACÓ As excelentes verdades iniciadas com Abraão são confirmadas e progridem a cada geração. O processo continua com José (Gn 37— 50). Ele é o décimo primeiro filho de Jacó e o primeiro nascido de Raquel. Quando tinha dezessete anos, os seus irmãos o venderam, por inveja, a comerciantes ismaelitas. Estes, por sua vez, venderamno a um alto funcionário do Egito. Por motivo de falsas acusações, José é preso, mas é libertado um tempo depois porque interpretou os sonhos do faraó. Aos trinta anos de idade, ele recebe um posto elevado na administração do Egito. Quando seus irmãos vêm ao Egito comprar trigo por causa da grave fome em Canaã, José acaba deixando que eles o reconheçam, e todos se reconciliam. Finalmente, os irmãos são persuadidos a trazer Jacó e as famílias deles para se estabelecerem no Egito. No fim da narrativa, as palavras de José nos ensinam o significado do episódio: “Certamente planejastes o mal contra mim. Porém Deus o transformou em bem, para fazer o que se vê neste dia, ou seja, conservar muita gente com vida” (50.20). Podemos nos perguntar por que Deus não salvou a vida deles mandando chuva e produzindo boas colheitas em Canaã. Segundo tudo o que aprendemos sobre a aliança, o Egito não era o lugar certo para o povo de Deus se assentar. A intenção de Deus não era que essas pessoas fossem servas de um rei estranho em uma terra estrangeria. Só vamos ficar sabendo a razão disso à medida que a narrativa se desenvolve. Uma observação final de Gênesis. Depois do reencontro de José com sua família, chegamos ao momento da morte de Jacó. Antes de morrer, ele faz duas coisas significativas. Reconhece os dois filhos de José, Efraim e Manassés, como seus próprios filhos (48.5). Isso os torna cabeças das meias-tribos, que sempre são contadas entre as tribos de Israel. Jacó deixa claro que essa adoção faz parte do cumprimento da aliança (48.3-6). Ele também abençoa os dois jovens, mas cruza as mãos, de modo que a sua destra da bênção fique sobre a cabeça de Efraim, o mais novo (48.8-14). Depois reúne os doze filhos e pronuncia bênçãos proféticas sobre cada um deles. Dessas doze bênçãos, a que deve ser observada com mais atenção é a dirigida a Judá, pois, ao abençoá-lo, Jacó assevera: “O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão de autoridade de entre seus pés…” (49.10). De Judá (os judeus) viria Davi e a sua linhagem real, que acabaria levando a Jesus de Nazaré. Essa função de liderança da tribo de Judá será muito ressaltada na revelação posterior. Como veremos no capítulo 17, a linhagem real de Davi recebe as promessas divinas que concentram todos os planos de Deus para seu povo no rei, como representante do povo de Deus. Por essa razão é preciso distinguir os judeus (de Judá) de Israel como um todo. Com essa distinção, podemos entender o que Jesus quis dizer quando falou à mulher samaritana que “… a salvação vem dos judeus” (Jo 4.22). A profecia de Jacó a respeito de Judá também explica a história do reino dividido (após a morte de Salomão), em que Judá, o reino do sul, é governado ininterruptamente pela dinastia de Davi de, aproximadamente, 925 a.C. a 586 a.C., enquanto o reino do norte, Israel, teve cerca de treze dinastias ao longo de um período de dois séculos (925 a.C. a 722 a.C.). A estada no Egito, de José, e depois de toda a família de Jacó, parece contradizer as promessas da aliança de Deus. No entanto, vê-se que Deus abençoou o seu povo no Egito, e as promessas da aliança são transmitidas aos filhos de Jacó. MAIS PROMESSAS DE REGENERAÇÃO RESUMO O compromisso da aliança de Deus tem sua próxima expressão importante nas promessas feitas a Abraão. A eleição e a graça são evidenciadas pelo modo que as promessas são feitas e mantidas diante de obstáculos aparentemente intransponíveis. As promessas afirmam que os descendentes de Abraão, mediante Isaque e Jacó, tomarão posse da terra, serão o povo especial de Deus e seus instrumentos de bênção para todas as nações. TEMAS PRINCIPAIS Aliança com Abraão, Isaque e Jacó Terra Prometida Descendentes de Abraão como o povo de Deus Bênção para as nações ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Promessa Fé O CAMINHO ADIANTE Promessa a Abraão — Cumprida em Cristo, Gálatas 3 Fé de Abraão — Justificação pela fé, Romanos 4 GUIA DE ESTUDO 1. Começando por Gênesis 12.1-3, faça uma lista das promessas da aliança feitas a Abraão e das ocasiões em que essas promessas foram feitas. 2. Quais são as principais lições que Paulo enxerga no relacionamento de Deus com Abraão (veja Gl 3 e Rm 4)? 3. Como se percebe a graça na história de Jacó e Esaú? 4. De que modo a experiência de José no Egito confirma a aliança? E o que faz parecer que ela contradiz a aliança? LEITURA COMPLEMENTAR BT. cap. 7. DUMBRELL, William J. Covenant and Creation (Exeter: Paternoster, 1984). cap. 2. MCCOMISKEY, T. E. The covenants of promise (Grand Rapids: Baker, 1985). ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980). caps. 8 e 9. ______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The Christ of the covenants. Êxodo: modelo da redenção José levantou-se durante a noite, tomou o menino [Jesus] e a mãe, e partiu para o Egito; e permaneceu lá até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que o Senhor havia falado pelo profeta: Do Egito chamei o meu Filho (Mt 2.14,15). … Cristo, nosso cordeiro da Páscoa, já foi sacrificado (1Co 5.7). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ÊXODO 1— 15 Com o tempo, os descendentes de Jacó que moravam no Egito se multiplicaram e vieram a ser um número muito grande de pessoas. Os egípcios não os tratavam mais com cordialidade e os escravizaram. Deus designou Moisés para ser aquele que lideraria a saída de Israel do Egito rumo à Terra Prometida de Canaã. Quando chegou o momento de Moisés exigir a liberdade de seu povo, o faraó se recusou a deixá-los sair. Por meio de Moisés, Deus enviou milagrosamente dez pragas que causaram sofrimento, destruição e morte aos egípcios. Finalmente, o faraó deixou os israelitas ir embora, mas os perseguiu e os encurralou na margem do mar Vermelho (ou mar dos Juncos). Então Deus abriu um caminho no mar para que Israel atravessasse em terra seca, mas fechou as águas sobre o exército egípcio e o destruiu. CATIVEIRO Até aqui alguns temas teológicos bem claros emergiram, bem como perguntas importantes que exigem respostas. Por que a terra parecia sempre tão fora do alcance daqueles a quem ela havia sido prometida quando ainda a habitavam? Por que entre os propósitos de Deus estava a remoção completa do povo de sua terra para que todos eles fossem morar no Egito? Parte da resposta à primeira pergunta é que a fé nas promessas de Deus é uma perspectiva importante apresentada nos primeiros estágios da revelação do reino de Deus. As duas perguntas são respondidas pelo fato histórico da estada de Israel no Egito e pela interpretação bíblica desse fato. As peregrinações seminômades de Abraão e seus descendentes em Canaã não serviram plenamente aos propósitos da revelação de Deus. Em todo o Antigo Testamento, a posse da terra é apresentada como prenúncio da realidade futura do viver como povo de Deus no reino de Deus. Mas esse prenúncio não apresentava nenhum modelo detalhado e realista do caminho necessário para os filhos de Deus entrarem no reino. Para isso, era preciso um acontecimento claro e inconfundível de redenção de um poder de fora. Lembre-se de que a humanidade toda não está mais no Éden desde a rebelião de Adão e Eva. Qualquer revelação do reino de Deus no quadro histórico do povo escolhido tem de levar em conta que até os eleitos são pecadores necessitados de redenção. Essa verdade já havia sido expressa no livramento de Noé da punição com água que veio sobre o mundo inteiro. O Êxodo do Egito repete esse quadro com ainda mais detalhes e clareza, de modo que a condição de pecadores e a natureza da obra de Deus para lidar com essa condição se mantêm como o modelo de redenção até a vinda de Cristo. No início do livro de Êxodo, constatamos que os descendentes de Israel no Egito se multiplicaram, tornando-se uma grande multidão. A terra é agora governada por um rei que não tem apreço algum pelos serviços prestados por José. Antes, ele considera os israelitas uma ameaça interna à segurança da nação e os torna escravos do estado (Êx 1). Mais uma vez, a realidade das promessas de Deus parece se tornar inalcançável. Certamente os descendentes de Abraão agora são muitos, mas eles estão no lugar errado e sob o governo errado. Aos olhos dos homens, o Deus de Israel parece impotente para manter sua fidelidade para com seus escolhidos e incapaz de impedir que deuses estrangeiros exerçam o domínio sobre o seu povo. O significado teológico do cativeiro no Egito reside em sua oposição à aliança. O faraó é um ser semidivino e os egípcios entendem o seu governo como um reflexo do poder dos deuses egípcios. Mas o inimigo não está somente fora dos israelitas; está também no íntimo deles, na sua própria condição espiritual. Nesse estágio, não há qualquer indicativo de que o cativeiro se devia ao pecado de Israel. Quando Deus disse a Abraão que o seu povo seria oprimido, não fez qualquer menção de que isso seria um juízo sobre o seu pecado (Gn 15.13-16). Somente em reflexões posteriores a questão de Israel ter servido a deuses estrangeiros é apontada (Js 24.14; Ez 23.19-21). Naquele contexto do Egito, a condição de Israel é identificada primariamente como escravidão política e social. O cativeiro no Egito expressa o desafio supremo às promessas da aliança. O povo da aliança é apresentado em um estado de sujeição a poderes estrangeiros em uma terra que não é a dele. A ALIANÇA EM AÇÃO A situação de Israel já bastante crítica se torna ainda pior quando o faraó ordena que todos os recém-nascidos sejam afogados no Nilo. A mãe de Moisés o esconde nos juncos do rio em um cesto impermeabilizado, e uma princesa real o descobre e resgata. Ele é dado a sua própria mãe para ser amamentado e, então, a princesa o adota. Assim, Moisés é salvo da morte e recebe tanto uma educação hebraica quanto uma educação egípcia em preparação para o seu ministério. O significado teológico da libertação de Moisés não está em um cuidado providencial geral dirigido a crianças pequenas, mas na anulação de poderes contrários ao reino de Deus, a fim de que não possam prejudicar o escolhido para mediar o plano de salvação divino. O próximo estágio na preparação de Moisés ocorre em Midiã, em que, como adulto, ele se refugia após matar um egípcio. Enquanto isso, no Egito, os israelitas estão clamando por ajuda. Deus os ouve e lembra-se de sua aliança com seus pais (Êx 2.23-25). Isso não implica que ele pudesse chegar a esquecer suas promessas, e sim que está prestes a agir com base nessas promessas. A teologia do livro de Êxodo é primariamente a teologia da aliança em ação. O ministério de Moisés será o instrumento humano por meio do qual Deus agirá para redimir o seu povo. É vital aqui que entendamos o lugar concedido na revelação do Antigo Testamento a certas figuras fundamentais, como Moisés. O significado delas para nós não está primariamente no modo que se apresentam, como exemplos de piedade e fé, mas, antes, no papel que desempenham em revelar e prenunciar a natureza da obra de Cristo. Moisés é o homem divinamente designado a quem Deus revela seus propósitos e sua vontade para o seu povo. Deus revela si mesmo a Moisés no monte Sinai (Horebe) do meio da sarça ardente (3.1—4.17). Ele identifica a si mesmo como o Deus dos patriarcas (3.6), o que significa que foi ele quem prometeu que Israel seria um povo livre em sua própria terra. Deus anuncia que está prestes a cumprir essa promessa libertando os israelitas do Egito (3.7-9). Então, incumbe Moisés de confrontar o faraó e tirar os israelitas do Egito. No entanto, será o poder de Deus que garantirá a liberdade desse povo por meio de sinais e milagres. A preocupação de Moisés é que os israelitas não acreditarão nele quando voltar ao Egito e afirmar ser o escolhido de Deus (3.13; 4.1). Ele é tranquilizado com base em duas coisas. Em primeiro lugar, identificará o Deus que falou a ele como “EU SOU” e como o Deus de seus pais (3.14-16). Em segundo lugar, Moisés recebe alguns sinais miraculosos, que ele conseguirá repetir para persuadir os israelitas de sua missão (4.1-9). Esses dois temas, o do nome de Deus e o dos sinais e maravilhas, estão fortemente entrelaçados no acontecimento redentor pelo qual Israel é liberto. Mais um tema importante e relacionado é o da identidade de Israel como o povo de Deus. Pela primeira vez, Israel é chamado de o filho de Deus, um nome não usado muitas vezes, mas ainda assim muito importante (4.22,23). Ser o povo da aliança de Deus também significa ser conhecido pelo seu nome (Dt 28.10). Séculos depois, quando a nação é mantida em um segundo cativeiro, Deus promete a redenção a “todo que é chamado pelo meu nome…” (Is 43.7). Moisés volta ao Egito e convence o seu irmão, Arão, e todo o povo de sua tarefa concedida por Deus (Êx 4.27-31). No entanto, quando as suas primeiras demandas ao faraó são recebidas com imposições de condições ainda mais difíceis sobre os cativos, o povo se inquieta (5.21). Então Deus concede a Moisés uma das grandes afirmações aliancísticas da Bíblia (6.1-8). Ao experimentar a libertação inevitável da escravidão, o povo conhecerá a Deus de um modo novo como o Senhor que é fiel à sua aliança. Isso será indicado pelo nome o SENHOR ou YHWH.1 Esse nome, muitas vezes pronunciado como Jeová ou Iavé, está provavelmente ligado ao verbo hebraico “ser”, que fornece a identidade “EU SOU” em Êxodo 3.14. Em alguma fase de sua história, os israelitas deixaram de pronunciar o nome santo YHWH e o substituíram pelo nome Adonai (meu Senhor), e essa é a razão de a maioria das traduções em nossa língua substitui o nome YHWH por SENHOR. O importante é que YHWHN é o nome pessoal de Deus e está ligado ao seu caráter como o Deus que estabelece o compromisso gracioso de si mesmo com seu povo e revela o significado de sua fidelidade a essa aliança. A aliança em ação significa que Deus age para cumprir suas promessas, das quais o cativeiro no Egito é uma negação. Israel é o filho de Deus e o conhecerá pelo seu nome YHWH, que o identifica como o Deus que é fiel à sua aliança. SINAIS E MARAVILHAS Na Bíblia, sinais podem ser ou não miraculosos. Contudo, quando a palavra sinal está vinculada com a palavra maravilha, estamos lidando com acontecimentos miraculosos que podem ser agrupados em dois lugares principais. O primeiro é no relato da libertação de Israel do Egito (Êx 7.3) ou em referências posteriores ao Êxodo (Dt 4.34; Ne 9.10; Jr 32.20,21). O segundo é no ministério de Jesus e de seus apóstolos. Esse fato por si mesmo sugere que a expressão sinais e maravilhas é um termo técnico para milagres que acompanham e até mesmo constituem o evento redentor. As dez pragas que Deus realiza por meio de Moisés são sinais e maravilhas que têm significado salvífico para os israelitas e, ao mesmo tempo, recaem como juízos sobre o Egito. Por meio disso, Deus se revela a Israel e aos egípcios como YHWH (Êx 6.6,7; 7.5). O caráter salvador-julgador das pragas inclui uma demonstração de que os deuses do Egito são impotentes. Embora uma após outra as pragas inflijam grande desconforto e sofrimento sobre os egípcios, o faraó persistentemente se recusa a deixar sair os israelitas. Há um aparente problema pelo fato de se dizer que Deus endurece o coração do faraó (4.21; 7.3; 9.12; 10.1) e, ao mesmo tempo, que o faraó endurece o seu próprio coração (8.15; 9.34). Observe como o autor, em um só trecho, fala sobre três modos de endurecimento: o faraó endureceu seu coração; o coração do faraó se endureceu; o Senhor disse: “endureci o seu coração” (9.34—10.1). Alguém poderia indagar quem endureceu o coração do faraó. Não há dúvida alguma de que o endurecimento do faraó de seu próprio coração é deliberado, e ele é julgado por isso. Contudo, Deus ainda é soberano na questão, como o apóstolo Paulo mais tarde reconhece ao analisar o fato no âmbito da eleição de Deus (Rm 9.14-18). Essa perspectiva bíblica que afirma que a responsabilidade humana e a soberania divina estão de algum modo entrelaçadas, sem o comprometimento de nenhuma delas, é algo que precisamos aceitar, embora esteja além de nossa capacidade de compreensão. Sinais e maravilhas são acontecimentos miraculosos que acompanham os atos salvadores de Deus. Eles funcionam como juízos sobre o faraó, pois o seu coração está endurecido contra a palavra de Deus. Ao mesmo tempo, eles atuam para a salvação de Israel. A PÁSCOA Após nove pragas sucessivas, o faraó ainda resiste às demandas de Moisés. Quando Deus anteriormente havia chamado Israel de seu filho primogênito, ele ameaçou matar o primogênito do faraó caso este não libertasse Israel (Êx 4.22,23). Nenhuma das pragas anteriores havia realmente atingido os israelitas, que estavam vivendo separadamente da grande maioria dos egípcios. Agora eles e toda a nação egípcia sofrem o golpe final, pois todos os primogênitos no Egito morrerão (11.4,5). O envolvimento dos israelitas na décima praga é uma parte importante da revelação divina do reino (12.1-13). A não ser que eles creiam em Deus e sigam as suas instruções, todo primogênito de Israel também morrerá. Em um dia específico, cada família israelita deverá tomar para si um cordeiro macho de um ano de idade e sem defeito. Quatro dias depois, o cordeiro será morto e parte do sangue deverá ser colocado no batente de cada casa. A carne será assada e então comida com ervas e pão sem fermento. Cada pessoa deverá estar vestida e pronta para uma jornada. Naquela noite, Deus diz, “… executarei juízo sobre todos os deuses do Egito…” (v.12). Na casa em que o sangue for visto, o Senhor passará adiante e nenhuma morte afligirá os que nela se abrigam. Deus também instrui Moisés a estabelecer a festa da Páscoa como um memorial perpétuo (12.14-20). Isso mostra quão importante a Páscoa é no estabelecimento do padrão da obra redentora de Deus, embora não seja dada praticamente nenhuma razão teológica para a forma que ela adota. Podemos inferir seguramente que os israelitas que creram e, portanto, obedeceram foram de algum modo cobertos pelo sangue do cordeiro, para que não sofressem juízo algum. O princípio da aliança opera por família, de modo que a fé do chefe da família tem significado salvífico para todos nela. Outros aspectos do simbolismo da Páscoa se tornam mais claros à medida que o evento salvador avança para sua conclusão na história de Israel. A Páscoa mostra que a redenção envolve não somente a libertação da escravidão, mas também o derramamento de sangue como o meio de escapar do juízo. REDENÇÃO As dez pragas causaram suficiente sofrimento para os egípcios, mas Deus ainda terá de lidar com eles. A própria travessia do mar que ele realizará para os israelitas significa desastre para os exércitos do faraó. Mais uma vez, há um endurecimento do coração do faraó, a fim de que o poder de Deus seja demonstrado (Êx 14.4,8). O mar também servirá para incutir nos israelitas que o Êxodo do Egito não é uma caminhada comum de um lugar para outro. Assim, em vez de conduzir o povo pelas estradas familiares para fora do Egito, Deus os leva a um aparente beco sem saída diante do mar de Juncos, onde o exército egípcio os encurrala (13.17,18; 14.1-4). Nessa situação desesperadora, a palavra de Deus por meio de Moisés faz soar as boas notícias de salvação: “… Não temais. Acalmai-vos e vede o livramento que o SENHOR vos trará hoje […] O SENHOR guerreará por vós. Por isso, acalmai-vos” (14.13,14). E isso é o que acontece. As águas são divididas e os israelitas caminham para a liberdade, ao passo que as águas se fecham novamente sobre os seus perseguidores. Ao refletirmos sobre os elementos de redenção revelados no acontecimento do Êxodo, conseguimos perceber por que Deus levou José e seus irmãos ao Egito. A posse da Terra Prometida e a liberdade para ser o povo de Deus não é simplesmente uma questão de atravessar a fronteira para o reino de Deus, e muito menos é algo em que nascemos. Os israelitas, mesmo como o povo escolhido, são por natureza estranhos e estrangeiros para o reino de Deus por serem filhos de Adão fora do Éden. Deus escolheu revelar o seu propósito redentor no contexto da história de Israel. Assim, o cativeiro no Egito e o Êxodo demonstram o cativeiro da raça humana aos poderes do mal e a necessária obra poderosa do próprio Deus para resgatar o seu povo dessa escravidão terrível. Quando Deus, o guerreiro, luta pelo seu povo contra o inimigo, a vitória é certa (14.14; 15.1-3). Agora podemos resumir as dimensões de redenção que são reveladas na história do Êxodo. A escravidão de Israel é uma contradição às promessas da aliança feitas aos pais da nação: Abraão, Isaque e Jacó. Com base nessas promessas, Deus anuncia que mostrará a sua fidelidade tirando Israel de seu cativeiro (2.2325; 6.1-6). Ao fazer isso, ele está revelando o seu caráter como o Deus que é absolutamente fiel ao seu compromisso da aliança. O nome “O SENHOR” para sempre expressará a sua fidelidade da aliança (3.13-15; 6.2-5). A redenção é o ato de juízo de Deus sobre seus inimigos pelo qual ele recupera o seu povo perdido e o torna seu no lugar que prepara para ele (6.6-8). Ela é, portanto, um ato sobrenatural de salvação operado por Deus para um povo incapaz de ajudar a si mesmo (3.19,20; 7.3-5; 10.1,2; 14.13,14). Entrelaçada com esses acontecimentos está uma oferta sacrificial, a morte de um cordeiro da Páscoa, que liberta Israel do juízo a fim de que possa ir livremente. O fim do Êxodo é liberdade, fé e celebração. Obviamente, a fé estava ativa ao longo de todos os acontecimentos de Êxodo 1—14. Mas de um modo especial, quando o povo é liberto, percebe o que Deus fez e passa a temê-lo e a acreditar nele (14.31). Uma admiração reverente para com Deus e confiança nele são evocadas pelo próprio evento redentor. Em seguida, eles celebram! No cântico de Moisés e do povo, vemos o ato espontâneo de adoração que se torna uma espécie de modelo para a adoração dali em diante (15.118). Deus se revela pelas suas ações e por meio de sua palavra sobre essas ações. A adoração precisa, portanto, centrar-se em recontar o que Deus fez. O cântico de Moisés não é um regozijo vingativo sobre os egípcios; antes, é um relato do que Deus fez para mostrar a sua fidelidade da aliança (hebraico: hesed, Êx 15.13).2 O outro ato de adoração já foi prescrito para eles na celebração da refeição da Páscoa e na festa dos pães sem fermento. Nessa refeição sagrada, eles não repetirão a redenção do Êxodo todo ano, mas celebrarão o ato concluído e único de Deus em seu favor. A redenção como uma libertação da escravidão ou de um estado de infortúnio agora se torna um dos temas mais importantes na Bíblia. A esse respeito, o livro de Rute fornece uma ilustração quando Boaz age com bondade a fim de cumprir o dever de um parente próximo para redimir a terra de Rute (Rt 4.1-11). A última parte do livro de Isaías se refere frequentemente a Deus como o redentor de Israel à luz da libertação iminente do povo de Deus de seu cativeiro na Babilônia. Também veremos a repetição da ideia do Êxodo como um padrão da redenção. Há o primeiro Êxodo do Egito, um segundo que envolve a volta dos cativos da Babilônia no sexto século a.C. e, então, o verdadeiro Êxodo, em que Jesus tira o seu povo do cativeiro de pecado e morte. O Êxodo é o fim do cativeiro, mas é somente o início da liberdade. Deus tem ainda muito a fazer para mostrar ao seu povo o que significa viver livremente como o seu povo. A redenção é o ato de Deus de libertar seu povo de um poder estrangeiro ou estranho e de o conduzir à liberdade para que possa viver como seu povo de acordo com as promessas da aliança. REGENERAÇÃO DE UMA NAÇÃO RESUMO As promessas da aliança divinas aparentam não ter qualquer solidez quando o povo escolhido se vê escravo de um poder estrangeiro. Mas a fidelidade de Deus é mostrada no ato redentor pelo qual ele salva Israel de seu cativeiro. Sinais e maravilhas demonstram que a entrada no reino de Deus somente é possível por meio de uma obra sobrenatural do próprio Deus. TEMAS PRINCIPAIS Cativeiro Fidelidade da aliança de Deus Nome de Deus Sinais e maravilhas Redenção sobrenatural ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Aliança Páscoa Redenção Salvação O CAMINHO ADIANTE Êxodo do Egito — Segundo êxodo do Cativeiro Babilônico — Êxodo de Cristo Páscoa — Cristo, nossa Páscoa, 1Coríntios 5.7 Israel é o filho de Deus, Êxodo 4.22,23; Oseias 11.1 — Jesus é (Israel) o Filho de Deus, Lucas 3.22-38; 4.3 GUIA DE ESTUDO 1. Quais são as características singulares da vida e do ministério de Moisés em Êxodo 1—15? 2. Qual é o significado do cativeiro no Egito à luz da aliança? 3. Quais elementos fundamentais revelados na libertação de Israel do Egito mostram o significado da redenção? 4. Qual é o significado do nome de Deus “O SENHOR” e como o seu povo pode adorá-lo? LEITURA COMPLEMENTAR BT. cap. 8. COLE, Alan. Exodus: an introduction and commentary, TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1973). ______. Êxodo: introdução e comentário. Tradução de Carlos Oswaldo Pinto (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1980). Tradução de: Exodus: an introduction and commentary. GK. cap. 7. 1 O fato de as narrativas patriarcais em Gênesis muitas vezes se referirem a Deus como Senhor poderia significar que o autor está identificando o Deus de Abraão como o Deus que revelou o nome YHWH a Moisés, ou que o nome era conhecido antes do acontecimento de Êxodo 6, mas o significado redentor do nome não foi revelado antes disso. 2 A palavra hebraica hesed é traduzida de diversos modos. Em Êxodo 15.13, ela é traduzida por “amor firme” (RSV) e “amor fiel” (NIV). É uma palavra que assume um significado técnico ao se referir a Deus, significando seu compromisso infalível e amoroso com a aliança. É a palavra fundamental no refrão de cada versículo do salmo 136, mas as referências à aliança não estão claras nas versões em inglês. Nova vida: dádiva e dever Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir (Mt 5.17). Desse modo, a lei se tornou nosso guia para nos conduzir a Cristo, a fim de que pela fé fôssemos justificados. Mas, tendo chegado a fé, já não estamos sujeitos a esse guia (Gl 3.24,25). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ÊXODO 16— 40 E EM LEVÍTICO Depois da libertação do Egito, Moisés conduziu os israelitas ao monte Sinai. Foi quando Deus lhes deu sua lei e ordenou que a guardassem. Num dado momento, Moisés realizou uma cerimônia de renovação da aliança em que o acordo da aliança foi selado com sangue. No entanto, enquanto Moisés estava afastado, no monte, o povo convenceu Arão a fabricar um bezerro de ouro. Desse modo, os israelitas demonstraram sua inclinação para abandonar a aliança e envolver-se na idolatria. Deus também ordenou a construção do tabernáculo e deu todas as regras da adoração sacrificial pela qual Israel podia se aproximar dele. A NOVA VIDA A fuga do Egito significa nova vida, o renascimento da nação de Israel. A jornada do mar Vermelho até o Sinai fez o povo peregrinar por terras inóspitas onde logo todos conheceram a fidelidade de Deus em prover às suas necessidades, apesar de terem começado a murmurar o seu descontentamento (Êx 16 e 17). O povo também foi liberto do exército hostil dos amalequitas. Nesses breves episódios se revela a qualidade da vida redimida que existe até hoje para os cristãos e existirá até a volta de Cristo. A redenção, embora real, em um sentido importante é incompleta. A nova vida se caracteriza pela afirmação de Paulo: “…vivemos pela fé e não pelo que vemos” (2Co 5.7). A experiência do Egito revelou a Israel a necessidade de redenção para entrar no reino prometido de Deus. Porém, assim como aconteceu com Abraão anteriormente, Israel descobriu o aspecto de ainda não ter recebido o que fora prometido. Desse modo, os israelitas tiveram de contemplar o futuro com esperança e viver com fé nas promessas de Deus. Israel está diante de Deus no monte Sinai. Ali as primeiras palavras de Deus a Moisés, que atua como o mediador para o povo, dizem respeito à aliança. Praticamente toda a teologia da redenção e da nova vida está resumida em Êxodo 19.4-6: Deus julgou os inimigos de seu povo e de seu reino (v. 4a). Ele redimiu o seu povo e o reconciliou consigo (v. 4b). Se essas pessoas mostrarem que a redenção delas não é meramente exterior, mas algo que vem do coração, se obedecerem à palavra de Deus, elas serão sua propriedade especial entre todos os povos sob o domínio soberano dele (v. 5). Portanto, como povo, os israelitas viverão em uma relação exclusiva com Deus, ao mesmo tempo que o representarão para o mundo inteiro como sacerdotes (v. 6). A função sacerdotal em um mundo que pertence a Deus dá mais sentido à promessa da aliança original de que todas as nações da terra seriam abençoadas por meio dos descendentes de Abraão (Gn 12.3). É função do sacerdote aproximar-se de Deus em nome de outros e aproximar-se do povo em nome de Deus. Por intermédio de seus próprios representantes escolhidos, os sacerdotes levitas, Israel aprenderia como, na condição de nação, poderia se aproximar de Deus mediante um ministério sacerdotal. Depois também aprenderia que as bênçãos da aliança transbordariam um dia para todo o mundo por intermédio deles. Israel é chamado de o filho de Deus. Esse termo é empregado raramente no Antigo Testamento, mas a relação transparece por meio desses acontecimentos. Somente mais tarde a importância plena disso ficará evidente, quando o Filho de Deus vier cumprir em sua própria vida todos os propósitos de Deus para Israel. Contudo, ainda que o povo compreendesse imperfeitamente o significado da redenção do Egito, percebia que ela exigia uma resposta adequada. Conscientes de que a fidelidade da aliança de Deus fizera algo grandioso por eles, e antes mesmo de conhecerem os detalhes da palavra de Deus a que deviam obedecer, os israelitas respondem com a sua própria declaração de obediência (Êx 19.8). Talvez pareça um pouco prematuro e precipitado, contudo é a única reação que eles podiam ter naquelas circunstâncias. Não existe aceitação condicional da graça de Deus. A nova vida por meio da redenção implica um relacionamento com Deus estruturado pela Lei. Como o povo de Deus, Israel é chamado para ser uma nação de sacerdotes que de algum modo será o agente da bênção de Deus a todas as nações. LIBERDADE DE VIVER PARA DEUS Procurando compreender o Antigo Testamento, muitos cristãos se atolam nos detalhes da Lei. O espaço nos permite somente uma análise breve da natureza e do sentido da Lei. Neste estágio, estamos interessados na função da Lei no Antigo Israel. A relação da Lei com o evangelho será analisada quando chegarmos ao Novo Testamento. No entanto, não devemos ignorar a relação da Lei com a graça no Antigo Testamento. O primeiro pronunciamento no Sinai foi uma mensagem sobre a graça (redenção) e a aliança, para a qual se exigiu uma resposta obediente (Êx 19.4-6). O mesmo padrão da prioridade da graça se manifesta na entrega dos Dez Mandamentos. Isso fica bem explícito na declaração: “Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirou da terra do Egito…” (Êx 20.2). Ele é o Deus daquele povo, e ele os salvou. Sobre esse fundamento, a Lei é entregue ao povo. Evidentemente, a despeito de todas as declarações de condições, a Lei é dada a todos os que já experimentaram a graça de Deus na salvação, e não é com base na Lei que eles serão salvos. O dever de obediência é exigido porque a relação de filiação já fora estabelecida como dádiva imerecida. Isso é reforçado na forma dos Dez Mandamentos (ou Decálogo). Há algum tempo se reconhece que o Decálogo segue a forma de um tratado de aliança, muito conhecido no mundo antigo do Oriente Próximo. As condições, ou exigências, desse tipo de contrato eram impostas por um rei vencedor sobre um povo subjugado, uma vez que este povo havia se tornado seu súdito. Os privilégios dessa relação seriam mantidos pela obediência às condições estipuladas. A conclusão é que Deus deliberadamente entrega a Lei nessa forma porque é apropriada para a natureza da relação. A dádiva de Deus é tal que pode ser recebida somente pelo que é. Ser salvo ou redimido significa ter a condição de filiação e comunhão com Deus restaurada. Dizer que recebeu a dádiva da amizade com Deus e ao mesmo tempo persistir em uma vida marcada por afastamento e inimizade é obviamente um absurdo. A primeira das dez ordens do Decálogo inclui, na verdade, tudo o que vem depois dela. “Não terás outros deuses além de mim” é uma reivindicação de poder exclusivo e soberano. Mas seres humanos pecadores e ignorantes não conseguem saber o que isso significa em todas as áreas da vida. Os israelitas dependiam da revelação de Deus para compreender corretamente qual era a resposta adequada ao mandamento. Começando pelo Decálogo, a Lei detalha as implicações do direito exclusivo de Deus a seu povo mediante a aliança. Deus, evidentemente, tem o direito exclusivo sobre toda a criação, mas a relação de aliança era um dom somente para o seu povo escolhido. As exigências da Lei não são arbitrárias nem caprichosas, pois têm origem no caráter de Deus e refletem esse caráter, bem como o seu propósito para a humanidade na Criação e na redenção. Elas indicam a natureza da reconstrução da relação perfeita que Deus estabeleceu na criação, mas que foi rompida pelo pecado humano. Algumas leis, muitas vezes chamadas de leis morais, refletem essas relações mais diretamente que as demais. Outras leis tratam da situação de Israel em consonância com sua experiência histórica. Ainda outras parecem apresentar certa arbitrariedade, uma vez que relacionam determinados aspectos da experiência à vida cerimonial da nação. Assim como o primeiro mandamento é uma mensagem que inclui os outros nove, também os dez mandamentos contêm os princípios que regem todas as leis de Deus. Podemos observar esse princípio no modo que Jesus selecionou os dois mandamentos sobre os quais tudo na Lei e nos Profetas se baseia (Mt 22.34-40). Amor a Deus (Dt 6.5) e amor ao próximo (Lv 19.18) são consequências do primeiro mandamento. Mas o que significa amar a Deus e amar o próximo? Nesse ponto da revelação progressiva do reino de Deus, da qual fazem parte os acontecimentos do Sinai, é apropriado que a resposta dos redimidos à graça de Deus seja detalhada do modo que é. Todas as implicações de amar a Deus e de não ter nenhum outro deus além dele se difundem para todos os aspectos da vida dos israelitas, assim como ondulações num lago. Se a aliança significa que Israel deve responder adequadamente aos atos de Deus para com seu povo, o que se considera adequado depende, pelo menos em parte, do quanto essa ação salvadora de Deus é plena e claramente revelada. A redenção do cativeiro do Egito prenuncia a obra salvadora de Cristo. Ela contém a estrutura do evangelho, mas não revela sua plenitude. Uma vez que a revelação do Êxodo é incompleta, ela necessita de uma exposição mais detalhada do que significa viver como povo redimido. Na infância espiritual em que os israelitas estavam, eles precisavam ser tutoreados muito mais diretamente no viver santo (veja Gl 3.23-25). Só assim eles aprenderiam de que tipo de liberdade gozavam por haverem sido libertados da escravidão do Egito. A Lei é entregue ao povo escolhido de Deus para que esse povo, já redimido, saiba o que a sua nova relação com Deus significa para o seu modo de viver. A Lei do Sinai é a expressão do caráter de Deus de acordo com a revelação de seu reino naquela época. LIBERDADE PARA SE APROXIMAR DE DEUS A aliança se caracteriza pela disposição de Deus para ser Deus de um povo sem merecimento. Na comunhão de Adão e Eva com Deus no jardim do Éden, podemos perceber um pouco de como essa relação foi concebida para ser. Agora, porém, a humanidade pecadora está sendo restaurada de seu estado de negação de Deus. Como podem pessoas ainda pecadoras se aproximar de um Deus santo? A resposta bíblica diz ser necessário um mediador, um intermediário. Moisés é o mediador dos atos salvadores de Deus no Êxodo e também da palavra de Deus que interpreta a existência redimida proporcionada pelos atos salvadores de Deus no Êxodo. Agora é preciso um sacerdócio mediador juntamente com os meios de exprimir em que ponto eles se encontram no processo de restauração naquele momento. O meio que Deus provê para isso é o Tabernáculo. A palavra tabernáculo significa simplesmente uma tenda, porém conservamos a palavra porque ela passa a significar uma tenda especial. Em Êxodo 25—30, Deus apresenta a Moisés os detalhes do Tabernáculo e das funções sacerdotais associadas a ele. Em Êxodo 35—40, temos uma descrição da construção do Tabernáculo. Em seguida, em Levítico, são prescritos os vários sacrifícios que devem ser realizados no Tabernáculo. Não se deixa por conta da imaginação do povo nenhum detalhe sobre a construção da tenda e a feitura de seus pertences, pois os israelitas dependem completamente da revelação de Deus para o conhecimento de sua relação com ele. A forma e a disposição do Tabernáculo são importantes, porque ele fornece uma expressão vívida do estado espiritual de Israel como o povo da aliança, que é redimido, mas ainda pecador. Um pátio com uma cerca alta em volta da tenda indica a separação que o pecado causa entre os pecadores e um Deus santo. A cerca do pátio tem uma entrada na extremidade de frente para a porta da tenda. Depois da entrada fica o altar do sacrifício. De algum modo, o derramamento de sangue obtém acesso para o adorador arrependido, mas apenas por representação. O sacerdote israelita representa o povo e pode ingressar na tenda em nome dele, mas só depois de oferecer um sacrifício e purificar-se na pia da lavagem ritual que fica na frente da tenda. Dentro da tenda há um candelabro, uma mesa e um altar para a queima de incenso. A extremidade oposta é separada por um véu e, por trás desse véu, numa sala cúbica, fica a arca da aliança. Tudo nessa estrutura fala de três grandes verdades: Deus quer habitar com o seu povo e se reunir com ele; o pecado separa o povo de Deus; e Deus provê uma forma de reconciliação com o sacrifício e a função mediadora do sacerdote. Não há nenhuma afirmação explícita de uma teologia da expiação ligada aos sacrifícios instituídos no Sinai. No entanto, em alguns aspectos pelo menos, o significado implícito é claro. Para começar, os israelitas são informados de que a aplicação fiel do sistema sacrificial é aceitável diante de Deus e de algum modo produz o perdão de pecados. As cinco ofertas principais que Levítico 1—6 menciona se combinam para expressar a totalidade da reconciliação e a restauração da comunhão com Deus. Começando pela culpa do ofensor diante de um Deus santo, os diferentes aspectos desses sacrifícios apontam para o sacrifício de uma vítima aceitável que assume o lugar do ofertante; a cobertura ou expiação dos pecados; a restituição às pessoas que foram prejudicadas; a obediência e dedicação a Deus; e a comunhão com ele (numa refeição). O ritual do Dia da Expiação (Yom Kippur) em Levítico 16 é particularmente eloquente em relação ao sacrifício vicário (substitutivo) como o meio de aceitação por Deus. O Tabernáculo e os sacrifícios servem para retratar e levar a efeito a relação do pecador redimido com um Deus santo. Deus habita entre o seu povo, mas o pecador só pode se aproximar dele por um mediador que oferece um sacrifício aceitável pelo pecado. SANTO PARA O SENHOR De todas as palavras usadas na Bíblia para expressar o caráter de Deus, santo é uma das mais destacadas. A origem dessa palavra (hebraico: qadosh) é obscura, mas o significado essencial sobressai especialmente em relação à lei em Êxodo e em Levítico. Se dizemos: “Deus é santo”, para muitos isso implica que estamos dizendo algo sobre Deus com base em um conceito já conhecido. Desse modo, santo significa bom e puro, e, portanto, Deus é bom e puro. Mas o método usado na Lei para prescrever a santidade ao povo de Deus sugere uma abordagem oposta. Toda a complexidade das leis relacionadas à santidade tem por objetivo fazer Israel entender que Deus revela a santidade dele nos seus atos salvadores e convoca os israelitas a se amoldarem a esse padrão. A teologia da santidade em Levítico expressa a condição da aliança de Israel, estabelecida na redenção do Egito. Leis de alimentos puros e impuros (Lv 11), que para nós podem parecer bem arbitrárias e irrelevantes, são ordenadas com base nessa aliança, a qual é a revelação fundamental do caráter de Deus. Porque eu sou o SENHOR vosso Deus. Portanto, santificai-vos e sede santos, porque eu sou santo, e não vos contamineis com nenhum animal que rasteja sobre a terra, porque eu sou o SENHOR, que vos fiz subir da terra do Egito para ser o vosso Deus. Sede santos, porque eu sou santo (Lv 11.44,45; veja também 19.34-36; 22.31-33; 23.43; 25.38,42,55; 26.12,13,45). Como propriedade da nação eleita, a aliança significa que o caráter de Deus revelado em sua palavra e em seus atos tem de ser a marca de seu povo (Lv 19.2,34-37). A Lei, que com tanta facilidade foi usada indevidamente e transformada em base para exclusivismo e justiça própria, era na verdade o que realçava a natureza da nova criação que estava sendo formada em volta dos fiéis enquanto permaneciam no mundo antigo, confuso, caído e pecaminoso. Levítico 26 resume a teologia de Levítico e da Lei em geral. Deus salvou os israelitas porque é fiel às suas promessas da aliança, feitas a Abraão, Isaque e Jacó, de que ele seria o Deus deles, e eles, o seu povo. Ao tirá-los do Egito, Deus declarou aberta e claramente que os israelitas eram propriedade dele e revelou em sua Lei de que modo eles tinham de viver como povo seu. Assim, o desejo verdadeiro deles de viverem de acordo com a palavra de Deus é a indicação de que são os redimidos. Nessa condição, conheceriam as bênçãos do novo Éden (Lv 26.1-13). A apostasia geraria a exclusão das bênçãos, e as maldições viriam a se concretizar (26.14-39). A aliança inclui uma terceira possibilidade além daquelas de obediência aceitável e de desobediência proposital. Se Israel, tendo rejeitado os caminhos de Deus e caído sob as maldições da aliança, se arrependesse e voltasse para o Senhor, voltaria a desfrutar as bênçãos da aliança (Lv 26.40-45). No entanto, as consequências da desobediência ainda o acompanhariam e ele sofreria os efeitos. A aparente contradição das bênçãos da aliança com a continuação dos efeitos do pecado não se resolve com clareza aqui. De fato, essa será a experiência do povo na história posterior de Israel, e os profetas indicarão que o evangelho é a solução do paradoxo. Agora podemos resumir alguns dos principais aspectos da Lei em relação à aliança de redenção. As promessas de Deus a Israel, expressas pela primeira vez na aliança com Abraão, são irrevogáveis. Deus não pode voltar atrás em sua palavra. A redenção de Israel do Egito é um elemento fundamental no cumprimento das promessas da aliança. “Andarei no meio de vós e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv 26.12) vem a ser um resumo corriqueiro da aliança, repetido com frequência. A Lei funciona para informar a Israel como a nova relação com Deus tem de manifestar-se na vida do povo. Caso os israelitas se esquecessem disso e vivessem como os gentios, eles receberiam não as bênçãos, mas as maldições. No entanto, a experiência mostrará que, mesmo com a melhor das intenções, eles sempre ficariam aquém da altura da glória de Deus. A Lei os lembrará constantemente da incapacidade deles de alcançar o padrão de santidade de Deus e amá-lo de todo o coração, toda a alma e com todas as forças (Dt 6.5). É precisamente nesse ponto que a Lei também os instrui a fazer uso das leis de sacrifício, à medida que se arrependem e se sujeitam à misericórdia de Deus. E, assim, eles aprendem que conseguem cumprir a lei apenas quando reconhecem sua incapacidade de cumpri-la e quando recebem como dádiva o perdão de pecados e a aceitação de Deus. As leis de santidade enfatizam as diferenças entre Deus e o povo pecador. Os redimidos são chamados para compartilhar da santidade de Deus por terem sido separados e diferenciados do resto da humanidade. O SIGNIFICADO DA REGENERAÇÃO RESUMO Regeneração é mais do que a mudança de uma terra para outra. Também envolve a sujeição ao governo de Deus e ser moldado conforme o caráter dele. Israel, vivendo como o povo de Deus na Terra Prometida, devia se distinguir como um povo cujo Deus habita em seu meio e permite que dele se aproximem por meio do ministério do Tabernáculo. TEMAS PRINCIPAIS A Lei do Sinai Liberdade por meio da redenção Sacerdócio e mediação Santificado para o Senhor ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Filiação Lei e graça Sacrifício substitutivo Santo O CAMINHO ADIANTE A lei escrita em pedra — A lei escrita no coração deles, Jeremias 31.31-34 — Cristo cumprindo a lei, Mateus 5.17 — Não debaixo da lei, mas debaixo da graça, Romanos 6.14 Tabernáculo — Templo — Cristo, o novo templo GUIA DE ESTUDO 1. Leia Êxodo 19.4-6. Quais são as principais características da descrição de Israel dada aqui? Quais paralelos você percebe entre elas e a nossa situação sob o evangelho? 2. Por que é errado dizer que Israel foi salvo pela obediência à Lei? Qual é o papel da Lei no esquema de salvação somente pela graça? 3. Faça um diagrama simples do Tabernáculo com base na descrição dada em Êxodo 25—30. Identifique os principais aspectos do projeto do tabernáculo que representam a natureza da salvação. 4. Faça um resumo de Levítico 26. Em que essa passagem nos ajuda a entender o lugar da Lei nos propósitos de Deus e o significado de santidade? LEITURA COMPLEMENTAR DUMBRELL, William J. Covenant Paternoster,1984). cap. 3. and Creation (Exeter: HARRISON, R. K. Leviticus. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1980). ______. Levítico: introdução e comentário. Tradução de Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1983). Tradução de: Leviticus. IBD. Verbetes “Covenant”, “Law” e “Tabernacle”. ROBERTSON, O. P. The Christ of the covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980). cap. 10. ______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The Christ of the covenants. A tentação no deserto Então o tentador aproximou-se dele e disse: Se tu és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se transformem em pães. Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão o homem viverá, mas de toda palavra que sai da boca de Deus (Mt 4.3,4). Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, também é necessário que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna (Jo 3.14,15). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM NÚMEROS E EM DEUTERONÔMIO Depois de entregar a Lei aos israelitas no Sinai, Deus os dirigiu para entrarem e tomarem posse da Terra Prometida. Temendo os habitantes de Canaã, eles se recusaram a fazer isso, mostrando assim a falta de confiança nas promessas de Deus. Toda a geração adulta que havia saído do Egito, com exceção de Josué e Calebe, foi condenada a vagar e a morrer no deserto. Israel foi proibido de expulsar da terra os seus parentes, as nações de Edom, Moabe e Amon; contudo, recebeu a vitória sobre outras nações que se lhe opuseram. Finalmente, quarenta anos depois de sair do Egito, Israel chegou ao território moabita, na margem oriental do Jordão. Ali Moisés preparou o povo para a posse de Canaã e designou Josué como o novo líder dos israelitas. ISRAEL SOB O NOME DE DEUS Uma nova nação nasceu como o povo de Deus, e as promessas feitas aos patriarcas parecem agora adquirir consistência. As experiências que Israel teve de redenção do Egito e da presença e da palavra do Senhor ordenando no Sinai indicam apenas uma direção: a posse de um novo Éden, a Terra Prometida de Canaã. Nada sintetiza tão bem a posição de Israel e a natureza de Deus quanto a famosa bênção que Arão pronunciou sobre o povo por ordem de Deus: O SENHOR te abençoe e te guarde; o SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o SENHOR levante sobre ti o seu rosto e te dê a paz (Nm 6.24-26). Essas palavras têm um significado muito específico. Elas falam do restabelecimento da relação correta com Deus, da constante provisão divina para toda necessidade e da reabilitação da criação caída. Assim, o nome de Deus está sobre Israel (Nm 6.27). Os israelitas deviam carregar o nome de Deus entre as nações do mundo, mas, como lhes lembrava o terceiro mandamento, eles não deviam usar esse nome em vão, fazendo-o cair em descrédito. O livro de Números dá ênfase especial à importância do Tabernáculo na organização e governança da nação. Moisés continua o seu ministério singular, que combina as funções de profeta e de sacerdote. Deus prossegue lhe falando do propiciatório no Tabernáculo, revelando mais detalhes de como a nação devia ser regida. Assim que o Tabernáculo foi construído, uma nuvem durante o dia e uma coluna de fogo durante a noite permaneciam sobre ele, simbolizando a presença do Senhor. A percepção de que Deus de fato vivia no meio do seu povo era realçada pela orientação da nuvem a Israel. Toda vez que ela saía de sobre o Tabernáculo, o povo se deslocava até que a nuvem parasse no lugar em que todos deviam descansar. Era um povo peregrino cujo Deus o acompanhava. Deus é o guerreiro que luta pela sua causa, que trará bênção para Israel. Assim, quando o movimento da nuvem sinalizava a hora de partir, Moisés dizia: … Levanta-te, ó SENHOR, e sejam dispersados os teus inimigos. Fujam da tua presença os que te odeiam. Então, quando a arca parava, Moisés dizia: Volta, ó SENHOR, para os muitos milhares de Israel (Nm 10.35,36). O nome de Deus estava sobre Israel, simbolizando as novas relações do reino de Deus. ISRAEL, O VIOLADOR DA ALIANÇA Nada é mais notável do que a graça de Deus, e nada exemplifica mais essa graça do que a perseverança e a bondade de Deus para com um povo continuamente rebelde. Enquanto Moisés estava sozinho no monte Sinai, o povo murmurou e foi explicitamente rebelde (Êx 32). É provável que a fabricação do bezerro de ouro não tenha sido uma tentativa deliberada de substituir YHWH por outra divindade, mas uma recusa de aceitar a revelação de Deus. Mesmo que, como alguns acreditam, o bezerro não se destinasse a ser uma imagem de Deus, e sim um pedestal para ele, ainda implicava uma ideia de Deus que era produto da imaginação pecaminosa. Portanto, era idolatria. Somente a intercessão de Moisés pelo povo impediu que os israelitas fossem destruídos. Pela fidelidade que demonstraram naquele momento, os levitas foram designados guardiões do Tabernáculo. Agora o povo está se deslocando, e a rebeldia se torna uma ocorrência frequente demais. Até Arão e Miriã questionam o papel profético exclusivo de Moisés (Nm 12.1,2). Deus os repreende e afirma que não fala com nenhum outro profeta “frente a frente”. De novo, a intercessão de Moisés produz uma manifestação da graça em meio ao juízo (Nm 12.3-15). De todas as rebeliões de Israel, a recusa de entrar na Terra Prometida deve ter sido a que mais provou a paciência do Senhor. Um grupo de doze espias sondam a terra de Canaã e voltam com relatórios. Dez deles ficam temerosos por causa da força da oposição que observam, e o seu relatório causa medo em todo o povo. Os outros dois, Josué e Calebe, insistem que o povo entre e reivindique as promessas de Deus (Nm 13.30; 14.6-9). Eles são ignorados enquanto os israelitas clamam para voltar ao Egito. A reação do Senhor é aterrorizante: “… Até quando esse povo me desprezará e não crerá em mim, apesar de todos os sinais que tenho feito no meio dele?” (14.11). Mais uma vez, é a oração intercessória de Moisés pelo povo que impede a destruição deste (14.13-20). Ainda assim, há castigo. A geração que presenciou os sinais milagrosos no Egito e usufruiu do Êxodo não entrará na Terra Prometida, mas perambulará quarenta anos pelo deserto e lá morrerá. Apenas Josué e Calebe acompanharão a nova geração na entrada na terra (14.21-35). Há o registro de outras rebeliões, e fica claro que Israel é incapaz de guardar a aliança. O lado positivo desse fato sombrio é que a infidelidade e o fracasso jamais prevalecem contra a fidelidade de Deus. Toda vez que a graça e a fidelidade da aliança de Deus se destacam elas nos fazem olhar para o futuro, quando o problema do pecado humano será verdadeiramente derrotado em um ato redentor surpreendentemente modesto. Esse evento é prenunciado no deserto de modo inigualável quando uma praga de serpentes peçonhentas é enviada como castigo contra a murmuração do povo. Moisés clama a Deus por misericórdia, e o Senhor lhe ordena que ponha uma serpente de bronze sobre uma estaca levantada no meio do acampamento. Qualquer um que for mordido precisa tão somente olhar para a serpente de bronze para ser salvo da morte (Nm 21.4-9; Jo 3.14,15). Não existe nenhuma lógica perceptível nessa medida a não ser a resposta de fé a uma palavra de promessa. Nesses acontecimentos da perambulação pelo deserto, observamos o surgimento de um padrão de rejeição do paraíso por Israel. A essência das promessas é o povo de Deus vivendo em uma relação de aliança com o seu Senhor na terra que ele lhe dá. Mas esse povo rejeita a terra em que manam leite e mel, pois está com medo e não crê que Deus está de fato lhe dando a terra. Aquela geração de israelitas permanecerá no deserto até morrer, e os seus filhos agora precisam decidir se querem receber a dádiva. A rebeldia de Israel mostra que a relação de aliança ainda é imperfeita. Mas a infidelidade de Israel é suprida pela fidelidade de Deus. O PREPARO DA NOVA GERAÇÃO Quarenta anos depois do Êxodo, a nova geração adulta se encontra nas planícies de Moabe, a oeste do rio Jordão. O livro de Deuteronômio registra o discurso de Moisés à nação quando esta se prepara para entrar na Terra Prometida. É de reconhecimento geral que Deuteronômio foi escrito na forma de um tratado de aliança e representa a renovação da aliança com a nova geração, pronta para avançar sob o comando de um novo líder, Josué. A primeira seção esboça o período da história de Israel abrangido pelo livro de Números. Ela enfatiza o amor da aliança de Deus ao realizar atos poderosos para cumprir suas promessas a Israel. Relata também a infidelidade e a rebeldia do povo no deserto (Dt 1—3). Nesse ponto é dada a oportunidade para um novo começo. O Senhor garante a Josué que é um Deus que luta por seu povo. Mas, como sempre, a aliança tem seu aspecto condicional. O livro de Deuteronômio repete as condições da aliança que devem ser obedecidas (Dt 4—26). Essas condições expressam a relação de fidelidade na aliança, resumida nas palavras: “Ouve, ó Israel: O SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6.4,5). Essas regras de conduta santa são abarcadas por sanções, isto é, pelo que ocorre a alguém se obedecer e o que ocorre se não obedecer. As bênçãos e as maldições estão dispersas por todo o livro, mas Deuteronômio 28 traz uma compilação abrangente delas. Assim, o livro enfatiza a bondade de Deus na escolha de Israel e nas bênçãos da aliança que ele concede a seu povo. Também salienta reiteradamente a Israel a responsabilidade de viver de acordo com sua condição de povo santo de Deus. Se a nação rejeitasse essas responsabilidades, as bênçãos lhe seriam negadas. Sua teimosia não só mereceria a remoção das bênçãos, mas também provocaria as maldições. Em nenhum lugar encontramos expressões mais eloquentes do reino de Deus e do propósito da nova criação do que em Deuteronômio. Deus, nesse livro, fala de sua soberania absoluta na eleição de Israel, uma escolha que só pode ser explicada pelo mistério do amor de Deus. Ele escolhe porque ama e ama porque ama (Dt 7.6-11)! O objetivo dessa eleição é que Israel deve ser o seu povo na boa terra, o novo Éden (8.7-10). Os israelitas serão tentados a pensar que Deus expulsa os seus inimigos diante deles porque eles próprios são justos e merecem tomar posse da terra. Por isso devem se lembrar de que o bem que recebem eles não merecem, mas o mal que qualquer nação recebe é copiosamente merecido (Dt 9.1-24). Seria um erro imaginar que Deuteronômio usa a promessa do reino e a ameaça de destruição como as únicas motivações para a fidelidade à aliança. Isso seria reduzir a salvação a uma recompensa por boas obras. O senso de história do livro é coerente com o que ocorreu antes na aliança do Sinai. Acima de tudo, é por causa do amor redentor de Deus no evento do Êxodo que Israel é chamado a ser obediente (Dt 4.20, 37-40; 5.15; 10.20-22). Tampouco a obediência pode ser algo meramente formal, exterior, como o simples sinal da circuncisão, pois a resposta a Deus tem de ser do coração (10.12-16). O livro de Deuteronômio também proporciona valiosas indicações a respeito da família como a unidade fundamental da sociedade da aliança. O conhecimento da eleição, da aliança e suas exigências, bem como da redenção deve ser transmitido na família de geração a geração (6.6-9). A única explicação para as leis e os regulamentos que se pode dar a um filho curioso é o ato histórico de redenção pelo qual os israelitas foram libertos da escravidão do Egito (Dt 6.20-25). Eles foram chamados para viver como pessoas salvas pela graça. Moisés encerra o seu último grande discurso como o profeta de Deus pronunciando uma bênção sobre cada uma das tribos de Israel. Em seguida, morre na terra de Moabe (Dt 33 e 34). Josué está preparado para conduzir o seu povo ao reino que Deus preparou para Israel. A nova geração está sob a aliança renovada com todas as garantias de que Deus dará a Terra Prometida aos seus escolhidos. PROMESSAS DE UM MUNDO REGENERADO RESUMO Uma nação regenerada sem uma terra regenerada seria como Adão e Eva sem o Éden. A promessa de posse da terra é a promessa de uma terra renovada de um modo que aponta para a eliminação de todos os efeitos nocivos da Queda. Essa terra faz parte do reino, que só pode ser recebido pela fé. TEMAS PRINCIPAIS Nome de Deus Deus habitando com o seu povo Terra Prometida Desobediência de Israel ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Bênção e maldição Fé Idolatria O CAMINHO ADIANTE O fracasso de Israel de entrar na terra — Uma advertência aos cristãos, 1Coríntios 10.1-13 Descanso sabático para o povo de Deus, Hebreus 4.1-13 GUIA DE ESTUDO 1. Em que sentido a terra de Canaã pode ser considerada um novo Éden? Consulte Êxodo 3.16,17; 15.17,18 e Deuteronômio 8.7-10. 2. Em que sentido Israel foi “salvo” pela libertação do Egito? Mencione alguns acontecimentos que mostram que a nação é “não salva”. 3. Como os acontecimentos do deserto mostram o modo de Deus lidar com a infidelidade de Israel ao mesmo tempo que ele mesmo permanece fiel às suas promessas? 4. Como Paulo aplica a situação dos israelitas aos cristãos em 1Coríntios 10.1-13? LEITURA COMPLEMENTAR IBD. Verbete “Deuteronomy, book of”. THOMPSON, J. A. Deuteronomy: an introduction and commentary. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1974). ______. Deuteronômio. Tradução de Carlos Osvaldo Pinto (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1982). Tradução de: Deuteronomy: an introduction and commentary. WENHAM, G. J. Numbers. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1981). ______. Números: introdução e comentário. Tradução de Adiel Almeida de Oliveira (São Paulo: Vida Nova, 1985). Tradução de: Numbers. Na boa terra Portanto, ainda resta um repouso sabático para o povo de Deus (Hb 4.9). … Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso (Lc 23.43). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM JOSUÉ, JUÍZES E RUTE Sob a liderança de Josué, os israelitas atravessaram o Jordão e iniciaram a tarefa de expulsar os habitantes de Canaã. Após a conquista, a terra foi dividida entre as tribos, e cada uma foi estabelecida na sua própria região. Apenas a tribo de Levi ficou sem herança de terra por causa de sua relação sacerdotal especial com Deus. Ainda restaram na terra bolsões de cananeus, que de tempos em tempos ameaçavam o domínio de Israel sobre a nova possessão. Da liderança exercida por um único homem, Moisés e depois Josué, a nação entrou em um período de relativa instabilidade, durante o qual juízes exerciam algumas medidas de controle sobre as atividades e outras questões do povo. Uma explicação A esta altura você já deve ter percebido que fui aumentando continuamente a quantidade de material bíblico tratado em cada capítulo. A razão é simples: a maioria dos temas principais que nos dizem respeito como teólogos bíblicos foi apresentada nos estágios iniciais da Bíblia. Gênesis e Êxodo são, portanto, analisados de modo mais detalhado do que a maioria dos livros posteriores. Talvez você pergunte por que a maioria dos autores bíblicos não adotaram a mesma atitude. Basta dizer que eles estavam escrevendo para as necessidades de sua própria época, e não puramente para o nosso benefício. Não ignoramos o material dos livros posteriores, mas é possível tratar desse material com menos pormenores, uma vez que as bases já foram lançadas. AS PROMESSAS Quarenta anos no deserto é muito tempo! Talvez seja tempo suficiente para as pessoas da nova geração se esquecerem do fracasso terrível de seus pais de tomar posse das promessas de Deus. Mas agora, alentadas pela vitória sobre os reis da Transjordânia, elas se preparam para enfrentar o inimigo. Josué, o seu líder, ouve novamente as promessas de Deus: ele está dando a terra aos israelitas, e ninguém será capaz de impedi-los, porque Deus está lhes fazendo herdar a terra (Js 1.1-9). A condição para alcançarem esse objetivo é a obediência à palavra de Deus. Sem dúvida, exige-se a obediência de todo o povo, mas aqui ela é exigida sobretudo de Josué, o líder. Ele deve meditar na lei de Deus e ser atento ao seu cumprimento. Fé e coragem caminham lado a lado com a obediência, pois Deus está com o seu povo (1.9). A obediência à aliança exigida do líder de Israel foi prenunciada em Deuteronômio 17.14-20. Quando o povo já estivesse estabelecido na terra e acabasse decidindo ter um rei, o escolhido devia ser um líder que vivesse pela Lei. O rei, ou líder, representa o povo, e a sua santidade pessoal influencia a vida da nação. Observando isso pelo ângulo teológico, percebemos que o governo de Deus sobre o seu povo no lugar que ele lhe dá é mediado por um líder humano que deve refletir o caráter de Deus para o povo. Esse tema, que se desenvolve com ainda mais destaque no Antigo Testamento, é importante para entendermos o reino de Deus no Novo Testamento. As promessas de Deus são cumpridas pela figura de um rei humano digno de conduzir o povo de Deus para a Terra Prometida. O cumprimento das promessas de Deus se realizará com Deus agindo por meio de seres humanos escolhidos. O CUMPRIMENTO O cerne teológico do livro de Josué pode ser compreendido pela leitura do primeiro e dos dois últimos capítulos. Como prometido, Israel entra na terra, onde o Senhor lhes dá descanso na forma de posse incontestável (Js 23.1-13). A única razão da posse da terra pelos israelitas é o Senhor ter lutado por eles. Embora ainda restasse uma parte de território para ser conquistada (23.4,5), consideram-se cumpridas as promessas: “… sabeis no coração e na alma que não falhou uma só palavra de todas as boas coisas que o SENHOR, vosso Deus, falou a vosso respeito; nenhuma delas falhou, mas todas se cumpriram” (23.14; veja também 21.43-45). A maior parte do livro de Josué descreve como ocorreu esse cumprimento das palavras de Deus. Assim como a saída do Egito foi marcada pelo milagre divino da separação das águas do mar diante do povo, também a entrada em Canaã teve um milagre semelhante. Dessa vez, as águas do rio Jordão foram detidas para que o povo atravesse a pé (3.1-17). Foi um sinal de que Deus estava com eles e de que expulsaria os habitantes da terra (Js 3.10). Durante a travessia, Deus ordenou que Josué tirasse doze pedras do rio e com elas erguesse um monumento no lugar em que eles acampavam pela primeira vez na Terra Prometida. Haveria, assim, mais uma oportunidade para responder ao “por quê?” curioso de um filho com uma explicação dos atos salvadores do Senhor ao ter criado uma passagem tanto no mar Vermelho quanto no Jordão (Js 4.21-24; compare Dt 6.20-25). Perceba a coerência com a qual o evangelho dos atos salvadores de Deus, em sua forma veterotestamentária, é apresentado como o único meio de dar sentido à existência de Israel. O relato da conquista de Jericó é um exemplo da realização dessa teologia. Antes da batalha, um comandante angélico dos exércitos do Senhor aparece a Josué. Ele ordena uma estratégia para a derrota da cidade que envolve homens armados marchando ao redor de seus muros com a arca da aliança. A conclusão é que a batalha pertence ao Senhor e o seu poder subjuga Jericó. No entanto, o milagre da destruição não se deu sem participação humana (Js 5.13—6.7). A mediação dos atos de Deus por determinadas pessoas escolhidas é um tema bíblico constante. No processo de conquista, determinadas partes da terra foram consagradas ao Senhor para serem destruídas, a fim de que Israel soubesse que a terra é do Senhor. Jericó foi um desses lugares consagrados, o que significava que a cidade devia ser totalmente destruída. Qualquer israelita que se apropriasse de algo dedicado a Deus se tornaria ele mesmo consagrado à destruição (Js 6.17-21, NVI). Esse contexto nos permite entender o pecado de Acã, que saqueou alguns objetos de Jericó. O efeito imediato foi a derrota desastrosa dos israelitas nas mãos dos homens de Ai (7.1-5). Quando foi revelado que Acã era o transgressor, ele e toda a sua casa foram destruídos (7.6-26). Observamos nesse fato o princípio corporativo que opera nas Escrituras. Um representa todos os outros por causa da solidariedade corporativa, ou unicidade, do grupo. Desse modo, toda a raça humana pecou em Adão. Porque Noé achou graça aos olhos do Senhor, toda a sua família foi salva. Em Abraão, toda a nação foi escolhida. Mediante as ministrações de um só sacerdote, todo o povo é reconciliado com Deus. E assim as ideias de representação e substituição vão se desenvolver até se fixarem no conceito de salvação. Agora, o líder único Josué (cujo nome significa “Jeová é salvação”) media os atos salvadores e julgadores de Deus. O poder de Deus subjuga a oposição ao cumprimento de suas promessas. TODAS AS NAÇÕES SERÃO ABENÇOADAS Agora vamos recordar o último elemento da promessa a Abraão relatada em Gênesis 12.3 — todas as nações serão abençoadas por meio de seus descendentes. Uma única nação, uma nação sacerdotal, mediará as bênçãos de Deus para todas as nações do mundo. O fundamento da missão cristã está nessa promessa. Será que isso significa que Israel tinha missão semelhante ao trabalho missionário da igreja? Fazer uma pergunta como essa é correr o risco de introduzir no Antigo Testamento o entendimento neotestamentário de missão. É melhor perguntarmos como Israel devia levar uma bênção para todas as nações. Pelo menos parte da resposta está começando a surgir. Alguns gentios são trazidos para a comunidade, por vários meios, para compartilhar com Israel das promessas de Deus. Não se deve, erroneamente, considerar isso uma contradição das noções bem rigorosas de santidade e separação das nações por parte de Israel, expressas na proibição de casamentos mistos. Então, o que dizer sobre o casamento de Moisés com uma midianita (Êx 2.21) e com uma etíope (cuxita) (Nm 12.1)? Precisamos entender que o casamento com um estrangeiro era aceitável caso este fosse um prosélito, um convertido à fé de Israel. O caso de Raabe é ligeiramente diferente (Js 2.8-14; 6.17,25). Ela passou a fazer parte do povo israelita não pelo casamento, mas por uma confissão ativa de fé no Deus de Israel. Ela foi convencida de que Deus estava dando Canaã aos israelitas, por isso ela e toda a sua casa se salvaram e ficaram livres da destruição de Jericó. Nesse contexto teológico se insere o livro de Rute, posicionado em nossa Bíblia depois de Juízes por causa de seu contexto histórico (na Bíblia hebraica, ele se encontra na última das três seções do cânon). O livro trata da devoção de uma mulher de Moabe a Deus. Essa mulher encontra aceitação em Israel, é redimida por um parente e se torna uma ancestral do rei Davi. Contudo, seja qual tenha sido o meio de entrada desses prosélitos, foi em Israel que entraram. Não havia nenhum outro meio revelado de salvação a não ser tornar-se israelita. No entanto, os israelitas não se viam obrigados a sair e convencer estrangeiros a se tornarem prosélitos. Os gentios começam a compartilhar das bênçãos da aliança desde o início dos atos salvadores de Deus. O MODELO DE SALVAÇÃO Se o livro de Josué realça a bem-sucedida posse da terra, o de Juízes se concentra nos defeitos dessa realização. Em muitos lugares, os israelitas mantiveram os inimigos vencidos para utilizálos em trabalhos forçados (Jz 1.27-36). O Senhor os repreende por fazerem aliança com os cananeus e os lembra de que esses estrangeiros se transformariam numa armadilha para eles (2.2,3). O tema do livro é apresentado em Juízes 2.11-23. Assim que os israelitas obtêm a posse da terra em geral, o padrão de acontecimentos se torna um ciclo repetitivo. O povo se rebela contra o Senhor e se entrega ao sincretismo religioso (a mistura de ideias pagãs com as da nação) e até à apostasia. Evidentemente, a religião de Canaã é muito atraente para os israelitas (2.11-13). Deus os pune por isso, permitindo que estrangeiros invadam a terra e os oprimam. Em seguida, quando clamam angustiados, Deus envia juízes para os salvar de seus inimigos (2.14-23). Por meios diferentes, os juízes, cujos feitos são registrados no livro que leva esse nome, são usados por Deus para salvar o povo das consequências de sua própria insensatez. Está registrado que o Espírito do Senhor veio sobre alguns desses juízes (3.10; 6.34; 11.29; 13.25; 14.19; 15.14,19). Por isso, eles foram capazes de realizar feitos extraordinários e aplicar grande força para derrotar os inimigos de Israel. Quando a situação se estabilizava durante um tempo, esses juízes julgavam Israel, o que provavelmente significa que exerciam algum tipo de liderança e ofício jurídico. Assim, esse período decisivo na história de Israel reforça o modelo de salvação estabelecido no Êxodo. Embora os israelitas habitem fisicamente a Terra Prometida, a desobediência deles os impede de usufruir as bênçãos prometidas. Eles entram reiteradamente numa espécie de cativeiro. Mas, diferentemente da situação do cativeiro egípcio, o motivo desses é claramente a rejeição pecaminosa ao Senhor. Ainda assim, a fidelidade de Deus e seu amor aliancístico os levam à salvação mediante algum ato salvador de Deus em que figura um representante escolhido. O dom do Espírito aos juízes indica que Deus faz pelos israelitas, mediante um ser humano escolhido e capacitado por esse Espírito, aquilo que eles não conseguem fazer por si mesmos. O modelo da salvação se repete muitas vezes na história de Israel, reforçando a revelação de Deus no Êxodo. REINADO NO REINO Como Deus governa o seu reino? No Éden, ele governava falando a Adão e Eva e lhes dando o domínio sobre o restante da criação. Deus estava governando quando chamou Abraão. Estava governando quando falou a Moisés da sarça ardente e quando lhe deu a Lei no monte Sinai. Já vimos que a decisão de Deus foi governar o seu reino, mesmo antes da Queda, por meio de seres humanos. Moisés, o profeta e sacerdote, também mediou o reinado de Deus com a Lei e com sua liderança pessoal. A liderança de Josué manteve a lei de Moisés e se manteve firme contra as nações que se opunham à vinda do reino de Deus. A destruição dos cananeus tem de ser entendida como a invasão do reino de Deus em um mundo estranho e rebelde. Portanto, os atos salvadores de Deus em prol de seu povo escolhido são atos de juízo contra nações ímpias (Dt 9). Do mesmo modo que o povo escolhido é, em conjunto, uma raça muito cheia de defeitos, mais inclinada a violar a aliança do que a observá-la, assim também as figuras de sua liderança são imperfeitas. O próprio Moisés foi impedido de entrar na terra por causa de um acesso de raiva no deserto (Nm 20.10-13). Os juízes não eram um grupo de homens muito atraentes. Parece que Eúde era um personagem ardiloso, Gideão discutiu com Deus para saber se de fato tinha o sinal verde para empreender sua luta (Jz 6.36-40) e Sansão parecia meio cabeça-dura e mulherengo. No período que se seguiu ao dos juízes, o reino de Israel foi governado por Saul, Davi e Salomão, todos estes com falhas de caráter. Precisamos distinguir entre o padrão dos eventos e a perfeição deles. Os eventos da história salvífica no Antigo Testamento prefiguram e demonstram o modelo de um ato salvador único, verdadeiro e perfeito ainda por vir. Fazem isso suficientemente bem para indicar ao povo da época o caminho da salvação pela graça mediante a fé. Deus não estava fazendo “joguinhos” com Israel em favor de nós, que chegamos depois. Suas promessas são verdadeiras para Israel, e é claro o caminho da salvação apresentado. Apesar das falhas das figuras salvíficas — os profetas, os sacerdotes e os reis — e do fracasso geral de Israel, tudo isso indica que o verdadeiro evento salvador ainda está por vir. A função redentora do povo e dos eventos imperfeitos do Antigo Testamento exemplificam o conceito de tipologia de que tratei na página 70. A tipologia entende que os eventos históricos do Antigo Testamento proporcionam o foco da fé nas promessas de Deus que apontam, para além desses fatos, isto é, para a realidade que virá em Cristo. Desse modo, não apenas distinguimos entre o padrão e a perfeição (ausente), mas também entre a insuficiência do tipo veterotestamentário para salvar e a sua função de indicar adiante a única e verdadeira base de salvação em Jesus Cristo. A Epístola aos Hebreus nos mostra que um ponto principal de unidade entre os dois Testamentos é o modelo da redenção, enquanto a verdadeira diferença está na suficiência única e exclusiva da obra salvadora de Jesus para salvar qualquer um. O reinado humano começa a surgir como o meio usado por Deus para governar sobre o seu povo. PRENÚNCIO DE UM MUNDO REGENERADO RESUMO A terra de Canaã era uma terra boa, pronta para ser possuída e desfrutada pelo povo de Deus. A entrada do povo nessa terra foi acompanhada de sinais do poder regenerador de Deus. Porém, mesmo ao tomarem posse dela, a desobediência e o fracasso dos israelitas lhes ameaçaram a condição de povo redimido de Deus que está desfrutando as bênçãos da aliança. TEMAS PRINCIPAIS Promessa da posse A guerra santa do Senhor Conquista ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Mediação Reinado Prosélito O CAMINHO ADIANTE Israel entra na Terra Prometida — O retorno dos exilados, Ezequiel 36.8-12 — Descanso sabático para o povo de Deus, Hebreus 4.1-13 GUIA DE ESTUDO 1. Faça uma lista das pessoas da história bíblica até aqui que intermediaram a palavra e as ações de Deus. De que modo cada uma delas se mostra “uma em nome de todas as outras”? 2. Como os eventos do Êxodo e da entrada em Canaã estabelecem o modelo da salvação? Em que aspecto eles deixam de apresentar o significado pleno da salvação? 3. Que lugar você atribuiria à criação e à aliança em uma teologia bíblica da missão cristã? 4. Resuma a importância do livro de Juízes para a teologia bíblica. LEITURA COMPLEMENTAR CUNDALL, A. E. Judges. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1968). IBD. Verbetes “Judges, book of” e “mediator”. ______. “Juízes”. In: CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. Juízes e Rute: introdução e comentário. Tradução de Oswaldo Ramos (São Paulo: Vida Nova, 1986). Tradução de: Judges. O governo de Deus na terra de Deus Ficarás grávida e darás à luz um filho, a quem darás o nome de Jesus. Ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai (Lc 1.31,32). … Destruí este santuário, e eu o levantarei em três dias (Jo 2.19). ESBOÇO DA HISTÓRIA BíBLICA EM 1 E 2SAMUEL, 1REIS 1—10, 1CRÔNICAS E 2CRÔNICAS 1—9 Samuel se tornou juiz e profeta para todo o Israel numa época em que os filisteus ameaçavam a liberdade da nação. Um antigo movimento a favor da monarquia ressurgiu e apresentou sua reivindicação a um relutante Samuel. O primeiro rei, Saul, teve um início de reinado promissor, mas acabou se mostrando inapto como regente do povo da aliança. Enquanto Saul ainda reinava, Davi foi ungido para sucedê-lo. Por causa da inveja de Saul, Davi passou a ser marginalizado. Entretanto, quando Saul morreu em batalha, Davi retornou e se tornou rei (cerca de 1000 a.C.). Graças a seus êxitos, Israel se tornou uma nação poderosa e estável. Davi estabeleceu um santuário central em Jerusalém e criou uma administração profissional bem como um exército permanente. O filho de Davi, Salomão, sucedeu-o (cerca de 961 a.C.), e a prosperidade de Israel continuou. A construção do Templo em Jerusalém foi uma das realizações mais notáveis de Salomão. SAUL Quando a posse da Terra Prometida por Israel foi ameaçada, com razão o povo procurou ajuda, mas não necessariamente o tipo certo de ajuda. Depois dos êxitos de Gideão contra o saque dos midianitas, os israelitas propuseram que ele estabelecesse uma dinastia de reis. Gideão rejeita isso com base no princípio de que só o Senhor é Rei (Jz 8.22,23). Após a morte de Gideão, um de seus filhos, Abimeleque, logrou tornar-se governante durante um tempo, provavelmente sobre uma região relativamente pequena (Jz 9). O governo dos juízes prosseguiu. O livro de Juízes termina com uma referência à instabilidade e ao caos na terra, decorrentes da ausência de um rei (Jz 21.25). No período do profeta e juiz Samuel, algumas batalhas desastrosas com os filisteus reavivaram o movimento a favor da monarquia. Os livros de Juízes e 1Samuel demonstram aparente ambivalência quanto à conveniência de uma monarquia em Israel. Gideão a rejeitara, e agora Samuel também a rejeita. Às vezes se propõe que 1Samuel comporta duas vertentes, uma extraída de um documento pró-rei e a outra, de um documento contrário ao rei. Acho difícil acreditar que o autor do livro de 1Samuel, tal como o temos agora, fosse tão inapto que não conseguisse resolver e evitar ideias contraditórias. A ambivalência não está na redação, mas, sim, na situação histórica real. É preciso lembrar que a ideia de monarquia foi delineada muito antes disso. Jacó profetizou sobre o reinado de Judá, sem nenhuma insinuação de que isso não seria vontade de Deus (Gn 49.8-10). Nos estatutos e ordenanças de Deuteronômio existe a disposição legal para um rei (Dt 17.14-20). Havia diretrizes rigorosas para distinguir com clareza entre o tipo comum de governante despótico pagão e o rei cujo governo reflete a relação da aliança com o Deus vivo. Os reis de Israel deviam temer ao Senhor, guardar a sua lei e não se considerarem superiores a seus irmãos. Em outras palavras, a aliança define a monarquia para Israel. Infelizmente, o povo nem sempre entendeu as coisas desse modo. Em vez de adotar a aliança como modelo da monarquia, os israelitas certamente desejaram as vantagens que aparentemente o governo autocrático dos reis cananeus e filisteus oferecia. Desse modo, o pedido por um rei, a que Samuel a princípio recusa, nasceu do desejo de imitar as nações pagãs. Com efeito, foi uma rejeição do modelo da aliança e, portanto, uma rejeição do governo de Deus (1Sm 8.4-8). Podemos supor que Deus ordenou a Samuel que acatasse o pedido porque sempre fora vontade divina governar Israel por meio de um rei. O povo teria de aprender do modo difícil o que era a realidade do governo da aliança. Desse modo, Samuel advertiu os israelitas de que o tipo de rei que estavam pedindo acabaria não sendo o que eles queriam (8.10-18). Estavam mais interessados em segurança, estabilidade e força do que na aliança. Esqueceram-se de que, na aliança, Deus se comprometera a lhes dar tudo isso como nenhum governante pagão poderia. Quando Saul é escolhido publicamente por sorteio, não há nenhum indício de que ele será um fiasco. Na verdade, Saul é muito promissor e começa seu reinado desempenhando o papel de um juiz-salvador. Ele reconhece prontamente a mão do Senhor em sua vitória sobre os amonitas (11.12-15). Samuel deixa a liderança, mas adverte os israelitas de que cabe a eles e a Saul decidir se querem seguir o Senhor. Se o seguirem, tudo ficará bem (12.14,15). Não é isso que acontece. O primeiro erro grave de Saul é tomar para si o ofício de sacerdote, e logo depois disso Samuel lhe diz que o seu reino lhe será tomado (13.8-14). Em seguida, o Senhor o envia para destruir os amalequitas, os quais Deus consagrou à destruição. Saul retém parte do melhor gado dos amalequitas, alegando que sacrificaria os animais a Deus. Com isso, demonstra ser um tipo completamente oposto ao rei da aliança descrito em Deuteronômio 17. Ele rejeitou a palavra do Senhor e, então, o Senhor o rejeita como rei (1Sm 15.1-23). Saul mostra que a monarquia é a vontade de Deus para o seu povo, mas somente se ela refletir a relação de aliança. DAVI Enquanto Saul ainda vivia e governava como rei, um homem segundo o coração do próprio Deus estava sendo conduzido à liderança, sem nenhum plano ou vontade próprios (1Sm 13.14). Samuel foi enviado para escolher Davi entre todos os filhos de Jessé (16.13) e o ungiu rei no lugar de Saul. O Espírito do Senhor veio sobre Davi, mas abandonou Saul (16.13,14). O papel do juizsalvador jamais se mostrou com tanta clareza como quando o jovem Davi, capacitado pelo Espírito, matou Golias (1Sm 17). Nesse fato fica evidente que o juizado salvífico é o precursor da monarquia salvífica que está surgindo. Enquanto todo o Israel recua aterrorizado diante dos filisteus e de seu herói, o rei ungido de Deus, de aparência fraca e insignificante, luta por seu povo sabendo que a batalha é do Senhor (17.45-47). Davi resiste sozinho como um no lugar de muitos, e, por seu intermédio, Deus opera a salvação para Israel. É compreensível que Davi seja celebrado pela nação. A inveja de Saul cresce a ponto de seu único desejo ser matar Davi. Rejeitado e desprezado, Davi foge da sociedade e reúne em torno de si um bando de desajustados. Contudo, é tão forte em Davi a consciência de que o rei é ungido por Deus que ele se recusa, pelo menos em duas ocasiões, a levantar a mão contra Saul. Ele está disposto a deixar que o Senhor retire o seu ungido do cargo (1Sm 24.1-7; 26.612). Do mesmo modo, no tempo de Deus, Davi será vindicado aos olhos do povo e elevado ao trono. A sanidade de Saul e o domínio do reino lhe escapam, e ele morre em batalha contra os filisteus no monte Gilboa (1Sm 31). A transição do reinado de Saul para o de Davi não é particularmente tranquila. Não obstante, Davi é logo proclamado rei, aos trinta anos de idade. Por ordem do Senhor, ele inicia uma campanha exitosa contra os filisteus e protege as fronteiras de Israel. Também retoma a fortaleza de Jerusalém dos jebuseus e a transforma em capital (2Sm 5). Ele traz a Arca da Aliança para Jerusalém (2Sm 6) e decide construir um santuário permanente para ela (7.1-3). Contudo, o profeta Natã leva-lhe a palavra do Senhor proibindo-o de construir o templo. A aliança de Deus com Davi é da máxima importância para entender a teologia que envolve esse rei, que é o mais notável de todos. Deus prometeu engrandecer o nome de Davi e dar ao seu povo descanso em sua terra. Não permitiu que Davi lhe construísse uma casa (um templo), mas afirmou que ele mesmo edificaria para Davi uma casa (uma dinastia). Davi teria um filho que de fato construiria o templo e cujo trono se estabeleceria para sempre (7.412). A continuidade dessa aliança com a aliança firmada com Abraão pode ser observada em seus respectivos resumos. A frase “Serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” resume o propósito de Deus na aliança com Abraão e, depois deste, com Israel (Gn 17.7,8; 26.12; Jr 7.23; 11.4; 30.22). Agora a promessa a respeito do filho de Davi, aquele que representará todos os outros, é dada do seguinte modo: “Eu serei seu pai, e ele será meu filho…” (2Sm 7.14). Por isso, o filho de Davi também é o filho de Deus, e a sua casa, o seu trono e o seu reino serão estabelecidos para sempre (7.16). Muito tempo depois de sua morte, Davi ainda é exaltado por essa relação com a aliança. No salmo 89 (veja também salmo 132) é possível encontrar um exemplo disso. O salmista começa exaltando a Deus por seu amor aliancístico (hebraico: hesed) e sua fidelidade estabelecidos para sempre (v. 1 e 2). Toda a esperança de Israel agora se concentra nas profecias de Natã a Davi (2Sm 7). Com efeito, a aliança com Davi é retratada como a mais importante de todas as promessas de Deus: Fiz uma aliança com meu escolhido; jurei ao meu servo Davi: estabelecerei tua descendência para sempre e firmarei teu trono por todas as gerações (Sl 89.3,4). Em seguida há uma aparente intromissão, quando o salmista vai a regiões celestiais em que Deus é louvado por todas as criaturas e pelos exércitos de seres angelicais. De lá, Deus exerce o seu reinado no mundo, controlando a natureza e demonstrando graça para o seu povo (89.5-18). Isso, porém, não é nenhuma intromissão, pois esse reinado glorioso de Deus deve ser representado na terra pelo reinado de Davi e seus descendentes. A aliança com Davi inclui todas as promessas anteriores da aliança. O salmista diz a respeito de Deus: A retidão e a justiça são os alicerces do teu trono; o amor e a fidelidade (hesed) vão à tua frente (Sl 89.14, NVI). E sobre o filho de Davi, ele diz: Minha fidelidade e meu amor (hesed), porém, estarão com ele, e em meu nome o seu poder será exaltado (89.24). A aliança é tanto condicional quanto incondicional: Se seus descendentes abandonarem minha lei […] castigarei sua transgressão com vara, e seu pecado, com açoites. Mas dele não retirarei todo o meu amor (hesed), nem faltarei com minha fidelidade. Não violarei minha aliança, nem alterarei o que saiu de meus lábios (89.30,32-34). Já vimos que esse princípio condicional/incondicional atuou quando uma geração inteira do povo escolhido morreu no deserto por causa de seus pecados, mas uma nova geração continuou sob a promessa. Veremos o princípio se repetir mais de uma vez futuramente. Ele significa apenas que a infidelidade do povo da aliança atrai o juízo de Deus, mas nunca pode anular a fidelidade da aliança (hesed) de Deus. De algum modo, dentre o povo infiel da aliança, sempre surge uma parte, um remanescente, que é fiel porque Deus é fiel. Davi recebe promessas de Deus que resumem todas as promessas anteriores da aliança e se concentram na linhagem de descendentes davídicos. SALOMÃO Salomão sucede ao pai, Davi, no trono por volta do ano 961 a.C. É um personagem complexo e, como os seus predecessores, muito promissor, além de demonstrar alguns defeitos significativos. A narrativa de 1Reis 3—10 se concentra nos aspectos bons desse homem, a quem a profecia de Natã se referiu como o filho de Deus e construtor do Templo. Apenas depois de ficarmos sabendo das virtudes de Salomão, alguns elementos negativos de seu reinado, como os casamentos mistos e a desobediência religiosa, são insinuados, sem nenhum comentário direto (1Rs 3.1,2). As características notáveis de Salomão são narradas de um modo que o mostra como aquele que dá os últimos retoques às glórias do reinado de Davi. Davi foi um líder perspicaz e se aconselhava com homens sábios. Salomão é mencionado como o principal sábio de Israel, que deseja e recebe uma mente compreensiva para governar o povo (1Rs 3.6-9; 4.29-34). O fato de a sabedoria ser a característica do reinado de Salomão exige que entendamos o significado da sabedoria na teologia bíblica (veja o capítulo 18). O rei que governa com sabedoria não está apenas preocupado com decisões inteligentes que promovam a justiça (1Rs 3.16-28), mas também obtém prosperidade na boa terra de acordo com a promessa da aliança (4.20-28). Ele busca encontrar as relações existentes entre todas as partes da criação (4.29-34). No centro dessa sabedoria está a revelação de Deus e a sua aliança. Até a magnificência do Templo está associada à sabedoria de Salomão. O toque magistral religioso de Davi foi trazer a arca da aliança para Jerusalém e transformar a cidade no ponto central da relação da aliança com Deus. Todas as promessas de Deus a respeito de sua relação com seu povo e com a terra que lhe deu se concentraram em Jerusalém, ou Sião. Salomão agora constrói o templo como o lugar de habitação de Deus na cidade santa. A glória do templo é descrita com detalhes em 1Reis 5—7, mas a teologia relacionada a ele é apresentada na oração dedicatória de Salomão (1Rs 8). Em primeiro lugar, o templo substitui o tabernáculo e funciona como santuário permanente e fixo na Terra Prometida. Quando a arca é trazida para o santuário, a glória do Senhor enche a casa (8.6-10). Esse agora é o lugar de sacrifício e reconciliação com Deus. Quando o pecado obscurece o relacionamento da nação com Deus, o arrependimento e a oração voltados para o templo asseguram o perdão. Com essa casa e seu ministério se mantém a relação da aliança (8.15-53). Até a promessa para os gentios está centrada no templo, pois é nele que os estrangeiros podem encontrar aceitação diante de Deus. O templo é um testemunho para todas as nações de que Deus habita em Israel e é encontrado por meio do nome que ele revelou e pelo qual se denomina o templo. Em outras palavras, um estrangeiro só pode se tornar parte do povo de Deus indo ao templo, pois é nele que Deus decidiu tratar com aqueles que o buscam (8.41-43). É claro que o reinado e o caráter de Salomão apresentam defeitos. A história bíblica, no entanto, concentra-se antes de tudo nos aspectos positivos, pois é a partir deles que se pode deduzir a importância teológica de Salomão. Ele é o filho da aliança que medeia o governo de Deus na terra de Deus. Juntamente com Davi, ele mostra o modelo do governo do rei-salvador messiânico. O reinado messiânico é marcado pela verdadeira sabedoria, pela glória da terra e da corte real. É coroado pela casa de Deus, que é para Israel o centro visível do universo e a pedra de toque de realidade e verdade. Salomão completa o modelo de governo de Deus, que é mediado pelo rei ungido (messias). O MODELO DE GOVERNO DA NOVA TERRA RESUMO O efeito combinado dos reinados de Saul, Davi e Salomão expôs o modelo do governo de Deus na nova terra. No seu âmago estava a aliança. O rei representava toda a nação como o verdadeiro parceiro da aliança de Deus. Ao mesmo tempo, mediava o governo de Deus sobre as pessoas em união com o templo e o seu ministério de reconciliação e perdão. TEMAS PRINCIPAIS Juizado Reinado Templo Aliança davídica ALGUMAS CHAVE PALAVRAS- Amor aliancístico (hesed) O CAMINHO ADIANTE A linhagem de Davi estabelecida em Jerusalém — Um novo Davi reinará em uma nova Jerusalém, Jeremias 23.5,6; Ezequiel 34.20-31 — Cristo, o novo Davi, Atos 2.29-33; 13.23; 32-34 GUIA DE ESTUDO 1. Da perspectiva mais ampla sobre a monarquia examinada neste capítulo, por que Deus foi tão rígido com Saul? Foi errado os israelitas terem querido um rei? 2. Leia 2Samuel 7.1-14. Em sua opinião, por que alguns consideraram essa passagem o núcleo teológico dos livros de Samuel? Veja o que outros autores bíblicos disseram sobre ela: salmos 89 e 132; Isaías 9.6,7; 55.1-4; Jeremias 23.5,6; 33.23-26; Ezequiel 34.20-24. 3. Como Salomão cumpre a profecia de Natã, em 2Samuel 7.12-14, sobre o filho de Davi? Considerando que Israel é idealmente o filho de Deus, o que significa Salomão ser o filho de Deus? 4. Resuma a teologia bíblica do reinado sobre o povo de Deus conforme ela foi revelada até o período de Salomão. LEITURA COMPLEMENTAR GK. p. 69-76. IBD. Verbetes “David”, “Saul”, “Solomon” e “Temple”. KG. cap. 1. A vida de fé … Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (1Co 1.24). … Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual, da parte de Deus, se tornou para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção (1Co 1.30). … Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos (Lc 24.44). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS, ÊXODO, LEVÍTICO, NÚMEROS, DEUTERONÔMIO, JOSUÉ, JUÍZES, RUTE, 1 E 2SAMUEL, 1REIS 1—10, 1CRÔNICAS E 2CRÔNICAS 1—9 ISRAELITAS FIÉIS NA VIDA COTIDIANA Um tema consistente nos livros do Antigo Testamento é o de Deus como o Criador, realizador da aliança e redentor. Ele não é nenhuma divindade distante e indiferente envolto em obscuridade. Pelo contrário, Deus se fez conhecido de tal modo que a vida por completo de seu povo é alcançada no que ele faz para o salvar. Deus é vivo, ativo e exerce seu senhorio sobre a história de todo o mundo para conduzi-la inexoravelmente ao propósito que determinou para ela. Nessa história do mundo se encontram os homens e as mulheres comuns de Israel que respondem à palavra e à ação de Deus, de modo pessoal, ao se apropriarem das promessas da aliança e se empenharem para aplicá-las à própria vida. Os autores da maioria dos livros bíblicos se concentram nas pessoas e nos acontecimentos centrais da história redentora. Esse foco nos acontecimentos maiores dificulta a percepção de que, frequentemente, gerações inteiras nascem, envelhecem e morrem sem que a narrativa as contemple. A vida no antigo Israel não consistia em três milagres por dia e uma nova guerra santa a cada semana. A maioria das pessoas vivia sua vida comum enquanto Deus não realizava algo extraordinário. Para cada herói bíblico, havia milhares de israelitas que conheciam Deus apenas pelo que foi ensinado pelos sacerdotes e profetas e que procuravam obedecer à Lei na devoção pessoal, no lar e na vida familiar, bem como na adoração a Deus. O que era a vida de fé vivida pelos israelitas comuns? A maior parte das evidências bíblicas diz respeito à nação no seu conjunto, aos grandes acontecimentos e aos dias das festas importantes. Devemos supor que, até certo ponto, essas formas prescritas de adoração pública, observância das grandes festas anuais e atenção aos sacrifícios exigidos regiam o pensamento religioso e as atividades dos israelitas fiéis. Contudo, como israelitas fiéis traduziam sua fé para a vida cotidiana? Os atos salvadores de Deus têm significado profundo para a vida cotidiana de pessoas comuns. CONHECIMENTO E TEMOR DO SENHOR As narrativas da Criação nos lembram de que ser criado humano e à imagem de Deus significava ter relações muitos especiais com ele, com outras pessoas e com a criação material. A palavra de Deus veio a Adão e Eva para capacitá-los a saber quem e o que eles eram e qual seria o dever deles no mundo. A palavra de Deus lhes forneceu o ponto de partida necessário para o verdadeiro conhecimento. Deu-lhes a estrutura para a compreensão correta do universo. Dando-se a conhecer a eles como Criador, Deus estabeleceu todo fato de conhecimento verdadeiro como um fato sobre ele mesmo. No quadro da revelação, os seres humanos são livres para usar o cérebro e os sentidos que Deus lhes deu para reunir conhecimento, classificá-lo, deduzir relações, inventar, planejar e ter domínio sobre a criação. O pecado, como vimos no capítulo 10, envolveu a rejeição da ordem da criação e a recusa de reconhecer a revelação como a base do verdadeiro conhecimento. Foi a rejeição do princípio que subjaz ao livro de Provérbios: “O temor do SENHOR é o princípio do conhecimento…” (Pv 1.7). Vimos o quanto o processo de pensamento era importante na relação humana com Deus e com a criação. O pensamento distorcido gera relações distorcidas. É lógico, portanto, que o processo da redenção envolve a restauração do modo correto de pensar. A mente humana é alvo da regeneração tanto quanto o corpo e a alma. Se o temor do Senhor é o princípio do conhecimento (Pv 1.7) e o princípio da sabedoria (9.10), o que é esse temor e de onde vem? De acordo com a oração dedicatória de Salomão, o temor do Senhor está vinculado à aliança e ao ministério do Templo (1Rs 8.38-43). Esse temor não é terror de Deus, mas, sim, uma resposta de reverente admiração e confiança perante a revelação redentora de Deus (Dt 4.10; 6.2; 10.12,20,21). É o equivalente veterotestamentário de confiar em Cristo, ou crer no evangelho. O temor do Senhor é a resposta de fé a tudo quanto Deus fez para redimir o seu povo, conforme a interpretação que ele mesmo apresenta em sua Palavra a respeito do que fez. À medida que a revelação redentora de Deus vai se manifestando progressivamente por meio das promessas da aliança, da lei do Sinai, dos grandes atos redentores do Êxodo e da conquista de Canaã, vai ficando mais claro o quadro para o entendimento da realidade. Desde o início, o povo de Deus se empenhou para adquirir conhecimento verdadeiro e entendimento. Nos estágios iniciais, os israelitas ficaram sob o cuidado e a instrução da Lei, porque o retrato não estava suficientemente completo ou claro para eles deduzirem o que era uma vida coerente com a condição de aliança deles. No período de Salomão, porém, toda a estrutura da redenção e do reino tinha sido revelada pelo modo que Deus tratara com os israelitas desde as primeiras promessas a Abraão. Desse modo, no âmbito da Lei e da revelação profética, a sabedoria passa a ser uma atividade humana demandada pela graça de Deus. É como se Deus, por meio de seu servo Salomão, indicasse que o quadro da redenção agora tinha sido apresentado e o crente está livre para buscar o conhecimento e a compreensão nesse quadro. A Palavra de Deus e os seus atos salvadores proveem a estrutura para a resposta de confiança e reverência. A busca do verdadeiro conhecimento e da sabedoria começa com esse “temor do Senhor”. ORDEM, DESORDEM E REGENERAÇÃO DA ORDEM A ordem original da criação expressava as relações corretas entre Deus, a humanidade e o mundo. Por isso, era harmoniosa e boa (Gn 1.31). A rebelião de Adão e Eva resultou num grau de desordem em que todas as relações foram afetadas negativamente. Apesar das aparências, naquele momento e agora, essa ruptura não é uma doença sem importância; pelo contrário, é destrutiva e terminal (Gn 2.17; 3.17-19; Rm 5.12; 8.19,20). O pensamento humano que reflete essa rebeldia é insensatez, não sabedoria, e implica a supressão deliberada e perversa da verdade (Rm 1.18-23; 1Co 1.18-25). Desde o momento em que Deus inicia a obra de redenção, podemos observar o processo de regeneração influenciando o povo de Deus. No início há indícios de glória e vislumbres do que está por vir. A regeneração começa com o povo que Deus liga a ele mesmo por sua revelação progressiva e pela fé desse povo. São um pequeno número de eleitos, uma nação especial em um mundo ímpio. As promessas de Deus, à medida que são cumpridas pela atividade redentora divina, indicam a futura realidade da regeneração de todas as coisas. Também realçam a natureza da ordem original e da grave degeneração causada pelo pecado. O dever intelectual de Israel consistia em entender o que seu presente estágio de experiência redentora significava para a vida boa e santa. Em que e como essas relações seriam restauradas e em que e como elas ainda não tinham sido restauradas até então? O israelita fiel tinha problemas semelhantes aos que os cristãos têm hoje. Qual é a resposta de fé ao mundo secular? Como o crente se relaciona com outros crentes e com os não crentes em um mundo ainda não regenerado? A literatura de Sabedoria do Antigo Testamento expressa a busca israelita de conhecimento e entendimento num mundo em que todas as relações são distorcidas por causa da rejeição humana de Deus. Reconhece-se, entretanto, que Deus jamais deixou o pecado destruir totalmente todas as relações, pois o mundo ainda é organizado e a natureza ainda sustenta a vida humana. Também se entende que apenas a bondade de Deus, uma vez que ele transmite sabedoria mediante sua Palavra, capacita o fiel a progredir no empenho de obter sabedoria e conhecimento. A ordem da criação se degenerou em desordem por causa do pecado e está sendo regenerada à ordem desejada por Deus. A ordem regenerada inclui pensar corretamente. OS LIVROS DE SABEDORIA Provérbios, Jó e Eclesiastes são os principais livros do Antigo Testamento que tratam da busca do conhecimento. Eles partem do quadro da revelação ou do temor do Senhor. Esses livros examinam as questões da experiência humana da perspectiva de israelitas fiéis e firmados na aliança. O mundo e a vida humana têm sentido porque Deus não apenas preserva a criação de decair no caos, mas também porque demonstrou que está restaurando as relações corretas de todas as coisas. O livro de Provérbios nos convida a reunir nossas experiências e examiná-las para encontrar as relações subjacentes que dão coerência e sentido à vida. A pessoa sábia procura entender a verdadeira natureza das coisas e se submeter à ordem necessária para uma vida com Deus. Os provérbios individuais não são expressões detalhadas da lei do Sinai recebidas de Deus, mas, sim, reflexões humanas sobre experiências individuais à luz da verdade de Deus. Por isso, mostram que ser humano como Deus planejou significa aprender a pensar e a agir de modo piedoso. Significa que Deus nos concede na revelação a estrutura para pensar piedosamente; no entanto, ele não pensa em nosso lugar. Somos responsáveis pelas decisões que tomamos quando procuramos ser sábios (pensar piedosamente) e evitamos ser insensatos (pensar impiamente). As decisões são mais sábias quando são feitas levando em conta a vida que Deus expõe diante de nós como nosso objetivo. Contudo, ao mesmo tempo que tanta experiência humana seja previsível no modo que Provérbios se expressa, há também mistério. Deus é grandioso, e os seus caminhos muitas vezes nos são ocultos (Jó 11.7; Is 55.8,9). Ele não nos revela sua vontade completa. Na verdade, não seríamos capazes de a compreender se ele a revelasse. Por isso, o fiel pode encontrar sofrimento e tragédia que parecem ser sem sentido e contrários ao cuidado e ao controle de Deus sobre todos os acontecimentos. O livro de Jó trata do problema dessa ordem oculta e de como a sabedoria pode encontrar sua maior expressão no reconhecimento humilde de que os seres humanos são criaturas insignificantes e a bondade amorosa de Deus pode se manifestar de maneiras que simplesmente não conseguimos compreender. Desse modo, somos lembrados de que a sabedoria nunca é puramente a posse intelectual de ideias; antes, ela significa confiança na vontade soberana de um Deus que é cheio de graça, porém misterioso. A grandeza de Deus não é a única fonte de mistério para o povo de Deus. O pecado e a corrupção da humanidade conspiram para confundir a ordem das coisas e dificultar as relações. Às vezes, mesmo a busca da verdadeira sabedoria parece levar a um beco sem saída. Eclesiastes nos mostra que não só os pagãos, mas também os israelitas correm o risco de desenvolver um modo de pensar rígido, capaz de distorcer e obscurecer a verdade. Desse modo podemos entender que a pecaminosidade humana não apenas perturba as relações, mas também nos faz propensos, mesmo como crentes, a equívocos e pensamentos falsos. Os Livros de Sabedoria expressam a busca humana de conhecimento e entendimento no quadro da revelação de Deus. A existência de mistério nos caminhos de Deus exige confiança na bondade dele. LOUVANDO O SENHOR Em uma seção tão breve é impossível fazer justiça aos Salmos. Vou mencionar apenas algumas das características fundamentais que dão importância teológica a essa compilação de poemas. Os muitos e diversos tipos de salmos refletem as situações diferentes para as quais foram concebidos: eles mostram o que indivíduos e congregações pensam sobre Deus e a relação destes com ele. Assim como a literatura de Sabedoria, os salmos têm como ponto de partida a teologia da aliança e a história da salvação. Contudo, diferentemente da literatura de Sabedoria, os salmos apresentam uma resposta muito mais autoconsciente ao que Deus fez. O cântico de louvor é um dos tipos mais importantes de salmo. Nessa modalidade, o salmista louva a Deus por ele ser o Criador, o Redentor, o Rei e aquele que faz de Sião a sua cidade santa. A adoração de Deus é normalmente uma recordação de seus poderosos feitos salvíficos na história de Israel. Os salmos de lamentação quase sempre refletem a aparente disparidade entre a posição declarada do povo de Deus e a sua experiência real de perseguição e sofrimento. Alguns desses salmos terminam com uma nota de confiança de que Deus ainda agirá para salvar e restaurar seu povo. Alguns salmos são ações de graças pelos favores que Deus concedeu a seu povo, e outros se destinam mais a instruir e comunicar sabedoria do que se dirigir a Deus. Os Salmos e os livros de Sabedoria mostram que a história da redenção, a aliança e a palavra profética de Deus não são tão somente ideias religiosas ou declarações sobre o passado, mas, sobretudo, encontros com o Deus vivo. Os grandiosos fatos objetivos da obra de Deus para salvar o seu povo não podem jamais ser vistos simplesmente como fatos do passado. Eles são o fundamento do empenho e da experiência espiritual. Motivam e moldam a piedade, a adoração e as boas obras. Esses fatos são o recurso indispensável com que o Espírito de Deus regenera o coração, a mente e a alma daqueles a quem ele chama para a comunhão consigo. Sabedoria e Salmos são expressões da comunhão diária com Deus por parte daqueles que sabem o que é ser redimido por sua misericórdia amorosa. A REGENERAÇÃO DA EXISTÊNCIA HUMANA RESUMO O poder regenerador de Deus na redenção opera individualmente na vida das pessoas do povo de Deus. A revelação da redenção provê o quadro em que a mente regenerada trabalha para entender a realidade. O fiel expressa a comunhão com Deus buscando o verdadeiro conhecimento do mundo de Deus e respondendo com louvor e gratidão ao Senhor. TEMAS PRINCIPAIS Ordem da criação Temor do Senhor Regeneração da mente ALGUMAS PALAVRAS- Ordem CHAVE Sabedoria Conhecimento O CAMINHO ADIANTE O príncipe messiânico será o homem verdadeiramente sábio, Isaías 11.1-5 — Jesus, a fonte da sabedoria, torna-se sabedoria para nós, Mateus 7.24-28; 1Coríntios 1.30 GUIA DE ESTUDO 1. A revelação de Deus não é simplesmente um acréscimo ao conhecimento são e sólido que já temos. Antes, ela altera cada fato que conhecemos, relacionando-o ao Criador do universo e a seus propósitos para ele. Reflita sobre essa afirmação à luz da doutrina da Criação e do pecado. 2. O que é o temor do Senhor? Leia todo o capítulo de 1Reis 8 e observe a relação do temor do Senhor com a revelação de Deus e com o Templo. 3. As frases proverbiais em Provérbios 10—29 não são regras gerais com base nos Dez Mandamentos, mas, sim, reflexões individuais sobre experiências à luz do “temor do SENHOR”. Como Provérbios 26.4,5 ilustra essa questão? Você conhece outros exemplos que amparam essa noção? 4. Leia os salmos a seguir e proponha possíveis situações de vida, individuais ou congregacionais, a que eles se referem: Salmos 1; 22.1-18; 93; 122; 136; 137; 150. LEITURA COMPLEMENTAR GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster, 1981). ______. “O evangelho e a Sabedoria”. In: GOLDSWORTHY, Graeme. Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and Kingdom; The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom. IBD. Verbete “Psalms, book of”. A sombra que se desvanece Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta às obras que praticavas no princípio. Se não te arrependeres, logo virei contra ti e tirarei o teu candelabro do seu lugar (Ap 2.5). Daquele que não tinha pecado Deus fez um sacrifício pelo pecado em nosso favor, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (2Co 5.21). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM 1REIS 11— 22 E 2REIS Salomão permitiu que interesses políticos e ambições pessoais deteriorassem sua relação com Deus. Esses interesses e ambições tiveram, por extensão, efeito nocivo sobre a vida de Israel. O filho de Salomão começou um reinado opressivo, o que provocou a rebelião das tribos do norte e a divisão do reino. Apesar de alguns pontos altos políticos e religiosos, os dois reinos entraram em declínio. Uma nova classe de profetas os advertiu acerca do rumo da vida nacional, mas as coisas foram de mal a pior. Em 722 a.C., o Reino do Norte, Israel, caiu nas mãos do Império Assírio. Depois, em 586 a.C., o Reino do Sul, Judá, foi devastado pelos babilônios. Jerusalém e o Templo foram destruídos, e grande parte da população foi deportada para a Babilônia. A ADVERTÊNCIA PROFÉTICA Desde o momento em que Deus consagrou Israel como o seu povo escolhido sob as condições da aliança, existe a advertência contra a infidelidade que viola essa aliança. Em grande parte, a responsabilidade dos profetas era deixar essa advertência clara. Moisés pode ser considerado o primeiro grande profeta, cujo ministério estabelece o padrão para todos os futuros profetas. Como o porta-voz de Deus, o mediador humano de sua palavra, o profeta revela os planos de Deus para a salvação. Vimos que esse plano implica uma relação de aliança. Sem dúvida nenhuma, a graça de Deus é o aspecto mais notável de sua aliança e de seus feitos salvadores. Ele escolhe de maneira absolutamente incondicional um povo que não merece nada. Ao longo da história do povo escolhido, Deus revela um meio de salvação que não se aplica apenas a esse povo, mas também um dia, em sua plenitude, terá alcance a todas as nações da terra. Desde o início, não se pode ter nenhuma dúvida de que a graça de Deus significa que a eleição não é condicionada por qualquer virtude dos escolhidos e de que a salvação é uma dádiva gratuita recebida somente pela fé. Contudo, a livre graça e a eleição incondicional não podem obscurecer o lugar do juízo de Deus. Já vimos que o juízo se revelou contra toda a iniquidade na época de Noé; contra Babel e contra a pecaminosa cidade de Sodoma; contra um rei egípcio obstinado e sua nação; e contra os cananeus pagãos. De acordo com a Bíblia, nenhum desses juízos (castigos) jamais foi aplicado sem ter sido merecido. Sobretudo quando a execução deles nos parece particularmente cruel, devem ser entendidos diante do quadro bíblico completo da rebelião humana contra Deus. O que, pois, diremos acerca do juízo sobre os eleitos? Depois que a graça de Deus se mostrou eficaz no Êxodo do Egito, a palavra profética se concentrou na natureza da relação da aliança. No livro de Deuteronômio, particularmente, há advertências severas contra virar as costas para a aliança. Israel é salvo pela graça somente, mas ser salvo não é apenas ser absolvido da culpa. É uma restauração positiva da comunhão com o Deus vivo. Diante do povo de Deus, há sempre uma escolha real: o caminho da vida ou o caminho da morte, as bênçãos da aliança ou as maldições da aliança (Dt 8.11-20; 28.1-48; 30.15-20). Temos de ser cuidadosos para entender a eleição em sua forma veterotestamentária. Se Israel foi eleito, isso significa que todo israelita estará no reino eterno? Não, não significa. Se uma geração inteira de israelitas pereceu no deserto, significa que todos eles estão excluídos do reino eterno? Novamente, a resposta é não. Moisés morreu fora da Terra Prometida, mas sabemos que ele é salvo. A palavra profética deixa claro que Israel, como nação, não pode continuar desfrutando as bênçãos da aliança enquanto rejeita as responsabilidades da vida de aliança. De tempos em tempos, Deus enviava profetas para advertir o povo e chamá-lo de volta para si. Depois de Moisés, o próximo dos profetas notáveis foi Samuel. Sua missão era direcionar Israel para o correto entendimento da monarquia. Muitos outros profetas tiveram uma breve participação na história bíblica. Gade e Natã ministravam particularmente a Davi à medida que o modelo da monarquia se desenvolvia. Elias e Eliseu exerceram um ministério conjunto para Israel depois de sua separação de Judá. A atitude de Jeroboão de fundar um reino rival com locais próprios de adoração e sacerdócio o expõe a influências cananeias. O reinado de Acabe (869-850 a.C.), que se casou com uma princesa cananeia, foi marcado pela apostasia oficial e a tentativa de eliminar a adoração do Deus de Israel. Nessa situação grave, chegam Elias e Eliseu para chamar o povo de volta à verdadeira fé. A famosa disputa entre Elias e os profetas de Baal no monte Carmelo é uma convocação para que o povo volte ao Deus cuja graça de perdão foi revelada por meio de Moisés e da aliança (1Rs 18). De Moisés até Eliseu, o ofício profético tem de ser entendido em referência à revelação divina da salvação. A aliança, como já vimos, é tanto condicional como incondicional. A condição é que os que rejeitam a aliança por incredulidade vão descobrir que as bênçãos da aliança lhe serão tiradas. Alguns indivíduos são advertidos contra essa incredulidade; se persistirem incrédulos e infiéis, eles deverão ser excluídos do povo da aliança (Lv 17.10; 20.1-6; 24.13-17). Se a incredulidade for nacional, a nação perderá as bênçãos (Dt 8.1-20; 28.15-68). A natureza incondicional da promessa de modo algum lhe contradiz a natureza condicional. Com efeito, ela diz que Deus não permitirá que a incredulidade frustre os seus propósitos de cumprir as promessas originariamente feitas a Abraão. Os profetas testemunham da fidelidade de Deus e advertem contra a incredulidade. Os profetas advertem de que as bênçãos incondicionais da aliança não podem ser desfrutadas por aqueles que continuam violando a aliança. O LIMITE É ALCANÇADO O revés do destino de Israel depois do reinado de Salomão é tão evidente que alguém poderia indagar por que o povo não percebeu a sua condição e não fez algo a respeito. Por dois motivos óbvios permite-se que as coisas piorem assim. O primeiro é que a natureza pecaminosa do coração humano resiste ao chamado para a reforma contínua. O segundo é que o declínio do patamar de grande nação sob o reinado de Davi até a destruição e o Exílio na Babilônia durou, na verdade, cerca de quatrocentos anos. Os israelitas não são nada diferentes das pessoas de hoje, que costumam viver para o momento, pouco se importando com o passado ou com o futuro mais distante. O declínio nacional começa com a rebeldia e a separação das tribos do norte. A criação do Reino do Norte com sua mistura de religião israelita e cananeia é um passo grave para trás (1Rs 12.2533; 16.29-34). Mas o sul também tem problemas. Apesar de Judá ter o Templo, o sacerdócio legítimo e a dinastia reinante de Davi, a desobediência a Deus aumenta. Algumas vezes, há aceitação de práticas pagãs (1Rs 14.21-24) e, outras, a presunção de que a observância exterior da adoração a Deus é tudo de que precisam (Is 1.11-20; Jr 7.1-7). Elias foi enviado para contestar a apostasia do Norte no período de Acabe (1Rs 16.29—17.6; 18.1-40). A conclusão de sua mensagem é que ainda há tempo para voltar para o Senhor. Com o passar do tempo, porém, fica claro que o povo está chegando ao limite. Amós e Oseias não conseguem fazer com que Israel se arrependa, e os assírios, em 722 a.C., devastam a nação (2Rs 17). O povo de Judá, embora admoestado a aprender com o destino de Israel (Ez 23), prossegue em seu declínio rumo à destruição. Tentativas de reforma são feitas por Ezequias e Josias (2Rs 18.1-8; 22.1-20). Porém, o efeito acumulado da incredulidade é tão imenso que essas reformas não conseguem impedir o fim inevitável (2Rs 23.26,27). O Império Assírio cai nas mãos dos babilônios em 609 a.C., e, logo em seguida, em 597 a.C., Jerusalém é capturada e muitos dos habitantes de Judá são levados para a Babilônia. Quando Zedequias, o rei-marionete, rebela-se contra a Babilônia, a represália é imediata e terrível. Em 586 a.C., Jerusalém e o Templo são arrasados e mais pessoas são exiladas para a Babilônia. As maldições da aliança, declaradas tão expressamente em Deuteronômio, agora são realidade. O limite da paciência de Deus é atingido na história de Israel posterior a Salomão, e as maldições da aliança passam a ser realidade. A NOVA MENSAGEM PROFÉTICA Depois de Elias e Eliseu, surge uma nova classe de profetas. O mais evidente a respeito desses novos profetas é que seus sermões e oráculos, por algum motivo, foram registrados e compilados em livros por pessoas muitas vezes desconhecidas. Não é difícil imaginar uma razão para isso. Os primeiros cinco livros de Moisés (Gênesis a Deuteronômio) contêm, entre outras coisas, o registro da revelação profética concernente à aliança, bem como dos atos de Deus para a salvação de seu povo. O principal trabalho dos profetas surgidos no período de Samuel até Eliseu é chamar Israel para a fidelidade à aliança. Samuel e Natã também completam e encerram a revelação anterior mostrando o lugar correto da monarquia nos propósitos de Deus. Os relatos históricos constituem o registro suficiente desses ministérios proféticos. Assim que o declínio da nação começa, surge uma nova perspectiva. Em parte, os profetas continuam indicando o malogro de Israel de guardar a aliança e anunciam o juízo de Deus sobre os pecados da nação. Contudo, também há o reconhecimento de que Israel é incapaz de verdadeiro arrependimento e de que Deus precisa realizar uma nova obra de salvação. Desse modo, na revelação progressiva do Antigo Testamento, surgem os primeiros indícios de que a experiência de Israel do Êxodo e da posse da Terra Prometida é tão somente uma sombra da realidade da salvação. Embora seja relevante observar como os profetas apresentam acusações da infidelidade de Israel à aliança, isso não é o que mais importa para nós. As implicações da aliança para a justiça social, a fidelidade no casamento, a honestidade, a compaixão pelos pobres e destituídos e para a sinceridade na adoração de Deus são constantemente postas diante de nós nos profetas. Contudo, tratar dos males de nossa presente sociedade em nome do cristianismo não necessariamente torna a nossa mensagem “profética”. Na perspectiva da teologia bíblica, entendemos que o juízo profético é o indicador mais claro de que a salvação plena ainda não chegou. Enquanto a nação de Israel se desintegrava depois da morte de Salomão, o fiel talvez se perguntasse o que deu errado nos propósitos salvadores de Deus. Do nosso ponto de vista, podemos perceber que nada deu errado no plano de Deus. O problema é o pecado humano, e fica cada vez mais claro que este não pode ser tratado com o que Deus fez por Israel durante a história da nação. Por que, então, Deus empreendeu todo o processo “redentor” do Êxodo em diante? Porque na sua sabedoria ele dirige o seu povo em uma série de estágios distintos de revelação até a plenitude dos tempos, quando a salvação virá com poder. Os profetas servem para mostrar que o que aconteceu até agora é apenas um estágio passageiro da revelação. Nada disso diminui a importância da história antiga de Israel. Todos os procedimentos de Deus com o seu povo, de Abraão até Salomão, são expressões da graça real e, ao mesmo tempo, sombras de uma realidade mais sólida por vir. Ao acomodar a si mesmo e sua revelação ao estágio em que seu povo eleito está, Deus o conduz ao longo de sua infância espiritual mediante a realidade concreta da escravidão por um rei terreno em uma terra estrangeira, da libertação do cativeiro, da conquista da Terra Prometida e assim por diante. Essas coisas expõem a natureza da situação desse povo na escravidão do pecado e da morte, a estrutura da salvação e o reino de Deus. A sombra, porém, tem de se dissipar para que a luz plena da realidade concreta se revele em seu lugar. Enquanto isso, os que pela fé compreendem a sombra certamente estão entendendo e adotando a realidade da salvação em Cristo. A nova perspectiva da mensagem profética mostra que a experiência de redenção histórica de Israel é apenas uma sombra da realidade ainda por vir. A DEGENERAÇÃO DO MODELO DO REINO RESUMO O modelo da redenção e do reino de Deus como revelado na história de Israel de Abraão até Salomão está completo. Porém, a incapacidade de Israel de ser fiel à aliança leva ao declínio do reino. Mais uma vez, a realidade da Queda se mostra a tal ponto que fica claro que o reino de Deus ainda não chegou. TEMAS PRINCIPAIS Natureza condicional da aliança Juízo inevitável Nova perspectiva profética ALGUMAS PALAVRAS- Sombra CHAVE Realidade Juízo O CAMINHO ADIANTE O juízo de Deus chega a seu povo, Isaías 65.1-12 — Jesus recebe o juízo no lugar dos crentes, 2Coríntios 5.21 GUIA DE ESTUDO 1. Como a aliança pode ser ao mesmo tempo condicional e incondicional? 2. Leia o relato dos últimos anos de Judá em 2Reis 18—25. Observe as tentativas de reforma e os motivos por que elas não lograram impedir o desastre. 3. Usando dicionários bíblicos e auxílios semelhantes, pesquise a vida e o ministério do profeta Jeremias e observe o papel que ele desempenhou nos últimos anos de Judá. 4. Quais elementos de uma teologia bíblica do juízo você pode agora identificar na história bíblica da Queda (Gn 3) até o Exílio na Babilônia? LEITURA COMPLEMENTAR BT. parte 2. cap. 6. seções A-C. GK. p. 77-81. IBD. Verbete “prophecy, prophets”. KG. cap. 2. Uma nova criação Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação; as coisas velhas já passaram, e surgiram coisas novas (2Co 5.17). Nós, porém, segundo sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça (2Pe 3.13). Então vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra já se foram, e o mar já não existe. […] O que estava assentado sobre o trono disse: Eu faço novas todas as coisas!… (Ap 21.1,5). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM JEREMIAS, EZEQUIEL, DANIEL E ESTER Os profetas de Israel alertaram sobre a ruína que sobreviria à nação. Quando os primeiros exilados foram levados para a Babilônia em 597 a.C., Ezequiel estava entre eles. Jeremias foi autorizado a permanecer em Jerusalém. Os dois profetas ministraram aos exilados. A vida para os judeus (o povo de Judá) na Babilônia não era de todo ruim, e com o passar do tempo muitos prosperaram. Os livros de Jeremias e de Ezequiel indicam certa normalidade na experiência, enquanto Daniel e Ester realçam parte das dificuldades e do sofrimento vividos em uma cultura estranha e opressiva. O MODELO DA REDENÇÃO Convém agora uma recapitulação do modelo da redenção. Na história de Israel do período de Abraão até Davi e Salomão, observamos um conjunto de fatos claramente identificáveis e interpretados pela Palavra de Deus. Com as promessas da aliança a Abraão como contexto, a redenção começa no cativeiro do Egito. A escravidão de Israel é a negação do reino de Deus e uma condição de não salvo. Israel foi tirado do cativeiro por atos poderosos de Deus para uma nova experiência de liberdade. Deus libertou os israelitas da escravidão e os ligou a ele mesmo como seu povo na aliança do Sinai. Essa aliança mostra que a redenção é mais do que uma mera libertação do cativeiro. A vida dos redimidos é regida e orientada na comunhão com Deus. Também é moldada pela entrada na Terra Prometida e pelo estabelecimento da nação sob o comando do líder representante de Deus. Redenção significa saída do cativeiro e entrada no reino de Deus. Se a aliança com Abraão subjaz ao processo inteiro de redenção em Israel, por trás da aliança com Abraão está o compromisso original de Deus com a criação. Nos resumos de final de capítulo, venho ressaltando o tema da Criação e da recriação. O que Deus gerou no início degenerou com a Queda da humanidade. A redenção e a salvação são consideradas o processo de regeneração, que influencia toda a criação degenerada, incluindo a humanidade. Desse modo, o cativeiro no Egito é uma experiência histórica que sublinha a realidade da Queda no pecado e a expulsão do reino de Deus como aconteceu no jardim do Éden. A redenção do Egito para a Terra Prometida, terra que jorra leite e mel, é uma representação do retorno ao Éden. O reinado de Davi recorda o governo, ou domínio, que Deus deu a Adão no Éden. O diagrama progressivo ilustra os vários estágios em que o reino se manifesta. O modelo original DEUS ADÃO E EVA ÉDEN anseia pela manifestação mais elevada do reino na história de Israel. O SENHOR LINHAGEM DE DAVI TEMPLO DE JERUSALÉM A expressão do reino na história desaparece, deixando duas opções para o povo: rejeitar as promessas de Deus por considerá-las falsas, ou confiar no cumprimento futuro dessas promessas de acordo com a palavra profética. O modelo da redenção abrange cativeiro Êxodo regulamentação da aliança entrada na terra e posse desta reinado de Davi, Templo, Jerusalém O DEUS DA SALVAÇÃO Todos os profetas escritores demonstram três atitudes. Em primeiro lugar, identificam em que especificamente Israel violou a aliança. Entre essas violações, estão a injustiça social e a opressão, o culto insincero a Deus, a mistura de religião pagã com a verdadeira fé revelada por Deus e até a adoração de falsos deuses. Em segundo lugar, pronunciam o juízo de Deus sobre essa infidelidade à aliança. Às vezes, o juízo é predito em termos específicos da destruição de Samaria ou de Jerusalém. Outras vezes, o juízo é mais geral e mesmo universal, como a degeneração de toda a terra. Seja o fim da nação, seja mesmo o fim do mundo (Jr 4.23-28; Is 24.1-3; Am 7.4; Sf 1.2,3), o juízo virá porque Israel rejeita a graça de Deus. Em terceiro lugar, esses profetas proferem uma mensagem de consolo aos fiéis. Deus ainda os salvará enfim, completa e gloriosamente. Deus se revela em todo o processo da história bíblica. Seu caráter não é apresentado como uma série de ideias abstratas, como santidade, onipotência, justiça e assim por diante. Antes, Deus se revela em meio às suas obras, as quais ele mesmo interpreta pela sua Palavra. Com sua atividade de criador, juiz, realizador da aliança e redentor, aprendemos o significado de palavras como santo, todo-poderoso e justo atribuídas a Deus. É típico dos profetas escritores retomar os acontecimentos da experiência anterior de Israel e reaproveitá-los. Criação, cativeiro, Êxodo redentor, regulamentação da aliança, posse da Terra Prometida e governo monárquico, todos esses acontecimentos se investem de um significado maior quando Deus promete uma nova experiência deles. Isso não será tão somente sombra, mas, sim, a realidade concreta da redenção e do reino de Deus. Essa análise dos acontecimentos do fim, que anunciam a vinda do reino eterno, chama-se na linguagem teológica de escatologia (grego: eschatos, último). O Deus dos profetas é, portanto, o Criador (Is 40.12-26; 43.1,15; 44.21-24; 45.7-13,18; 48.13; 54.5), que está fazendo uma coisa nova (Is 42.9; 43.18,19; 48.6,7). Com isso ele demonstra que é absolutamente fiel ao seu compromisso da aliança original (Is 54.710; Jr 33.14-26; Os 2.16-23; 11.8-11). A graça e a fidelidade são prova do amor incondicional de Deus (Dt 7.7,8; Os 2.14-20; 3.1; 11.1-9; 14.4; Is 63.9). Esse Deus é justo porque age de acordo com o seu caráter mesmo quando salva os que se rebelam contra ele (Is 9.2-7; 11.1-5; 42.6; 45.13; 51.5,6; 56.1; 59.15-17; 63.1; Jr 9.24; 23.5,6). Portanto, ele é o Deus Salvador, que restaura o reino em que ele, o seu povo e a ordem criada se relacionam perfeitamente. A salvação é o processo completo mediante o qual Deus restaura o seu povo e a criação ao reino. Isso significa a regeneração de todas as coisas. Deus se revelou a seu povo progressivamente mediante a sua palavra e seus feitos. Essa revelação atinge o auge nos oráculos de salvação proferidos por meio dos profetas posteriores. O POVO DE DEUS Há também progressão na revelação do povo de Deus, a qual resumi na coluna do meio do diagrama progressivo (p. 198). A disposição, em colunas paralelas, de Deus, seu povo e a ordem criada indica as relações reveladas que devem existir entre eles de acordo com a intenção divina. Conhecemos a Deus conforme ele se revela em relação ao seu povo e à criação. E conhecemos a nós mesmos verdadeiramente apenas em relação a Deus, que nos criou e redimiu. O propósito de Deus, que de início se concentrou em Adão e Eva no Éden, passa a ter foco no filho de Davi. Evidentemente, surge um problema teológico de proporções imensas para o povo de Deus quando o filho de Davi, Salomão, fracassa em viver à altura das expectativas. Não que algum outro antes dele tenha feito melhor nesse aspecto, mas o fracasso de Salomão acabou por eliminar todas as marcas exteriores e históricas do reino de Deus na vida de Israel. Qual, então, é a visão profética dessa catástrofe? Israel e Judá são condenados por violar a aliança, e o juízo de Deus é proferido. Apesar disso, com base na natureza incondicional do compromisso de Deus e na sua fidelidade a ele, há esperança. Muitos temas proféticos dizem respeito ao povo de Deus e à sua restauração. Uma série deles estão relacionados com a restauração nacional e a reunião dos exilados na Terra Prometida mais uma vez. Às vezes, esse grupo é descrito como um remanescente, um pequeno grupo fiel que aguarda o Senhor (Is 10.20-23; 11.11,12; 14.1-4; 40.1,2; 46.3,4; 51.11; 61.4-7; Jr 23.1-8; 29.10-14; 30.10,11; 31.7-9; Ez 34.1-16; 36.22-24; 37.15-22; Mq 2.12). A reunião dos exilados também significa que a salvação chega às nações quando os estrangeiros, de algum modo, são alcançados no retorno de Israel à Terra Prometida (Is 2.2-4; Mq 4.1-4; Sf 3.9; Zc 8.20-23). Algumas passagens se referem ao retorno como um segundo êxodo (Is 40.1-5; 43.1-7,15-21; 48.20,21; 49.24-26; 51.9-11; Jr 23.7,8). No lugar de um segundo Moisés, há pelo menos duas figuras fundamentais que representam Israel e medeiam a obra e a presença salvadora de Deus. São Davi (ou um descendente de Davi) e o Servo Sofredor do Senhor. O governo glorioso de Deus por intermédio de Davi é fundamental para o reino vindouro (Is 9.27; 11.1-5; 16.5; 55.3-5; Jr 23.1-6; Ez 34.20-24; 37.24-28; Am 9.11). Não importa se as profecias têm em vista o retorno de Davi ou algum de seus descendentes para cumprir esse papel. O Novo Testamento dissipa qualquer obscuridade quando identifica Jesus como o verdadeiro rei da linhagem de Davi, Filho de Davi e Filho de Deus. O Servo Sofredor é uma figura apresentada em quatro passagens de Isaías (42.1-4; 49.1-6; 50.4-9; 52.13—53.12). É um personagem discreto, humilde e compassivo, que sofre rejeição, vergonha e morte. Com isso, ele traz salvação para Israel e luz para as nações. Por fim, é vindicado e exaltado por Deus mediante a ressurreição, ao que tudo indica. A identidade do Servo é uma questão polêmica, pois ele é Israel (Is 49.3) e a sua missão é para Israel (49.5,6). Contudo, perceberemos que não há nenhum problema nisso se recordarmos que o Filho de Davi é o israelita representativo, isto é, ele é verdadeiro Israel ao mesmo tempo que serve a Israel (2Sm 7.14). Para conhecermos o Messias Sofredor não dependemos dos quatro cânticos do Servo de Israel. Pois um tema constante é o dos escolhidos de Deus como mediadores da salvação para Israel sendo humilhados e rejeitados por aqueles a quem foram enviados para ajudar. Os mais evidentes desses são José, Moisés e Davi. Não é por acaso que o papel messiânico de Davi é indicado muito antes de sua efetiva entronização como rei (1Sm 16.13) e que ele sofre muito antes de ser vindicado. Se os discípulos no caminho de Emaús tivessem entendido isso melhor, saberiam que o Cristo devia sofrer antes de entrar em sua glória (Lc 24.26). O povo de Deus é enfim representado nos profetas por um Príncipe Messias Sofredor. Este é o que cumpre toda a vontade de Deus para os muitos e, ao fazer isso, traz salvação para todos eles. A TERRA PROMETIDA O terceiro elemento do reino de Deus, depois de Deus e o seu povo, é o lugar em que o povo vive em comunhão com Deus. O Antigo Testamento não lança nenhum fundamento para a conhecida ideia de uma esfera celestial difusa “acima do céu azul resplandecente”, onde habitam as almas separadas do corpo. Deus se relacionava com Adão e Eva, pessoas de carne e osso, no Éden terreno. Ele estabeleceu Israel na Terra Prometida de Canaã. Agora os profetas retratam o reino de Deus chegando à terra. Em primeiro lugar, há as profecias de uma criação renovada, um novo céu (o firmamento) e uma nova terra (Is 65.17; 66.22). Assim como Deus criou o presente universo para o seu povo (Is 51.13-16), ele também o destruirá (51.6) a fim de recriá-lo (51.3,11). O mais provável é que esse envolvimento de todo o universo na salvação final do povo de Deus esteja por trás dos convites à ordem criada para exultar nos atos salvadores de Deus (44.23; 49.13; Sl 98.7-9; 148.1-14). Em seguida, vêm as profecias concentradas na nova terra para onde Israel retorna, em cujo centro está a nova Jerusalém, ou Sião, e o Templo restaurado. Esse é o novo Éden, a terra de fertilidade e harmonia entre todas as coisas vivas e da cura perfeita (Is 2.2-4; 11.6-9; 32.1-20; 35.1-10; 65.17-25; Ez 34.1116,25-31; 36.35-38; 47.1-12). Aqui, portanto, está o fundamento veterotestamentário para o entendimento neotestamentário da regeneração e do novo nascimento. Embora a regeneração individual dos filhos de Deus em geral venha à mente primeiro, é preciso lembrar que a regeneração é tão ampla quanto o próprio universo. A Terra Prometida, manifestada pela primeira vez como o Éden e depois como a Terra Prometida de Canaã, é por fim retratada como uma Canaã renovada em uma nova terra. No seu centro está a nova Jerusalém. A ALIANÇA A principal expressão do relacionamento entre Deus e o seu povo é a aliança. Uma teologia bíblica da aliança leva em consideração sua unidade bem como sua diversidade. Deus tem um só compromisso em seu propósito de estabelecer o seu reino. Desse modo, há uma única aliança com várias expressões diferentes ao longo da história redentora. A primeira é o compromisso inicial de Deus com a criação. Mas a rebelião da humanidade, a principal parceira da aliança com Deus, causa confusão em todas as relações. Depois disso, o compromisso de Deus com a redenção se manifesta em uma série de declarações de aliança. Até aqui, observamos as alianças com Noé, Abraão, Israel (no Sinai) e Davi. A escatologia dos profetas retoma os temas da história de Israel e, com isso, indica a continuação da fidelidade de Deus à única aliança. Todos os temas de restauração se relacionam a uma ou outra expressão da aliança. Contudo, visto que o reino vindouro será perfeito, glorioso e permanente, é preciso ocorrer algo que capacite o povo a ser fiel à aliança. Os profetas predizem não só o retorno do povo à terra renovada, mas também a renovação do próprio povo. Uma passagem notável fala de uma aliança renovada escrita no coração do povo para que este conheça verdadeiramente o Senhor e cumpra perfeitamente a vontade dele (Jr 31.31-34). Outra profecia retrata a renovação espiritual do coração, de modo que o resumo da realidade da aliança é: “… sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus” (Ez 36.28). A aliança única, que procede do compromisso original de Deus com a criação, manifesta-se de forma redentora nas alianças com Noé, Abraão, Israel, Davi e na nova aliança dos profetas. A PROFETIZADA REGENERAÇÃO DE TODAS AS COISAS RESUMO Os profetas agora preenchem a lacuna deixada pelo frustrado reino histórico de Israel. Eles falam de um cumprimento futuro de todos os propósitos de Deus. A experiência histórica de Israel da obra salvadora de Deus é exposta como uma sombra da obra de salvação final e verdadeira. Nela todas as coisas serão regeneradas, incluindo os céus e a terra. TEMAS PRINCIPAIS O modelo da redenção na história de Israel Revelação de Deus por meio de sua palavra e de seus atos salvadores Revelação profética do reino ainda por vir ALGUMAS PALAVRAS- Escatologia CHAVE O CAMINHO ADIANTE As promessas proféticas do reino — Jesus afirma cumprir a profecia, Lucas 24.27,44 — mensagem apostólica de que Cristo cumpriu toda a profecia, Atos 13.32,33; 2Coríntios 1.20 GUIA DE ESTUDO 1. A esta altura você deve estar familiarizado com a ideia do modelo da redenção que opera na história de Israel. Analisamos somente alguns dos principais acontecimentos a ele relacionados, mas cada fato da história do Antigo Testamento tem de estar associado a esse modelo de algum modo. Tente relacionar os seguintes acontecimentos da história redentora: a. A queda de Jericó (Js 6) b. A morte de Sísera (Jz 4) c. Davi poupa Saul (1Sm 24) d. A visita da rainha de Sabá (1Rs 10). 2. Leia as principais passagens de escatologia profética a seguir e observe todos os temas de restauração baseados na história anterior de Israel: Isaías 11; 35; 61; 65; Ezequiel 34; 36; 37; Joel 2; Sofonias 3. 3. Começando pela Criação e a aliança com Abraão, proponha um esboço de uma teologia bíblica da missão que inclua os aspectos relevantes da escatologia profética. LEITURA COMPLEMENTAR BT. parte 2. cap. 6. seção D. GK. p. 81-86. KG. caps. 3, 4, 5. O segundo êxodo E dois homens falavam com ele [Jesus], a saber, Moisés e Elias; eles apareceram em glória e falavam da partida dele (grego: exodos), que estava para acontecer em Jerusalém (Lc 9.30,31). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ESDRAS, NEEMIAS E AGEU Em 539 a.C., a Babilônia caiu nas mãos do Império Medo-Persa. No ano seguinte, Ciro, o rei, permitiu que os judeus retornassem para a terra deles e estabelecessem um estado judaico no Império Persa. Imensas dificuldades foram enfrentadas no restabelecimento da nação. Havia oposição local à reconstrução de Jerusalém e do Templo. Muitos judeus não retornaram, permanecendo na terra do Exílio. Na última parte do quarto século a.C., Alexandre, o Grande, conquistou o Império Persa. Teve início para os judeus um período longo e difícil, em que a cultura e a religião gregas confrontaram a confiança deles nas promessas da aliança de Deus. Em 63 a.C., Pompeu conquistou a Palestina, e os judeus se viram na condição de uma província do Império Romano. RETORNO PARA A DECEPÇÃO Do ponto de vista dos judeus1 exilados na Babilônia, as profecias a respeito do retorno à Terra Prometida se aplicam à sua presente situação. Pode-se imaginar quantos deles interpretariam as profecias do retorno. Eles esperariam uma convulsão entre as nações que tornaria os judeus a grande nação mundial. Em vez disso, a derrota da Babilônia ainda os deixa sob o domínio de um poder estrangeiro. Quando Ciro, o Persa, permite que retornem para restabelecer a nação, a cidade de Jerusalém e o Templo, um grupo de estrangeiros que agora habitam na Terra Prometida resiste a eles. Os livros de Esdras, de Neemias e de Ageu devem ser lidos para uma compreensão dos problemas da nova comunidade, que incluem desde oposição de fora à reconstrução até negligência de dentro com respeito à lei de Deus. Os aspectos positivos do estabelecimento do novo estado judaico não podem ser ignorados. O povo é liberto para voltar à Terra Prometida. Durante um tempo, a liderança é exercida por um descendente de Davi, um homem chamado Zorobabel (Ed 2—5; Ag 1 e 2; Mt 1.13; Lc 3.27). Um estado autônomo no Império Persa é estabelecido, e uma nova Jerusalém e um novo Templo acabam sendo construídos. O problema é que, embora a estrutura do reino descrita pelos profetas esteja ali em esboço, a substância não está. Não há retorno glorioso algum e nenhum templo magnífico é estabelecido no meio da terra regenerada. Também está claro que o povo ainda não experimentou aquela transformação espiritual que o tornaria o povo de Deus perfeitamente. Não há qualquer reinado esplêndido do Príncipe davídico. A volta do Exílio resulta somente em uma sombra opaca do reino glorioso previsto para o povo de Deus. PROFECIA E VISÕES Os três profetas do período pós-exílico, Ageu, Zacarias e Malaquias, ajudam-nos a entender o que está acontecendo. De uma perspectiva humana, os judeus são em grande medida impenitentes. Os profetas continuam os acusando de violação da Lei e os advertindo de juízo. Eles também preveem o cumprimento futuro das bênçãos da aliança. Mas, da perspectiva divina, o tempo ainda não é o apropriado para a vinda do reino, e as pessoas fiéis precisam continuar vivendo em esperança do futuro. Esses profetas, juntamente com as narrativas de Esdras e Neemias, deixam claro que a nação restaurada não é o reino de Deus. Qual é, então, o seu propósito? Somente podemos supor que isso lembra o povo de que Deus ainda está ativo na história da salvação e, ao mesmo tempo, isso convida a verdadeira fé a olhar além da presente experiência para algum cumprimento maior. Assim, cada um desses profetas aponta para a glória ainda por vir (Ag 2.6-9; Zc 8.20-23; 14.1-21; Ml 4.1-6). O período posterior da profecia também assiste ao surgimento de uma forma específica de escrita profética. Literatura apocalíptica designa o tipo de visão que encontramos em Daniel 7 e 8 e em Zacarias 1.7—6.15. A maioria da literatura apocalíptica judaica não está presente na Bíblia, tendo sido escrita em um período entre os dois Testamentos. O estilo apocalíptico de escrita envolvia visões simbólicas centradas menos em Israel e mais no propósito de Deus para todo o universo. Os profetas pós-exílicos interpretam a natureza da comunidade restaurada e apontam para além dela, indicando o real cumprimento das promessas. A HISTÓRIA INACABADA Assim, chegamos ao fim do Antigo Testamento e constatamos que se trata de um livro sem uma conclusão. Na comunidade judaica, ainda que tenha voltado à Terra Prometida, nada foi resolvido. O povo ou aguarda na esperança dos futuros atos salvadores de Deus ou, precisamos supor, abandona toda a ideia de cumprimento da aliança. A evidência relativa à história dos judeus após o fim do Antigo Testamento (cerca do fim do quinto século a.C.) mostra que eles tiveram de enfrentar muito mais dificuldades. A maioria da informação que temos sobre o período entre os Testamentos vem da compilação de escritos judaicos chamados de Apócrifos.2 A partir desses escritos, obtemos um retrato relativamente preciso da vida dos judeus sob o domínio persa, grego e romano. Vamos agora resumir os estágios principais pelos quais a teologia do reino de Deus no Antigo Testamento se desenvolveu. Em primeiro lugar, Deus revelou o seu reino na Criação, ou geração, dos céus e da terra, com o Éden ocupando o ponto focal: Em segundo lugar, após a Queda, ou degeneração, Deus revelou seu propósito redentor para a restauração de seu reino em dois estágios principais (embora também tenhamos analisado uma revelação preliminar em Noé e no Dilúvio). O primeiro estágio principal de revelação da redenção ocorre na história de Israel de Abraão até Davi e Salomão. Há nele três partes: as promessas originariamente concedidas a Abraão, os eventos redentores do Êxodo e a forma final do reino na Terra Prometida. Assim, as promessas são feitas, entram em cumprimento na redenção e são cumpridas: Em terceiro lugar, após mais uma experiência histórica de queda, exílio ou degeneração, a escatologia profética promete um dia final de cumprimento real e absoluto que ainda está no futuro. Esse é o segundo estágio principal de revelação da redenção. Essa regeneração real de todas as coisas nunca vem a ocorrer no período do Antigo Testamento: Tendo em vista esse plano da revelação do Antigo Testamento, agora estamos em uma boa posição para identificar muitas das nuanças que existem no texto do Novo Testamento. Este expõe a história de Jesus, o Cristo, que veio para cumprir todas as expectativas do Antigo Testamento. Grande parte da terminologia do evangelho é extraída diretamente dessas sombras preparatórias. Embora o evangelho revelará o significado final de todas as promessas de Deus a Israel, a revelação redentora no Antigo Testamento aprofundará a nossa apreciação do que significa Jesus ser o Cristo. O Antigo Testamento termina sem o cumprimento das promessas de Deus. A REGENERAÇÃO CONTINUA SENDO UMA ESPERANÇA FUTURA RESUMO A restauração dos judeus à Terra Prometida parecia ser o cumprimento das promessas de Deus. Contudo, na realidade, a regeneração esperada de todas as coisas não ocorreu. A única esperança agora é que em algum momento futuro Deus agirá para trazer o seu reino e a salvação de seu povo. TEMAS PRINCIPAIS Volta do Exílio Decepção da esperança profética ALGUMAS PALAVRAS- Literatura apocalíptica CHAVE Apócrifos O CAMINHO ADIANTE Templo de Deus reconstruído pelo Espírito, Zacarias 4.6,7 — Jesus, o novo templo, João 2.19 Um novo Elias para anunciar a vinda do Senhor, Malaquias 4.5,6 — João Batista, o novo Elias, Mateus 11.12-14 GUIA DE ESTUDO 1. Leia os livros de Esdras (não se deixe desanimar pelas longas listas de nomes) e de Neemias à luz das promessas proféticas. Observe especialmente os motivos para um sentimento de decepção entre os exilados que retornaram com fé. 2. Leia as visões de Zacarias (1—6). Observe a função do anjo intérprete. Tente entender o que essas visões comunicariam a um povo que estava aguardando a restauração de Israel e do Templo. 3. Resuma a teologia bíblica da aliança e da regeneração como surgiu no Antigo Testamento. LEITURA COMPLEMENTAR BALDWIN, Joyce. Haggai, Zechariah, Malachi. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1972). ______. Ageu, Zacarias e Malaquias: introdução e comentário. Tradução de Hans Udo Fuchs (São Paulo: Vida Nova, 1982). Tradução de: Haggai, Zechariah, Malachi. BRIGHT, John. A history of Israel (Philadelphia: Westminster, 1959), caps. 11 e 12. ______. História de Israel. 7. ed., rev. e ampl. a partir da 4. ed. original. Tradução de Luiz Alexandre Solano Rossi; Eliane Cavalhere Solano Rossi (São Paulo: Paulus, 2003). Tradução de: A history of Israel. KG. cap. 6. MORRIS, Leon. Apocalyptic (Grand Rapids: Eerdmans, 1972). RUSSELL, D. S. Between the Testaments (London: SCM, 1960). ______. Entre o Antigo e o Novo Testamentos: o período interbíblico (São Paulo: Abba Press, s.d.). Tradução de: Between the Testaments. 1 O nome “judeu” significa um membro da tribo de Judá. É incorreto designar a totalidade de Israel de “os judeus”. Quando o reino de Israel se dividiu com a secessão de Jeroboão, o reino do sul foi corretamente chamado de Judá e o seu povo, de os judeus. Assim, o Exílio na Babilônia e o retorno envolviam os judeus. 2 Os Apócrifos não faziam parte do cânon das Escrituras reconhecido pelos judeus ou pelos cristãos. Algumas Bíblias têm os Apócrifos dispostos entre o Antigo e o Novo Testamentos. É uma compilação importante de escritos religiosos judaicos e a nossa principal fonte de informação para a história e religião dos judeus no período intertestamentário. A nova criação para nós Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e eu o levantarei em três dias (Jo 2.19). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM MATEUS, MARCOS, LUCAS E JOÃO A província da Judeia, a pátria dos judeus, passou para o domínio romano em 63 a.C. Durante o reinado de César Augusto, Jesus nasceu em Belém, provavelmente por volta do ano 4 a.C. João, conhecido como o Batista, preparou o caminho para o ministério de Jesus. Esse ministério de pregação, ensino e cura começou com o batismo de Jesus e durou cerca de três anos. O conflito cada vez maior com os judeus e os seus líderes religiosos acabou provocando a condenação de Jesus à morte pelo governador romano Pôncio Pilatos. Jesus foi executado pelos romanos do lado de fora de Jerusalém, mas ressuscitou da morte dois dias depois e apareceu a seus discípulos em diversas ocasiões. Depois de um período com eles, Jesus foi levado ao céu. UNIDADE E DIVERSIDADE NA BÍBLIA Quando procurei destacar um tema unificador ao longo de toda a revelação bíblica, não quis obscurecer a imensa diversidade que também existe nela. Entretanto, é extremamente importante que não se entenda de modo algum que as perspectivas e abordagens diferentes adotadas pelos vários autores bíblicos descartam a existência de unidade na Bíblia. Cada autor de cada livro deixa algo de si e de seu modo de pensar em sua obra. Contudo, como mostrei no capítulo 6, a Bíblia é um livro divino, bem como humano. O Espírito Santo, usando uma diversidade de autores humanos, produziu uma obra única que diz exatamente o que Deus pretende que ela diga. Numa obra introdutória como esta, temos de nos concentrar apenas na mensagem única da Bíblia. Isso não significa que ignoramos a diversidade na apresentação da mensagem pelos vários autores. Observe-se com atenção, porém, que muitos autores e comentaristas modernos partem do pressuposto arbitrário e falso de que a diversidade significa que também deve haver um conflito de ideias. Também existe a tendência de separar o Antigo Testamento do Novo. Contudo, não há nenhuma instrução divina para que sejam impressos separadamente com um novo sumário para cada um deles. Sem dúvida, há diferenças importantes entre os dois Testamentos, como já vimos ao longo deste livro. Infelizmente, essas diferenças muitas vezes parecem mais evidentes para nós do que a unidade da Bíblia. Vamos nos lembrar de que existe continuidade entre o Antigo e o Novo Testamentos porque o Novo cumpre o Antigo e o Antigo testemunha do Cristo do Novo. Também existe descontinuidade entre eles porque o Antigo precisa dar lugar ao Novo e o povo de Deus precisa aceitar a realidade concreta de Cristo e abandonar as sombras da Lei de Moisés e do culto de Israel. No Novo Testamento também há diversidade. Os quatro Evangelhos contam essencialmente a mesma história, mas com ênfases diferentes e seleção própria de detalhes da vida e do ministério de Jesus. As Epístolas apresentam uma variedade de assuntos, muitas vezes em resposta a necessidades específicas da vida da congregação destinatária. De novo, a variedade não prejudica de modo algum a mensagem única e central de Jesus Cristo como o elemento unificador. Não há nenhum ensino no Novo Testamento incoerente ou incompatível com a pessoa e a obra de Jesus Cristo. A unidade e a diversidade na Bíblia são percebidas no tema único da revelação, cujo foco é Jesus Cristo, e na variedade de ênfases com que esse tema é apresentado. JESUS É O VERDADEIRO DEUS Lembre-se de que decidi destacar a nova criação, ou regeneração, como um dos temas unificadores na Bíblia. Associada a esse tema está a ideia do reino que envolve Deus, o seu povo e a ordem criada, todos se relacionando perfeitamente. Assim, a Criação, ou geração, resultou no reino de Deus revelado no Éden.1 A Queda, ou degeneração, resultou na obliteração do reino de Deus, confundindo as relações entre Deus, as pessoas e o mundo. A revelação redentora mostrou o progresso em direção à regeneração, ou restauração, do reino de Deus. É impossível exagerar a importância da nova revelação em Jesus Cristo. Mostrei no capítulo 6 que Jesus Cristo é a revelação mais plena e definitiva de Deus. Talvez seja proveitoso você ler esse capítulo de novo a esta altura. Os discípulos deviam ter entendido pelo Antigo Testamento a natureza do evangelho (Lc 24.25-27). Isso porque Jesus cumpre as expectativas do Antigo Testamento. Em outro sentido, porém, ele cumpre essas expectativas de modo tão surpreendente que ninguém poderia ter previsto plenamente como ele inauguraria o reino. A escatologia profética continha uma gama inteira de cenários e imagens — alguns extremamente simbólicos, outros muito mais próximos da real experiência histórica de Israel — representando a vinda do reino por muitos ângulos diferentes. Entretanto, é compreensível que a maioria dos judeus formasse uma ideia do cumprimento tal como Deus vindo de repente com poder para restabelecer na Terra Prometida o seu povo ainda disperso, expulsar os romanos e outros inimigos, restaurar Jerusalém e o Templo com insuperável esplendor, reunir pessoas de todas as nações da terra no reino, julgar os iníquos e infiéis e, acima de tudo, instaurar o governo glorioso de seu reino por meio de um Príncipe davídico que governaria Jerusalém. Desse modo, Jerusalém passaria a ser o centro da nova terra, onde todos os povos, criaturas e coisas existiriam em perfeita harmonia. Levando em consideração esse tipo de expectativa, podemos começar a entender por que os judeus não estavam prontos para receber o seu Deus como um bebezinho nascido de Maria. Qualquer declaração de Jesus de que ele era Deus provocava um frenesi de ódio nos líderes judeus (Mt 26.63-68; Mc 2.5-12; Jo 8.4859; 10.29-31; veja também Ez 34.17-21). João reflete sobre o Criador fazer-se um membro da raça humana e não ser recebido por aqueles a quem preparara para o evento (Jo 1.1-18). A encarnação de Deus está exatamente no centro do evangelho com o qual Deus restaura a relação verdadeira entre ele mesmo e a raça humana. A igreja primitiva reconhecia a divindade de Jesus como um elemento essencial do evangelho. Assim, podemos investigar a necessidade da encarnação para a nossa salvação (Jo 1.1-3; Fp 2.5-7; Cl 1.16,17; 2.9; Tt 2.13; Hb 1.8; Ap 22.13). Jesus Cristo é verdadeiro Deus, o Criador do universo. JESUS É O VERDADEIRO POVO DE DEUS O Novo Testamento aponta que não só a divindade de Cristo, mas também a sua humanidade perfeita e completa é essencial para o evangelho de nossa salvação. Ao mesmo tempo que é o Deus Criador, o Deus de Adão, de Abraão, de Davi e dos profetas, ele também é o verdadeiro homem criado, o Último Adão, a descendência de Abraão, o filho de Davi e o verdadeiro profeta (Mt 21.9; Lc 4.16-24; Rm 1.3; 5.19; 1Co 15.22,45; Gl 3.16; Cl 1.15). Mais uma vez, observa-se que as circunstâncias prenunciadas no Antigo Testamento não eram as que os judeus da época de Jesus esperavam. Os personagens importantes, como sacerdotes e reis, que mediavam a salvação para os muitos de Israel, apontavam para o Único que vem como o verdadeiro israelita representante de muitos. Com base nessa interpretação das promessas proféticas, os judeus estavam esperando o retorno de uma grande multidão de pessoas para a Terra Prometida. Mesmo o remanescente seria um grupo considerável. Eles não estavam preparados para a ideia de que o verdadeiro povo de Deus era um só homem. Não conseguiam perceber que todo o propósito de Deus para Adão e depois para Israel estava sendo cumprido na existência humana perfeitamente sem pecado de Jesus. Adão foi o primeiro cabeça da raça humana, mas fracassou em conservar a relação correta de sua raça com Deus. Ele foi tentado e cedeu à tentação rebelando-se contra o seu Criador. Foi expulso do Éden e por isso toda existência humana desde então ocorre fora do jardim. Agora o Último Adão surge como o cabeça de uma nova raça humana. Ele cumpre perfeitamente a missão de Adão. Foi igualmente tentado para que, vencendo toda tentação, conduzisse o seu povo de volta ao jardim, para a comunhão com Deus. As narrativas da tentação (Mt 4.1-11; Mc 1.12,13; Lc 4.1-13) devem ser interpretadas considerando Adão e Israel como filhos de Deus que não passaram no teste. No batismo, Jesus se identifica com a raça humana e é aprovado por Deus Pai como o verdadeiro Filho de Deus. Observe que a árvore genealógica do Evangelho de Lucas liga Jesus, através das gerações de Israel, a Adão, filho de Deus (Lc 3.23-38). Mais uma vez, o nosso diagrama de resumo (p. 221) ilustra essa progressão do povo de Deus desde Adão (que fracassou), passando pelos israelitas (que fracassaram) e chegando a Jesus, o único Filho de Deus que o agradou totalmente desde antes de Adão ter pecado. A filiação está associada ao papel de servo. O verdadeiro filho é aquele que serve ao Pai (Êx 4.23; Hb 3.6). A aprovação de Jesus pelo Pai no batismo ecoa a promessa messiânica de Salmos 2.6,7 e a submissão sofredora do Servo do Senhor em Isaías 42.1. A primeira tentação de Cristo no deserto é o desafio: “… Se tu és o Filho de Deus…”. Observe que as passagens usadas por Jesus para rechaçar o ataque do Diabo (Dt 8.3; 6.13,16) são extraídas do comentário de Moisés sobre o fracasso de Israel no teste do deserto. O significado é claro. No batismo, Jesus é declarado o verdadeiro Adão, o verdadeiro Israel. Imediatamente depois disso, o mesmo Espírito que desceu sobre ele no batismo o leva para ser testado. Jesus sai desse teste sem deslize nenhum e aprovado como o verdadeiro e fiel Israel de Deus. No Antigo Testamento, as principais funções que representavam o povo eram as de profeta, sacerdote, rei e sábio. Quando se lê o Novo Testamento, fica evidente que os vários autores entendiam que a pessoa e a obra de Jesus estavam cumprindo esses papéis. Em primeiro lugar, Jesus é o verdadeiro profeta anunciando o reino de Deus (Mc 1.14,15; Lc 4.16-21; Hb 1.1,2). Ele não apenas prega a palavra profética, mas também é a Palavra (Jo 1.1-3,14-18; 14.6). A obra completa de Jesus de revelação da verdade sobre Deus e o reino pode ser considerada o apogeu do ofício profético do Antigo Testamento. Em segundo lugar, Jesus cumpre o papel de sacerdote. Isso é mencionado indiretamente pelas próprias palavras de Jesus acerca de sua morte como sacrifício e resgate por muitos (Mc 10.45; Lc 22.19,20; Jo 10.11,15). Na Epístola aos Hebreus, a teologia do sacerdócio de Jesus é desenvolvida com mais detalhes, tanto na continuidade em relação ao sacerdócio de Israel como na superioridade em relação a esse sacerdócio por ser seu cumprimento perfeito (Hb 3.1; 4.14—5.10; 7.24—10.25). Aqui se vê claramente a ligação com o tema da aliança, pois Cristo estabelece uma aliança nova e melhor com seu próprio sangue. Depreende-se desses textos que Jesus é, ao mesmo tempo, o verdadeiro sacerdote e o único sacrifício perfeito e aceitável pelo pecado. Ele é, portanto, o verdadeiro Cordeiro Pascal (1Co 5.7), a oferta sem pecado pelo pecado (2Co 5.21; 1Pe 2.24). Sua obra sacerdotal foi tomar sobre si a maldição que Deus declarou sobre todos os que violam a sua aliança (Dt 11.26-28; Gl 3.10-14). Em terceiro lugar, a realeza de Cristo começa no fato de que ele é literalmente descendente de Davi e cumpre as expectativas proféticas do Messias davídico (Mt 1.17-20; 20.29-31; Lc 1.30-33; Rm 1.3). A ressurreição e a ascensão de Jesus são consideradas a proclamação de seu senhorio e o cumprimento das promessas da aliança a Israel. Pela ressurreição, Jesus é declarado o Filho de Deus (Rm 1.4). Não somente é ressuscitado dos mortos um novo Israel, mas também o rei de Israel é proclamado (At 2.30-32,36; 13.22,23,32-37). A figura de realeza remete não apenas ao rei de Israel, mas também ao domínio sobre a criação dado a Adão (Gn 1.26-28). Os milagres de Jesus indicam a restauração do domínio humano e a vitória de Deus sobre Satanás. Assim, Jesus é identificado como o Filho do Homem, uma referência ao filho de homem em Daniel 7, aquele que restaura o domínio ao povo de Deus. A vinda do Filho do Homem em grande poder e glória assinala a restauração da raça humana (Lc 21.27,28). Por fim, observamos o cumprimento do papel do sábio em Jesus. Salomão era filho de Davi e homem sábio de Israel. Agora é chegado “… quem é maior do que Salomão” (Lc 11.31). A sabedoria é característica do Rei-Messias davídico (Is 9.6; 11.2). Jesus demonstrava sabedoria superior à que se encontrava no Templo (Lc 2.46-52). Suas formas de discurso são as de um mestre de sabedoria (parábolas), e ele se declara a fonte da verdadeira sabedoria (Mt 7.24-29). Cristo se fez sabedoria por nós e é o meio pelo qual somos resgatados da falsa sabedoria do mundo (1Co 1.20 —2.16). Jesus Cristo é verdadeiro ser humano. Ele é o Último Adão, o verdadeiro Israel. JESUS É A NOVA CRIAÇÃO O Templo de Israel era o ponto de convergência da Terra Prometida. Era o lugar em que Deus e o seu povo se reuniam, onde ocorriam a reconciliação e a restauração. Vimos que as relações de Deus com esse povo se concentravam no Templo porque, para haver comunhão entre uma pessoa e Deus, era preciso haver a obra mediadora do sacerdote. As esperanças proféticas de uma nova criação exigiam coerentemente um Templo novo e glorificado como centro da terra. João nos diz que a vinda de Cristo foi a vinda da Palavra no tabernáculo de carne humana para habitar entre nós (Jo 1.14). Por isso, a controvérsia quanto a Jesus purificar o Templo o levou a se identificar como o verdadeiro templo (Jo 2.13-22). Porém, se Jesus é o ponto de convergência da nova criação, de algum modo ele deve incorporar essa criação. O Novo Testamento fala disso indiretamente vinculando a nova criação à redenção de nosso corpo (Rm 8.19-23; 2Pe 3.11-13). A estratégia divina de salvação agora aparece com maior clareza. Tudo o que Deus prometera no Antigo Testamento se cumpre em Cristo, sobretudo na sua ressurreição dentre os mortos (At 13.32,33). A mensagem de Cristo é a declaração de que todas as promessas de Deus são cumpridas nele (2Co 1.20). As questões levantadas neste capítulo nos exigem entender que todas as promessas de Deus são de fato cumpridas com o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus. As promessas do Antigo Testamento dão sentido à regeneração de todas as coisas. É a recriação do reino em que Deus, o seu povo e a ordem criada existem em perfeita harmonia, cumprindo perfeitamente os seus respectivos papéis. A estratégia da salvação, portanto, é que Deus restaura o reino por meio de Cristo, mediante a obra de Cristo e, efetivamente, na pessoa de Cristo. De modo representativo, Cristo, o Deus-homem, é a regeneração de todas as coisas. Ele é verdadeiramente Deus, verdadeiramente homem e verdadeiramente ordem criada, convivendo juntos perfeitamente. “Deus conosco” (hebraico: immanuel; Mt 1.20-23) não significa simplesmente Deus vivendo em nosso mundo, com os seres humanos, mas Deus habitando com o homem representativo e verdadeiro na pessoa de Jesus de Nazaré. A mensagem sólida e coerente do Novo Testamento é que o que Jesus foi, ele foi por nós. A nova criação veio por nós nele, em nosso favor. No capítulo 6, levantei o tema da tipologia. O tipo é o prenúncio histórico da realidade futura, ou antítipo, que é Cristo. Agora podemos propor o uso do termo protótipo para nos referirmos ao reino original, que existia antes da Queda. A escatologia profética, ao usar os acontecimentos históricos passados para falar do futuro, confirma a tipologia dessa história (veja o diagrama de resumo, p. 221). Jesus Cristo é o novo Templo e incorpora a nova ordem criada. Ele é a regeneração de todas as coisas nele mesmo. A REGENERAÇÃO VEM EM JESUS PARA NÓS RESUMO A regeneração no Antigo Testamento foi revelada como a recriação do povo de Deus e da ordem criada. O Novo Testamento revela que isso ocorre primeiro de modo representativo na pessoa de Jesus. Ele é verdadeiramente Deus, verdadeiramente ser humano e verdadeiramente o mundo em que Deus encontra o seu povo. TEMAS PRINCIPAIS Jesus como Deus, humanidade e mundo Jesus é a regeneração para nós ALGUMAS PALAVRAS- Unidade e diversidade CHAVE Encarnação O CAMINHO ADIANTE Cristo, a regeneração — Nosso reconhecimento nele, 2Coríntios 5.17 — A regeneração de todas as coisas consumada, Apocalipse 21.1-5 GUIA DE ESTUDO 1. Certifique-se de que você entendeu mesmo o conceito de que Jesus cumpre todas as promessas do Antigo Testamento nele mesmo. 2. Esboce o tema de Deus habitar com o seu povo conforme é desenvolvido no Antigo Testamento e cumprido na encarnação de Jesus. 3. Em que sentido as maldições da aliança e as ameaças de juízo no Antigo Testamento são cumpridas em Cristo? 4. Você pode pensar em alguma promessa do Antigo Testamento que não foi cumprida na primeira vinda de Cristo? Concorda que há promessas referentes somente à segunda vinda de Cristo? LEITURA COMPLEMENTAR CALVIN, John. Institutes. livro 2. caps. 10-17. ______ [Calvino, João]. As institutas. Tradução de Waldyr Carvalho Luz (São Paulo: Cultura Cristã, 2006). 4 vols. Tradução de: Institutes. ______. A instituição da religião cristã. Tradução de Carlos Eduardo Oliveira; José Carlos Estevão (São Paulo: Unesp, 2008). 2 vols. Tradução de: Institutes. GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster, 1987). cap. 11. ______. “O evangelho e a Sabedoria”. In: GOLDSWORTHY, Graeme. Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and Kingdom; The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom. IBD. Verbetes “incarnation, “Jesus Christ, titles of”, “King”, “Kingdom of God”, “prophets” e “priests”. KG. cap. 7. 1 O termo exato “reino de Deus” é desconhecido no Antigo Testamento e tem sua origem no período intertestamentário. Estou interpretando o termo retroativamente e aplicando-o a um conceito do Antigo Testamento que subjaz ao ensino do Novo Testamento sobre o reino. A nova criação iniciada em nós E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (At 2.21). Crê no Senhor Jesus, e tu e tua casa sereis salvos (At 16.31). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ATOS Depois da ascensão de Jesus, os seus discípulos aguardaram em Jerusalém. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre eles, que então começaram a obra de proclamar Jesus. Quando as implicações missionárias do evangelho se tornaram mais claras para os primeiros cristãos, a proclamação local se estendeu para a evangelização mundial. O apóstolo Paulo levou o evangelho para a Ásia Menor e para a Grécia, fundando muitas igrejas em seu caminho. Uma igreja acabou florescendo em Roma, no centro do Império. ESBOÇO DA AÇÃO REDENTORA Até aqui me referi com frequência à relação entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Do mesmo modo que o primeiro tem a sua própria estrutura interna, o segundo também tem a sua. Vimos que o Antigo Testamento prenuncia o Novo em dois estágios principais: a história de Israel de Abraão até Salomão e as promessas proféticas do reino futuro. Do mesmo modo, o Novo Testamento dispõe o cumprimento em estágios que temos de observar atentamente. No capítulo anterior, sustentei que o Novo Testamento entende a pessoa de Cristo, que veio em carne, como o cumprimento das promessas do Antigo Testamento. A vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus são os meios desse cumprimento. Jesus está agora à direita do Pai. Ele é o homem perfeito em perfeita relação com o Pai. Entretanto, Jesus faz tudo o que faz e é tudo o que é por nós. Ele só pode ser o nosso representante, nosso salvador, se o que lhe pertence for de algum modo compartilhado conosco. Não valeria muito a pena para nós se o reino de Deus, a nova criação, permanecesse exclusivamente na pessoa de Jesus Cristo. Enquanto Jesus está com seus discípulos, estes percebem que estão em contato com o reino de Deus. Muita coisa eles não entendem e, na verdade, não podem entender enquanto não for revelado o quadro completo. Por isso, os discípulos têm dificuldade de encarar a notícia de que seu Senhor não estaria sempre com eles fisicamente (Jo 13.31-38). Jesus trata desse problema dizendolhes que esse é o único meio de receberem as bênçãos de Deus. É para o pleno benefício deles que Jesus os deixará e o Espírito Santo assumirá o seu lugar com eles. Desse modo, ele vai efetivamente permanecer com seus discípulos, embora essa presença não será física (Jo 14.1-3,18-20; 15.26,27; 16.4-7). A confusão na mente dos discípulos é compreensível. Afinal, o Antigo Testamento não tinha mesmo apresentado um quadro de um reino cujo rei estaria fisicamente presente apenas durante um breve período. Desse modo, Jesus acrescenta uma dimensão nova à revelação existente. Haverá um período de discipulado em que o Senhor estará ausente em sua forma humana. Por que isso é para o benefício do povo de Deus (16.7)? Qual é a relação disso com os discípulos realizarem coisas ainda maiores do que as já realizadas por seu Messias (Jo 14.12)? A resposta a essas perguntas se tornam claras quando entendemos o que vem após a existência terrena de Jesus. O reino de Deus, que foi prenunciado no Antigo Testamento, passa a ser realidade na pessoa de Jesus Cristo. Contudo, ele fica com o seu povo durante apenas um breve período. COMO O REINO CHEGA Lucas e Atos constituem uma peça única da Bíblia. O Evangelho de Lucas tem muito em comum com os outros três Evangelhos. Contudo, somente Lucas nos informa sobre a transição do período em que Jesus esteve aqui em carne para o período em que ele se ausentou fisicamente, permanecendo, porém, presente no Espírito. O último discurso de Jesus, registrado em João 14—16, conta-nos o que está para acontecer. Lucas e Atos relatam como isso aconteceu de fato. Como observei no capítulo 8, Lucas 24 mostra dois discípulos cujas esperanças quanto ao reino foram arruinadas pela morte de Jesus. As expectativas da vinda súbita e gloriosa do reino de Deus à terra ficaram totalmente sem cumprimento. Os inimigos do reino, ao que tudo indicava, triunfaram sobre ele (Lc 24.17-21). Uma lição de teologia bíblica, dada pelo próprio Mestre, é iniciada com uma referência à interpretação correta dos profetas. O Cristo tinha de sofrer e só depois entrar em sua glória (24.25-27). Sua morte havia sido totalmente prevista, e ele tentara prepará-los para esse fato (Mc 8.31-33; 9.9-13; 10.33-45). Logo que os discípulos são convencidos de que Jesus está vivo de novo, suas esperanças da vinda do reino são reanimadas (Lc 24.31-35). O sofrimento do Messias evidentemente acabou e só lhe faltava entrar em sua glória. Isso apenas podia significar, como pensaram os discípulos, que a glória do reino profético estava prestes a sobrevir sobre eles. Por esse motivo, surge a pergunta: “… Senhor, é este o tempo em que restaurarás o reino para Israel?” (At 1.6). A resposta de Jesus a essa pergunta é extremamente importante para compreender como o reino vem. Em primeiro lugar, Jesus rejeita o entendimento dos discípulos de que o assunto pode ser resolvido tão somente em relação ao aspecto temporal. Ele assevera: “… Não vos compete saber os tempos ou as épocas que o Pai reservou por sua autoridade” (1.7). Em segundo lugar, Jesus lhes redireciona o pensamento acerca da participação deles no processo que trará o reino: “Mas recebereis poder quando o Espírito Santo descer sobre vós; e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (1.8). De fato, ele está dizendo que o reino está sendo restaurado agora, mas não do jeito que os discípulos esperavam. O reino vem pela pregação do evangelho sob a influência do Espírito Santo. O poder do reino não está na obra do Espírito Santo apenas, nem apenas na palavra de Cristo, e sim na ação conjunta de ambas. Com isso, Jesus dá a interpretação definitiva das profecias do Antigo Testamento a respeito do dia da salvação. Recordamos que Israel foi comissionado para ser luz para as nações; não obstante, nunca houve nenhum chamado para que fosse ao mundo proclamar o reino aos gentios. Também recordamos as grandes profecias, como Isaías 2 e Zacarias 8, que falam sobre a ida dos gentios a Jerusalém quando o reino fosse estabelecido. Agora Jesus, o verdadeiro Israel e o novo templo, diz a seus discípulos que o Espírito Santo leva a sua presença a todo o mundo mediante a pregação do evangelho. Desse modo, as nações serão reunidas a Cristo, que assume o lugar do Israel e da Jerusalém antigos. Perspectiva semelhante aparece na “Grande Comissão” de Mateus 28.17-20. A declaração de Jesus de que ele tem toda a autoridade no céu e na terra não é nada menos do que a declaração de que ele é o que traz o reino de Deus. A essa altura os discípulos talvez esperassem uma declaração sobre os gentios de todas as partes do mundo chegando a Jerusalém. Jesus, porém, está de fato dizendo que Jerusalém e o Templo foram substituídos. O ponto de convergência do reino não é mais um edifício na terra de Judá, mas, sim, ele próprio, onde quer que haja a sua presença. Depois que Jesus trocasse a sua presença física pela sua presença mediante o Espírito, os gentios seriam trazidos para o novo templo, criado por esse Espírito onde quer que o evangelho fosse pregado. “Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações…” significa que eles não podiam mais permanecer na Jerusalém geográfica. Em vez disso, eles tinham de partir dali e fazer discípulos.1 Aonde quer que o Espírito Santo leve a palavra de Cristo e reúna pessoas ao Salvador, ali está o novo templo. Os discípulos farão coisas maiores do que Jesus fez no sentido de que o ministério deles será no mundo todo. É para o bem dos discípulos que Jesus os deixará, porque só depois disso poderão conhecê-lo por seu Espírito e unirse a ele de um modo novo. O reino vem pelo Espírito Santo, que leva a palavra acerca de Cristo a todo o mundo pela pregação dos discípulos. A NOVA CRIAÇÃO EM NÓS O livro de Atos nos mostra a transição das circunstâncias relatadas nos Evangelhos para aquelas tratadas nas Epístolas. A princípio, Jesus está no mundo em carne. Ele reúne os seus discípulos e os instrui nas coisas do reino. Enquanto está com eles, os fatos do evangelho acontecem na presença deles. Lemos que tanto João Batista quanto Jesus pregavam o evangelho (Lc 3.18; Mc 1.14).2 No entanto, eles não proclamaram o evangelho pleno naquele momento, pois este ainda não tinha sido revelado por completo. Somente quando a morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus se concretizaram, o evangelho pleno pôde ser anunciado. Sem dúvida, os discípulos eram crentes em Jesus. Todavia, João afirma que os discípulos ainda não haviam recebido o Espírito Santo: “… o Espírito Santo ainda não havia sido dado, pois Jesus ainda não fora glorificado” (Jo 7.39). É pouco provável que essa concessão do Espírito tenha ocorrido no dia da ressurreição de Cristo, ainda que ele lhes tenha dito: “… Recebei o Espírito Santo” (Jo 20.22). A declaração de João 7.39, combinada com a narrativa do Pentecostes, em Atos 2, dá-nos um forte indício para entender esse quadro. A concessão do Espírito está relacionada à pessoa e obra de Cristo. Do mesmo modo que Jesus certamente tinha o Espírito antes de seu batismo, também os discípulos tinham o Espírito antes do Pentecostes. No batismo de Jesus, o Espírito veio sobre ele em relação à sua obra como o Salvador. Os discípulos, se eram judeus fiéis, tinham o Espírito em relação ao prenúncio de Jesus na aliança do Antigo Testamento. Como discípulos de Jesus, a fé que tinham nele como seu Mestre era um dom divino e, portanto, do Espírito. No Pentecostes, o Espírito Santo veio sobre eles pela primeira vez em relação ao Cristo plenamente revelado. Isso só podia acontecer depois da sua glorificação (Jo 7.39). O Pentecostes, desse modo, significa uma experiência única para os discípulos, pois marca um ponto de transição. É um fato da história que nenhuma pessoa, a não ser os apóstolos, jamais teve essa experiência. Ninguém desde esse tempo passou de conhecer Jesus face a face, em carne, a conhecê-lo por sua Palavra pregada e por seu Espírito. Portanto, ninguém pode ter a mesma experiência do Espírito que eles tiveram, em dois estágios. Um judeu fiel que se tornou discípulo de Jesus e depois recebeu o Espírito no Pentecostes teve uma experiência do Espírito em três estágios. Quando identificamos o que não pode ser repetido da experiência do Pentecostes, estamos em posição melhor para entender o que permanece como parte da experiência cristã. Claramente o evangelho proclama que o poder capacitador do Espírito é o que nos converte. Em Atos 2.38, os cristãos obtêm a explicação do que normalmente acontece: o não crente, judeu ou gentio, que ouve o evangelho e crê recebe o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo. Esse é o batismo do Espírito a que João Batista se referiu em Lucas 3.16. O Espírito Santo sempre esteve presente em relação à obra de salvação. No Pentecostes, ele foi dado pela primeira vez em relação à obra concluída de Cristo. TEOLOGIA BÍBLICA DO ESPÍRITO SANTO O livro de Atos, juntamente com o que aconteceu antes, é importante para a construção de uma teologia bíblica do Espírito Santo. Um esboço dessa teologia temática inclui o lugar do Espírito na criação do mundo. A raça humana, criada à imagem de Deus, está sob a influência do Espírito de Deus, mas o pecado a priva desse bom impulso enquanto a graça de Deus não inicia a obra de salvação. Desse modo, é correto afirmar que o povo de Deus é o povo do Espírito, enquanto os pecadores rebeldes são pessoas sem o Espírito. Assim como a redenção é revelada progressivamente em Israel, assim também a obra do Espírito é revelada de modo progressivo. No período da história de Israel de Abraão até Salomão, percebe-se a obra do Espírito sobretudo como uma dotação especial de representantes do povo para a obra de mediar a salvação de Deus, incluindo o pronunciamento profético. Nesse período, há algum indício da posse do Espírito por todo o povo de Deus. Na escatologia profética, o Espírito se mostra ativo sobretudo em relação aos atos salvadores de Deus e na vida dos agentes humanos desses atos. O Servo Sofredor, o profeta verdadeiro e o príncipe messiânico são todos eles pessoas sobre as quais o Espírito veio com poder. O Espírito de Deus também é o poder regenerador na vida de todo o povo de Deus. Ele o ajuda a ser verdadeiro coparticipante da aliança de Deus. Uma marca do novo tempo é o Espírito dado em plenitude a todo o povo de Deus (Jl 2.28,29). Somente no Novo Testamento há o verdadeiro cumprimento dessa esperança escatológica. Ele ocorre primeiro no homem cheio do Espírito, Jesus de Nazaré, o israelita regenerado, o profeta, sacerdote e rei ungido. Enquanto para nós o foco está em Jesus como a nova criação, a ênfase para Jesus está no Espírito Santo. A ascensão de Jesus e o Pentecostes marcam o ponto de transição. O foco nunca é removido de Jesus, mas agora se estende para incluir as pessoas que estão sendo unidas a ele e participando de sua relação com Deus e com o reino. Quando o evangelho é pregado, pessoas são inseridas no reino mediante arrependimento e fé. Nessa experiência de conversão, começa a se tornar realidade em nós a regeneração que existe em Cristo. A teologia do Espírito, mediante a dotação de figuras salvíficas representativas na história e na escatologia profética de Israel, conduz a Cristo. No Pentecostes, o Espírito de Cristo é compartilhado com o seu povo. A REGENERAÇÃO COMEÇA NO POVO DE DEUS RESUMO A regeneração, que veio primeiro na pessoa de Jesus Cristo, agora se torna realidade na vida do povo de Deus. O Espírito Santo substitui a presença física de Jesus. No Pentecostes, o Espírito vem pela primeira vez ligar os crentes à regeneração, pois ela é plenamente revelada em Cristo. TEMAS PRINCIPAIS Jesus reinterpreta o reino Transição para a era do Espírito ALGUMAS PALAVRAS- Batismo CHAVE Conversão O CAMINHO ADIANTE O Único (Jesus) vem para os muitos — O Único une os muitos a si por seu Espírito para que, onde o Único estiver, ali também estarão os muitos GUIA DE ESTUDO 1. Leia os sermões de Pedro e de Paulo em Atos (At 2.14-40; 3.12-26; 4.8-12; 10.34-43; 13.16-41). Observe como eles aplicam o Antigo Testamento ao ministério de Jesus. O que se pode aprender com os apóstolos sobre interpretações do Antigo Testamento? 2. Leia o discurso de Estêvão aos judeus em Atos 7.2-53. Observe a estrutura e os temas recorrentes. Como a acusação nos versículos 51-53 decorre da referência ao tabernáculo e ao templo nos versículos 44-50? Qual é a mensagem central do discurso? 3. Que aspectos dos acontecimentos de Atos podem ser considerados normativos para todos os cristãos e para todas as épocas? Que aspectos são exclusivos daquele período? LEITURA COMPLEMENTAR BRUNER, F. D. A theology of the Holy Spirit (Grand Rapids: Eerdmans, 1970). ______. Teologia do Espírito Santo. 3. ed. Tradução de Gordon Chown (São Paulo: Cultura Cristã, 2012). Tradução de: A theology of the Holy Spirit. IBD. Verbete “Spirit, Holy Spirit”. INCH, Morris. Saga of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1985). MARSHALL, I. H. Acts. TNTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1980). ______. Atos: introdução e comentário. Tradução de Gordon Chown (São Paulo: Vida Nova, 1982). Tradução de: Acts. 1 A ordem é fazer discípulos. Em algumas traduções para nossa língua, o verbo ir aparece no lugar em que o original grego apresenta uma forma nominal equivalente a “indo” ou “enquanto forem”. Isso pode parecer uma distinção sutil, mas a ênfase está no fazer discípulos. O “ide” talvez seja apenas um meio de chamar a atenção dos discípulos para o fato de que os gentios não viriam para a Jerusalém geográfica, mas que a nova Jerusalém estaria aonde quer que eles fossem. 2 Frequentemente se entende que o significado do verbo grego evangelizesthai é “pregar boas-novas”. Temos de reconhecer que, se esse verbo for considerado juntamente com o seu equivalente hebraico do Antigo Testamento, basar, as boas-novas são as notícias graves do reino. Não é possível pregar o reino sem fazer referência ao juízo. A nova criação em nós agora Já que fostes ressuscitados com Cristo, buscai as coisas de cima, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas de cima e não nas que são da terra; pois morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, também vos manifestareis com ele em glória (Cl 3.1-4). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA NAS EPÍSTOLAS DO NOVO TESTAMENTO À medida que o evangelho avançava e invadia as sociedades pagãs, deparava com muitas filosofias e ideias não cristãs que confrontavam a mensagem apostólica. As epístolas do Novo Testamento mostram que a pressão que havia ocorrido na época do Antigo Testamento para que o povo de Deus adotasse ideias pagãs também era uma ameaça constante para as igrejas. O real perigo para a doutrina cristã não eram tanto os ataques diretos que esta sofria, mas, sim, a distorção sutil de ideias cristãs. Entre os causadores de problemas havia os judaizantes, que acrescentaram a observância da Lei ao evangelho. Os gnósticos também minavam o evangelho com elementos da filosofia e da religião gregas. A ESTRATÉGIA DE DEUS PARA A SALVAÇÃO É provável que, em algum momento de sua vida, você tenha sido instruído de que a resposta cristã à pergunta “Você é salvo?” deve se referir ao passado, ao presente e ao futuro. A resposta “Sim, fui salvo; estou sendo salvo; serei salvo” exprime como a salvação é vivida. Quanto ao passado, a referência é à obra perfeita e completa de Cristo por nós. Quanto ao presente, a referência é à obra contínua do Espírito Santo em nós, à medida que ele aplica o evangelho à nossa vida e nos conforma cada vez mais à imagem de Cristo. Quanto ao futuro, a referência é à consumação, quando o que está acontecendo em nós se conformará perfeitamente ao que existe para nós e quando todas as coisas se farão novas. Muitos cristãos vão reconhecer que as palavras justificação, santificação e glorificação se aplicam a esses três aspectos de nossa salvação. O Novo Testamento, portanto, mostra que o propósito salvador de Deus é restabelecer as relações corretas de todas as coisas. A estratégia, ou método, que ele emprega para alcançar esse objetivo é a própria pessoa de Cristo e sua obra salvadora. Deus une o seu povo a Cristo pela fé, atribuindo-lhe a perfeição que há em Cristo. Com base no que os cristãos são considerados por estarem em Cristo, Deus, mediante o seu Espírito e o evangelho, inicia a obra de restaurar as verdadeiras relações neles e em toda a comunidade de crentes. Por fim, a consumação de toda a criação será alcançada quando Cristo voltar em glória. SALVAÇÃO OU REGENERAÇÃO Passado O que ocorreu perfeitamente em Cristo por nós. Presente Futuro O que está ocorrendo O que ocorrerá em nós e em nós, mas ainda em toda a criação. não foi aperfeiçoado. A base de nossa aceitação O resultado de nossa O resultado final de nossa por Deus, ou justificação. aceitação por Deus, ou aceitação por Deus, ou santificação. glorificação. Todas as promessas do Antigo Testamento foram cumpridas para nós em Cristo. Todas as promessas do Antigo Testamento estão sendo cumpridas em nós e em nosso meio. Todas as promessas do Antigo Testamento serão cumpridas em nós e em toda a criação. UNIÃO COM CRISTO Uma das principais tarefas da teologia bíblica é mostrar as relações entre os vários estágios da revelação redentora. Um aspecto em que há muita confusão na mente de muitos cristãos, e que a história da igreja mostra ter sido sempre um problema, é como a obra de Cristo por nós se relaciona com a obra de Cristo em nós mediante o seu Espírito. Em outras palavras, qual é a relação do evangelho com o viver cristão, ou qual é a relação da justificação com a santificação? Algumas epístolas do Novo Testamento mostram que o problema dos cristãos judeus era a relação do evangelho com a Lei. Podemos também expressar isso como a relação da graça com boas obras. Poucos questionariam a afirmação de que somos convertidos ao crer no evangelho. Mas como o evangelho se traduz em crescimento ou santificação para o crente? Um exame dos textos do Novo Testamento nos mostra que o crescimento não está em seguir caminhando a partir do evangelho, mas, sim, em andar junto com ele. Muitos dos problemas tratados nas Epístolas resultam da negligência de aplicar o evangelho a algum aspecto da vida. A solução para esse problema é restaurar o evangelho ao seu lugar legítimo no centro de nosso pensamento e prática. O Novo Testamento se refere de vários modos à relação entre o que Deus fez por nós em Cristo e o que ele está fazendo atualmente em nós. A ênfase do Evangelho de João é crermos em Cristo e termos a vida eterna por meio dele (Jo 20.31). Pedro fala de virmos a Cristo para sermos edificado no novo templo como pedras vivas e fazermos parte de um novo Israel (1Pe 2.4-10). Paulo tem os seus meios distintos de tratar dessa relação e se concentra em nossa união com Cristo. O uso que Paulo faz das expressões “em Cristo” e “com Cristo” para se referir à relação do crente com Jesus exige um exame atento. Trata-se de duas das mais claras expressões que corrigem o conceito equivocado de que a essência do cristianismo é seguir os preceitos de Jesus. Ora, é claro que há um sentido importante em que devemos seguir os ensinamentos dele e imitar a sua existência humana. Mas o que algumas pessoas querem dizer com isso é observar os ensinamentos morais de Jesus, como a “regra de ouro” (Mt 7.12), por exemplo. Isso leva à conhecida ideia popular de que podemos chegar ao céu pelas nossas boas obras. Paulo refuta e combate fortemente todas as tendências de considerar nossos atos a base de nossa aceitação por Deus. Seu ensino sobre a justificação pela fé indica a essência do significado do evangelho para nós. O que Deus fez por nós na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo é a única base de nossa aceitação por Deus (Rm 3.21—4.25; Gl 3.14-29). Pela fé na pessoa de Cristo e em sua obra por nós, recebemos a salvação e a aceitação como dom gratuito. A justificação pela graça somente por meio da fé suscita perguntas imediatas sobre o modo de vida futuro do pecador justificado. Para algumas pessoas, é agradável pensar na justificação pela graça como se esta não fizesse nenhuma exigência nem implicasse mudança alguma de estilo de vida. A resposta de Paulo a essa ideia errada é mostrar que a justificação e o perdão fazem parte do processo que nos leva de volta ao reino de Deus. Mediante a fé, entramos em uma união com Jesus Cristo cimentada pela presença do Espírito Santo em nossa vida. Essa união não deve ser vista como uma união mística de nosso ser ao ser de Jesus de modo que ele se amalgame conosco e viva a sua vida em nós. Sem dúvida, o Espírito vive em nós, mas ele faz isso para conservar a nossa união de fé com Cristo. Sobre essa união, cujo símbolo é o batismo, afirma-se que efetua algo completamente extraordinário. Significa que Deus agora considera aplicável a nós o que aconteceu em Cristo, por sua vida, morte e ressurreição. Os méritos e a perfeição de Cristo se aplicam a nós, de modo que aquilo que pertence a ele, o verdadeiro Filho de Deus, também pertence a nós, que somos alcançados “nele”. Cristo, desse modo, passa a ser nossa outra identidade, nosso alter ego. Temos e conhecemos esse outro eu somente pela fé; portanto, “… vivemos pela fé e não pelo que vemos” (2Co 5.7). Consequentemente, morremos com Cristo e fomos enterrados com ele (Rm 6.3-11; Gl 2.19,20; Cl 2.12,20), também fomos ressuscitados com ele (Rm 6.4,5,11; 1Co 15.22; Ef 2.5) e assentados à direita do Pai com ele (Ef 2.6). Em Cristo, agora somos uma nova criação (2Co 5.17). Nada disso é uma meta a ser alcançada, pois tudo isso já existe perfeitamente em Cristo, em nosso favor. O uso que Paulo faz de “em Cristo” e “com Cristo” é uma aplicação direta da ideia veterotestamentária do representante mediador da salvação. O cristão está “em Cristo” do mesmo modo que o israelita fiel estava “no” sacerdote ou rei que o representava. Um impulso fundamental da teologia paulina de nossa união com Cristo é destruir a noção falsa de que a justificação somente pela fé permite que o cristão viva uma vida impiedosa. É inconcebível que alguém unido com a mais sólida de todas as realidades, a nova criação em Cristo, continue vivendo como se ela fosse uma ficção. Uma vez que é o Espírito Santo que aplica a realidade de Cristo a nós, a vida em Cristo também é a vida no Espírito (Rm 8.1-25; Ef 5.18-20; cf. Cl 3.16,17). O crente está unido com Cristo pela fé de tal modo que Deus lhe atribui tudo o que pertence a Cristo, o ser humano perfeito. A GUERRA INEVITÁVEL Visto que é muito fácil ficarmos preocupados com questões de nossa vida pessoal, vamos tomar um pouco de distância para observar o quadro maior. Os profetas do Antigo Testamento prenunciam a vinda do dia da salvação, em que o reino glorioso será plenamente revelado e o povo de Deus finalmente será salvo e aperfeiçoado. Não há nenhuma indicação clara nos profetas de como esse reino virá nem de quanto tempo isso vai levar. Em todo caso, parece que a expectativa é que a obtenção da glória final ocorra em um instante. Mesmo havendo alguns indícios de um tempo muito longo, o reino virá clara e universalmente. Todavia, o Novo Testamento restringe isso mostrando que o reino vem primeiro na pessoa de Jesus e, em seguida, mediante o progresso do evangelho no mundo; só depois disso ele virá aberta e universalmente. No período entre a primeira e a segunda vindas de Cristo, os cristãos lutam contra a ordem antiga e antagônica do mundo (Rm 12.2; Tg 1.27), a carne (Gl 5.17) e o Diabo (1Pe 5.8,9). Só há guerra e luta quando dois reinos opostos competem. Estamos nesse combate enquanto não sairmos do mundo pela morte ou pela segunda vinda de Cristo. Assim, vivemos um período em que as duas eras se justapõem. Quando a regeneração, ou a nova era, chegou perfeitamente em Jesus Cristo, a antiga era, ou degeneração, continuou existindo. Ela ainda existe, mesmo enquanto a regeneração está sendo operada no povo de Deus do mundo inteiro. Somente na segunda vinda a antiga era será destruída com tudo o que lhe pertence. Nós pertencemos à nova era, porque, pela fé, somos plenamente aceitáveis para Deus e fomos unidos a Cristo, que personifica a nova era. Por isso, temos de reconhecer que, aos olhos de Deus, somos justos ou retos. Ao mesmo tempo, reconhecemos que não estamos plenamente salvos, pois ainda somos pecadores. Quando entendemos a justaposição das duas eras, também entendemos a natureza da luta em nós e ao redor de nós. Na primeira vez que Cristo veio, a regeneração invadiu o reino da degeneração. Mas essa regeneração estava na existência física de Cristo. Agora que ele está ausente na carne, a regeneração vem à medida que o seu Espírito aplica o evangelho a pessoas de todo o mundo. No âmbito pessoal, a regeneração em Cristo se aplica a nós pelo Espírito e progride em nós à medida que nosso pensamento e nossas ações se conformam cada vez mais ao que está em Cristo. Tendo em vista que esse processo envolve a nossa mente e responsabilidade humanas, o Novo Testamento apela constantemente para nos conformarmos a Cristo. Porque morremos com Cristo, a reação apropriada da regeneração é fazer morrer tudo quanto pertence à nossa natureza terrena pecaminosa (Cl 3.3-5). É bom observar que as exortações do Novo Testamento nos chamam para a conformidade com Cristo, não com a Lei de Moisés. É impressionante que os Dez Mandamentos não são apresentados como o padrão de conduta cristã. Esse é um tema polêmico, sobre o qual há muita diferença de opinião. Talvez haja um meio de reconhecer uma distinção entre o governo legítimo de Deus sobre seu reino e a Lei do Sinai. Esta última era uma expressão temporária apropriada para aquele período da revelação. Uma vez que Cristo já veio, não estamos mais sob essa expressão do governo do reino, pois Cristo é a sua revelação perfeita (Rm 6.14; Gl 3.21-25). À luz de Cristo, vemos que alguns aspectos da Lei do Sinai têm validade permanente, mas estamos livres do domínio total da Lei. A justaposição das eras significa que a existência cristã é caracterizada pela guerra entre as duas. A REGENERAÇÃO DO CRENTE Há um debate contínuo entre alguns cristãos sobre a relação da fé com o início da regeneração pessoal. A polêmica diz respeito a quando a regeneração ocorre: antes ou depois da fé. Na verdade, o Novo Testamento não aborda a questão da ordem. Portanto, a pergunta quando talvez deva ser evitada do mesmo modo que Jesus lidou com a pergunta “quando” dos discípulos sobre a vinda do reino (At 1.6-8). Não pode haver nenhuma dúvida de que só o Espírito de Deus pode superar qualquer supressão intencional da verdade e proporcionar fé. Portanto, não pode ser verdadeiro afirmar que quando cri livremente, e porque cri, Deus me deu o dom da regeneração. Contudo, ao preservar a soberania de Deus em nossa salvação, não podemos cair na armadilha de acreditar que o Espírito age separadamente da pregação do evangelho. Lembre-se de que a regeneração em Cristo é a base da regeneração em nós. Quando examinamos a variedade de passagens sobre a regeneração no Novo Testamento, percebemos duas perspectivas principais. Uma está interessada nos fatos históricos e objetivos de Jesus, e a outra, no elemento subjetivo de nossa fé. Quando Nicodemos perguntou duas vezes como seria possível alguém nascer de novo (Jo 3.4,9), a primeira resposta de Jesus indicou o movimento soberano do Espírito, e a segunda, a resposta de fé aos acontecimentos do evangelho (3.5-8,10-15). Pedro diz que nascemos de novo pela ressurreição de Jesus e depois diz que nascemos novamente por meio do evangelho que nos é pregado (1Pe 1.3,23). A necessidade do evangelho para o novo nascimento também é explicitada por Paulo (Gl 3.2) e Tiago (Tg 1.18). A célebre declaração de Paulo em 2Coríntios 5.17 talvez seja deliberadamente ambígua: “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação; as coisas velhas já passaram, e surgiram coisas novas”. Observe que Paulo não diz “se Jesus está em alguém”, como tantas vezes é interpretado. A ênfase está na nova criação que está em Cristo. Porém, Paulo não deixa o objetivo “em Cristo” sem a aplicação subjetiva. O motivo para apontar que o crente está ligado à nova criação em Cristo é que tenhamos consciência do que está sendo formado em nós agora. Os efeitos da regeneração se traduzem em vidas transformadas (Tt 3.1-7). Uma vez que essa regeneração subjetiva, nascer de novo, é o fruto do evangelho, proclamar a necessidade do novo nascimento não é em si a proclamação do evangelho. O evangelho não é “Você precisa nascer de novo!”. A importância da doutrina da regeneração pessoal no Novo Testamento não é o principal impulso da mensagem evangelística aos não crentes. Essa doutrina se destina em primeiro lugar aos crentes, a fim de que entendam o quanto a fé em Jesus é mesmo radical e transformadora. A regeneração começa em Cristo, que é a personificação da nova era. Quando as pessoas são unidas com Cristo, a regeneração começa a operar nelas. A REGENERAÇÃO PROGRIDE NO POVO DE DEUS RESUMO O que os crentes têm pela fé, a regeneração em Cristo, vem a ser o que começa a operar neles. A regeneração individual do crente é o fruto da regeneração em Cristo. As duas estão relacionadas à regeneração final de todas as coisas, que acontecerá quando Cristo voltar. TEMAS PRINCIPAIS Regeneração do crente e a sua relação com o evangelho Luta por causa da justaposição das duas eras ALGUMAS PALAVRAS- Justificação, santificação, glorificação CHAVE Consumação O CAMINHO ADIANTE A nova era foi formada em Cristo — A nova era está sendo formada no povo de Deus — A nova era será formada em toda a criação GUIA DE ESTUDO 1. Leia Efésios 1.1-14 e observe o uso da expressão “em Cristo”, ou “nele”. Quais declarações se referem à obra histórica de Deus por nós em Cristo e quais se referem à obra contínua de Deus em nós pelo Espírito? 2. Com o auxílio de uma concordância bíblica e de um dicionário bíblico, elabore uma afirmação sobre o significado dos termos justificação, santificação e glorificação. Como você explica a relação entre eles? 3. Leia Efésios 6.10-18. Como o evangelho figura na guerra cristã? Verifique as ideias emprestadas e mesmo citadas do conceito veterotestamentário de Deus como o guerreiro que luta pelo seu povo. 4. Os termos regeneração, novo nascimento e nova criação são intercambiáveis? Por que é insuficiente tratar de fé e regeneração da perspectiva de qual delas ocorre primeiro? LEITURA COMPLEMENTAR BUCHANAN, James. The doctrine of justification (Edinburgh: Banner of Truth, 1961). HORN, Robert. Go free (London: InterVarsity, 1976). IBD. Verbetes “justification” e “sanctification”. LADD, G. E. The pattern of New Testament truth (Grand Rapids: Eerdmans, 1968). RIDDERBOS, Herman. Paul: an outline of his theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1975). ______. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do apóstolo aos gentios. Tradução de Susana Klassen (São Paulo: Cultura Cristã, 2004). Tradução de: Paul: an outline of his theology. A nova criação consumada E ouvi uma forte voz, que vinha do trono e dizia: O tabernáculo de Deus está entre os homens, pois habitará com eles. Eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor, porque as primeiras coisas já passaram. O que estava assentado sobre o trono disse: Eu faço novas todas as coisas!… (Ap 21.3-5). ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA NO NOVO TESTAMENTO Deus é Senhor sobre a história e por isso, quando assim deseja, pode fazer que sejam registrados os acontecimentos do futuro. Todas as seções do Novo Testamento contêm referências a fatos que ainda não se concretizaram. Os mais importantes entre eles são a volta de Cristo e a consumação do reino de Deus. Não há nenhum indício quanto à real cronologia, mas é certo que Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos. A velha criação será destruída e a nova criação a substituirá. REGENERAÇÃO UNIVERSAL Muitos cristãos consideram o novo nascimento ou a regeneração quase exclusivamente o momento em que a vida espiritual começa no indivíduo que passa a crer em Cristo. Sem dúvida, trata-se de um conceito bíblico, e a imagem do nascimento reforça a ideia de início de nova vida. Tentei mostrar que esse início ou novo nascimento pelo Espírito de Deus faz parte de um renascimento mais amplo que, em última análise, inclui toda a criação.1 A doutrina neotestamentária da regeneração se apoia firmemente no fundamento do conceito veterotestamentário de criação e nova criação. No Antigo Testamento, a regeneração passou a ser percebida principalmente em relação ao representante capacitado pelo Espírito, como o juiz, o profeta, o rei-messias ou o Servo do Senhor (por exemplo, Isaías 42.1; 61.1-4; observe a relação entre o Messias cheio do Espírito em Isaías 11.1-5 e a regeneração da natureza nos versículos 6-9). Entretanto, também há uma expectativa de que o povo de Deus como um todo será renovado pelo Espírito na nova era (Ez 36.25-28, associado à regeneração da natureza nos versículos 33-35; veja também Ez 37.1-14). Depois, por fim, há a renovação de toda a ordem criada (Is 32.15-20; 35.110; 65.17-25). Já vimos que o Novo Testamento mostra o cumprimento dessas expectativas; primeiramente, como todas elas ocorrem em Cristo. Em seguida, o que ocorre em Cristo, que é o representante da nova criação, tem sua realização em nós e, por fim, em toda a criação. Desse modo, podemos falar da regeneração em três formas: uma regeneração objetiva em Cristo, uma regeneração subjetiva em nós e uma regeneração abrangente em todo o universo. As três são indissociavelmente ligadas, e a preocupação com uma em detrimento das outras pode causar distorções da verdade bíblica. Quando consideramos a consumação (que traz a perfeição final, ou completude), observamos que o Novo Testamento não apenas lhe atribui a ideia de regeneração, mas também a própria palavra regeneração é aplicada a ela. A palavra que é traduzida por regeneração (grego: palingenesia) é usada somente duas vezes: em Tito 3.5 e em Mateus 19.28. Nesta última passagem, Jesus se refere à nova era como a regeneração. Entre os termos empregados para designar a entrada na nova vida estão novo nascimento e nascimento do alto. A regeneração tem três aspectos: regeneração objetiva em Cristo; regeneração subjetiva em nós; regeneração abrangente no universo. A VOLTA DE CRISTO O Antigo Testamento retratava o dia do Senhor, ou o dia da salvação, como um acontecimento único, ainda que potencialmente longo. Não temos nenhuma evidência real nas promessas proféticas de mais de uma vinda do Senhor. Já tratei de como o Novo Testamento reestrutura as promessas do Antigo Testamento de modo que a era do Espírito e da missão cristã aparece como parte dos eventos do dia do Senhor. O próprio Jesus se referiu a um aspecto disso em seus diálogos com os discípulos em João 14—16 e Lucas 24—Atos 1. Ele tinha de sofrer, partir e vir de novo. É como se as promessas proféticas se somassem a uma visão panorâmica básica dos acontecimentos, tendo em vista sobretudo os resultados dos atos salvadores de Deus, mas não os detalhes. Presenciando os acontecimentos quando efetivamente ocorreram, os discípulos descobriram algumas surpresas, algumas das quais deviam ter previsto, e outras resultantes de revelação posterior. Assim (e isso é importante), o fim da antiga era ocorre quando Jesus vem pela primeira vez, porque ele é a personificação da nova era. Contudo, a antiga era continua existindo juntamente com a nova era, de modo que as duas se justapõem. A ideia de que o fim chegou e que o fim ainda não veio corresponde ao cristão ser salvo e ainda aguardar para ser salvo. Jesus entra em conflito com a antiga era porque ele a invade para destruí-la. Nesse conflito, ele é rejeitado, sofre e morre. O ministério sofredor de Cristo como o servo está no âmago do evangelho. O Cristo sofredor, que invadiu a antiga era quando esteve aqui em carne, continua invadindo a antiga era com a mensagem do seu papel de servo proclamada no evangelho. A igreja como o corpo de Cristo sofre porque ela é o instrumento da invasão de Cristo. Os efeitos da ressurreição de Cristo estão em grande parte ocultos. Seu ressurgimento dos mortos não transmite por si mesmo todo o significado desse acontecimento. Era necessário proclamar que esse fato realizou determinadas coisas que por enquanto são invisíveis. A pergunta dos discípulos em Atos 1.6 indica que eles esperavam que o reino fosse uma consequência visível da ressurreição. Em vez disso, o evangelho chama as pessoas para a fé no Salvador ressurreto e agora invisível. Na ressurreição, Jesus é proclamado o verdadeiro Filho de Deus, que, por causa da aliança inquebrantável de Deus, não pode permanecer separado dele pela morte (Rm 1.4). A ressurreição cumpre o compromisso da aliança de Deus com o seu povo em geral e com Davi em particular (Hb 13.20; At 2.29-35; 13.32-35). Assim, a ressurreição significa que Jesus é Senhor e Cristo (At 2.36). Contudo, todas essas questões devem ser aceitas pela fé. O fato de a era do evangelho ser um tempo em que o reino de Deus não é visível indica a necessidade da volta de Cristo. Mesmo para a primeira geração de cristãos, a demora da volta gloriosa de Cristo se tornou um problema (2Pe 3.3-13). Apesar de percebermos o tempo diferentemente de Deus, a justaposição das duas eras não pode continuar para sempre. A guerra, que foi vencida decisivamente na morte e ressurreição de Jesus, deve terminar. Por isso, os autores do Novo Testamento falam constantemente do dia em que Cristo aparecerá em glória, pois sem isso toda a revelação da redenção não teria sentido. A volta de Cristo encerra a justaposição das duas eras e torna a realidade do reino evidente universalmente. A NOVA CRIAÇÃO A ressurreição física de Jesus domina o entendimento neotestamentário do evangelho. Essa ênfase não desvaloriza de modo nenhum a morte de Jesus como a oferta perfeita, que cobre os nossos pecados. A ressurreição é central porque pressupõe a morte do Senhor e porque sobressai como o novo começo da raça humana. Talvez seja por isso que o nascimento de Jesus como nova criação não é um tema desenvolvido no Novo Testamento. A nova humanidade surge na ressurreição de Jesus; e, em nossa própria ressurreição física, a nossa participação no reino deixará de ser vivida somente pela fé e será um fato que experimentaremos por completo. Portanto, somos nascidos de novo pela ressurreição de Cristo (1Pe 1.3). Mediante a ressurreição dele, passamos a andar em novidade de vida (Rm 6.4-11). A consumação é percebida como o fato que ocorrerá quando Cristo se revelar em glória. A vida no Espírito, que é a vida da fé, continua durante um período. É uma vida de sofrimento (Rm 8.18). Ao mesmo tempo, a criação inteira, que foi sujeita à inutilidade, aguarda ansiosamente a redenção final de nosso corpo (Rm 8.11,19-23). A ressurreição dos filhos de Deus será o sinal da redenção final e da renovação de toda a criação. Essa associação do corpo físico com a criação física na regeneração é um motivo por que não se pode considerar que a regeneração seja tão somente Deus dando vida nova ao nosso espírito. O Novo Testamento constantemente repudia as ideias gnósticas2 gregas de salvação somente da alma imortal. Os textos que tratam da alma entre a morte e a ressurreição são muito raros. Mas os textos que tratam da ressurreição da pessoa inteira são abundantes em todo o Novo Testamento. A esta altura, deve ser óbvio que as referências veterotestamentárias de que o reino é na terra e é povoado por pessoas com corpo não podem ser explicadas simplesmente pelo aspecto espiritual. Uma vez que reconhecemos que Jesus ressuscitou fisicamente, ainda que o seu corpo ressurreto não seja exatamente como era antes, o componente físico do reino é claro. Os textos que defendem a ideia de que as almas vão para o céu (p. ex., 2Co 5.1-10) entendem esse fato como uma situação apenas temporária. A descrição de Pedro do novo céu e da nova terra é extraída diretamente de Isaías 65.17 (2Pe 3.13), que se baseia em Gênesis 1.1. Do mesmo modo, a magnífica descrição do reino em Apocalipse 21 e 22 se baseia em diversas passagens do Antigo Testamento. Contudo, não há nenhuma indicação de que se trate de mero simbolismo que deva ser interpretado de modo espiritualizado.3 Para João, a consumação é o cumprimento patente da esperança do Antigo Testamento. Há um novo céu e uma nova terra, e uma nova Jerusalém que desce do céu (Ap 21.1,2). Alguns talvez imaginem a Jerusalém celestial como um lugar nos céus. Contudo, João a descreve vindo do céu e descendo à terra. O que o tabernáculo e o templo indicavam, a habitação de Deus com o seu povo, torna-se realidade (21.3). A regeneração agora está completa (21.5) e não há mais necessidade alguma de “postos avançados ou agências do governo”, como o templo, que é o símbolo da presença de Deus, pois ele está de fato presente e também é a fonte de toda a luz (Ap 21.22,23). As antigas imagens do Éden se unem com as da cidade e do trono santos (Ap 22.1,2; cf. Ez 47.1-12). Sem dúvida, salta na mente todo tipo de pergunta a respeito de como será a nova terra. A maioria dessas perguntas deve ficar sem resposta nesta vida, uma vez que as Escrituras nos dão pouca informação. Uma coisa é certa: a concepção bíblica da regeneração total de todas as coisas supera a visão pagã popular de uma eternidade em que se viverá como almas desencarnadas com apenas umas nuvenzinhas de apoio! A ressurreição física de Jesus aponta para a nossa própria ressurreição física e para a restauração de toda a criação física. NESSE ÍNTERIM, A VIDA CONTINUA As últimas palavras do livro de Apocalipse nos trazem de volta à nossa presente existência e nos lembram da luta contínua enquanto aguardamos a vinda de Jesus. De diversos modos, o Novo Testamento fala das coisas que estruturam a vida cristã neste mundo. A primeira, claro, é o evento do evangelho. A segunda, resultante do evento do evangelho, é a consumação. Uma passagem importante que resume a relação de nosso presente com esses eventos passados e os futuros é Colossenses 3.1-5. Uma análise dessa passagem mostra que tanto os fatos passados do evangelho quanto a sua consumação futura dão forma às ordens que são dadas sobre a conduta cristã no presente. Observe que palavras e termos tantas vezes ignorados, como portanto, já que e pois, na verdade apontam para essas relações. O EVENTO DO EVANGELHO VIDA CRISTÃ Colossenses 3.1-5 Já que fostes ressuscitados com Cristo, buscai as coisas de cima, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas de cima e não nas que são da terra; pois morrestes, e a vossa vida está escondida com CONSUMAÇÃO Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, também vos manifestareis com ele em glória. Portanto, eliminai vossas inclinações carnais… Mais dois comentários são adequados aqui. Em primeiro lugar, a consumação só pode ocorrer por causa do evangelho. É a oportunidade para uma visão universal das consequências e do significado do evangelho de um modo que obriga o reconhecimento. Depois será muito tarde para receber a oferta da salvação, visto que dessa vez Cristo virá para julgar. Contudo, para o cristão, a motivação para a conduta santa gerada pela esperança da segunda vinda de Cristo não é o medo do juízo, mas o desejo de ser como o Mestre. Em segundo lugar, a volta de Cristo também nos motiva, do mesmo modo que o evangelho, por causa de sua relação com o evento do evangelho e de sua dependência dele. O que já somos em Cristo, seremos em nós mesmos, e, neste meio-tempo, avançamos para o alvo pelo Espírito Santo, que atua em nós. Dada a íntima relação entre o evento do evangelho do passado e a nossa luta contínua no presente, é muito perigoso separar as duas coisas. O Novo Testamento tem muitas passagens de mandamento e exortação a vivermos uma vida santa. Se as removermos do contexto maior da condição já perfeita diante de Deus que temos pela fé em Cristo, reduziremos a vida cristã a uma forma de legalismo bastante estranha ao Novo Testamento. A correção para isso é termos em mente o firme fundamento de que a totalidade da existência cristã é a aplicação do evangelho a todas as partes de nossa vida. Começamos com Cristo, como a nova criação para nós, e avançamos para o alvo, que é sermos feitos à semelhança dele na nova criação universal. Assim como na teologia bíblica, na conduta cristã Cristo é o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o início e o fim. A existência cristã é moldada e motivada pelo evangelho e pela consumação do evangelho. A PERFEIÇÃO FINAL DA NOVA CRIAÇÃO RESUMO O que os crentes têm pela fé, a nossa regeneração em Cristo, vem a ser o que começa a formar-se em nós. Na volta de Cristo, a regeneração dos crentes é concluída, e toda a criação é renovada. O reino de Deus, revelado primeiramente no Éden, é consumado pela eternidade. TEMAS PRINCIPAIS Regeneração de toda a criação e a sua relação com o evangelho Segunda vinda de Cristo e a consumação do reino GUIA DE ESTUDO 1. Entre os cristãos há opiniões bastante diferentes sobre se a formação do estado de Israel em 1948 é um cumprimento de profecias referentes à volta dos judeus para a terra deles. À luz de nosso estudo, reflita sobre a sua posição a respeito desse assunto. 2. Leia 1João 3.1-3 e analise a passagem levando em conta os elementos passados, presentes e futuros da salvação. Observe que o versículo 1 pode ser considerado tanto em relação à base passada de nossa filiação quanto em relação à atual experiência dela. 3. Com base no que a Bíblia ensina, faça uma lista dos fatos que você acredita que vão ocorrer na volta de Cristo e confira-os para ter certeza de que a Bíblia de fato os ensina. Agora reflita se na segunda vinda de Cristo vai acontecer algo de âmbito universal que já não tenha acontecido a ele ou acontecido nele na primeira vinda. 4. Por que a ressurreição física de Jesus é tão essencial para o evangelho? LEITURA COMPLEMENTAR GOLDSWORTHY, Graeme. Paternoster, 1984). The gospel in Revelation (Exeter: ______. “O evangelho no Apocalipse”. In: GOLDSWORTHY, Graeme. Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and Kingdom; The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom. IBD. Verbete “Eschatology”. MORRIS, Leon. Revelation. TNTC (London: Tyndale, 1969). TRAVIS, Stephen. The Jesus hope (Leicester: InterVarsity, 1980). 1 A regeneração universal se refere à renovação de toda a criação. Isso não implica a doutrina não bíblica conhecida como universalismo, segundo a qual todo ser humano que já existiu acabará sendo redimido. Nessa doutrina não há lugar para o juízo final ou para o inferno. 2 Gnosticismo é um termo bem amplo. Em essência, ele se refere à ideia grega que considerava toda matéria inerentemente má, ao passo que o bem estaria no espírito ou na alma do homem. Os gnósticos, portanto, ensinavam que a salvação não abrangia o corpo físico. A maior aspiração deles era a libertação do cativeiro do corpo a fim de que a alma pudesse ser livre. O pensamento gnóstico influenciou alguns cristãos com a negação de que Jesus viera na carne. É praticamente certo que 1João 4.1-3 é uma mensagem contra os gnósticos. 3 A esta altura, deve estar evidente que “espiritual” no Novo Testamento não se opõe a “físico” ou “corporal” (veja 1Co 15.42-44). Paulo opõe “espírito” e “carne”, mas fica claro que ele não está negando a regeneração da criação física, mas, sim, opondo a antiga era da carne à nova era do Espírito. QUARTA PARTE TEOLOGIA BÍBLICA — ONDE? Por fim, e muito brevemente, perguntamos onde o conteúdo e o método da teologia bíblica podem ser aplicados. Quando compreendemos um pouco da visão abrangente da teologia bíblica, nosso entendimento da Bíblia em geral mudará para sempre. Entretanto, também há questões específicas que podem ser esclarecidas de um modo que nunca imaginamos que fosse possível. A seguir, damos alguns exemplos. Conhecendo a vontade de Deus UMA TEOLOGIA BÍBLICA DA ORIENTAÇÃO DIVINA EM FORMA DE ESBOÇO O problema Obter orientação divina, ou conhecer a vontade de Deus para a nossa vida, é um interesse de todo cristão. A Bíblia fala muito sobre a vontade de Deus e sobre o seu governo em nossa vida. Que tipo de orientação podemos esperar e como podemos adquiri-la? Sabemos que algumas questões de conduta nos põem diante da escolha entre fazer o bem e fazer o mal. Entretanto, nem todas as escolhas são assim tão claramente morais. Deus nos orienta em ações como o que jantaremos hoje, onde passaremos as férias ou que caminho tomaremos ao levar o cachorro para passear? Ou será que ele nos guia somente em grandes questões como, por exemplo, que profissão escolher, se devemos nos casar e com quem? Algumas armadilhas É surpreendente como é fácil os cristãos criarem uma ideia ou terem uma postura em relação a algum aspecto da vida cristã sem mesmo verificá-lo nas Escrituras. As tradições podem surgir e se consolidar e, apesar disso, não terem absolutamente nenhuma base na Bíblia. Quando essas tradições são envoltas em linguagem piedosa ou “espiritual”, é ainda mais difícil confrontá-las. É isso que acontece com o tema da orientação divina. Algumas tradições evangélicas relativas à orientação de Deus são aceitas por muitos cristãos sem questionamento. Outra armadilha é o uso de textos-prova para defender a base bíblica de uma ideia. Esses textos muitas vezes são passagens tiradas de seu contexto bíblico-teológico e aplicadas de um modo não fiel às Escrituras. Sugestão de abordagem Esse tema não tem relação com nenhuma palavra específica das Escrituras. Consultar orientação em uma concordância bíblica não será muito útil. É preciso uma dose de criatividade para identificar com precisão palavras relevantes, que em seguida podem ser consultadas em uma concordância. Todavia, precisamos ser mais abrangentes do que isso e ficar atentos em relação às ideias das Escrituras referentes ao tema da orientação divina. A seguir, são apresentados alguns passos que o método da teologia bíblica sugere. 1. Faça um contato geral com o tema no âmbito do evangelho. Que tipo de orientação Jesus buscou em sua vida e obra? Que orientação ele prometeu a seus discípulos? 2. Escolha palavras e temas fundamentais para investigar nos vários níveis da revelação da redenção. Por exemplo: guiar, conduzir, caminho, chamado, mostrar o caminho, vontade de Deus, propósito de Deus e objetivo (ou alvo) supremo. Isso requer bastante trabalho árduo de verificação de textos em seus contextos. Temos de tomar o a. cuidado de perguntar: O que o texto de fato diz? b. Qual é o seu significado no seu contexto teológico e histórico? 3. Agora investigue cada uma das camadas da teologia bíblica para essas coisas. Como Deus conduz seu povo em cada estágio da revelação da redenção segundo o objetivo supremo que tem para ele? Entre a. os resultados da nossa consulta podemos ter: Adão e Eva (Gn 2.16,17): eles podem comer qualquer coisa, exceto um único fruto proibido. b. Os patriarcas (Gn 12.1; 24.27-38; 45.5-7): a orientação está relacionada à aliança e sua operação para a salvação do povo escolhido de Deus. c. O Êxodo (Êx 13.17,21;15.13; Dt 1.33; 8.2,15; 29.5; 32.12; Ne 9.12,19; Sl 77.20; 78.53; 106.9; Is 43.21; 63.12,13): a orientação corresponde ao caminho da salvação. A Lei contém aspectos específicos da vontade de Deus. d. Canaã-monarquia: a orientação é dada relativamente à entrada na Terra Prometida, sua posse e ocupação. A orientação também se refere a questões de liderança do povo de Deus. Isso faz parte da revelação do reino de Deus. Não há nenhuma evidência de Deus guiando pessoas comuns nas decisões específicas da vida privada delas. e. Profecia: a orientação está na Lei, a ser observada por todos. A orientação futura significará Deus conduzindo o seu povo finalmente ao seu reino (salvação) (p. ex., Is 42.16; 48.17; 49.10; 58.11). f. Piedade individual: nos Salmos, conhecer a vontade de Deus é uma questão da Lei e do caminho da salvação. Na literatura de Sabedoria, é o temor do Senhor (confiança nas promessas da aliança e nos atos salvadores de Deus). Além disso, temos de aprender a agir com responsabilidade, tomando decisões compatíveis com o temor do Senhor. Deus nos dá as diretrizes necessárias, mas ele não toma as decisões por nós. g. Os Evangelhos: o objetivo do Antigo Testamento está em Jesus Cristo como o homem perfeitamente orientado para nós. Não obstante, ele jamais é uma marionete do Espírito Santo. O evangelho é o objetivo da orientação; portanto, quando chegamos a Cristo, chegamos ao objetivo de Deus para nós. h. Atos: é preciso tomar cuidado aqui para não fazer dos acontecimentos necessários para essa época de transição uma norma para nós hoje. O evangelho é a orientação essencial para os apóstolos. i. Epístolas: aqui há uma série de aspectos: i. Providência divina em retrospecto; olhamos para nossas decisões passadas e vemos como Deus nos guiou (p. ex., Fp 2.12,13). ii. Cristo realizou a perfeita vontade de Deus para nós. iii. A vontade de Deus para nós é a nossa santificação, isto é, viver em conformidade com o evangelho (p. ex., 1Ts 4.3). Conclusões Esse esboço de investigação sugere uma série de conclusões que devem ser verificadas com muita atenção: 1. O objetivo de Deus para nós é fazer-nos semelhantes a Cristo e restaurar-nos à sua presença em glória. 2. Cristo já alcançou esse objetivo para nós e, pela fé, somos unidos a ele, e nele alcançamos o objetivo. 3. Entre a conversão (justificação) e a glorificação a nossa vida tem de ser governada pelo evangelho (santificação). 4. Quando nos vemos diante de decisões, a escolha entre alternativas perversas, ou ímpias, é excluída pelo evangelho. 5. Quando há várias alternativas boas possíveis, é necessário tomar uma decisão responsável. Uma vez que determinadas decisões vão afetar a vida da congregação, é necessário levar em consideração como outros cristãos devem participar do processo de tomada de decisão. 6. Não há nenhuma base real para a ideia de que existe somente uma escolha possível entre as muitas alternativas pelas quais podemos fazer a vontade de Deus. 7. Não há nenhuma base para a ideia de que o Espírito Santo assume a nossa responsabilidade por tomar decisões sábias e piedosas, nem de que um tipo de paz interior é o critério para saber se a decisão correta nos foi revelada. Perguntas para reflexão 1. Muitas ideias sobre ser chamado por Deus para um ministério específico ou para ser um missionário em determinado lugar têm pouca base bíblica. Reflita sobre uma teologia bíblica do “chamado”. Preste atenção especial aos tipos de ministério para os quais as pessoas da Bíblia eram chamadas. O que o Novo Testamento diz sobre como as pessoas são designadas para os vários ministérios na igreja? 2. Analise a seguinte avaliação das evidências: a Bíblia não dá nenhuma base para a crença de que Deus nos guia nas decisões cotidianas, a não ser revelando o evangelho, o seu fruto em nossa vida e o seu objetivo final. Vida após a morte UMA TEOLOGIA BÍBLICA DA RESSURREIÇÃO EM FORMA DE ESBOÇO O problema Ao que parece, o medo universal da morte gera fascinação por esse tema. Sendo esse o caso, muitas vezes é motivo de decepção, sobretudo entre os envolvidos no ministério cristão, descobrir que tantos crentes estão confusos acerca de como o evangelho trata do problema da morte e do que vem depois dela. Muitos estudantes da Bíblia também acham a teologia da vida após a morte vaga e desconcertante, uma vez que o Antigo Testamento parece dizer pouco a respeito desse tema. Por que o Novo Testamento dá tanta ênfase a uma doutrina única da ressurreição do corpo em oposição à ideia popular da imortalidade da alma? Alguns interesses práticos Entender a morte, bem como a vida futura, é importante por uma série de razões. Por exemplo, poderíamos sugerir as seguintes questões: 1. Podemos ter certeza da vida eterna? 2. O que acontece quando morremos? 3. O que devemos dizer sobre o espiritismo, que alega entrar em contato com os mortos? 4. O cristão pode optar por cremar seu corpo após sua morte? 5. Como ministrar aos parentes de um falecido não crente? 6. Por que o Antigo Testamento é tão vago acerca da vida após a morte? 7. Qual é o papel do luto para cristãos que perderam alguém querido? 8. Há espaço para a doutrina da reencarnação? Sugestão de abordagem Mais uma vez é preciso um pouco de imaginação para decidir onde procurar as informações bíblicas relevantes. Estudos de palavras e investigação de certas ideias fazem parte do processo requerido pela teologia bíblica. Nessa sugestão de abordagem, vamos nos concentrar na ideia de vida após a morte, embora não possamos evitar alguma análise do tema da própria morte. 1. Nosso ponto de partida é o próprio centro do evangelho: a ressurreição de Jesus. A ressurreição física indica que a humanidade de Jesus é resgatada da morte e que esse fato não é consequência tão somente de Jesus ser Deus. Embora os Evangelhos digam pouco sobre a ressurreição geral dos crentes, ela era uma doutrina claramente conhecida naquela época e considerada coerente com o Antigo Testamento (p.ex., Jo 11.23,24). 2. Algumas palavras a ser investigadas são relativamente óbvias. Por exemplo: morrer, dormir, morte, sepultura, sheol, no Antigo Testamento; e ressurreição, vida eterna, céu, inferno, no Novo Testamento. Contudo, também há alguns temas com base mais ampla ligados à ressurreição no Novo Testamento, os quais podem nos dar algumas pistas importantes. Por exemplo, a ressurreição de Jesus cumpre as promessas do Antigo Testamento a Israel (At 13.32,33) e, portanto, é um tema da aliança (At 2.30,31; Hb 13.20). 3. Agora investigue as várias camadas da teologia bíblica. Examine-as uma por vez em relação a como a vida ocorre após a morte e, no Antigo Testamento, preste atenção no que talvez preencha a lacuna quando dificilmente a vida após a morte está em evidência. a. Adão e Eva: a morte se deve ao pecado; assim, parece que a vida eterna era a intenção original. b. Os patriarcas: as bênçãos de Deus são prometidas em relação a esta vida. A morte é tratada com muita neutralidade, sobretudo quando alguém morre em idade avançada. O sheol é o lugar dos que morreram, mas não a bem-aventurança final. c. O Êxodo: as promessas dizem respeito a uma vida longa na terra dada por Deus. Não há promessa de vida após a morte. d. Canaã-monarquia: o mesmo que no item c. e. Profecia: as bênçãos de Deus são vistas em alguma época futura. A nação será restaurada (Ez 37) a uma terra restaurada. Entretanto, uma vez que o reino de Deus é retratado como uma era não em completa contiguidade com o presente, surge a pergunta de como as gerações passadas podem participar dele. As primeiras indicações da ressurreição ocorrem em relação à aliança (Is 26.19; 52.13; Dn 12.2; e possivelmente Jó 19.26). Nem toda profecia tem essa perspectiva da ressurreição para a vida eterna (Is 65.20). f. Os Evangelhos: o ministério de cura e de ressurreição dos mortos de Jesus não indica por si mesmo a ressurreição geral. Contudo, quando associado com o ensino dele sobre o reino e a sua própria ressurreição, é difícil evitar essa conclusão. g. Atos: a pregação apostólica se concentra na ressurreição de Jesus como o cumprimento da aliança e das promessas do reino. h. Epístolas: a ressurreição de Jesus também é central nas Epístolas. A interpretação teológica desse fato, especialmente por Paulo, mostra a ligação indissociável entre a ressurreição de Jesus e a do crente, que está em Cristo. Por causa de sua ressurreição, Jesus é apresentado como o cabeça de uma nova raça do povo de Deus. Não há espaço nenhum para a ideia de reencarnação. Conclusões As conclusões de nosso estudo sugeridas a seguir devem ser verificadas: 1. O relato da Criação mostra o compromisso original e permanente de Deus com toda a criação, que inclui o universo físico. 2. A morte entra por causa do pecado, mas Deus não abandonará o seu compromisso original. 3. Esse compromisso é expresso na aliança da redenção. 4. Enquanto as promessas da aliança são feitas em relação à presente era, não há nenhuma indicação de vida além dela. Contudo, o sheol mostra que a morte não nos aniquila. 5. Assim que as promessas da aliança são estruturadas em relação a uma era futura, a vida após a morte passa a ser uma questão importante. Contudo, a era futura jamais é mencionada de outro modo que não seja a existência em carne e osso no mundo físico. A ressurreição é o único meio possível para as pessoas que morrem nesta era participarem da era futura. 6. A ressurreição de Jesus é exigida pela fidelidade de Deus às suas promessas da aliança. O Novo Testamento mantém a visão veterotestamentária da nova terra. 7. Os cristãos que morrem nesta era estão com o Senhor, mas a ênfase do Novo Testamento está na ressurreição para a vida. Isso ocorrerá na segunda vinda de Cristo juntamente com a renovação do universo físico. Perguntas para reflexão 1. Há muita mitologia sobre a alma humana. Parte do problema é que a palavra alma é usada com diversos significados tanto no Antigo como no Novo Testamentos. Com o auxílio de uma concordância bíblica, investigue o uso da palavra na Bíblia. Que dados bíblicos você pode trazer para a pergunta sobre os mortos desfrutarem conscientemente ou não da presença de Cristo enquanto aguardam a ressurreição? 2. Como você pode ministrar biblicamente para uma criança que perdeu o animalzinho de estimação e pergunta: “Meu cachorro foi para o céu?”. 3. Existe alguma base bíblica que explique por que o cristão deve preferir o enterro à cremação? Índice de passagens bíblicas Gênesis 1 58, 95, 96, 97 1 e 2 93, 94, 96, 99, 104 1—11 123 1.1 98, 245 1.10 96 1.11-13 97 1.12 96 1.14-19 97 1.18 96 1.21 96 1.24,25 97 1.25 96 1.26 98, 99 1.26-28 100, 218 1.26-30 97 1.27 98, 99 1.28 101 1.28-30 43 1.31 96, 115, 183 2 96 2.15-17 97 2.16 101 2.16,17 254 2.17 44, 101, 107, 184 3 88, 105, 106, 114, 195 3.4 107 3.5 107 3.7 108 3.10 108 3.12,13 108 3.14-24 109 3.15 109 3.15-24 44 3.16 109 3.17-19 184 3.17-24 109 3.22 107 4 116 4—11 115, 120, 122 4.1 110 4.11,12 111 4.15 111 4.17-24 111 4.25 110, 116 4.26 116 5 116 6 111 6—9 117 6.1-4 112 6.5-7 112 6.8 117 6.18 117 8.21 118 9.1-3 118 9.6 98 9.8-17 118 9.18-28 119 9.19 118 9.20-27 118 10 119 11.1-9 119 11.4 121 11.10-32 119 12—50 125 12.1 254 12.1-3 126, 134 12.2 126 12.3 146, 166 12.7 129 12.11-20 127 13.14-18 127 15.2,3 128 15.4-6 127 15.13-21 127 15.6 128 15.13-16 136 17 87 17.1-8 87 17.1-14 126 17.1-21 127 17.7,8 174 18.16-19 127 20.1-18 127 21.5 128 24.1-7 129 24.27-38 254 25.21 129 26.1-6 129 26.7-16 129 26.12 174 27 130 28.3 130 28.13-15 130 28.17 130 32.9-12 130 32.22-32 130 35.9-15 131 37—50 131 45.5-7 254 48.3-6 132 48.5 132 48.8-14 132 49.8-10 172 49.10 132 50.20 132 Êxodo 1 136 1—14 142 1—15 135, 144 2 27 2.21 166 2.23-25 137, 142 3.1—4.17 138 3.6 138 3.7-9 138 3.13 138 3.13-15 142 3.14 138 3.14-16 138 3.16,17 161 3.19,20 142 4.1 138 4.1-9 138 4.21 139 4.22 87 4.22,23 138, 140, 144 4.23 60, 217 4.27-31 138 5.21 138 6 138 6.1-6 142 6.1-8 138 6.2-5 142 6.6,7 139 6.6-8 142 7.3 139 7.3-5 142 7.5 139 8.15 139 9.12 139 9.34 139 9.34—10.1 139 10.1 139 10.1,2 142 10.20 22 11.4,5 140 12.1-13 140 12.14-20 140 13.17 254 13.17,18 141 13.21 254 14.1-4 141 14.4 141 14.8 141 14.13,14 141, 142 14.14 141 14.31 142 15.1-3 141 15.1-18 142 15.13 142, 254 15.17,18 161 16 145 16—40 145 17 145 19.4-6 146, 147, 154 19.8 146 20.2 147 20.8 21 23.19 22 25—30 149, 154 32 157 35—40 149 Levítico 1—6 150 11 151 11.44,45 151 16 150 17.10 191 19.2 151 19.18 148 19.34-36 151 19.34-37 151 20.1-6 191 22.31-33 151 23.43 151 24.13-17 191 25.38 151 25.42 151 25.55 151 26 151, 154 26.1-13 152 26.12 152 26.12,13 151 26.14-39 152 26.40-45 152 26.45 151 Números 6.24-26 156 6.27 156 10.35,36 156 12.1 166 12.1,2 157 12.3-15 157 13.30 157 14.6-9 157 14.11 157 14.13-20 157 14.21-35 157 20.10-13 168 21.4-9 158 Deuteronômio 1—3 158 1.33 254 2.4,5 131 2.9 131 2.19 131 4—26 159 4.10 183 4.20 159 4.34 139 4.37-40 159 5.15 159 6.2 183 6.4,5 159 6.5 148, 152 6.6-9 159 6.13 217 6.16 217 6.20-25 160, 165 7.6-11 159 7.7,8 199 8 88 8.1-20 191 8.2 254 8.3 100, 217 8.7-9 113 8.7-10 159, 161 8.11-20 190 8.15 254 9 168 9.1-24 159 10.12 183 10.12-16 159 10.20,21 183 10.20-22 159 11.26-28 218 17 173 17.14-20 164, 172 28 159 28.1-48 190 28.10 138 28.15-68 191 29.5 254 30.15-20 190 32.12 254 33 e 34 160 33.22 22 Josué 1.1-9 164 1.9 164 2.8-14 166 3.1-17 165 3.10 165 4.21-24 165 5.13—6.7 165 6 204 6.17 166 6.17-21 165 6.25 166 7.1-5 165 7.6-26 165 10.13 20 10.40 20 21.43-45 165 23.1-13 164 23.4,5 164 23.14 165 24.14 137 Juízes 1.27-36 167 2.2,3 167 2.11-13 167 2.11-23 167 2.14-23 167 3.10 167 4 204 6.34 167 6.36-40 168 8.22,23 172 9 172 11.29 167 13.25 167 14.19 167 15.14 167 15.19 167 21.25 172 Rute 4.1-11 142 1Samuel 8.4-8 172 8.10-18 172 11.12-15 173 12.14,15 173 13.8-14 173 13.14 173 15.1-23 173 16.13 173, 201 16.13,14 173 17 25, 173 17.45-47 173 24 205 24.1-7 174 26.6-12 174 31 174 2Samuel 5 174 6 174 7 87, 174 7.1-3 174 7.1-14 178 7.4-12 174 7.12-14 87, 178 7.14 174, 201 7.16 174 1Reis 1—10 171, 181 3—10 176 3.1,2 176 3.6-9 176 3.16-28 176 4.20-28 176 4.29-34 176 5—7 176 8 176, 188 8.6-10 177 8.15-53 177 8.38-43 183 8.41-43 177 10 205 11—22 189 12.25-33 192 14.21-24 192 16.29-34 192 16.29—17.6 192 18 191 18.1-40 192 2Reis 17 192 18—25 195 18.1-8 192 22.1-20 192 23.26,27 192 2Crônicas 1—9 171, 181 Esdras 2—5 208 Neemias 9.10 139 9.12 254 9.19 254 Jó 11.7 185 19.26 259 Salmos 1 188 2.6,7 217 8 100 8.5 99 22.1-18 188 77.20 254 78.53 254 89 174, 178 89.1,2 174 89.3,4 175 89.5-18 175 89.14 175 89.24 175 89.30 175 89.32-34 175 93 188 98.7-9 202 104.24-30 100 106.9 254 122 188 132 174, 178 136 142, 188 137 188 137.8,9 22 148.1-14 202 150 188 Provérbios 1.7 182, 183 9.10 183 10—29 188 26.4,5 188 30.15 20 Cântico dos Cânticos 7.4 22 Isaías 1.11-20 192 2 225 2.2-4 201, 202 9.2-7 199, 201 9.6 218 9.6-7 178 10.20-23 200 11 205 11.1-5 188, 199, 201, 242 11.2 218 11.6-9 202, 242 11.11,12 200 14.1-4 200 14.4 105 14.12-15 105 16.5 201 24.1-3 199 26.19 259 32.1-20 202 32.15-20 242 35 205 35.1-10 202, 242 40.1,2 200 40.1-5 201 40.12-26 199 42.1 217, 242 42.1-4 201 42.6 87, 199 42.9 199 42.16 255 43.1 199 43.1-7 201 43.7 138 43.15 199 43.15-21 201 43.18,19 199 43.21 254 44.21-24 199 44.23 202 45.7-13 199 45.13 199 45.18 199 46.3,4 200 48.6,7 199 48.13 199 48.17 255 48.20,21 201 49.1-6 201 49.3 201 49.5,6 201 49.10 255 49.13 202 49.24-26 201 50.4-9 201 51.3 202 51.5,6 199 51.6 202 51.9-11 201 51.11 200, 202 51.13-16 202 52.10 87 52.13 259 52.13—53.12 201 54.5 199 54.7-10 199 55.1-4 178 55.3-5 201 55.8,9 185 56.1 199 58.11 255 59.15-17 199 61 88, 205 61.1-4 242 61.4-7 200 63.1 199 63.9 199 63.12,13 254 65 205 65.1-12 195 65.17 14, 103, 202, 245 65.17-25 202, 242 65.20 259 66.22 202 Jeremias 4.23-28 199 7.1-7 192 7.23 174 9.24 199 11.4 174 23.1-6 201 23.1-8 200 23.5,6 178, 199 23.7,8 201 29.10-14 200 30.10,11 200 30.22 174 31.7-9 200 31.31-34 153, 203 32.20,21 139 33.14-26 199 33.23-26 178 Ezequiel 23 192 23.19-21 137 34 205 34.1-16 200 34.11-16 202 34.17-21 215 34.20-24 178, 201 34.20-31 178 34.25-31 202 36 205 36.8-12 170 36.22-24 200 36.25-28 242 36.28 203 36.33-35 242 36.35-38 202 37 205, 259 37.1-14 242 37.15-22 200 37.24-28 201 47.1-12 113, 202, 245 Daniel 7 218 7 e 8 209 12.2 259 Oseias 2.14-20 199 2.16-23 199 3.1 199 11.1 60, 144 11.1-9 199 11.8-11 199 14.4 199 Joel 2 205 2.28,29 228 2.32 116 Amós 7.4 199 9.11 201 Miqueias 2.12 200 4.1-4 201 Sofonias 1.2,3 199 3 205 3.9 201 Ageu 1 e 2 208 2.6-9 209 Zacarias 1—6 212 1.7—6.15 209 4.6,7 212 8 225 8.20-23 201, 209 14.1-21 209 Malaquias 4.1-6 209 4.5,6 87, 212 Mateus 1.1 86 1.13 208 1.17 60 1.17-20 218 1.20-23 218 2.14,15 135 3.17—4.4 60 4.1-11 54, 217 4.3,4 155 5.17 145, 153 7.12 233 7.15-23 113 7.24-28 188 7.24-29 218 11.12-14 212 16.15-17 66 19.4,5 56 19.28 242 20.29-31 218 21.9 216 22.34-40 148 24.37 115 26.63-68 215 28.17-20 226 Marcos 1.1,2 86 1.12,13 217 1.14 226 1.14,15 217 1.15 75 2.5-12 215 8.31-33 225 9.9-13 225 10.33-45 225 10.45 217 12.24 54 Lucas 1.17 87 1.27-32 87 1.30-33 218 1.31,32 171 1.32,33 59 1.46-55 60 1.54,55 87 1.70-75 87 2.29-32 87 2.46-52 218 3.16 227 3.18 226 3.22-28 87 3.22-38 144 3.23-38 217 3.27 208 4.1-12 88,113 4.1-13 56, 217 4.3 144 4.3,4 105 4.16-21 88, 217 4.16-24 216 9.30,31 207 11.31 218 21.27,28 218 22.19,20 217 23.43 163 24 225, 243 24.17-21 225 24.25,26 88 24.25-27 56, 215, 225 24.26 201 24.27 53, 88, 204 24.31-35 225 24.44 53, 181, 204 24.44,45 57, 88 24.45 53 João 1.1 63, 86 1.1-3 52, 62, 93, 94, 216, 217 1.1-18 215 1.3 86, 95 1.14 52, 63, 86, 219 1.14-18 217 1.18 52 2.13-22 219 2.19 171, 212, 213 3.4 236 3.5-8 237 3.9 236 3.10-15 237 3.14,15 60, 155, 158 3.16 85 4.22 132 5.39 53 5.39,40 57 7.39 227 8.48-59 215 8.56 67, 125 8.58 125 10.11 217 10.15 217 10.29-31 215 10.35 56 11.23,24 258 13.31-38 224 14—16 224, 243 14.1-3 224 14.6 52, 217 14.12 224 14.18-20 224 15.26,27 224 16.4-7 224 16.7 224 16.13 52 20.22 227 20.31 87, 233 Atos 1 243 1.6 225, 243 1.6-8 236 1.7 225 1.8 225 2 89, 227 2.14-39 89 2.14-40 230 2.16-39 60 2.21 223 2.29-33 178 2.29-35 243 2.30,31 53, 58, 258 2.30-32 218 2.36 218, 243 2.38 227 3.12-26 230 3.13-26 89, 90 4.8-12 230 4.10-12 89, 90 5.30-32 89, 90 7.2-53 230 7.2-56 60 10.34-43 230 10.36-43 89, 90 13.16-33 59 13.16-41 89, 230 13.16-43 60, 89 13.22,23 218 13.23 178 13.32,33 53, 204, 219, 258 13.32-34 178 13.32-35 243 13.32-37 218 16.31 223 17.22-31 89 Romanos 1.1-4 53, 83 1.3 53, 216, 218 1.4 218, 243 1.16 50, 74 1.18-23 184 1.18-25 45 1.18-32 48 3.21—4.25 233 4 134 5.12 106, 184 5.19 216 6.3-11 234 6.4,5 234 6.4-11 244 6.11 234 6.14 153, 236 6.23 44 8.1-25 234 8.11 244 8.17 74 8.18 244 8.19,20 184 8.19-23 99, 219, 244 8.20-22 44 9.6 131 9.14-18 140 9.19-24 127 12.2 50, 235 16.20 109 1Coríntios 1.18-25 184 1.20—2.16 218 1.24 181 1.30 181, 188 5.7 135, 144, 218 10.1-13 161 15.1-11 90 15.22 216, 234 15.42-44 245 15.45 14, 103, 216 2Coríntios 1.20 204, 219 5.1-10 245 5.7 234 5.17 14, 103, 146, 197, 221, 234, 237 5.21 189, 195, 218 Gálatas 2.19,20 234 3 134 3.2 237 3.10-14 218 3.14-29 233 3.15-29 59 3.16 216 3.21-25 236 3.23-25 149 3.24,25 145 3.29 125 4.4 109 5.17 235 Efésios 1.1-14 238 1.3-10 122 1.11 44 2.1-3 44 2.5 234 2.6 234 5.18-20 234 6.10-18 239 Filipenses 2.5-7 216 2.12-13 255 Colossenses 1.15 216 1.16 51, 62, 93, 94 1.16,17 216 1.17 100 2.9 216 2.12 234 2.17 71 2.20 234 3.1-4 231 3.1-5 246 3.3-5 236 3.16,17 234 1Tessalonicenses 4.3 255 1Timóteo 2.5 74 2Timóteo 2.8 90 3.15 53 Tito 2.13 216 3.1-7 237 3.5 242 Hebreus 1.1,2 53, 60, 58, 217 1.3 100 1.8 216 3.1 218 3.6 217 4.1-13 161, 170 4.9 163 4.14—5.10 218 4.15 105 7.24—10.25 218 10.1 71 11.3 94, 95 11.4 110 11.7 115 13.20 243, 258 Tiago 1.18 237 1.27 235 1Pedro 1.3 237, 244 1.10-12 53 1.23 237 2.4-10 233 2.24 218 3.20,21 122 5.8,9 235 2Pedro 3.3-13 243 3.5-7 94, 95 3.11-13 219 3.13 14, 103, 197, 245 1João 3.1-3 248 4.1-3 244 Apocalipse 1.8 89 1.17,18 83,89 2.5 189 2.7 116 7.9 120 12.9 105, 113 20.2 105 20.11-15 113 21 e 22 245 21.1 14, 103, 197 21.1,2 245 21.1-5 221 21.3 245 21.3-5 241 21.5 197, 245 21.22,23 245 22.1,2 245 22.1-6 113 22.13 89, 216 Índice remissivo A Abraão 38, 59, 66, 67, 68, 70, 71, 86, 87, 90, 119, 121, 122, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 133, 134, 136, 138, 142, 146, 151, 152, 166, 168, 174, 183, 191, 193, 194, 197, 198, 203, 205, 210, 216, 223, 228 aliança 38, 59, 75, 79, 87, 99, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 157, 158, 159, 160, 164, 165, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 181, 183, 185, 186, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 202, 203, 205, 207, 208, 209, 212, 218, 221, 227, 228, 243, 254, 255, 258, 259, 260 Antigo Testamento 19, 23, 24, 25, 38, 49, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 65, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 78, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 94, 95, 98, 118, 121, 128, 136, 137, 146, 147, 164, 166, 169, 181, 184, 193, 202, 204, 209, 210, 211, 212, 214, 215, 216, 217, 219, 220, 221, 223, 224, 225, 226, 227, 230, 231, 232, 235, 242, 245, 255, 257, 258 B bênção 116, 118, 119, 121, 126, 127, 130, 132, 133, 146, 151, 152, 156, 159, 160, 166, 168, 169, 190 C cativeiro 135, 136, 138, 141, 142, 143, 144, 148, 168, 194, 197, 198, 199 conhecimento 20, 22, 29, 31, 33, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 57, 89, 101, 102, 116, 127, 149, 159, 182, 183, 184, 186, 187, 188 consumação 232, 241, 242, 244, 245, 246, 247, 248 criação 13, 14, 42, 43, 44, 51, 62, 73, 77, 78, 79, 87, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 106, 109, 113, 114, 115, 117, 118, 122, 123, 125, 148, 156, 168, 170, 176, 182, 183, 185, 188, 192, 198, 199, 200, 202, 203, 205, 209, 215, 218, 219, 228, 232, 237, 238, 241, 242, 244, 245, 246, 247, 248, 259 D Davi 27, 53, 59, 83, 84, 86, 87, 132, 167, 168, 171, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 191, 192, 197, 198, 200, 201, 203, 205, 208, 210, 216, 218, 243 E eleição 119, 121, 122, 123, 127, 128, 130, 131, 133, 140, 159, 190 encarnação 65, 69, 76, 215, 216, 221 escatologia 199, 203, 205, 210, 211, 215, 220, 228, 229, 238, 248 Espírito 20, 39, 45, 48, 49, 50, 51, 52, 63, 64, 65, 66, 68, 70, 84, 85, 87, 167, 168, 173, 187, 212, 213, 217, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 234, 235, 236, 237, 238, 241, 243, 244, 245, 247, 255, 256 evangelho 33, 45, 49, 50, 51, 52, 58, 59, 62, 63, 69, 70, 73, 74, 75, 76, 78, 83, 84, 85, 86, 88, 90, 91, 93, 95, 106, 109, 119, 128, 147, 149, 152, 154, 165, 183, 210, 215, 216, 223, 225, 226, 227, 228, 231, 232, 233, 235, 236, 237, 238, 239, 243, 244, 246, 247, 248, 249, 254, 255, 256, 257, 258 Evangelhos 13, 66, 86, 214, 224, 226, 255, 258, 259 Êxodo 135, 136, 137, 139, 141, 142, 143, 144, 149, 157, 158, 159, 167, 168, 170, 183, 190, 193, 198, 199, 201, 210, 258 F fé 20, 24, 32, 33, 38, 47, 48, 49, 51, 75, 83, 85, 90, 110, 115, 116, 117, 121, 126, 127, 128, 134, 136, 137, 141, 142, 145, 146, 158, 160, 166, 169, 182, 183, 184, 190, 191, 194, 199, 209, 212, 227, 228, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 239, 243, 244, 247, 255 Filho de Deus 56, 64, 83, 84, 86, 87, 90, 105, 109, 111, 144, 146, 155, 201, 217, 218, 234, 243 G graça 52, 62, 96, 109, 110, 111, 112, 114, 117, 119, 120, 121, 122, 123, 127, 128, 130, 131, 133, 134, 147, 148, 153, 154, 157, 158, 160, 166, 169, 175, 183, 185, 190, 191, 193, 199, 228, 233 H história 13, 19, 23, 25, 32, 34, 35, 36, 37, 41, 44, 47, 50, 53, 55, 59, 61, 63, 65, 66, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 75, 77, 78, 79, 80, 86, 87, 89, 93, 94, 95, 96, 103, 105, 106, 111, 112, 119, 122, 123, 125, 127, 128, 133, 134, 135, 138, 141, 142, 145, 152, 155, 158, 159, 163, 167, 168, 169, 170, 171, 177, 181, 186, 189, 190, 192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 203, 204, 205, 207, 209, 210, 211, 213, 214, 220, 223, 227, 228, 229, 231, 232, 238, 241, 248 I imagem de Deus 43, 45, 48, 64, 97, 98, 99, 100, 102, 108, 110, 157, 182, 228 interpretação 25, 26, 27, 34, 39, 44, 46, 52, 55, 61, 62, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 79, 95, 106, 183, 225, 259 Israel 22, 24, 25, 27, 53, 55, 59, 70, 71, 77, 84, 86, 87, 88, 90, 94, 96, 97, 113, 122, 130, 131, 132, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 176, 177, 178, 181, 182, 184, 186, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 207, 209, 210, 211, 212, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 223, 225, 228, 229, 233, 238, 248, 258 J Jerusalém 25, 71, 111, 171, 174, 176, 178, 189, 192, 197, 198, 199, 202, 207, 208, 213, 215, 223, 225, 226, 245 Jesus Cristo 11, 23, 24, 25, 27, 31, 48, 49, 53, 56, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 70, 74, 75, 78, 79, 80, 81, 83, 86, 87, 89, 90, 93, 106, 169, 214, 215, 216, 218, 220, 224, 229, 233, 234, 235, 255 juízo 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 120, 121, 136, 140, 141, 142, 157, 168, 175, 190, 193, 195, 199, 200, 208, 221, 226, 241, 247 justaposição 235, 236, 238, 243, 244 L lei 24, 25, 27, 57, 88, 100, 145, 147, 148, 149, 151, 152, 153, 154, 155, 164, 168, 172, 175, 181, 182, 183, 185, 208, 214, 231, 233, 236, 254, 255 literalismo 69, 70, 71 M maldição 109, 120, 161, 218 meditação 95 Moisés 27, 56, 57, 88, 94, 135, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146, 149, 155, 156, 157, 158, 160, 163, 166, 168, 181, 189, 190, 191, 193, 201, 207, 214, 217, 236 N nações 87, 90, 119, 120, 126, 128, 130, 131, 133, 146, 147, 155, 156, 166, 168, 172, 177, 190, 200, 201, 207, 215, 225, 226 nome de Deus 116, 119, 138, 144, 146, 155, 156, 157 nova criação 13, 14, 79, 103, 151, 159, 197, 214, 219, 224, 226, 228, 234, 237, 239, 241, 242, 244, 247 O ordem da criação 182, 184, 187 P palavra de Deus 14, 21, 23, 24, 27, 34, 37, 43, 44, 56, 62, 65, 74, 94, 102, 103, 106, 107, 109, 117, 118, 128, 140, 141, 146, 149, 151, 164, 182 povo de Deus 34, 52, 70, 80, 84, 85, 87, 102, 103, 119, 121, 128, 132, 133, 136, 138, 141, 143, 147, 150, 151, 153, 155, 158, 161, 163, 164, 169, 170, 177, 179, 183, 184, 185, 186, 187, 190, 200, 201, 202, 208, 214, 216, 217, 218, 220, 224, 228, 229, 231, 235, 237, 238, 242, 255, 259 pressuposto 12, 26, 27, 40, 44, 46, 47, 48, 50, 58, 62, 69, 70, 77, 79, 116, 214 profecia 53, 59, 132, 176, 178, 203, 204, 209, 238, 248, 259 profetas 25, 53, 55, 56, 59, 65, 71, 83, 88, 116, 152, 169, 182, 189, 190, 191, 192, 193, 197, 199, 200, 201, 202, 203, 208, 209, 216, 225, 235 promessas de Deus 57, 66, 86, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 136, 146, 152, 155, 157, 164, 166, 169, 174, 176, 184, 198, 210, 211, 219 Q Queda 13, 41, 43, 44, 45, 61, 77, 87, 106, 107, 108, 109, 110, 113, 114, 122, 160, 168, 194, 195, 198, 210, 215, 220 R realeza 218 redenção 51, 61, 65, 75, 79, 99, 119, 120, 121, 136, 138, 141, 142, 143, 144, 146, 147, 148, 151, 152, 153, 155, 159, 169, 181, 183, 184, 186, 187, 194, 197, 198, 199, 203, 204, 210, 219, 228, 244, 254, 259 regeneração 122, 133, 153, 183, 184, 187, 194, 198, 200, 202, 203, 204, 210, 211, 212, 214, 219, 220, 221, 228, 229, 232, 235, 236, 237, 239, 241, 242, 244, 245, 247 reino de Deus 13, 25, 49, 73, 75, 79, 98, 102, 103, 113, 114, 116, 136, 137, 141, 143, 148, 157, 159, 164, 168, 194, 197, 198, 199, 200, 202, 208, 209, 215, 217, 224, 225, 226, 234, 241, 243, 247, 255, 259 ressurreição 45, 49, 50, 56, 62, 68, 83, 84, 88, 201, 218, 219, 223, 227, 233, 234, 237, 243, 244, 246, 249, 257, 258, 259, 260 revelação 12, 14, 27, 34, 37, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 55, 58, 59, 60, 61, 62, 66, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 81, 94, 96, 102, 103, 110, 121, 128, 129, 131, 132, 136, 137, 140, 148, 149, 151, 157, 168, 176, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 191, 193, 194, 200, 210, 213, 214, 215, 217, 224, 232, 236, 243, 244, 254, 255 S sabedoria 15, 15, 84, 108, 176, 177, 181, 183, 184, 185, 186, 188, 193, 218, 255 Salomão 133, 168, 171, 176, 177, 178, 179, 183, 189, 191, 192, 193, 194, 197, 200, 210, 218, 223, 228 salvação 31, 38, 39, 50, 51, 53, 59, 65, 70, 71, 74, 83, 84, 87, 103, 112, 114, 116, 117, 131, 132, 137, 140, 141, 142, 147, 154, 159, 166, 167, 168, 169, 170, 173, 186, 190, 191, 193, 194, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 209, 211, 216, 219, 225, 228, 231, 233, 234, 235, 236, 242, 244, 245, 247, 248, 254, 255 santidade 151, 152, 154, 164, 166, 199 segunda vinda 21, 221, 235, 247, 249, 260 Senhor, temor do 182, 183, 185, 187, 255 sinais e maravilhas 138, 139, 143 T tabernáculo 145, 149, 150, 153, 154, 156, 157, 177, 219, 230, 241, 245 teísmo cristão 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 53, 74 templo 25, 71, 153, 171, 174, 176, 177, 178, 183, 189, 192, 198, 202, 207, 208, 212, 215, 218, 219, 220, 225, 226, 233, 245 tentação 88, 105, 106, 107, 109, 113, 216, 217 teologia bíblica 11, 12, 14, 17, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 31, 32, 34, 37, 46, 47, 48, 49, 58, 62, 73, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 84, 98, 114, 115, 118, 126, 170, 176, 179, 193, 195, 202, 205, 212, 225, 228, 232, 247, 251, 253, 254, 256, 257, 258 teologia exegética 34, 36, 37 teologia sistemática 32, 33, 34 Terra Prometida 126, 128, 129, 130, 131, 133, 135, 141, 153, 155, 157, 158, 160, 164, 165, 168, 170, 171, 177, 190, 193, 194, 198, 199, 200, 202, 207, 208, 209, 210, 211, 215, 216, 219, 254 tipologia 61, 69, 70, 71, 72, 169, 219, 220 Trindade 84, 238, 248 U unidade e diversidade 79, 202, 213, 214, 221 V verdade 12, 20, 21, 23, 34, 39, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 55, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 69, 72, 73, 74, 76, 78, 79, 94, 95, 101, 106, 107, 109, 110, 119, 130, 136, 148, 151, 163, 173, 177, 184, 185, 186, 192, 217, 224, 236, 242, 246 Esta obra foi composta em Adobe Caslon, impressa em papel off-set 75 g/m2, com capa em cartão 250 g/m2, na Imprensa da Fé, em agosto de 2018. Você é aquilo que ama Smith, James 9788527507899 256 páginas Compre agora e leia Você é aquilo que ama. Mas pode ser que você não ame o que pensa que ama. Nosso coração é moldado fundamentalmente por tudo o que adoramos. Talvez sem perceber, somos ensinados a amar deuses rivais em lugar do verdadeiro Deus para o qual fomos criados. Embora tenhamos a intenção de moldar a cultura, nem sempre temos consciência de quanto a cultura nos molda. Em Você é aquilo que ama, James K. A. Smith nos ajuda a reconhecer o poder formador da cultura e as possibilidades transformadoras das práticas cristãs, redirecionando nosso coração para o que de fato merece nossa adoração. Smith explica que a adoração é a "estação da imaginação", capaz de incubar nossos amores e anseios de tal modo que os nossos engajamentos culturais tenham sempre Deus e o reino como referenciais. É por essa razão que a igreja e o culto em uma comunidade local de crentes devem ser o centro da formação e do discipulado cristãos. O autor engaja o leitor fazendo um uso criativo de filmes, obras de literatura e músicas e trata de temas como casamento, família, ministério de jovens, fé e trabalho. Além de tudo, também sugere práticas individuais e comunitárias para moldar a vida cristã. Livro premiado na categoria de melhor livro de 2016 por The Word Guild Canadian Writing Awards Compre agora e leia Ego transformado Keller, Timothy 9788527509510 48 páginas Compre agora e leia Quais são as marcas de um coração sobrenaturalmente transformado? Essa é uma das questões sobre as quais o apóstolo Paulo trata quando escreve à igreja de Corinto. O interesse real dele não é algum tipo de reparo ou remendo; antes, uma mudança profunda, capaz de transformar a existência. Numa era em que agradar as pessoas, insuflar o ego e montar o curriculum vitae são vistos como os meios para "chegar lá", o apóstolo nos chama a encontrar o verdadeiro descanso na bênção que é nos esquecermos de nós mesmos. Neste livro breve e contundente, Timothy Keller mostra que a humildade que brota do evangelho torna possível pararmos de vincular cada experiência e cada conversa com a nossa história e com quem somos. E assim podemos ficar libertos da autocondenação. Quem é realmente humilde segundo o evangelho não se odeia, mas também não se ama... é, antes, alguém que esquece de si mesmo. Você também pode conquistar essa liberdade... Compre agora e leia O significado do casamento Keller, Timothy 9788527507479 296 páginas Compre agora e leia Este livro se baseia na muito aplaudida série de sermões pregados por Timothy Keller, autor best-seller do New York Times. O autor mostra a todos — cristãos, céticos, solteiros, casais casados há muito tempo e aos que estão prestes a noivar — a visão do que o casamento deve ser segundo a Bíblia. Usando a Bíblia como seu guia, e com os comentários muito perspicazes de Kathy, sua esposa há 37 anos, Timothy Keller mostra que Deus criou o casamento para nos trazer para mais perto dele e para dar mais alegria à nossa vida. É um relacionamento glorioso, e é também o mais malcompreendido e misterioso dos relacionamentos. Caracterizado por uma compreensão clara e cristalina da Bíblia e por instruções significativas sobre como conduzir um casamento bem-sucedido, O significado do casamento é leitura essencial para qualquer pessoa que quer conhecer a Deus e amar mais profundamente nesta vida. Compre agora e leia Deuses falsos Keller, Timothy 9788527508759 192 páginas Compre agora e leia Sucesso, dinheiro, amor verdadeiro — a vida perfeita. Muitos de nós depositam a fé e a esperança nessas coisas, acreditando que sejam capazes de trazer a felicidade. No fundo, porém, sabemos que nada disso pode garantir satisfação plena. Por isso não é de surpreender que nos sintamos perdidos, solitários, desencantados e ressentidos. Só o Deus verdadeiro pode satisfazer totalmente nossos desejos, e este é o momento perfeito para encontrá-lo novamente... ou, quem sabe, pela primeira vez.Em Deuses falsos, Timothy Keller mostra que uma compreensão adequada da Bíblia revela a verdade acerca da sociedade e de nosso próprio coração. Nessa mensagem poderosa, enxergamos nossa tendência de buscar em outras coisas aquilo que só Deus pode nos dar. Também somos apresentados a um novo caminho: aquele que leva a uma esperança que não pode ser abalada pelas circunstâncias da vida Compre agora e leia Desintoxicação sexual Challies, Tim 9788527505109 112 páginas Compre agora e leia Você não aguenta mais tanta pornografia? É hora de se desintoxicar. Este livro apresenta um retorno à saúde, um retorno à normalidade. Uma alta porcentagem de homens precisa se desintoxicar da pornografia, ou seja, recomeçar do zero do ponto de vista moral e psicológico. Seria o seu caso também? Se for, ainda que nem saiba disso, a pornografia corrompeu sua maneira de pensar, enfraqueceu sua consciência, distorceu seu senso de certo e errado e deformou seu entendimento e suas expectativas a respeito da sexualidade. Você precisa de um recomeço conduzido por Aquele que criou o sexo. "Numa época em que o sexo é venerado como um deus, um livro pequeno como este é capaz de dar uma grande contribuição, ajudando os homens a superar o vício do sexo." Pastor Mark Driscoll, Mars Hill Church Compre agora e leia