A PESCA NO BAIXO RIO SOLIMÕES/MANACAPURU

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A PESCA NO BAIXO RIO SOLIMÕES/MANACAPURU-AM
Francisca Bispo de Sousa¹-Universidade Federal do Amazonas
francebispo@yahoo.com.br
Manuel de Jesus Masulo da Cruz²-Universidade Federal do Amazonas
masulo@bol.com.br
RESUMO
A Amazônia é privilegiada em termos de disponibilidade de recursos naturais, sendo o
pescado uma das principais atividades desenvolvidas pelo caboclo-ribeirinho na Amazônia,
servindo como fonte de renda e alimentação. O principal ambiente de pesca no Município de
Manacapuru são os lagos, havendo mudanças significativas a partir das instalações dos
frigoríficos na sede do Município e em outros municípios, inclusive em Manaus, ampliando
desta forma a procura e a captura da espécie de peixe liso que é o foco da nossa pesquisa. É
neste contexto que surge o interesse de se estudar este tema, buscando esclarecer e entender o
processo e os motivos de se territorializar locais de pesca no rio Solimões. Esse ambiente no
passado era pouco utilizado para as atividades pesqueiras pelos ribeirinhos dessa região e se
dava de forma completamente livre, podendo qualquer um pescar e em qualquer hora e lugar.
A área de estudo são as comunidades Costa do Pesqueiro I e II que compreende um trecho do
baixo rio Solimões. Para a realização da pesquisa devem ser levados em consideração três
elementos fundamentais: o conceito de território e territorialidade, a evolução histórica da
pesca dessa espécie executada pelo ribeirinho e as formas e uso dos instrumentos dessa pesca,
aliada a compreensão destas questões foram feitos trabalhos de campo, entrevistas, utilização
de máquina fotográfica para registrar o processo de pesca e uso do GPS para delimitar os
locais da mesma.
Palavras Chave: Territorialidade; Pesca; Amazonas
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¹
Cursando o Bacharelado em Geografia
² Prof.º Dr. Titular do Departamento de Geografia-UFAM
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RESUMEN
El Amazonas es privilegiado en cuanto a la disponibilidad de los recursos naturales,
los peces y una de las principales actividades desarrolladas por el Caboclo-en el río
Amazonas, que actúa como una fuente de ingresos y la nutrición. El principal medio de pesca
en el municipio de Manacapuru son los lagos, con cambios significativos de las instalaciones
de los frigoríficos en la ciudad y otros municipios, incluso en Manaos, con lo que aumenta la
demanda y la captura de especies de peces, que es suave centro de nuestra investigación. En
este contexto, es el interés de estudiar esta cuestión, tratando de aclarar y entender el proceso
y las razones para la pesca local territorializada en el río Solimões. El medio ambiente en el
pasado era utilizado para actividades pesqueras de la región costera y que fue tan
completamente libre, cualquiera puede pescar en cualquier momento y lugar. El área de
estudio es el de las comunidades pesqueras de Costa I y II, que incluye un tramo de bajo río
Solimões. Para la investigación se deben tener en cuenta tres elementos básicos: el concepto
de territorio y la territorialidad, el desarrollo histórico de la pesca de esta especie transportada
por el río y las formas de pesca y el uso de herramientas que, junto con la comprensión de
estos temas se hicieron para trabajar campo, entrevistas, uso de la cámara para registrar el
proceso de la pesca y la utilización del GPS para definir la ubicación de la misma.
Palabras clave: Territorio; Pesca; Amazonas
INTRODUÇÃO
A pesca na Amazônia faz parte da história de vida do ribeirinho, o qual utiliza tanto
para o autoconsumo, quanto para adquirir uma renda extra. Nota-se que tradicionalmente os
ribeirinhos da várzea de Manacapuru no Estado do Amazonas têm utilizado mais o ambiente
lago do que o ambiente rio nas suas pescarias. Os lagos e as áreas alagadas nas imediações
das moradias constituem os principais pesqueiros (RUFFINO, 2005). A pesca ribeirinha é
praticada de forma artesanal, com instrumentos simples e individuais (caniço, flechas e
zagaias) e, de preferência nas proximidades das residências e em ambiente de inundação,
anexos ao canal principal (PEREIRA, 2003, p.70). Já o ambiente rio até algumas décadas
atrás somente era usado durante o período da piracema, sendo de acesso livre, sem nenhuma
restrição. A partir das instalações dos frigoríficos na sede do Município de Manacapuru e em
outros municípios, inclusive na Capital do Estado, no final da década de 1970 e início de 1980
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do século passado, somado aos incentivos fiscais e liberação de linhas de financiamentos para
o setor, assim como a criação de um mercado exclusivo para as inúmeras espécies de Bagres,
ocasionaram uma mudança significativa no uso dos espaços aquáticos pelos ribeirinhos na
várzea amazônica.
A expansão da demanda pelos peixes lisos gerados pelos frigoríficos impulsionou os
ribeirinhos, acostumados até então a utilizar basicamente os lagos de várzea para a atividade
haliêutica, a frequentar o ambiente rio na busca da captura dessas espécies, denominadas
regionalmente de “feras”, isso implicou num conjunto de mudanças na sua relação com o rio
principal, no caso o rio Solimões: pesca noturna, introdução de motor nas canoas e das bóias,
delimitação das territorialidades de pesca, a árdua tarefa de limpeza do fundo do rio,
introdução do direito à vez, dentre outras. Esse processo de criação e sustentação dessas
territorialidades é que nos instiga a desenvolver este trabalho, já que a territorialidade está
diretamente ligada à apropriação de algo, Raffestin (1993) ao discutir esta temática afirma que
“o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreto ou abstratamente, o
ator” territorializa” o espaço”. Em seguida o autor completa “O território, nesta perspectiva, é
um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência,
revela relações marcadas pelo poder”. Maldonado (1993) Apud Cardoso (2001) também traz
essa discussão sobre as territorialidades de pesca estudando os pescadores marítimos, destaca
ele “[...] No mar, os territórios são mais do que espaços delimitados. São lugares conhecidos,
nomeados, usados e definidos. A familiaridade de cada grupo de pescadores com uma dessas
áreas marítimas cria territórios que são incorporados à sua tradição [...]”.
Dentro dessa mesma discussão Marques (1995) Apud Cardoso (2001) ao estudar as
territorialidades entre os brejeiros de Marituba do Estado de Alagoas, enfatiza, esta relação é
vista através de posse, delimitação, defesa e marcação das áreas. É a partir deste
entrelaçamento de conceitos e pelas poucas discussões bibliográficas deste tema no meio
geográfico é que buscamos entender essas territorialidades de pesca nas comunidades Nova
Jerusalém, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que possuem uma infraestrutura razoável
quando comparada com outras comunidades do Estado. Possuem motor de luz, antenas
parabólicas, fornos de farinha, escolas, capelas no caso das duas comunidades católicas e há o
templo da comunidade evangélica. As duas primeiras comunidades são conhecidas como
Costa do Pesqueiro I e a terceira Costa do Pesqueiro II, localizadas no Município de
Manacapuru.
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Para a obtenção dos resultados da pesquisa foi necessário levantamento bibliográfico,
trabalhos de campo, entrevistas não estruturadas junto aos moradores das comunidades
estudadas. O posicionamento dos pontos dos lanços para a pesca em coordenadas UTM
(Universal Transverse Mercator) foi determinado por GPS (Global Position Systems). A área
pesquisada corresponde a uma cena LANDSAT – TM. Um mapa temático com a localização
dos lanços foi elaborado cujo layout foi organizado no ARCGIS.
O Município de Manacapuru se tornou um dos principais mercados consumidores do
estado, principalmente pela instalação dos frigoríficos e inúmeros flutuantes que compram os
pescados (PEREIRA et al., 2007, p. 190). O município funciona como um entreposto de
comercialização do pescado, uma vez que, a partir daí, muitas das espécies de peixe liso são
exportadas para outros estados e países (PEREIRA et al., 2007, p. 190). Com isso os
moradores das comunidades pesquisadas, por estarem localizadas em frente a sede do
Município tem uma maior facilidade na venda de sua produção.
Essas empresas de pesca não atuam no processo de captura, uma vez que implicaria
numa série de investimentos que certamente aumentaria o custo de produção. Decidiram
assim, adquirir o pescado já capturado, realizado pelos ribeirinhos. Portanto, estes se tornam à
mão-de-obra principal desse tipo de pesca.
2. RESULTADOS
2.1 BREVE HISTÓRICO DA PESCA DOS PEIXES LISOS
Fiandeiro de sonhos
o pescador desenha nas malhas
o sonho da vida
a sina do peixe
e no tear do tempo
as incertezas do amanhã [...].
Celdo Braga
A Amazônia possui inúmeros cursos d'água e nela se encontra uma variedade de
espécies de peixes em quantidades incalculáveis. Sua população se concentrada ao longo dos
rios, desfrutando desta forma da fauna aquática, do transporte fluvial (SMITH, 1979, p. 7). O
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pescado continua sendo a principal fonte de alimentação cuja prática decorre desde o período
pré-colonização. Há registros das diversas modalidades de pesca e do comércio de produtos,
como tartarugas, carne do peixe-boi e dos pirarucus, nos grandes centros da região desde o
fim do século XIX (VERÍSSIMO, 1970). Segundo Cunha Apud Veríssimo (1970, p. 93) “os
índios gozavam de todas as espécies de pescado do rio, sem recearem que lhes viesse ele a
faltar para o dia seguinte”. A cheia ou vazante da água nunca foi problema, pois eles
utilizavam as mais variadas formas de pescar, tendo destaque o arco e flecha.
[...] eram com as flechas que os índios em todo o tempo e ocasião apoderavam-se de
quanto pescado sustentava o rio. Disparavam-as com a mão de um instrumento
especial que nela seguravam. Cravados no peixe faziam ofício de bóia, para
conhecer onde se retirava depois de ferida a presa, a qual se atiravam, pegando-a e
recolhendo-a as canoas (VERÍSSIMO, 1970, p. 93).
Durante o processo de colonização as espécies mais apreciadas conforme os relatos do
padre João Daniel (2004) era o peixe boi, a dourada (Brachplatystoma rousseauxii) que
chamava atenção pela sua cor, segundo ele;
Vista debaixo da água tem uma cor viva, e luzidia, que parece ouro; daí lhe vem com
muita propriedade o nome dourada, e talvez pela cor seja respeitada dos maiores
peixes, ainda dos grandes tubarões, que a acompanham no salgado, e boca do
Amazonas.
Uma outra espécie é a piraíba (Brachplatystoma filamentosum) que segundo o cronista
era apreciada tanto pela sua grandeza, como pelo gosto. Já o surubim (Pseudoplatystoma
fasciatum) conforme o autor é grande e de pele galante; pois tem nela umas malhas de várias
cores, que parece pintado, e tem a pele grossa, que podia servir para solas de sapatos.
Essa pesca neste período de colonização não estava apenas voltada para o consumo. A
pesca e os produtos de pesca na Amazônia, desde os tempos mais antigos de que temos
notícia, não serviram somente de alimentação, senão a usos da economia doméstica e
industrial (SMITH, 1979, p. 108).
A indústria que transforma é a responsável pelo avanço na produção da pesca, este
fato se dar na Amazônia no final da década de 1940 e início da década de 1950, é quando a
pesca no interior da Amazônia sofreu inovações tecnológicas. Smith (1985), Hartmann Apud
Pereira (2003, p. 79) identificam quatro principais inovações responsáveis pela modernização
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da pesca na região: (1) especialização e divisão social do trabalho na pesca; (2) introdução de
fibras sintéticas; (3) aumento na fabricação e uso do gelo e (4) uso de motores a diesel nas
embarcações pesqueiras. Com o surgimento, nesta região, dos primeiros barcos de pesca,
movidos a diesel e com caixas de gelo acopladas na parte central dessas embarcações aliadas
às inovações tecnológicas na pesca, sobretudo no transporte e armazenamento a bordo
inaugurou o período de comercialização intensiva do pescado na região. Assim, com o
advento dos barcos motorizados para a atividade pesqueira, houve mudanças significativas ao
nível de produção e circulação no setor pesqueiro regional. A introdução do motor permitiu
aos barcos, um deslocamento mais rápido e um maior tempo de permanência nas viagens.
Além disso, as inovações tecnológicas possibilitaram a utilização de embarcações
maiores, tornando possível um aumento na capacidade de captura, permitindo, assim, certa
regularidade no desembarque de pescado para os principais centros urbanos da região. Os
avanços tecnológicos na pesca ocorrem simultaneamente com o crescimento da população
urbana das cidades na Amazônia e, por conseguinte, do aumento da demanda por peixe. Este
aumento de produtividade ocorreu devido às mudanças na tecnologia pesqueira, combinado
com o aumento na demanda regional e de exportação (McGRATH et al, 1996, p. 2). A cidade
de Manaus, por exemplo, teve um crescimento populacional sem precedente, passou de
175.000, em 1960, para 1.403,796 no ano de 2001, tornando, portanto, o maior pólo
consumidor do pescado na Amazônia Ocidental. (CRUZ, 2007). A expansão do sistema
rodoviário na Amazônia também contribuiu para a revolução comercial do setor pesqueiro, na
medida em que serviu como alternativa de transporte do pescado, pois o escoamento da
produção se limitava às vias fluviais e marítimas. Houve assim uma incrementação da
produção pesqueira em consequência da demanda proveniente das capitais “já que a
proximidade entre os centros pesqueiros e centros de mercado consumidor alcançada com as
rodovias encurtará o tempo de transporte do produto, que agora podia ser alocado 'in natura'
através de caminhões-frigoríficos [...]” (MELLO Apud (1985) CRUZ (2007)).
É neste contexto que se pode compreender o significado da implantação dos
frigoríficos na cidade de Manacapuru e em outras sedes municipais, no estado do Amazonas,
no final da década de 1970 e início da década de 1980, surgindo assim um mercado exclusivo
nacional/internacional para os “peixes lisos” ocasionando uma alteração significativa no uso
dos espaços aquáticos pelos ribeirinhos na várzea amazônica. Acostumados a praticar a pesca
nos lagos de várzea, os ribeirinhos passaram, a partir desse período, a utilizar intensamente o
ambiente rio, pois o mesmo possui grandes espécies de bagres e essas espécies preferem as
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águas profundas dos rios, no caso em questão o rio Solimões. Para melhor exercer o controle
do processo de captura das inúmeras espécies de bagres esses atores sociais vem demarcando
suas áreas de atuação através da criação das territorialidades pesqueira e da introdução do
“sistema da vez” nesse tipo de pesca. De acordo com (CRUZ, 2007) à medida que aumentou a
procura por essas espécies consideradas “lisas” pelos frigoríficos, intensificou ainda mais a
pesca no rio Solimões. Conforme o mesmo autor esse processo gerou uma concorrência nunca
vista antes no rio Solimões, “obrigando”, os ribeirinhos a demarcar os locais de pesca, as
quais começaram a ser delimitadas no final dos anos 80 e meados de 90.
A delimitação das territorialidades de pesca surgiu com a necessidade de se
estabelecer uma gestão dos recursos pesqueiros nesse trecho onde estão localizadas as
comunidades em estudo. Com a demanda do mercado em Manacapuru pelas espécies de
bagres, os ribeirinhos estabeleceram limites no sentido longitudinal ao rio, a partir da
propriedade em terra, essa discussão será abordada em um outro capítulo.
Apesar da prioridade pelas espécies lisas, o consumo dos bagres ainda é pouco
apreciado pelos amazônidas devido, em alguns casos, às crendices populares, Smith (1979)
enfatiza sobre este fato entre os ribeirinhos “o peixe reimoso é evitado por aqueles que
tenham feridas, especialmente as causadas por picadas de arraia ou cobra ou por mordidas de
cachorro, pois a carne causaria uma inflamação na lesão. O mesmo se aplica àqueles que
sofrem de sarampo, tumores ou qualquer erupção de pele”. Dessa forma, “Face às crenças do
peixe reimoso”, a maior parte da produção das pescarias de bagres é exportada, mesmo
porque a preferência dos frigoríficos é por essas espécies lisas e a produção do ribeirinho é
toda direcionada para venda.
2.2 A PESCA COMERCIAL DOS PEIXES LISOS NO BAIXO RIO
SOLIMÕES
A pesca comercial do peixe liso no Estado do Amazonas vem crescendo
consideravelmente, este fato está diretamente ligada à instalação dos frigoríficos. Suas
instalações no estado só foi possível por causa da implantação da Zona Franca de Manaus que
proporcionou os investimentos no Estado estimulados pelos os incentivos fiscais. Um dos
municípios que se destaca neste cenário é o município de Manacapuru.
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Essas empresas de pesca não investiram e nem investem capital no processo de
captura do pescado, cabendo ao ribeirinho tal responsabilidade. Não estão preocupadas com
os métodos utilizados na pesca dos peixes bagres, mais sim na qualidade do pescado e o valor
que ele terá no mercado. Um outro fato relevante é que esses empresários não têm nenhuma
intensão de se apropriar dos territórios de pesca dos ribeirinhos, isto representaria para eles
gastos desnecessários. O tempo que o pescador ribeirinho dedica à captura do pescado está
fora do contexto industrial, pois conciliar um contrato de trabalho a este processo não é uma
saída desejável aos capitalistas, regidos por leis fundamentadas na lógica da indústria. De
acordo com Paulino (2006) se os capitalistas as empreendessem, deparar-se-iam com períodos
de ócio dos trabalhadores assalariados, com o agravante de que os contratos legais não têm
fluidez que a respectiva atividade requer. Isso representaria pagamento de salários por horas
não trabalhadas, em si incompatível com a lógica do capital. Nessa, o tempo de trabalho e
tempo de produção coincidem, de modo que enquanto o trabalhador estiver realizando suas
tarefas, estará criando valor, sobre o qual apenas uma parte será restituída sob a forma de
salário, percebe-se que esses empresários não investiram em instrumentos de pesca, tão pouco
na contratação de mão-de-obra assalariada. Dessa forma ocorre a Monopolização do território
pelo capital, onde o capital cria, recria, redefine relações de produção (OLIVEIRA, 2002).
Nesse processo, o capital cria as “condições necessárias” para que os pescadores ribeirinhos
produzam, ou seja, pesquem para as indústrias capitalistas.
O importante para as indústrias de pesca é a permanência dos pescadores nos seus
locais de pesca, produzindo cada vez mais, ou seja, intensificando a busca por essas espécies
lisas para atender este mercado. Se estabelece a subordinação e a apropriação da renda, neste
caso, renda da água dos ribeirinhos, que é transformada em capital. Desta forma a presença
dos ribeirinhos é necessária para essas empresas.
A partir da instalação dessas empresas voltadas para o setor de pesca das espécies de
bagres, impulsionou uma reorganização na categoria de pescadores, surgi desta forma os
pescadores especializados na pesca dos bagres. Esses pescadores estão conforme Pereira et al
(2005) divididos da seguinte forma:
(i) o pescador ribeirinho residente na área rural, que utiliza seus próprios meios de
produção (pequena embarcação, apetrechos de pesca) e mão de obra familiar; (ii) o
pescador citadino que vem da capital, representado pelo barco de pesqueiro que
reúne um grupo de pescadores com tarefas definidas e remuneração, de acordo com
a sua função, nas viagens de pesca; (iii) o pecador citadino do interior do estado do
Pará, o qual utiliza barcos pequenos ou bajaras [...].
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Na área de pesquisa que corresponde às comunidades Nova Jerusalém, Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro (Costa do Pesqueiro I) e Nossa Senhora das Graças (Costa do Pesqueiro
II). Nessas comunidades vamos encontrar os três exemplos de pescadores citados acima, pois
conforme os relatos tanto os ribeirinhos quanto os moradores da sede do município vem
pescar nessa parte do rio Solimões. No caso específico da pesca dos peixes bagres, apenas os
pescadores ribeirinhos, moradores dessas comunidades pescam nas territorialidades criadas.
Vale destacar que os moradores da sede municipal respeitam essas delimitações criadas pelos
ribeirinhos.
O pescador ribeirinho e o pescador artesanal especializado têm características
diferentes conforme Leonel (1998) Apud Cruz (2007), o ribeirinho é rural, pois está locado
em uma comunidade nas margens dos rios, o seu acesso à renda é limitado e inferior a do
pescador especializado. Continuando sua descrição sobre este grupo social o autor ressalta:
[...] o ser ribeirinho é um modo de vida do interior amazônico. O grau de
dependência da produção para autoconsumo ou para o mercado, a diversidade de
alternativas combinadas, as condições de ligação ao tradicional ou ao urbano são
esferas que separam e diferenciam o ribeirinho do especializado [..]. O que
diferencia do ribeirinho é dispor de um barco a motor de maior porte. A maior
diferença é sua condição de morador de periferia de um centro urbano médio ou
grande, e não contar com outras alternativas senão trabalhos eventuais como de
atividades agrícolas e ao, contrário do ribeirinho, já não contam com atividades de
sobrevivência (LEONEL Apud CRUZ, 2005, p. 173).
Muitos autores descrevem as características de ser do ribeirinho, Mendonça et al
(2007, p. 94) descreve como aquele que anda pelos rios. O rio constitui a base de
sobrevivência dos ribeirinhos, fonte de alimento e via de transporte, graças, e, sobretudo às
terras férteis de suas margens, aqui o autor se refere à várzea amazônica que tem como
característica natural à fertilidade dos solos.
Os pescadores ribeirinhos das comunidades citadas acima têm como prioridade a
captura dos bagres ou como eles chamam de “fera”, esse interesse está relacionado ao
crescimento do mercado para essas espécies e a própria localização das comunidades, já que
as mesmas ficam em frente a sede município de Manacapuru que tem se tornado um dos
principais “portos” de compra e venda dos peixes lisos no estado. Por meio dos trabalhos de
campo foi possível perceber que muitos já têm a pesca como sua principal fonte de renda,
deixando a produção agrícola para complementar o rendimento familiar.
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Os pescadores de peixes bagres na Amazônia no geral estão distribuídos em
grupamentos com organização social própria e modos de produção relativamente
diferenciados (BARROS, RIBEIRO, 2005, p. 32). Nas comunidades pesquisadas essa
realidade não foge a regra, existindo os pescadores que possuem seus próprios instrumentos
de pesca e aqueles que pescam em parcerias. De acordo com (FURTADO Apud BARROS,
RIBEIRO, 2005).
Esse cenário contribui para a configuração de duas categorias distintas de
pescadores: o pescador-lavrador, polivalente ou ribeirinho, que combina diferentes
atividades como a agricultura, o extrativismo, a criação de gado, a coleta e a
prestação de serviço; e o pescador semiprofissional, monovalente, este ocupa o seu
tempo quase que exclusivamente com as atividades de pesca, durante todo o ano, as
vezes sem precisar complementar com outras atividade.
A categoria social observada na área de pesquisa é o pescador polivalente, pois este
agente social alia as atividades de pesca com a agricultura, como o plantio de mandioca,
feijão, hortaliças e algumas criações de animais (gado, porco e galinha). Esses ribeirinhos
utilizam o cultivo apenas para complementar a renda familiar, uma vez que o retorno do
pescado em forma de moeda é mais rápido. Dependendo do tipo de roça, o ribeirinho espera
de 3 a 6 meses para obter uma renda sobre essa produção, diferente do pescado, já que o
mesmo é imediato, a figura 01 demonstra esse processo. Este fato é narrado por um
comunitário:
A pesca é muito melhor do que a agricultura, porque você pega um dourado já
compra seu café e seu açúcar. A malva por esse tempo que já estão trabalhando nela
ainda passa uma semana ou duas trabalhando nela pra ter um fardo pra vender, a não
ser que você dê uma facada no patrão, mas o patrão com essa choradeira velha, que
não tem dinheiro, tá mole o negócio não dá. (Senhor Ramiro, 50 anos, camponêsribeirinho).
Os ribeirinhos vendem para os donos dos flutuantes (ver figura 02) que se localizam
na frente das moradias/propriedades. Nas Comunidades Nova Jerusalém e Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro (Costa do Pesqueiro I) o dono é o senhor Odair, que é genro do proprietário
do terreno onde fica o seu flutuante. Já na Comunidade Nossa Senhora das Graças (Costa do
Pesqueiro II) o proprietário do flutuante e do terreno é do senhor Antônio José. As relações
são de parentesco ou amizade para a fixação dos flutuantes. Quando não há essa relação os
proprietários de flutuantes pedem permissão para estalação dos mesmos aos donos dos
terrenos, fato observado em outras comunidades à jusante das estudadas. Nos flutuantes são
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pesados e armazenados os pescados que posteriormente são comercializados junto aos
frigoríficos, que estão localizados na cidade de Manacapuru.
Figura 01: Momento em que o pescador chega com o pescado para venda na casa flutuante,
logo após captura a do pescado. Esse entreposto serve de intermediação entre os pescadores
das comunidades e os frigoríficos.
Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008
Figura 02: Flutuante do Sr Odair na Comunidade Nova Jerusalém.
Fonte: Francisca Bispo -11-2008
Considerando que os ribeirinhos pescam no rio principal neste caso o rio Solimões,
surge algumas mudanças no cenário de produção, no qual tinha-se o o entendimento de que
suas forças produtivas estivessem voltadas para a agricultura, a qual não precisaria de
tecnologias para seu cultivo. Esta concepção é observada numa caracterização que Diegues
(1983) faz sobre a exploração do ecossistema oceânico, onde este espaço para ele é de
domínio de quem detêm tecnologia avançada para pesca; ele descreve que:
os pescadores, segundo o grau de desenvolvimento das forças de produtivas sociais
alcançadas pelas diversas formas de organização de produção em que estão inseridos,
exploram um ou vários ambientes de pesca. Historicamente existe uma certa
correlação entre os graus de desenvolvimento das forças produtivas sociais e o tipo e
dimensão espacial dos ecossistemas explorados. Assim, o pequeno pescador inserido
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na pequena produção mercantil simples tem condições técnicas e de conhecimento
para explorar ecossistemas limitados espacialmente tais como os lagunares.
Este entendimento vai contra a realidade dos pescadores da Costa do Pesqueiro I e II,
que utilizam equipamentos sem muita tecnologia para captura das espécies de peixes lisos,
que são espécies de fundo, sabe-se que o rio Solimões possui uma forte correnteza e a
navegabilidade não é fácil, principalmente quando se utiliza uma canoa com um motor de
popa, percebe-se que não é algo tão sofisticado comparado aos barcos de pesca. Mais esses
pescadores da região da Costa do Pesqueiro aprimoraram os seus conhecimentos tradicionais
e o rio que faz parte do seu cotidiano não se torna um complicador.
A atividade de pesca nas comunidades pesquisadas não é apenas desenvolvida pelos
homens da família, mais também pelas mulheres e em muitos casos toda a família participa no
processo de captura do pescado. O processo de captura necessita de duas pessoas, uma para
retirar a rede do rio e a outra para tirar o peixe da rede.
Numa das práticas de campo, acompanhamos uma família de pescadores-moradores
da Comunidade Nova Jerusalém onde estava presente o senhor Cláudio (36 anos), sua esposa
a senhora Leide Jane (26 anos) e a filha de 7 anos do casal que ainda não sabe nadar, mais
insiste sempre em acompanhá-los na pescaria (ver figura 03).
Vale destacar que a frequência de mulheres pescando está se tornando algo freqüente
neste trecho do baixo rio Solimões, este cenário surge como proposta para uma pesquisa, o
que pode ter levadas essas mulheres há pescarem?
Figura 03: Família de pescadores no processo de captura do pescado.
Fonte: Francisca Bispo de Sousa - Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008
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A partir das entrevistas realizadas foi possível identificar que as espécies de dourada e
piramutaba (Brachyplatystoma vaillanti) são as mais almejadas pelos pescadores, pois
segundo eles essas espécies de bagres são as mais valorizadas no mercado. Por isso utilizam
vários meios para poder capturá-las. Ficam atentos a passagem de cardumes, chegam a utilizar
o celular para terem informações da passagem desses migradores, pois muitos dos pescadores
tem parentes e amigos em localidades por onde primeiro passam esses cardumes.
Quando se destaca a dourada e a piramutaba não significa que elas são as únicas
espécies capturadas, mais sim as que possuem maior valor, sendo que outras espécies como
surubim, caparari dentre outros há interesse comercial. Em anexo está uma lista das principais
espécies de peixe liso e também os chamados peixes de escama, muito apreciado na
alimentação local e regional. Também se encontra em anexo uma lista com os nomes de
moradores da Comunidade Nova Jerusalém e Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, Costa do
Pesqueiro I, na qual se destacam as atividades de pesca, ou seja, o local onde é realizada, uma
vez que muitas famílias pescam tanto no rio, quanto nos lagos e há aquelas que não exercem
atividades de pesca.
Os cardumes migradores como de dourada, piramutaba ou de outras espécies de
bagres usam a “rota do meio” do rio para o deslocamento, os ribeirinhos ficam com suas
rabetas¹ a espera, para poder colocar o lanço, este que se localiza na frente das comunidades.
Os apetrechos que compõe o lanço sofreram algumas mudanças (observar figura 04), que são
destacadas por Cruz, (2007):
A partir da década de 90 do século XX a substituição paulatina do uso de canoas
movidas a remo para as canoas movidas a motores. Assim, a pesca no rio, que
inicialmente era realizada por meio de duas canoas movidas a remo e geralmente
conduzidas por quatro pessoas, passou a ser executada por uma canoa e duas pessoas.
A predominância do uso de apenas uma canoa se deu em função da introdução do
motor, como foi visto, e principalmente da introdução da bóia [...]. Recentemente
(2006), os camponeses-ribeirinhos introduziram a sua pescaria a segunda bóia.
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1978-1990-Uso de duas canoas movidas a remo
¹
Figura 04: Evolução da pesca do peixe liso no baixo rio Solimões
Desenho: Marcos Castro
Fonte: Tese de Doutorado do Prof. Manuel de Jesus Masulo da Cruz, 2007
No trabalho de campo realizado em novembro de 2008 nas comunidades Costa do
Pesqueiro I e II, através de entrevistas realizadas foi possível identificar dois lanços, sendo um
em cada comunidade. O lanço consiste na largada da rede no local delimitado a jusante do rio
para aproveitar a correnteza, quando atingi o limite estabelecido, o pescador ribeirinho puxa
sua rede e um outro pescador fará este mesmo processo, sempre respeitando o “sistema de
vez” (figuras: 05-06).
Quando um pescador coloca sua rede num lanço o outro tem que esperar em média
15 minutos, para ele poder lançar à sua rede, o intervalo de lançar a rede e puxar, é
uns 30 minutos, e pra tirar todo o peixe da rede, nós demora uns 40 minutos (Sr.
Carlos André, pescador ribeirinho da comunidade Nova Jerusalém).
¹
Canoa com motor de popa, geralmente acoplado no meio da canoa.
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O fluxo de pesca é intenso, principalmente no período da safra (agosto a novembro),
os pescadores ribeirinhos costumam pescar todos os dias, muitos saem de suas casas por volta
de uma (01) hora da madrugada, caso não haja muitas redes no lanço, muitos pescadores
costumam ficar o dia inteiro, durante todos os dias da semana, exceção dos moradores da
comunidade evangélica Nova Jerusalém que aos domingos não costumam pescar, pois
participam das atividades da igreja.
Figura 05 processo de largada da rede.
Fonte: Francisca Bispo-15/11/2008
16
Figura 06 o pescador ribeirinho retirando sua rede e o peixe capturado.
Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008
Algo interessante é que como os moradores da comunidade evangélica citada não
costumam pescar aos domingos, eles acabam emprestando os seus instrumentos de pesca para
outros ribeirinhos. Um outro fato interessante é que num momento de retirada da rede o
pescador fica somente com os peixes lisos, caso apareça na rede peixes de escamas o mesmo é
devolvido para o rio. Após a captura do pescado o próprio ribeirinho faz a limpeza do peixe e
o vende para os flutuantes que se localizam nas próprias comunidades e esses repassam para
os frigoríficos que estão locados na sede municipal.
A captura de bagres em toda a calha dos rios Solimões-Amazonas é uma atividade
ligada principalmente aos frigoríficos, os quais funcionam numa estrutura de
mercado oligopsônico. Ou seja, os preços de compra são praticamente uniformes e
são estabelecidos em função dos períodos de abundância (safra) e escassez
(entressafra) do produto (PARENTE et al, 2005, p. 50).
Um exemplo para caracterizar a importância da pesca dos peixes lisos e a modificação
no cenário de pesca nessas comunidades é o relato do Sr Milton, um dos moradores mais
antigo: “num tempo atrás, eles andavam com facão, agora andam com uma rede”. Isso
17
significa que no passado esses moradores tinham no cultivo da juta/malva como sua principal
fonte de renda.
3. FORMAÇÃO DA TERRITORIALIDADE DE PESCA NO BAIXO RIO SOLIMÕES
A discussão sobre territorialidade de pesca é recente na região do Município de
Manacapuru. Essas territorialidades estão diretamente relacionadas com a abertura do
mercado para o setor de pesca dos peixes bagres, com isso houve a necessidade por parte dos
pescadores das comunidades estudadas uma organização no processo de pesca. Desta forma
criaram-se pontos de pesca, na verdade esses lugares foram apropriados pelos pescadores,
sendo a frente de suas residências a referência para essas delimitações. Um fator importante
para a intensificação da captura dessas espécies de fundo visando o promissor mercado em
Manacapuru foi a proliferação nos anos 90 do século XX dos motores de popa nas canoas,
motores estes denominados localmente de “rabeta” ou “honda”. Este fato vai favorecer o
deslocamento mais rápido dos camponeses-ribeirinhos, impulsionando cada vez mais a busca
dos recursos pesqueiros disponíveis e a delimitação das territorialidades de pesca.
Com isso essas territorialidades adquirem segundo Raffestin, 1993 um valor bem
particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma
coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem, ao mesmo tempo, o processo
territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou
produtivas. Desta forma a territorialidade se inscreve no quadro da produção, da troca e do
consumo das coisas. Ocorrendo uma mudança no modo de vida dos ribeirinhos.
Uma outra mudança observada na área de estudo em decorrência da crescente
demanda por pescado pelos frigoríficos instalados na sede do município foi à intensificação
da pesca noturna. A pesca noturna sempre foi tradicionalmente realizada no ambiente lago,
pois era inexistente no rio Solimões. Portanto, os camponeses-ribeirinhos passaram a pescar
tanto durante o dia quanto à noite. Além disso, antes da proliferação do motor nas canoas a
pesca de fera era somente realizada durante o período de águas baixas (agosto a
janeiro/fevereiro), entretanto, com a demanda crescente pelos peixes lisos, os camponesesribeirinhos na busca desses recursos pesqueiros, passaram a pescar também no período de
águas altas (março a julho). Assim, na atualidade pesca-se o ano inteiro (CRUZ, 2007).
Apesar disso, é no período de águas baixas, que corresponde ao verão amazônico, que
essa pescaria dos peixes lisos se intensifica na várzea de Manacapuru, gerando, por
18
conseguinte, uma competição entre as turmas de pescadores que atuam nesse importante
espaço aquático. Isso vai impulsionar as turmas de camponeses-ribeirinhos a manter as
fronteiras das territorialidades de pesca com mais exatidão. Ou melhor, por causa da maior
disponibilidade de peixes nesse período e da maior competição pela captura dos mesmos, eles
procuram defender, com afinco, os limites dessas territorialidades de pesca (CRUZ, 2007).
A delimitação dessas territorialidades de pesca foi sendo determinada pela necessidade
prática de se estabelecer uma gestão dos recursos pesqueiros disponíveis nesse trecho do rio
Solimões. Ou melhor, dada a pressão em busca dos “peixes lisos” para atender o mercado
dessas espécies em Manacapuru, os camponeses-ribeirinhos estabeleceram limites no sentido
longitudinal ao rio, a partir da propriedade/casa em terra. Com relação ao rio, não há
estabelecimento de limites, pois, segundo eles, o que determina a extensão no sentido
transversal é o tamanho da rede.
Na Costa do Pesqueiro I e II, no rio Solimões, por exemplo, as territorialidades de
pesca são delimitadas de acordo com o tamanho da rede. Sendo identificados dois lanços, um
na Costa do Pesqueiro I e o outro na Costa do Pesqueiro II. A figura 07mostra o local da
delimitação dos lanços, os triângulos representam o início e termino do lanço, ou seja, o local
que é lançada a rede e o que é retirada a mesma.
Evidentemente que entre uma territorialidade de pesca e outra os camponesesribeirinhos dão uma margem de segurança para largar suas redes. Assim, não há perigo algum
de ocorrer um entrelaçamento das mesmas. Mais é necessário que os mesmos obedeçam ao
“sistema de vez” introduzido nesta forma de pescaria. Por outro lado, os camponesesribeirinhos de outras localidades ou pescadores profissionais embarcados ou não, vindos da
sede do município ou de Manaus não são aceitos.
19
Figura 07 Local da largada e retirada das redes dos lanços.
Org. Francisca Bispo/ Jucélia Parédio e Adriana Bindá.
4. INSTRUMENTOS E FORMAS DE PESCA DOS RIBEIRINHOS
São vários os apetrechos utilizados na captura do pescado na região Amazônica, as
descrições das diversas formas de pesca estão descritas em muitas obras de vários cronistas e
naturalistas que passaram por estas terras ao longo de sua colonização. O arco e flecha , o
anzol e o arpão são os instrumentos destacados nessas obras. Não vou me ater a tais
descrições, darei destaque aos métodos de pesca utilizados na captura do peixe liso que é o
nosso objeto de estudo, pois no passado, antes da abertura do mercado para essas espécies os
ribeirinhos praticavam a pesca de forma artesanal nos lagos e com instrumentos simples,
como a zagaia, flechas e caniço. Já que o pescado capturado era os de escama. A partir da
procura intensiva pelos peixes bagres os ribeirinhos aprimoram os seus métodos de pesca,
pois o ambiente de trabalho não é o mesmo.
Sendo o rio o lugar desta captura e essas espécies consideradas de fundo os
instrumentos e as formas de pesca são outras. Há a introdução do motor (rabeta) e o aumento
20
do tamanho da canoa são exemplos de mudanças nessa forma de pescaria. A rede usada na
captura do peixe liso também sofreu alterações tanto no modelo quanto no tamanho. Logo no
início os ribeirinhos utilizaram o mesmo apetrecho usado na pesca nos lagos, a rede
malhadeira, depois adotaram a rede de arrasto ou arrastadeira. Esta, em função da crescente
demanda pelos bagres como abordado anteriormente, atingiram o tamanho de 600 braças,
possibilitando um aumento na produção do pescado. Outra mudança se deu com a introdução
da bóia e o aumento do seu tamanho.
As bóias são usadas nas extremidades (nas pontas das redes) para que ocorra o
flutuamento da rede e o deslocamento de forma gradativa. Para que a rede arraste no fundo do
rio os ribeirinhos utilizam chumbos na sua parte inferior e também para que a rede permaneça
submersa, pois as águas do rio Solimões são agitadas e pelas espécies almejadas serem de
fundo. Nessa pescaria é utilizada somente uma canoa, geralmente com dois tripulantes. Podese observar na figura 09uma canoa da comunidade Costa do Pesqueiro I que é utilizada para
solta do lanço. Percebe-se que o motor está localizado no centro da canoa.
Motor de popa
Local destinado ao pescado
durante o processo de captura
Figura 09: Canoa típica utilizada na captura do peixe liso. Observe o motor de popa
acoplado nessa embarcação e o local destinado ao armazenamento do pescado, conforme
seta indicada.
Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008
21
A própria canoa serve de armazenamento enquanto se está pescando. De acordo com
alguns pescadores eles saem cedo para pescar e só vendem o pescado quando se tem uma
quantidade expressiva. Então o peixe que é capturado ao longo da manhã é armazenado em
uma espécie de caixote construído na própria canoa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesca é uma realidade que marca as atividades desenvolvidas pelos grupos sociais
na Amazônia desde o período anterior a colonização. A importância de seu desenvolvimento
está relacionada ao aperfeiçoamento através dos ribeirinhos que tem nesta atividade sua
principal fonte de alimentação. Com a instalação das indústrias de pesca há uma
transformação significativa na atividade pesqueira.
A implantação dos frigoríficos na sede do município de Manacapuru aliado aos
incentivos fiscais e linhas de financiamento para o setor, e a demanda de um crescente
mercado exclusivo para as espécies de bagres, ocasionaram uma mudança no uso dos espaços
aquáticos pelos ribeirinhos na área de pesquisa. As empresas de pesca, como foi visto, não
atuam no processo de captura, pois isso implicaria numa série de investimentos que
certamente aumentaria muito o custo de produção, optando pela compra do pescado já
capturado.
Essa abertura do mercado para os peixes lisos gerados pelos frigoríficos em
Manacapuru trouxe uma reorganização nas comunidades estudadas, pois como foi descrito os
ribeirinhos tinham como principal ambiente de pesca os lagos e a partir da abertura do
mercado para as espécies de bagres, o rio principal torna-se o ambiente de pesca desses
pescadores. Com isso uma série de mudanças na sua relação com o rio principal ocorre: pesca
noturna, introdução do motor nas canoas e das bóias nas pescarias e delimitação das
territorialidades de pesca. Esta sendo respeitada pelos demais frequentadores desse rio. As
mudanças provocadas pelo mercado “exigem” do pescador-polivalente mais dedicação em
relação às outras atividades.
Apesar disso, muitos ribeirinhos alegam que essa atividade de pesca executada
atualmente no rio Solimões para a captura dos bagres é extremamente vantajosa do ponto de
vista financeiro, comparado com a atividade da agricultura ou até mesmo da pesca dos peixes
de escama, espécies que formam grandes cardumes, como o jaraqui, o pacu, a sardinha e
22
outras. A explicação para isso é que enquanto os preços do bagre têm pequena oscilação ao
longo do ano, isto é, entre o período da safra e entressafra, os outros produtos agrícolas e as
outras espécies de peixes apresentam uma oscilação considerável, daí de certa forma a corrida
para a pesca dos peixes lisos nesta região pelos pescadores ribeirinhos.
Os fatores de ordem econômica e natural também impulsionaram os camponesesribeirinhos a se lançarem na pesca dos bagres, a partir da década de 1970, como alternativa
econômica para sua permanência na várzea amazônica, pois esse período é de declínio na
produção da juta/malva, borracha e cacau na Amazônia. Além disso, não se pode deixar de
considerar as grandes e excepcionais enchentes/cheias e vazantes/secas dessa década, ou seja,
todos os anos o nível da água transbordou a maior parte da restinga na várzea amazônica
afetando as terras de plantio e de pastagens (CRUZ, 2007).
Percebe que a criação das territorialidades de pesca e a abertura do mercado para as
espécies de peixe liso no Município de Manacapuru está diretamente relacionada. Os
pescadores ribeirinhos das comunidades pesquisadas não alteraram o seu modo de vida
devido à instalação dos frigoríficos na cidade de Manacapuru, pois o desenvolvimento de
novas atividades não é sinal da crise dos sistemas de produção tradicionais, porém antes de
sua notável flexibilidade (SALEM-Cormier, 2005). Os ribeirinhos não entraram na atividade
de pesca de peixe liso por causa de problemas ou diminuição das espécies de escama nos
lagos e sim pela valorização que os bagres têm no mercado. Isso não significa que eles não
pescam mais essas espécies de escama, muitas famílias estão nas duas atividades. Mais o
tempo de dedicação à pesca dos bagres é maior, por serem destinadas ao mercado externo.
Através das atividades concluídas foi possível fazer o levantamento histórico da pesca dos
peixes bagres e como está sendo feita a comercialização do mesmo na área de pesquisa. Como
se procedeu a criação das territorialidades e os principais instrumentos de pesca para a captura
das espécies de peixe liso.
4. FONTES E REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Carlos. Processo de soltura do lanço. Manacapuru, 11 outubro de 2008. Trabalho de
campo. Entrevista concedida a Francisca Bispo de Sousa.
23
BARROS, José Fernandes; RIBEIRO, Maria Olívia de Albuquerque. Aspectos Sociais e
Conhecimento ecológico tradicional na pesca de bagre: O manejo da pesca dos grandes
bagres Migradores. Manaus: Ibama, Pro Várzea, 2005.
CARDOSO, Schiavone Eduardo. Pescadores Artesanais: Natureza, Território, Movimento
Social. São Paulo: USP, 2001. Tese, Programa de Pós-Graduação em Geografia Física,
Universidade de São Paulo, 2001.
CRUZ, Manuel de Jesus Masulo da. Rios e Lagos: a apropriação das águas pelos camponesesribeirinhos na Amazônia In: Cultura Popular, Patrimônio Imaterial e Cidades. BRAGA, Gil
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CRUZ, Manuel de Jesus Masulo da. Territorialização Camponesa na várzea da Amazônia.
2007, 274 F. Tese (Doutorado em Geografia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
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Contraponto, 2004.
DIEGUES, Antonio Carlos Sant' Ana. Pescadores, Camponeses e Trabalhadores do Mar.
São Paulo: Ática, 1983.
LEONEL, Mauro. A Morte social dos rios. São Paulo: Perspectiva, 1990.
MENDONÇA, Maria Silva de. et al. ETNOBOTÂNICA E O SABER TRADICIONAL.
Manaus: EDUA, 2007. p. 94. cap. IV.
McGRATH, David et al. Manejo Comunitário de Lagos de Várzea e o Desenvolvimento
Sustentável da Pesca na Amazônia. Belém: NAEA, 1996.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Geografia Agrária e as transformações territoriais
recentes no campo brasileiro. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.). Novos caminhos da
Geografia. São Paulo: Contexto, 2002.
PARENTE, Melo de Valdenei, et al. A pesca e a economia da pesca de bagres no eixo
Solimões-Amazonas: O manejo da pesca dos grandes bagres Migradores. Manaus: Ibama,
ProVárzea, 2005.
PAULINO, Eliane Tomiasi, Por uma Geografia dos camponeses. São Paulo: Editora Unesp,
2006.
PEREIRA, Santos dos Henrique. Gestão participativa e o movimento de preservação de lagos
no Amazonas. Salvador: Cadernos ceas, 2003.
24
PEREIRA, Santos dos Henrique, et al. A diversidade da Pesca nas Comunidades da área
focal do projeto PIATAM. In: FRAXE, Jesus de Therezinha, et al. Comunidades Ribeirinhas
Amazônicas. Manaus: EDUA, 2007.
RAFFETIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: ÁTICA, 1993.
RUFFINO, Mauro Luís. Gestão do uso dos Recursos Pesqueiros na Amazônia. Manaus:
Ibama, 2005.
SALEM-Cormier, Entre Terras e águas: Pesca Marítima e Evolução dos sistemas de
produção em Casamance. Paris: PRCM, 2003.
SMITH, Nigel J. H. A pesca no rio Amazonas. Manaus: CNPq/INPA, 1979.
VERÍSSIMO, José. A pesca na Amazônia. Pará: Universidade Federal do Pará, 1970.
ANEXO
25
Anexo 01: Relação de algumas espécies de bagres mais apreciadas pelo mercado
Nome comum
Nome científico
Piramutaba.
Brachyplatystoma vaillanti
Dourada.
Brachplatystoma rousseauxii.
Piracatinga.
Calophysus macropterus.
Braço-de-moça.
Hemisorubim platyrhynchos.
Mapará.
Hypophthalmus edentatus.
Pirarara.
Phractocephalus hemioliopterus.
Barbado, barba-chata.
Pinirampus pirinampus.
Surubim, pintado.
Pseudoplatystoma fasciatum.
26
Surubim, surubim-tigre, capari.
Pseudoplatystoma tigrinum.
Piraíba
Brachplatystoma filamentosum
Bico-de-pato.
Surubim lima.
Fonte: Piatam, Peixes do Médio rio Solimões.
Anexo 02: Espécies de peixe de escama
Nome comum
Nome científico
Matrinxã.
Brycon amazonicus.
Tambaqui, ruelo, bocó.
Colossoma macropomum.
Pacu-marreca, pacu.
Metynnis argenteus.
Pacu-comum, pacu-manteiga.
Mylossoma duriventre.
Pirapitinga.
Piaractus brachypomus.
Branquinha.
Curimata inornata.
Jaraqui-escama-grossa.
Semaprochilodus insignis.
Jaraqui-escama-fina.
Semaprochilodus toeniurus.
bodó, acari-bodó.
Liposarcus pardalis.
Tucunaré-açu
Cichla ocellaris
Pescada-branca, pescada
Plagioscion squamosissimus
Fonte: Piatam, Peixes do Médio rio Solimões.
Anexo 03: Relação dos chefes de família das Comunidades Nova Jerusalém e Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro e os ambientes de pesca que eles freqüentam.
Chefe de Família
Ambiente lago
Ambiente rio
Não pesca
Paulo Bernardo
X
Paulão
X
27
Anízio
X
Raimundo
X
Roberto
X
Jucelino
X
Anazildo
X
x
Josimar
X
X
Nilton
X
X
Dão
X
Osvaldo
X
X
X
X
Paixão
Evanildo
Marcelo
X
Sidney
X
Edimilto
X
Francisco
X
Alfredo
X
X
Máximo
X
X
Cássio
X
X
Antônio
X
X
Otávio
X
X
Ozéia
X
X
Lauro
X
Pinheiro
X
Valdir
X
Elias
X
X
Milton
X
X
Sebastião
X
João
X
José
X
X
Dinho
X
X
Cosme
X
Justino
X
Inácio
X
Luiz
X
X
28
Sr. Bão
X
Gama
X
Ivo
X
Bala
X
Abílio
X
Abidon
X
X
Fernando
X
X
Marco
X
Jander
X
X
Zé bode
X
X
Baú
X
Jaime
X
França
X
X
Neném
X
Armando
X
X
Ramiro
X
Romero
X
X
Ferrinho
X
X
Zé Maria
X
X
Pirão d’água
X
X
X
Erasmo
Antônio
Fonte: Trabalho de campo, 2009.
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