A PESCA NO BAIXO RIO SOLIMÕES/MANACAPURU-AM Francisca Bispo de Sousa¹-Universidade Federal do Amazonas francebispo@yahoo.com.br Manuel de Jesus Masulo da Cruz²-Universidade Federal do Amazonas masulo@bol.com.br RESUMO A Amazônia é privilegiada em termos de disponibilidade de recursos naturais, sendo o pescado uma das principais atividades desenvolvidas pelo caboclo-ribeirinho na Amazônia, servindo como fonte de renda e alimentação. O principal ambiente de pesca no Município de Manacapuru são os lagos, havendo mudanças significativas a partir das instalações dos frigoríficos na sede do Município e em outros municípios, inclusive em Manaus, ampliando desta forma a procura e a captura da espécie de peixe liso que é o foco da nossa pesquisa. É neste contexto que surge o interesse de se estudar este tema, buscando esclarecer e entender o processo e os motivos de se territorializar locais de pesca no rio Solimões. Esse ambiente no passado era pouco utilizado para as atividades pesqueiras pelos ribeirinhos dessa região e se dava de forma completamente livre, podendo qualquer um pescar e em qualquer hora e lugar. A área de estudo são as comunidades Costa do Pesqueiro I e II que compreende um trecho do baixo rio Solimões. Para a realização da pesquisa devem ser levados em consideração três elementos fundamentais: o conceito de território e territorialidade, a evolução histórica da pesca dessa espécie executada pelo ribeirinho e as formas e uso dos instrumentos dessa pesca, aliada a compreensão destas questões foram feitos trabalhos de campo, entrevistas, utilização de máquina fotográfica para registrar o processo de pesca e uso do GPS para delimitar os locais da mesma. Palavras Chave: Territorialidade; Pesca; Amazonas ¹ ¹ Cursando o Bacharelado em Geografia ² Prof.º Dr. Titular do Departamento de Geografia-UFAM 2 RESUMEN El Amazonas es privilegiado en cuanto a la disponibilidad de los recursos naturales, los peces y una de las principales actividades desarrolladas por el Caboclo-en el río Amazonas, que actúa como una fuente de ingresos y la nutrición. El principal medio de pesca en el municipio de Manacapuru son los lagos, con cambios significativos de las instalaciones de los frigoríficos en la ciudad y otros municipios, incluso en Manaos, con lo que aumenta la demanda y la captura de especies de peces, que es suave centro de nuestra investigación. En este contexto, es el interés de estudiar esta cuestión, tratando de aclarar y entender el proceso y las razones para la pesca local territorializada en el río Solimões. El medio ambiente en el pasado era utilizado para actividades pesqueras de la región costera y que fue tan completamente libre, cualquiera puede pescar en cualquier momento y lugar. El área de estudio es el de las comunidades pesqueras de Costa I y II, que incluye un tramo de bajo río Solimões. Para la investigación se deben tener en cuenta tres elementos básicos: el concepto de territorio y la territorialidad, el desarrollo histórico de la pesca de esta especie transportada por el río y las formas de pesca y el uso de herramientas que, junto con la comprensión de estos temas se hicieron para trabajar campo, entrevistas, uso de la cámara para registrar el proceso de la pesca y la utilización del GPS para definir la ubicación de la misma. Palabras clave: Territorio; Pesca; Amazonas INTRODUÇÃO A pesca na Amazônia faz parte da história de vida do ribeirinho, o qual utiliza tanto para o autoconsumo, quanto para adquirir uma renda extra. Nota-se que tradicionalmente os ribeirinhos da várzea de Manacapuru no Estado do Amazonas têm utilizado mais o ambiente lago do que o ambiente rio nas suas pescarias. Os lagos e as áreas alagadas nas imediações das moradias constituem os principais pesqueiros (RUFFINO, 2005). A pesca ribeirinha é praticada de forma artesanal, com instrumentos simples e individuais (caniço, flechas e zagaias) e, de preferência nas proximidades das residências e em ambiente de inundação, anexos ao canal principal (PEREIRA, 2003, p.70). Já o ambiente rio até algumas décadas atrás somente era usado durante o período da piracema, sendo de acesso livre, sem nenhuma restrição. A partir das instalações dos frigoríficos na sede do Município de Manacapuru e em outros municípios, inclusive na Capital do Estado, no final da década de 1970 e início de 1980 3 do século passado, somado aos incentivos fiscais e liberação de linhas de financiamentos para o setor, assim como a criação de um mercado exclusivo para as inúmeras espécies de Bagres, ocasionaram uma mudança significativa no uso dos espaços aquáticos pelos ribeirinhos na várzea amazônica. A expansão da demanda pelos peixes lisos gerados pelos frigoríficos impulsionou os ribeirinhos, acostumados até então a utilizar basicamente os lagos de várzea para a atividade haliêutica, a frequentar o ambiente rio na busca da captura dessas espécies, denominadas regionalmente de “feras”, isso implicou num conjunto de mudanças na sua relação com o rio principal, no caso o rio Solimões: pesca noturna, introdução de motor nas canoas e das bóias, delimitação das territorialidades de pesca, a árdua tarefa de limpeza do fundo do rio, introdução do direito à vez, dentre outras. Esse processo de criação e sustentação dessas territorialidades é que nos instiga a desenvolver este trabalho, já que a territorialidade está diretamente ligada à apropriação de algo, Raffestin (1993) ao discutir esta temática afirma que “o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreto ou abstratamente, o ator” territorializa” o espaço”. Em seguida o autor completa “O território, nesta perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder”. Maldonado (1993) Apud Cardoso (2001) também traz essa discussão sobre as territorialidades de pesca estudando os pescadores marítimos, destaca ele “[...] No mar, os territórios são mais do que espaços delimitados. São lugares conhecidos, nomeados, usados e definidos. A familiaridade de cada grupo de pescadores com uma dessas áreas marítimas cria territórios que são incorporados à sua tradição [...]”. Dentro dessa mesma discussão Marques (1995) Apud Cardoso (2001) ao estudar as territorialidades entre os brejeiros de Marituba do Estado de Alagoas, enfatiza, esta relação é vista através de posse, delimitação, defesa e marcação das áreas. É a partir deste entrelaçamento de conceitos e pelas poucas discussões bibliográficas deste tema no meio geográfico é que buscamos entender essas territorialidades de pesca nas comunidades Nova Jerusalém, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que possuem uma infraestrutura razoável quando comparada com outras comunidades do Estado. Possuem motor de luz, antenas parabólicas, fornos de farinha, escolas, capelas no caso das duas comunidades católicas e há o templo da comunidade evangélica. As duas primeiras comunidades são conhecidas como Costa do Pesqueiro I e a terceira Costa do Pesqueiro II, localizadas no Município de Manacapuru. 4 Para a obtenção dos resultados da pesquisa foi necessário levantamento bibliográfico, trabalhos de campo, entrevistas não estruturadas junto aos moradores das comunidades estudadas. O posicionamento dos pontos dos lanços para a pesca em coordenadas UTM (Universal Transverse Mercator) foi determinado por GPS (Global Position Systems). A área pesquisada corresponde a uma cena LANDSAT – TM. Um mapa temático com a localização dos lanços foi elaborado cujo layout foi organizado no ARCGIS. O Município de Manacapuru se tornou um dos principais mercados consumidores do estado, principalmente pela instalação dos frigoríficos e inúmeros flutuantes que compram os pescados (PEREIRA et al., 2007, p. 190). O município funciona como um entreposto de comercialização do pescado, uma vez que, a partir daí, muitas das espécies de peixe liso são exportadas para outros estados e países (PEREIRA et al., 2007, p. 190). Com isso os moradores das comunidades pesquisadas, por estarem localizadas em frente a sede do Município tem uma maior facilidade na venda de sua produção. Essas empresas de pesca não atuam no processo de captura, uma vez que implicaria numa série de investimentos que certamente aumentaria o custo de produção. Decidiram assim, adquirir o pescado já capturado, realizado pelos ribeirinhos. Portanto, estes se tornam à mão-de-obra principal desse tipo de pesca. 2. RESULTADOS 2.1 BREVE HISTÓRICO DA PESCA DOS PEIXES LISOS Fiandeiro de sonhos o pescador desenha nas malhas o sonho da vida a sina do peixe e no tear do tempo as incertezas do amanhã [...]. Celdo Braga A Amazônia possui inúmeros cursos d'água e nela se encontra uma variedade de espécies de peixes em quantidades incalculáveis. Sua população se concentrada ao longo dos rios, desfrutando desta forma da fauna aquática, do transporte fluvial (SMITH, 1979, p. 7). O 5 pescado continua sendo a principal fonte de alimentação cuja prática decorre desde o período pré-colonização. Há registros das diversas modalidades de pesca e do comércio de produtos, como tartarugas, carne do peixe-boi e dos pirarucus, nos grandes centros da região desde o fim do século XIX (VERÍSSIMO, 1970). Segundo Cunha Apud Veríssimo (1970, p. 93) “os índios gozavam de todas as espécies de pescado do rio, sem recearem que lhes viesse ele a faltar para o dia seguinte”. A cheia ou vazante da água nunca foi problema, pois eles utilizavam as mais variadas formas de pescar, tendo destaque o arco e flecha. [...] eram com as flechas que os índios em todo o tempo e ocasião apoderavam-se de quanto pescado sustentava o rio. Disparavam-as com a mão de um instrumento especial que nela seguravam. Cravados no peixe faziam ofício de bóia, para conhecer onde se retirava depois de ferida a presa, a qual se atiravam, pegando-a e recolhendo-a as canoas (VERÍSSIMO, 1970, p. 93). Durante o processo de colonização as espécies mais apreciadas conforme os relatos do padre João Daniel (2004) era o peixe boi, a dourada (Brachplatystoma rousseauxii) que chamava atenção pela sua cor, segundo ele; Vista debaixo da água tem uma cor viva, e luzidia, que parece ouro; daí lhe vem com muita propriedade o nome dourada, e talvez pela cor seja respeitada dos maiores peixes, ainda dos grandes tubarões, que a acompanham no salgado, e boca do Amazonas. Uma outra espécie é a piraíba (Brachplatystoma filamentosum) que segundo o cronista era apreciada tanto pela sua grandeza, como pelo gosto. Já o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) conforme o autor é grande e de pele galante; pois tem nela umas malhas de várias cores, que parece pintado, e tem a pele grossa, que podia servir para solas de sapatos. Essa pesca neste período de colonização não estava apenas voltada para o consumo. A pesca e os produtos de pesca na Amazônia, desde os tempos mais antigos de que temos notícia, não serviram somente de alimentação, senão a usos da economia doméstica e industrial (SMITH, 1979, p. 108). A indústria que transforma é a responsável pelo avanço na produção da pesca, este fato se dar na Amazônia no final da década de 1940 e início da década de 1950, é quando a pesca no interior da Amazônia sofreu inovações tecnológicas. Smith (1985), Hartmann Apud Pereira (2003, p. 79) identificam quatro principais inovações responsáveis pela modernização 6 da pesca na região: (1) especialização e divisão social do trabalho na pesca; (2) introdução de fibras sintéticas; (3) aumento na fabricação e uso do gelo e (4) uso de motores a diesel nas embarcações pesqueiras. Com o surgimento, nesta região, dos primeiros barcos de pesca, movidos a diesel e com caixas de gelo acopladas na parte central dessas embarcações aliadas às inovações tecnológicas na pesca, sobretudo no transporte e armazenamento a bordo inaugurou o período de comercialização intensiva do pescado na região. Assim, com o advento dos barcos motorizados para a atividade pesqueira, houve mudanças significativas ao nível de produção e circulação no setor pesqueiro regional. A introdução do motor permitiu aos barcos, um deslocamento mais rápido e um maior tempo de permanência nas viagens. Além disso, as inovações tecnológicas possibilitaram a utilização de embarcações maiores, tornando possível um aumento na capacidade de captura, permitindo, assim, certa regularidade no desembarque de pescado para os principais centros urbanos da região. Os avanços tecnológicos na pesca ocorrem simultaneamente com o crescimento da população urbana das cidades na Amazônia e, por conseguinte, do aumento da demanda por peixe. Este aumento de produtividade ocorreu devido às mudanças na tecnologia pesqueira, combinado com o aumento na demanda regional e de exportação (McGRATH et al, 1996, p. 2). A cidade de Manaus, por exemplo, teve um crescimento populacional sem precedente, passou de 175.000, em 1960, para 1.403,796 no ano de 2001, tornando, portanto, o maior pólo consumidor do pescado na Amazônia Ocidental. (CRUZ, 2007). A expansão do sistema rodoviário na Amazônia também contribuiu para a revolução comercial do setor pesqueiro, na medida em que serviu como alternativa de transporte do pescado, pois o escoamento da produção se limitava às vias fluviais e marítimas. Houve assim uma incrementação da produção pesqueira em consequência da demanda proveniente das capitais “já que a proximidade entre os centros pesqueiros e centros de mercado consumidor alcançada com as rodovias encurtará o tempo de transporte do produto, que agora podia ser alocado 'in natura' através de caminhões-frigoríficos [...]” (MELLO Apud (1985) CRUZ (2007)). É neste contexto que se pode compreender o significado da implantação dos frigoríficos na cidade de Manacapuru e em outras sedes municipais, no estado do Amazonas, no final da década de 1970 e início da década de 1980, surgindo assim um mercado exclusivo nacional/internacional para os “peixes lisos” ocasionando uma alteração significativa no uso dos espaços aquáticos pelos ribeirinhos na várzea amazônica. Acostumados a praticar a pesca nos lagos de várzea, os ribeirinhos passaram, a partir desse período, a utilizar intensamente o ambiente rio, pois o mesmo possui grandes espécies de bagres e essas espécies preferem as 7 águas profundas dos rios, no caso em questão o rio Solimões. Para melhor exercer o controle do processo de captura das inúmeras espécies de bagres esses atores sociais vem demarcando suas áreas de atuação através da criação das territorialidades pesqueira e da introdução do “sistema da vez” nesse tipo de pesca. De acordo com (CRUZ, 2007) à medida que aumentou a procura por essas espécies consideradas “lisas” pelos frigoríficos, intensificou ainda mais a pesca no rio Solimões. Conforme o mesmo autor esse processo gerou uma concorrência nunca vista antes no rio Solimões, “obrigando”, os ribeirinhos a demarcar os locais de pesca, as quais começaram a ser delimitadas no final dos anos 80 e meados de 90. A delimitação das territorialidades de pesca surgiu com a necessidade de se estabelecer uma gestão dos recursos pesqueiros nesse trecho onde estão localizadas as comunidades em estudo. Com a demanda do mercado em Manacapuru pelas espécies de bagres, os ribeirinhos estabeleceram limites no sentido longitudinal ao rio, a partir da propriedade em terra, essa discussão será abordada em um outro capítulo. Apesar da prioridade pelas espécies lisas, o consumo dos bagres ainda é pouco apreciado pelos amazônidas devido, em alguns casos, às crendices populares, Smith (1979) enfatiza sobre este fato entre os ribeirinhos “o peixe reimoso é evitado por aqueles que tenham feridas, especialmente as causadas por picadas de arraia ou cobra ou por mordidas de cachorro, pois a carne causaria uma inflamação na lesão. O mesmo se aplica àqueles que sofrem de sarampo, tumores ou qualquer erupção de pele”. Dessa forma, “Face às crenças do peixe reimoso”, a maior parte da produção das pescarias de bagres é exportada, mesmo porque a preferência dos frigoríficos é por essas espécies lisas e a produção do ribeirinho é toda direcionada para venda. 2.2 A PESCA COMERCIAL DOS PEIXES LISOS NO BAIXO RIO SOLIMÕES A pesca comercial do peixe liso no Estado do Amazonas vem crescendo consideravelmente, este fato está diretamente ligada à instalação dos frigoríficos. Suas instalações no estado só foi possível por causa da implantação da Zona Franca de Manaus que proporcionou os investimentos no Estado estimulados pelos os incentivos fiscais. Um dos municípios que se destaca neste cenário é o município de Manacapuru. 8 Essas empresas de pesca não investiram e nem investem capital no processo de captura do pescado, cabendo ao ribeirinho tal responsabilidade. Não estão preocupadas com os métodos utilizados na pesca dos peixes bagres, mais sim na qualidade do pescado e o valor que ele terá no mercado. Um outro fato relevante é que esses empresários não têm nenhuma intensão de se apropriar dos territórios de pesca dos ribeirinhos, isto representaria para eles gastos desnecessários. O tempo que o pescador ribeirinho dedica à captura do pescado está fora do contexto industrial, pois conciliar um contrato de trabalho a este processo não é uma saída desejável aos capitalistas, regidos por leis fundamentadas na lógica da indústria. De acordo com Paulino (2006) se os capitalistas as empreendessem, deparar-se-iam com períodos de ócio dos trabalhadores assalariados, com o agravante de que os contratos legais não têm fluidez que a respectiva atividade requer. Isso representaria pagamento de salários por horas não trabalhadas, em si incompatível com a lógica do capital. Nessa, o tempo de trabalho e tempo de produção coincidem, de modo que enquanto o trabalhador estiver realizando suas tarefas, estará criando valor, sobre o qual apenas uma parte será restituída sob a forma de salário, percebe-se que esses empresários não investiram em instrumentos de pesca, tão pouco na contratação de mão-de-obra assalariada. Dessa forma ocorre a Monopolização do território pelo capital, onde o capital cria, recria, redefine relações de produção (OLIVEIRA, 2002). Nesse processo, o capital cria as “condições necessárias” para que os pescadores ribeirinhos produzam, ou seja, pesquem para as indústrias capitalistas. O importante para as indústrias de pesca é a permanência dos pescadores nos seus locais de pesca, produzindo cada vez mais, ou seja, intensificando a busca por essas espécies lisas para atender este mercado. Se estabelece a subordinação e a apropriação da renda, neste caso, renda da água dos ribeirinhos, que é transformada em capital. Desta forma a presença dos ribeirinhos é necessária para essas empresas. A partir da instalação dessas empresas voltadas para o setor de pesca das espécies de bagres, impulsionou uma reorganização na categoria de pescadores, surgi desta forma os pescadores especializados na pesca dos bagres. Esses pescadores estão conforme Pereira et al (2005) divididos da seguinte forma: (i) o pescador ribeirinho residente na área rural, que utiliza seus próprios meios de produção (pequena embarcação, apetrechos de pesca) e mão de obra familiar; (ii) o pescador citadino que vem da capital, representado pelo barco de pesqueiro que reúne um grupo de pescadores com tarefas definidas e remuneração, de acordo com a sua função, nas viagens de pesca; (iii) o pecador citadino do interior do estado do Pará, o qual utiliza barcos pequenos ou bajaras [...]. 9 Na área de pesquisa que corresponde às comunidades Nova Jerusalém, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Costa do Pesqueiro I) e Nossa Senhora das Graças (Costa do Pesqueiro II). Nessas comunidades vamos encontrar os três exemplos de pescadores citados acima, pois conforme os relatos tanto os ribeirinhos quanto os moradores da sede do município vem pescar nessa parte do rio Solimões. No caso específico da pesca dos peixes bagres, apenas os pescadores ribeirinhos, moradores dessas comunidades pescam nas territorialidades criadas. Vale destacar que os moradores da sede municipal respeitam essas delimitações criadas pelos ribeirinhos. O pescador ribeirinho e o pescador artesanal especializado têm características diferentes conforme Leonel (1998) Apud Cruz (2007), o ribeirinho é rural, pois está locado em uma comunidade nas margens dos rios, o seu acesso à renda é limitado e inferior a do pescador especializado. Continuando sua descrição sobre este grupo social o autor ressalta: [...] o ser ribeirinho é um modo de vida do interior amazônico. O grau de dependência da produção para autoconsumo ou para o mercado, a diversidade de alternativas combinadas, as condições de ligação ao tradicional ou ao urbano são esferas que separam e diferenciam o ribeirinho do especializado [..]. O que diferencia do ribeirinho é dispor de um barco a motor de maior porte. A maior diferença é sua condição de morador de periferia de um centro urbano médio ou grande, e não contar com outras alternativas senão trabalhos eventuais como de atividades agrícolas e ao, contrário do ribeirinho, já não contam com atividades de sobrevivência (LEONEL Apud CRUZ, 2005, p. 173). Muitos autores descrevem as características de ser do ribeirinho, Mendonça et al (2007, p. 94) descreve como aquele que anda pelos rios. O rio constitui a base de sobrevivência dos ribeirinhos, fonte de alimento e via de transporte, graças, e, sobretudo às terras férteis de suas margens, aqui o autor se refere à várzea amazônica que tem como característica natural à fertilidade dos solos. Os pescadores ribeirinhos das comunidades citadas acima têm como prioridade a captura dos bagres ou como eles chamam de “fera”, esse interesse está relacionado ao crescimento do mercado para essas espécies e a própria localização das comunidades, já que as mesmas ficam em frente a sede município de Manacapuru que tem se tornado um dos principais “portos” de compra e venda dos peixes lisos no estado. Por meio dos trabalhos de campo foi possível perceber que muitos já têm a pesca como sua principal fonte de renda, deixando a produção agrícola para complementar o rendimento familiar. 10 Os pescadores de peixes bagres na Amazônia no geral estão distribuídos em grupamentos com organização social própria e modos de produção relativamente diferenciados (BARROS, RIBEIRO, 2005, p. 32). Nas comunidades pesquisadas essa realidade não foge a regra, existindo os pescadores que possuem seus próprios instrumentos de pesca e aqueles que pescam em parcerias. De acordo com (FURTADO Apud BARROS, RIBEIRO, 2005). Esse cenário contribui para a configuração de duas categorias distintas de pescadores: o pescador-lavrador, polivalente ou ribeirinho, que combina diferentes atividades como a agricultura, o extrativismo, a criação de gado, a coleta e a prestação de serviço; e o pescador semiprofissional, monovalente, este ocupa o seu tempo quase que exclusivamente com as atividades de pesca, durante todo o ano, as vezes sem precisar complementar com outras atividade. A categoria social observada na área de pesquisa é o pescador polivalente, pois este agente social alia as atividades de pesca com a agricultura, como o plantio de mandioca, feijão, hortaliças e algumas criações de animais (gado, porco e galinha). Esses ribeirinhos utilizam o cultivo apenas para complementar a renda familiar, uma vez que o retorno do pescado em forma de moeda é mais rápido. Dependendo do tipo de roça, o ribeirinho espera de 3 a 6 meses para obter uma renda sobre essa produção, diferente do pescado, já que o mesmo é imediato, a figura 01 demonstra esse processo. Este fato é narrado por um comunitário: A pesca é muito melhor do que a agricultura, porque você pega um dourado já compra seu café e seu açúcar. A malva por esse tempo que já estão trabalhando nela ainda passa uma semana ou duas trabalhando nela pra ter um fardo pra vender, a não ser que você dê uma facada no patrão, mas o patrão com essa choradeira velha, que não tem dinheiro, tá mole o negócio não dá. (Senhor Ramiro, 50 anos, camponêsribeirinho). Os ribeirinhos vendem para os donos dos flutuantes (ver figura 02) que se localizam na frente das moradias/propriedades. Nas Comunidades Nova Jerusalém e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Costa do Pesqueiro I) o dono é o senhor Odair, que é genro do proprietário do terreno onde fica o seu flutuante. Já na Comunidade Nossa Senhora das Graças (Costa do Pesqueiro II) o proprietário do flutuante e do terreno é do senhor Antônio José. As relações são de parentesco ou amizade para a fixação dos flutuantes. Quando não há essa relação os proprietários de flutuantes pedem permissão para estalação dos mesmos aos donos dos terrenos, fato observado em outras comunidades à jusante das estudadas. Nos flutuantes são 11 pesados e armazenados os pescados que posteriormente são comercializados junto aos frigoríficos, que estão localizados na cidade de Manacapuru. Figura 01: Momento em que o pescador chega com o pescado para venda na casa flutuante, logo após captura a do pescado. Esse entreposto serve de intermediação entre os pescadores das comunidades e os frigoríficos. Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008 Figura 02: Flutuante do Sr Odair na Comunidade Nova Jerusalém. Fonte: Francisca Bispo -11-2008 Considerando que os ribeirinhos pescam no rio principal neste caso o rio Solimões, surge algumas mudanças no cenário de produção, no qual tinha-se o o entendimento de que suas forças produtivas estivessem voltadas para a agricultura, a qual não precisaria de tecnologias para seu cultivo. Esta concepção é observada numa caracterização que Diegues (1983) faz sobre a exploração do ecossistema oceânico, onde este espaço para ele é de domínio de quem detêm tecnologia avançada para pesca; ele descreve que: os pescadores, segundo o grau de desenvolvimento das forças de produtivas sociais alcançadas pelas diversas formas de organização de produção em que estão inseridos, exploram um ou vários ambientes de pesca. Historicamente existe uma certa correlação entre os graus de desenvolvimento das forças produtivas sociais e o tipo e dimensão espacial dos ecossistemas explorados. Assim, o pequeno pescador inserido 12 na pequena produção mercantil simples tem condições técnicas e de conhecimento para explorar ecossistemas limitados espacialmente tais como os lagunares. Este entendimento vai contra a realidade dos pescadores da Costa do Pesqueiro I e II, que utilizam equipamentos sem muita tecnologia para captura das espécies de peixes lisos, que são espécies de fundo, sabe-se que o rio Solimões possui uma forte correnteza e a navegabilidade não é fácil, principalmente quando se utiliza uma canoa com um motor de popa, percebe-se que não é algo tão sofisticado comparado aos barcos de pesca. Mais esses pescadores da região da Costa do Pesqueiro aprimoraram os seus conhecimentos tradicionais e o rio que faz parte do seu cotidiano não se torna um complicador. A atividade de pesca nas comunidades pesquisadas não é apenas desenvolvida pelos homens da família, mais também pelas mulheres e em muitos casos toda a família participa no processo de captura do pescado. O processo de captura necessita de duas pessoas, uma para retirar a rede do rio e a outra para tirar o peixe da rede. Numa das práticas de campo, acompanhamos uma família de pescadores-moradores da Comunidade Nova Jerusalém onde estava presente o senhor Cláudio (36 anos), sua esposa a senhora Leide Jane (26 anos) e a filha de 7 anos do casal que ainda não sabe nadar, mais insiste sempre em acompanhá-los na pescaria (ver figura 03). Vale destacar que a frequência de mulheres pescando está se tornando algo freqüente neste trecho do baixo rio Solimões, este cenário surge como proposta para uma pesquisa, o que pode ter levadas essas mulheres há pescarem? Figura 03: Família de pescadores no processo de captura do pescado. Fonte: Francisca Bispo de Sousa - Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008 13 A partir das entrevistas realizadas foi possível identificar que as espécies de dourada e piramutaba (Brachyplatystoma vaillanti) são as mais almejadas pelos pescadores, pois segundo eles essas espécies de bagres são as mais valorizadas no mercado. Por isso utilizam vários meios para poder capturá-las. Ficam atentos a passagem de cardumes, chegam a utilizar o celular para terem informações da passagem desses migradores, pois muitos dos pescadores tem parentes e amigos em localidades por onde primeiro passam esses cardumes. Quando se destaca a dourada e a piramutaba não significa que elas são as únicas espécies capturadas, mais sim as que possuem maior valor, sendo que outras espécies como surubim, caparari dentre outros há interesse comercial. Em anexo está uma lista das principais espécies de peixe liso e também os chamados peixes de escama, muito apreciado na alimentação local e regional. Também se encontra em anexo uma lista com os nomes de moradores da Comunidade Nova Jerusalém e Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, Costa do Pesqueiro I, na qual se destacam as atividades de pesca, ou seja, o local onde é realizada, uma vez que muitas famílias pescam tanto no rio, quanto nos lagos e há aquelas que não exercem atividades de pesca. Os cardumes migradores como de dourada, piramutaba ou de outras espécies de bagres usam a “rota do meio” do rio para o deslocamento, os ribeirinhos ficam com suas rabetas¹ a espera, para poder colocar o lanço, este que se localiza na frente das comunidades. Os apetrechos que compõe o lanço sofreram algumas mudanças (observar figura 04), que são destacadas por Cruz, (2007): A partir da década de 90 do século XX a substituição paulatina do uso de canoas movidas a remo para as canoas movidas a motores. Assim, a pesca no rio, que inicialmente era realizada por meio de duas canoas movidas a remo e geralmente conduzidas por quatro pessoas, passou a ser executada por uma canoa e duas pessoas. A predominância do uso de apenas uma canoa se deu em função da introdução do motor, como foi visto, e principalmente da introdução da bóia [...]. Recentemente (2006), os camponeses-ribeirinhos introduziram a sua pescaria a segunda bóia. 14 1978-1990-Uso de duas canoas movidas a remo ¹ Figura 04: Evolução da pesca do peixe liso no baixo rio Solimões Desenho: Marcos Castro Fonte: Tese de Doutorado do Prof. Manuel de Jesus Masulo da Cruz, 2007 No trabalho de campo realizado em novembro de 2008 nas comunidades Costa do Pesqueiro I e II, através de entrevistas realizadas foi possível identificar dois lanços, sendo um em cada comunidade. O lanço consiste na largada da rede no local delimitado a jusante do rio para aproveitar a correnteza, quando atingi o limite estabelecido, o pescador ribeirinho puxa sua rede e um outro pescador fará este mesmo processo, sempre respeitando o “sistema de vez” (figuras: 05-06). Quando um pescador coloca sua rede num lanço o outro tem que esperar em média 15 minutos, para ele poder lançar à sua rede, o intervalo de lançar a rede e puxar, é uns 30 minutos, e pra tirar todo o peixe da rede, nós demora uns 40 minutos (Sr. Carlos André, pescador ribeirinho da comunidade Nova Jerusalém). ¹ Canoa com motor de popa, geralmente acoplado no meio da canoa. 15 O fluxo de pesca é intenso, principalmente no período da safra (agosto a novembro), os pescadores ribeirinhos costumam pescar todos os dias, muitos saem de suas casas por volta de uma (01) hora da madrugada, caso não haja muitas redes no lanço, muitos pescadores costumam ficar o dia inteiro, durante todos os dias da semana, exceção dos moradores da comunidade evangélica Nova Jerusalém que aos domingos não costumam pescar, pois participam das atividades da igreja. Figura 05 processo de largada da rede. Fonte: Francisca Bispo-15/11/2008 16 Figura 06 o pescador ribeirinho retirando sua rede e o peixe capturado. Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008 Algo interessante é que como os moradores da comunidade evangélica citada não costumam pescar aos domingos, eles acabam emprestando os seus instrumentos de pesca para outros ribeirinhos. Um outro fato interessante é que num momento de retirada da rede o pescador fica somente com os peixes lisos, caso apareça na rede peixes de escamas o mesmo é devolvido para o rio. Após a captura do pescado o próprio ribeirinho faz a limpeza do peixe e o vende para os flutuantes que se localizam nas próprias comunidades e esses repassam para os frigoríficos que estão locados na sede municipal. A captura de bagres em toda a calha dos rios Solimões-Amazonas é uma atividade ligada principalmente aos frigoríficos, os quais funcionam numa estrutura de mercado oligopsônico. Ou seja, os preços de compra são praticamente uniformes e são estabelecidos em função dos períodos de abundância (safra) e escassez (entressafra) do produto (PARENTE et al, 2005, p. 50). Um exemplo para caracterizar a importância da pesca dos peixes lisos e a modificação no cenário de pesca nessas comunidades é o relato do Sr Milton, um dos moradores mais antigo: “num tempo atrás, eles andavam com facão, agora andam com uma rede”. Isso 17 significa que no passado esses moradores tinham no cultivo da juta/malva como sua principal fonte de renda. 3. FORMAÇÃO DA TERRITORIALIDADE DE PESCA NO BAIXO RIO SOLIMÕES A discussão sobre territorialidade de pesca é recente na região do Município de Manacapuru. Essas territorialidades estão diretamente relacionadas com a abertura do mercado para o setor de pesca dos peixes bagres, com isso houve a necessidade por parte dos pescadores das comunidades estudadas uma organização no processo de pesca. Desta forma criaram-se pontos de pesca, na verdade esses lugares foram apropriados pelos pescadores, sendo a frente de suas residências a referência para essas delimitações. Um fator importante para a intensificação da captura dessas espécies de fundo visando o promissor mercado em Manacapuru foi a proliferação nos anos 90 do século XX dos motores de popa nas canoas, motores estes denominados localmente de “rabeta” ou “honda”. Este fato vai favorecer o deslocamento mais rápido dos camponeses-ribeirinhos, impulsionando cada vez mais a busca dos recursos pesqueiros disponíveis e a delimitação das territorialidades de pesca. Com isso essas territorialidades adquirem segundo Raffestin, 1993 um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas. Desta forma a territorialidade se inscreve no quadro da produção, da troca e do consumo das coisas. Ocorrendo uma mudança no modo de vida dos ribeirinhos. Uma outra mudança observada na área de estudo em decorrência da crescente demanda por pescado pelos frigoríficos instalados na sede do município foi à intensificação da pesca noturna. A pesca noturna sempre foi tradicionalmente realizada no ambiente lago, pois era inexistente no rio Solimões. Portanto, os camponeses-ribeirinhos passaram a pescar tanto durante o dia quanto à noite. Além disso, antes da proliferação do motor nas canoas a pesca de fera era somente realizada durante o período de águas baixas (agosto a janeiro/fevereiro), entretanto, com a demanda crescente pelos peixes lisos, os camponesesribeirinhos na busca desses recursos pesqueiros, passaram a pescar também no período de águas altas (março a julho). Assim, na atualidade pesca-se o ano inteiro (CRUZ, 2007). Apesar disso, é no período de águas baixas, que corresponde ao verão amazônico, que essa pescaria dos peixes lisos se intensifica na várzea de Manacapuru, gerando, por 18 conseguinte, uma competição entre as turmas de pescadores que atuam nesse importante espaço aquático. Isso vai impulsionar as turmas de camponeses-ribeirinhos a manter as fronteiras das territorialidades de pesca com mais exatidão. Ou melhor, por causa da maior disponibilidade de peixes nesse período e da maior competição pela captura dos mesmos, eles procuram defender, com afinco, os limites dessas territorialidades de pesca (CRUZ, 2007). A delimitação dessas territorialidades de pesca foi sendo determinada pela necessidade prática de se estabelecer uma gestão dos recursos pesqueiros disponíveis nesse trecho do rio Solimões. Ou melhor, dada a pressão em busca dos “peixes lisos” para atender o mercado dessas espécies em Manacapuru, os camponeses-ribeirinhos estabeleceram limites no sentido longitudinal ao rio, a partir da propriedade/casa em terra. Com relação ao rio, não há estabelecimento de limites, pois, segundo eles, o que determina a extensão no sentido transversal é o tamanho da rede. Na Costa do Pesqueiro I e II, no rio Solimões, por exemplo, as territorialidades de pesca são delimitadas de acordo com o tamanho da rede. Sendo identificados dois lanços, um na Costa do Pesqueiro I e o outro na Costa do Pesqueiro II. A figura 07mostra o local da delimitação dos lanços, os triângulos representam o início e termino do lanço, ou seja, o local que é lançada a rede e o que é retirada a mesma. Evidentemente que entre uma territorialidade de pesca e outra os camponesesribeirinhos dão uma margem de segurança para largar suas redes. Assim, não há perigo algum de ocorrer um entrelaçamento das mesmas. Mais é necessário que os mesmos obedeçam ao “sistema de vez” introduzido nesta forma de pescaria. Por outro lado, os camponesesribeirinhos de outras localidades ou pescadores profissionais embarcados ou não, vindos da sede do município ou de Manaus não são aceitos. 19 Figura 07 Local da largada e retirada das redes dos lanços. Org. Francisca Bispo/ Jucélia Parédio e Adriana Bindá. 4. INSTRUMENTOS E FORMAS DE PESCA DOS RIBEIRINHOS São vários os apetrechos utilizados na captura do pescado na região Amazônica, as descrições das diversas formas de pesca estão descritas em muitas obras de vários cronistas e naturalistas que passaram por estas terras ao longo de sua colonização. O arco e flecha , o anzol e o arpão são os instrumentos destacados nessas obras. Não vou me ater a tais descrições, darei destaque aos métodos de pesca utilizados na captura do peixe liso que é o nosso objeto de estudo, pois no passado, antes da abertura do mercado para essas espécies os ribeirinhos praticavam a pesca de forma artesanal nos lagos e com instrumentos simples, como a zagaia, flechas e caniço. Já que o pescado capturado era os de escama. A partir da procura intensiva pelos peixes bagres os ribeirinhos aprimoram os seus métodos de pesca, pois o ambiente de trabalho não é o mesmo. Sendo o rio o lugar desta captura e essas espécies consideradas de fundo os instrumentos e as formas de pesca são outras. Há a introdução do motor (rabeta) e o aumento 20 do tamanho da canoa são exemplos de mudanças nessa forma de pescaria. A rede usada na captura do peixe liso também sofreu alterações tanto no modelo quanto no tamanho. Logo no início os ribeirinhos utilizaram o mesmo apetrecho usado na pesca nos lagos, a rede malhadeira, depois adotaram a rede de arrasto ou arrastadeira. Esta, em função da crescente demanda pelos bagres como abordado anteriormente, atingiram o tamanho de 600 braças, possibilitando um aumento na produção do pescado. Outra mudança se deu com a introdução da bóia e o aumento do seu tamanho. As bóias são usadas nas extremidades (nas pontas das redes) para que ocorra o flutuamento da rede e o deslocamento de forma gradativa. Para que a rede arraste no fundo do rio os ribeirinhos utilizam chumbos na sua parte inferior e também para que a rede permaneça submersa, pois as águas do rio Solimões são agitadas e pelas espécies almejadas serem de fundo. Nessa pescaria é utilizada somente uma canoa, geralmente com dois tripulantes. Podese observar na figura 09uma canoa da comunidade Costa do Pesqueiro I que é utilizada para solta do lanço. Percebe-se que o motor está localizado no centro da canoa. Motor de popa Local destinado ao pescado durante o processo de captura Figura 09: Canoa típica utilizada na captura do peixe liso. Observe o motor de popa acoplado nessa embarcação e o local destinado ao armazenamento do pescado, conforme seta indicada. Fonte: Francisca Bispo-11/10/2008 21 A própria canoa serve de armazenamento enquanto se está pescando. De acordo com alguns pescadores eles saem cedo para pescar e só vendem o pescado quando se tem uma quantidade expressiva. Então o peixe que é capturado ao longo da manhã é armazenado em uma espécie de caixote construído na própria canoa. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesca é uma realidade que marca as atividades desenvolvidas pelos grupos sociais na Amazônia desde o período anterior a colonização. A importância de seu desenvolvimento está relacionada ao aperfeiçoamento através dos ribeirinhos que tem nesta atividade sua principal fonte de alimentação. Com a instalação das indústrias de pesca há uma transformação significativa na atividade pesqueira. A implantação dos frigoríficos na sede do município de Manacapuru aliado aos incentivos fiscais e linhas de financiamento para o setor, e a demanda de um crescente mercado exclusivo para as espécies de bagres, ocasionaram uma mudança no uso dos espaços aquáticos pelos ribeirinhos na área de pesquisa. As empresas de pesca, como foi visto, não atuam no processo de captura, pois isso implicaria numa série de investimentos que certamente aumentaria muito o custo de produção, optando pela compra do pescado já capturado. Essa abertura do mercado para os peixes lisos gerados pelos frigoríficos em Manacapuru trouxe uma reorganização nas comunidades estudadas, pois como foi descrito os ribeirinhos tinham como principal ambiente de pesca os lagos e a partir da abertura do mercado para as espécies de bagres, o rio principal torna-se o ambiente de pesca desses pescadores. Com isso uma série de mudanças na sua relação com o rio principal ocorre: pesca noturna, introdução do motor nas canoas e das bóias nas pescarias e delimitação das territorialidades de pesca. Esta sendo respeitada pelos demais frequentadores desse rio. As mudanças provocadas pelo mercado “exigem” do pescador-polivalente mais dedicação em relação às outras atividades. Apesar disso, muitos ribeirinhos alegam que essa atividade de pesca executada atualmente no rio Solimões para a captura dos bagres é extremamente vantajosa do ponto de vista financeiro, comparado com a atividade da agricultura ou até mesmo da pesca dos peixes de escama, espécies que formam grandes cardumes, como o jaraqui, o pacu, a sardinha e 22 outras. A explicação para isso é que enquanto os preços do bagre têm pequena oscilação ao longo do ano, isto é, entre o período da safra e entressafra, os outros produtos agrícolas e as outras espécies de peixes apresentam uma oscilação considerável, daí de certa forma a corrida para a pesca dos peixes lisos nesta região pelos pescadores ribeirinhos. Os fatores de ordem econômica e natural também impulsionaram os camponesesribeirinhos a se lançarem na pesca dos bagres, a partir da década de 1970, como alternativa econômica para sua permanência na várzea amazônica, pois esse período é de declínio na produção da juta/malva, borracha e cacau na Amazônia. Além disso, não se pode deixar de considerar as grandes e excepcionais enchentes/cheias e vazantes/secas dessa década, ou seja, todos os anos o nível da água transbordou a maior parte da restinga na várzea amazônica afetando as terras de plantio e de pastagens (CRUZ, 2007). Percebe que a criação das territorialidades de pesca e a abertura do mercado para as espécies de peixe liso no Município de Manacapuru está diretamente relacionada. Os pescadores ribeirinhos das comunidades pesquisadas não alteraram o seu modo de vida devido à instalação dos frigoríficos na cidade de Manacapuru, pois o desenvolvimento de novas atividades não é sinal da crise dos sistemas de produção tradicionais, porém antes de sua notável flexibilidade (SALEM-Cormier, 2005). Os ribeirinhos não entraram na atividade de pesca de peixe liso por causa de problemas ou diminuição das espécies de escama nos lagos e sim pela valorização que os bagres têm no mercado. Isso não significa que eles não pescam mais essas espécies de escama, muitas famílias estão nas duas atividades. Mais o tempo de dedicação à pesca dos bagres é maior, por serem destinadas ao mercado externo. Através das atividades concluídas foi possível fazer o levantamento histórico da pesca dos peixes bagres e como está sendo feita a comercialização do mesmo na área de pesquisa. Como se procedeu a criação das territorialidades e os principais instrumentos de pesca para a captura das espécies de peixe liso. 4. FONTES E REFERÊNCIAS ANDRÉ, Carlos. Processo de soltura do lanço. Manacapuru, 11 outubro de 2008. Trabalho de campo. Entrevista concedida a Francisca Bispo de Sousa. 23 BARROS, José Fernandes; RIBEIRO, Maria Olívia de Albuquerque. Aspectos Sociais e Conhecimento ecológico tradicional na pesca de bagre: O manejo da pesca dos grandes bagres Migradores. Manaus: Ibama, Pro Várzea, 2005. CARDOSO, Schiavone Eduardo. Pescadores Artesanais: Natureza, Território, Movimento Social. São Paulo: USP, 2001. Tese, Programa de Pós-Graduação em Geografia Física, Universidade de São Paulo, 2001. CRUZ, Manuel de Jesus Masulo da. Rios e Lagos: a apropriação das águas pelos camponesesribeirinhos na Amazônia In: Cultura Popular, Patrimônio Imaterial e Cidades. BRAGA, Gil Ivan Sérgio (Org.). Manaus: Edua, 2007. CRUZ, Manuel de Jesus Masulo da. Territorialização Camponesa na várzea da Amazônia. 2007, 274 F. Tese (Doutorado em Geografia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. 1. ed.. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. DIEGUES, Antonio Carlos Sant' Ana. Pescadores, Camponeses e Trabalhadores do Mar. São Paulo: Ática, 1983. LEONEL, Mauro. A Morte social dos rios. São Paulo: Perspectiva, 1990. MENDONÇA, Maria Silva de. et al. ETNOBOTÂNICA E O SABER TRADICIONAL. Manaus: EDUA, 2007. p. 94. cap. IV. McGRATH, David et al. Manejo Comunitário de Lagos de Várzea e o Desenvolvimento Sustentável da Pesca na Amazônia. Belém: NAEA, 1996. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A Geografia Agrária e as transformações territoriais recentes no campo brasileiro. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.). Novos caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 2002. PARENTE, Melo de Valdenei, et al. A pesca e a economia da pesca de bagres no eixo Solimões-Amazonas: O manejo da pesca dos grandes bagres Migradores. Manaus: Ibama, ProVárzea, 2005. PAULINO, Eliane Tomiasi, Por uma Geografia dos camponeses. São Paulo: Editora Unesp, 2006. PEREIRA, Santos dos Henrique. Gestão participativa e o movimento de preservação de lagos no Amazonas. Salvador: Cadernos ceas, 2003. 24 PEREIRA, Santos dos Henrique, et al. A diversidade da Pesca nas Comunidades da área focal do projeto PIATAM. In: FRAXE, Jesus de Therezinha, et al. Comunidades Ribeirinhas Amazônicas. Manaus: EDUA, 2007. RAFFETIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: ÁTICA, 1993. RUFFINO, Mauro Luís. Gestão do uso dos Recursos Pesqueiros na Amazônia. Manaus: Ibama, 2005. SALEM-Cormier, Entre Terras e águas: Pesca Marítima e Evolução dos sistemas de produção em Casamance. Paris: PRCM, 2003. SMITH, Nigel J. H. A pesca no rio Amazonas. Manaus: CNPq/INPA, 1979. VERÍSSIMO, José. A pesca na Amazônia. Pará: Universidade Federal do Pará, 1970. ANEXO 25 Anexo 01: Relação de algumas espécies de bagres mais apreciadas pelo mercado Nome comum Nome científico Piramutaba. Brachyplatystoma vaillanti Dourada. Brachplatystoma rousseauxii. Piracatinga. Calophysus macropterus. Braço-de-moça. Hemisorubim platyrhynchos. Mapará. Hypophthalmus edentatus. Pirarara. Phractocephalus hemioliopterus. Barbado, barba-chata. Pinirampus pirinampus. Surubim, pintado. Pseudoplatystoma fasciatum. 26 Surubim, surubim-tigre, capari. Pseudoplatystoma tigrinum. Piraíba Brachplatystoma filamentosum Bico-de-pato. Surubim lima. Fonte: Piatam, Peixes do Médio rio Solimões. Anexo 02: Espécies de peixe de escama Nome comum Nome científico Matrinxã. Brycon amazonicus. Tambaqui, ruelo, bocó. Colossoma macropomum. Pacu-marreca, pacu. Metynnis argenteus. Pacu-comum, pacu-manteiga. Mylossoma duriventre. Pirapitinga. Piaractus brachypomus. Branquinha. Curimata inornata. Jaraqui-escama-grossa. Semaprochilodus insignis. Jaraqui-escama-fina. Semaprochilodus toeniurus. bodó, acari-bodó. Liposarcus pardalis. Tucunaré-açu Cichla ocellaris Pescada-branca, pescada Plagioscion squamosissimus Fonte: Piatam, Peixes do Médio rio Solimões. Anexo 03: Relação dos chefes de família das Comunidades Nova Jerusalém e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e os ambientes de pesca que eles freqüentam. Chefe de Família Ambiente lago Ambiente rio Não pesca Paulo Bernardo X Paulão X 27 Anízio X Raimundo X Roberto X Jucelino X Anazildo X x Josimar X X Nilton X X Dão X Osvaldo X X X X Paixão Evanildo Marcelo X Sidney X Edimilto X Francisco X Alfredo X X Máximo X X Cássio X X Antônio X X Otávio X X Ozéia X X Lauro X Pinheiro X Valdir X Elias X X Milton X X Sebastião X João X José X X Dinho X X Cosme X Justino X Inácio X Luiz X X 28 Sr. Bão X Gama X Ivo X Bala X Abílio X Abidon X X Fernando X X Marco X Jander X X Zé bode X X Baú X Jaime X França X X Neném X Armando X X Ramiro X Romero X X Ferrinho X X Zé Maria X X Pirão d’água X X X Erasmo Antônio Fonte: Trabalho de campo, 2009. X X X