EXMO(A). JUIZ(A) FEDERAL DA ...... VARA FEDERAL DE PORTO ALEGRE, SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO GRANDE DO SUL O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, forte no art. 5º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), art. 6º, VII, “d”, da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), art. 127, “caput”, e art. 129, III, ambos da Constituição da República, vem perante Vossa Excelência, por seus Procuradores da República signatários, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação de tutela, contra a UNIÃO FEDERAL e a AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, autarquia federal com sede na SEPN 515, bloco B, edifício Ômega, Brasília/DF, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos: 1. OBJETO DA AÇÃO E FATOS PERTINENTES A presente ação tem por objeto a determinação de obrigações de fazer à União e à ANVISA que deem cumprimento ao art. 220, § 4, c/c art. 220, § 2º, inciso II, da Constituição Federal, especificamente no que se refere às restrições à publicidade de bebidas alcoólicas com teor alcoólico igual ou superior a 0.5 grau e menor que 13 graus Gay-Lussac. O Ministério Público visa a que o poder público cumpra com o seu dever de proteção à pessoa contra a propaganda de produtos (bebidas alcoólicas) que podem ser nocivos à saúde (art. 220, § 3º, II), especialmente, porém, o dever de proteção, com prioridade absoluta, à saúde de crianças e adolescentes (art. 227, caput, da Constituição Federal). Dispõe o art. 220 da Constituição Federal: Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. 2 § 4º - A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. A omissão do Estado é causa da violação do direito à saúde e à vida de milhares de brasileiros, principalmente de crianças e adolescentes, pois há evidências científicas de que: a) há uma associação entre a publicidade e maiores expectativas do consumo de álcool, bem como o início precoce deste uso e um consumo mais intenso; b) no Brasil, há uma alta exposição de adolescentes menores de idade às propagandas de bebidas alcoólicas; c) os adolescentes brasileiros quanto mais expostos às propagandas de cerveja mais gostam delas e consomem álcool em maiores quantidades em relação àqueles menos expostos, ainda que menores de idade1. Além disso, um ampla revisão da literatura internacional sobre o consumo entre jovens apresenta os seguintes resultados: a) quase 36% de meninos adolescentes (14-17 anos) que bebem ao menos uma vez por ano e quase metade consumiu três ou mais doses em situações habituais de consumo; b) na América do Sul, 8 a 15 % dos anos de vida perdidos por adoecimento ou mortalidade precoce devidos 1 Essas proposições constam do artigo “Apreciação de propagandas de cerveja por adolescentes: relações com a exposição prévia às mesmas e o consumo de álcool” publicado em Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(2):359-365, fev, 2009, de autoria de Alan Vendrame 1 Ilana Pinsky; Roberta Faria; Rebeca Silva, professores do Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo, e do Departamento de Medicina, Preventiva, Universidade Federal de São Paulo. (DOC 1) 3 a problemas de saúde são atribuíveis ao álcool; c) menores de idade são alvo de campanhas de publicidade de álcool; d) quanto maior a exposição à propaganda, maior é o consumo de adolescentes; e) que a restrição completa da propaganda de álcool e o aumento do imposto de produtos alcoólicos seriam as duas intervenções mais eficientes para reduzir o consumo entre os jovens e, dessa maneira, resultar em uma redução no número de mortes entre adultos. (DOC 2) Uma das causas dessa omissão estatal é facilmente conhecida com base na seguinte notícia publicada no dia 10 de maio de 2008 no Jornal Folha de São Paulo: Cervejarias doaram R$ 2 mi a deputados Levantamento foi feito pela Folha a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a campanha de 2006 Nesta semana, projeto que restringe a propaganda de bebidas com baixo teor alcoólico foi retirado da pauta de votações da Câmara ANGELA PINHO MARIA CLARA CABRAL DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Praticamente um em cada cinco deputados federais está ligado a empresas com interesses contrários à regulamentação da publicidade de cerveja. Dos 513 parlamentares, 87 têm concessões de rádio e televisão e/ou receberam doações de campanha da indústria de bebidas e de comunicação. Nesta semana, o projeto que restringe a propaganda de bebidas com baixo teor alcoólico, inclusive a cerveja, entre as 6h e as 21h em rádio e televisão, foi retirado da pauta de votações da 4 Câmara, a pedido do governo, após resistência de líderes partidários. Há mais de um mês, representantes da indústria de cerveja e de emissoras de rádio e TV vão ao Congresso quase diariamente para fazer lobby pela derrubada da proposta -bandeira do ministro José Gomes Temporão (Saúde). Levantamento feito pela Folha a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostra que 33 deputados eleitos tiveram parte da campanha eleitoral de 2006 financiada pela indústria de cerveja. Eles receberam R$ 2.130.120,00. As maiores doadoras foram a Schincariol e a Fratelli Vita, controlada pela AmBev, dona de marcas como Brahma e Antarctica. No ano passado, o PT também recebeu R$ 375 mil da cervejaria Petrópolis. Ao menos seis deputados receberam doações de empresas de rádio e televisão. O valor recebido é menor: R$ 23.695,00. Além disso, segundo a ONG Transparência Brasil, 57 parlamentares detêm concessões de rádio e televisão. Entre eles, estão dois líderes partidários, cujas orientações, em tese, têm de ser seguidas pela bancada. Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) comanda a maior bancada da Câmara, com 89 deputados. Ele detém concessões em Jardim do Seridó, João Câmara, Mossoró e Natal (RN). Luciano Castro, líder do PR, também tem concessão em Boa Vista (RR). A lista de donos de concessões não inclui o líder do DEM Antônio Carlos Magalhães Neto (BA), cuja família é dona da TV Bahia. Segundo a Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que tem como associadas as principais emissoras, as empresas de cerveja estão entre os quatro maiores anunciantes da televisão e entre os dez maiores do rádio. 5 O deputado Hugo Leal (PSC-RJ), autor de um relatório favorável à restrição da propaganda, afirma que foi procurado diversas vezes por lobistas contrários ao projeto. Em sua opinião, é muito difícil que a proposta seja aprovada no Congresso devido ao interesse pessoal dos próprios parlamentares no tema. "Isso é um absurdo, até lamentável." O projeto foi enviado pelo Executivo no início do ano em regime de urgência, ou seja, com prioridade na pauta da Câmara. Na quarta, em reunião com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, a maioria dos líderes partidários defendeu o adiamento da votação. Anteontem, no final do dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou requerimento retirando o caráter de urgência. O presidente da Câmara prometeu colocar o projeto em votação em junho. A justificativa dos líderes para o adiamento é que a ideia precisava de mais discussão, embora admitam a existência de interesses econômicos na questão. Colaborou JOHANNA NUBLAT A omissão estatal de que trata a presente ação foi objeto do Inquérito Civil nº 1.29.000.000474/2003-39 – 3º Ofício Cível da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul 2, cujas principais peças são ora anexadas. PRELIMINARES 2.1 LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL A presente Ação Civil Pública visa a tutelar questão de saúde pública, qual seja, coibir os efeitos danosos da ausência de 2 Portaria de instauração, Portaria PGR nº 384, de 13/08/2008, e Termo de Deliberação do Conselho Superior do Ministério Público Federal anexos (DOC 3) 6 restrições à publicidade de bebidas alcoólicas. Trata-se de direito difuso, ao qual está o Ministério Público Federal legitimado a defender, nos termos do art. 129, III, da Constituição Federal. Além disso, o art. 5º, V, “a”, da Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, atribuições e estatuto do Ministério Púbico da União, prevê como função institucional do Ministério Público da União “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde”. Cristalina, portanto, a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura da presente Ação Civil Pública. 2.2 LEGITIMIDADE PASSIVA E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL O ajuizamento da presente ação tem por objetivo o reconhecimento de uma obrigação de fazer em detrimento de dois entes federais: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a União. Cumpre, nessa linha, realçar as atribuições legais de cada um dos Réus a fim de que restem claras suas competências fiscalizatórias frente à publicidade de bebidas alcoólicas e a consequente legitimidade de ambas para figurar no polo passivo desta ação. No que tange à ANVISA, nos termos da lei que a criou, compete-lhe promover a proteção da saúde da população por meio do controle sanitário da produção e da comercialização (incluída aqui a 7 publicidade) de produtos, dentre eles, bebidas. É o que dispõe a Lei 9.782/99: Art. 6º. A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras. Art. 7º. Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: [...] XXVI - controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária (incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001); Art. 8º. Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. § 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência: [...] II - alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários; (grifouse) Tais atribuições são todas repisadas pelo Decreto 3.029/99 (Anexo I, art. 2º; art. 3º, XXIV; art. 4º, §1º, II) e pelo Regimento Interno da Agência (Portaria ANVISA 354/06, Anexo I, art. 1º; art. 2º, XXIV; art. 3º, § 1º, II). Foi, ademais, com base no art. 4º, § 1º, do citado 8 regulamento que o Diretor-Presidente da entidade instituiu, no âmbito da estrutura da autarquia, por meio da Portaria ANVISA 355/06, a chamada Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, de Publicidade, de Promoção e de Informação de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária, cujas atribuições, dentre outras, são: Art. 69 [...]: I - avaliar, fiscalizar, controlar e acompanhar, a propaganda, a publicidade, a promoção e a informação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto as relativas aos produtos derivados do tabaco; II - desenvolver atividades com órgãos afins, da administração federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, com o objetivo de exercer o efetivo cumprimento da legislação relativa a publicidade, a propaganda, a promoção, e a informação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto as relativas aos produtos derivados do tabaco; III - coordenar as atividades de apuração das infrações à legislação de vigilância sanitária, instaurar processo administrativo para apuração de infrações à legislação sanitária federal, em sua área de competência; IV - propor as penalidades previstas em lei; [...] E ainda: Art. 70. São atribuições da Unidade de Monitoramento, Fiscalização de Propaganda, Publicidade e Promoção de Produtos sujeitos à vigilância sanitária: I - captar e analisar peças publicitárias dos produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto os produtos derivados do tabaco em diferentes veículos de comunicação; 9 II - elaborar e rever minutas de atos normativos a serem editados pela ANVISA, bem como proceder à apreciação e opinar, quando for o caso, sobre projetos de decretos e anteprojetos de leis e medidas provisórias, em sua área de competência; III - instaurar processo administrativo para apuração de infrações à legislação sanitária federal, em sua área de competência; IV - promover a análise técnica dos processos administrativos de infração à legislação sanitária, relativos à publicidade, promoção, propaganda e informação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto os produtos derivados do tabaco, iniciados com autos de infração, lavrados pelas autoridades fiscais competentes e emitir parecer técnico; [...] Dessarte, compete à ANVISA exercer a fiscalização, no cumprimento dos deveres-poderes que lhe foram alcançados pelo legislador, da propaganda de bebidas alcoólicas, o que não vem sendo feito a contento, como se procurará demonstrar, ante a inércia do órgão em face do atual programa publicitário de algumas empresas que comercializam bebidas com teor alcoólico entre 0.5 e 13 graus Gay Lussac. Ressalte-se que a ANVISA reconhece sua obrigação, como depreende-se do lançamento da Consulta Pública nº 83, de 16 de novembro de 2005, adiante referida. Mantém-se, contudo, omissa. Saliente-se por fim, no que se refere à ANVISA, a expressa atribuição para imposição de penalidades - no que se refere ao desrespeito à legislação que impõe restrições à publicidade de bebidas com teor alcoólico superior a 13º Gay Lussac – prevista na Lei nº 9.294/96: Art. 9o Aplicam-se ao infrator desta Lei, sem prejuízo 10 de outras penalidades previstas na legislação em vigor, especialmente no Código de Defesa do Consumidor e na Legislação de Telecomunicações, as seguintes sanções:(Redação dada pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) I - advertência; II - suspensão, no veículo de divulgação da publicidade, de qualquer outra propaganda do produto, por prazo de até trinta dias; III - obrigatoriedade de veiculação de retificação ou esclarecimento para compensar propaganda distorcida ou de má-fé; IV - apreensão do produto; V – multa, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), aplicada conforme a capacidade econômica do infrator; (Redação dada pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) VI – suspensão da programação da emissora de rádio e televisão, pelo tempo de dez minutos, por cada minuto ou fração de duração da propaganda transmitida em desacordo com esta Lei, observandose o mesmo horário. (Inciso incluído pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) VII – no caso de violação do disposto no inciso IX do artigo 3oA, as sanções previstas na Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo do disposto no art. 243 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. (Incluído pela Lei nº 10.702, de 14.7.2003) § 1° As sanções previstas neste artigo poderão ser aplicadas gradativamente e, na reincidência, cumulativamente, de acordo com as especificidade do infrator. § 2° Em qualquer caso, a peça publicitária fica definitivamente vetada. § 3o Considera-se infrator, para os efeitos desta Lei, toda e qualquer pessoa natural ou jurídica que, de 11 forma direta ou indireta, seja responsável pela divulgação da peça publicitária ou pelo respectivo veículo de comunicação.(Redação dada pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) § 4o Compete à autoridade sanitária municipal aplicar as sanções previstas neste artigo, na forma do art. 12 da Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, ressalvada a competência exclusiva ou concorrente: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) I – do órgão de vigilância sanitária do Ministério da Saúde, inclusive quanto às sanções aplicáveis às agências de publicidade, responsáveis por propaganda de âmbito nacional; (Inciso incluído pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) II – do órgão de regulamentação da aviação civil do Ministério da Defesa, em relação a infrações verificadas no interior de aeronaves; (Inciso incluído pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) III – do órgão do Ministério das Comunicações responsável pela fiscalização das emissoras de rádio e televisão; (Inciso incluído pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) IV – do órgão de regulamentação de transportes do Ministério dos Transportes, em relação a infrações ocorridas no interior de transportes rodoviários, ferroviários e aquaviários de passageiros. (Inciso incluído pela Lei nº 10.167, de 27.12.2000) § 5o O Poder Executivo definirá as competências dos órgãos e entidades da administração federal encarregados em aplicar as sanções deste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.702, de 14.7.2003) Não bastasse a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça também possui, concorrentemente, atribuições no campo da fiscalização da publicidade de produtos potencialmente nocivos à 12 saúde do consumidor. Vejamos o que dispõe o ordenamento acerca da matéria: Lei 10.683/03 Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes: XIV - Ministério da Justiça: [...] e) defesa da ordem econômica nacional e dos direitos do consumidor; Lei 8.078/90 (CDC) Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; [...] c) pela presença do Estado no mercado de consumo; III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; 13 [...] VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, [...]; Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. § 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias. ... § 3° Os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões permanentes para elaboração, revisão e atualização das normas referidas no § 1°, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores. § 4° Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial. Art. 106. O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituílo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a 14 política nacional de proteção ao consumidor; [...] VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; Decreto 2.128/97 Art. 1º. Fica organizado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC e estabelecidas as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 2º. Integram o SNDC a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça SDE, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as entidades civis de defesa do consumidor. Art. 3º. Compete ao DPDC, a coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa do consumidor; [...] VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores; Assim, o que se tem é que o DPDC, a despeito de suas atribuições, definidas no ordenamento, não vem exercendo qualquer atividade de fiscalização sobre a publicidade de bebidas alcoólicas que, notoriamente, não sofre qualquer balizamento pelo Departamento nos meios de comunicação de massa. 15 Uma vez que os Réus detêm competências que lhes legitimam a integrar o polo passivo desta Ação Civil Pública, só resta reconhecer, a teor do disposto no art. 109, I, da CF, a competência da Justiça Federal para julgar o feito em que figurem como Réus autarquia federal e a União. 2.3 INEXISTÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA COM OUTRAS AÇÕES É de conhecimento dos signatários desta inicial a existência de duas ações civis públicas que têm por objeto a determinação de restrições à propaganda comercial de bebidas alcoólicas. A primeira delas foi proposta pela Associação de Defesa e Orientação ao Cidadão, ADOC, e pela Sociedade Humanitária Tucuxi, contra a União, o Ministério da Saúde, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e a ABRABE, Associação Brasileira de Bebidas, e perseguia a condenação dos réus a fazer constar, nos atos publicitários referentes a bebidas alcoólicas, a advertência de forma clara e ostensiva, modo escrito ou sonoro, do indicativo de que o consumo de bebidas alcoólicas acarreta riscos e potenciais danos à saúde. Postularam ainda a correta rotulagem dos alcoólicos, com indicativo claro sobre os riscos e a condenação do Ministério da Saúde a apresentar o mapa de informação previsto na Lei nº 6.368/76 e Resolução nº 3/78, divulgando os gastos públicos pelo SUS referentes ao atendimento das vítimas do alcoolismo. Pretenderam, por fim, a fixação da responsabilidade solidária dos requeridos com a indenização ao SUS dos valores despendidos, nos termos dos arts. 95 e 103 da Lei nº 8.078/90 e arts. 8º e 13 da Lei nº 7.347/85. Foi dado provimento parcial à apelação para fim de julgamento de procedência parcial da ação, nos termos da ementa citada infra (Apelação nº 16 2002.04.01.000611-1/PR, rel. Des. Marga Inge Barth Tessler). A segunda ação civil pública tem os seguintes pedidos: a) “a declaração incidental de inconstitucionalidade do parágrafo único, do artigo 1º, da Lei n. 9.294/1996, passando a se aplicar o estabelecido pela Lei n. 8.918/94 e pelo Decreto n. 2.314/97, o qual, no parágrafo 2º, do seu artigo 10, prescreve que “bebida alcoólica é a bebida com graduação alcoólica acima de meio e até cinquenta e quatro por cento em volume de álcool etílico, à temperatura de vinte graus Celsius”; b) “no mérito, a anulação do inciso IV, do artigo 5º, da Portaria n. 264/2007, bem como a anulação do inciso IV, do artigo 5º, da Portaria n. 1.220/2007, ambas expedidas pelo Ministério da Justiça, passando a União a proceder, em todo o território nacional, o efetivo controle prévio sobre todas as propagandas comerciais veiculadas pelas emissoras de rádio e televisão brasileiras”; c) “a condenação da União em obrigação de fazer, consistente em editar, no prazo máximo de 40 dias úteis, a contar da intimação da sentença de mérito, os atos administrativos gerais e nacionais, necessários à restrição, em todo o território nacional, da veiculação das propagandas comerciais de cerveja e demais bebidas alcoólicas de teor igual ou superior a 0,5 grau Gay Lussac, no horário compreendido entre 23 horas e 06 horas da manhã”. Esta ação foi julgada improcedente pelo juízo de primeiro grau sob o argumento de que o Judiciário não pode atuar como legislador positivo. Há recurso de apelação ainda não julgado pelo TRF4 (AC 200870000131351, relator Juiz Federal Márcio Antônio Rocha). Como demonstrar-se-á a seguir, não há litispendência entre essas ações e a presente, uma vez que não há identidade de causa de pedir e de pedido (§ 2º e 3º do art. 302 do CPC). Sobre a causa de 17 pedir não há identidade entre as ações do MPF porque esta agora proposta não tem como causa de pedir a inconstitucionalidade incidental de qualquer dispositivo da Lei 9.394/96, mas sim a não-realização do dever de proteção inscrito nas disposições acima citadas da Constituição Federal. Além disso, os pedidos são distintos, como veremos ao final. Por fim, por cautela, subsidiariamente, pede-se que os efeitos da decisão tenham validade no Estado do Rio Grande do Sul. 3. ARGUMENTOS EMPÍRICOS A seguir são apresentadas outras evidências acerca dos danos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas, da associação entre publicidade e aumento de consumo, principalmente entre os jovens, e dos consensos de especialistas sobre a necessidade da proibição ou de fortes restrições à publicidade destas bebidas. 3.1 Danos causados pelo consumo de bebidas alcoólicas O consumo de bebidas alcoólicas produz índices alarmantes de danos à integridade física e psíquica tanto do usuário quanto da sociedade em geral: é responsável por mortes violentas, abuso sexual, agressões, acidentes de trânsito, violência doméstica, diversas enfermidades - inclusive do feto e recém-nato de mãe alcoolista -, exposição a comportamentos de risco (direção sob efeito de álcool, sexo sem proteção, uso de outras drogas) etc. O consumo de álcool também tem consequências sociais e econômicas bastante relevantes. Publicação da Organização Pan 18 Americana da Saúde destaca que: En general, existe una relación causal entre el consumo de alcohol y 60 tipos de enfermedades y lesiones (Rehm 2005) El uso difundido de bebidas alcohólicas está asociado a una serie de consecuencias sociales y de salud, incluyendo lesiones deportivas y de ocio, reducción de la productividad laboral, diversas formas de cáncer, enfermedad crónica hepática, enfermedad cardiaca, lesiones en los sistemas nerviosos central y periférico y dependencia del alcohol. Los problemas ocasionados por el alcohol pueden ir más allá del bebedor y producir efectos sobre quienes lo rodean en aspectos como violencia familiar, conflictos maritales, problemas económicos, abuso de menores, admisiones en salas de emergencia (Borges et al. 2004), comportamiento violento, lesiones y fatalidades en automovilistas y peatones cuando se conduce en estado de ebriedad (MacDonald et al. 2006; Borges et al. 2004a). El consumo de alcohol también está asociado con comportamientos de alto riesgo, incluyendo sexo no seguro y uso de otras sustancias psicoactivas. Los trastornos por el uso de alcohol, con altos índices en la Región, conllevan un alto grado de comorbilidad con otros trastornos por uso de sustancias, como dependencia de la nicotina y enfermedades de transmisión sexual. Los estudios más recientes 19 sugieren una asociación entre consumo de alcohol y VIH/SIDA (Matos et al. 2004; Stein et al. 2005; Stueve y O’Donell 2005).3 Conforme Mônica Gorgulho, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o consumo de bebidas alcoólicas está classificado entre os dez comportamentos de maior risco à saúde. É a principal causa de morte em alguns países em desenvolvimento, responsável por 1,8 milhões de mortes no mundo, dentre as quais 5% são jovens entre 15 e 29 anos. Estima-se que, mundialmente, o álcool seja responsável por 20% a 30% dos casos de câncer do esôfago, doenças do fígado, epilepsia, acidentes de carro, homicídios e outros problemas. 4 Estima-se que no ano de 2002 o álcool causou a morte de uma pessoa a cada dois minutos nas Américas, e que 5,4% de todas as mortes nas Américas foram atribuídas ao álcool naquele ano, em comparação com a cifra mundial de 3,7% 5 Conforme a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, resultados preliminares de pesquisa encomendada pelo Governo Federal sobre os custos dos acidentes de trânsito no Brasil (IPEA/MS e Cols., em desenvolvimento), 53% do total dos pacientes atendidos por acidentes de trânsito no Ambulatório de Emergência do Hospital das Clínicas/SP, em determinado período, estavam com índices de alcoolemia em seus exames 3 Monteiro, Maristela G. Alcohol Y Salud Pública em las Américas: un caso para la acción. Washington DC, Organización Pan Americana de la Salud, 2007 (DOC 4) 4 O papel da mídia na promoção do uso responsável de álcool, inserto na publicação do Ministério da Saúde “Álcool e Redução de Danos – uma abordagem inovadora para países em transição”, 2004 (DOC 5) 5 Monteiro, Maristela G. Alcohol Y Salud Pública em las Américas: un caso para la acción. Washington DC, Organización Pan Americana de la Salud, 2007 20 de sangue superiores aos permitidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, sendo a maioria pacientes do sexo masculino, com idades entre 15 e 29 anos. Os resultados preliminares apontam ainda que a mortalidade chega a 30 mil óbitos/ano, cerca de 28% das mortes por causas externas, e das análises em vítimas fatais/IML/SP, o nível de alcoolemia encontrado chega a 96,8%. Ainda conforme a Política do Ministério da Saúde, a relação entre o uso do álcool, outras drogas e os eventos acidentais ou situações de violência, evidencia o aumento na gravidade das lesões e a diminuição dos anos potenciais de vida da população, expondo as pessoas a comportamentos de risco. Os acidentes e as violências ocupam a segunda causa de mortalidade geral, sendo a primeira causa de óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos de idade. Esse perfil se mantém nas séries históricas do Sistema de Mortalidade do Ministério da Saúde, nos últimos oito anos (DOC 6). Pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Drogas dos EUA em 1997, referida no artigo intitulado “Álcool e redução de danos: construção de uma política intersetorial efetiva”, de Pedro Gabriel Delgado, Paulo Roberto Aranha de Macedo, Francisco Cordeiro e Sueli Moreira Rodrigues, revelou que dois terços dos casos de espancamento de crianças ocorrem quando os pais agressores estão embriagados, o mesmo ocorrendo nas agressões entre marido e mulher. Revelou também que o uso excessivo de bebida estava presente em 68% dos homicídios culposos, 62% dos assaltos, 54% dos assassinatos e 44% dos roubos ocorridos. (DOC 7) Conforme a Organização Mundial de Saúde, “existe uma fuerte relación entre el consumo de alcohol y el riesgo de uma persona 21 de ser perpetrador o víctima de violencia. La violencia o los maltratos relacionados com el alcohol incluyen violencia em la pareja, maltrato infantil, violencia juvenil, violencia sexual y maltrato y abuso de ancianos” 6 No que se refere à dependência, de acordo com dados do Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil executado no ano de 2005 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID da Universidade Federal de São Paulo, a estimativa da população dependente de álcool nas cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes é de 6.268.000 sendo que é justamente na faixa dos 18 aos 24 anos de idade que se concentram as maiores porcentagens de dependentes do álcool (19,2%) (DOC 8). Observa-se que, comparando com os dados obtidos em 2001, através do I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, também anexo (DOC 9), a estimativa de população dependente do álcool nas 107 cidades com mais de 200 mil habitantes era de 2.469.000 pessoas, número esse inferior à metade da população apontada no segundo levantamento, realizado quatro anos depois. A dependência do álcool entre adolescentes de 12 a 17 anos, que era de 5,2% em 2001, subiu para 7,0% em 2005. Na faixa de 18 a 24 anos, a dependência subiu de 15,5% em 2001 para 19,2% em 2005. Saliente-se ainda que o custo econômico, e por mais esse viés também social dessa gama de consequências, está longe de ser 6 Monteiro, Maristela G. Alcohol Y Salud Pública em las Américas: un caso para la acción. Washington DC, Organización Pan Americana de la Salud, 2007. 22 desprezível. Por fim, não se pode deixar de ressaltar um fato notório: os danos não são causados apenas pela ingestão de bebidas alcoólicas com teor superior a 13° Gay Lussac. A maior ou menor graduação alcoólica de uma bebida não tem relação com a maior ou menor ingestão de álcool pelo usuário - até porque o volume normalmente consumido de uma bebida com menor teor alcoólico é superior ao de outra com maior concentração de álcool. 3.2. A relação entre a publicidade de bebidas alcoólicas e o aumento de seu consumo Pesquisas demonstram a relação entre a publicidade de bebidas alcoólicas e o aumento de seu consumo, especialmente entre jovens. Segundo Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisas consistentes mostram que a propaganda de bebidas alcoólicas é muito eficiente em aumentar o consumo. “A propaganda não visa motivar quem assiste a imediatamente abrir uma lata de cerveja, mas reforça a cultura de que as confraternizações devem ser regadas a álcool”, e “ainda promove a ligação da sexualidade e da virilidade com a bebida”. 7 Leslie B. Snyder, Frances Fleming Milici, Michael 7 RADIS 54, fev/2007, p. 14 (DOC 10) 23 Slater, Helen Sun e Yuliya Strizhakova publicaram, em janeiro de 2006, artigo na Revista "Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine", v. 160:18-24, intitulado "Effects of Alcohol Advertising Exposure on Drinking Among Youth", no qual concluem que a propaganda de bebidas alcoólicas contribui para o aumento do seu consumo entre os jovens. Um dos resultados apurados mostra que, no mercado americano, para cada dólar adicional per capita gasto em publicidade, há um aumento individual de 3% no consumo de bebidas alcoólicas por mês. Outro é que, em mercados com baixo nível de gastos em publicidade per capita, as taxas iniciais de consumo são mais baixas que nos mercados com altos gastos em publicidade. Jovens que convivem com maior publicidade do álcool bebem mais, aumentam mais os seus níveis de consumo ao longo do tempo e continuam a aumentar estes níveis até os vinte e pouco anos de idade. Já os jovens que vivem em mercados com menos publicidade de bebidas alcoólicas bebem menos e mostram um padrão modesto de aumento no consumo até os vinte e pouco anos, quando estes níveis começam a decair. A publicação está anexada à inicial (DOC 11). O impacto psicológico da mídia sobre os adolescentes é objeto de obra do médico especialista em crianças e adolescentes Victor C. Strasburger, M.D., da University of New Mexico School of Medicine, da qual se extrai: “Uma variedade de estudos têm explorado o impacto da publicidade sobre crianças e adolescentes. Quase todos têm demonstrado que a publicidade é extremamente efetiva no aumento da conscientização 24 e respostas emocionais dos jovens aos produtos, no seu reconhecimento de certas marcas, no seu desejo de usar os produtos anunciados e no seu reconhecimento dos próprios comerciais. Em 1975, a National Science Foundation (1977) comissionou um relatório sobre os efeitos da publicidade sobre crianças, concluindo: ‘Está claro, a partir das evidências disponíveis, que a televisão realmente influencia as crianças. As pesquisas têm demonstrado que as crianças prestam atenção e aprendem com os comerciais, e que a publicidade é pelo menos moderadamente bemsucedida na criação de atitudes positivas para com os produtos anunciados, bem como para o desejo de têlos (p. 179)’ Embora as pesquisas não sejam dramaticamente conclusivas, uma preponderância de evidências indiretas aponta para anúncios de cigarros e álcool como sendo o fator significativo no uso dessas duas drogas por adolescentes. Para o álcool, a publicidade pode explicar até 10 a 30% do uso por adolescentes (Atkin, 1993a, 1994; Gerbner, 1990)”... Ao tratar especificamente da publicidade do álcool e seu impacto sobre os adolescentes, afirma o autor: Como os anúncios de cigarro na mídia impressa, os comerciais de cerveja são virtualmente feitos sob medida para apelarem para crianças e adolescentes: 25 imagens de pessoas jovens que se divertem, são sexy e bem-sucedidas vivendo os melhores momentos de suas vidas. Quem não gostaria de esquecer as restrições?... os dados experimentais de quatro estudos diferentes demonstram que o uso de imagens sexuais (Atkin, 1994; Kilbourne, Painton & Ridley, 1985) ou pessoas famosas (Atkin & Block, 1983; Friedman, Termini & Washington, 1977) aumenta o impacto dos anúncios de cerveja e vinho sobre pessoas jovens. ... Existe, também, um efeito pequeno mas demonstrável da exposição a comerciais de cerveja e vinho sobre o comportamento real de beber entre os adolescentes (Atkin et al., 1984; Bailey, 1992) e estudantes universitários (Kohn & Smart, 1984, 1987). Uns poucos levantamentos correlacionais foram realizados. Em dois, existe uma associação positiva moderada entre a exposição a anúncios de cerveja e vinho e o consumo excessivo ou ingestão de álcool ao volante (Atkin, Neuendorf & Mc Dermott, 1983). Um outro estudo mostrou que espectadores pesados estavam mais propensos a beber álcool que os espectadores leves, ou que veem TV com moderação (Tucker, 1985). Presumivelmente, a exposição à publicidade é maior. Outras pesquisas também sugerem o seguinte: Desde 1960, tem sido observado um aumento 26 dramático nos gastos em publicidade nos Estados Unidos, acompanhados por um aumento de 50% per capita no consumo de álcool (Jacobson & Collins, 1985) Na Suécia, uma proibição editada na década de 70 sobre todos os comerciais de vinho e cerveja resultou em uma queda de 20% per capita no consumo de álcool (Romelsjo, 1987). Como os avisos impressos nos rótulos de cigarro, os avisos nos rótulos de bebidas alcoólicas provavelmente são ineficazes (MacKinnon, Pentz & Stacy, 1993). Em um estudo com crianças de 8 a 12 anos, da área suburbana de Maryland, essas eram capazes de citar mais marcas de cerveja que presidentes dos Estados Unidos (Center for Science in the Public Interest, 1988). Um estudo de 1990 sobre 468 alunos aleatoriamente selecionados da 5ª e 6ª séries descobriu que 88% deles podiam identificar Spuds Mackenzie com a cerveja Bud Light. Sua capacidade para citar nomes de cervejas e associá-los com os slogans estava significativamente relacionada com sua exposição e atenção aos comerciais de cerveja. Quanto maior a exposição e atenção, maior a probabilidade de as crianças pensarem que beber está associado com diversão e prazer, não com riscos à saúde, e que essas crianças esperavam beber, 27 quando adultos. Suas atitudes acerca do beber estavam especialmente condicionadas por assistirem a programas esportivos pela TV em fins de semana (Wallack et al, 1990).8 Conforme as pesquisadoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ana Carolina Peuker, Janaína Fogaça e Lisiane Bizarro, “as expectativas em relação aos efeitos do álcool são consideradas informações da memória de longo-prazo que derivam de experiências vicárias e diretas que um indivíduo teve com o álcool como consequência de suas características biológicas e do ambiente. Expectativas bem definidas a respeito dos efeitos do álcool podem se formar antes mesmo de um indivíduo beber pela primeira vez na vida. Estas expectativas se desenvolvem a partir de modelos familiares e do grupo de iguais, experiências diretas e indiretas com bebidas de álcool e exposição à mídia (Araujo & Gomes, 1998; Fromme & D’Amico, 2000; Goldman, 1999) ... A correlação entre expectativas positivas e o beber problemático sugere que programas preventivos para reduzir os riscos do beber problemático entre universitários devem alcançar pelo menos dois aspectos. O aspecto ambiental, objetivando limitar a propaganda, o acesso e a disponibilidade do álcool, aumentar seu custo e promover atividades alternativas não relacionadas ao uso de álcool (Kerr-Corrêa & cols., 1999; Zeigler & cols., 2005); e o aspecto cognitivo, objetivando identificar e alterar cognições disfuncionais.”9 Como se vê, a propaganda atinge especialmente os jovens, e investigações recentes apontam que quanto mais cedo tem início 8 Strasburger, Victor C; Os adolescentes e a mídia: impacto psicológico. Porto Alegre, Artmed, 1999 (DOC 12) 28 o consumo de álcool, maior é o risco de dependência em etapas posteriores da vida. Além disso, “estudio demostró que el inicio temprano del consumo del alcohol está relacionado com el abuso de drogas, delincuencia, comportamiento antisocial em la vida adulta y fracaso educativo 3.3. 10 A necessidade da imposição de restrições à publicidade de todas as bebidas alcoólicas A necessidade da imposição de restrições à publicidade de bebidas alcoólicas – sem distinção quanto ao teor alcoólico – é reconhecida pela Organização Pan-Americana da Saúde: Emprender un enfoque de salud pública para las políticas de alcohol implica la aplicación de intervenciones apropiadas, que muy probablemente beneficiarían a una mayor cantidad de personas, ya que es un enfoque poblacional. También implica la hipótesis de que las poblaciones consumen bebidas alcohólicas como resultado de uma interacción entre la sustancia (es decir, el alcohol como sustancia psicoactiva y tóxica), lo individual (es decir, género, características biológicas, historial personal) y los factores ambientales (es decir, disponibilidad, precio y promoción del alcohol). Por consiguiente, se pueden utilizar principios epidemiológicos para evaluar y 9 Expectativas e Beber Problemático entre Universitários – DOC 13 10 Curie 2004, referido por Monteiro, Maristela G. Alcohol Y Salud Pública em las Américas: un caso para la acción. Washington DC, Organización Pan Americana de la Salud, 2007 29 comprender mejor la ingesta de alcohol en una determinada población y proporcionar datos con el fin de monitorear tendencias, diseñar mejores intervenciones y evaluar programas y servicios, a diferencia de la medicina clínica, que se enfoca en el tratamiento y cura de un enfermedad en cada caso individual (Babor et al. 2003). ... Chisholm et al. (2004) realizaron un análisis de rentabilidad de diversas opciones de políticas en todas las regiones del mundo, a partir de datos del año 2000. Los resultados demostraron que las políticas de alcohol tales como la aplicación de impuestos, las leyes para el control del manejar en estado de ebriedad, las asesorías breves y la prohibición publicitaria fueron rentables para las Américas y que una combinación de dichas políticas podría producir un mayor beneficio...... Aunque no es concluyente, gran parte de las investigaciones sobre el impacto de la publicidad de alcohol, la Organización Mundial de la Salud indica que “pueden hallarse evidencias cada vez mayores de que la exposición a la publicidad induce percepciones positivas sobre el consumo y puede incrementar una ingesta más intensa. Por consiguiente, al parecer las restricciones sobre la publicidad y el patrocinio deberían ser parte de una 30 política sobre alcohol comprehensiva, especialmente si está dirigida a los jóvenes” (OMS 2004). En 2003, el Consejo Nacional de Investigaciones/Instituto de Medicina de EE.UU. (NCR/IOM 2003) publicó un informe que marcó un hito, proporcionando evidencias sobre el impacto de la publicidad y la mercadotecnia sobre la ingesta en jóvenes e instando al Departamento de Salud y Servicios Humanos de los EE.UU. a monitorear las prácticas publicitarias y mercadotécnicas de la industria del alcohol e informar periódicamente al Congreso y al público (NCR/IOM 2003).11 A OPAS/OMS inclui entre os dez componentes que conformam a base para uma política sobre álcool compreensiva e eficaz “reglamentar o prohibir la publicidad o promoción de alcohol em radio, televisión, internet, medios impresos, carteles publicitarios y em eventos culturales, juveniles y deportivos, particularmente en relación com su impacto sobre los jóvenes, y encargar la responsabilidad del seguimiento y aplicación de cualquier reglamentación o prohibición a uma institución gubernamental u organismo independiente” (Componente 3). Os participantes da Primeira Conferência Panamericana sobre Políticas Públicas e Álcool levada a efeito em Brasília 11 Monteiro, Maristela G. Alcohol Y Salud Pública em las Américas: un caso para la acción. Washington DC, Organización Pan Americana de la Salud, 2007, grifamos. 31 de 28 a 30 de novembro de 2005 demonstraram, na Declaración de Brasilia sobre las políticas públicas em alcohol, sua preocupação “de que la publicidad, promoción y patrocinio del alcohol llega a los jóvenes, y están afectando a los esfuerzos para reducir y prevenir el uso del alcohol en los menores de edad”: Los participantes de la Primera Conferencia Panamericana sobre Políticas Públicas en Alcohol llevada a cabo en Brasilia, Brasil, del 28 al 30 de Noviembre del 2005: Alarmados que el alcohol es el principal factor de riesgo de la carga de morbilidad en las Américas y que los daños relacionados con el alcohol no han sido adecuadamente atendidos en la Región; Recordando y reafirmando la resolución de la Asamblea Mundial de la Salud (AMS) 58.26 de la Organización Mundial de la Salud, que urge a los Estados Miembros a que desarrollen, implementen y evalúen las estrategias y los programas efectivos para reducir las consecuencias negativas a la salud y sociales del uso perjudicial del alcohol; Reconociendo que la evidencia científica ha establecido que el consumo perjudicial y peligroso del alcohol causa muerte prematura, enfermedades y discapacidad; Preocupados que en muchos países hay un significativo consumo de alcohol no registrado, y que la producción y el consumo de alcohol registrado es alto 32 y en niveles crecientes; Reconociendo que el daño causado por el alcohol es un problema nacional y regional de la salud pública y social en las Américas, a pesar de las diferencias culturales entre las naciones; Reconociendo que el alcohol es también causa de muertes violentas, lesiones intencionales y no intencionales, particularmente en los jóvenes; Notando que el alcohol es también una causa de muerte, discapacidad y daños sociales a personas otras que el bebedor; Conscientes de los estudios que existen sobre los costos por el uso del alcohol indican que los problemas asociados crean una fuerte carga económica, de salud y social; Preocupados que el alcohol interactúa con la pobreza produciendo aún mayores consecuencias para los que no tienen acceso a los recursos básicos para la salud y el sustento; Preocupados que los pueblos indígenas, los migrantes, los niños de la calle y otras poblaciones altamente vulnerables desproporcionadamente en las de Américas las sufren repercusiones negativas del alcohol; Enfatizando el riesgo del daño debido al consumo de alcohol durante el embarazo; Reconociendo las amenazas planteadas a la 33 salud pública por el aumento de la disponibilidad y accesibilidad de las bebidas alcohólicas en muchos países en las Américas; Preocupados de que la publicidad, promoción y patrocinio del alcohol llega a los jóvenes, y están afectando a los esfuerzos para reducir y prevenir el uso del alcohol en los menores de edad; Conscientes de la existencia de evidencias irrefutables acerca de la efectividad de estrategias y medidas tendientes a reducir el consumo de alcohol y daños relacionados; Reconociendo que los abordajes relacionados con el consumo nocivo del alcohol deben incluir diferentes modelos y estrategias para la reducción de daños sociales y a la salud; Reconociendo que la cooperación internacional y la participación de todos los países de la región es necesaria para reducir las consecuencias negativas a la salud y sociales del consumo de alcohol. Recomendamos que: La prevención y reducción de los daños relacionados com el consumo de alcohol sean considerados una prioridad para la acción en la salud pública en todos los países de las Américas. Las estrategias regionales y nacionales sean desarrolladas incorporando enfoques basados en evidencias culturalmente apropiadas para reducir el 34 daño relacionado com el consumo de alcohol. Estas estrategias deben apoyarse en mejores sistemas de información y en estudios científicos adicionales sobre el impacto del alcohol y de los efectos de las políticas em los contextos nacionales y culturales de los países de las Américas. Se establezca una red regional de contrapartes nacionales, nominada por los Estados Miembros de las Américas, con la cooperación técnica y el apoyo de la Organización Panamericana de la Salud, para trabajar en la reducción de los daños relacionados al consumo de alcohol. Las políticas de alcohol cuya efectividad han sido comprobadas por la investigación científica sean implementadas y evaluadas en todos los países de las Américas. Las áreas prioritarias de acción necesitan incluir: las ocasiones de consumo excesivo, el consumo de alcohol em la población general, las mujeres (incluyendo las mujeres embarazadas), los indígenas, los jóvenes, otros grupos vulnerables, la violencia, las lesiones intencionales y no intencionales, el consumo por menores de edad y los trastornos por el uso del alcohol. A necessidade de se impor limitações à propaganda comercial de bebidas alcoólicas foi uma das conclusões do Grupo de Trabalho Interministerial Voltado para a Construção da Política Pública 35 Nacional sobre Bebidas Alcoólicas, instituído por Decreto Presidencial de 28 de maio de 2008, cujo Relatório de Atividades e Produto Final está anexado à inicial (DOC 14), e é reconhecida na Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas (2ª ed., Brasília, 2004). Eis algumas das Diretrizes para uma Política Nacional, Integral e Intersetorial de Redução dos Danos à Saúde e ao Bem-Estar causados pelas Bebidas Alcoólicas: 15. A propaganda de bebidas alcoólicas deve ser controlada, de modo a proteger segmentos vulneráveis, como crianças e adolescentes, e proteger o consumidor de associações indevidas entre o efeito decorrente do consumo de bebidas e estereótipos de sucesso e inserção social que não correspondam à realidade destes usuários. 16. A restrição e o controle devem levar em conta o meio de veiculação da propaganda, sendo diferenciadas para os diversos meios, como rádio, TV, imprensa escrita, cartazes, folhetos, mídia eletrônica etc. 17. O patrocínio de eventos como meio de propaganda também deve ser objeto de restrição e controle, tendo em vista a proteção de crianças e adolescentes, e da sociedade em geral. A associação entre álcool e eventos esportivos deve ser vista como um problema a ser equacionado. 36 Ainda conforme o Ministério da Saúde, “uma política para redução de danos relacionados ao consumo de álcool deve necessariamente propor modificação na legislação na direção da proibição da propaganda de bebidas alcoólicas em meios de comunicação em massa. A propaganda deve ficar restrita aos locais de venda (bares, prateleiras de supermercado, etc.), como já é feito no Brasil para o tabaco. Os veículos de comunicação de massa devem ser incentivados a realizar campanhas de redução dos danos à saúde provocados pelo consumo do álcool. O eixo norteador de campanhas pela redução dos problemas provocados pelo álcool deve ser a estratégia de redução de danos, devendo haver a crítica de estereótipos relacionados ao uso do álcool, e incentivados pela propaganda de bebidas alcoólicas, como a associação do uso do álcool com a virilidade, a sensualidade, a diversão etc. Produtores, distribuidores e estabelecimentos que vendem bebidas devem ser implicados no desenvolvimento da campanha de prevenção, por meio de suas associações.” (p. 19 da Política, grifamos). Saliente-se que para efeitos desta política é considerada bebida alcoólica toda bebida que contenha 0,5 grau GayLussac ou mais de concentração, incluindo-se aí todas as bebidas destiladas, fermentadas e outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico significativo. No mesmo sentido a Política Nacional sobre o Álcool, aprovada pelo Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007, que tem por uma de suas diretrizes incentivar a regulamentação, o monitoramento e a 37 fiscalização da propaganda e publicidade de bebidas alcoólicas, de modo a proteger segmentos populacionais vulneráveis ao consumo de álcool em face do hiato existente entre as práticas de comunicação e a realidade epidemiológica evidenciada no País. (DOC 15) Como se vê, a redução dos danos associados ao álcool pressupõe a adoção de medidas públicas adequadas, dentre as quais reconhecidamente encontra-se a restrição à publicidade de bebidas alcoólicas. Há, inclusive, uma movimentação social bastante grande neste sentido, manifestada em diversas oportunidades em que se discute o tema, como na Consulta Pública nº 83 da ANVISA (DOC 16) e na III Conferência Nacional de Saúde Mental promovida pelo Conselho Nacional de Saúde (Relatório Final anexo – DOC 17). Dentre as propostas aprovadas pela III Conferência Nacional de Saúde Mental vale destacar as de nº 205 e 521: Proposta nº 205 - Criar legislação específica destinada a proibir a veiculação de propagandas que incentivem o uso das drogas lícitas Proposta nº 521 - Exigir do Ministério da Saúde e de outros órgãos competentes a proibição da veiculação de publicidades que estimulem a comercialização de bebidas alcoólicas, tabaco e medicamentos. Nesta mesma oportunidade restou aprovada moção de 38 apoio à proibição da propaganda de cigarros, bebidas alcoólicas e outras substâncias que causem dependência, nos seguintes termos: “Apoio à criação de instrumentos legais, com força coercitiva e legitimidade expressamente definidas, para fiscalização e controle, no sentido de tornar proibida toda e qualquer forma de divulgação ou propaganda de produtos ou substâncias que possam causar dependência química, tais como bebidas alcoólicas de toda espécie, tabaco e “drogas pesadas” em quaisquer meios de comunicação, incluindo-se outras formas de divulgação, tais como a internet”. 4. DOGMÁTICAS E JURISPRUDÊNCIA SOBRE DEVER DE PROTEÇÃO, PROIBIÇÃO DA INSUFICIÊNCIA E SENTENÇAS ADITIVAS 4.1. Do dever de proteção (Schutzpflicht). O instituto jurídico do dever de proteção surge na Alemanha e é reconhecido atualmente pela jurisprudência nacional, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, como veremos. Com base nos deveres de proteção, os direitos fundamentais não são dirigidos para uma omissão estatal, mas pelo contrário, para um agir estatal positivo. Isso foi afirmado, pelo primeira vez, pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, no julgamento do caso “Aborto I”, no que se refere ao direito à vida e à integridade corporal da vida humana não-nascida. O dever de proteção, portanto, dirige-se a uma ação 39 do Estado para a proteção de sujeitos de direito indivíduos contra a ação de outros sujeitos, como é o caso, por exemplo, das normas penais. Uma questão importante que se coloca sobre o dever de proteção diz respeito a como o dever deve ser cumprido. Cumpre, em primeiro lugar, ao legislador fazer estas definições. Contudo, conforme enuncia o ex-presidente do Tribunal Constitucional Federal alemão, Konrad Hesse, surge um direito subjetivo e, por conseguinte, uma pretensão individual processável, se, com base no direito objetivo, existir uma redução do espaço de conformação do legislador. Tais exigências mínimas foram estabelecidas, por exemplo, pelo TCF, no julgamento dos casos “Aborto I” e “Aborto II” (Elementos de Direito Constitucional na República Federal da Alemanha: Porto Alegre, Fabris, 1998, p. 278-281). Sobre o dever de proteção, o Ministro Gilmar Mendes assim discorreu em seu voto apresentado no julgamento da ADI 3510, proposta contra dispositivos da Lei de Biossegurança que permitem a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas médicas: “Como é sabido, os direitos fundamentais se caracterizam não apenas por seu aspecto subjetivo, mas também por uma feição objetiva que os tornam verdadeiros mandatos normativos direcionados ao Estado. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais legitima a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa - Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos 40 fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats). A forma como esse dever será satisfeito constitui, muitas vezes, tarefa dos órgãos estatais, que dispõem de alguma liberdade de conformação. Não raras vezes, a ordem constitucional identifica o dever de proteção e define a forma de sua realização. A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger tais direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros. Essa interpretação da Corte Constitucional empresta sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de "adversário" para uma função de guardião desses direitos. É fácil ver que a idéia de um dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos sobre toda a ordem jurídica. Assim, ainda que não se reconheça, em todos os casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, temse, inequivocamente, a identificação de um dever 41 deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando-se da expressão de Canaris, pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), mas também podem ser traduzidos insuficiente como ou proibições imperativos de proteção de tutela (Untermassverbote). Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção: dever de proibição (Verbotspflicht), consistente no dever de se proibir uma determinada conduta; dever de segurança (Sicherheitspflicht), que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas; dever de evitar riscos (Risikopflicht), que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico. 42 Discutiu-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito, enfatizando que a nãoobservância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental. Mas antes desse julgamento, a primeira ocasião em que o STF aplica o instituto do dever de proteção acontece no julgamento do Recurso Extraordinário 416.376/MS, em que se discutiu a aplicação do art. 107, VII, a um fato praticado anteriormente à revogação desse dispositivo, para extinguir a punibilidade de ofensor que praticara estupro presumido de forma continuada contra uma menina de quem era tutor legal, a partir dos seus 9 anos e até os seus 12 anos, quando a engravidou. Para se ver livre da culpa, passou a viver maritalmente com ela. Em voto divergente do relator, o Ministro Joaquim Barbosa entendeu pela não-equiparação entre casamento e união estável para o fim do antigo art. 107, VII. Já o Ministro Gilmar Mendes discorreu sobre o dever de proteção penal das crianças e adolescentes contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, previsto art. 227, caput, da CF. No caso concreto, há um dever de proteção do direito difuso à saúde e à vida, principalmente de crianças e adolescentes, bem como um dever concreto à proteção de crianças e adolescentes contra o consumo ilegal de álcool motivado pela publicidade de bebidas alcoólicas sem restrições legais, conforme as normas constitucionais acima referidas. 43 É dever da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, a teor dos dispositivos legais já elencados, exercer, nos lindes de suas competências e deveres-poderes, o controle sobre a adequação do conteúdo da publicidade de bebidas alcoólicas (mesmo com teor igual ou inferior a 13 graus Gay Lussac) à Lei. Não detém o legislador ordinário, enfim, espaço ou discricionariedade para estabelecer quais bebidas devem sofrer limitação em sua propaganda, visto que o constituinte já estabeleceu um critério: qualquer produto, dentre tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias que seja potencialmente perigoso à saúde das pessoas merecerá estas limitações. Dessarte, se o círculo de bebidas alcoólicas sujeitas à moderação publicitária, definido em lei pelo Congresso Nacional, não compreende certos produtos que apresentem real potencial de nocividade à saúde dos brasileiros, logicamente, a sua atividade é insuficiente, conforme a seguir fundamentado. 4.2. Proibição da medida insuficiente (Untermaverbot)12 A proibição da insuficiência ou da medida nãosuficiente também foi desenvolvida pelo TCF alemão com o fim de estabelecer parâmetros para verificação do cumprimento do dever do Estado quanto aos direitos fundamentais prestacionais, inclusive os direitos de proteção e direitos sociais. Ver sobre a dogmática da proibição da insuficiência, a obra “Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais”, Livraria do Advogado, de Paulo Gilberto Cogo Leivas. 44 12 A proibição da insuficiência é um preceito que determina que o Estado não pode deixar de alcançar limites mínimos de prestação quando está obrigado a tanto. Para aferição dessa suficiência, são aplicados os três ou quatro preceitos parciais da proporcionalidade (legitimidade dos fins, idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). O Ministro Gilmar Mendes faz menção à aplicação da proibição da insuficiência, explicitamente, nos dois votos acima referidos: Assim, na dogmática alemã é conhecida a diferenciação entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Ubermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). No primeiro caso, o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais como proibições de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção. 45 Na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, a utilização do princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente pode ser encontrada na segunda decisão sobre o aborto (BverfGE 88, 203, 1993). O Bundesverfassungsgericht assim se pronunciou: "O Estado, para cumprir com seu dever de proteção, deve empregar medidas suficientes de caráter normativo e material, que levem a alcançar atendendo à contraposição de bens jurídicos -a uma proteção adequada, e como tal, efetiva (proibição de insuficiência). (…) É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da proteção. A Constituição fixa a proteção como meta, não detalhando, porém, sua configuração. No entanto, o legislador deve observar a proibição de insuficiência (…). Considerando-se bens jurídicos contrapostos, necessária se faz uma proteção adequada. Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal. As medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis.(…)" Decisão recentíssima do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região também a aplica, como veremos mais abaixo. 46 4.3. Técnicas de controle de constitucionalidade pertinentes ao dever de proteção: as sentenças aditivas Dentre as profundas mudanças por que passa o direito constitucional brasileiro, uma das mais importantes diz respeito à superação do entendimento de que o Judiciário somente pode atuar como legislador negativo. É digno de nota que essa mudança é muito recente, inclusive no próprio julgamento da constitucionalidade da Lei 9.294/96 ADIN 1.755-5/DF -, entenderam os Ministros do STF, em 1998, por maioria, que a extensão dos limites nela traçados à propaganda de bebidas com menos de ou com 13 graus de teor alcoólico seria o mesmo que atuar o Tribunal na qualidade de “legislador positivo”, motivo pelo qual não se conheceu da ação. O Direito comparado é rico em exemplos de países que adotam (desde a década de 70 na Itália, por exemplo, mas também em Portugal, Espanha etc.) as chamadas sentenças aditivas, mediante as quais, à vista de omissões legislativas parciais, a magistratura supre-as a fim de sanar inconstitucionalidades, especialmente para guardar direitos fundamentais, que são dotados de alta densidade normativa. Sobre a sentença aditiva, defendida, inclusive, pelo Ex-Ministro Carlos Velloso em seu voto no julgamento da ADIN 1.755-5/DF, e o mito do Judiciário enquanto legislador positivo, leciona Edilson Pereira Nobre Júnior 13: Essas [sentenças aditivas] são consideradas as decisões que, num constitucionalidade 13 de questionamento sobre a ato acolhe a normativo, Sentenças aditivas e o mito do legislador negativo – Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 170, abril-junho 2006 47 impugnação, sem invalidá-lo. Em vez de aportar-se na drástica eliminação da norma jurídica, esta é mantida com o adicionamento ao seu conteúdo de uma regulação que faltava para lastrear a concordância daquela à Constituição. [...] A sua ocorrência coincide com as hipóteses em que o tribunal reconhece a existência de omissão parcial, justamente porque permitem o acréscimo do necessário para tornar a norma impugnada concordante com os mandamentos constitucionais. O foco da fiscalização da inconstitucionalidade recai não naquilo que a norma prescreve, mas, contrariamente, no fato de esta não prever aquilo que deveria tratar para satisfazer ao reclamado pela Lei Máxima. [...] No que concerne aos empecilhos apostos às decisões aditivas, ressalte-se que o principal deles pode ser sintetizado por meio duma inadmissível invasão do campo destinado ao atuar do legislador. Secundando tal estorvo, mas acrescentando outro, inerente à intromissão na esfera reservada aos juízes ordinários, Zagrebelsky (1977, p. 161, tradução nossa) remata: “Em suma, não parece possível sair deste dilema: se a norma está presente no sistema, compete aos juízes (todos os juízes) extraí-la; caso não exista, 48 compete ao legislador estabelecê-la. (somente Intervindo, ao ao legislador) invés, a corte constitucional, no primeiro caso, viola a esfera de competência dos juízes; no segundo caso, a do legislador”. Quanto à possível usurpação da função legislativa – que, diga-se de passagem, até bem pouco não vem encontrando maiores resistências do Parlamento –, a doutrina engendrou dualidade de argumentos que tornam tal alegação com viabilidade apenas aparente. Na esteira de Crisafulli (1990, p. 802), em obra elaborada conjuntamente com Livio Paladin, a Corte Constitucional, mediante as sentenças aditivas, não cria livremente norma jurídica, como o faz o legislador, limitando-se a individuar aquela que, presente no ordenamento, ou suscetível de extração dos princípios constitucionais, é capaz de preencher o vazio que deriva da omissão reconhecida pela decisão. A essa percepção se apresentam favoráveis Franco Modugno & Paolo Carnevale (1990, p. 522) e Leopoldo Elia (1985, p. 303). Por isso, não há que se equiparar tal atividade à legislação. O complemento introduzido pelas decisões em exame, além de efeito indireto da declaração de inconstitucionalidade, não deriva de pura imaginação da Corte Constitucional, mas de integração analógica 49 resultante de outras normas ou princípios constitucionais, cuja descoberta advém do engenho daquela. Perfilha o juiz constitucional, apenas e tão-só, solução constitucionalmente obrigatória, ou, para utilizar expressão cunhada para tanto, decide-se a rime obbligate. Com relação à sentença aditiva, de procedência do tribunal constitucional italiano, discorreu o Ministro Gilmar Mendes em seu voto no julgamento da lei da biossegurança: Assim, o recurso a técnicas inovadoras de controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos em geral tem sido cada vez mais comum na realidade do direito comparado, na qual os tribunais não estão mais afeitos às soluções ortodoxas da declaração de nulidade total ou de mera decisão de improcedência da ação com a consequente declaração de constitucionalidade. Além das muito conhecidas técnicas de interpretação conforme à Constituição, declaração de nulidade parcial sem redução de texto, ou da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, aferição da “lei ainda constitucional” e do apelo ao legislador, são também muito utilizadas as técnicas de limitação ou restrição de efeitos da decisão, o que possibilita a declaração de inconstitucionalidade com efeitos pro futuro a partir da 50 decisão ou de outro momento que venha a ser determinado pelo tribunal. Nesse contexto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem evoluído significativamente nos últimos anos, sobretudo a partir do advento da Lei n° 9.868/99, cujo art. 27 abre ao Tribunal uma nova via para a mitigação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. A prática tem demonstrado que essas novas técnicas de decisão têm guarida também no âmbito do controle difuso de constitucionalidade. Uma breve análise retrospectiva da prática dos Tribunais Constitucionais e de nosso Supremo Tribunal Federal bem demonstra que a ampla utilização dessas decisões, comumente denominadas “atípicas”, as converteram em modalidades “típicas” de decisão no controle de constitucionalidade, de forma que o debate atual não deve mais estar centrado na admissibilidade de tais decisões, mas nos limites que elas devem respeitar. O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar com situações em que a interpretação conforme possa interpretativa descambar corretiva da para lei. Ao uma decisão se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível verificar que, em muitos casos, a Corte não 51 se atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação pelos conforme sentidos literais delimitada negativamente do e texto a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador. No recente julgamento conjunto das ADIn 1.105 e 1.127, ambas de relatoria do Min. Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme a Constituição a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva da lei. Em outros vários casos mais antigos, também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos aditivos. Tais sentenças de perfil aditivo foram proferidas por esta Corte nos recentes julgamentos dos MS n°s 26.602, Rel. Min Eros Grau, 26.603, Rel. Min. Celso de Mello e 26.604, Rel. Min. Cármen Lúcia, em que afirmamos o valor da fidelidade partidária; assim como no também recente julgamento a respeito do direito fundamental de greve dos servidores públicos (MI n° 708, de minha relatoria; MI n°s 607 e 712, Rel. Min. Eros Grau). Outra não foi a fórmula encontrada pelo Tribunal para solver a questão da inconstitucionalidade da denominada cláusula de barreira instituída pelo art. 13 da Lei n° 52 9.096, no julgamento das ADI n°s 1.351 e 1.354, Rel. Min. Marco Aurélio. Sobre a evolução da Jurisdição Constitucional brasileira em tema de decisões manipulativas, o constitucionalista português Blanco de Morais fez a seguinte análise: “(...) o fato é que a Justiça Constitucional brasileira deu, onze anos volvidos sobre a aprovação da Constituição de 1988, um importante passo no plano da suavização do regime típico da nulidade com efeitos absolutos, através do alargamento dos efeitos manipulativos das decisões de inconstitucionalidade. Sensivelmente, desde 2004 parecem também ter começado a emergir com maior pragnância decisões jurisdicionais com efeitos aditivos. Tal parece ter sido o caso de uma acção directa de inconstitucionalidade, a ADIn 3105, a qual se afigura como uma sentença demolitória com efeitos aditivos. Esta eliminou, com fundamento na violação do princípio da igualdade, uma norma restritiva que, de acordo com o entendimento do Relator, reduziria arbitrariamente pessoas pertencentes à classe para dos algumas servidores públicos, o alcance de um regime de imunidade tributária que a todos aproveitaria. Dessa eliminação resultou automaticamente a aplicação, aos referidos trabalhadores inactivos, de um regime de imunidade contributiva que abrangia as demais categorias de servidores públicos.” Em futuro próximo, o Tribunal voltará a se deparar com o problema no julgamento da ADPF n° 54, Rel. Min. Marco Aurélio, que discute a 53 constitucionalidade da criminalização dos abortos de fetos anencéfalos. Caso o Tribunal decida pela procedência da ação, dando interpretação conforme aos arts. 124 a 128 do Código Penal, invariavelmente proferirá uma típica decisão manipulativa com eficácia aditiva. Ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República, o Tribunal admitiu a possibilidade de, ao julgar o mérito da ADPF n° 54, atuar como verdadeiro legislador positivo, acrescentando mais uma excludente de punibilidade – no caso do feto padecer de anencefalia – ao crime de aborto. Portanto, é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais europeias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais constitucional. O assegurados presente caso pelo texto oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de inconstitucionalidade/nulidade declaração dos de dispositivos normativos impugnados torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma “função 54 reparadora” ou, como esclarece Blanco de Morais, “de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade”. Poder-se-ia aqui alegar que as sentenças aditivas seriam um instrumento a ser aplicado exclusivamente em sede de controle concentrado de constitucionalidade e não no controle difuso, como é o caso presente. Contudo tal posição não se sustenta, uma vez que adotado no Brasil o sistema misto de controle de constitucionalidade e não há razão para que o juiz singular deixe de aplicar alguma técnica de controle de constitucionalidade mais adequada para a correta prestação jurisdicional, como é o caso da interpretação em conformidade com a Constituição e a sentença aditiva. Além disso, embora não chamada como tal, são as decisões em ações civis públicas pioneiras em relação a decisões que estabelecem requisitos mínimos para o cumprimento de deveres de prestação. Como anota JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO14, o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RMS 22.307/DF, quando estendeu o aumento de 28,86%, atribuído apenas a militares, a alguns servidores federais civis, admitiu que a omissão pode ser conhecida também incidentalmente no âmbito do controle concreto de constitucionalidade. Afinal, não há óbice legal algum a esse provimento, desde que o objeto da ação coletiva (ou individual) não se esgote nesse 14 A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002 55 fim. No caso em apreço, ainda que o reconhecimento da omissão legislativa seja importante do ponto de vista argumentativo, a omissão que se quer, enfim, ver sanada é aquela protagonizada pelos órgãos fiscalizatórios da União sobre a propaganda de bebidas alcoólicas de teor igual ou inferior a 13 graus Gay Lussac. Dentre outros, vejamos, a propósito, DIRLEY DA CUNHA JUNIOR15 e EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR16: Como já tivemos a oportunidade de sublinhar, o controle incidental da constitucionalidade dos atos ou omissões do poder público é aquele realizado, no curso de uma demanda judicial concreta, por qualquer juiz ou tribunal. Vale dizer, o exame da constitucionalidade da conduta estatal pode ser agitado, incidenter tantum, por qualquer órgão do Poder Judiciário. Desde que se possa deduzir uma pretensão acerca de algum bem da vida, pode o interessado invocar a questão constitucional como seu fundamento jurídico. […] Asseguramos, desde logo, que as omissões inconstitucionais do poder público podem, sem sombra de dúvida, submeter-se a controle incidental de constitucionalidade, no âmbito de qualquer ação judicial e perante qualquer órgão do Poder Judiciário. [...] De efeito, somos de opinião de que, independentemente de o interesse ou direito tutelado ser difuso, coletivo ou individual homogêneo, sempre é 15 Controle Judicial das Omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2004 56 possível o controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública, desde que, evidentemente, a questão constitucional seja suscitada como mero incidente ou questão prejudicial do objeto principal da demanda. [...] Em decisão de 24 de dezembro de 2000, o Supremo Tribunal Federal firmou nova orientação, para admitir, sem restrições quanto ao interesse tutelado, a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do poder público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que a controvérsia constitucional seja suscitada como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. (Dirley da Cunha Júnior) Cappelletti (1984, p. 622-633), com base em cinco sólidas razões, demonstra a necessária legitimidade que usufrui, na atualidade, a jurisdição constitucional, acompanhada da capacidade criadora dos seus integrantes. Isso porque: a) se acha dissipada a ilusão ocidental relativa à capacidade dos ramos políticos (Executivo e Legislativo) em materializar o consentimento dos governados; b) não 16 obra já citada 57 se pode negar o esforço dos tribunais em modelar suas decisões, não com arrimo nas idiossincrasias e predileções subjetivas de seus membros, mas com o escopo de permanecerem fiéis ao sentido de justiça e de eqüidade da comunidade; [...] e) considerando-se que uma democracia não poderá subsistir numa conjuntura em que os direitos e liberdades dos cidadãos careçam de proteção eficaz, apresenta-se como essencial da daquela o controle judicial dos ramos políticos, porquanto a ideia democrática não se resume a simples maiorias, significando também participação, liberdade e tolerância. Esses argumentos, cuja dissecação se dispensa, por não se comportar nos lindes deste trabalho, espancam qualquer dúvida quanto a ser legítimo ao juiz constitucional, tanto no sistema difuso quanto no concentrado, assumir, no exame de eventuais contrastes entre a Constituição e os atos estatais, uma postura ativa, dinâmica e criadora, objetivando, assim, garantir um adequado controle do poder diante do arbítrio. [...] Igualmente, recorde-se o exemplo lusitano, porquanto admitida a convivência dos controles concentrado e difuso, denominados fiscalização abstrata e concreta, em que se pode verificar nesta última a existência de decisões aditivas nos Acórdãos 545/99 e 272/99. (Edilson Pereira Nobre Júnior) 58 Dessarte, nada obsta que, mesmo em sede de controle difuso de constitucionalidade, sejam supridas, incidentalmente, omissões legislativas do Poder Público. Vejamos, então, como a omissão pode ser superada para, então, verificarmos a conduta omissiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor em face da publicidade de bebidas alcoólicas. 5. O DEVER DE PROTEÇÃO À SAÚDE E O DEVER DE RESTRIÇÕES À PUBLICIDADE DE BEBIDAS ALCOÓLICAS 5.1. Da interpretação semântica do termo “bebidas alcoólicas” (art. 220, § 4º, da CF). Embora o art. 220, §4º, da CR/88 determine que a propaganda comercial de bebidas alcoólicas estará sujeita a restrições legais, o legislador brasileiro estabeleceu restrições apenas à publicidade de bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.294/96). Não há, contudo, nenhum modo de uso do termo “bebida alcoólica” que seja restrito a bebidas de mais alto teor alcoólico, tanto pelo uso técnico-especializado quanto pelo uso ordinário do termo “bebidas alcoólicas”. De acordo com o Léxico de termos relacionados ao 59 álcool e às drogas, publicado pela Organização Mundial de Saúde, (http://www.who.int/substance_abuse/terminology/who_lexicon/en), a definição de bebidas alcóolicas compreende todo e qualquer líquido que contenha álcool (etanol) e seja destinado a beber. Além disso, como vimos acima, o próprio Ministério da Saúde considera como bebida alcoólica bebida que contenha 0,5 grau GayLussac ou mais de concentração. 5.2. Da jurisprudência específica sobre o dever de proteção à saúde por meio de restrições à publicidade de bebidas alcoólicas 5.2.1. Apelação nº 2002.04.01.000610-0 O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no processo em epígrafe, em processo e voto de relatoria da Desembargadora MARGA INGE BARTH TESSLER, julgou a ação civil pública procedente em parte para condenar a União Federal a exigir dos fabricantes de bebidas alcoólicas que façam constar, nos rótulos e propagandas, a advertência de que o álcool pode causar dependência e em excesso é prejudicial à saúde. Transcrevemos excertos do voto: (...) ... afasto a fundamentação acolhida pela r. sentença no sentido de que é impossível ao Judiciário, por ato seu, impor a produtores e fabricantes em geral, a inclusão de determinada mensagem em seus produtos, sem que a lei preveja tal obrigação e sem que o próprio teor da mensagem venha impressa na lei. 60 A tese não pode mais ser aceita no atual estágio do desenvolvimento da cultura jurídica e da missão do Judiciário como poder. Desconsiderou totalmente a noção de “políticas públicas” no caso políticas públicas diretamente decorrentes da Constituição Federal de 1988. Norberto Bobbio já observava a mudança de paradigmas no direito público, vendo-se o Estado como forma complexa de organização social, no qual o direito, a lei, é um dos elementos constitutivos. O prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto de longa data observa este aspecto. A questão das políticas públicas é desenvolvida por Maria Paula Dallari Bucci que constrói o conceito de política pública advertindo que é um construído social e um construído de pesquisa, tratando-se de um programa de ação governamental para um setor da sociedade ou um espaço geográfico. Segundo a autora citada, tratando-se de instrumentos de ação dos governos, o government by polices que desenvolve e aprimora o government by law, redireciona o eixo de governo, do governo da lei para as políticas públicas. As políticas, diz a autora, são uma evolução em relação à ideia de lei em sentido formal, assim como essa foi uma evolução em relação ao government by men, anterior ao constitucionalismo. Ronald Dworkin fornece uma ideia fundante sobre a questão ao referir que a política, isto é, a política pública designa uma espécie de padrão de conduta, standart, que assinala uma meta a alcançar gerando ou procurando uma melhoria em alguma característica 61 econômica, política ou social da comunidade. Já os princípios expressos na Carta Política tendem a estabelecer um direito individual a ser oposto ao Estado enquanto as políticas públicas têm uma meta, ou uma finalidade coletiva. Por exemplo o “combate à inflação”. O modelo das políticas públicas não exclui o da legalidade, mas convive com ela. As políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle da discricionariedade. Verifique-se que o art. 196 da Constituição elenca o dever do Estado em estabelecer políticas públicas de saúde e que tais políticas (art. 157 da Constituição) são de relevância pública. Existem políticas e programas governamentais de combate ao alcoolismo. É possível ao Judiciário, sim, determinar a implementação, se imperfeita, ou dar efetividade às políticas públicas sanitárias. Afasto o óbice da inexistência de lei específica a comandar o teor das mensagens, até porque a lei específica existe. Passo a enfrentar e fundamentar sob esse aspecto A Constituição de 1988, no art. 170, V, elege como princípio geral a defesa do consumidor e o art. 220, § 3º, II e § 4º, estabelece a competência federal na questão da comunicação social de modo a permitir que “as pessoas possam defender-se de agressões à sua saúde”, estabelecendo que a propaganda de bebidas alcoólicas está sujeita a restrições, e este dispositivo abre oportunidade à plena justicialidade da 62 questão no aspecto multidisciplinar. O consumo de alcoólicos não interessa só à comunicação social e propaganda, ao comércio de tais produtos para os quais a Lei nº 9.294/1996 poderia ser suficiente, o que se admite para argumentar. Interessa sob o aspecto da saúde pública, sob o aspecto da proteção do menor e do adolescente, no aspecto da segurança veicular, no aspecto do direito de informação e de proteção ao consumidor; vê-se, assim, que a Lei nº 9.294/96 não esgotou o assunto e não é a única lei que deve ser obedecida pelos produtores e comerciantes de alcoólicos. A questão é multidisciplinar tal qual no direito ambiental, e o empreendedor do comércio de bebidas deve obediência a todas as regras que incidem sobre o produto de sua fabricação ou comércio. Utilizo o artigo 335 do CPC e considero que são notórias a nocividade e periculosidade do consumo excessivo de bebidas alcoólicas. É questão que se insere nas regras comuns extraídas da experiência. O álcool causa dependência química e é causa de acidentes de trânsito, assim, sob o aspecto da legislação consumerista, o condutor veicular e o consumidor transparência em geral acerca precisam dos saber malefícios do com que consomem. São direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre o produto e sobre os riscos que apresenta. No caso, tratando-se de produto potencialmente nocivo à saúde a informação 63 deve ser feita de maneira ostensiva, é o comando claro do artigo 9º, do Código do Consumidor (...). (...) De todos, os que mais preocupam são os fornecimentos de bebidas alcoólicas e de fumo, cujos níveis de consumo são mais altos. Os fabricantes de cigarros vêm cumprindo, de forma satisfatória a exigência legal de informar a respeito da nocividade do produto e dos riscos inerentes ao respectivo consumo. No entanto, os fabricantes de bebidas alcóolicas ainda não se conscientizaram informações inerentes adequadas à ingestão do a dever respeito imoderada de prestar dos riscos do álcool, principalmente durante o período de gestação. Nas hipóteses elencadas, o fornecedor deverá informar de maneira ostensiva e adequada a respeito da respectiva nocividade ou periculosidade. Uma informação é ostensiva quando se exterioriza de forma tão manifesta e translúcida que uma pessoa, de mediana inteligência, não tem como alegar ignorância ou desinformação. É adequada quando, de uma forma apropriada e completa, presta todos os esclarecimentos necessários ao uso ou consumo de produto ou serviço”. Por fim, a edição da Lei nº 9.294/1996 implica em reconhecimento parcial do pedido, o que já rende ensejo à parcial procedência da lide, de acordo com o 64 parecer do Ministério Público, que anotou que ao determinar em seu art. 4º, § 2º, que os rótulos de bebidas alcoólicas conterão advertência para que os consumidores evitem o consumo excessivo de álcool, a mencionada lei traduz admissão, pela União, da procedência, se não total, parcial – da pretensão da autora. (...)Quanto aos dizeres veiculados no pedido, considerando que esta Turma, examinando a AC 2002.04.01.000611-1, em que demandaram as mesma partes, condenou as rés a fazer constar nas propagandas de bebidas mensagens “de que o consumo de bebidas em excesso pode causar dependência, não deve ser consumido por gestantes e de que é proibida a venda para menores de 18 anos”, adoto igual solução e dou provimento ao apelo para condenar a União, por seus órgãos sanitários e de proteção ao consumidor, a exigir dos fabricantes e importadores de bebidas alcoólicas, nos termos do art. 14 do Dec. 73.267/73, na rotulagem de todas as bebidas alcoólicas, produzidas ou comercializadas no território pátrio, do teor alcoólico e do alerta básico, em expressão gráfica adequada (afastadas as letras minúsculas) de que "O ALCOOL PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA E EM EXCESSO É PREJUDICIAL À SAÚDE", bem como para condenar a ré ABRABE a colaborar com o poder público, fulcro no art. 220, II e 225, V da Constituição Federal, e art. 6º II, III e IV, da 65 Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, a informar sobre esta decisão a todas as suas associadas e aos demais produtores de alcoólicos, quanto à necessária adequação na rotulagem de todos os produtos alcoólicos. 5.2.2. Agravo de Instrumento nº 2008.03.00.046270-5/RS. EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PUBLICIDADE. ADVERTÊNCIAS ESCRITAS E POR IMAGENS EM MAÇOS, EMBALAGENS E MATERIAL PUBLICITÁRIO DE DERIVADOS DE TABACO. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, art. 220, §§ 3º e 4º. LEI Nº 9.294/1996. RESOLUÇÃO RDC ANVISA Nº 54/2008. ADVERTÊNCIA E CARÁTER INFORMATIVO DAS IMAGENS E FRASES. DEVER DE INFORMAÇÃO E DE PROTEÇÃO À SAÚDE. LIBERDADE DE DECIDIR PELO CIDADÃO E ADVERTÊNCIA PROVOCADORA DE REPULSA. AUTONOMIA PRIVADA. AUSÊNCIA DE PRECONCEITO, FALSIDADE E MENTIRA NAS IMAGENS. METÁFORAS INEXISTÊNCIA RELIGIOSO, DE DE OFENSA CONTUDENTES. A SENTIMENTO PRECONCEITO E DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA IDOSOS. DIGNIDADE HUMANA. INEXISTÊNCIA CONTRAPROPAGANDA ADMINISTRATIVA. DIREITO E DE DE SANÇÃO PROPORCIONALIDADE. INTERNACIONAL DOS DIREITOS 66 HUMANOS. COMBATE CONVENÇÃO-QUADRO DO TABACO. 2008.04.00.046270-5, (...) Terceira PARA (TRF4, Turma, O AG Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 22/04/2009) É pertinente para o presente caso o reconhecimento do dever de proteção inscrito no art. 220, § 4, da Constituição Federal, a admissão das restrições à publicidade e a aplicação da proporcionalidade no sentido da proibição da medida insuficiente. Sobre esses tópicos, transcrevo trechos do voto do Relator, Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS (DOC 18): 8. Proporcionalidade, dever de proteção, restrições à liberdade publicitária e Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco Rejeito a argumentação recursal quanto à violação da proporcionalidade. Assentado o caráter informativo e de advertência das imagens e frases escolhidas, fica vencida a alegação de inadequação. Isto porque, como demonstrado, a utilização de metáforas e imagens fortes e impactantes diz respeito à consideração da dinâmica do processo decisório humano, cuidando-se de fator constituinte da tomada de decisões. Além disso, como demonstra o relatório do grupo de trabalho instituído para a elaboração das 67 advertências, a experiência nacional e internacional emonstra à saciedade a eficácia de tais advertências na redução do tabagismo. Com relação à necessidade, não há nos autos qualquer indicação de que outros meios alternativos, menos gravosos à liberdade da propaganda do tabaco que os escolhidos, sejam igualmente eficazes quanto à advertência dos malefícios do tabaco. Não basta simplesmente alegar que há meios menos onerosos que as imagens discutidas, sem nada demonstrar neste sentido, especialmente quando estas são fruto de sério trabalho interdisciplinar, inseridos numa série histórica de medidas imagéticas. Ao contrário: há estudos nos autos que demonstram a necessidade da intensificação das advertências em face da nocividade do tabaco. Ainda quanto a este tópico, há que se ressaltar que a concretização da política pública pela obrigatoriedade da aposição das imagens, do ponto de vista da proporcionalidade, é medida que visa ao cumprimento de um dever fundamental de proteção por parte do Estado em favor da sociedade. Cuidandose de prestação positiva de proteção, a dinâmica da proporcionalidade se apresenta como proibição da não-suficiência, pois, como diz Borowski, "a melhor realização possível do objeto da otimização dos princípios jusfundamentais-prestacionais é um objeto prescrito pela Constituição" (citado por Paulo Gilberto 68 Cogo Leivas, Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, P. Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 77). Assentada a adequação e a necessidade, a proporcionalidade em sentido estrito também está, no caso, satisfeita. A defesa do indivíduo e da família em face da propaganda do tabaco, por meio de advertências quanto ao malefício decorrente do consumo, é um objetivo constitucional que se relaciona diretamente aos direitos à vida, à saúde e ao ambiente, apresentando forte carga valorativa em seu favor. O exercício da liberdade de expressão do discurso publicitário, por sua vez, também é um princípio constitucional valioso. A Constituição, diante disso, admitiu a liberdade de expressão publicitária com restrições, visando a advertir o indivíduo e a família dos malefícios do tabaco. Esta tomada de posição revela, portanto, já no texto original da Constituição, a preocupação e a valorização da vida, da saúde e do ambiente em face do discurso publicitário tabagista, pois é este que a Constituição restringe. Esta Constituição, ponderação, faz concluir já pela realizada pela existência de fundamento constitucional para a adoção de medidas fortes pelo Poder Público, objetivando cumprir o dever de proteção constitucionalmente responsabilidade do Poder definido Público. como Quanto ao cumprimento deste dever, portanto, não se pode admitir que qualquer medida o atenda, especialmente diante da constatação de que o tabagismo é fator de 69 doença e morte em alta escala na sociedade contemporânea. Daí a invocação, no campo dos deveres fundamentais de proteção, do critério da "maximização da intensidade de assistência", segundo o qual "dentre os meios adequados, necessários e proporcionais em sentido estrito, elege-se aquele que oferece a mais alta satisfação do princípio que impõe uma obrigação de ação positiva ao Estado" (Paulo Gilberto Leivas, obra citada, p. 80). Nesta linha, a propósito, deve-se invocar a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, adotada pelos países membros da OMS e assinada pelo Brasil em junho de 2003( promulgada pelo Decreto nº 5.652, de janeiro de 2006). Independentemente da posição que se tomar quanto à qualificação jurídica dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em face dos parágrafos 2º e 3º do artigo 5º da Constituição, estes fazem parte do chamado "bloco de constitucionalidade" (somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados, na dicção de Celso Lafer, citado no Habeas Corpus 90.450-5, rel. Min. Celso de Mello, onde esta questão foi examinada na jurisprudência contemporânea do Supremo Tribunal Federal) (...). 6. AS RESTRIÇÕES À PUBLICIDADE Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no caso da necessidade das sentenças aditivas para fazer valer 70 um dever constitucional desprotegido por omissão do legislador, há de se buscar dentro do ordenamento jurídico uma norma que seja aplicável, por analogia, ao caso sob julgamento. Não se trata aqui, incidentalmente, de outra coisa senão de uma omissão da Lei. Comprovada a conduta desidiosa por parte do legislador, que quedou inerte diante de sua obrigação, uma vez que não impôs, ainda que de forma superveniente, limites à propaganda de bebidas alcoólicas com efeitos danosos à saúde tal qual lhe impõe a Constituição Federal, esta é passível de integração por meio da analogia. Embora as restrições à publicidade de bebidas alcoólicas previstas na Lei sejam restritas a bebidas com mais de 13 graus Gay Lussac, configura-se proporcional a sua aplicação às bebidas de menor teor alcoólico: Art. 4° Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas. § 1° A propaganda de que trata este artigo não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas. § 2° Os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: "Evite o Consumo Excessivo de Álcool". Art. 4o-A. Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) 71 Art. 5° As chamadas e caracterizações de patrocínio dos produtos indicados nos arts. 2° e 4° , para eventos alheios à programação normal ou rotineira das emissoras de rádio e televisão, poderão ser feitas em qualquer horário, desde que identificadas apenas com a marca ou slogan do produto, sem recomendação do seu consumo. § 1° As restrições deste artigo aplicam-se à propaganda estática existente em estádios, veículos de competição e locais similares. § 2° Nas condições do caput, as chamadas e caracterizações de patrocínio dos produtos estarão liberados da exigência do § 2° do art. 3° desta Lei. Art. 6° É vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, para veicular a propaganda dos produtos de que trata esta Lei. Nessa linha, a imposição de um horário especial aos comerciais de bebidas (art. 4º) é oportuna na medida em que restringe o público atingido pela propaganda e limita o incentivo ao seu consumo. A vedação de associação ao esporte, “ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas” (art. 4º, § 1º e art. 6º) segue a mesma vertente, pois o consumo de bebidas alcoólicas, como de cervejas em geral, pode não só, comprovadamente, ter efeito nefasto sobre quaisquer dessas atividades, como é enganoso vinculá-lo, em detrimento das camadas populacionais mais vulneráveis, ao sucesso em qualquer campo, especialmente o sexual. O convite ao consumo moderado do álcool (art. 4º, § 2º), por sua vez, é evidentemente correto mesmo para as bebidas com menor teor alcoólico, por todas as razões já expostas. 72 Assim, definitivamente semelhantes as hipóteses, afigura-se plenamente razoável aplicar-se às bebidas com teor alcoólico igual ou inferior a 13 graus, por emprego da analogia, as restrições previstas nos arts. 4º, 5º e 6º da Lei 9.294/96. Da mesma forma deve ser estendida a todas as bebidas alcoólicas a determinação contida no art. 10 do Decreto nº 70.951/72, pelo qual bebidas alcoólicas não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios, na forma daquele regulamento. Por fim, por coerência com as normas de proteção à criança e ao adolescente que tratam da classificação indicativa dos programas de televisão, e que estabelecem como horário de proteção à criança e ao adolescente o período compreendido entre 6 e 23 horas (art. 13, parágrafo único, da Portaria nº 1.220/2007 – Ministro da Justiça), somente pode ser permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de televisão entre as vinte e uma e as vinte e três horas nos casos de obras audiovisuais não recomendadas para menores de 18 anos, nos termos da classificação indicativa em vigor. 7. OS DEVERES VIOLADOS PELA ANVISA E PELO DPDC Como exaustivamente salientado nesta peça inicial, a questão da omissão legislativa sobre as restrições à publicidade de bebidas é meramente incidental. Em verdade, o seu reconhecimento constitui-se apenas em um requisito para que se reconheça outra omissão, aquela que se quer diretamente atacar nesta ação: a inação dos órgãos que deveriam fiscalizar o conteúdo ofensivo à saúde da população expresso na 73 propaganda comercial de bebidas alcoólicas com teor igual ou inferior a 13 graus Gay Lussac, cominando sanções aos responsáveis, dentre a adoção de outras medidas previstas em Lei. Isso porque, a despeito do que dispõe a literalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.294/96, o ordenamento impõe que se restrinja a publicidade de todas as bebidas alcoólicas. Assim é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária é omissa ao não fiscalizar o cumprimento dessas disposições por todas as empresas que veiculam comerciais de bebidas alcoólicas, como lhe impõe a Lei 9.782/99: Art. 6º. A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras. Art. 7º. Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: [...] XXVI - controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária (incluído pela Medida Provisória nº 2.190-34, de 2001); Art. 8º. Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. § 1º Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência: 74 [...] II - alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários; Todas essas atribuições são, como já salientado alhures, repisadas pelo Decreto 3.029/99 e pelo Regimento Interno da Agência, tendo esta, inclusive, esmiuçado suas competências de controle sobre a propaganda de bebidas na Portaria ANVISA 355/06: Art. 69. São atribuições da Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, de Publicidade, de Promoção e de Informação de Produtos sujeitos à vigilância sanitária: I - avaliar, fiscalizar, controlar e acompanhar, a propaganda, a publicidade, a promoção e a informação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto as relativas aos produtos derivados do tabaco; II - desenvolver atividades com órgãos afins, da administração federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, com o objetivo de exercer o efetivo cumprimento da legislação relativa a publicidade, a propaganda, a promoção, e a informação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto as relativas aos produtos derivados do tabaco; III - coordenar as atividades de apuração das infrações à legislação de vigilância sanitária, instaurar processo administrativo para apuração de infrações à legislação sanitária federal, em sua área de competência; IV - propor as penalidades previstas em lei; […] Art. 70. São atribuições da Unidade de Monitoramento, Fiscalização de Propaganda, Publicidade e Promoção de Produtos sujeitos à vigilância sanitária: I - captar e analisar peças publicitárias dos produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto os produtos derivados do 75 tabaco em diferentes veículos de comunicação; II elaborar e rever minutas de atos normativos a serem editados pela ANVISA, bem como proceder à apreciação e opinar, quando for o caso, sobre projetos de decretos e anteprojetos de leis e medidas provisórias, em sua área de competência; III - instaurar processo administrativo para apuração de infrações à legislação sanitária federal, em sua área de competência; IV - promover a análise técnica dos processos administrativos de infração à legislação sanitária, relativos à publicidade, promoção, propaganda e informação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, exceto os produtos derivados do tabaco, iniciados com autos de infração, lavrados pelas autoridades fiscais competentes e emitir parecer técnico; [...] Ressalte-se que a ANVISA chegou a lançar a Consulta Pública nº 83, de 16/11/2005, submetendo à apreciação a seguinte proposta de Regulamento Técnico: Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n° A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso das competências e atribuições previstas nos arts. 7°, inciso XXVI, e 15, inciso III, da Lei n° 9.782, de 26 de janeiro de 1999, nos arts. 3°, inciso XXIV, e 11, inciso IV, do Regulamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, aprovado pelo Decreto n° 3.029, de 16 de abril de 1999, e nos arts. 2°, inciso XXIV, e 8°, inciso IV, do Regimento Interno da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, aprovado pela Portaria do DiretorPresidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária n° 593, de 25 de agosto de 2000, em reunião realizada em ____ de __________ de ______, 76 considerando as recomendações da Câmara Especial de Políticas Públicas sobre o Álcool do Conselho Nacional Antidrogas - CONAD, criada a partir das conclusões do Grupo de Trabalho Interministerial para a Política Nacional, Integral e Intersetorial de redução dos danos à saúde e ao bem-estar causados pelas bebidas alcoólicas, instituído pelo Decreto de 28 de maio de 2003, que enfatiza a necessidade de controlar e regulamentar a propaganda de bebidas alcoólicas de modo a proteger segmentos populacionais vulneráveis ao estímulo para o consumo de álcool, assim como evitar associações indevidas entre o efeito decorrente do seu consumo e estereótipos de sucesso e integração social que não correspondem à realidade destes usuários; considerando o disposto nos arts. 200, inciso VI, e 220, § 4°, da Constituição Federal; considerando o disposto no art. 10, incisos V e XXIX, da Lei n° 6.437, de 20 de agosto de 1977; considerando o disposto nos arts. 7°, 11, 79 e 81, inciso II, da Lei n° 8. 069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente; considerando o disposto no art. 6.º, incs. I, III, IV, art. 9º, e no art. 37 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor; considerando o disposto no art. 6°, inciso VIII, Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990; considerando o disposto no art. 3° da Lei n° 8.918, de 14 de julho de 1994, e no art. 10, § 2º, do Decreto n° 2.314, de 04 de setembro de 1997, com nova redação dada pelo Decreto n° 3.510, de 16 de junho de 2000; considerando o disposto nos arts. 1°, 3°, § 2º, 4°, 5°, 6° e 9°, § 4º, inciso I, da Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, e nos arts. 1°, 8°, 9°, 24 e 28 do Decreto n° 2.018, de 1° de outubro de 1996; considerando o disposto no art. 8°, § 1°, inciso II, e § 4º, da Lei n° 9.782, de 26 de janeiro de 1999, e no art. 77 4°, § 1º, inciso II, e § 4º, do Decreto n° 3.029, de 16 de abril de 1999; considerando o relatório da Organização Mundial de Saúde - OMS, Global Status Report on Alcohol - 2004, que aponta tendência de aumento do consumo de álcool no Brasil nos últimos 30 anos; considerando as conclusões do relatório da OMS intitulado “neurociências: consumo e dependências de substâncias psicoativas”, que apontam o álcool como importantíssima causa de mortalidade e incapacidade conforme veiculado na Portaria Ministerial nº. 2.197, de 14 de outubro de 2004, baixada pelo Ministro de Estado da Saúde tendo em vista as determinações da Lei nº. 10.216 de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental; considerando as pesquisas epidemiológicas nacionais realizadas pela Secretaria Nacional Antidrogas SENAD, por meio do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (CEBRID) da Universidade Federal de São Paulo, que apontam o álcool como a droga mais consumida no Brasil e que apresenta o maior índice de dependência na população (11,2%); considerando que, o teor do art. 2º da Portaria Ministerial nº. 1.059, de 4 de julho de 2005, entende-se por ações de redução de danos as intervenções de saúde pública que visam prevenir as consequências negativas do uso de álcool e outras drogas; considerando que a Política Nacional sobre Drogas, aprovada pelo CONAD em 23 de maio de 2005, reconhece a estratégia de de Redução de Danos como medida de intervenção preventiva, assistencial, de promoção da saúde e dos direitos humanos; considerando que constitui direito básico do consumidor a informação adequada, clara e ostensiva 78 sobre o produto, no caso a bebida alcoólica, não importa o seu teor, sobre os riscos que apresenta; e considerando que a saúde é um direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas públicas. adotou a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação: Art. 1º A propaganda comercial de bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac estará sujeita às seguintes restrições: I - somente poderá ser efetuada nas emissoras de rádio e de televisão entre as vinte uma e às seis horas. II - não poderá associar o produto a esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, a celebrações cívicas ou religiosas, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade; III - não poderá atribuir aos produtos propriedades terapêuticas e medicamentosas, sugerindo que eles poderiam contribuir para a melhoria da saúde e do bem-estar em geral; IV - não poderá empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo. Tais como: “Beba!”, “Experimente!”, “Compre!”, “Tome!”. V - não poderá usar de linguagem direta ou indireta relacionando o consumo de bebida alcoólica com a satisfação de necessidades fisiológicas, tais como sede e fome, bem como à gastronomia e excessos etílicos. Art. 2° A propaganda comercial de todas as bebidas que contenham álcool na sua composição, independentemente do respectivo teor alcoólico, incluindo as cervejas, vinhos e todas as classificadas na categoria dos “ices”, “coolers”, “álcool pop”, “ready to drink”, “malternatives”, assim como outras assemelhadas, estará sujeita às seguintes restrições: 79 I - não poderá incluir a participação de crianças e adolescentes e nem utilizar figuras, linguagem, recursos gráficos e audiovisuais pertencentes ao universo infantil, tais como animais “humanizados”, bonecos ou animação que possam despertar a curiosidade ou atenção de menores e contribuir para a adoção de valores morais ou hábitos incompatíveis com sua condição; II – não poderá sugerir ou estimular o consumo com cena, ilustração, áudio ou vídeo, que apresente a ingestão do produto ou de qualquer outra forma induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança, nem associar o efeito decorrente do consumo a estereótipos de sucesso e integração social que não correspondem à realidade dos usuários; III - nos cartazes, posteres e painéis exibidos nos pontos de venda, deverá ser inscrita, de forma legível, em cores contrastantes com o fundo da mensagem, a seguinte frase: “VENDA PROIBIDA PARA MENORES DE 18 ANOS”, de acordo com as proporções estabelecidas no § 5° do art. 2°. Parágrafo único. O planejamento de mídia levará em consideração que o anúncio se destina ao público adulto, maior de idade, refletindo as restrições técnicas e eticamente recomendáveis, inclusive quanto ao horário, devendo ser inserido em programação, publicação ou Web site (Hot site, Pop, banners digitais) e congêneres. Art. 3° A propaganda comercial de bebidas alcoólicas, inclusive as de que trata o artigo 2º desta Resolução, deverá apresentar, nos meios de comunicação e em função de suas características, as seguintes advertências, que deverão ser veiculadas de forma alternada: I - “O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: O ÁLCOOL É CAUSA INÚMERAS DOENÇAS, COMO CÂNCER DE FÍGADO E LESÕES CEREBRAIS.”; 80 II. “O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: O ÁLCOOL CAUSA DEPENDÊNCIA FÍSICA E PSÍQUICA.”; III - "O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: A INGESTÃO DE ÁLCOOL DURANTE A GRAVIDEZ É CAUSA DE RETARDO NO DESENVOLVIMENTO MENTAL DO BEBÊ". IV - “O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: ACIDENTES DE TRÂNSITO APÓS O CONSUMO DE ÁLCOOL SÃO UMA DAS MAIORES CAUSAS DE MORTE EM TODO O MUNDO. SE BEBER, NÃO DIRIJA.”; V - “O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: CERCA DE 70% DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO FATAIS SÃO CAUSADOS PELO CONSUMO DE ÁLCOOL. SE BEBER, NÃO DIRIJA.”. VI – O CONSUMO DE BEBIDAS PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA, SENDO PROIBIDA A VENDA A MENORES DE 18 (DEZOITO) ANOS. § 1° No rádio, a advertência deverá ser veiculada imediatamente após o término da mensagem publicitária e terá locução diferenciada, cadenciada, pausada e perfeitamente audível. § 2° Na televisão, inclusive por assinatura, e no cinema, a advertência deverá ser veiculada da seguinte forma: I. A advertência, deverá ser exibida em cartela única, com fundo preto em letras brancas, de forma a permitir a perfeita legibilidade e visibilidade, permanecendo imóvel no vídeo, com locução diferenciada, cadenciada e perfeitamente audível; II. A cartela obedecerá ao gabarito RTV de filmagem no tamanho padrão de 36,5cmx27cm (trinta e seis e meio centímetros por vinte e sete centímetros); III. As letras apostas na cartela serão de família tipográfica Humanist 777 Bold ou Frutiger 55 Bold corpo 38, caixa alta. 81 § 3° Nos jornais e revistas a advertência deve ser inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Humanist 777 Bold ou Frutiger 55 Bold caixa alta, nas seguintes dimensões: ... §4º Nos demais impressos, tais como folderes, panfletos, filipetas e displays entre outros, a mensagem deve ser inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete internos em letras de cor preta, padrão Humanist 777 Bold ou Frutiger 55 Bold caixa alta, seguindo a mesma proporção estabelecida para as revistas e respeitando o limite mínimo de letra corpo 7. §5º - Na mídia exterior e congêneres, quaisquer que sejam os suportes utilizados para o anúncio, a advertência deve ser inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Humanist 777 Bold ou Frutiger 55 Bold caixa alta, nas seguintes dimensões; ... §6º - Na internet, nas mensagens publicitárias veiculadas, a advertência deve ser exibida permanentemente e de forma visível, sendo inserida em retângulo de fundo branco, emoldurada por filete interno, em letras de cor preta, padrão Humanist 777 Bold ou Frutiger 55 Bold, caixa alta, respeitando a proporção de dois décimos do total do espaço da propaganda. §7º - Qualquer tamanho não especificado para as propagandas deve ser proporcionalizado tomando-se por base a definição de 1/4 (um quarto) de página para jornais, revistas e demais impressos e de 0 a 250 cm2 (zero a duzentos e cinquenta centímetros quadrados) para mídia exterior e congêneres. Art. 4º Reportagens e matérias jornalísticas divulgadas em quaisquer meios de comunicação sobre todas as 82 bebidas que contenham álcool na sua composição, independentemente do respectivo teor alcoólico, estarão sujeitas às mesmas restrições referidas nos arts. 1º e 2º, e deverão conter mensagens de advertência conforme definidas no art.3º. Art. 5º A inobservância das normas estabelecidas nesta Resolução configura infração sanitária nos termos da Lei n° 6.437, de 20 de agosto de 1977, e da Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996. Art. 6º Esta Resolução entrará em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data da sua publicação. DIRCEU RAPOSO DE MELLO Conforme informações obtidas no site da ANVISA, a Consulta Pública, que esteve aberta a contribuições entre novembro/2005 e março/2006, recebeu 157 contribuições, as quais foram consolidadas (DOC 12). Em dezembro/2006 foi realizada audiência pública para discussão do texto final da resolução, e, ao longo de 2007, o tema foi debatido em reuniões, seminários e eventos. Até o presente momento, contudo, não foi aprovada a proposta pela Diretoria da ANVISA e consequentemente publicado o regulamento, o que demonstra que a autarquia Ré não está exercendo suas competências em face da publicidade de bebidas alcoólicas. No que cabe ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, a conclusão não é outra. Compete-lhe, conforme as Leis nº 10.683/03 e nº 8.078/90 e o Decreto 2.128/97, implementar a Polícia Nacional das Relações de Consumo, promovendo ações de proteção à saúde do consumidor. Senão, vejamos: 83 Lei 10.683/03 Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes: XIV - Ministério da Justiça: [...] defesa da ordem econômica nacional e dos direitos do consumidor; Lei 8.078/90 (CDC) Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: por iniciativa direta; [...] pela presença do Estado no mercado de consumo; III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; [...] VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, [...]; 84 Art. 106. O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituílo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção ao consumidor; [...] VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; Decreto 2.128/97 Art. 1º. Fica organizado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC e estabelecidas as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 2º. Integram o SNDC a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça SDE, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC, e os demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as entidades civis de defesa do consumidor. Art. 3º. Compete ao DPDC, a coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção e defesa do consumidor; [...] VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos ou individuais dos consumidores; (grifou-se) 85 Ocorre que se verifica a total inércia do órgão, que não proíbe nem reprime os abusos praticados. A Política Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor, na medida em que preconiza a guarda da saúde dos consumidores brasileiros, não vem sendo, assim, executada pelo DPDC, merecendo reparos na sua conduta. Ademais disso, nunca é demais lembrar que o Código de Defesa do Consumidor outorga amplos deveres-poderes a estes órgãos a fim de que cumpram sua função de proteção da saúde da população em face da publicidade de produtos de consumo, que não vêm sendo, porém, observados: Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. § 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias. ... § 3° Os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de consumo manterão comissões permanentes para elaboração, revisão e atualização das normas referidas no § 1°, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores. § 4° Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões 86 de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial. Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo. E como refere Antônio Herman de Vasconcellos e 87 Benjamin17 ao tratar dos fundamentos constitucionais do controle da publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, o legislador ordinário, para bem cumprir o art. 220, §§3º e 4º, e regrar tais hipóteses publicitárias específicas, deve instituir controle legal complementar (= mais rigoroso) ao previsto no CDC, que, como é óbvio, regula a generalidade da matéria. Em outras palavras, há que ser regime jurídico mais assegurador do que o aplicável à publicidade comum, na sua acepção como relação de consumo. Nessa linha de raciocínio, o sistema do CDC caracteriza-se por ser um verdadeiro piso mínimo de tutela do consumidor. Por conseguinte, as ‘restrições legais’, referidas no art. 220, §4º, agregam natureza, objetivos e alcance diversos das normas requisitadas pelo constituinte para a proteção, em outros campos do mercado, do consumidor, neste último caso pela letra expressa do art. 5º, inc. XXXII, e do art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em síntese, o CDC salvaguarda a universalidade dos destinatários da publicidade dos produtos e serviços em geral, elencando princípios, padrões e reprimendas, entre os quais a condenação da oferta enganosa ou abusiva. Finalmente, é sempre oportuno lembrar que o juiz, ao vislumbrar tratamento administrativo insatisfatório do tema, deve, nos termos do art. 102, caput, do CDC, determinar ao Poder Público que atue com maior rigor na sua disciplina. (grifamos) Conclui-se, portanto, que ambas entidades Rés devem ser compelidas a exercer os deveres-poderes que lhes foram alcançados pela Lei, fiscalizando e reprimindo a publicidade de bebidas com teor igual ou inferior a 13 graus Gay Lussac da mesma forma como 17 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense Universitária, 7ª ed. Revista e ampliada, p. 306. 88 ocorre com as de teor superior. 8. TUTELA ANTECIPADA O art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) estabelece a possibilidade de concessão de mandado liminar, nos casos de possibilidade de dano irreparável ao direito em conflito, decorrente da natural morosidade na solução da lide. Referido dispositivo tem natureza tanto cautelar, protetivo da eficácia da jurisdição, quanto de antecipação da tutela. E com a redação do art. 273 do CPC essa tutela antecipada vê-se ainda mais consagrada, em conjunto com o atual sistema processual civil, que alberga, amplamente, a hipótese de concessão do bem da vida antes do julgamento final. Há pressupostos básicos que legitimam a tutela antecipatória que, indissociados da reversibilidade do provimento, traduzem-se na verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Comentando os pressupostos supramencionados, Teori Albino Zavascki18 pondera que: “Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, 18 como pressupostos genéricos, Antecipação da Tutela, editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 75-76. 89 indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade” No caso, a verossimilhança está estampada nos fundamentos da inicial, e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação decorre da influência da publicidade no aumento do consumo de 90 bebidas alcoólicas, principalmente por jovens, e dos danos à saúde pública causados por esse consumo (violência, acidentes automobilísticos, enfermidades causadas pelo uso abusivo do álcool etc). Sendo assim, resta incontestável o receio de que a demora no provimento jurisdicional possa acarretar danos de difícil reparação e até mesmo irreparáveis à saúde pública. Por fim, ressalte-se que não há risco de irreversibilidade do provimento antecipado: caso este Juízo entenda que não é caso de imposição de restrições à publicidade, poderá revogar a determinação de modo que a publicidade volte a ser veiculada sem qualquer restrição. 9. PEDIDOS Pelo exposto, postula o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: a) a citação da ANVISA, na pessoa de seu Procurador, na Av. Borges de Medeiros nº 536 sala 1008, Porto Alegre/RS, e sua intimação para os fins do art. 2º da Lei nº 8.437/92; b) a citação da UNIÃO e sua intimação para os fins do art. 2º da Lei nº 8.437/92; c) a antecipação dos efeitos da tutela e, ao término da instrução, o julgamento de procedência dos pedidos, com a determinação: c.1) à ANVISA e à UNIÃO para que, por seus órgãos competentes, passem a aplicar as seguintes 91 restrições a todas as bebidas com teor alcoólico igual ou superior a 0,5 grau Gay Lussac: c.1.1) Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas (art. 4º, caput, da Lei 9.294/96); c.1.2) Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de televisão entre as vinte e uma e as vinte e três horas nos casos de obras audiovisuais não recomendadas para menores de 18 anos, nos termos da classificação indicativa em vigor (PORTARIA nº 1.220, de 11 de julho de 2007, do Ministro da Justiça); c.1.3) A propaganda de bebidas alcoólicas não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas.(§ 1º do art. 4º da Lei 9.294/96); c.1.4) Os rótulos das embalagens de bebidas alcoólicas conterão advertência nos seguintes termos: “Evite o consumo excessivo de álcool” (§2º do art. 4º da Lei 9.294/96); c.1.5) Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção (art. 4º - A da Lei 9.294/96); 92 c.1.6) É vedada a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, para veicular a propaganda de bebidas alcoólicas (art. 6º da Lei 9.294/96); c.1.7) As restrições acima enumeradas aplicamse para eventos alheios à programação normal ou rotineira das emissoras de rádio e televisão e à propaganda estática existente em estádios, veículos de competição e locais similares; c.1.8) Bebidas alcoólicas não poderão ser objeto de promoção, mediante distribuição de prêmios (art. 10 do Decreto 70.951, de 9 de agosto de 1972, que "dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular”); c.2) à ANVISA para que passe a aplicar, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item c.1, supra, as sanções previstas no art. 9º e seus incisos da Lei nº 9.294/96, nos termos de sua competência exclusiva ou concorrente com a vigilância sanitária municipal, inclusive com relação às agências de publicidade responsáveis por propaganda de âmbito nacional (art. 9º, § 4º, I, da Lei 9.294/96); c.3) à União Federal (órgão de regulamentação da aviação civil do Ministério da Defesa) para que, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item c.1 supra, passe a aplicar as sanções previstas no art. 9º e seus incisos da Lei nº 9.294/96 93 em relação a infrações verificadas no interior de aeronaves -art. 9º, § 4º, II, da Lei nº 9.294/96; c.4) à União Federal (órgão do Ministério das Comunicações responsável pela fiscalização das emissoras de rádio e televisão) para que, em caso de descumprimento das restrições relacionadas no item c.1, supra, passe a aplicar as sanções previstas no art. 9º e seus incisos da Lei nº 9.294/96 – art. 9º, § 4, IV, da Lei nº 9.294/96; c.5) à União Federal (órgão de regulamentação de transportes do Ministério dos Transportes) para que passe a aplicar as sanções previstas no art. 9º e seus incisos da Lei nº 9.294/96 em relação a infrações ocorridas no interior de transportes rodoviários, ferroviários e aquaviários de passageiros (art. 9º, § 4º, V, da Lei nº 9.294/96). d) a produção de provas documentais, periciais e testemunhais; e) a fixação de multa diária no valor de R$ 50.000,00, a ser revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da Lei 7347/85), para o caso de descumprimento da determinação judicial, inclusive derivada da antecipação dos efeitos da tutela. Atribui-se à causa o valor de R$ 50.000,00. Porto Alegre, 3 de agosto de 2009. Ana Paula Carvalho de Medeiros Procuradora da República Paulo Gilberto Cogo Leivas Procurador Regional da República 94