Tópico Especial Etiologia das Más Oclusões - Causas Hereditárias e Congênitas, Adquiridas Gerais, Locais e Proximais (Hábitos Bucais) Etiology of Malocclusion - Heredity and Congenital Causes, General and Local Factors and Abnormal Habits Resumo Renato R. de Almeida Renata R. de Almeida Pedrin Márcio R. de Almeida Daniela Gamba Garib Patrícia C. M. R. de Almeida Arnaldo Pinzan Os autores objetivaram discutir os fatores etiológicos das más oclusões, expondo o aspecto multifatorial das mesmas, desde que para o desvio da normalidade, participam conjuntamente as causas hereditárias, as congênitas, as adquiridas de ordem geral ou local, assim com os hábitos bucais. O assunto ganha importância ao prover subsídios para que se possa diagnosticar e remover os fatores causais das más oclusões, prevenindo-as em idades precoces, ou garantindo a estabilidade da correção ortodôntica. Ademais, permite o esclarecimento, aos pais, da origem da anormalidade diagnosticada em seus descendentes. INTRODUÇÃO O capítulo que aborda a etiologia das más oclusões torna-se polêmico, uma vez que toda má oclusão apresenta uma origem multifatorial e não uma única causa específica18. Uma interação de vários fatores pode influenciar o crescimento e o desenvolvimento dos maxilares suscitando em más oclusões. O conhecimento destes fatores caracteriza o capítulo da etiologia das más oclusões que deve ser de domínio do clínico geral, do odontopediatra e do ortodontista. De acordo com vários pesquisadores12,15,18 da metade do século, um em cada quatro indivíduos apresentava má oclusão que requeria um tratamento ortodôntico. Atualmente essa incidência tem aumentado progressivamente alcançando um número preocupante para a população. Este fato deve-se principalmente à evolução do homem, na escala filogenética, em relação ao desenvolvimento craniofacial, aos hábitos alimentares e sociais e à miscigenação racial. Segundo a teoria da redução Renato Rodrigues de Almeida* Renata Rodrigues de Almeida-Pedrin** Márcio Rodrigues de Almeida*** Daniela Gamba Garib**** Patrícia Ciocchi M. Rodrigues de Almeida***** Arnaldo Pinzan****** * Palavras-chaves: Etiologia; Má oclusão; Ortodontia. Professor Assistente Dr. da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP; Professor responsável pela Disciplina de Ortodontia e coordenador do curso de Especialização em Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Lins – UNIMEP; Professor Associado da Universidade da Cidade de São Paulo – UNICID. ** Mestre em Ortodontia e Especialista em Radiologia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP; Professora da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Lins – UNIMEP. *** Especialista e Doutor em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP; Professor de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Lins – UNIMEP ao nível de Graduação e Especialização. **** Mestre em Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP; Professora da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Paulista - UNIP. ***** Aluna de pós-graduação, ao nível de Mestrado, da Disciplina de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Bauru - USP. ****** Professor Associado Dr. da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP; Professor Responsável pela Disciplina de Ortodontia da Universidade do Sagrado Coração – USC; Professor Associado da Universidade da Cidade de São Paulo – UNICID. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 107 FIGURA 1 - Evolução do homem. Tendência retrognata da face. terminal a face humana perpassa por um processo evolutivo ocorrendo uma diminuição desta, ao mesmo tempo em que o crânio experimenta um aumento no seu tamanho20,21 (fig. 1). Com a redução do tamanho da face e dos maxilares o espaço para acomodar todos os dentes torna-se limitado, conseqüentemente, o último dente de cada série tende a desaparecer (terceiros molares, segundos pré-molares e incisivos laterais)13. Isto não ocorre repentinamente pois trata-se de um processo delongo e de caráter hereditário que passa de geração para geração onde a primeira apresenta um dente com forma anômala (microdontia) e posteriormente alguns de seus sucessores já não mais possuirão este dente. A alimentação dos tempos atuais também contribui para a “involução” da face com conseqüente aumento das más oclusões. No passado, os alimentos eram mais duros e fibrosos exigindo um grande esforço da musculatura facial durante a mastigação. Atualmente apresentam-se pastosos e portanto fáceis de serem consumidos com uma menor participação da musculatura facial, comprometendo o crescimento e o desenvolvimento da face10,12,18. A abordagem da etiologia da más oclusões geralmente classifica todas as causas em fatores locais ou intrínsecos e sistêmicos ou extrínsecos2. Essa classificação pode, no entanto, gerar diferentes considerações acerca de uma má oclusão entre os profissionais18. No intuito de explicar as possí- veis causas das más oclusões, outras classificações foram propostas. A sugerida por GUARDO13 referese às causas hereditárias e congênitas, gerais, locais e às causas proximais (hábitos bucais). SALZMANN23 dividiu os fatores etiológicos em pré-natais e pós-natais observando uma influência direta ou não, destes fatores, causadores de má oclusão. Posteriormente, MOYERS18 sugeriu uma Equação Ortodôntica para a interpretação da etiologia das más oclusões. Essa equação representa uma expressão concisa do desenvolvimento de todas as deformidades dentofacias. A classificação por nós utilizada assemelha-se à proposta por GUARDO13, e neste artigo apresentaremos uma abordagem dos fatores etiológicos hereditários e congênitos e as causas adquiridas gerais, locais e proximais (hábitos bucais). FATORES HEREDITÁRIOS A hereditariedade constitui um dos principais fatores etiológicos pré-natais das más oclusões. O padrão de crescimento e desenatuam em sobre Causas Período • Hereditárias • Causas de desenvolvimento de origem produzindo Tecidos Neuromusculatura Contínuo ou Intermitente desconhecida • Traumatismos • Agentes físicos • Hábitos volvimento sofre forte influência dos fatores hereditários. Existem certas características raciais e familiares que podem comprometer a morfologia dentofacial de um indivíduo10,12. Por exemplo, um jovem pode herdar o tamanho e a forma dos dentes do pai e o tamanho e a forma dos maxilares da mãe, resultando em uma combinação harmoniosa ou não entre os ossos e os dentes. Entretanto, não é possível prevenir tal combinação indesejada. Como citado acima, a morfologia dentária obedece um padrão genético. As anomalias de tamanho dentário, representadas pelas macro e microdontias, podem gerar más oclusões como apinhamentos29 e diastemas, respectivamente. Na maioria das vezes, quando um indivíduo apresenta dentes maiores (macrodontia) ou menores (microdontia) que o normal, muito provavelmente alguém da família também é ou foi portador desta anomalia (fig. 2A, B). Entretanto, quando podemos considerar um dente de tamanho normal ou não? Existem tabelas como as de GRABER11 que mostram as médias dos diâmetros mesiodistais dos den- Efeitos Disfunção Dentes Má oclusão Ossos e Cartila- Diferentes faixas etárias • Enfermidades • Má nutrição gens Displasia Óssea Tecidos Moles Fonte: MOYERS, R.E. 18 FIGURA 2A - Macrodontia do incisivo central superior direito. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 FIGURA 2B - Microdontia do incisivo lateral superior esquerdo. 108 tes decíduos e permanentes. Contudo, as anomalias de tamanho dentário por associarem-se à hereditariedade são facilmente diagnosticadas clinicamente e por meio da história familiar (anamnese), descartando a necessidade de averiguações em tabelas específicas. As anomalias de forma, que encontram-se intimamente relacionadas às anomalias de tamanho, também são determinadas principalmente pela herança e interferem diretamente na oclusão do portador10,12. A anomalia mais prevalente consiste na forma conóide do incisivo lateral superior, seguida por outras formas atípicas menos freqüentes como dentes com cúspides supranumerárias ou extras, cúspide em garra (talon cusp), geminação e fusão (fig. 3A-E). As anomalias de número, na sua grande maioria, são de origem hereditária, porém podem também estar associadas às deformidades congênitas como a displasia ectodérmica e a disostose cleidocraniana. Diversos autores10,13,15 acreditam que os dentes supranumerários e as agenesias dentárias, além de apresentarem originariamente um componente genético, também estão relacionadas ao atavismo e à evolução do homem, respectivamente. O papel da hereditariedade no estudo das más oclusões de gêmeos idênticos (monozigóticos) também re- A B FIGURA 3A - Geminação. C presenta significante importância na determinação das características morfológicas e dentofaciais. Os estudos de LUNDSTRÖM15,16 revelaram que gêmeos idênticos geralmente apresentam a mesma má oclusão o que não ocorre necessariamente nos gêmeos heterozigóticos(fig. 4A-T). Isto acontece porque os gêmeos monozigóticos apresentam essencialmente a mesma composição genética e então as diferenças (quando ocorrem) entre eles dependem de fatores não genéticos como os do meio ambiente. Os gêmeos heterozigóticos, por sua vez, apresentam uma disparidade do código genético de 50% como nos casos de irmãos fraternos16. FIGURA 3B - Talon cusp ou cúspide em garra. D FIGURA 3C, D - Geminação dentária e aspecto radiográfico. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 E FIGURA 3E - Fusão dos incisivos central e lateral inferior direito. 109 A C B D F H E G I J FIGURA 4 - A,B,F,G - Gêmeos Idênticos; C-E,H-J - Vistas intrabucais mostrando a mesma má oclusão. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 110 L K M N P R O Q S T FIGURA 4 - K,L,P,Q - Gêmeos heterozigóticos; M-O,R-T - Vistas intrabucais mostrando diferentes oclusões. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 111 Outro fator hereditário que contribui para o desencadeamento de uma má oclusão é a miscigenação racial. Nas populações raciais homogêneas (grupos geneticamente puros) quase não se observa má oclusão, enquanto que nos grupos que apresentam grande miscigenação racial a prevalência de más oclusões aumenta substancialmente12. Atualmente, observase um intenso cruzamento entre as raças branca, negra e amarela contribuindo sobremaneira para o aumento das más oclusões (fig. 5). O tipo facial hereditário também influencia na determinação das características dentofacias e representa um importante fator etiológico de algumas más oclusões. Na população encon- A B FIGURA 5 - Miscigenação racial. C D E FIGURA 6A, B - Paciente Braquifacial apresentando sobremordida profunda. FIGURA 6C, D - Paciente Dolicofacial apresentando mordida aberta. F FIGURA 6E, F - Paciente mesofacial e oclusão correspondente. tram-se basicamente três tipos de configuração facial: os braquifaciais que possuem a largura facial predominando à altura, os dolicofaciais apresentando uma predominância da altura em relação à largura facial e os mesofaciais que representam um grupo com características intermediárias entre braqui e dolicofacial5. Certas más oclusões apresentam-se intimamente re- lacionadas à morfologia facial, como o desenvolvimento de uma mordida aberta em um indivíduo dolicofacial e de uma sobremordida profunda num jovem braquifacial (fig. 6A-F). R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 112 As más oclusões de ordem esquelética (Classes II e III) possuem um componente genético na sua etiologia (fig. 7A-D). Na maioria dos casos, quando um indivíduo apresenta uma má oclusão de Classe III ou II, muito provavelmente algum dos seus antecedentes também a exibiu. Este fato pode ser facilmente comprovado observando-se as fotografias das gerações anteriores15. FATORES CONGÊNITOS A B FIGURA 7A, B - Jovem apresentando má oclusão esquelética de Classe II. C D FIGURA 7C, D - Paciente apresentando má oclusão esquelética de Classe III. As deformidades congênitas, assim como os fatores hereditários, também constituem uma das causas etiológicas pré-natais das más oclusões, e caracterizam-se por apresentar grande influência genética. Essas deformidades, agem sobre o embrião, desde a sua formação intra-uterina até o momento do nascimento, apresentando manifestações clínicas imediatas ou tardias27. Dentre as inúmeras malformações congênitas, descreveremos aquelas cujas alterações comprometem principalmente a cavidade bucal. Fissuras de Lábio e/ou Palato A B FIGURA 8A, B - Fissura pré-forame unilateral esquerda incompleta. C D FIGURA 8C, D - Fissura pré-forame bilateral incompleta. E F FIGURA 8E, F - Fissura pré-forame mediana incompleta. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 Este tipo de má formação congênita caracteriza-se pela falta de fusão entre os processos palatinos e/ou dos segmentos que formam o lábio superior, e comprometem invariavelmente a arcada superior em maior ou menor extensão de acordo com o tipo de fissura24,27. Segundo Vitor Spina as fissuras lábio-palatais classificam-se em 3 grupos de acordo com a sua localização tendo como referência anatômica o forame incisivo28: Grupo I - Fissuras pré-forame incisivo: compreende o grupo das fissuras que envolve somente o palato primário. Podem variar desde uma fissura cicatricial no lábio superior até um rompimento completo do palato primário envolvendo o lábio superior, o rebordo alveolar e o assoalho da fossa nasal, terminando na região do forame incisivo 24,27 (fig. 8A-H). 113 Podem ainda apresentarem-se: • unilaterais: - direita (completa ou incompleta); - esquerda (completa ou incompleta); • bilaterais: - completa; - incompleta; • medianas: - completa; - incompleta. Grupo II - Fissuras trans-forame incisivo: são as fissuras que englobam o lábio superior e o palato em todo sua extensão. Todo indivíduo que apresenta este tipo de fissura possui má oclusão24,27 (fig. 9A-D). As fissuras deste grupo podem ser: • unilaterais: - direita; - esquerda; • bilaterais Grupo III - Fissuras pós-forame incisivo: são as fissuras que menos comprometem a estética, uma vez que o envolvimento anatômico limita-se à região posterior ao forame incisivo, mas os problemas funcionais relacionados a fala são freqüentes24,27 (fig. 10A, B). Neste grupo as fissuras podem ser: • total (palato duro e mole); • parcial (somente palato mole). Ainda segundo a classificação de SPINA28 há um outro grupo que compreende as fissuras raras da face: Grupo IV - Fissuras raras da face (fig. 11A, B): 1 - Fissuras Oblíquas; 2 - Fissuras Transversais; 3 - Fissuras do lábio inferior. No Brasil, a prevalência de pacientes fissurados é de 1 para cada 650 indivíduos24. A literatura demonstra, de forma unânime, que as fissuras de palato são mais freqüentes e mais graves (extensão) no sexo feminino. Os dados do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo, não fazem exceção ao revelar que, dos pacientes portadores de fissura isolada de palato, aproximadamente, 59% são do sexo feminino e 41% do sexo masculino12. G H FIGURA 8G, H - Fissura pré-forame mediana completa. A B FIGURA 9A, B - Fissura trans-forame unilateral direita. C D FIGURA 9C, D - Fissura trans-forame bilateral. A FIGURA 10A - Fissura pós-forame incompleta. A B FIGURA 10B - Fissura pós-forame completa. B FIGURA 11A, B - Fissuras raras da face. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 114 Isto se explica pelo dimorfismo sexual em relação ao período de fusão dos processos palatinos. Baseado em modelos hipotéticos de fechamento do palato humano, alguns autores7, sugeriram que o palato secundário de embriões femininos se fecha numa velocidade mais lenta que o de embriões masculinos. A elevação e a subseqüente fusão dos processos palatinos ocorrem com alguns dias de atraso nos embriões femininos. No embrião masculino, observa-se o fechamento do palato secundário, durante a sétima semana de vida intra-uterina, enquanto no sexo feminino, este período coincide com a metade da oitava semana de vida intra-uterina. Este retardo no tempo de fechamento do pa- C A B FIGURA 12A, B - Jovem portadora de disostose cleidocraniana apresentando hipoplasia da clavícula. D E FIGURA 12C - Aspecto intrabucal mostrando alteração na seqüência de erupção dos dentes permanentes. D, E - Aspecto intrabucal - vistas laterais. lato secundário feminino, indica uma maior susceptibilidade, deste sexo, aos agentes teratogênicos. DISOSTOSE CLEIDOCRANIANA A disostose cleidocraniana constitui uma deformidade congênita geralente as- sociada à hereditariedade, que também pode provocar alterações ao nível da cavidade bucal8,14 (fig. 12A-N). Além do si- G F R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 FIGURA 12F - Dentes supranumerários observados na radiografia panorâmica; G) Telerradiografia da mesma paciente denotando a protrusão mandibular. 115 H I FIGURA 12H, I - Jovem portador de disostose cleidocraniana apresentando hipoplasia da clavícula. J FIGURA 12J - Aspecto intrabucal - vista frontal. nal clínico mais característico, hipoplasia da clavícula, os aspectos bucais mais freqüentemente observados são: K L FIGURA 12K, L - Aspecto intrabucal - vistas laterais denotando protrusão mandibular e relação molar de Classe III. • maxila hipoplásica; • protrusão mandibular; • erupção tardia dos dentes per- manentes; • dentes supranumerários; • hipoplasia do cemento. N M R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 FIGURA 12M - Dentes supranumerários observados na radiografia panorâmica; N) Telerradiografia do mesmo paciente denotando a protrusão mandibular. 116 DISPLASIA ECTODÉRMICA É uma anomalia de caráter hereditário caracterizada pela falta de desenvolvimento dos tecidos de origem ectodérmica. Os portadores desta anomalia geralmente apresentam anormalidades de cabelo, unhas, cílios, pele, dentes, face, e glândulas anexas (sebáceas e sudoríparas principalmente) além de apresentarem uma aparência de senilidade (fig. 13A-F). O fato de ter a perspiração comprometida, devido ao número reduzido de glândulas, leva o paciente à hipertermia com crises febris constantes durante a infância que podem, inclusive, proporcionar comprometimentos neurológicos. A pele apresenta-se macia, porém fina e ressecada. O cabelo, os cílios e as sobrancelhas encontram-se em número reduzido 19. As principais características intrabucais e faciais são: • ausência total (agenesia) ou parcial (oligodontia) dos dentes; • dimensão vertical reduzida; • terço inferior facial reduzido; • ausência de osso alveolar; • maxilares pouco desenvolvidos; • lábios protuberantes. A FIGURA 13A - Aspecto facial de um jovem com displasia ectodérmica e as características típicas da síndrome, como lábios protuberantes. B FIGURA 13B, C - Telerradiografia e radiografia panorâmica mostrando maxilares pouco desenvolvidos e presença de apenas dois dentes. C D E FIGURA 13D, E - Aspectos intrabucais mostrando ausência de osso alveolar e presença de poucos dentes. INCONTINÊNCIA PIGMENTAR OU SÍNDROME DE BLOCHSULZBERGER Esta síndrome é uma doença envolvendo pele e anexos, de provável origem genética de caráter dominante relacionada ao cromosso X, portanto acometendo apenas o sexo feminino, na infância. Os sinais e sintomas mais freqüentemente observados nesta síndrome são: anomalias oculares, assimetria facial, distrofia nasal, anomalias do couro cabeludo, desordens do sistema nervoso e anomalias dentárias 22 (fig. 14A-F). Dentre as anomalias dentárias pode-se destacar: • agenesias; • anomalias de forma, como dentes conóides, dentes geminados ou fusionados e dens in dens; • hipoplasia de esmalte. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 F FIGURA 13F - Aspecto facial de um jovem portador de displasia ectodérmica com típicas características da síndrome. Sorriso mostrando prótese dentária. 117 B FIGURA 14A - Paciente portadora de incontinência pigmentar apresentando assimetria facial. B - Aspecto intrabucal mostrando hipoplasia e agenesia dentária. A C D FIGURA 14C, D - Radiografias periapicais evidenciando anomalias de forma dens in dens e geminação dentária. F E R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 FIGURA 14E - Aspecto radiográfico demonstrando agenesias dentárias. F) F Telerradiografia da paciente. 118 SÍNDROME DE RIEGER A síndrome de Rieger de origem hereditária autossômica dominante displásica, caracteriza-se por sinais clínicos relacionados às anomalias oculares, umbilicais e dentárias17 (fig. 15A-G). Os principais sinais clínicos da síndrome envolvendo a cavidade bucal são: • anomalias de forma: talon cusp e dentes conóides; • anomalia de tamanho: microdontia; • agenesia total ou parcial; • hipoplasia de esmalte; • hipolasia maxilar; • prognatismo mandibular. A B FIGURA 15A, B - Paciente com síndrome de Rieger. C D E FIGURA 15C-E - Vistas intrabucais. Agenesias dentárias evidentes. Prognatismo mandibular e mordida cruzada anterior. F FIGURA 15F, G - Telerradiografia e radiografia panorâmica apresentando agenesia de vários dentes, prognatismo mandibular e retrusão maxilar. G CAUSAS ADQUIRIDAS Gerais As deformações adquiridas, que podem provocar uma má oclusão, caracterizam os fatores etiólogicos pósnatais. Estes fatores dividem-se em gerais, locais e proximais. Dentre as causas gerais, pode-se destacar os fatores traumáticos, as endocrinopatias, as enfermidades sistêmicas e os fatores nutricionais. Traumatismos e acidentes: aci- R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 dentes traumáticos obstétrico durante o parto, quando da utilização de fórceps, podem provocar fratura do côndilo e hipoplasia da mandíbula. Os traumatismos envolvendo os dentes decíduos podem provocar a perda 119 jovem podem expressar alterações na cavidade bucal. Fatores nutricionais: SALZMANN23 asseverou que uma falha nutritiva nas crianças em crescimento e desenvolvimento, provoca um retardo dos centros de ossificação. Outras pesquisas demonstraram que a deficiência de vitaminas A, B, C, D, da Riboflavina e do Iodo podem contribuir para as más formações esqueléticas e dentárias. Locais Os itens que constituem o grupo etiológico das causas adquiridas locais representam os fatores mais diretamente relacionados à cavidade bucal e talvez sejam, para os ortodontistas as causas mais importantes das más oclusões. Portanto devem ser detectados precocemente pelo cirurgião-dentista de forma a proporcionar um adequado desenvolvimento dos arcos dentários. A C D FIGURA 16C, D - Desvio de irrupção dos incisivos centrais permanentes como conseqüência de um traumatismo. B FIGURA 16A - A figura mostra a proximidade das raízes dos dentes decíduos com os germes dos dentes permanentes. (Van der Linden). B Traumatismo dos incisivos centrais decíduos com conseqüente inclinação. precoce destes ou ainda afetar o germe dentário permanente causando desvios de irrupção, dilacerações radiculares e defeitos na estrutura dentária. O tecido cicatricial decorrente de queimaduras comprometendo a face pode produzir alterações nas posições dentárias e ainda deformidade dos maxilares quando estes encontraremse na fase de crescimento e desenvolvimento10 (fig. 16A-J). Endocrinopatias: dentre os distúrbios endócrinos que afetam diretamente a cavidade bucal encontramse aqueles relacionados às glândulas tireóide, paratireóide e hipófise. Os diversos sinais de distúrbio variam de acordo com o excesso ou a carência de metabolismo dos hormônios produzidos por estas glândulas. Enfermidades sistêmicas: as febres agudas, as infecções crônicas, as paralisias cerebrais e as distrofias musculares, quando presentes na fase de crescimento e desenvolvimento de um E F FIGURA 16E, F - Traumatismo do incisivo central permanente abaixo do ponto de contato com conseqüente perda de espaço uma semana após o acidente. G H FIGURA 16G, H - Traumatismo de maior gravidade atingindo dentes e osso vista frontal e aspecto radiográfico. I J FIGURA 16I, J - Vistas intrabucais laterais. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 120 Perda prematura dos dentes decíduos: os dentes decíduos contribuem para fonação, deglutição, mastigação e estética adequadas, além de servirem como mantenedores de espaços e guias de erupção para os dentes permanentes. Quando perde-se prematuramente um dente decíduo ocorre o rompimento do equilíbrio dentário propiciando a mesialização dos dentes posteriores, distalização dos anteriores e extrusão dos antagonistas. Assim, faltará espaço para a irrupção de alguns dentes permanentes, determinando más oclusões (fig. 17A-E). Perda de dentes permanentes: a oclusão dentária caracteriza-se pela intercuspidação de um dente superior com dois inferiores, com exceção dos últimos dentes superio- E FIGURA 17E - Extração prematura dos 1 o e 2 o molares decíduos com conseqüente perda de espaço. A A B FIGURA 17A, B - Radiografias panorâmicas mostrando espaços insuficientes para a irrupção de dentes permanentes. C D FIGURA 17C, D - Radiografias panorâmica e periapical mostrando falta de espaços para a irrupção de dentes permanentes por extração prematura. A B FIGURA 18A, B - Extração prematura do incisivo central superior direito e dos primeiros pré-molares permanentes inferiores. B C FIGURA 19A, B - Retenção prolongada dos caninos decíduos superiores e irrupção ectópica dos sucessores permanentes. FIGURA 19C - Retenção prolongada do incisivo central superior decíduo. res e dos incisivos centrais inferiores, mantendo, desta forma o equilíbrio na cavidade bucal. A perda de qualquer um destes dentes provoca alterações no posicionamento dos demais, estabelecendo uma má oclusão (fig. 18A, B). Retenção prolongada e reabsorção anormal dos dentes decíduos: a retenção prolongada e reabsorção FIGURA 19D - Irrupção ectópica dos segundos pré-molares inferiores com reabsorção anormal das raízes dos segundo molares decíduos anormal dos dentes decíduos criam uma barreira mecânica dificultando a irrupção do dente sucessor ou desviando-o para uma posição anormal no arco dentário. Os possíveis fatores que podem causar esta alteração estão associados à rizólise tardia, à anquilose do dente decíduo, à agenesia do sucessor permanente e a distúrbios endócrinos (fig. 19A-D). R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 D 121 A C E F FIGURA 20E - Radiografia periapical mostrando agenesia de segundo pré-molar inferior; F - Radiografia panorâmica mostrando agenesia de 14 dentes. B FIGURA 20A - Agenesia dos incisivos laterais superiores; B - vista oclusal e aspecto radiográfico. G D FIGURA 20C, D - Traumatismo do incisivo central permanente abaixo do ponto de contato com conseqüente perda de espaço uma semana após o acidente. Anomalias dentárias de número: agenesia e supranumerário - a presença ou a ausência de um ou mais dentes, quebram o equilíbrio do arco dentário e geralmente contribuem para o estabelecimento de uma má oclusão. A ocorrência destas anomalias não é predizível, entretanto, os estudos em linhagens genealógicas de algumas famílias sugerem a influência de fatores genéticos3,29 (fig. 20A-M). H FIGURA 20 - Vista oclusal e radiografia periapical evidenciando a presença de três pré-molares. L I FIGURA 20I, J - Supranumerário impedindo a irrupção do incisivo central superior direito com perda de espaço - vista frontal e radiografia periapical. M J R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 FIGURA 20L, M - Presença de supranumerários e conseqüentes más oclusões. 122 A B C D FIGURA 21A-D - Paciente com quatro segundos molares decíduos anquilosados. A B FIGURA 22A, B - Deslocamento do germe do primeiro pré-molar inferior provocado por um cisto - radiografias panorâmica e periapical. Anquilose: a anquilose dentária, encontrada com freqüência entre os 6 e 12 anos de idade, possivelmente advém de algum tipo de lesão, o que ocasiona alterações no ligamento periodontal com formação de uma ponte óssea unindo o cemento e a lâmina dura. A anquilose de qualquer dente decíduo pode provocar além da sua retenção, um atraso ou mesmo uma irrupção ectópica do sucessor permanente2 (fig. 21A-F). Cistos: as patologias como cistos e tumores também podem ser consideradas como fatores etiológicos de más oclusões principalmente por causarem desvios de erupção dentária (fig. 22A-C). Irrupção ectópica dos dentes permanentes: os primeiros molares permanentes, principalmente os superiores, podem assumir uma trajetória de irrupção para mesial, ocasio- A E F FIGURA 21E, F - Radiografias panorâmica e periapical mostrando segundo molar decíduo inferior anquilosado, intraósseo e restaurado com amálgama. C FIGURA 22C - Deslocamento do germe do canino superior esquerdo provocado por um cisto - radiografia panorâmica. B FIGURA 23A, B - Irupção ectópica dos 1os molares permanentes e conseqüente perda de espaço. D FIGURA 23C - Aspecto radiográfico da reabsorção do 2o molar decíduo superior. D - Irrupção ectópica dos 2o molares permanentes superiores. C R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 123 nando a prematura reabsorção radicular e esfoliação dos segundos molares decíduos adjacentes. Desta maneira, o espaço para a irrupção dos segundos pré-molares ficará reduzida (fig. 23A-F). Freio Labial Superior: o freio labial superior consiste em uma lâmina fibrosa de tecido conjuntivo, com forma triangular. No recém-nascido, este freio estende-se desde o lábio superior até inserir-se na papila lingual, cruzando o rebordo alveolar. Durante o desenvolvimento da oclusão, a inserção fibrosa do freio paulatinamente desloca-se para a superfície vestibular do processo alveolar, alcançando as proximidades do limite mucogengival6. A persistência da inserção baixa do A E 4 - Presença do supranumerário mesiodente; 5 - Lesões patológicas como cistos na região interincisvos centrais; 6 - Hábitos de sucção de dedo, chupeta, lábio e interposição lingual. GRABER12 enfatizou ainda que na presença de um diastema interincisivos causado por diversos destes fatores etiológicos, o freio labial superior pode man- B FIGURA 24A, B - Microdontia e agenesia dos incisivos laterais superiores e a presença de diastemas interincisivos. C F FIGURA 23E, F - Erupção ectópica dos 1os molares permanentes inferiores. D ter-se inserido por lingual, dificultando a identificação da real participação da inserção fibrosa na manutenção do diastema. Surge então a discussão semelhante ao ovo e a galinha. Quem veio primeiro? Deve-se ter em mente que todos estes fatores etiológicos do diastema interincisivos centrais apresentam sua importância ao avaliarmos um paciente E FIGURA 24E, F - Diastemas hereditários. F FIGURA 24C, D - Deglutição com interposição lingual e respectivo diastema. freio labial superior, após o desenvolvimento completo da dentadura permanente tem sido apontada como um dos principais fatores etiológicos do diastema interincisivos centrais. No entanto, devemos deixar claro que o diastema superior exibe uma etiologia multifatorial, desde que outros fatores podem determiná-lo: 1 - Agenesia dos incisivos laterais superiores; 2 - Microdontia dos incisivos laterais superiores; 3 - Discrepância dente-osso positiva; G FIGURA 24G - Inserção baixa do freio labial superior com isquemia da papila palatina. H - Sutura intermaxilar terminada em plano. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 H 124 durante a dentadura permanente. Nos estágios anteriores do desenvolvimento da oclusão, dentadura decídua e mista, o diastema interincisivos central apresenta-se como característica normal e fisiológica, que segundo TAYLOR12 está presente em 97% das crianças durante a irrupção dos incisivos centrais superiores permanentes. Com a irrupção dos incisivos laterais superiores permanentes esta porcentagem diminui para 46% e após a irrupção dos caninos superiores permanentes, essa prevalência cai para 7%, e é sobre esse número que se concentram os fatores etiológicos responsáveis pelo diastema, anteriormente discutido (fig. 24A-H). Cáries: as cáries dentárias, principal- A B FIGURA 25A, B - Primeiros molares permanentes irrompendo na cavidade provocada por uma cárie na face distal dos segundos molares decíduos, respectivamente. C D FIGURA 25C, D - Cáries de mamadeira. m. constrictor superior da faringe m . bucinador tubérculo faríngeo m. articulador dos lábios A B rafe ptérigomandibular FIGURA 26A, B - Músculos componentes do Mecanismo do Bucinador. Fonte: GRABER,T.M. mente as interproximais, são responsáveis pela redução do comprimento do arco dentário, além de provocarem por muitas vezes, a extração prematura de dentes decíduos. Ainda hoje, a incidência da cárie dentária no nosso país, é a maior responsável pelo aumento do número de más oclusões (fig. 25A-D). força do lábio bucinador língua força da língua CAUSAS ADQUIRIDAS PROXIMAIS - HÁBITOS BUCAIS Na arquitetura da oclusão normal, a natureza considerou os dentes, as bases ósseas e a musculatura adjacente intra e extrabucal, estabelecendo uma relação de interdependência e equilíbrio. Neste contexto, concorrem para o perfeito engrenamento dos arcos dentários, além do correto posicionamento dos dentes e da relação de proporcionalidade entre maxila e mandíbula, a função A B FIGURA 27A, B - Equilíbrio de forças entre a língua, os lábios e as bochechas sobre os dentes e as estruturas ósseas. Fonte: GRABER, T.M. normal dos músculos do sistema estomatognático, definido por Brodie como o “Mecanismo do Bucinador” (fig. 26A, B). Sob esta ótica, os dentes ocupam uma posição de equilíbrio, correspondente ao local onde as forças opostas, pro- R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 venientes da musculatura intrabucal (língua) e extrabucal (bochechas e lábios), neutralizam-e (fig. 27A, B). Considerando-se os conceitos da teoria da Matriz Funcional de Moss, a quebra desse equilíbrio muscular, por 125 FIGURA 28 - Amamentação materna. A A B FIGURA 29A, B - Bico convencional e ortodôntico, respectivamente. Fonte: GRABER, T.M.11 meio de qualquer função anormal exercida pela musculatura bucal, contribuirá negativamente para o desenvolvimento da oclusão. Neste caso, enquadram-se os hábitos prolongados de sucção de dedo e chupeta, o pressionamento lingual atípico durante a fala, a deglutição, a postura e a respiração bucal, que pela deformidade que suscitam na oclusão, recebem o nome de maus hábitos bucais ou hábitos bucais deletérios. Hábitos de sucção de dedo e chupeta Ainda no ventre da mãe, o ser humano já começa a exercer a sucção dos B A B FIGURA 30A, B - Sucção de chupeta e conseqüente má-oclusão. FIGURA 31A, B - Sucção de polegar e conseqüente má-oclusão. dedos, língua e lábios, numa atitude instintiva dos mamíferos. Quando nasce, o bebê apresenta a função de sucção completamente desenvolvida, e por meio desta adquirirá o nutriente necessário para a vida. No entanto, a sucção não destina-se unicamente à função de alimentação, pois constitui também o meio mais importante pelo qual a criança se comunica com o meio exterior. A percepção bucal bem desenvolvida nos primeiros anos de vida, proporciona um sentimento de conforto, segurança e satisfação emocional durante o ato de sugar. Por esta razão, na impossibilidade de amamentação materna (fig. 28), aconselha-se o uso de mamadeiras com bicos ortodônticos, pois “imitam” a anatomia dos seios visto que estabelecem uma maior superfície de contato com os lábios e pele do bebê (fig. 29A, B). Além disso, a presença de um orifício reduzido para a saída do leite e a pequena espessura do bico exigem que o bebê succione de modo muito semelhante à amamenta- ção no peito4,9. Afora a amamentação, considerase normal a sucção de dedo ou chupeta no início do desenvolvimento infantil, e a oposição dos pais a esse hábito pode determinar conseqüências psicológicas negativas. Normalmente, a medida que a criança começa a desenvolver outros meios de comunicação com o meio externo, ela acaba por abandonar espontaneamente o hábito de sucção. A interrupção do hábito de sucção, durante a dentadura decídua, favorece a autocorreção de desvios morfológicos da oclusão que porventura tenham se desenvolvido precocemente. No entanto, a persistência deste hábito a partir do início da dentadura mista, com a irrupção dos incisivos permanentes, representa anormalidade, pois constitui um potente fator etiológico das más oclusões. O dedo ou a chupeta, durante a sucção, interpõe-se entre os incisivos superiores e inferiores, restringindo a irrupção destes dentes, enquanto os den- R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 126 tes posteriores continuam a desenvolver-se no sentido vertical. Conseqüentemente, determina-se uma mordida aberta, quase sempre restrita à região anterior dos arcos dentários, de forma circular e bem circunscrita para o uso da chupeta, (fig. 30A, B) enquanto que para a sucção do polegar há uma inclinação dos incisivos superiores para vestibular, surgindo diastemas entre eles, com os incisivos inferiores inclinados para lingual14 (fig. 31A, B). O contato do objeto sugado com o palato desaloja a língua que se mantém numa posição mais inferior, afastando-se do contato com os dentes póstero-superiores. Esta alteração, somada à força de sucção desempenhada pelo músculo bucinador, ocasiona a atresia do arco dentário superior, culminando na mordida cruzada posterior uni ou bilateral. Em um levantamento epidemiológico realizado em escolares de Bauru (fig. 32), constatou-se que de todas as crianças com hábitos prolongados de sucção, 48% apresentavam apenas a mordida aberta anterior, 6,9% apresentavam apenas a mordida cruzada posterior, enquanto 30,5% exibiam ambas as más oclusões. Estes dados apontam para um grande vínculo causa-efeito existente entre hábito de sucção e má oclusão. No entanto, as restantes 14,6% crianças não apresentavam qualquer tipo de deformidade, demonstrando que a instalação de alterações morfológicas não depende unicamente da existência do hábito, mas MAA MAA + MCP MCP Normal FIGURA 32 - Representação gráfica das alterações oclusais em crianças com hábito de sucção de dedos ou chupeta. MAA: mordida aberta anterior; MCP: mordida cruzada posterior. Fonte: SILVA FILHO, O.G.; GONCALVES, R.M.G.; MAIA, F.A.26 A B FIGURA 33A, B - Interposição lingual com mordida aberta anterior e posterior. A FIGURA 34A - Amígdalas palatinas hipertrofiadas. B também de sua intensidade, duração e freqüência (Tríade de GRABER), assim como da susceptibilidade individual determinada principalmente pelo padrão de crescimento facial26. Pressionamento lingual atípico A interposição da língua entre os arcos dentários durante a fonação, deglutição e mesmo durante o repouso ou postura, constitui uma anormalidade funcional denominada pressionamento lingual atípico. Este hábito bucal deletério relaciona-se com a má oclusão de mordida aberta anterior de duas maneiras diferentes: o pressionamento lingual pode constituir a causa ou a conseqüência de uma mordida aberta anterior25. No primeiro caso, é classificado como pressionamento lingual atípico primário, uma vez que determinou o desenvolvimento da má oclusão. Nestas condições a mordida aberta anterior exibe um formato mais retangular ou difuso, podendo dela participar não só os incisivos, como também os dentes posteriores (fig. 33A, B). Tanto os incisivos superiores como os inferiores podem apresentar-se inclinados para vestibular, com diastemas generalizados na região anterior. O pressionamento atípico primário pode advir da presença de amígdalas palatinas hipertróficas, de distúrbios neuromusculares inerentes a algumas síndromes, e da macroglossia. O pressionamento lingual atípico secundário, como o próprio nome sugere, ocorre em adaptação a uma mordida aberta criada pelo hábito de sucção, neste caso, contribuindo apenas para manter ou agravar a alteração morfológica já existente (fig. 34A-C). C FIGURA 34B, C - Interposição lingual e má oclusão correspondente. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 127 Interposição e Sucção Labial Da mesma forma que para a interposição lingual, o posicionamento do lábio inferior entre os incisivos pode decorrer de uma alteração morfológica já estabelecida, sendo executada com o objetivo de permitir o selamento labial durante a deglutição. A constância desse hábito também acaba por prolongar a presença da má oclusão. Durante a deglutição atípica, a musculatura hipertônica do músculo mentoniano exerce um forte movimento do lábio inferior contra os dentes anteriores da mandíbula, provocando uma retroinclinação destes, e sobre os dentes anteriores do arco superior uma inclinação para vestibular, acentuando o trespasse horizontal já existente. Embora a interposição labial seja, em geral, uma adaptação funcional às alterações já existentes, realizada durante a deglutição, devese salientar que, em alguns casos, o desenvolvimento de um trespasse horizontal acentuado pode favorecer a instalação de um verdadeiro hábito de sugar o lábio inferior, que traz tanta satisfação sensorial ao paciente quanto a sucção do dedo4 (fig. 35A-D). A B FIGURA 35A, B - Sucção e interposição do lábio inferior. C D FIGURA 35C, D - Trespasse horizontal acentuado devido à interposição do lábio inferior. Respiração bucal Na normalidade fisiológica, a respiração deve ser realizada predominantemente via nasal, para que o ar inspirado chegue aos pulmões umedecido, aquecido e filtrado. Apenas em momentos de maior demanda de oxigênio, como durante grandes esforços físicos, estabelece-se uma respiração mista, nasal e bucal. Porém, diante de obstruções presentes ao longo das vias aéreas, a criança forçosamente passa a respirar através de uma via alternativa, a cavidade bucal. Os obstáculos que impedem ou dificultam a respiração nasal podem localizar-se na própria cavidade nasal, como a hipertrofia dos cornetos, o desvio de septo nasal, e rinites alérgicas freqüentes; na nasofaringe, a hipertrofia das tonsilas faríngeas ou adenóide; ou na bucofaringe, a hipertrofia das tonsilas palatinas ou amígdalas. A respiração bucal exige uma mu- A B FIGURA 36A, B - Características faciais de um respirador bucal. C FIGURA 36C - Ausência de selamento e lábios ressecados e partidos. D - Telerradiografia mostrando a obstrução da nasofaringe. dança na postura para assegurar a abertura de uma via aérea bucal. Deste modo, a criança permanece com os lábios entreabertos, com a mandíbula R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 6, p. 107-129, nov./dez. 2000 D 128 deslocada para baixo e para trás, e a língua repousando mais inferior e anteriormente, sem contato com a abóbada palatina. Estas alterações posturais favorecem um maior desenvolvimento ânteroinferior da face, assim como a atresia do arco dentário superior e a mordida aberta anterior. Embora a respiração bucal corresponda a uma alteração funcional, o seu diagnóstico deve basear-se em sinais morfológicos, clínicos e radiográficos, presentes na face e oclusão do paciente. Na análise facial, a presença da síndrome da face longa (fig. 36A-D), caracterizada pela ausência de se- lamento labial passivo, lábios hipotônicos e ressecados, tipo dolicofacial, desequilíbrio entre os terços faciais com predominância da altura facial ântero-inferior, narinas pequenas, olheiras e aparência de cansaço, sugere a respiração bucal5. A presença de amígdalas hipertróficas (fig. 34A) e a obstrução da nasofaringe pela adenóide (fig. 36D), também são condições que remetem à suspeita de respiração bucal, e portanto, ditam a necessidade de avaliação pelo médico otorrinolaringologista. Ressalta-se que mesmo após a remoção do obstáculo respiratório, seja por meios Abstract normal habits. The subject should be considered most important as it permits to the orthodontists an accurate diagnosis providing the prevention or interception of malocclu- The authors aimed to discuss the factors of malocclusion showing heredity and congenital causes, the general and local factors and the ab- cirúrgicos ou medicamentosos, a criança pode continuar a respirar pela boca, numa atitude habitual. Neste caso, a terapia fonoaudiológica torna-se imprescindível para o restabelecimento da respiração nasal. Agradecimento Ao Dr. Omar Gabriel da Silva Filho, Professor e Coordenador do Curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da PROFIS, pela gentil cessão das fotografias sobre fissuras palatinas, pertencentes ao acervo do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo - Bauru. sions and the stability after orthodontic treatment. Key-words: Etiology; Malocclusion; Orthodontics. REFERÊNCIAS 1 - ALMEIDA, R. R.; URSI, W. J. S. Anterior open bite. 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