Práticas Interpretativas e Métodos de Ensino para Piano (1750-1840): uma abordagem histórica e estética (Fase 1: Do Clavicórdio ao Pianoforte) Pesquisador Responsável: Prof. Dr. Mário Rodrigues Videira Junior Instituição Sede: Universidade de São Paulo (Escola de Comunicações e Artes – Departamento de Música) Resumo: Partindo da análise de alguns tratados e métodos para o ensino do piano publicados entre 1750-1840 (sobretudo dos textos de autores como C. P. E. Bach, Marpurg, Türk, Clementi e Czerny) o presente projeto de pesquisa tem por objetivo investigar as práticas interpretativas vigentes nesse período, assim como o modo pelo qual a mesma se articula com o pensamento estético da época. Por fim, pretende-se realizar uma tradução anotada e comentada de trechos escolhidos dos tratados desses três últimos autores (ainda não disponíveis em língua portuguesa), de forma a contribuir também para os atuais debates em torno das chamadas interpretações historicamente orientadas no Brasil. Palavras-Chave: Práticas Interpretativas; Pedagogia Pianística; Estética Musical. 1 Performance practices and piano teaching methods (1750-1840): a historical and aesthetic approach (First stage: From Clavichord to Pianoforte) Abstract: Based on the analysis of some music treatises and piano teaching methods which were published between 1750-1840 (especially the writings of authors such as C. P. E. Bach, Marpurg, Türk, Clementi and Czerny) this research aims to investigate the performance practices prevailing in that period, as well as its relationship to the aesthetic thought of the time. The main result of this research will be a translation of selected portions of the texts by Türk, Clementi and Czerny (not yet available in Portuguese), provided with introduction, critical notes and commentary, in order to contribute to the current debates on the so-called historically oriented interpretations in Brazil. Keywords: Performance Practices; Piano Pedagogy; Musical Aesthetics. 2 Práticas Interpretativas e Métodos de Ensino para Piano (1750-1840): uma abordagem histórica e estética (Fase 1: Do Clavicórdio ao Pianoforte) 1. Introdução e Enunciado do Problema: A interpretação de uma determinada composição da maneira mais fiel possível à concepção original de seu compositor é usualmente considerada como uma das principais metas da chamada “interpretação historicamente orientada”, que já há algumas décadas vem ocupando um espaço de destaque nas universidades e nos principais centros musicais de todo o mundo. Com efeito, como bem observaram Lawson & Stowell (1999, p. 2), a interpretação historicamente orientada tornou-se, nos dias de hoje, parte integrante da vida musical: “os instrumentos de época são frequentemente encontrados nas salas de concerto e virtualmente obrigatórios em áreas substanciais do repertório, e notadamente na música anterior a 1750. No mundo todo tem se desenvolvido um enorme interesse na aquisição de técnicas instrumentais do passado”. Mas como esses autores salientam, a prática musical historicamente orientada envolve não apenas a execução das composições em instrumentos de época, mas também a pesquisa acerca das práticas interpretativas predominantes em cada período histórico. Dentre as principais fontes primárias para o estudo de tais práticas podemos contar, sem dúvida, os inúmeros tratados teóricos e instrumentais publicados não apenas pelos próprios compositores, mas também por renomados pedagogos de cada época. Para Lawson & Stowell (1999, p.23), tais obras proporcionam “o acesso mais direto à instrução técnica fundamental, interpretação e tópicos mais gerais, tais como: notação, história da música, expressão, gosto e estética”. Dentre os tratados escritos para os instrumentos de teclado entre os anos de 1750 a 1840 – ou seja, na transição do cravo e do clavicórdio para o predomínio do pianoforte – podemos destacar os escritos de C. P. E Bach (1753 e 1762), de Marpurg (1762), Türk (1789), Clementi (1801) e Czerny (1839). As diferenças de conteúdo, abordagem e método entre tais obras nos permite levantar desde já algumas questões que poderão servir de baliza para este projeto: Como esses tratados se relacionam 3 com as práticas interpretativas de sua época? É possível notar uma influência do pensamento estético da época na redação dos mesmos? Qual a relação entre os tratados de cunho mais teórico, por um lado, e a atividade composicional e de performance daquele período, por outro? Como compreender as divergências entre tratados escritos aproximadamente na mesma época por diferentes autores? Cabe notar que foi nesse período que surgiram as primeiras composições concebidas exclusivamente para o pianoforte (cf. CLEMENTI, 1974, p. VII) , o que se reflete tanto nas obras de caráter pedagógico (estudos e exercícios) como nas produções musicalmente mais ambiciosas dessa época (sobretudo nas Sonatas para piano). Ao examinar a produção pianística desse período, podemos perceber claramente uma mudança nas demandas técnicas feitas ao instrumentista: passagens em notas duplas (sextas e terças), oitavas executadas com grande velocidade, exploração da técnica do legato, especialmente nos movimentos lentos. Dessa forma, ao pretender realizar uma análise comparativa desses tratados, a presente pesquisa tem por objetivo revelar também quais eram as novas habilidades técnicas e qualidades interpretativas que deveriam ser desenvolvidas pelos intérpretes desse novo repertório que estava sendo escrito exclusivamente para o piano. Como bem observou a pesquisadora Sandra Rosenblum (in CLEMENTI, 1974, p. VI), esses tratados revelam detalhes significativos acerca do estado de transição das práticas interpretativas dos instrumentos de teclado na virada do século XVIII para o século XIX. 1.1. Objetivos: 1) Realizar uma análise comparativa e traduzir trechos selecionados de tratados e textos teóricos referentes ao ensino do piano, publicados durante o período de transição do clavicórdio ao pianoforte; 2) Determinar a relevância desses textos para a compreensão das práticas interpretativas do período, bem como para os atuais debates em torno das chamadas interpretações historicamente orientadas; 3) Investigar a especificidade da relação entre o pensamento estético e as práticas interpretativas da época estudada. 4 1.2. Material e Metodologia: Por consistir numa investigação de cunho histórico-teórico, a pesquisa estará baseada primordialmente em material bibliográfico, a saber: livros, artigos e teses. Para abordar esse material utilizaremos, num primeiro momento, o método de leitura e análise estrutural de textos. Após essa etapa preliminar e fundamental, procederemos a uma interpretação que busque abranger também a produção musical, bem como o contexto social e histórico no qual se inserem as obras teóricas examinadas. 2. Resultados Esperados: (1) Publicação de artigos em periódicos nacionais e/ou internacionais; (2) Apresentação dos resultados parciais da pesquisa em conferências, seminários e congressos de pós-graduação em música e de educação musical; (3) Possível orientação de trabalhos de iniciação científica, monografias de conclusão de curso, dissertações e teses sobre assuntos ligados ao tema principal da pesquisa; (4) Formação de um grupo de estudos, envolvendo alunos de iniciação científica e pós-graduação, para discussão dos textos centrais, bem como da bibliografia secundária relacionada ao assunto; (5) Publicação dos textos traduzidos em formato de livro, dotado de aparato históricocrítico, bem como de um estudo introdutório e notas explicativas. 3. Desafios científicos e tecnológicos e os meios e métodos para superá-los: Não obstante a enorme importância que os textos acima mencionados possuem para a reflexão historiográfica e musicológica, bem como para a prática do instrumentista, cabe ressaltar que somente os tratados de C. P. E. Bach e F. W. Marpurg encontram-se traduzidos em língua portuguesa1, o que acaba por dificultar a utilização dessas fontes primárias por parte dos musicólogos e instrumentistas que não dominem as línguas nas quais esses tratados foram originalmente escritos. É justamente buscando responder a essa ordem de necessidade, e procurando suprir essa lacuna bibliográfica que a presente 1 Cf. PASCHOAL, Stéfano. Tradução anotada e comentada de “A arte de tocar instrumentos de teclado” de Friedrich Wilhelm Marpurg. Dissertação (Mestrado em Língua e Literatura Alemãs). São Paulo: FFLCHUSP, 2001 e BACH, Carl P. Ensaio sobre a maneira correta de tocar teclado. Tradução de Fernando Cazarini. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. 5 pesquisa se propõe a fornecer importante material de trabalho para os estudantes, instrumentistas e musicólogos, através de uma tradução anotada e comentada desses textos clássicos da pedagogia pianística, dotando-os de um estudo introdutório e notas explicativas capazes de fornecer uma sólida base histórica e estética para a leitura e utilização desses tratados na interpretação e ensino do repertório para piano desse período. 4. Cronograma: Esta pesquisa é parte de um projeto mais amplo (desenvolvido no Departamento de Música da Universidade de São Paulo), e abrange três fases bem definidas, a saber: 1ª. Fase: Do Clavicórdio ao Pianoforte, 2ª. Fase: A Consolidação do Pianoforte, 3ª. Fase: A Escola Vienense de Piano (Carl Czerny). O presente plano de trabalho correspondente apenas à primeira fase dessa pesquisa e foi concebido para ser desenvolvido em 24 meses (quatro semestres): 1ª. Fase: Do Clavicórdio ao Pianoforte: o Primeiro Semestre: Leitura e análise do Tratado do C. P. E. Bach; Início da tradução do Tratado de D. G. Türk; o Segundo Semestre: Continuação da tradução do tratado de Türk; Abordagem de questões interpretativas, pesquisa e análise de repertório. o Terceiro Semestre: Finalização da tradução do tratado de D. G. Türk; o Quarto Semestre: Redação da introdução e notas explicativas; Redação do Relatório Final de Pesquisa. 5. Disseminação e avaliação: Num primeiro momento os resultados parciais serão apresentados em simpósios e congressos da área. Num segundo momento, pretende-se publicar os resultados parciais sob forma de artigos científicos em revistas referenciadas. Por fim, pretende-se publicar os resultados finais sob a forma de livro. 6 6. Outros apoios: Nada a declarar. 7. Bibliografia: 7.1. Fontes Primárias: ADAM, Louis. Méthode de piano du Conservatoire. Paris: Magasin de Musique du Conservatoire Royal, 1804. BACH, Carl Philipp Emmanuel. Versuch über die wahre Art, das Clavier zu spielen. Leipzig: Breitkopf & Härtel, 1978 (Fac-símile das edições de Berlin 1753-1762). Trad. Brasileira: Ensaio sobre a maneira correta de tocar teclado. Trad. Fernando Cazarini. Campinas: Editora Unicamp, 2009. CLEMENTI, Muzio. Introduction to the art of playing on the pianoforte. (Fac-Símile da 1a. Edição: London, 1801). New York: Da Capo Press, 1974. CZERNY, Carl; BADURA-SKODA, Paul (ed). Über den richtigen Vortrag der sämtlichen Beethoven'schen Klavierwerke: Czerny's "Erinnerungen an Beethoven" sowie das 2. und 3. Kapitel des IV. Bandes der "Vollständigen theoretisch-practischen Pianoforte-Schule op. 500". Wien: Universal Edition, 2007. ______; MAHLERT, Ulrich (ed). Von dem Vortrage (1839) : dritter Teil aus Vollständige theoretisch-practische Pianoforte-Schule : op. 500. (Fac-símile da 1a. Edição: Wien, 1839). Leipzig: Breitkopf & Härtel, 1991. HUMMEL, Johann Nepomuk. Ausführlich theoretisch-practische Anweisung zum Pianoforte-Spiel. 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Bibliografia secundária: BADURA-SKODA, Eva & Paul. Interpreting Mozart on the piano. London: Barrie and Rockliff, 1962. BADURA-SKODA, Paul. “Mozart without the Pedal?”. In: The Galpin Society Journal, Vol. 55 (2002), pp. 332-350. ______. Interpreting Bach at the Keyboard. Oxford: Oxford University Press, 1995. BAKER, Nancy K.; CHRISTENSEN, Thomas (Eds). Aesthetics and the art of musical composition in the German Enlightenment: selected writings of Johann Georg Sulzer and Heinrich Christoph Koch. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. DAHLHAUS, C. Die Idee der absoluten Musik. Basel : Bärenreiter, 1994. ______. Klassische und romantische Musikästhetik. Laaber: Laaber-Verlag, 1988. ______. Musikästhetik. Köln : Hans Gerig, 1967. DE RUITER, Jacob. Der Charakterbegriff in der Musik. Studien zur deutschen Aesthetik der Instrumentalmusik 1740–1850. Stuttgart: Franz Steiner, 1989. DONINGTON, Robert. Baroque Music: style and performance. N. York: Norton, 1982. ______. 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