Métodos de estimativa de idade pelos dentes sob a ótica da

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RPG Rev Pós Grad
2011;18(3):170-5
Métodos de estimativa de idade pelos dentes sob a ótica
da Odontologia baseada em evidências
JULIANA RIBEIRO LOPES*, ROGÉRIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA**
Mestranda em Ciências Odontológicas – Área de concentração em Odontologia Legal pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São
Paulo (USP) – São Paulo/SP.
**
Professor da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo/SP.
*
Resumo
Descritores
A Odontologia Legal tem uma grande importância social, visto que ajuda a elucidar dúvidas frequentes a respeito da identidade de indivíduos, estejam
eles mortos ou vivos. Como coadjuvante, a estimativa
da idade por meio dos dentes se tornou um assunto
amplamente estudado pela comunidade odontológica,
dando origem a variados métodos em todo o mundo.
Por isso, este trabalho se propõe a analisar os artigos
a respeito da estimativa de idade publicados nos últimos cinco anos sob a ótica da Odontologia baseada
em evidência, de modo a verificar se os métodos mais
utilizados foram indicados fundamentando-se em
boas evidências. A pesquisa na base de dados Medline
resultou em 163 artigos, dos quais 49 foram selecionados como amostra final. Vinte e um diferentes métodos foram relatados na amostra, dos quais Demirjian,
Cameriere, Willems e o desenvolvimento de terceiros
molares foram os mais frequentes. O primeiro foi estudado duas vezes mais que os restantes, numa frequência de 20,4%. O nível de evidência mais observado
foi o 2, considerado satisfatório. No entanto, pode-se
concluir que os trabalhos publicados a respeito da estimativa de idade pelos dentes poderiam apresentar
nível de evidência mais elevado (nível 1) caso levassem em conta todas as características que um estudo
de alta qualidade deve apresentar, tais como amostras
de tamanho e forma adequadas e análises estatísticas
completas.
Odontologia legal. Determinação da idade pelos
dentes. Odontologia baseada em evidências.
Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade
de São Paulo.
Endereço para correspondência:
Juliana Ribeiro Lopes
Avenida Jaguaré, 249, apto. 167M – Jaguaré
CEP 05346-000 – São Paulo/SP
Fone: (11) 8580-1531
E-mail: julirlopes@hotmail.com
170
Introdução
A Odontologia legal tem uma grande importância
social, visto que ajuda a elucidar dúvidas frequentes a
respeito da identidade de indivíduos, estejam eles mortos ou vivos10. Quando inexiste uma identidade atribuível a tal sujeito, seu perfil é traçado com base em características tais como idade, cor da pele, sexo, etc. Isso
é feito com o intuito de facilitar seu reconhecimento e,
posteriormente, sua identificação13,14.
Por sofrerem ação do tempo, transformando-se à
medida que a vida evolui, os dentes podem ser utilizados
para estimar, entre outros dados, a idade17. Assim, a estimativa da idade por meio dos dentes se tornou um assunto amplamente estudado pela comunidade odontológica,
dando origem a variados métodos em todo o mundo18.
Entretanto, pode-se verificar na literatura que, ao
tentar reproduzir os resultados obtidos em um estudo
prévio, diversos autores relatam que o método estudado
não é tão confiável quanto se acreditava, ou seja, a idade não é tão bem estimada quanto se almeja6,7,12. Alguns
autores associam seus resultados negativos à variável
estudada, alegando que não é fortemente relacionada à
idade cronológica dos sujeitos15; outros simplesmente
não conseguem reproduzir a estatística satisfatória do
estudo original2. A grande maioria, porém, relata que
os resultados divergentes provavelmente se devem às
diferenças entre as populações estudadas1,3-5,8,9.
Dessa forma, este trabalho se propõe a analisar os
artigos a respeito de estimativa de idade publicados nos
últimos cinco anos, sob a ótica da Odontologia baseada
em evidência, de modo a verificar se os métodos mais
utilizados foram indicados fundamentando-se em boas
evidências.
Lopes JR, Oliveira RN. RPG Rev Pós Grad 2011;18(3):170-5.
Material e Métodos
A pesquisa dos artigos foi feita pela internet, utilizando-se a base de dados Medline, com o termo “dental
age estimation” e o limite de publicação nos últimos
cinco anos. Como este estudo foi realizado em outubro
de 2010, o próprio programa da base de dados restringiu
os resultados aos publicados até novembro de 2005.
Dessa busca, resultaram 163 periódicos, dos quais
70 foram excluídos de imediato, pois apenas os outros
93 apresentavam em seu título a proposta de estudar
um método de estimativa de idade. Posteriormente, os
artigos foram analisados para que se realizasse uma
seleção mais minuciosa. Apenas os que se referiam a
métodos de estimativa de idade por meio dos dentes
foram mantidos; os que sugeriam um novo método ou
que falharam em demonstrar sua opinião em relação à
efetividade do método referido foram excluídos.
Vários foram os métodos de estimativa de idade
identificados dentro dos artigos selecionados, alguns
deles chegando a mencionar três ou mais técnicas.
Entretanto, um único foi escolhido para representar
cada artigo. As pesquisas que se interessaram em validar um único método são aqui representadas por ele;
as que objetivaram compará-los são simbolizadas pelo
método considerado mais eficaz. Os estudos que avaliaram apenas um método, porém o consideraram inapto
para estimar idade com precisão, ainda assim foram por
ele representados, pois a intenção aqui é apenas avaliar
se o julgamento – independente de ser positivo ou negativo – está sendo feito baseado em boa evidência.
Resultados e Discussão
A amostra final foi constituída de 49 artigos
(Quadro 1), os quais aplicaram ou descreveram pelo
menos um método de estimativa de idade pelos dentes,
previamente publicado.
Os artigos foram então classificados de acordo com
seu nível de evidência, tomando como base a tabela preconizada pela revista The Journal of Evidence-Based
Dental Practice (Quadro 2). Atualmente, o periódico
utiliza um novo sistema de classificação de evidência,
o Strength of Recommendation Taxonomy Grading
(SORT), cuja tradução livre pode ser vista na Figura 111.
Entretanto, esse diagrama é baseado em evidências
dependentes de doenças ou pacientes, não sendo adequado para os outros tipos de pesquisas, as quais são
avaliadas com base em uma tabela (Tabela 1). Como
a Odontologia baseada em evidências busca o “melhor
tratamento ao menor custo possível”16, é centrada na
faceta clínica da Odontologia, sendo necessária uma
adaptação para sua aplicação na Odontologia legal.
Sendo assim, os autores entenderam que, para serem classificados como de nível 1, os artigos tinham
que apresentar uma revisão sistemática ou um estudo
de alta qualidade; os de nível 2 seriam aqueles cuja pesquisa ou revisão ficasse de alguma forma incompleta; e
os de nível 3, os outros tipos de publicação, principalmente séries de casos.
Dentre os 49 artigos selecionados, foram identificados 21 métodos de estimativa de idade pelo desenvolvimento dos dentes e raízes. Os mais estudados foram
os de Demirjian, com 20,4% (10 artigos) de frequência,
seguido pelos métodos de Cameriere, Willems e o de
desenvolvimento de terceiros molares, cada um com
uma frequência de 10,2% (5).
Nenhuma pesquisa foi considerada de nível 1, enquanto 45 artigos foram classificados como nível de
evidência 2 (91,83%) e os outros 4, nível de evidência
3 (8,16%).
Dos métodos mais estudados, apenas um artigo que
utilizou a técnica de Demirjian foi classificado como
nível 3; todos os outros foram avaliados como apresentando nível 2.
Assim, a quase totalidade dos estudos tem um nível de evidência avaliado em 2 por serem frequentemente pesquisas para testes de métodos. As falhas que
impedem alcançar o nível 1 costumam residir na restrita
população estudada ou na falta de uma análise estatística completa que comprove as conclusões do trabalho.
Como exemplo, podemos citar os testes constantemente realizados em amostras pequenas ou, ainda, aqueles
que, ao comparar métodos distintos, baseiam-se em valores absolutos para demonstrar a eficácia em vez de se
utilizar da estatística para afirmar, sem dúvida, que uma
técnica é mais precisa que a outra.
Conclusão
Os métodos de estimativa de idade mais frequentemente estudados atualmente, ou seja, Demirjian,
Cameriere, Willems e o de desenvolvimento de terceiros molares, são, de forma constante, representados por
pesquisas com nível de evidência satisfatório. Contudo,
esse nível de evidência poderia ser melhorado se os trabalhos conduzidos levassem em conta todas as características que um estudo de alta qualidade deve apresentar, tais como amostras de tamanho e forma adequadas
e análises estatísticas completas.
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Lopes JR, Oliveira RN. RPG Rev Pós Grad 2011;18(3):170-5.
Quadro 1
Lista de artigos selecionados como amostra final
1. Karaarslan B, Karaarslan ES, Ozsevik AS, Ertas E. Age estimation for dental patients using orthopantomographs. Eur J Dent 2010;4(4):389-94.
2. Galić I, Vodanović M, Cameriere R, Nakaš E, Galić E, Selimović E, Brkić H. Accuracy of Cameriere, Haavikko, and Willems radiographic methods on age estimation on
Bosnian-Herzegovian children age groups 6-13. Int J Legal Med 2011:125(2):315-21.
3. Bassed RB, Hill AJ. The use of computed tomography (CT) to estimate age in the 2009 Victorian Bushfire Victims: A case report. Forensic Sci Int 2011;205(1-3):48-51.
4. Nik-Hussein NN, Kee KM, Gan P. Validity of Demirjian and Willems methods for dental age estimation for Malaysian children aged 5-15 years old. Forensic Sci Int
2011;204(1-3):208.e1-6.
5. Jeevan MB, Kale AD, Angadi PV, Hallikerimath S. Age estimation by pulp/tooth area ratio in canines: Cameriere’s method assessed in an Indian sample using radiovisiography. Forensic Sci Int 2011 30;204(1-3):209.e1-5.
6. Acharya AB. Age estimation in Indians using Demirjian’s 8-teeth method. J Forensic Sci 2011;56(1):124-7.
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14. Bagherpour A, Imanimoghaddam M, Bagherpour MR, Einolghozati M. Dental age assessment among Iranian children aged 6-13 years using the Demirjian method.
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172
Lopes JR, Oliveira RN. RPG Rev Pós Grad 2011;18(3):170-5.
Quadro 2
Métodos de estimativa de idade e classificação de nível de evidência por artigo
Artigo Método
Classificação
Artigo
Método
Classificação
1
Avaliação de radiografias panorâmicas
2
26
Demirjian
2
2
Cameriere
2
27
Anéis de cemento
2
3
Blenkin e Evans (Demirjian)
3
28
Demirjian
2
4
Willems (Demirjian)
2
29
Willems (Demirjian)
2
5
Cameriere
2
30
Demirjian
3
6
Demirjian
2
31
Cameriere
2
7
Willems (Demirjian)
2
32
Kullman
2
8
Willems (Demirjian)
2
33
Prince e Ubelaker
2
9
Demirjian
2
34
Racemização de aminoácido
2
10
Racemização de aminoácido
3
35
Demirjian
2
11
Desenvolvimento de 3ºˢ molares
2
36
Demirjian
2
12
Espessura do cemento
2
37
Kim modificado
2
13
Cameriere
2
38
Kvaal
2
14
Demirjian
2
39
Desenvolvimento de 3ºˢ molares
2
15
Demirjian
2
40
Lamendin
2
16
Análise de radiocarbono
2
41
Liversidge
2
17
Chaillet (Demirjian)
2
42
Johanson
2
18
Cameriere
2
43
Kvaal
3
19
Distância amelo-cementária
2
44
Willems (Demirjian)
2
20
Bang e Ramm
2
45
Anéis de cemento
2
21
Desenvolvimento de 3ºˢ molares
2
46
Demirjian
2
22
Desenvolvimento de 3ºˢ molares
2
47
Desenvolvimento de 3ºˢ molares
2
23
Haavikko
2
48
Anéis de cemento
2
24
Prince e Ubelaker
2
49
Racemização de aminoácido
2
25
Lamendin
2
Tabela 1
Avaliação da qualidade de evidência, segundo o The Journal of Evidence-Based Dental Practice
Tratamento/prevenção/
Qualidade do estudo
Diagnóstico
Prognóstico
screening
Nível 1: evidência
Decisão clínica validada em RS;
RS;
RS;
orientada no paciente, Meta-análise de estudos de alta
Meta-análise ou ECR com
Meta-análise de estudos de
de boa qualidade
qualidade;
resultados consistentes;
coorte de boa qualidade;
Estudo diagnóstico de coortes de
ECR individual de alta qualidade**; Estudo de coorte prospectivo
alta qualidade*
Estudo tudo-ou-nada***
com bom follow-up
Nível 2: evidência
Decisão clínica não baseada em
RS;
RS;
orientada no paciente, RS;
Meta-análise de testes clínicos Meta-análise de estudos de
de qualidade limitada Meta-análise de estudos de
de qualidade inferior;
coorte de qualidade inferior ou
qualidade inferior ou estudos com Teste clínico de qualidade
com resultados inconsistentes;
resultados inconsistentes;
inferior;
Estudo de coorte retrospectivo
Estudo diagnóstico de coorte
Estudo de coorte;
ou estudo de coorte prospectivo
de qualidade inferior ou estudo
Estudo de caso controle
com follow-up pobre;
diagnóstico de caso controle
Estudo de caso controle;
Série de casos
Nível 3: outra
Orientações de consenso, extrapolações de pesquisa de bancada, prática comum, opinião,
evidência
evidência orientada em doença (apenas consequências fisiológicas ou intermediadas) ou séries de
casos para estudos de diagnósticos, tratamento, prevenção e screening.
RS: revisão sistemática; ECR: ensaio controlado randomizado.
*Estudo diagnóstico de coortes de alta qualidade: design de coortes, tamanho adequado, espectro de pacientes adequado, cego e um padrão
de referências consistente, bem definido.
**ECR de alta qualidade: atribuição escondida, cego se possível, análise de intenção de tratamento, poder estatístico adequado, follow-up
adequado (maior que 80%).
***Em um estudo tudo-ou-nada, o tratamento causa mudança dramática nos resultados, como antibióticos para meningite ou cirurgia para
apendicite, que impedem o estudo em um teste controlado.
173
Lopes JR, Oliveira RN. RPG Rev Pós Grad 2011;18(3):170-5.
Força de recomendação baseada em um corpo de ervidência
Esta é uma recomendação chave para clínicos a respeito
de diagnóstico ou tratamento que mereça indicação?
Não
Força de recomendação não
é necessária
6LP
A recomendação é baseada numa evidência
orientada em paciente (por exemplo, melhoria em
mobilidade, mortalidade, sintomas, qualidade de vida
ou custo?)
Não
6LP
A recomendação é baseada na opinião de um
especialista banca de pesquisa, um consenso de
diretriz, prática rotineira, experiência clínica, ou estudo
de séries de casos?
Força de recomendação – C
6LP
Não
A recomendação é baseada em um dos seguintes?
‡5HYLVmRGD&RFKUDQHFRPUHFRPHQGDomRFODUD
‡5HFRPHQGDomR$GD86367)
‡&ODVVLILFDomRGH(YLGrQFLD&OtQLFDFRPREHQpILFD
6LP
Força de recomendação – A
‡$FKDGRVFRQVLVWHQWHVGHSHORPHQRVGRLVHQVDLRV
controlados randomizados de boa qualidade ou uma
revisão sistemática/metanálise do mesmo
‡5HJUDGHGHFLVmRFOtQLFDYDOLGDGHHPXPDSRSXlação relevante
Não
‡$FKDGRVFRQVLVWHQWHVGHSHORPHQRVGRLVHVWXGRV
de coorte de boa qualidade ou revisão
sistemática/metanálise do mesmo
86367) )RUoD7DUHIDGH6HUYLoRVGH3UHYHQomR
GRV(8
Figura 1 - Grade para determinação de força de recomendação baseada em corpo de evidência.
174
Força de recomendação – B
Lopes JR, Oliveira RN. RPG Rev Pós Grad 2011;18(3):170-5.
Abstract
Dental age estimation methods under the point-of-view of evidence-based Dentistry
Forensic Dentistry has a great social importance, since it helps to clarify frequent questions about the identity
of individuals, be they dead or alive. As an adjunct, age estimation by teeth has become a topic widely studied by
the dental community, originating several methods throughout the world. Therefore, this study aims to examine
the articles on age estimates published in the last five years, from the point-of-view of evidence-based Dentistry, to
verify if the most used methods are indicated based on good evidence. A search in the Medline database resulted
in 163 articles, 49 of which were selected as the final sample. Twenty-one different methods have been reported in
this sample, which Demirjian, Cameriere, Willems and development of third molars were the most frequent. The
first one was studied two times more than the rest, at a frequency of 20.4%. The most frequent level of evidence was
2, which is considered satisfactory. However, we can conclude that the published works on age estimation by teeth
could provide a higher level of evidence (level 1), in case it was taken into account all the characteristics that a high
quality study must provide, such as samples of appropriate size and shape and complete statistical analysis.
Descriptors
Forensic dentistry. Age determination by teeth. Evidence-based dentistry.
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Recebido em: 14/6/11
Aceito em: 19/7/11
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