Subido por prodrigues

cultura

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De um modo geral, fala-se de cultura como um saber a
ser adquirido, ou como conhecimento acumulado. Assim, diz-se
que uma pessoa é "culta" quando ela é muito bem informada,
leu muitos livros, cursou uma universidade, fez pós-graduação.
Um indivíduo nessas condições, segundo o senso comum, é uma
pessoa que "tem" cultura.
Outra acepção da palavra está relacionada com a produção literária, com a música, o cinema, etc. Nesse caso, quando
se faz referência à "cultura" francesa, por exemplo, o que se
tem em mente são as manifestações dessa produção ligada à
"cultura erudita" na França.
Para as Ciências Sociais, o conceito de cultura tem um
significado diferente: é o conjunto de crenças, regras, manifestações artísticas, técnicas, tradições, ensinamentos e costumes
produzidos e transmitidos no interior de uma sociedade. Para
alguns pensadores, é tudo o que o ser humano produz, tudo o
que não é natureza.
CAPÍTULO 10 Cultura: nossa herança social
Observe e responda:
1.
2.
3.
Pode-se dizer que a foto registra urna manifestação
4.
Que relação pode-se estabelecer entre essa cena e o conceito de cultura?
182
Observe a cena registrada na foto acima.
Em sua opinião, o que estão fazendo as pessoas que aparecem na cena?
cultural?
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
1 I À procura de uma definição
o
antropólogo Clyde Kluckhohn (1905-1960)
observa em Antropologia: um espelho para o homem que cultura é "a vida total de um povo,
a herança social que o individuo recebe de seu
grupo, ou pode ser considerada a parte do ambiente que o próprio homem criou". Por sua vez,
Bronislaw Malinovski (1884-1942), outro antropólogo, ensina que a cultura compreende "artefatos, bens, processos técnicos, ideias, hábitos e
valores herdados".
Em outro texto, escrito em parceria com A.
Kroeber, Clyde Kluckhohn dá outra definição: "A
cultura consiste em padrões de comportamento
adquiridos por meio de símbolos, e que constituem
as realizações características de grupos humanos,
inclusive suas materializações em artefatos" (Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Editora da FGV,1987, p. 290).
Seja qual for a definição adotada, todos os estudiosos concordam que a aquisição e a perpetua-
ção da cultura é um processo social, resultante da
aprendizagem. Cada sociedade transmite às novas
gerações o patrimônio cultural que recebeu de seus
antepassados. Por isso, a cultura é também chamada de herança social.
Nas sociedades em que não há escolas, a transmissão da cultura se dá por intermédio da família
ou da convivência com o grupo adulto. Nesse caso,
diz-se que a educação é informal ou assistemática
(para aprofundar seu conhecimento sobre educação, leia o último capítulo deste volume).
Quando há escolas, estas se encarregam de
aprofundar a transmissão da cultura iniciada na
família e em outros grupos sociais. Nesse caso, a
educação é formal ou sistemática, isto é, obedece
a uma organização previamente planejada.
O texto da página seguinte mostra até que
ponto essas duas formas de educação podem estar em conflito, quando correspondem a culturas
diferentes.
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
No começo do século XIX, o
governo do estado de Virgínia,
nos Estados Unidos, sugeriu aos
líderes de diversos povos indígenas que enviassem alguns de
seus jovens para estudar nas escolas dos brancos. Em sua carta-resposta, os chefes indígenas
recusaram delicadamente a proposta. Eis algumas das razões
alegadas por eles:
Nós estamos convencidos de
que os senhores desejam o nosso
bem e agradecemos de todo coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem
que diferentes nações têm concepções diferentes de ver as coisas e, sendo assim, os
senhores não ficarão ofendidos ao saber que
a vossa ideia de educação não é a mesma
que a nossa. [... J
Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas quando eles
voltaram para nós eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de
suportar o frio e a fome. Não sabiam como
caçar o veado, matar o inimigo ou construir
uma cabana, e falavam muito mal nossa
língua. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela
vossa oferta e, embora não possamos aceitáIa, para mostrar a nossa gratidão concordamos
que os nobres senhores de Virgínia nos enviem
alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos
tudo o que sabemos e faremos deles homens.
In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. o que é educação.
São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 8-9.
Coleção Primeiros Passos.
184
Indigenas norte-americanos em foto de Edward
Curtis (1868-1952).
Pesquise e responda
Se você quiser mais informações sobre
a cultura e a educação entre os índios
brasileiros, pode consultar os seguintes
sites:
www.historiadobrasil.netjindiosdobrasil
www.suapesquisa.comjindiosj
www.seednet.mec.gov.brjnoticias
www.socioambiental.orgjnsajdetalhe
Neste último site, você pode acessar o
livro OÍndio brasileiro: o que você precisa
saber sobre os povos indígenas no Brasil
de hoje, de Gersen dos Santos Luciano.
CAPÍTULO10
Não há, portanto, um modelo único, uma forma
exclusiva de educação. A carta dos indígenas norte-americanos ao governo de Virgínia revela que a
cultura de uma sociedade é transmitida das gerações
IDENTIDADE
ada sociedade elabora sua própria cultura ao longo da História e, a não ser que
se trate de um grupo em condições de isolamento social, recebe a influência de outras
culturas. Todas as sociedades, desde as mais
simples até as mais complexas, têm sua própria cultura. Não há sociedade sem cultura.
A cultura pode ser definida como um
estilo de vida próprio, um modo de vida particular que todas as sociedades desenvolvem e
que caracteriza cada uma delas. Assim, os indivíduos que compartilham a mesma cultura
apresentam o que se chama de identidade cultural. É essa identidade cultural que faz com que
a pessoa se sinta pertencendo ao grupo, é por
2
Cultura: nossa herança social
adultas às gerações mais jovens por meio da educação. Educar, pois, é transmitir aos indivíduos os valores, conhecimentos, técnicas, padrões de comportamento, hábitos de vida, enfim, a cultura do grupo.
CULTURAL
meio dela que se desenvolve o sentimento de
pertencimento a uma comunidade, a uma sociedade, a uma nação, a uma cultura.
Por exemplo, as comunidades indígenas
são realidades culturais muito diferentes da sociedade capitalista. Contam com suas próprias
regras, valores e estilos de organização, ou seja,
têm sua própria cultura. Os indivíduos que
pertencem a elas desenvolvem um forte sentimento de identidade cultural, como vimos na
carta dos chefes indígenas ao governo de Virgínia. Esse sentimento se revela na rejeição ao
sistema educacional da sociedade capitalista,
considerado "superior" pelas pessoas brancas,
e na exaltação da cultura indígena.
I As duas faces da cultura
A cultura material consiste em todo tipo de
utensílios produzidos em uma sociedade - ferramentas, instrumentos, máquinas, hábitos alimentares, habitação, etc. - e tem uma relação direta
com o estilo de vida dessa sociedade.
No interior do Nordeste, por exemplo, o estilo
de vida está relacionado com a produção de mandioca e de macaxeira, de inhame e de outros frutos
da terra. Da primeira se faz a farinha de mandioca.
Já a segunda é muito consumida, cozida, no café da
manhã, da mesma forma que o cará e o inhame.
No litoral, a produção de coco deu origem a
diversos pratos, como a moqueca de peixe e o feijão de coco. Entre os temperos, destaca-se o coentro, visualmente parecido com a salsinha, mais
185
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
A expressão folclore é de origem anglo-saxônica (folk = povo e lore = saber). Foi
criada no século XIX pelo antiquário inglês
Ambrose Merton para designar o que chamou
de "antiguidades populares". Hoje, ela é utilizada pelos cientistas sociais com o sentido
de narrativas tradicionais, encantamentos,
provérbios, rezas, canções anônimas muito
antigas, folguedos como o bumba meu boi,
lendas como a do Negrinho do Pastoreio,
mitos, crenças tradicionais, etc.
Realizado em 1951, o I Congresso Brasileiro de Folclore estabeleceu o que deve ser
considerado como folclore.
"1. O Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore reconhece o estudo do folclore como
integrante das ciências antropológicas e
culturais; condena o preconceito de só se
considerar folclórico o fato espiritual e
aconselha o estudo da vida popular em
toda sua plenitude, quer no aspecto material, quer no aspecto espiritual.
2. Constituem o fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo,
preservadas pela tradição popular e pela
imitação, e que não sejam diretamente
influenciadas pelos círculos eruditos e
instituições que se dedicam ou à renovação e conservação dopatrimônio científico e artístico humano ou à fixação de
uma orientação religiosa e filosófica. [...]"
Para entender o fenômeno do folclore,
vamos imaginar que em cima de sua mesa
estão três livros, três discos e três pratos de
comida. Um prato contém uma refinada lagosta ao termidor, o outro, feijão com arroz
e bife acebolado e o terceiro, uma porção
de "pato no tucupi" [prato típico da região
amazônica]. Um disco é das Bachianas brasileiras, de Heitor Villa-Lobos, o outro, de
186
sambas de Martinho da Vila e o terceiro, um
disco de tradicionais e anônimas modinhas
infantis do norte de Minas. O primeiro livro
é Dom Casmurro, de Machado de Assis; o segundo, Cante lá que eu canto cá, de Patativa
do Assaré, e o terceiro, uma coletânea de lendas e mitos do Rio Grande do Sul.
Se a mesa e as coisas existirem de fato
diante de você, leitor, ali tudo o que há são
produtos da cultura [...]. São construções de
objetos, sons, símbolos e significados. No entanto, algumas pessoas poderiam dizer que
o prato com a lagosta ao termidor, o livro
de Machado de Assis e o disco de Villa-Lobos
são parte da cultura erudita; feijão com arroz e bife acebolado, os poemas de Patativa
do Assaré e os sambas de Martinho da Vila
são expressões de cultura popular; pato no
tucupi, lendas e mitos do Rio Grande do Sul e
o disco de cantigas das crianças do norte de
Minas são folclore, cultura de folk.
Adaptado de: BRANDÃO,Cartas Rodrigues. O que é folclore. São
Paulo: Brasiliense, 1984. p. 31-3. Coleção Primeiros Passos.
Vamos pesquisar?
Faça uma pesquisa sobre o folclore em
sua cidade ou na sua região. Para isso,
tente entrevistar grupos que preservam
manifestações culturais antigas, como
cantadores, repentistas, praticantes de
capoeira, de danças como maracatu, bumba
meu boi, reisados, samba de roda, jongo,
carimbá, afoxé e outras. Feita a pesquisa,
escreva um texto sobre o assunto e distribua
entre seus alunos.
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
consumida nas regiões Sudeste e Sul, mas de sabor muito diferente. No Nordeste, o coentro serve
para temperar urna grande variedade de pratos,
entre os quais a moqueca de peixe e de siri mole,
a sopa de feijão e o "arrumadinho",
Tudo isso faz parte da cultura material dos
nordestinos e de seu estilo de vida.
A cultura não material
A cultura não material, em contrapartida,
abrange todos os aspectos morais e intelectuais
da sociedade, tais corno: normas sociais, religião,
costumes, ideologia, ciências, artes, literatura,
folclore, etc. A música, por exemplo, tanto a erudita quanto a popular, faz parte da cultura não
material. Vejamos outros exemplos.
A maior parte da população brasileira segue a
religião católica, não há pena de morte em nossa
legislação e a miscigenação racial é muito forte,
embora persistam manifestações de preconceito e
atitudes discriminatórias, principalmente contra
os negros. Esses aspectos não materiais de nossa
cultura contrastam com os que encontramos nos
Estados Unidos - urna sociedade de maioria protestante, na qual muitos estados empregam a pena
de morte e onde a discriminação racial era oficial-
3
I
mente permitida até a década de 1960, quando,
após muita luta, criaram-se leis que impedem as
práticas racistas.
Urna das manifestações da cultura de grande
interesse para o antropólogo é o folclore.
Os suportes da cultura não material
Existe urna interdependência estreita e constante entre cultura material e cultura não material. Quando, por exemplo, assistimos à apresentação de urna orquestra, sabemos que as músicas
executadas são produto da criatividade de um ou
mais compositores. Entretanto, para comunicar
sua criação aos outros, os artistas se valem de instrumentos musicais, ou seja, de objetos que servem para produzir sons.
Da mesma forma que urna melodia requer instrumentos musicais para sua exteriorização, também as religiões, de modo geral, necessitam de
templos, altares e outros componentes materiais
para que possam ser praticadas.
Na verdade, a interdependência
entre esses
dois aspectos é intrínseca a qualquer cultura, pois
um grupo só pode realizar sua cultura não material apoiado em meios concretos de expressão que
fazem parte de sua cultura material.
Componentes da cultura
A cultura é um todo orgânico, um sistema,
um conjunto cujas partes se relacionam estreitamente. Para melhor compreender o que é urna
cultura, vamos estudar alguns de seus componentes.
Os principais aspectos de urna cultura são: os
traços culturais, o complexo cultural, a área cultu-
ral, o padrão cultural e a subcultura.
Traços culturais
Você já viu alguém dançando frevo? Trata-se de um gênero musical típico de Pernambuco
e do carnaval do Recife e de Olinda. Pois bem,
cada passo do frevo é um traço cultural dessa
manifestação de cultura popular que é o carnaval
pernambucano (o mesmo se pode dizer do samba
no Rio de Janeiro).
Traço cultural é o menor componente representativo de urna cultura. Ele pode ser um objeto
material - por exemplo, o cocar de penas usado
por nossos índios. Neste caso, ele próprio é constituído de partes menores, corno as penas usadas
em sua confecção. Entretanto, as penas de pássaro
só passam a ser um traço cultural quando reunidas, em nosso exemplo, na forma de cocar.
Um carro, um lápis, urna capa, urna pulseira,
um computador, um filme são outros exemplos de
traços culturais. Os traços culturais são os componentes mais simples da cultura. Eles são as unidades de urna cultura.
187
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
É necessário ressaltar que os traços culturais
só têm significado quando considerados no contexto de uma cultura específica. Um colar pode ser
um simples adorno para determinado grupo e para
outro ter um significado mágico ou religioso.
Para os fiéis de religiões afro-brasileiras como
o candomblé, por exemplo, as cores do colar usado
dependem da divindade cultuada pela pessoa. De
acordo com a crença, eles dão proteção a quem os
utiliza. Portanto, só quando consideramos o conjunto da cultura é que podemos entender um determinado traço cultural. No exemplo do frevo de
Pernambuco, determinado passo só pode ser entendido como traço cultural quando integrado ao
todo orgânico daquela cultura (o frevo pernambucano conta com mais de cem passos catalogados).
CompLexo cuLturaL
A combinação dos traços culturais em torno de
uma atividade básica forma um complexo cultural.
Por exemplo, o carnaval no Brasil é um complexo cultural que reúne um grupo de traços culturais relacionados uns com os outros: carros alegóricos, música, dança, instrumentos musicais, trios
188
elétricos, desfiles, orquestras de frevo (no caso de
Pernambuco), baterias de escolas de samba (Rio de
Janeiro), fantasias, etc. Da mesma forma, o futebol
é um complexo cultural que pode ser desmembrado
em vários traços culturais: o campo, a bola, o juiz,
os jogadores, a torcida, as regras do jogo, etc.
Área cuLturaL
A região em que predominam determinados
complexos culturais forma uma área cultural.
Esta consiste, portanto, em um espaço geográfico
no qual se manifesta certa cultura. Salvador, na
Bahia, por exemplo, constitui uma área cultural
dotada de grande riqueza em termos de complexos culturais, como o carnaval, certos gêneros de
samba, o candomblé, a capoeira, etc.
Grupos humanos localizados em determinada área cultural apresentam grandes semelhanças
quanto aos traços e complexos culturais. Quando
diversas culturas, de diferentes origens, se encontram em uma mesma área cultural, e entre elas
se desenvolve uma relação de simbiose e respeito
mútuo, temos uma situação multicultural (veja o
boxe a seguir).
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
o que
é?
À primeira vista, o conceito de multiculturalismo alarga o espaço da democracia
e instaura a tolerância multirracial onde antes havia intolerância, preconceito e discriminação. A autora do texto a seguir, porém,
chama a atenção para certas contradições
inerentes ao conceito.
Características do multiculturalismo: reconhecimento da filiação de cada pessoa a
um grupo cultural; destaque à herança cultural de cada grupo, para que os demais possam
apreciá-la e respeitá-la; afirmação da equivalência dos vários grupos étnico-culturais de
uma dada sociedade; postulação do direito
dos grupos sociais manterem sua singularidade cultural; enaltecimento da diversidade.
Nos Estados Unidos, o multiculturalismo
tomou vulto nos últimos dez anos, em resposta às atitudes racistas e xenófobas contra os
imigrantes latinos pela população branca.
Na Europa, o problema da diversidade
étnico-cultural é mais antigo e complexo.
As migrações de países da África e da Ásia
ocorridas nas décadas de 1970 e 1980, motivadas por conflitos étnicos, guerras, fenômenos sociais e físicos (fome, seca), criaram
a categoria dos "refugiados': [... 1
Tornou-se necessário então que a educação formal desse respostas aos problemas
gerados pela convivência de culturas diversas no mesmo espaço social. Nesse sentido,
foram desenvolvidas várias iniciativas de tolerância cultural e enaltecimento da diversidade. Mas o que significa tolerar alguém, ou
tolerar outra cultura?
A educação antirracista, ideá rio que se
declarou concomitante ao multiculturalismo
em escolas européias, foi a primeira a apontar as contradições do multiculturalismo. Ou
seja, a exposição pura e simples da diversi-
dade cultural e a celebração da diferença não
problematizam os conflitos e as contradições
das relações étnico-raciais ossimétricas: não
aprofundam a discussão do racismo, do sexismo e da xenofobia.
Consequentemente, não propõem alternativas concretas de superação do preconceito e da discriminação para que as diferenças
não sejam transformadas em desigualdades,
e, de fato, os diversos grupos étnico-raciais
possam respeitar-se mutuamente e conviver
em harmonia.
A educação aniirracisia, ao contrário
do multiculturalismo, compreende o racismo
como elemento estrutural das sociedades
modernas, como um conjunto de políticas,
concepções institucionais e práticas da vida
cotidiana que reiteram a primazia de um
grupo pretensamente superior sobre outros.
O racismo é tratado como uma ideologia que
precisa ser explicitada e combatida. Uma
ideologia que não pode ser amortecida ou
camuflada por falsas crenças de convivência
pacifica e harmoniosa. Por trás destas, descortina-se o esconderijo de práticas insidiosas de subordinação, protagonizadas por um
grupo racial dominante sobre outro(s).
Adaptado de: SILVA,Maria Aparecida da. Multiculturalismo
e educação. Educa-Ação, n. 7, 26.8.98.
Vamos pensar?
1.
Qual a diferença entre
multiculturalismo e educação
antirracista?
2.
Comovocê aplicaria as noções de
multiculturalismo e de educação
antirracista no Brasil atual?
189
CAPÍTULO 10 Cultura: nossa herança social
Padrão cultural
Padrão cultural é um conjunto de normas que
regem o comportamento dos indivíduos de determinada cultura ou sociedade. Alguns antropólogos o definem como uma estrutura no interior da
sociedade que estabelece um tipo generalizado de
conduta a ser seguido pelas pessoas dessa sociedade. Desse modo, quando os membros de uma sociedade agem de uma mesma forma estão expressando os padrões culturais do grupo. Por exemplo,
o casamento monogâmico é um dos padrões culturais da sociedade brasileira.
O padrão cultural tem, portanto, uma relação direta com o processo de socialização dos indivíduos.
Subcultura
No interior de uma cultura podem aparecer diferenças significativas, caracterizando a existência
de uma subcultura. Assim, por exemplo, há comunidades no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina,
nas quais certos costumes e valores se diferenciam
claramente dos praticados em outras regiões do
país. Em algumas dessas comunidades, as pessoas
se comunicam não só em português, mas também
em idiomas europeus, como o alemão.
190
Isso ocorre em razão da presença nessas áreas
de imigrantes de origem europeia - principalmente italianos e alemães - que ali se instalaram no
final do século XIX e que, por seu isolamento,
mantiveram traços culturais dos países de origem:
hábitos alimentares, festas típicas e, em alguns
casos, até o idioma materno. Temos, assim, uma
subcultura regional no quadro mais amplo da cultura brasileira.
A ocorrência de subculturas não se limita
a diferenças regionais. Também pode se verificar na relação entre gerações ou entre grupos
de diferentes origens étnicas. Exemplo do primeiro caso são as atitudes adotadas por grupos
jovens ao criar costumes e modos de vida radicalmente distintos da norma adulta. Para certos
autores, as chamadas "tribos urbanas" - como
os punks, os góticos, os skinheads, etc. - seriam
manifestações
de uma subcultura juvenil. De
fato, os integrantes dessas "tribos" procuram se
diferenciar das gerações mais velhas e de outros
grupos juvenis, identificando-se
pelos símbolos
comuns, como o vestuário e o linguajar peculiares que caracterizam o espírito do grupo (veja o
boxe a seguir).
CAPÍTULO10
Cultura: nossa herança social
TRIBOS URBANAS
texto a seguir aborda a violência, em
São Paulo, de algumas "tribos urbanas",
como os punks e os skinheads. Os dois grupos
se inspiram em ideologias opostas - os punks
são contrários ao "sistema"; os skinheads são
racistas e até nazistas - e se diferenciam visualmente pela indumentária. Os punks usam
cabelo colorido com corte moicano. Já os skinheads (cabeças raspadas) são carecas. Os skinheads são vistos com suspensórios (no caso dos
neonazistas White Powers, de cor branca). Os
punks vestem camisetas com nome de banda
e, muitas vezes, exibem tatuagens, correntes
e braceletes.
Uns pregam o antissemitismo, outros, o patriotismo, e há os que nutrem ódio por nordestinos, negros,
gays ... A maioria deles, no entanto, mal conhece as teorias que defende.
Na cabeça de uns, espalhafatosos cabelos moicanos azuis, verdes ou vermelhos espetados com gel [veja a
foto]. Na de outros, só o brilho da careca. r.,] "Gosto
de beber, conhecer novos punks, brigar e agitar muito.
Sou um cara subversivo e tento de alguma forma destruir esse sistema", diz o estudante Johni Raoni Falcão
Galanciak, 2 i anos.
Na madrugada do dia 2 i. i 0.07, ele estava entre
os 25 punks acusados de espancar e desfigurar o rosto
do estudante G.C, de 1.7 anos, na avenida Tiradentes.
Nove deles, inclusive Galanciak, já fichado na polícia,
foram presos em seguida. Os delinquentes jazem parte
da Vício Punk, uma das doze gangues que atuam
na cidade. Suspeita-se que o rapaz que apanhou até
sofrer traumatismo craniano efraturas no maxilar seja
ligado a um grupo rival de skinheads.
Esse foi o segundo ataque de punks em uma semana. No dia i 4, delinquentes mataram, a facadas,
o balconista Jaílton de Souza Pacheco no Terminal
Parque Dom Pedro II, no centro. Os punks queriam
pagar 60 centavos por um pedaço de bizza que custava
i real, o que motivou a discussão. Dois homens e uma
mulher foram presos.
De grande repercussão, a morte do turista francês Grégor Erwan Landouar, esfaqueado nos Jardins
em i O de junho, teve uma explicação homofóbica: a
vítima havia particiPado da Parada Gay. "Ele disse
em juízo que ficou revoltado quando viu duas pessoas
do mesmo sexo se beijando e resolveu matar a primeira
pessoa que encontrasse pela frente", conta o promotor
Maurício Ribeiro Lopes, referindo-se a Genésio Mariuzzi Filho, o "Antrax", preso sob a acusação de ter
matado o francês. No mesmo mês, membros da qanque
Devastação Punk mataram o garçom John Clayton
Moreira Batista, também nos Jardins, por ele ter se recusado a emprestar um isqueiro.
Pelo que se vê, há fartura de casos policiais relatando o envolvimento de punks, skinheads e sabe-se
lá o que mais em depredações, brigas e assassinatos. Só
neste ano, a ação dessas gangues resultou na morte de
seis pessoas.
Assim, a polícia tenta patrulhar e acompanhar
a ação de grupos como Ameaça Punk, Vício Punk,
Devastação Punk, Phuneral Punk, Carecas do
ABC, Carecas do Subúrbio, Front 88, Impacto
Hooligan, Brigada Hooligan, entre outros. Uns pregam o antissemitismo, outros, o patriotismo, e há os que
nutrem ódio por nordestinos, negros e homossexuais.
Em geral, os membros dessas facções são jovens de classe média baixa. Muitos trabalham como
office- boys, seguranças, vendedores, auxiliares de
escritório, ou se apresentam como estudantes.
r..]
r..]
Punk no
mercado
de (anden
Town.
Londres,
IngLaterra,
1997.
Adaptado de: VEIGA, Edison. BRISOLLA,
Fábio, GENZINI, Leonardo, e SALVO, Maria Paola de.
Eles têm ódio de quê? Veja, 26.10.07.
191
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
·--4 I
Cultura e progresso
Difusão cultural
Cada geração passa por processos de aprendizagem, nos quais assimila a cultura de seu tempo
e se torna apta a enriquecer o patrimônio cultural das gerações futuras. É na capacidade que
os grupos têm de perpetuar e acrescentar novos
valores à cultura que reside a possibilidade de
progresso.
Todo progresso é resultante da síntese de
valores novos com componentes
culturais já
adquiridos. Desse modo, apesar das mudanças,
alguns valores culturais tendem a permanecer,
assegurando a continuidade da cultura de uma
sociedade entre uma e outra geração. Por mais
viva e inventiva que seja uma nova cultura, as
gerações quase nunca rompem inteiramente com
seu passado.
Em geral, o enriquecimento
do patrimônio
cultural de uma sociedade se faz por meio de dois
processos: a invenção e a difusão. Depois de estudá-los, vamos ver como o desequilíbrio entre
os diferentes aspectos da cultura geram o processo conhecido como retardamento cultural.
Alguns traços culturais, como uma nova moda
ou um equipamento recentemente inventado, difundem-se não só na sociedade em que tiveram
origem, mas também entre outras culturas, geralmente por intermédio dos meios de comunicação
(jornais. televisão, cinema, rádio, internet, etc.).
.Quando isso ocorre, dizemos que está havendo um processo de difusão cultural. Pode-se
afirmar que o enriquecimento cultural se verifica
mais frequentemente
por difusão do que por invenção (voltaremos a tratar das invenções e da
difusão cultural no capítulo 12).
Geralmente, o patrimônio de uma cultura
cresce de geração em geração. As culturas se desenvolvem incorporando traços culturais em maior
número do que aqueles que caem em desuso. Assim, considerada em uma perspectiva histórica,
a cultura pode ser definida como o somatório de
todas as realizações das gerações passadas que se
sucederam no tempo, mais as realizações da geração presente.
Mudanças no patrimônio
Retardamento
cuLturaL
Em meados do século XIX, o uso do motor
a vapor para mover um veículo correndo sobre
trilhos criou um meio de transporte que teria importância decisiva no mundo moderno: o trem.
Impacto maior ainda foi provocado no fim daquele século pela invenção do automóvel, que era
pouco mais que uma carruagem impulsionada por
um motor a explosão. Essas duas invenções contribuíram para notáveis mudanças na sociedade
do século XX.
Como veremos no capítulo 12, as invenções
são geradas pela combinação entre o patrimônio
cultural da sociedade e determinadas necessidades sociais, além, é claro, da criatividade dos inventores. Entretanto, nenhum inventor parte da
estaca zero. Em seu trabalho de criação, ele se
apoia no conhecimento acumulado de sua cultura,
combinando elementos preexistentes para produzir algo novo.
192
cuLturaL
As mudanças dos diversos componentes da
cultura não ocorrem no mesmo ritmo: alguns se
transformam mais rapidamente do que outros. As
invenções, por exemplo, acarretam mudanças mais
aceleradas na cultura material do que na cultura
não-material: os instrumentos, as máquinas e as
técnicas mudam mais rapidamente do que a religião, os padrões familiares, a educação, etc.
Essa diferença de ritmo provoca descompassos entre os diversos componentes da cultura. A
introdução da pílula anticoncepcional na década
de 1960, por exemplo, encontrou grande resistência por parte de setores religiosos, enquanto
milhões de mulheres em todo o mundo já se beneficiavam com a invenção.
Toda vez que há um desequilíbrio no ritmo
de desenvolvimento dos diversos aspectos da cultura, pode-se falar de retardamento ou demora
cultural.
CAPÍTULO 10
5 I o fenômeno
Cultura: nossa herança social
da aculturação
Durante a colonização do Brasil, houve intenso contato entre a cultura do conquistador português e as culturas dos povos indígenas e dos
africanos escravizados.
Em decorrência desse contato, ocorreram modificações, tanto na cultura dos europeus recém-chegados - que assimilaram muitos traços culturais dos
outros povos - quanto na dos indígenas e africanos,
que foram subjugados e perderam muitas de suas
características culturais. Desse processo de contato
e mudança cultural resultou a cultura brasileira.
Quando seres humanos de grupos diferentes
entram em contato direto e contínuo, geralmente ocorrem mudanças culturais, pois se verifica a
transmissão de traços culturais de uma sociedade
para outra. Alguns traços são rejeitados; outros
são aceitos e incorporados, quase sempre com mudanças significativas, à cultura resultante.
Esse processo de mudança cultural provocada pelo contato entre dois ou mais grupos culturalmente distintos, e no qual um desses grupos assimila aspectos da cultura de outro grupo,
é tradicionalmente
conhecido como aculturação.
Entretanto, nos anos 1970, alguns cientistas sociais, como o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro
(1922-1997), questionaram essa conceituação.
Na verdade, diziam eles, a adoção de traços
culturais de um grupo por outro geralmente envolve desigualdades ou assimetrias, como ocorre, por
exemplo, com a relação entre os povos indígenas e a
sociedade capitalista no Brasil. Não se trata de uma
relação entre iguais, mas de uma relação de dominação. Essa dominação pode ser de tal forma intensa
que não deixa ao grupo subordinado nenhuma alternativa senão aculturar-se (LINDOSO,Felipe. In:
Dicionário de Ciências Sociais, op. cit., p. 19).
193
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
QUILOMBOS E QUILOMBOLAS
m novembro de 2006, realizou-se na comunidade quilombola São José da Serra,
no Rio de Janeiro, o 11º Encontro de jongueiros. Cerca de 700 pessoas estiveram presentes, representando catorze grupos de jongo.
O jongo é um gênero musical que reúne
música e dança de tradição africana. Nasceu no
século XIX entre os negros bantos que trabalhavam como escravos nas fazendas de café do
Vale do Paraíba. Os que fugiam e formavam quilombos procuravam preservar suas tradições de
origem africana ou afro-brasileira, entre as quais
MarginaLidade cultural
Na cidade paulista de Tupã - na reserva dos
índios Kaingang - vivem duzentos indígenas culturalmente descaracterizados. Eles desconhecem
seu passado, não conseguem se expressar em sua
própria língua, não se lembram de seus cantos, de
suas danças e de suas antigas práticas de caçado-
194
o jongo. Ainda hoje, esse ritmo é praticado em
diversas comunidades remanescentes dos antigos quilombos, as comunidades quilombolas.
Existem atualmente cerca de 1098 dessas comunidades no Brasil. Nelas, os descendentes dos africanos escravizados preservam
traços de sua cultura original. Esses traços culturais reafirmam o sentimento de identidade
étnica e cultural dessas pessoas, contribuindo
para manter a coesão do grupo a que pertencem. Criam, assim, formas de subcultura no
contexto da cultura brasileira.
res e pescadores. Também não estão incorporados
à cultura da sociedade que os cerca. São mansos
e tristes.
Quando duas culturas entram em contato e
uma delas se impõe à outra pela força, geralmente
ocorrem - além da aculturação - conflitos emocionais nos indivíduos que pertencem à cultura
CAPÍTULO 10
dominada. Aqueles que não conseguem se integrar
totalmente a nenhuma das culturas que os rodeia
ficam à margem da sociedade. A esse fenômeno
dá-se o nome de marginalidade cultural.
A marginalidade cultural também pode ocorrer quando a cultura de um grupo é degradada e
6
I
Cultura: nossa herança social
destruída por um grupo dominante. A situação de
povos indígenas no Brasil, como os Kaingang e
outros, é resultante dessa relação desigual, assimétrica, entre a cultura do dominador (que, nesse
caso, incluía armas de fogo e bebidas alcoólicas) e
a cultura do dominado.
Cultura e contracultura
Nas sociedades contemporâneas encontramos
pessoas que contestam certos valores culturais vigentes, opondo-se radicalmente a eles num movimento chamado de contracultura.
Na década de 1950, os Estados Unidos conheceram a beat generation (geração beat), que contestava o consumismo do pós-guerra norte-americano, o American way of life (estilo norte-americano
de vida) que os filmes de HoUywood apregoavam,
o anticomunismo generalizado e a ausência de um
pensamento crítico.
Na década de 1960, também nos Estados Unidos, surgiu o movimento hippie. Como a beat
generation, foi um fenômeno de contracultura, porque contestava os valores fundamentais da sociedade industrial: a competição desenfreada, a acumulação de riquezas, a luta pela ascensão social a
qualquer preço, etc. Além disso, era radicalmente
contrário à Guerra do Vietnã (1959-1975), à estrutura familiar convencional, à sociedade de consumo e aos hábitos alimentares baseados em comida
industrializada efost food (refeição rápida) - traços
culturais típicos da sociedade norte-americana.
Muitos jovens dessa época deixaram casa e
universidade para viver em comunidades no campo, onde plantavam e produziam a própria comida
e educavam seus filhos com base em valores mais
humanizados. Alguns abraçaram religiões orientais, como o zen-budismo e o hinduísmo. Seu principal lema era: "faça amor, não faça a guerra".
Em fins dos anos 1970, o movimento hippie,
que havia ultrapassado as fronteiras dos Estados
Unidos, foi perdendo o viqor, até desaparecer por
completo, às vésperas da década de 1980.
195
CAPÍTULO 10 Cultura: nossa herança social
]J
I
Controle social
Segundo o sociólogo norte-americano G. Smith
Russel, "nove décimos de tudo o que você faz, diz,
pensa, sente, desde que se levanta de manhã cedo
até que vai para a cama dormir, você diz, faz, pensa, sente não como expressão própria, independente, mas em conformidade inconsciente e sem
crítica com regras, regulamentos, hábitos grupais,
padrões, códigos, estilos e sensações que existiam
muito antes que você nascesse".
Já vimos que a sociabilidade - tendência natural da espécie humana para viver em sociedade
- é desenvolvida por meio do processo de socialização, pelo qual o indivíduo se integra ao grupo
em que nasceu, assimilando sua cultura (veja o
capítulo 3).
A socialização, como vimos, é o ato de transmitir ao indivíduo - ou seja, de levá-lo a assimilar
e introjetar - os padrões culturais da sociedade.
Trata-se de um processo social abrangente, pois
afeta direta ou indiretamente todos os indivíduos
que vivem em uma determinada comunidade ou
sociedade.
O maior instrumento de socialização é o controle social. Segundo Alain Birou, "controle social
é o conjunto dos meios e processos pelos quais um
grupo ou uma unidade social leva os seus membros a adotarem comportamentos, normas, regras
de conduta, até mesmo costumes, conformes aos
que o grupo considera socialmente bom".
O olhar de reprovação dos pais quando a
criança toma sopa fazendo barulho, a punição
para quem cometeu um delito, a recompensa para
aquele que cumpre todas as regras, seja na escola,
na vida profissional ou em qualquer outra esfera
da vida social, a repressão policial a uma manifestação não autorizada, o apelo a valores morais, são
exemplos de controle social.
Para a antropóloga norte-americana
Ruth
Benedict (1887-1948), "a história da evolução de
um indivíduo é, antes de mais nada, o relato de
sua acomodação aos padrões e tradições vigentes
em sua comunidade. Desde o momento em que ele
nasce, os costumes do grupo a que pertence mol-
186
dam suas experiências e seu comportamento. As
primeiras palavras de uma criança são necessariamente pronunciadas em uma língua determinada.
Por isso mesmo, essa criança já é um produto da
cultura em que vive. Ao tornar-se adulta, já está
suficientemente treinada para tomar parte nas atividades da comunidade, com seus hábitos e suas
crenças".
A primeira "agência" de controle social é a
família. Desde que nasce, a criança é orientada,
educada e moldada pelo grupo familiar. Depois da
família, temos a Igreja, a escola e o Estado: são
todos "agências" formais ou institucionalizadas de
controle social.
Tipos de controle social
o
controle social pode ser difuso (informal)
ou institucionalizado
(formal). Nas comunidades
isoladas e pequenas, como os povoados do interior
ou as aldeias indígenas, o controle social é difuso,
vago, muitas vezes de caráter religioso. Nas sociedades complexas, o controle social é institucionalizado ou formal, isto é, há órgãos e instituições
sociais encarregados de sua aplicação, como a polícia, a Justiça, etc.
Também as sanções podem ser difusas ou organizadas, dependendo do tipo de controle social.
Mas, quando algumas sanções estabelecidas pela
sociedade deixam de funcionar, surge a necessidade de elaborar novas leis e criar novas instituições
para exercer com eficácia o controle social desejado. Nas sociedades modernas, mais complexas,
aumenta a presença da instituição jurídica, da
instituição policial e do Estado, em substituição
aos controles espontâneos, antes exercidos pela
família e pelos membros da comunidade.
Funções do controle social
Assim, nas sociedades modernas os sistemas
de controle social são quase totalmente institucionalizados, isto é, dependem mais de leis e
regras estabelecidas do que de normas impostas
pela tradição.
CAPÍTULO10
Ao mesmo tempo, à medida que as sociedades vão se tornando mais complexas, os sistemas
de controle passam a assumir diferentes funções.
Estas não se impõem meramente para punir ações
ilícitas ou fazer valer determinadas normas e padrões, mas também têm a finalidade de manter
o equilíbrio da sociedade e de dar proteção social efetiva aos seus membros socialmente desamparados.
De modo geral, podemos falar de três funções
de controle social:
• a de ordem social;
• a de proteção social;
• a de eficiência social.
As funções de controle de ordem social ligamse à aplicação de normas e de leis. Por exemplo, fazer cumprir a lei, prender e punir criminosos, manter a ordem pública. Na sociedade moderna, essas
funções são desempenhadas pelo Estado, com seus
Cultura: nossa herança social
órgãos específicos de caráter repressivo ou jurídico, como a polícia e os tribunais de justiça.
As funções de proteção social relacionam-se
ao cumprimento de normas que beneficiam setores
menos protegidos da sociedade. Entre elas estão as
de previdência social e a proteção dos direitos humanos. Dessas funções faz parte também a proteção
das crianças e adolescentes, da mulher e dos idosos,
assim como a garantia de que sejam asseguradas a
igualdade de direitos na educação, a assistência médica universal e a defesa do meio ambiente.
As funções de eficiência social estão relacionadas com regras e procedimentos que levem os
indivíduos a contribuir de forma produtiva para
o bem-estar e o desenvolvimento da sociedade.
A proteção ao trabalho, as ações cooperativas, a
formação profissional, os cuidados com a saúde
pública e com a educação em geral estão entre
essas funções.
197
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
•
SANTOS,José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1983. Coleção Primeiros Passos.
•
BRANDÃO,Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1982. Coleção Primeiros Passos.
•
CARVALHO,Edgard de Assis. Enigmas da cultura. São Paulo: Cortez, 2003.
•
GUARNACCIA,Matteo. Provas: Amsterdam
.---- .•
_ Fi
•
e
erid
e o nascimento da contracultura.
São Paulo: Conrad, 2001.
5
Hans Staden, de Luiz Alberto Pereira, 1999. História verídica do viajante Hans Staden, que em 1550 naufragou no
litoral da atual Santa Catarina e viveu por algum tempo entre os Tupinambá.
•
Kuarup, Instituto Nacional do Cinema Educativo, 1962. Documentário
mítica dos povos do Xingu.
•
Imbé Gikegü - cheiro de pequi, de Nguné Elü. 2006. Documentário sobre a vida em uma aldeia dos índios Kuikuro,
sobre ritual indígena que narra a origem
na região amazônica.
•
Havai, de George Roy Hill, 1966. Missionário ocidental tenta catequizar
enfrentar as diferenças entre as duas culturas.
•
Sem destino, de Dennis Hopper, 1969. Em 1968, dois jovens viajam de moto pelo interior dos EUA e sofrem a
reação de habitantes
•
conservadores
nativos de ilha do Pacífico mas tem de
da região.
Encantadora de baleias, de Niki Caro, 2003. Menina luta para assumir a liderança dos maoris, na Nova Zelândia, e
enfrenta
as tradiçôes culturais de seu povo.
•
Hair, de Milos Forman, 1969. Jovem do interior dos Estados Unidos vai para Nova York para se alistar no Exército
mas se envolve com grupo de hippies.
•
Geração roubada, de Phillip Noyce, 2002. Em 1931, três meninas fogem de um campo do governo britânico na
Austrália, criado para treinar mulheres para os serviços domésticos, e sofrem perseguição da polícia.
•
Um homem chamado cavalo, de Elliot Silverstein, 1970. Capturado por indígenas norte-americanos,
abraça a cultura da tribo, mas tem de passar por duras provas para se tornar guerreiro ..
•
Crepúsculo de uma raça, de John Ford, 1964. A luta pela sobrevivência de um povo indígena norte-americano
homem branco
diante do avanço da sociedade capitalista.
•
Nome de família, de Mira Nair, 2006. Adolescente de origem indiana vive conflitos de adaptação em Nova York,
nos EUA, onde passa a viver.
•
Brava gente brasileira, de Lúcia Murat, 2000. Em 1776, algumas índias são estupradas por soldados portugueses
no
atual estado de Mato Grosso do Sul.
Para complementar o estudo do capítulo, assista a um ou mais dos filmes indicados e reflita
sobre as seguintes questões:
•
Que relações podem ser estabelecidas
•
Há referências,
•
Há referências
a manifestações
•
Há referências
à questão do controle social? Quais são elas e onde aparecem no filme?
•
Há referências
à questão da aculturação?
198
entre o enredo do filme e os conceitos estudados neste capítulo?
no filme, à noção de cultura? Quais são elas e onde aparecem no filme?
de contracultura?
Sob que formas elas se manifestam
De que forma o filme aborda essa questão?
no filme?
CAPÍTULO10 Cultura: nossa herança social
Questões propostas
1.
2.
3.
Cite quatro exemplos de elementos da cultura material que o rodeiam neste momento.
4.
Cite quatro exemplos de elementos da cultura não material.
5.
Quais são os dois processos básicos pelos quais se dá o crescimento do patrimônio cultural
de um grupo?
6.
7.
Cite um exemplo de difusão cultural que você tenha presenciado.
8.
Explique com suas palavras o objetivo do controle social.
Explique o que é cultura.
Qual a relação entre educação e cultura?
O que você entende por subcultura e contracultura?
A cultura do capitalismo
A cultura do capitalismo seculariza tudo o que encontra pela frente e pode transformar muita coisa em
mercadoria, inclusive signos, símbolos, emblemas, fetiches [o verbo secularizar é usado aqui em sentido figurado,
no sentido de que o capitalismo reduz tudo às leis de mercado]. Tudo se seculariza, instrumentaliza, desencanta.
Essa é uma exigência da racionalização formal, pragmática, definida em termos de fins e meios objetivos,
imediatos.
Uma racionalização cada vez mais vazia
de valores gerais e particulares que não podem traduzir-se nos termos do status ouo [ou
seja, valores que não podem ser reduzidos
às leis de mercado]. Ao refletir sobre a progressiva universalização dessa racionalídade,
Weber "demonstra a nítida resistência da moderna racional idade formal da ordem social
e econômica diante de valores de igualdade,
fraternidade e caridade, e mostra como a racionalidade formal impulsiona os interesses
de grupos economicamente privilegiados".
Seria difícil compreender os ciclos e as
orientações da ocidentalização do mundo sem
levar em conta a sua cultura, cultura essa na
qual o processo de racionalização universal
joga um papel essencial. Aos poucos, em todos
os lugares, regiões, países, continentes, a despeito das diferenças socioculturais que lhes são
próprias, os indivíduos e as coletividades são
movidos pela mercadoria, mercado, dinheiro,
capital, produtividade, lucratividade.
Sob vários aspectos, o novo ciclo de
ocidentalização recoloca o problema da mundialização da indústria cultural. com a expansão dos meios de comunicação de massa e a
produção de uma cultura de tipo internacional-popular [sobre a indústria cultural. veja o
Dicionário bá~ico de Sociologia no fim do livro].
Verifica-se a mobilização
de todos os recursos disponíveis dos meios de comunicação,
da mídia em geral, impressa e eletrônica, de
modo a "reeducar" povos, nações e continentes. [...]
~----------------------------------------------------------------------------~~
199
CAPÍTULO 10 Cultura: nossa herança social
~r--------------------------------------------------------------------------'
Um sintoma muito característico da forma pela qual ocorre o novo ciclo de ocidentalização do mundo está no fato de que a língua
inglesa se tornou uma língua universal. É usada
não somente entre europeus e norte-americanos, por um lado, mas também por asiáticos,
africanos e latino-americanos. É usada igualmente entre diferentes povos africanos, asiáticos e latino-americanos, quando necessitam
comunicar-se entre si. E há países, como a Índia, por exemplo, em que o inglês é a língua
nacional de fato. [...]
É óbvio que a ocidentalização não flui
tranquilamente. Primeiro, porque as nações
dominantes e as organizações multinacionais
atuam de modo diverso, divergente ou mesmo contraditório, umas com relação às outras. No processo de ocídentalização, no que
se refere à esfera cultural, em sentido amplo,
há linhas, padrões, modas ou ondas parisienses, londrinas, norte-americanas, alemãs, italianas e outras.
Segundo, porque os novos grupos, classes, nacionalidades ou sociedades não ocidentais, mais ou menos inseridos no processo
global de ocidentalização, também possuem
sua cultura, continuam a produzir culturalmente, devolvem elementos culturais ocidentais com ingredientes nativos, quando não
1---
lançam na sociedade mundial suas produções
originais. [...]
Na cultura da sociedade global, as religiões e seitas, as línguas e dialetos, os nacionalismos e as nacionalidades, as ideologias e
as utopias, ressurgem como se fossem erupções vulcânicas. Mas ressurgem diferentes,
com outros significados, em outros horizontes. Primeiro, porque se debilitam ou mesmo
se quebram estruturas nacionais, o que abre
novas possibilidades a particularismos, regionalismos, singularidades.
Segundo, porque as novas estruturas
mundiais não foram ainda suficientemente
codificadas, sedimentadas. Terceiro e último,
rompem-se conceitos universais que expressavam e articulavam significativamente modos de ser, pensar, imaginar.
Em outras palavras, as ressurgências não
são apenas de tradições, de configurações passadas, mas também a revelação de um novo
todo, no qual as formações singulares adquirem
outros significados. Com o declínio da sociedade nacional e a emergência da sociedade global, modificam-se as articulações e mediações
nas quais se inserem as partes e o todo, as singularidades, particularidades e universalidades.
IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1992. p. 71-6.
= Pense e responda
1.
2.
3.
200
O que o autor quer dizer com "ocidentalização
do mundo"?
Por que, segundo Octavio Ianni, a ocidentalização
razões dessa dificuldade?
não flui tranquilamente?
Com base na análise do autor, é possível dizer que as manifestações
desapareceram diante da globalização?
Quais são as
culturais regionais
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