UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE Faculdade de Direito Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas O REGIME JURÍDICO DO FUNDO DE GARANTIA DE DEPÓSITOS E A SUA CONFORMIDADE COM AS BOAS PRÁTICAS INTERNACIONAIS António José Wade Maputo Maio de 2018 Universidade Eduardo Mondlane Faculdade de Direito Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas O REGIME JURÍDICO DO FUNDO DE GARANTIA DE DEPÓSITOS E A SUA CONFORMIDADE COM AS BOAS PRÁTICAS INTERNACIONAIS Dissertação de Mestrado elaborada sob supervisão do Profº. Doutor Anselmo Ricardo A. Samussone apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane em coordenação com a Universidade de Lisboa, para avaliação final António José Wade Maputo Maio de 2018 DECLARAÇÃO Declaro que esta Dissertação é da minha autoria e resulta do meu labor individual. Nunca foi apresentada para a obtenção de um grau académico ou outra finalidade. É a primeira vez que a submeto em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Jurídico-Económicas da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, em colaboração com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. _____________________________ António José Wade Aprovação do Júri Este trabalho foi aprovado por nós, membros do Júri, com a classificação de ______, aos _____/____/2018. i DEDICATÓRIA Dedico este trabalho: Aos meus pais, José Wade e Amélia Sangalare, que me trouxeram ao mundo, tornandose a primeira fonte de conhecimento; À Rosalina Wade, minha esposa, e aos nossos meninos José, Melvin e Kelsen; Aos meus irmãos, Fátima, Matavela, Rita, Lídia (in memoriam) e Teresa; À todos que acreditaram em mim e nas minhas capacidades, mesmo em relação aos sonhos que, face às várias adversidades, eu próprio os considerei inalcançáveis. ii AGRADECIMENTOS A concretização do presente trabalho não teria sido possível sem o multifacetado apoio que me foi prestado. Desde logo, cumpre-me expressar a minha palavra de gratidão ao Senhor Professor Doutor Anselmo A. Samussone que, não obstante os seus inúmeros afazeres, assumiu sem reservas a orientação da presente dissertação. Agradeço ainda ao Banco de Moçambique, minha entidade empregadora que, no âmbito da sua política de formação, me concedeu a oportunidade de continuar com os estudos através da concessão da bolsa de estudos deste mestrado. Deixo manifesto o meu apreço à solidariedade da família, especialmente à minha esposa Rosalina Wade, aos meus filhos José Wade, Melvin Wade e Kelsen Wade, que por diversas ocasiões ficaram privados do meu aconchego e carinho. O meu gesto de gratidão também vai para à Senhora Zaida Cumba, colega afecta à Biblioteca do Banco de Moçambique, pela pronta assistência que prestou na disponibilização de material bibliográfico necessário para elaboração deste trabalho. Aos meus amigos, do passado e do presente, especialmente Eugénio Massorrel e Claire Zimba, que, em momentos diferentes, me ajudaram a ultrapassar diversas dificuldades, vai também o meu reconhecimento. Por fim, agradeço a Deus acima de tudo, pelo dom da vida e pela protecção. iii SIGLAS E ABREVIATURAS Apud – citado por BCBS – Basel Committee on Bank Supervision BIS – Bank of International Settlements BM – Banco de Moçambique BR – Boletim da República BTs – Bilhetes de Tesouro CAMELS – Capital adequacy, Asset quality, Management, Earning, Liquidity and Sensitivity to market risk EUA – Estados Unidos da América FDIC – Federal Deposit Insurance Corporation FGC – Fundo Garantidor de Crédito FGD – Fundo de Garantia de Depósitos FMI – Fundo Monetário Internacional FSF – Financial Stability Forum IADI – International Association of Deposit Insurers LICSF – Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras Op. cit. – Obra citada PARPA – Plano de Acção para a Redução da Probreza Absoluta PIB – Produto Interno Bruto Pg. – Página Pgs. – Páginas SEDESA, SA – Sociedade Gestora do Fundo de Garantia de Depósitos da Argentina. iv RESUMO O presente trabalho analisa o regime jurídico do FGD, no sentido de verificar se o mesmo se compagina com as características essenciais que as boas práticas internacionais consideram indispensáveis para que um sistema de garantia de depósitos seja considerado eficiente. A metodologia seguida consiste na análise das fontes e sua comparação com as boas práticas internacionais. A análise das fontes contou com o auxílio dos ensinamentos constantes da bibliografia especializada sobre o tema, através da qual se analisa o nível de incorporação das referidas características no FGD. De forma combinada, recorre-se ao método comparativo, visto que o objectivo prosseguido pelo presente trabalho pressupõe a confrontação do regime jurídico do FGD com as boas práticas internacionais. O problema central dirimido na presente pesquisa consiste em saber se o regime jurídico do FGD incorpora as tais características, para que o FGD possa ser considerado eficiente. Com base na análise efectuada, conclui-se que, apesar de estarem reflectidas no FGD as características consideradas essenciais e consentâneas com as boas práticas internacionais, há aspectos que carecem de aprimoramento para tornar o regime jurídico do FGD mais eficiente, nomeadamente os relacionados com os poderes e responsabilidades, âmbito de cobertura, funding, determinação do prémio, percepção pública e efectivação do reembolso. Com efeito, o FGD deve evoluir do sistema de simples pay box para um modelo ou sistema de pay box plus, em que passaria a exercer certas funções de resolução a ser instituída, nomeadamente a prestação de apoio financeiro às medidas de resolução; deve determinar previamente os montantes, prestações, prazos e demais termos das contribuições especiais, para facilitar a quantificação dos custos associados ao encerramento de bancos insolventes; deve a médio prazo, adoptar o sistema de prémio de seguro ajustado ao risco para reduzir o risco moral; o valor de cobertura, mais do que limitado, deve ser confiável, calculado de forma rápida e simples, e satisfazer a maioria dos depositantes; deve preocupar-se com a percepção pública, prestando ao público todas as informações pertinentes, nomeadamente o âmbito de cobertura e o prazo máximo de reembolso. A actualidade e interesse teórico e prático justificam a escolha do tema, propondo-se a ser um contributo para a disponibilização de um estudo com potencialidade para aprimorar e consolidar as bases do regime jurídico do sistema de seguro de depósito moçambicano. v O presente trabalho está estruturado em três capítulos. No primeiro, faz-se uma exposição teórica de conceitos conexos ao tema. No segundo, aborda-se o mecanismo de seguro de depósito em geral, com enfoque para as características para sua construção, as quais irão ser aplicadas para “diagnosticar” a eficiência do FGD, no terceiro capítulo. Palavras Chave: seguro, garantia de depósitos, risco moral, eficiência, reembolso e estabilidade financeira. vi ABSTRACT The present work analyzes the legal regime of the FG (in Portuguese FDG - Fundo de Garantias de Depósitos - em Inglês FDG - Fund of Deposits Guarantee) in order to verify if it meets the essential requirements of good international practices for a deposit guarantee system to be considered efficient. The methodology used is the study of sources and their comparison with good international practices. The study of the sources was supported by the lessons of the specialized bibliography on the subject, which explores the level of incorporation of these features into the FDG. Combined, the comparative method used, since the objective pursued by the present work presupposes the confrontation of the legal regime of the FDG with the international good practices. The central problem solved in the present research is to know if the legal regime of the FDG incorporates such aspects, so that the FDG can be considered efficient. Based on the analysis carried out, it is concluded that, although the feature considered essential and in line with international good practices are reflected in the FDG, there are aspects that need improvement in order to make the legal regime of the FDG more efficient, namely those related to powers and responsibilities, scope of coverage, funding, determination of the premium, public perception and effective repayment. The FDG must evolve from the simple pay box system to a pay box plus model or system where it would be able to perform certain resolution functions, in particular the provision of financial support for resolution measures; shall determine in advance the amounts, installments, terms and other terms of the special contributions, in order to facilitate the quantification of the costs associated with the closure of insolvent banks; should, in the medium term, adopt the risk-adjusted insurance premium system to reduce moral hazard; the amount of coverage, more than limited, must be reliable, calculated quickly and simply and satisfy the majority of depositors; should be concerned with public perception by providing the public with all relevant information, including the scope of coverage and the maximum repayment period. The timeliness and theoretical and practical interest justify the choice of the topic, and it is proposed to be a contribution to the provision of a study with the potential to improve and consolidate the bases of the legal regime of the Mozambican deposit insurance system. The present work is structured in three chapters. In the first one, a theoretical exposition of concepts related to the theme is made. In the second, the deposit insurance mechanism in vii general, focusing on the characteristics for its construction, will be applied to "diagnose" the efficiency of the FDG in the third chapter. Keywords: insurance, deposit guarantee, moral hazard, efficiency, reimbursement and financial stability. viii ÍNDICE INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 1 1. Justificativa.................................................................................................................................. 1 2. Formulação do problema ............................................................................................................ 3 3. Objectivos ................................................................................................................................... 3 4. Motivação ................................................................................................................................... 4 5. Delimitação do tema ................................................................................................................... 4 6. Metodologia ................................................................................................................................ 5 7. Estrutura ..................................................................................................................................... 6 8. Limitações ................................................................................................................................... 7 CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................................ 8 1. Aspectos teóricos sobre seguros ................................................................................................ 8 1.1 Noção de seguro ................................................................................................................. 8 1.2 Funções do seguro .............................................................................................................. 9 1.3 Tipos de seguro ................................................................................................................. 11 1.4 O prémio ........................................................................................................................... 12 1.5 Riscos da actividade seguradora ....................................................................................... 13 1.6 Regulação da actividade seguradora ................................................................................ 16 2. O sistema de garantia de depósitos como componente da rede de segurança financeira ..... 17 3. Riscos da actividade bancária ................................................................................................... 23 CAPÍTULO II – O SISTEMA DE SEGURO DE DEPÓSITOS.................................................................. 26 1. Origem, noção, função e objectivo do sistema de seguro de depósitos .................................. 26 2. A construção de um sistema de seguro de depósitos .............................................................. 28 3. O problema do risco moral (moral hazard) no sistema de seguro de depósitos ..................... 29 4. Características essenciais de um sistema de seguro de depósitos ........................................... 32 5. O seguro de depósitos e os seguros mercantis ........................................................................ 50 CAPÍTULO III - O FUNDO DE GARANTIA DE DEPÓSITOS ................................................................ 52 1. 2. A criação do FGD ....................................................................................................................... 52 1.1 Objectivos de política pública ........................................................................................... 54 1.2 Análise situacional............................................................................................................. 55 O regime jurídico do FGD .......................................................................................................... 59 2.1 Forma de protecção .......................................................................................................... 60 2.2 Poderes e responsabilidades ............................................................................................ 60 2.3 Estrutura operacional ....................................................................................................... 66 2.4 Instituições participantes e forma de adesão ................................................................... 70 ix 2.5 Âmbito de cobertura do seguro de depósito .................................................................... 72 2.6 Funding.............................................................................................................................. 77 2.7 Determinação do prémio de seguro ................................................................................. 79 2.8 Percepção pública ............................................................................................................. 81 2.9 Reembolso aos depositantes ............................................................................................ 82 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES ............................................................................................... 86 PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..................................................................................... 91 PRINCIPAL LEGISLAÇÃO DE REFERÊNCIA ..................................................................................... 98 A. Nacional .................................................................................................................................... 98 B. Estrangeira ................................................................................................................................ 99 x INTRODUÇÃO 1. Justificativa O presente trabalho debruça-se sobre “o Regime Jurídico do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD) e a sua Conformidade com as Boas Práticas Internacionais”. A escolha do tema justifica-se, quer pela actualidade da matéria que o mesmo encerra, quer pela necessidade do seu aprofundamento, dada a sua novidade no ordenamento jurídico moçambicano. O FGD foi posto à prova com apenas seis anos da sua existência, quando foi accionado para reembolsar depósitos dos clientes do Nosso Banco, SA1 em Novembro de 2016, do Micro Banco Fides Moçambique, SA2, e da Caixa Cooperativa de Crédito, SCRL3, em Maio de 2017, num processo que foi encarado pela sociedade com algum cepticismo quanto à capacidade do FGD em desempenhar cabalmente a sua função e contestação em relação ao limite de cobertura por depositante, cujo valor foi considerado pela opinião pública e pelos depositantes4 bastante irrisório5. Apesar de o FGD ter sido criado em finais de 2010, em cumprimento de um comando legal de 1999, ainda não há internamente estudos sobre o sistema de seguro de depósitos. Entendemos, pois, ser um momento propício para uma pesquisa no domínio jurídico, podendo o presente trabalho ser um contributo para o aperfeiçoamento do regime jurídico do FGD, em face das constantes transformações do sistema financeiro nacional, impulsionadas pela crise financeira internacional e pela globalização a que o sistema financeiro nacional não está imune. 1 Constituído em Agosto de 2001, com a denominação de Banco Mercantil e Investimento (BMI), tendo mudado desta denominação para Nosso Banco, SA, em 17 de Dezembro de 2014, com sede em Maputo. A revogação da autorização de actividade desse banco ocorreu por despacho do Governador do Banco de Moçambique, de 11 de Novembro de 2016, publicado no BR de 14 de Dezembro de 2016. 2 Com sede na Cidade de Nampula, foi constituído em Setembro de 2014. A revogação da autorização de actividade deste microbanco ocorreu por despacho de 26 de Abril de 2017, a pedido dos respectivos accionistas. 3 Com sede na Cidade de Maputo, iniciou as suas actividades em 2003, tendo a sua autorização de actividade sido revogada por despacho de 26 de Abril de 2017, do Governador do Banco de Moçambique. 4 Fonte: http://www.infromoz.com/index.php/2016/11/15/milhares-clientes-do-banco-perdem-poupancas/ acesso de 07/02/2018. 5 Entretanto, a contestação não se deveu apenas à precariedade do valor do limite de cobertura (20.000,00MT), mas também e sobretudo pelo facto de ter sido fixado pouco antes do encerramento do Nosso Banco, SA, o que fez pairar a ideia de que a sua fixação tenha sido ad hoc, isto é, para acudir a situação daquele banco em concreto. 1 De facto, quando o primeiro sistema de seguro de depósitos nasceu nos EUA (deposit insurance) para conter as corridas bancárias dos anos 30 do século passado, o objectivo não era tanto compensar os depositantes em caso de falência bancária, mas garantir a estabilidade do sistema financeiro. Com o passar do tempo, a centralidade dos sistemas de garantia de depósitos deslocou-se para a protecção dos depositantes, especialmente os pequenos depositantes, embora a estabilidade do sistema financeiros seja sempre o fim último do seguro de depósitos. Os mercados financeiros vêm-se integrando a uma velocidade cada vez mais crescente. As operações e instituições se vêm cada vez mais interligadas, fazendo com que as barreiras entre países se tornem ténues no que se refere à integração financeira, trazendo aspectos positivos e negativos, estes últimos traduzidos pela facilidade de migração de crises internacionais para os mercados domésticos. A nível interno, a experiência da intervenção do Banco de Moçambique (BM) no Moza Banco, SA, despertou a necessidade do preenchimento de uma lacuna legal no domínio da resolução bancária. A introdução do quadro legal de resolução bancária, implicará, necessariamente, a revisão do Regulamento do FGD, para torná-lo mais consentâneo com a nova realidade, mormente no que tange ao seu mandato, que deverá ser mais do que um simples pay box. Neste sentido, o presente estudo, visto que o seu objectivo central é a análise do regime jurídico do FGD tendo em conta as boas práticas internacionais, formula recomendações que poderão ser tidos em conta no inevitável processo de revisão do actual regime jurídico do FGD. Diz-se que após a construção de uma barragem, não basta olhar para a obra em seco para gabar dos seus méritos; é preciso esperar que comece a acumular água na albufeira para perceber se as finalidades de produção de energia, abastecimento, rega ou protecção contra cheias podem ser atingidas com sucesso. Do mesmo modo, para avaliar os sistemas de compensação dos aforradores, deve olhar-se para a mecânica dessa estrutura, em particular em situações de tensão6, como é a situação actual, caracterizada por alguma perturbação do sector bancário nacional. 6 SALAVESSA, Francisco Boaventura, Sistema de Compensação de Aforradores, in “O Novo Direito Bancário”, Paulo Câmara e Manuel Magalhães (Coordenação), Edições Almedina, Coimbra, 2012, pg.246. 2 2. Formulação do problema Tendo em conta que existem estudos que apontam certas características como sendo essenciais para que um sistema de seguro de depósitos7 seja considerado eficiente no desempenho da sua função mediata de prevenção de crises sistémicas, a questão central que o presente trabalho levanta é: será que o FGD incorpora as tais características, a ponto de ser considerado conforme com as chamadas boas práticas internacionais? 3. Objectivos Constitui objectivo geral da presente pesquisa, analisar se o regime jurídico do FGD vigente em Moçambique se compagina com as características consideradas essenciais para que um sistema de garantia de depósitos seja considerado conforme com as boas práticas internacionais. Para tanto, o mesmo prossegue os seguintes objectivos específicos: a) Estudar a origem, noção e objectivos do sistema de seguro de depósitos, comparando-o com os seguros mercantis; b) Analisar as características que os estudiosos consideram essenciais para que um sistema de seguro de depósitos seja conforme com as boas práticas internacionais; c) Reflectir sobre o modo como o FGD pode desempenhar o seu papel, enquanto defesa do último reduto dos depositantes contra a situação de insolvência bancária; 7 Embora os termos “seguro” e “garantia” conceptualmente tenham significados diferentes, no presente trabalho serão usados como equivalentes. Na verdade, na base do seguro está a ideia de transferência do risco do segurado para o segurador, em que o primeiro, mediante o pagamento de uma remuneração, será indemnizado pelo segundo, caso se produza o evento cuja verificação é objecto de cobertura, nos termos e dentro dos limites convencionados, ao passo que a garantia traduz a ideia de meios tendentes a assegurar os direitos do sujeito activo numa relação jurídico-obrigacional, sem que haja transferência de risco. A expressão “seguro de depósito” está relacionada com a terminologia usada para designar os esquemas de protecção de depósitos no país da sua matriz (deposit insurance), designadamente nos EUA. Por influência de Portugal, nos países de expressão portuguesa, incluindo Moçambique, usa-se a terminologia garantia de depósitos. 3 d) Identificar, no regime jurídico do FGD, os aspectos que podem ser melhorados para torná-lo mais eficiente, tendo em conta as boas práticas internacionais. 4. Motivação Nas diversas áreas do conhecimento científico, a pesquisa desempenha um papel fundamental, na medida em que desenvolve instrumentos capazes de dar resposta às necessidades e desafios que a sociedade coloca. Neste contexto, a grande motivação para a elaboração do presente trabalho prende-se com a necessidade de contribuir na disponibilização de estudos sobre o FGD no ordenamento jurídico doméstico. Acreditamos que o momento conturbado que o sector bancário atravessa, caracterizado por encerramento de instituições de crédito pelo banco central, acto que demanda a intervenção do FGD, permitiu a acumulação de um conjunto de experiências que justificam a feitura de estudos especializados para a melhoria do regime jurídico do FGD. 5. Delimitação do tema Grande parte de estudos sobre os sistemas de garantia de depósitos são de natureza económico-financeira, o que pode justificar-se pela natureza também económico-financeira da sua finalidade mediata, que consiste em garantir a estabilidade do sistema financeiro. Entretanto, o presente trabalho, ao debruçar-se sobre o regime jurídico do FGD, propõe-se a abordar o sistema de garantia de depósito moçambicano numa perspectiva jurídica, embora seja impossível ignorar, por completo, elementos de natureza económica indissociáveis ao processo de construção de um fundo de garantia de depósitos e da sua sustentabilidade. Tendo em conta que o FGD integra a denominada rede de segurança financeira (financial safety net), abordaremos, mas de forma muito breve, os outros dois elementos que fazem parte dessa rede8, designadamente a existência de um prestamista de última instância (o Banco Central) e de uma regulação e supervisão prudencial efectivas. Também faremos menção aos 8 Certos autores apontam os mecanismos especializados de liquidação e resolução de instituições de crédito como mais um elemento integrante no financial safety net. Cfr. Wai Sing Lee e Chuck C.Y.Kwok, “Domestic and International practice of deposit insurance: a survey”, in Journal Multinational Financial Management, disponível em www.elsevier.com/locate/enconbase, acedido em 7 de Novembro de 2017. 4 seguros mercantis, visto que têm na sua estrutura pontos comuns, mormente a assimetria informacional (risco moral, selecção adversa e relação principal-agente) e o mutualismo na formação dos respectivos fundos, em que são os próprios membros participantes que contribuem para a formação dos mesmos, mas sem perder de vista que o objecto do presente trabalho está centrado na análise do regime jurídico do FGD. 6. Metodologia A metodologia seguida consiste na análise das fontes e sua comparação com as boas práticas internacionais. A análise das fontes contou com o auxílio dos ensinamentos constantes da bibliografia especializada sobre o tema, através da qual se analisa o nível de incorporação das referidas características no FGD. De forma combinada, recorre-se ao método comparativo, visto que o objectivo prosseguido pelo presente trabalho pressupõe a confrontação do regime jurídico do FGD com as boas práticas internacionais desenvolvidos por organismos internacionais, como, por exemplo, o Bank of Internacionational Settlements (BIS), Fundo Monetário Internacional (FMI), International Association of Deposit Insurers (IADI)9, Financial Stability Forum (FSF), além de informações dos sítios de instituições que gerem os sistemas de seguro de depósitos de certos países, nomeadamente da SEDESA (Argentina), do Fundo Garantidor de Créditos (Brasil), Deposit Protection Corporations (Zimbabwe), Deposit Insurance Board (Tanzania) Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) e do Fundo de Garantia Depósito de Portugal. Tendo em conta que o objectivo central do presente estudo é a análise do regime jurídico do FGD para verificar se o mesmo se compagina com as boas práticas internacionais, recorremos ao método comparativo, através do qual confrontamos o modelo do sistema de seguro de depósito adoptado pelo nosso país com as características que as boas práticas internacionais emanadas pelos organismos internacionais acima aduzidos apontam como sendo essenciais para um sistema de seguro de depósitos seja eficiente. Essa comparação permitiu9 A IADI (International Associationof Deposit Insurers) é uma organização sem fins lucrativos localizada no Bank of International Settlemens (BIS), apesar de ser uma entidade legalmente separada. Foi criada em 2002 com o objectivo é de contribuir para a estabilidade dos sistemas financeiros, promovendo a cooperação internacional e incentivando a troca de informações entre seguradores de depósitos e terceiros interessados através de pesquisas sobre seguro de depósitos, sugestões para o estabelecimento de melhorias nos sistemas de seguro de depósitos. Permite a troca de informações e conhecimento, através de treinamento e programas educacionais e estabelece referências para aperfeiçoar a eficácia dos sistemas de seguro de depósitos, considerando as diferentes circunstâncias, ambientes e estruturas. Disponível em http://www.iadi.org/pages/Mission.aspx. 5 nos constatar que apesar de o FGD conter grande parte das características essenciais elencadas pelas boas práticas internacionais, há aspectos que carecem de melhorias. A fundamentação teórica baseou-se, essencialmente, na literatura internacional. A única fonte bibliográfica nacional consultada é o Relatório da Comissão para a Criação do FGD, do BM10. 7. Estrutura O presente trabalho é composto por três capítulos. O primeiro ocupa-se da revisão de literatura, aflorando aspectos gerais como seguros (noção, funções, tipologia, prémio, riscos e regulação da actividade seguradora), bem como os riscos da actividade bancária. Também se debruça da denominada rede de segurança financeira (financial safety net), uma vez que o sistema de garantia de depósitos dela faz parte integrante. Os outros dois elementos da rede de segurança financeira são a de prestamista de última instância e regulação e supervisão prudencial efectivas, tornando-se relevante falar dos mesmos no contexto do tema sobre o regime jurídico do FGD. No segundo capítulo debruçar-nos-emos sobre o sistema de seguro de depósitos em geral, mormente a noção, função e objectivos, características essenciais dos sistemas de seguro de depósitos e a comparação dos seguros mercantis com o seguro de depósitos, dadas algumas similitudes estruturais entre essas duas realidades. Ainda neste capítulo, damos particular ênfase ao problema do risco moral (moral hazard), o qual é frequentemente considerado como o maior inconveniente da constituição dos fundos de garantia de depósitos, pelo facto de poder criar incentivo para a assunção de maiores riscos, quer do lado dos segurados quer do lado dos bancos. No terceiro capítulo, ocupar-nos-emos do FGD, falando dos objectivos de política pública que nortearam a sua criação, bem como do seu regime jurídico. É neste que se procederá à análise crítica das características do FGD, tendo em conta as boas práticas internacionais e a doutrina jurídica relevante sobre a matéria. Com base nas constatações decorrentes da análise crítica do regime jurídico do FGD apresentadas no terceiro e último capítulo, apresentaremos, já na parte final, as conclusões e 10 Projecto de Criação do FGD, Comissão para a Criação do Fundo de Garantia de Depósitos, BM, Maputo, 2007. 6 recomendações que julgamos serem relevantes para o aperfeiçoamento do actual quadro normativo e operacional do FGD, com o fim último de o tornar mais eficiente na sua missão mediata de garantir a estabilidade sistema financeiro. 8. Limitações As limitações que tivemos na elaboração deste trabalho prendem-se, essencialmente, com a inexistência de estudos sobre garantia de depósitos no ordenamento jurídico doméstico. O único estudo que tivemos disponível internamente é o Projecto de Criação do FGD, elaborado pelo BM, através da Comissão para a Criação do FGD. Mesmo no estrangeiro, escasseiam obras de especialidade sobre a matéria. Por isso, os manuais onde extraímos ideias para a elaboração do presente trabalho são de Direito Bancário, os quais, em razão do seu carácter genérico, dedicam algumas linhas à matéria sobre garantia de depósitos quando abordam a questão da supervisão bancária, ou de mercados financeiros, que tratam da garantia de depósitos em virtude de, a par de outros elementos da rede de segurança financeira, concorrer para a promoção da estabilidade do sistema financeiro. Consequentemente, para o aprofundamento dos aspectos específicos do trabalho, recorremos aos estudos elaborados por organismos internacionais que lidam com a matéria, nomeadamente BIS, IADI, FSF, FDIC e SEDESA, na sua maioria publicados em língua inglesa e na internet. Porém, o animus de desenvolver um trabalho que contribua para preencher o vazio existente, suplantou todas as limitações acima citadas, embora tenham trazido condicionalismos que, certamente, podem-se reflectir na abordagem de uma e outra questão específica do trabalho. 7 CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA 1. Aspectos teóricos sobre seguros 1.1 Noção de seguro De acordo com Paulo Olavo Cunha11, seguro é o contrato pelo qual uma empresa, organizada em geral sob forma de sociedade comercial anónima com objecto exclusivo (a seguradora), se obriga, mediante uma remuneração (prémio), a favor do segurado (que frequentemente é o tomador do seguro) ou terceiro (beneficiário), e caso se venha verificar (risco) um evento futuro e incerto (sinistro), a indemnizar danos ou prejuízos que deste possam resultar ou a pagar um determinado valor pré-estabelecido. Trata-se de uma operação pela qual a seguradora, avaliadas as probabilidades de ocorrência futura de determinados eventos, aceita efectuar prestações pré-convencionadas a favor de um conjunto homogéneo de pessoas, mediante um prévio desembolso12. Ou seja, o seguro implica a transferência do risco do segurado para o segurador, em que o segurado, mediante pagamento de uma remuneração, deseja garantir o seu equilíbrio financeiro no caso de eventual prejuízo. A ideia de seguro surge quando os comerciantes se apercebem de que necessitavam de proteger a sua actividade dos danos que amiúde sofriam devido à ocorrência de diversos tipos de riscos tais como o naufrágio, o incêndio e a pirataria13. Deste modo, a actividade de seguro surgiu na tentativa de minimizar perdas individuais que viessem a reduzir o património ou vida, por meio da reunião de indivíduos que, colectivamente, conseguiriam suportar essas perdas individuais. A transferência do risco efectiva-se com a celebração do contrato de seguro, o qual, de acordo com a definição legal14, consiste num acordo pelo qual a seguradora ou microseguradora se obriga, mediante pagamento de prémio e para o caso de se produzir o evento cuja verificação é objecto de cobertura, a indemnizar, nos termos e dentro dos limites 11 CUNHA, Paulo Olavo, Lições de Direito Comercial, Edições Almedina, Coimbra, 2010, pg. 215. WATY, Teodoro Andrade, Direito de Seguros, W&W – Editora, Lda, Maputo, 2007, pg. 8. 13 Idem, pg. 11. 14 Ponto nº 9 do Glossário anexo ao Decreto-Lei nº 1/2010, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Jurídico dos Seguros. 12 8 convencionados, o dano produzido ao segurado ou a satisfazer um capital, uma renda ou outras prestações nele previstas. Resulta daí que na relação contratual de seguro, o segurado ou um terceiro estipulado pelo mesmo, mediante o pagamento do prémio, recebe, durante o prazo de vigência desse contrato, um valor de indemnização do segurador quando da ocorrência do sinistro, sendo este a realização do risco objecto do contrato de seguro e que origina a indemnização ou pagamento de uma quantia fixada no momento da efectivação do seguro15. A relação contratual entre o segurado e o segurador é formalizado por meio da apólice de seguro, documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, donde constam as respectivas condições gerais, especiais (se as houver) e particulares acordadas, nomeadamente os riscos assumidos, o período de validade, o limite de garantia e o prémio devido e, quando necessário, os nomes dos segurados e dos beneficiários16. 1.2 Funções do seguro O seguro faz com que os prejuízos sejam distribuídos entre os segurados que contribuíram para a formação do fundo, permitindo àqueles que tiveram perda, a recuperação a um custo menor do que se tivessem de suportá-la individualmente. Entretanto, três são as funções usualmente atribuídas ao seguro, designadamente a protecção patrimonial, expansão da capacidade económico-financeira do segurado e redistribuição17. A protecção patrimonial oferecida pelo seguro consubstancia-se na garantia de indemnização, na prevenção de acidentes e na contenção de danos. Na garantia de indemnização, o seguro representa para o segurado a certeza de recomposição patrimonial em caso de sinistro, sendo essa a principal razão para a sua contratação. O aspecto da prevenção de acidentes é alcançado por meio da adopção de dispositivos de segurança, por recomendações técnicas do segurador, pela revisão e manutenção periódica de bens do segurado, entre outras 15 WATY, Teodoro Andrade, op. cit, pg. 84. Previstas no artigo 103 do Decreto-Lei nº 1/2010, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Jurídicos dos Seguros. 17 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes, Direito de Seguros – Resseguro, Seguro Directo e Distribuição de Serviços, Editora Atlas, SA, São Paulo, 2006, pg. 65. 16 9 medidas, tendo como finalidade primeira, proteger a integridade física e patrimonial do segurado. Já a contenção de danos diz respeito à vantagem que o seguro oferece ao permitir que as consequências danosas de um sinistro sejam limitadas e rapidamente superadas, visto que o segurador auxilia o segurado a reduzir o impacto de um acidente ao colocar à sua disposição o montante de indemnização. Isso possibilita ao segurado retornar em pouco tempo o curso normal das suas actividades e, dessa forma, conter prejuízos adicionais que o sinistro lhe traria18. Relativamente ao fenómeno da expansão da capacidade económico-financeira do segurado, uma vez transferido o risco para o segurador, o segurado tem a certeza de que, ocorrendo o sinistro, obterá o pagamento da respectiva indemnização. Esse facto, além de representar segurança para o segurado, aumenta-lhe o poder financeiro19, visto que os recursos que ele teria de poupar para fazer frente a um sinistro ficam reduzidos ao valor pago pelo prémio. Ou seja, o segurado fica liberado de economizar a diferença entre o prémio e o custo de um eventual sinistro, pois sabe que o segurador é que arcará com tal custo, diferença essa que fica à disposição do segurado para a realização de outros fins, nomeadamente na expansão da sua actividade económica. Por outro lado, ao obter do segurador (mais habilitado tecnicamente) uma avaliação dos riscos a que está exposto, o segurado adquire maior certeza quanto à extensão desses riscos, o que lhe possibilita alocar de forma mais eficiente seus recursos, o que também fará com que a sua capacidade económico-financeira tende a aumentar, tornando-se, ao mesmo tempo mais estável. Essa estabilidade permitirá ao segurado contratar com terceiros a menores custos de transacção, o que o levará, por exemplo, a obter crédito de uma instituição financeira com mais rapidez e a juros mais baixos do que se não tivesse o seguro20. No que diz respeito à redistribuição, a actividade seguradora concorre para a distribuição de riscos entre os segurados, ao tomar para si uma massa de riscos antes dispersa na colectividade, contra o pagamento individual de um prémio. Uma vez transferido o risco ao 18 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes, op. cit., pg. 67. Idem, pg. 67. 20 Idem, pg., 68. 19 10 segurador, adiciona à massa de riscos sob sua gestão, o que implica a repartição do novo risco entre os demais segurados21. Com efeito, mediante a ocorrência de um sinistro todos os segurados responderão indirectamente pela indemnização, pois é com os recursos destes que o segurador fará frente tal indemnização. Assim, se é certo que a actividade da seguradora consiste em concentrar riscos na pessoa do segurador, não é menos certo que este reparte entre os segurados22. Enfim, o seguro desempenha funções sociais, nomeadamente a protecção aos indivíduos mediante a liberação de recursos para a reposição de perdas, a formação de poupança de longo prazo, a garantia de operações mercantis e de créditos para o contratante e o contratado e, por fim, a contribuição de diminuição dos sinistros, por meio de medidas preventivas. 1.3 Tipos de seguro Os seguros são classificados de diferentes formas, podendo fazer-se classificações tendo por base a sua duração (temporária ou por período indeterminado); por natureza do risco (pessoais ou patrimoniais); responsabilidade civil (automóvel, empreitadas, profissional, etc); por número de segurados (individual e colectivos); por exigência da sua contratação (obrigatórios ou voluntários). Mas geralmente distinguem-se os seguros patrimoniais dos seguros pessoais. Os seguros patrimoniais visam compensar as perdas sofridas pelo segurado ou terceiro como consequência dos danos que atinjam os seus bens materiais. São também chamados seguros de danos ou de coisas, tendo como modalidades incêndio, roubo, transporte, cascos e carga. Os seguros pessoais distinguem-se dos seguros patrimoniais pelo facto de, em geral, o sinistro afectar directamente a pessoa humana, tendo como características principais o facto de não terem carácter indemnizatório, já que não se destinam a eliminar um dano, e pela 21 Com essa redistribuição do risco, o seguro desempenha também uma função social, razão por que os próprios Estados legislam no sentido de tornar obrigatórios os seguros que visam cobrir danos emergentes de responsabilidade civil como são os casos de automóvel e de acidentes de trabalho. Deste modo, o cidadão e a empresa privada quando celebram um contrato de seguro obrigatório estão a cumprir uma obrigação de natureza social imposta pelo Estado – WATY, Teodoro Andrade, op. cit., pg. 11, citando MARTINS, M. Costa, Valor e Função Social do Contrato de Seguro, II Congresso Nacional de Direitos dos Seguros, Almedina, 2001, pg. 143. 22 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes, op. cit., pg. 69. 11 inexistência de sub-rogação do segurado. Destacam-se nos seguros pessoais, o seguro de vida (seguro de vida inteira, temporário e seguro de sobrevivência) e o seguro de acidentes pessoais. 1.4 O prémio O prémio é o preço do seguro, podendo ser estipulado de comum acordo entre o segurador e o segurado, variando em função do valor segurado e da probabilidade de ocorrência do sinistro contratado, e representa o fluxo de caixa necessário para garantir eventuais indemnizações. Há um princípio fundamental em seguro, segundo o qual o segurador, na intenção de vender cobertura para um determinado risco, deve receber prémios que sejam suficientes para cobrir custos de perdas esperadas e custos administrativos e que permitam a obtenção de lucro que supere o custo de se obter capital necessário para suportar a venda de cobertura. O prémio justo que o segurador recebe deve ser suficiente para cobrir o custo esperado do segurador e garantir o retorno aceitável sobre o capital investido. Os seus determinantes são a receita de investimentos, os custos administrativos, de carregamento do seguro (lucro requerido) e o custo esperado das perdas. Portanto, o total de prémios recebidos para a composição do fundo tem de ser suficiente para pagar indemnizações aos segurados, cobrir despesas administrativas e remunerar o segurador. Como o pagamento dos prémios é feito antes de um eventual ressarcimento indemnizatório, e para garantir que haja fundos para compensar os segurados das suas perdas, as seguradoras investem os recursos dos segurados num portfólio de activos financeiros, de modo a produzir um maior volume de entradas de caixa, as quais possam, então, ser usadas para o pagamento de futuras indeminizações. O maior componente do prémio para a maioria dos seguros é o custo esperado das perdas, que pode ser definido como o produto da probabilidade de ocorrência de uma determinada perda, referente a uma população de riscos ou a um risco individual, pelo tamanho (severidade) dos danos ou prejuízos causados por essas perdas. O estudo de probabilidade de ocorrência de 12 perdas envolve conhecimentos sobre a experiência passada (sinistros sofridos) e a exposição (futuros sinistros) de riscos individuais ou classes de riscos23. 1.5 Riscos da actividade seguradora O estudo do risco 24 tem grande interesse para a ciência dos seguros, na medida em que serve para avaliar o perigo que está sujeito o ente segurável, para prevenir e verificar a ocorrência dos sinistros e para medir o dano produzido e os prejuízos a serem reparados. O negócio de uma seguradora é assumir o risco do segurado da ocorrência de um evento causador de prejuízo, denominado sinistro25 , o qual está relacionado com um evento futuro, possível, incerto, acidental, cuja verificação deve causar prejuízo económico. Porém, o seguro não cria risco como acontece no caso de jogos e apostas, somente transfere um risco existente a um segurador. O contrato de seguro implica exactamente a transferência do risco para que em caso de ocorrência do sinistro o segurador possa pagar ao segurado ou ao beneficiário o valor do seguro. No entanto, se não se verifica o evento previsto no contrato, o segurado perde o prémio pago, pois não recebe qualquer reembolso do segurador. Por isso, o contrato de seguro é aleatório, pois no momento da contratação não se sabe qual das partes sofrerá o prejuízo. O risco deve ser tal que haja uma probabilidade de o evento atingir somente parte dos segurados, pois se todos os participantes sofrerem perdas ao mesmo tempo, não ocorrerá a diluição de risco, que é o propósito do seguro, situação que ocorre em catástrofes tais como terremotos, inundações ou guerras. 23 DA SILVA, Luís Eduardo Mizu, Análise das Características dos Sistemas de Seguro de Depósitos: Brasil e Algumas Práticas Internacionais, Dissertação de Mestrado em Ciências Contábeis, Universidade de São Paulo, S. Paulo, 2008, pg. 33. 24 O risco é o elemento nuclear do contrato de seguro, pois não há seguro sem risco. Etimologicamente, a palavra risco parece vir do grego rhizikon, que significaria “imagem de recife”, e terá sido primeiro utilizada pelos marinheiros de Bizâncio – REGO, Margarida Lima, Contrato de Seguro e Terceiros – Estudos de Direito Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pg. 67-68. 25 Sinistro é a manifestação concreta do risco seguro, que produza danos cobertos na apólice – MATRAN, Júlio Castelo e Escacho, José Maria Perez, Dicionário Básico de Seguros, editorial Mapfre, 1976, pg. 162. 13 Refira-se que a definição dos riscos a serem aceites pela seguradora quanto ao valor dos prémios são matérias que envolvem a ciência actuarial, que estuda a previsão dos eventos danosos, tendo em conta algumas condições, tais como a existência de um grande número de exposições a perdas com indemnização sujeitas ao mesmo perigo, independentes e homogéneos, cuja importância seja grande o suficiente para gerar interesse no seguro entre as pessoas responsáveis pela geração de exposições. De acordo com a ciência actuarial, a quantidade elevada de exposições independentes é essencial para a aceitação do risco. Outrossim, o prémio resultante deve ser economicamente viável e a perda deve ser irrefutável, causada acidental ou fortuitamente do ponto de vista do segurado, a fim de se evitarem perdas intencionais, ou ela deve ser determinável quanto ao tempo, espaço, causa e montante, de modo a evitar disputas, o que aumentaria o custo, gerando ónus tanto para o segurador como para o segurado. 1.5.1 Assimetria de informação A assimetria de informação ou informação assimétrica, dá-se quando uma das partes contratantes tem conhecimento insuficiente para tomar decisões precisas sobre a outra parte envolvida na transacção26. Por exemplo, o vendedor de um produto ou serviço conhece mais sobre a sua qualidade que o comprador, assim como o trabalhador sabe mais quais são os seus conhecimentos e habilidades que o seu empregador. O mesmo se coloca na relação entre o regulador e o regulado, na qual o regulado conhece detalhadamente as suas actividades, etapas de produção e estrutura de custos, enquanto o regulador não possui essas informações, subordinando as suas decisões às informações fornecida pelo regulado. No mercado de seguros, os contratos são baseados numa relação de boa-fé, na qual o segurado acredita que o segurador tem condições de promover o ressarcimento do seu prejuízo em caso de ocorrência de um sinistro, e o segurador acredita nas informações prestadas pelo segurado no momento da contratação. Porém, o segurador não tem meios para diferenciar, por falta de mecanismos ou mesmo pelo custo proibitivo, situações que envolvam riscos individuais altos e baixos, por exemplo, 26 MISHKIN, Frederic S, Moedas, Bancos e Mercados Financeiros, 5ª edição, LTC Editora, Rio de Janeiro,2000, pg. 124. 14 quanto ao cálculo do prémio. Um seguro dimensionado para um risco pode estar sujeito a um risco alto, pelo facto de os seguradores não terem meios para estratificar certamente os seus clientes em função das respectivas probabilidades reais de perdas. Essa assimetria de informação pode levar ao aumento generalizado dos prémios individuais, ou em alguns casos, à recusa da venda do seguro pelo segurador, em razão do aumento da frequência e severidade das perdas esperadas causadas, por exemplo, pela cobrança de custos exagerados na reparação de viaturas. O estudo da assimetria de informação pressupõe a compreensão dos problemas da selecção adversa e do risco moral (moral hazard). 1.5.2 Selecção adversa e risco moral (moral hazard) Frederic Mishkin define a selecção adversa como sendo o problema de informação assimétrica que acontece antes da transacção ocorrer. Refere-se à situação em que uma das partes não pode observar a qualidade dos bens da outra, ou seja, uma deve adivinhar a qualidade da outra, baseada no comportamento27. As pessoas com mais probabilidade de receber grandes pagamentos de seguros são aquelas que mais adquirem seguros. Por exemplo, uma pessoa que sofre de uma doença terminal iria querer as maiores apólices possíveis de seguro médico e de vida, expondo, por conseguinte, a seguradora a grandes prejuízos28. Portanto, a selecção adversa é caracterizada pela escolha racional de aquisição de um seguro, na qual indivíduos com maior risco têm maior propensão a permanecer no sistema, enquanto os de menor risco tendem a abandoná-lo. Por seu turno, o problema do risco moral está ligado ao comportamento individual do segurado ou, mais precisamente à sua possível mudança de comportamento após a contratação do seguro. A existência do seguro estimula a parte segurada a se arriscar, aumentando a probabilidade de um pagamento de seguro. Por exemplo, uma pessoa coberta por um seguro 27 MISHKIN, Frederic S., op. cit., pg. 124. Idem, pg. 203. 28 15 contra roubo poderia não tomar muitas precauções para evitar roubo porque a seguradora irá reembolsá-la da maioria dos prejuízos no caso de ocorrer um roubo29. Portanto, o risco moral é a tendência de as pessoas se comportarem de forma não apropriada quando as suas atitudes não são perfeitamente monitoradas. Em outras palavras, o risco moral surge em situações decorrentes da impossibilidade de acompanhamento do comportamento do segurado pelo segurador, isto é, quando o segurador não tem meios para monitorar atitudes individuais dos segurados. O problema do risco moral cria um dilema: seguro de menos significa que as pessoas suportam muito risco; seguro de mais significa que as pessoas tomarão pouco cuidado. Esse dilema tem efeitos sobre o cálculo do prémio e do tipo de seguro. Cobrar prémios com base no grau de risco que o segurado oferece e co-seguro são princípios da administração de seguros importantíssimos para diminuir o risco moral. A diferença entre a selecção adversa e o risco moral reside no momento da relação contratual: quando o efeito ocorre antes da conclusão do negócio, é chamado selecção adversa e quando ocorre depois da conclusão do negócio chama-se risco moral. Todavia, tanto a selecção adversa quanto o risco moral podem resultar em grandes perdas para as seguradoras porque levam a altos pagamentos de indemnizações de seguros. Diminuir a selecção adversa e o risco moral para diminuir esses pagamentos é um objectivo extremamente importante para as seguradoras30. 1.6 Regulação da actividade seguradora As seguradoras, assim como os bancos são intermediários financeiros com função de transformar um tipo de activo em outro para o público31. Assim, tal como a actividade bancária, a actividade seguradora está sujeita a regulação, que corresponde à acção do Estado tendente a prevenir e a combater a especulação e a impedir o acesso ao sector de entidades não 29 MISHKIN, Frederic S., op. cit., pg. 203. Idem, pg. 203. 31 Idem, pg. 203. 30 16 fornecedoras das garantias técnicas, económicas e de honorabilidade e dignas de confiança dos subscritores e segurados que aumente o número destes e reduza os prémios32. Entretanto, a actividade seguradora não é abrangida pela regulação exercida pelo BM. Compete ao Instituto de Supervisão de Seguros de Moçambique, pessoa colectiva do direito público, dotada de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira, exercer a supervisão e fiscalização das entidades habilitadas ao exercício das actividades seguradora, de mediação de seguros e resseguro e de gestão de fundos de pensões33. No exercício das suas funções, o Instituto de Supervisão de Seguros de Moçambique emite, por Aviso publicado no BR, normas técnicas, de disposições legais aplicáveis à actividade seguradora e sua mediação. Entretanto, a autorização para o exercício da actividade seguradora, resseguradora e do micro-seguro compete ao Ministro que superintende a área de Finanças, mediante parecer da entidade de supervisão34. 2. O sistema de garantia de depósitos como componente da rede de segurança financeira A expressão rede de segurança financeira (financial safety net) designa o conjunto de regras e instrumentos para a contenção dos riscos sistémicos associados à vulnerabilidade financeira bancária e outros distúrbios de carácter abrangente que foram emergindo e evoluindo ao longo do tempo, para lidar com as falhas de mercado derivadas de assimetria de informações35. Os bancos ao actuarem como intermediários entre os depositantes e os mutuários transformam depósitos de curto prazo em créditos de médio prazo, ficando expostos a riscos e dificuldades relacionados com problemas de liquidez e insolvência, os quais podem dar origem a corridas bancárias suscitadas por falta de confiança num banco ou no sistema bancário, no seu todo. É isso que torna a rede de segurança financeira uma necessidade, sendo considerada completa quando compreende três componentes, designadamente (i) a provisão de liquidez de 32 WATY, Teodoro Andrade, op. cit., pg. 19. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 5 do Decreto-Lei nº 1/2010, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Jurídico dos seguros, o qual compreende normas de âmbito institucional, relativa às condições de acesso e de exercício da actividade seguradora e sua mediação, bem como as normas de âmbito material, atinentes ao contrato de seguro. 34 Cfr. nº 1 do artigo 4 do Decreto-Lei nº 1/2010, de 31 de Dezembro. 35 MISHKIN, Frederic S., op. cit., pg. 180. 33 17 último recurso de natureza temporária para os bancos, (ii) a existência de uma regulação e supervisão prudencial efectiva e (ii) a existência de um sistema de seguro de depósitos36. A provisão de liquidez de último recurso, de natureza temporária para os bancos, pressupõe a existência de um prestamista de última instância, que consiste no apoio que o Estado oferece aos bancos quando estes enfrentam problemas de liquidez. Esse apoio é concedido através de empréstimos provenientes do banco central às instituições com dificuldades37. Ou seja, o banco central pode injectar liquidez em bancos específicos, mediante empréstimos a estes, e assim conter os contágios de falta de liquidez e ineficiência. Os mercados interbancários de crédito, acompanhando a compensação, facilitam a circulação de liquidez em tempos normais e também podem ajudar contra o risco sistémico. Porém, o apoio proveniente do Estado, sobretudo quando não haja seguro de depósitos, pode gerar o problema do risco moral, uma vez que os depositantes quando sabem que não irão sofrer prejuízos caso o banco venha a falir, podem deixar de exercer disciplina de mercado retirando os seus depósitos quando suspeitam que o banco está arriscando demasiadamente, pois os bancos beneficiários dos apoios do Estado tem incentivo para arriscar mais do que se não tivessem38. A regulação e supervisão39 prudencial são consubstanciadas pelas normas prudenciais que devem ser acompanhadas e implementadas através de uma supervisão efectiva, condição essencial para que o sistema bancário se torne e se mantenha competitivo e opere eficientemente. A regulação como tal visa alcançar três objectivos essenciais. O primeiro objectivo consiste na prevenção do risco sistémico, ou seja, do risco de ocorrência de um evento não antecipado, imprevisto, repentino, que afecte o sistema financeiro. O segundo objectivo é o da protecção dos clientes contra os preços excessivos e o comportamento oportunista dos intermediários financeiros, através da adopção de uma política 36 Segundo certos autores, também fazem parte da rede de segurança financeira os mecanismos especializados de liquidação de instituições financeiras – PAULINO, Augusto, A Tutela dos Consumidores de Produtos e Serviços Financeiros no Direito Moçambicano, Edições Almedina, Coimbra, 2017, nota 317, pg. 174. 37 MISHKIN, Frederic S., op. cit., pg. 180. 38 Idem, pg. 180. 39 A supervisão surge como uma designação tradicional da regulação, dentro do sector bancário – CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário, 6ª edição revista e actualizada, Editora Almedina, Coimbra, 2016, pg. 1083. 18 adequada de concorrência que permita que as forças do mercado fomentem a eficiência do sector financeiro e entre este e o resto da economia. A protecção dos clientes justifica-se pela existência de assimetrias de informação em seu prejuízo, na medida em que os clientes ao avaliarem os serviços financeiros, são vulneráveis à selecção adversa (possibilidade de escolher uma organização incompetente ou desonesta) e ao moral hazard (possibilidade de o intermediário financeiro colocar os seus próprios interesses a frente dos interesses dos clientes). O terceiro objectivo é o de incentivar a eficiência do sistema financeiro, que passa pela minimização das barreiras à entrada do sector dos serviços financeiros e estimular a concorrência, o que implica a existência de regras para controlar a estrutura e competição dos mercados, evitando a existência de concentrações, cartéis e abuso de posição dominante, conforme será desenvolvido no ponto que trata especificamente da supervisão bancária. A supervisão bancária pode concretizar-se através de uma abordagem comportamental, prudencial ou geral, consoante o cerne das matérias alvo de fiscalização, e ser exercida numa base individual, numa base consolidada ou visando especialmente os conglomerados financeiros, de acordo com o grau pretendido de integração da informação ou da natureza específica do sujeito passivo da supervisão40. Deste modo, a primeira espécie de supervisão bancária a ser realçada é a chamada supervisão comportamental, que consiste na fixação de um conjunto de regras e deveres de conduta impostos aos bancos, visando, essencialmente, fixar padrões de comportamento que assegurem a qualidade e a correcção dos serviços prestados, segundo critérios de rigor profissional, adequar o relacionamento entre bancos e clientes aos princípios gerais de boa-fé, da prestação de informação adequada e da salvaguarda da reserva da vida privada, prevenir a ocorrência de conflito de interesses, nomeadamente entre as entidades financeiras e os membros dos respectivos órgãos sociais, bem como garantir o exercício da actividade segundo ditames da sã concorrência entre as diversas entidades financeiras41. 40 FERREIRA, António Pedro, Direito Bancário, 2ª edição, Quid Juris – Sociedade Editora, Lisboa 2009, pg. 421. Cfr. artigos 42 a 51 da Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (LICSF). 41 19 A segunda espécie é a supervisão prudencial, que se traduz na criação e aplicação de normas que visam a gestão sã e prudente (safe and sound) das instituições42. O princípio geral que preside esta espécie de supervisão consta do artigo 60 da a Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (LICSF), que estabelece que “as instituições de crédito e sociedades financeiras devem aplicar os fundos de que dispõem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados liquidez e solvabilidade”. A terceira espécie é a denominada supervisão geral, que decorre do disposto no artigo 72 da LICSF, que confere competência especial ao BM de acompanhar as actividades das instituições de crédito e sociedades financeiras, zelar pela observância das normas que disciplinam a sua actividade, emitir recomendações para que sejam sanadas irregularidades detectadas, tomar providências extraordinárias de saneamento e sancionar as infracções. Para além das três espécies de supervisão acima referenciadas, existe a supervisão em base consolidada que, nos termos da alínea z) do nº 2 do artigo 2 da LICSF, consiste na obrigação de apresentação de contas consolidadas, com vista a assegurar um conhecimento real da situação económico-financeira do grupo, no seu conjunto, não esquecendo as implicações que, para esse conjunto, possam ser aportadas por cada uma das unidades que o integram43. No processo da sua evolução, a supervisão tem vindo a assumir formas e estatutos muito variados, servindo, ainda objectivos diversos, nomeadamente44: a) Sujeição a banca ao poder do estado: o Estado, desde cedo, interveio na emissão da moeda, procedendo a sua cunhagem e garantindo o peso e qualidade dos metais medidos. Com o aparecimento da moeda fiduciária e mais latamente, da moeda bancária, o Estado não quis prescindir das suas prerrogativas monetárias, o que implica, no mínimo, fiscalizar os banqueiros; b) Tutela da banca e do público: visto que a falência do banqueiro acarretava a falência de empresas que lhe havia entregado as suas economias, para além de provocar uma corrida do público aos outros banqueiros e empresas, pondo em risco mesmo os mais sólidos, o Estado tinha que intervir, seja para salvar o banqueiro e empresas em risco, 42 MATIAS, Saraiva, Direito Bancário, Volume II (Separata), in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Almedina, Coimbra, 2001, pg. 571. 43 Idem, pg. 587. 44 CORDEIRO, António Menezes, op. cit., pgs. 1084-1085. 20 seja para preservar, mais latamente, a confiança no sistema. Daí que a intervenção do Estado vise promover uma gestão bancária prudente, de modo a tutelar a confiança do público e a evitar problemas; c) Política criminal: a criminalidade de todas as dimensões, mas principalmente a grande, deixa rastos bancários e serve-se da banca para concretizar, transferir e auferir proventos alcançados. O Estado é, assim, levado, a fiscalizar a banca de modo a conhecer e, depois, a vedar actuações ilícitas e criminosas. A supervisão deve, na verdade, exercer-se no contexto de uma política macro-económica consistente e constantemente adaptada à conjuntura. Não se verificando esse pressuposto, designadamente no que respeita à política financeira, monetária e cambial, a supervisão pode tornar-se inútil, ou mesmo, impossível45. O outro pressuposto de uma supervisão eficaz é o que corresponde à existência de um sistema de resolução rápida e equilibrada (saneamento) de problemas ou crises que possam surgir no funcionamento das instituições. Trata-se de medidas ou intervenções públicas destinadas a apoiar a solução de uma crise passageira e assegurar o restabelecimento da instituição ou, pelo contrário, perante situações nas quais as instituições atingidas não tenham salvação possível, casos em que se torna indispensável tomar medidas que acautelem interesses de terceiros. Por seu turno, o sistema de seguro de depósitos, enquanto componente da rede de segurança financeira, visa preservar a estabilidade financeira e proteger os depositantes, especialmente os pequenos depositantes, pois permite assegurar aos depositantes o reembolso parcial ou total dos seus depósitos, em caso de insolvência de um banco. É um elemento da rede de segurança financeira essencial para os bancos e para a economia, na medida em que não só existe para reembolsar depósitos em caso de insolvência das instituições que recebem depósitos, mas também porque pode oferecer aos depositantes um 45 Por isso, “muitos países recém-saídos do colectivismo integral e em plena mudança para uma economia de mercado, não conseguiram, ainda, a estabilidade política e governativa necessárias para articular – tarefa quase sempre dificílima -, as necessidades financeiras do Estado, as expectativas das populações, com os imperativos de um desenvolvimento económico, racional e sustentado” – ATHAYDE, Augusto de, ATHAYDE, Augusto Albuquerque de, e ATHAYDE, Duarte, Curso de Direito Bancário, Vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, pg. 386. 21 sistema de pagamento mais rápido do que seria possível se se limitassem na aplicação da lei geral para cobrar créditos, complementando, assim, os demais elementos da rede de protecção. Em suma, para que a rede de segurança financeira possa exercer cabalmente a sua função, serve-se dos seguintes instrumentos, entre outros: a) Autorização do banco central para o funcionamento das instituições financeiras: representa o controlo preventivo da autoridade reguladora, com o intuito de evitar a actuação de entidades ou pessoas imprudentes, de reputação duvidosa, incompetentes ou que não disponham de solidez financeira e patrimonial adequada, inerentes às actividades do mercado financeiro, levando as instituições a uma maior exposição ao risco e, assim, aumentando a probabilidade de falência46. b) Estabelecimento de regras prudenciais mínimas: determina que as instituições devem agir de forma mais responsável quanto à avaliação de riscos e sua gestão. Os Acordos de Basileia destacam os riscos de crédito, de mercado e operacional na determinação do limite mínimo de capital para a constituição de um banco47. c) Supervisão e fiscalização das actividades pelo banco central: correspondem à previsão de uma fiscalização eficaz, com independência operacional e recursos adequados, visando ao cumprimento das exigências regulamentares. O órgão deve detectar e punir os casos em que as regras operacionais não estejam a ser cumpridas, antes que as instituições se tornem insolventes e causem perdas aos credores48; 46 Com efeito, os nºs 2 e 3 do artigo 19 da Lei nº 15/99, de 1 de Novembro, que aprova LICSF, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9/2004, de 21 de Julho, estabelece que apenas podem fazer parte dos órgãos sociais de uma instituição de crédito ou sociedade financeira, designadamente de administração e de fiscalização, pessoas cuja idoneidade dê garantias de gestão sã e prudente, tendo em vista, de modo particular, a segurança dos fundos que lhes forem concedidos, devendo-se, na apreciação da idoneidade, ter-se em conta o modo como a pessoa gere habitualmente os negócios ou exerce a profissão, em especial nos aspectos que revelem incapacidade para decidir de forma ponderada e criteriosa, ou tendência para cumprir pontualmente as suas obrigações ou para ter comportamentos incompatíveis com a preservação da confiança do mercado. 47 O Aviso nº 7/GBM/2017, do Governador do Banco de Moçambique, de 2 de Junho, que estabelece os capitais mínimos das instituições de crédito e sociedades financeiras, bem como dos operadores de microfinanças, fixa o capital mínimo de 1.700.000.000,00Mt para os bancos. 48 Com efeito, a violação das normas relativas à subscrição ou realização do capital social, quanto ao prazo, montante e forma de representação, a omissão, nos prazos legais, de publicações obrigatórias e de informações e comunicações devidas ao BM e a prestação de informações incompletas, constituem contravenções puníveis com multa de dez a cem milhões de meticais ou de quarenta a quatrocentos milhões de meticais, consoante seja aplicada a pessoa singular ou colectiva – alíneas b) d) e e) da LICSF. 22 d) Regimes especiais de intervenção e liquidação de instituições financeiras: servem para proteger o sistema financeiro como um todo, no intuito de evitar ou impedir que haja crise sistémica em função de problemas individuais das instituições do sistema financeiro49. 3. Riscos da actividade bancária Todo o risco pressupõe a incerteza quanto ao resultado de uma acção ou decisão. A partir dessa constatação, pode-se identificar uma condição essencial para a existência do risco: a ocorrência de dois eventos incertos e que se distinguem no tempo, nomeadamente o primeiro que gera o risco, e o segundo que é consequência do primeiro. Nesse sentido, a ideia de risco implica duas contingências: a decisão e a perda, sendo que a relação entre essas duas contingências é que torna incertas as decisões que envolvem riscos. A actividade de financiamento desenvolvida pelos bancos através da concessão de crédito traduz-se, fundamentalmente, na troca de uma prestação actual pela promessa de uma contraprestação futura, geralmente a troco de uma remuneração. Numa operação desta natureza, o factor risco50 assume especial relevância, pela diversidade de situações que lhe podem estar na origem51. A actividade bancária de intermediação financeira consiste em captar e emprestar recursos. Tem como matéria-prima os depósitos (dinheiro) efectuados pelos clientes, ao mesmo tempo em que os produtos finais são os empréstimos e financiamentos (dinheiro)52, fazendo com que os bancos estejam sujeitos a muitos riscos que vão além dos riscos financeiros. No que tange aos riscos financeiros, dá-se mais importância aos riscos de crédito, de mercado e de liquidez. 49 Nos termos do disposto no artigo 83 da LICSF, quando uma instituição de crédito ou sociedade financeira se encontre numa situação de desequilíbrio financeiro, traduzido designadamente, na redução de fundos próprios a um nível inferior ao mínimo legal ou na inobservância dos rácios de solvabilidade ou de liquidez, o BM pode determinar a aplicação de providências extraordinárias de saneamento. Entretanto, verificando-se que com as providências extraordinárias adoptadas não foi possível recuperar a instituição, é revogada a autorização para o exercício da respectiva actividade, seguindo-se o regime de liquidação estabelecido na Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, que regula o Processo de Liquidação Administrativa das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. 50 No contexto bancário entende-se por risco a probabilidade de perda, ou seja, o risco pode ser tudo que impacte no valor do capital da instituição, podendo ser oriundo de eventos esperados ou não. 51 FERREIRA, António Pedro, op. cit., pg. 250. 52 DA SILVA, José Pereira, Gestão e Análise de Risco de Crédito, 6ª edição, Editora Atlas, São Paulo, 2008, pg.28. 23 Os empréstimos são uma das mais antigas actividades financeiras, estando o risco de crédito associado à perda por ausência de pagamento ou incumprimento do contrato pela contraparte. Cada vez que um banco concede um empréstimo ou um financiamento está assumindo o risco de não receber, ou seja o cliente pode não cumprir a promessa de pagamento53. É por isso que se torna imprescindível avaliar, com muito rigor, antes da concessão de crédito, as condições que lhes devem ser fixadas, incluindo a prestação de garantias reais, pessoais ou outras e o envio de elementos sobre a sua situação e actividade. O risco de crédito é o risco mais importante e subdivide-se em várias componentes de risco, das quais se destacam as seguintes: a) Risco de incumprimento (default): é o risco de o mutuário não cumprir com o serviço da dívida de um empréstimo resultante de um evento de default, em certo período de tempo, nomeadamente atraso no pagamento, a reestruturação de uma operação e a falência ou liquidação do devedor, que podem provocar uma perda total ou parcial do valor emprestado a contraparte; b) Risco de concentração: possibilidade de perdas em função da concentração de empréstimos elevados a um pequeno número de mutuários e/ou grupos de risco, ou em poucos sectores de actividade; c) Risco de degradação da garantia (colateral): não resulta de uma perda imediata, mas sim de uma probabilidade de ocorrer um evento de default pela queda da qualidade da garantia oferecida, ocasionada por uma desvalorização do colateral no mercado, ou pelo desaparecimento do património do mutuário. O risco de crédito é considerado como o principal risco subjacente a actividade bancária, sendo que a sua gestão consiste na execução de estratégias de maximização de resultados, face a exposição dos riscos assumidos nas operações de crédito concedidas, respeitando sempre as exigências regulamentares da supervisão. Por seu turno, o risco de mercado consiste na possibilidade de ocorrência de perdas resultantes de mudanças adversas de preços de mercado, pois os bancos, como as demais 53 DA SILVA, José Pereira, op. cit., pg. 29. 24 empresas, estão sujeitos ao impacto das mudanças na economia e na política de um modo geral54. O risco de mercado pode englobar três tipos de riscos, designadamente: a) Risco cambial: o risco de que o justo valor ou o fluxo de caixa futuro de um instrumento financeiro venha a flutuar devido a alterações das taxas de câmbio; b) Risco da taxa de juro: o risco de que o justo valor ou o fluxo de caixa futuro de um instrumento financeiro venha a flutuar devido a alterações das taxas de juro no mercado; c) Outros riscos de preços: o risco de que o justo valor ou o fluxo de caixa futuro de um instrumento financeiro venha a flutuar devido a alterações nos preços de mercado (que não associadas a riscos de taxas de juro ou riscos cambiais), quer essas alterações sejam causadas por factores específicos do instrumento individual ou do seu emitente, quer por factores que afectem todos os instrumentos similares negociados do mercado (riscos das commodities, das cotações de títulos e o risco do sector imobiliário). Finalmente, um dos aspectos críticos no negócio bancário é precisamente o processo de transformar os fundos de curto prazo e colocá-los a médio e longo prazo. Uma adequada gestão de liquidez representa a capacidade de as instituições continuarem a financiar a sua actividade creditícia e fazer frente ao vencimento das suas responsabilidades. Neste contexto, o risco de liquidez é o resultado do desajustamento entre os padrões de maturidade dos activos e dos passivos dos bancos. 54 DA SILVA, José Pereira, op. cit., pg.30. 25 CAPÍTULO II – O SISTEMA DE SEGURO DE DEPÓSITOS 1. Origem, noção, função e objectivo do sistema de seguro de depósitos As corridas bancárias sempre foram, desde o início da década de 20, objecto de preocupação para os formuladores de política económica, pelo impacto que uma crise financeira tem sobre a economia real, bem como os custos fiscais e sociais decorrentes da quebra de bancos. Foi neste contexto que surgiu a necessidade de se buscar mecanismos que evitassem ou, pelo menos, minimizassem o efeito dominó da quebra de um banco sobre o sistema bancário como um todo55. A ideia foi de criar um mecanismo de protecção aos depositantes que neutralizasse os efeitos de quebras eventuais, através do seu isolamento, ou seja, um mecanismo que evitasse a propagação de uma quebra sobre todo o sistema, que aparece sob forma de corridas bancárias. Os antecedentes remotíssimos dos “deposit insurance” devem ser procurados nos Estados Unidos da América, onde em 1930 se procurou reagir à corrida massiva dos depositantes aos bancos para movimentação a débito dos seus aforros56, pois é neste país que foi instituído o primeiro sistema de seguro de depósitos explícito, no contexto da preocupação gerada pelas corridas bancárias que antecederam a grande depressão57. Trata-se do FDIC, criado pelo Congresso, através do The Banking Act, assinado pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt, a 16 de Junho 1933, após a falência de 4.000 bancos, com o objectivo de garantir os depósitos recebidos dos seus associados, mediante o pagamento de prémios58. O sistema de seguro de depósitos é um esquema que visa assegurar o reembolso parcial ou total de depósitos, em caso de insolvência de um banco59/60. A protecção dada por esses 55 COSTA, Ana Carla Abraão, Avaliação de Alternativas – Perigo Moral, 2002, pg. 1, disponível em www.fgd.org.br, acesso de 12/11/2017. 56 PAULINO, Augusto, A Tutela dos Consumidores de Produtos e Serviços Financeiros no Direito Moçambicano, Edições Almedina, Coimbra, 2017, pg. 174. 57 COSTA, Ana Carla Abraão, op. cit., pg. 1. 58 http://www.fdic.gov/deposit/insurance/iniciative/index.html, acesso de 12/11/2017. 59 El Sistema de Seguro de Depósitos - compendio basado en los simpósios de SEDESA – Seguro de Depósitos, S.A., Agosto de 2002, pg. 15, disponível em www.sedesa.com.ar, acesso de Junho de 2016. 60 É importante distinguir a insolvência da iliquidez. A insolvência ocorre quando os prejuízos acumulados consomem todo capital próprio da instituição, ou seja, quando as obrigações são maiores que os direitos, sendo causada, normalmente por problemas gestão, assunção excessiva de riscos, fraudes ou mesmo alterações na economia que impactam negativamente na qualidade da carteira e no nível de inadimplência. A iliquidez é 26 sistemas tem a finalidade primordial de aumentar a estabilidade do sistema financeiro, minimizando ou mesmo evitando o colapso do sistema bancário, em consequência do temor do pequeno depositante em perder as suas economias, representado pela “corrida bancária”, ou seja a corrida aos bancos para a retirada dos recursos depositados, motivada pela perda de confiança na solvência da instituição61. A corrida acontece quando os depositantes vão simultaneamente retirar seus recursos do banco, acreditando que o banco não disporá de recursos suficientes para todos os clientes, sendo conveniente, para a retirada total dos recursos, que cada um chegue antes dos demais. Ao exercerem a sua função principal de proteger os depositantes, através da garantia do reembolso parcial ou total dos seus depósitos em casos de falência de bancos, os sistemas de seguro de depósitos prosseguem um objectivo central, que é de manter a estabilidade e solidez do sistema financeiro, dando a sua contribuição como integrantes da rede de segurança financeira. Os sistemas de seguro de depósitos atenuam movimentos de contágio entre instituições financeiras quando da ocorrência de problemas de solvência, além de realizar outras funções que lhes podem ser atribuídas, as quais variam de país para país. Neste contexto, constituem importante factor psicológico para os depositantes, uma vez que garantem a sua conta bancária mesmo em caso de falência, o que se traduz em segurança a estes agentes. Dessa forma, podese dizer que se não houvesse garantia dos depósitos, talvez uma parcela significativa deixaria de utilizar os serviços financeiros e preferiria manter a posse do dinheiro Portanto, os sistemas de seguro de depósito têm uma dupla finalidade 62. Por um lado, servem enquanto último reduto na rede de protecção dos depositantes, para ampará-los em situações de incapacidade das instituições de honrarem os seus compromissos financeiros. Trata-se da cúpula que fecha o edifício legal, funcionando onde todas as normas prudenciais falharam, onde a supervisão não conseguiu ou não pode ser eficaz. Nesta vertente, os sistemas de garantia de depósitos são essencialmente reparadores, remediando e compensando os clientes afectados pelas dificuldades financeiras de uma instituição, pondo o foco sobre aqueles. caracterizada no momento em que a instituição não tem caixa suficiente para honrar os compromissos mais imediatos, independentemente da sua solvência – DA SILVA, Luís Eduardo Misu, op. cit., pg. 16. 61 DA SILVA, Eduardo Mizu, op. cit. pg. 47. 62 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg.241-242. 27 Por outro lado, tão (ou mais?) importante que amparar as quedas de quem se arrisca a confiar as suas poupanças às instituições financeiras, a própria existência dessa rede de protecção em que os sistemas de seguro de depósitos se integram vai dar o conforto essencial para que os depositantes entreguem as suas poupanças e as mantenham nas instituições de crédito, mesmo em situações em que o desequilíbrio começa a pairar. Assim, a preservação da confiança na estabilidade do sistema financeiro e a prevenção da ocorrência de riscos sistémicos constitui o segundo (ou o primeiro?) vector que preside os sistemas de seguro de depósitos. Entretanto, a pedra de toque reside na concatenação destas duas finalidades que não são, necessariamente, antimónicas, procurando evitar-se que o enfoque excessivo numa delas possa neutralizar a outra. Os discursos dos decisores políticos tendem a pôr a tónica na finalidade da protecção dos aforradores/consumidores, até porque as medidas que tenham de ser tomadas se tornam mais populares sob este prisma. No entanto, as opções legislativas não acompanham, necessariamente, este discurso, sendo muitas vezes dada uma roupagem diferente aos objectivos da protecção do sistema financeiro, eventualmente com receio de uma conotação de favorecimento à banca e às instituições financeiras, tantas vezes diabolizadas em determinados sectores de opinião pública63. 2. A construção de um sistema de seguro de depósitos A construção de um sistema de seguro de depósito deve ser precedida por uma definição e escopo do seguro de depósito em instrumento legal, que defina claramente, por exemplo, quais as exigências das instituições serão consideradas para efeitos de seguro de depósitos, quais as competências legais da instituição administradora, as suas responsabilidades, objectivos e deveres, bem como os prazos de reembolso dos depósitos. Essas características dos sistemas de seguro de depósitos, segundo FSF e IADI, contemplam a opção preferida dos países, quando consideram a hipótese de implantar um mecanismo de seguro de depósitos. Além disso, os sistemas de seguro de depósitos devem ser desenhados apropriadamente para que sejam amplamente compreendidos pelo público, tenham credibilidade e evitem efeitos 63 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 242. 28 de risco moral. É importante lembrar que o seguro de depósitos é apenas mais uma das ferramentas da rede de segurança financeira, devendo actuar em conjunto com as demais, designadamente a supervisão bancária efectiva, regulação prudencial forte, sistema de pagamentos sem risco e acesso ao emprestador de última instância. Relativamente aos instrumentos de captação a serem cobertos pelo seguro, recomenda-se que sejam incluídos todos os tipos de depósito de clientes em moeda nacional, excluindo alguns, nomeadamente os depósitos de outras instituições financeiras, companhias de seguro, entidades governamentais, de titulares e parentes de administradores de instituições financeiras. Por outro lado, recomenda-se que a definição seja consistente com as definições adoptadas em leis e outros normativos, para evitar incertezas que conduzam a interpretações questionáveis após a quebra de uma instituição. Também é colocado como pré-requisito da análise a existência de período sem crise ou sem indícios de eminência da sua ocorrência, pois nestes casos funcionaria a solução do mercado, sendo a situação de crise identificável mediante a falta de liquidez de certas instituições, dificuldades das mesmas em captar recursos no mercado interbancário e retiradas constantes dos grandes depositantes e em grandes volumes. Na verdade, pode haver um número excessivo de solicitações de reembolso ao fundo antes que este tenha atingido o nível suficiente no volume de reservas, levando a própria entidade de seguro de depósito à insolvência. Nessas situações, o Estado pode ser forçado a oferecer uma garantia total, processo muito dispendioso, não incentivando a implantação de medidas que fortaleçam o sistema como um todo. 3. O problema do risco moral (moral hazard) no sistema de seguro de depósitos O risco moral ou moral hazard tem sido frequentemente considerado como o maior inconveniente que o sistema de seguro de depósito pode provocar à rede de protecção bancária. Prende-se com o incentivo criado pelo seguro de depósitos que induz os segurados a assumirem maiores riscos do que assumiriam se não estivessem segurados, porque as consequências negativas são suportadas pelo seguro. Basicamente, significa que as pessoas se comportam perversamente e assumem riscos muito altos, pelo que há que destacar dentre as várias classes de risco moral, o risco moral dos 29 depositantes e o risco moral do banqueiro64. Como os depositantes sabem que não sofrerão perdas no caso de uma falência bancária, deixam de impor ao banco a disciplina de mercado. Consequentemente, os bancos protegidos por seguro de depósitos podem acabar assumindo riscos maiores que numa situação em que esse seguro não existisse65. Os maus banqueiros podem ver-se induzidos por um contexto a efectuar operações de alto risco, a levar a cabo práticas fraudulentas ou permanecerem com liquidez aparente ou artificial, concedendo empréstimos e reduzindo as taxas de juros para evitar que quebrem. Isso ocorre porque tem a consciência de que, em caso de falência, o seguro irá garantir os depósitos. Se a regulação e supervisão não são capazes de antecipar aos problemas, se a protecção dos depósitos cobre 100% dos mesmos, e se os governos nunca encerram bancos, os depositantes em geral se sentirão induzidos a colocar o seu dinheiro naqueles bancos que remuneram a taxas altas, sem nenhuma investigação. Provavelmente os bancos que pagam taxas altas são os piores bancos porque os depósitos que recebem lhes permitem sobreviver ocultando a sua iliquidez técnica e sua insolvência. Contudo, se a regulação e a supervisão actuarem tempestivamente, permitindo detectar o risco de insolvência, se o seguro de depósitos se limita aos depositantes modestos e se a insolvência leva ao encerramento do banco ou a reestruturação do mesmo é decidida caso a caso, sem nenhuma política preestabelecida, não haverá risco moral. Porém, um estudo do FSF sobre as “Recomendações para o Desenvolvimento de Sistemas Efectivos de Garantia de Depósitos”66 revela que o risco moral pode ser mitigado através da promoção de incentivos apropriados, nomeadamente a boa governação corporativa, a adequada 64 Para além dessas duas categorias de risco moral, a SEDESA acrescenta o risco moral dos credores, o risco moral dos devedores e o risco moral dos supervisores. Em termos sucintos, tal como o risco moral dos depositantes, o risco moral dos credores dá-se quando estes estão protegidos através das modalidades de reestruturação bancária que permite a continuidade dos bancos problemáticos. O risco moral dos devedores pode-se dar quando a recuperação de activos se deixa nas mãos dos anteriores banqueiros ou do banco central (que nunca é bom recuperador de crédito) ou ainda quando nas relações banco-devedor prevalece o “amiguismo” e quando existem interferências políticas que pressionam os bancos a serem menos severos na recuperação de certos créditos. Há risco moral dos supervisores quando a regulação não é forte, os técnicos e os inspectores não são qualificados e em número insuficiente, um regime sancionatório ineficaz e políticas de reestruturação e liquidação sem apoio político suficiente, ou quando os supervisores estão relacionados com os problemas, caso em que serão reticentes em desvendar os seus erros anteriores. 65 CANUDO, Otaviano e LIMA, Gilberto Tadeu, Crises bancárias, redes de segurança financeira e currency boards em economias emergentes, UNICAMP, Campinas, 1999, pg. 13, disponível em https://www.bnb.gov.br/projwebren/Exec/artigoRenPDF.aspx?cd_artigo_ren=116, acesso de 12/11/2017. 66 Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, pg. 9 disponível em https://www.fdic.gov/deposit/deposits/international/guidance/guidance/finalreport.pdf, acesso de 9/02/2018. 30 gestão de risco por parte dos bancos, a efectiva disciplina do mercado e um quadro legal com forte regulação e supervisão prudencial. A boa governação e uma diligente gestão de risco ajudam a assegurar que as estratégias de negócio são consistentes com operações seguras e limpas, actuando como uma primeira linha na defesa contra a tomada excessiva de riscos. Mas tal pressupõe padrões, processos e sistemas para garantir a adequada condução e fiscalização por parte dos gestores seniores, auditoria e controlo interno, gestão de riscos, avaliação de desempenho dos bancos, alinhamento da remuneração com objectivos apropriados de negócio, e gestão de fundos próprios e posições líquidas. O risco moral também pode ser mitigado com a disciplina de mercado exercida pelos accionistas, bem como pelos grandes credores e depositantes que estão expostos ao risco de perdas em caso de falência de um banco. Porém, adverte-se que, para que a disciplina de mercado funcione efectivamente, estes grupos devem ter o conhecimento necessário para avaliação do risco em que incorrem. Nesse sentido, deve haver disponibilidade de informação que seja genericamente compreensível pelo público. Regimes sãos de contabilização e transparência na informação financeira mostram-se necessários, bem como regular avaliação da actividade dos bancos, nomeadamente por agências de rating, analistas de mercado, comentadores financeiros e outros profissionais. O estudo do FSF67 defende que a disciplina de supervisão pode conseguir-se se for assegurado que os bancos são monitorizados em termos de segurança dos fundos públicos, a sanidade da gestão, bem como no tocante ao cumprimento das normas, e se forem imediatamente adoptadas medidas correctivas quando surgem problemas, incluindo o encerramento de bancos, se necessário. De acordo com Ana Costa68, para mitigar o risco moral, deve-se introduzir características específicas nos sistemas de garantia de depósitos a criar, nomeadamente protecção explícita, adesão compulsória, cobertura limitada, ajustamento do prémio ao risco, fudeamento ex-ante 67 Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, pg. 10 disponível em https://www.fdic.gov/deposit/deposits/international/guidance/guidance/finalreport.pdf, acesso de 9/02/2018. 68 COSTA, Ana Carla Abraão, op. cit. pg. 15. 31 e administração privada69, cuja análise detalhada será feita a seguir, no ponto relativo às características essenciais de um sistema de seguro de depósitos. 4. Características essenciais de um sistema de seguro de depósitos Segundo FSF70, a eficácia dos sistemas de seguro de depósitos depende da existência de leis específicas, sem inconsistências no regime legal, com o devido suporte jurídico para que se possa intervir ou impor acções correctivas quando necessário, com a existência de regras contabilísticas claras e de divulgação de informações para o correcto monitoramento do sistema bancário, visando a promoção da estabilidade do sistema financeiro e colocando o sistema de seguro de depósitos como um componente da rede de segurança financeira. Essa transparência contribuirá para a redução do risco moral e dos problemas de agência71. Além disso, os depositantes precisam de um sistema de seguro de depósitos confiável e tempestivo no reembolso dos depósitos garantidos. Uma das pesquisas elaboradas pelo FSF resultou no Guindance for Developing Efective Insuranc eDeposit Systems, no qual foram especificadas as características essenciais que devem ser consideradas para o delineamento e construção de um sistema de seguro de depósitos. Entre tais características, o mecanismo deve prever como será formulada a protecção (explícita ou implícita), quais serão os poderes e responsabilidade da instituição, como estará operacionalmente estruturada a instituição de seguro, de que maneira se relacionará com outras ferramentas e órgãos envolvidos na rede de segurança financeira, o valor de cobertura, a forma de adesão das instituições participantes, a captação de recursos para a formação do fundo, a efectivação do reembolso e a percepção pública. 69 É preciso notar que, contrariamente à Moçambique, Brasil não podia criar um sistema de garantia de depósito público ou misto, na medida em que, para além de o FGC ter sido criado numa altura em que o país tentava reconstruir a credibilidade nas instituições públicas (1995), muito abalada por escândalos de corrupção e desmandos de governos anteriores, a Constituição Federal veda a utilização de recursos públicos para socorrer depositantes de bancos insolventes - COSTA, Ana Carla Abraão, op. cit. pg. 7. 70 Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, pg. 9 disponível em https://www.fdic.gov/deposit/deposits/international/guidance/guidance/finalreport.pdf, acesso de 9/02/2018. 71 Trata-se do problema gerado no relacionamento entre agentes nas trocas económicas, em que o agente assume comportamentos oportunistas no tocante às suas acções ou omissões, visando a satisfação pessoal, em detrimento do bem-estar do principal. Por exemplo, quando os gerentes têm apenas uma participação pequena numa firma para a qual trabalham, os accionistas maioritários são pessoas diferentes dos gerentes da firma, que são os agentes dos proprietários. Essa separação de propriedade e controle envolve o risco moral porque os agentes de controlo (agentes) podem agir no interesse próprio e não de acordo com os interesses dos accionistasproprietários (os principais), já que têm menos incentivo do que os accionistas-proprietários para maximizar lucros. 32 A partir da pesquisa do FSF, a IADI desenvolveu um documento denominado Core Principles for Effective Deposit Insurance Systems (Princípios Essenciais dos Sistemas de Seguro de Depósitos Efectivos), voltado para os países que pretendem adoptar um mecanismo de seguro de depósitos ou queiram reformá-lo, de acordo com as necessidades e especificidades de cada sistema bancário, as quais devem ser consideradas dentro do contexto dos poderes e das leis a fim de se alcançar os objectivos de política pública e do mandato do sistema de seguro de depósitos72. No documento são listados dezoito princípios essenciais relacionados com objectivos e ambiente externo, poderes e responsabilidades, governança, relacionamento com outros participantes da rede protecção, adesão e cobertura, funding, consciencialização pública, questões legais, resolução de falência, reembolso aos depositantes, direitos reivindicatórios e recuperações e risco moral. Os sistemas de seguro de depósitos devem minimizar os efeitos de três típicas formas de assimetria de informação que ocorrem nos mercados de seguro: risco moral, selecção adversa e problemas de agência. Nesse âmbito, a transparência na prestação das informações passa a exercer um papel importante, pois fortalece o poder dos participantes do mercado para gerar pressões favoráveis a práticas que garantam solidez e segurança do sistema financeiro. Por isso, a disciplina de mercado surge como um dos destaques do Acordo de Basileia II73 cujo terceiro pilar74 inclui a exigência de ampla divulgação de informações para os bancos, aumentando a transparência quanto aos níveis de risco que incorrem, assim como o modo como os gerem. O modelo apontado como sendo incentivador é o modelo estruturado para minimizar os problemas decorrentes de assimetria de informações, apresentando como características 72 Os Princípios Essenciais dos Sistemas de Seguro de Depósitos Efectivos resultam de estudos da IADI e do Comité de Basileia para a Supervisão Bancária publicados em Junho de 2009, disponíveis em http://www.fgc.org.br/libs/download_arquivo.php?ci_arquivo=1, acesso de 20 de Junho de 2017. Foram revistos em Novembro de 2014 para dar resposta as causas e desafios da crise financeira de 2008. 73 Mais concretamente, este pilar visa informar de forma clara, transparente e realista, os mercados monetário, financeiro e cambial, promovendo a confiança e a credibilidade do sistema financeiro, a fim de que os participantes nesses mercados passem a dispor de informação que lhes permita fazer um diagnóstico correcto e ajuizado das práticas de gestão das instituições de crédito e demais instituições financeiras, bem como dos seus resultados, nomeadamente no tocante à sua rendibilidade, segurança, liquidez e solvabilidade – CAIADO, Aníbal Campos, Bancos – Normativos, Contabilidade e Gestão, Edições Sílabo, 2015, pg. 142. 74 O Pilar III do Basileia II foi transposto para o ordenamento jurídico moçambicano pelo Aviso nº 19/2013, de 31 de Dezembro, revogado pelo Aviso nº 16/GBM/2017, de 22 de Setembro, atinente aos requisitos de divulgações de informações relativas à disciplina de mercado. 33 essenciais a protecção explícita, a cobertura limitada, a adesão compulsória, a captação para formar o fundo ex-ante com recursos privados, o prémio ajustado ao risco e administração privada, com transparência e independência política na gestão do fundo. De modo inverso, um modelo não incentivador incluiria a manutenção de um sistema implícito, de adesão voluntária, subcapitalizado, ineficiente no pagamento dos depósitos segurados, com excesso de cobertura, divulgação de informações insuficientes aos depositantes e com manipulação política. Há basicamente duas formas de protecção: a explícita e implícita. A implícita é aquela que não é formalmente especificada, isto é, não contém regras que prevejam claramente como seriam tratadas as características essenciais dos mecanismos. A explícita, pelo contrário, seria aquela em que esses pontos todos seriam predefinidos. A protecção implícita nunca é, por definição, especificada formalmente. Não há regras estatutárias sobre a exigibilidade dos passivos dos bancos, o nível de protecção fornecido nem mesmo o modo pelo qual o reembolso é feito. Por sua natureza, essa protecção cria incertezas quanto ao tratamento dado a depositantes e credores em caso de falência bancária. A captação para a formação do fundo é discricionária e normalmente depende da habilidade do governo para viabilizar o uso dos recursos públicos. O seguro de depósitos explícito é preferível a cobertura implícita, por trazer obrigações aos depositantes e credores e limitar a possibilidade de tomada de decisões discricionárias que poderiam resultar em acções arbitrárias. Por outro lado, segundo a IADI, um sistema de seguro de depósitos explícito esclarece as obrigações das autoridades em relação aos depositantes, limita o escopo das decisões discricionárias, no intuito de promover a confiança do público, auxilia na contenção de custos das decisões sobre a resolução de instituições falidas e pode oferecer a um país um processo efectivo para se lidar com a falência bancária. Apesar de o seguro de depósito explícito aparecer como opção preferida dos países, segundo FSF e IADI, ele tende a aumentar a fragilidade do sector bancário, especialmente em países onde as taxas de juros bancários tenham sido desregulamentadas e onde o ambiente institucional seja fraco. Além disso, os efeitos adversos do seguro de depósitos na estabilidade bancária tendem a ser maiores quanto maior for a cobertura oferecida e também onde o sistema for gerido por entidade governamental ao invés do sector privado, tendo em conta a maior assunção de riscos. 34 Em princípio, todos os países oferecem o seguro de depósitos implícito, visto que sempre existirá pressão para que o Estado resolva os problemas da falência de um banco. A título de exemplo, os seguros de depósitos conduzidos por meio de reservas monetárias nas décadas 70 e 80 podem ser considerados implícitos, pois funcionavam com a certeza de que sempre seriam disponibilizados recursos para o total ressarcimento dos depositantes, inibindo a busca de melhores práticas. Relativamente aos poderes, há diversos tipos de sistemas de seguro de depósitos no mundo. Uns totalmente privados, com fundos privados e administração privada, e outros de administração privada, mas com um respaldo governamental. Mas há outros que são totalmente estatais, com fundos e administração pública. Lee e Kwok apresentam vários argumentos a favor dos sistemas de garantia de depósitos privados, como as seguradoras, designadamente: (i) um segurador privado é mais selectivo na escolha dos seus segurados, (ii) não está sujeito a pressões políticas, podendo considerar cada banco como uma entidade separada, (iii) a monitorização e controlo dos riscos assumidos pelas instituições é mais flexível, (iv) pode actuar rapidamente para limitar o apetite de um segurado pela assunção dos riscos excessivos e (v) um segurador que constantemente subavalia ou sobrevaloriza os activos de uma instituição segurada rapidamente ficaria sem negócio75. No entanto, adiantam também aquele que é principal óbice, designadamente a credibilidade destes sistemas privados, os quais, sem apoio do jus imperii, teriam de ter reservas significativas de modo a que as suas promessas fossem credíveis. Com relação aos poderes da instituição, a gama de opções parte do caso mais simples de pay-box a outros que envolvem maiores responsabilidades. A decisão sobre o modelo a adoptar depende dos objectivos definidos na política estratégica do sistema de seguros de depósitos. O sistema pay-box clássico limita-se ao recebimento dos prémios de seguro, gerindo os seus recursos mediante aplicações em activos seguros (para honrar as obrigações e manter os prémios num nível que não penalize as instituições participantes) e ao ressarcimento dos depositantes após o encerramento da instituição insolvente. Porém, em razão da actuação 75 LEE, Wai Sing e KWOK, Chuck, Domestic and Internacional Practice of Deposit Insurance: a Survey, Journal of Multinational Financial Management 10 (2000) pg. 31-33, apud SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 444. 35 limitada, a instituição cria dependência do órgão supervisor quanto ao fluxo de informações necessárias para desembolsar os depositantes, o que pode prejudicar o pagamento tempestivo. A instituição gestora do seguro de depósitos necessita de informação sobre o número de clientes da instituição com problemas sob protecção do seguro, assim como os respectivos nomes e endereços, para que se possa planificar quanto aos recursos do fundo que serão repassados àqueles depositantes. Portanto, para o funcionamento sinérgico dos órgãos, é relevante que sejam formalizados acordos entre as partes, com base em legislação específica, permitindo, assim, a comunicação entre as entidades de forma rápida e objectiva, com coordenação de acções explícita e transparente. Um sistema com maiores poderes76 inclui responsabilidades específicas de fiscalização, podendo-lhe ser atribuída competência legal para requerer verificações ou inspecções nos participantes ao órgão supervisor, ou ele mesmo conduzir os tais exames, publicar normas prudenciais, inclusive publicando normas e dando solução a crises em instituições individuais, por meio de intervenção ou liquidação. Podem-se também atribuir outras funções, tais como o desenvolvimento e exigência de mitigadores de risco e controlo de entrada e saída de instituições do sistema de seguro de depósito, bem como os poderes de reestruturação de bancos. Com todas essas ferramentas, o sistema estaria apto para monitorar as condições do sector, estimando seu potencial de perda e, por consequência, comandando acções para minimizar efeitos de eventuais perdas. Sobre a detenção de poderes de reestruturação de bancos por parte do seguro de depósitos, há experiências diferentes no mundo. Num extremo, no Canadá, EUA e Japão, o sistema de seguro de depósitos tem poderes de gerir crises bancárias e de supervisão. Noutro extremo, nos países da União Europeia em geral, os problemas bancários são resolvidos por ferramentas indirectas e o seguro de depósitos tem um poder residual, cabendo as autoridades de supervisão a responsabilidade para encontrar as soluções para as falências bancárias77. 76 Os sistemas com maiores poderes também, em função do seu mandato, podem ter a seguinte classificação: pay box plus – o FGD exerce certas funções de resolução, nomeadamente a prestação de apoio financeiro às medidas de resolução; Loss minimizer – o FGD envolve-se activamente na selecção de estratégias de resolução de menor custo; Risk minimiser – o FGD possui poderes de minimização de risco que incluem a avaliação/gestão de riscos, uma gama completa de poderes de resolução e de intervenção precoce e, em alguns casos, algumas responsabilidades no domínio prudencial (oversight). 77 El Sistema de Seguro de Depósitos, op. cit, pg.155. 36 Entretanto, as responsabilidades agregadas ao pay-box com maiores poderes precisam de uma maior cooperação e coordenação das acções tomadas pelos outros participantes da rede de segurança financeira, mormente a supervisão bancária. Também tem que ser eficiente em termos de identificação de risco, para avaliação e administração, além de ter acesso a informações oportunas e precisas individualmente, assim como do sector financeiro. Deve também antecipar os problemas financeiros de bancos individuais e lidar com eles de forma eficiente quando surgirem. Note-se que a maneira como estão estruturadas as relações dos sistemas de garantias de depósitos e as autoridades de supervisão é diferente. A interacção entre o supervisor e o seguro de depósitos pode, às vezes, constituir um exemplo de freios e equilíbrios no trabalho, num jogo de contrapesos que levanta uma série de outras questões. Na verdade, caso lhe seja atribuída a função de supervisão às instituições participantes, pode-se configurar uma situação de conflito de interesses, uma vez que o responsável pela supervisão poderia permitir que bancos insolventes continuem a operar por não ter actuado tempestivamente, quanto a observância dos requisitos mínimos prudenciais, tais como capital, liquidez ou riscos, o que acaba gerando expectativa de custos ainda maiores ao mecanismo de seguro. Do mesmo modo, pode ocorrer conflito entre a instituição de seguro com função fiscalizadora e o órgão que actua como emprestador de última instância, já que este último pode postergar uma situação falimentar, por entender que se trata de solução com melhor relação custo/benefício. Por outro lado, mais inspectores bancários e mais inspecções bancárias podem significar que os problemas bancários são detectados e resolvidos mais rapidamente e com menores custos. Mas isso ocorrerá à custa de um sistema de supervisão mais oneroso, pesado e excessivo, e os reguladores bancários tem de avaliar continuamente se encontraram o justo equilíbrio nesta área Na verdade, a utilização de todas as ferramentas de gestão do risco implica um alto grau de colaboração e coordenação entre o seguro de depósitos e a supervisão bancária e há razões para isso. A primeira razão pela qual é importante a coordenação entre o seguro de depósitos e a supervisão prende-se com o facto de qualquer seguro ser pensado para cobrir certos riscos. 37 As normas que a supervisão prudencial faz cumprir ou, pelo menos controla, mormente as relativas aos capitais mínimos dos bancos, os rácios de solvabilidade, a liquidez, o tipo de activos e a maneira como qualifica a sua carteira de créditos visam estabelecer o tipo e medida dos riscos que os bancos devem tomar. Aliás, o sistema de seguro de depósitos não pode ignorar a dimensão do risco a segurar porque este é que vai determinar os aportes e as contribuições. A segunda razão não tem a ver propriamente com o desenho, mas sim com as operações do dia a dia e, sobretudo, quando o sinistro ocorre, situação em que a acção coordenada destas duas instituições é fundamental para minimizar as incertezas daqueles a quem o seguro prometeu proteger. No que diz respeito à estrutura operacional, como já foi referido anteriormente, a administração de uma instituição de seguro de depósito pode ser pública ou privada, isto é, da responsabilidade do governo ou dos seus membros participantes, respectivamente. Em ambos os casos, podem ocorrer problemas de assimetria do principal-agente, que consistem na possibilidade de o agente assumir um comportamento oportunista quanto às suas acções ou omissões, visando aumentar a sua satisfação pessoal, evitando o risco e buscando a maximização do seu bem-estar, em detrimento do bem-estar do principal78. No âmbito do sistema de garantia de depósitos, tal pode acontecer quando os elementos que integram a sua administração colocam em primazia a sua própria carreira sobre os interesses dos depositantes e contribuintes que representam e, por exemplo, atrasam a resolução de um banco falido, aumentando assim o custo de sua resolução79. Quando a administração é pública com ou sem responsabilidade de formação do fundo de reserva, ou privada com captação de recursos de responsabilidade do governo, interferências políticas podem ocorrer na gestão da agência. Nesses casos, é recomendável uma administração conjunta, com qualidade equitativa de membros indicados pelo governo e pelos bancos, tanto para o conselho de administração, conselho fiscal e direcção executiva da instituição gestora do seguro de depósito. A interferência política também pode ser minimizada se houver uma 78 MARTINEZ, Antonio Lopo, Agency Theory na Pesquisa Contábil, 1998, pg. 1, disponível em http://www.anpad.org.br/admin/pdf/enanpad1998-ccg-12.pdf, acesso de 09/02/2018. 79 GARCÍA, Gillian, Documento de Trabajo del FMI, 1999, in El Sistema de Seguro de Depósitos, Compendio Basado en los Simpósios de SEDESA, pg. 22, disponível em www.sedesa.com.ar, acesso de 12/02/2018. 38 forte estrutura legal e regulatória, subsidiando a instituição de gestão do seguro de depósitos, tornando-a independente. Ainda a respeito da administração privada, há questões de confidencialidade e competitividade envolvidas, o que poderia prejudicar o fluxo de informações na instituição gestora do seguro de depósitos, já que essa seria composta por representantes de alguns dos seus bancos membros nos seus órgãos de gestão e de fiscalização. Por esse motivo, poderia haver relutância do órgão supervisor em encaminhar informações confidenciais de cada instituição participante à instituição gestora do seguro de depósitos, já que informações de uma instituição poderiam ser acedidas por outras. Para evitar tais inconvenientes, seria necessária a especificação em instrumento legal daquilo que deve ser enviado pela entidade supervisora e daquilo que pode ser solucionado pela instituição gestora do seguro de depósito. Acrescenta-se ainda o problema da captura do regulador pelo regulado, situação em que a instituição gestora do seguro de depósitos serviria muito mais aos interesses dos bancos que dos depositantes, uma vez que os regulados estariam no comando da instituição gestora do seguro de depósitos, podendo interferir em acções que iriam de encontro aos seus interesses ou de grupos nacionais ou estrangeiros que estivessem representando. No caso de se optar pela administração pública, é possível montar uma estrutura independente ou compô-la em outro órgão já existente, nomeadamente através da criação de um novo departamento dentro da entidade supervisora existente. Nesse caso, seria possível utilizar a expertise de tal órgão (equipas com sólidos conhecimentos a cerca da rede de segurança financeira e do ambiente de operação bancária), contando ainda com a vantagem de se ter acesso mais fácil a informações dos bancos. Porém, pode-se vislumbrar uma desvantagem relacionada com uma possível falta de segregação nítida das responsabilidades típicas de cada órgão, gerando interferências na gestão do fundo, conflitos de interesse, especialmente quanto à tomada de decisões fazendo com que, por interferências externas no regulador, decisões e providências possam ser postergadas. Todavia, independentemente da estrutura escolhida, é importante montar equipas capacitadas, hábeis tecnicamente para agir em situações de crise, que conheçam as actividades inerentes ao seguro de depósito, assim como o macro e microambiente onde ele está inserido. 39 Relativamente às instituições participantes, há duas formas de adesão ao sistema de seguro de depósitos: compulsória ou voluntária e automática ou sob solicitação. A estrutura de um sistema de seguro de depósitos incentivador deve tornar obrigatória a inclusão de todas as instituições que correm risco de corridas de saques, independentemente de onde esteja a sua matriz, basicamente por dois motivos: primeiro, para diluir o valor do prémio entre um grande número de participantes e, depois, para evitar a selecção adversa dos membros participantes, uma vez que sendo voluntário, bancos em melhor situação económicofinanceira poderiam optar por não fazer parte do sistema, já que os recursos possivelmente seriam utilizados para sanear bancos cuja probabilidade de falência fosse alta. Da mesma forma que a inclusão tem de ser obrigatória, não se deve permitir a saída, visto que não se pode permitir a retirada do fundo acumulado. O estudo do FSF destaca que a adesão, além de ser compulsória, deve ser concedida somente às instituições sujeitas a supervisão bancária, bem como a adesão deve ser prevista de forma explícita e as instituições participantes devem observar os critérios de adesão antes de se tornarem membros do sistema de seguro de depósitos80. A adesão automática é, operacionalmente, a forma mais simples, mas implica a aceitação das instituições que podem já apresentar um risco para o sistema de seguro de depósitos. Quando feita por solicitação do interessado, o segurador pode exigir a observância de certos padrões mínimos que sinalizem o risco que a instituição representa. O tipo de inclusão, obrigatória ou voluntária, deve dar preferência a primeira, com vista a minimizar a selecção adversa. A adesão deve considerar também os bancos estatais que, intuitivamente, seriam beneficiários de um sistema implícito, com garantia total do governo à sua disposição. A inclusão, de certo modo, incentiva a competição, uma vez que coloca todas as instituições sob as mesmas regras prudenciais e de supervisão, ao impor a todos os bancos o dever de contribuir com o prémio de seguro, e ao atribuir a todos os clientes depositantes o mesmo tipo de cobertura em caso de sinistro. 80 Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, op. cit., pg. 21. 40 A análise da adesão de bancos estrangeiros é mais relevante em locais onde há grande penetração de instituições multinacionais, pois é preciso determinar qual o sistema de seguro de depósitos será responsável pelo reembolso aos depositantes do país-sede, do hospedeiro ou de ambos e se haverá complementaridade de cobertura. Quanto à cobertura do seguro de depósito, um dos maiores problemas que se levanta em sede da construção de um sistema de seguro de depósitos é relativo à determinação do valor. O valor garantido pode ser definido por meio de levantamento estatístico, considerando a cobertura por depósito ou por depositante, de modo a cobrir uma parcela considerável do total de depositantes, sem perder de vista os efeitos do risco moral na definição do valor, visto que quanto maior for o valor coberto, menor é o incentivo a monitorar a instituição depositária. Em relação a países de altas taxas de inflação pode ser necessário reavaliar o valor garantido, pois elas podem influenciar na composição e no tamanho dos depósitos. Inicialmente, é preciso definir o público-alvo do seguro. A garantia pode ser estendida para todos os depositantes, somente aos pequenos ou a um padrão diferente. Deve-se também especificar que tipos de depósitos serão garantidos, somente os a vista, a prazo ou se algum outro título fará parte do rol de cobertura, e se abrange também depósitos em moeda estrangeira. Segundo o estudo do FSF81, a decisão de garantir depósitos em moeda estrangeira depende fortemente do nível de uso de moeda estrangeira no país. Se o uso for grande, seria de muito pouco valor instituir um sistema de garantia que não cobrisse os depósitos em moeda estrangeira. Num sistema incentivador, é preferível que a cobertura dada aos depósitos seja parcial, de modo a evitar a ocorrência do risco moral, aumentando a disciplina de mercado. Isso porque a cobertura parcial ou incompleta induz o depositante ao acto de monitorar e acompanhar a instituição depositária. O conceito subjacente é que o facto de expor os depósitos a perdas faz com que as condições das instituições sejam monitoradas mais atentamente, forçando-as a permanecerem com boa saúde económico-financeira. É importante destacar que aqueles investidores em condições de exercer a disciplina de mercado em relação a sua instituição depositária devem 81 Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, op. cit., pg. 26. 41 ser excluídos da cobertura do seguro, nomeadamente investidores institucionais, investidores qualificados, governos e administradores de instituições financeiras82. A ideia de limitar a cobertura está associada ao conceito de co-seguro, mecanismo análogo ao co-pagamento no seguro de saúde, no qual o segurado paga uma percentagem do custo do tratamento. Porém, como essa tarefa não é simples para os pequenos depositantes, não sofisticados, uma possibilidade é estabelecer um tecto de cobertura até ao qual não existe o coseguro. Apesar das aparentes vantagens do co-seguro, especialmente quanto aos incentivos ao monitoramento do risco dos bancos, em razão da possibilidade de perda parcial dos depósitos, ele pode prover incentivos para que os depositantes corram aos bancos, justamente por saber que parte dos seus recursos será perdida. É nesse ponto que surge a dúvida sobre o risco moral, especificamente quanto ao comportamento do depositante, se ele teria capacidade técnica para monitorar e acompanhar o desempenho da sua instituição depositária, contribuindo para a solidez do sistema financeiro, mesmo aqueles que possuem recursos acima do limite de cobertura. Com relação a actualização do valor de cobertura de seguro, diz-se que esse processo vai contra as boas práticas, uma vez que pelo facto de o valor não ser constante, o depositante acaba por desconhecer o curso, reduzindo a sua confiança no sistema, além de o montante deixar de ser de valor inteiro e, por conseguinte, de memorização mais difícil83. Além do limite de cobertura, acrescenta-se que o valor reembolsado deve-se restringir somente ao montante principal, pois instituições em dificuldades de liquidez tendem a oferecer maiores taxas de rendimento de depósitos remunerados84, e o sistema de seguro de depósitos não deve ser obrigado a honrar essas taxas, pois oneraria os recursos do fundo. 82 Investidores institucionais são aqueles que administram grandes volumes de recursos normalmente oriundos de contribuições periódicas de um grupo, tais como fundos de investimentos, entidades de previdência social, sociedades seguradoras, companhias de capitalização. Na categoria de investidores qualificados estão as instituições financeiras e pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros de valores avultados. 83 COSTA, Ana Carla Abraão, Os Sistemas de Seguro de Depósitos: sugestões para a reformulação do Fundo Garantidor de Créditos – XXIX Encontro Nacional de Economia, 2001, disponível em http://www.anpec.org.br/encontro 2001/artigos/20104328.pdf, acesso de 18/08/2017. 84 O pagamento de altas taxas de juros pode indiciar que a instituição seja fraca ou esteja tentando recompor a sua liquidez apostando em taxas altas. 42 No que tange ao funding, é importante referir que o modo como o sistema é dotado dos fundos necessários para prover ao pagamento das suas responsabilidades marca indelevelmente toda a sua arquitectura e funcionamento85. Na verdade, a formação do fundo é um ponto de destaque na questão da confiança do sistema, pois é necessário ter recursos disponíveis para o reembolso tempestivo dos clientes, evitando assim o pânico e a sua propagação. O fundo pode ser formado com a utilização de fundos públicos, privados (por meio de pagamento de prémios das instituições participantes), empréstimos de organismos multilaterais, operações de resseguro, ou ainda a combinação dos mecanismos acima mencionados. Ressalte-se que o acesso a recursos públicos pode enfraquecer o sistema bancário pela ocorrência do risco moral, já que, por questões de tratamento isonómico, seria oferecido a todos os depositantes. De acordo com estudos do FSF86, é preciso também visualizar o nível de concentração do sistema bancário. Caso apresente alto nível de concentração, com poucas instituições, pode não ser possível diversificar os riscos do mecanismo segurador, pois uma quebra poderia acabar com todos os recursos da instituição seguradora. Nesse caso, justifica-se uma participação oficial na administração do fundo, para aumentar a confiança. Recomenda-se que seja estipulado um nível objectivo de reservas, suficiente para cobrir retiradas em circunstâncias normais, capaz de reembolsar os depositantes de dois bancos médios ou de um grande banco. A instituição seguradora deve ser capaz de resolver problemas individuais e, no caso de crise sistémica, deve haver a possibilidade de introdução de recursos públicos. Perfilam dois modelos distintos: um em que as contribuições vão sendo periodicamente entregues pelos participantes, com ou sem prémio inicial no momento em que se tornam participantes (modelo de financiamento ex-ante) ou modelos em que as contribuições só tem de ser entregues aquando do accionamento (modelo ex-post)87. A diferenciação é temporal, isto é, o primeiro trata da acumulação prévia, antes da iliquidez de algum membro, com a vantagem de que o lançamento da despesa para o pagamento dos prémios do seguro de depósitos pode ser feito em montante adequado à condução do 85 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit, pg. 467. Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, op. cit., pg. 27. 87 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit, pg. 468. 86 43 negócio (dentro do curso normal da economia, sem necessidade de contribuições extraordinárias) além de garantir a efectivação da contribuição por todos os membros, especialmente daqueles que eventualmente venham a enfrentar dificuldades de liquidez. Já o fundo formado ex-post requer que os membros paguem prémios de seguro somente após a ocorrência de falência, mesmo que a economia esteja em recessão. O Fundo ex-ante é mais eficiente para deter corridas bancárias, pois o depositante tem mais segurança de que o seu depósito será devolvido em caso de falência do seu banco, sabendo com antecedência sobre a existência de recursos para cobrir eventuais necessidades. De acordo com FSF, embora a necessidade de captação adequada seja óbvia, pode não ser óbvio que a melhor maneira seja formar o fundo por meio de prémios pagos pelos seus membros, mesmo que haja aporte inicial de recursos públicos. Primeiro, porque formar o fundo do sistema de seguro de depósitos, muito mais do que confiar somente a garantia governamental, assegura que a instituição responsável pelas operações do sistema gerirá os recursos de forma responsável. Segundo, porque o pagamento de prémios para formar o sistema de seguro de depósitos dá aos seus membros um incentivo para monitorarem as operações do sistema, de modo a garantir que ele seja saudável e fiscalmente responsável. Conforme a IADI, um sistema ex-ante apresenta também a vantagem de ser mais equitativo, uma vez que todas as instituições participantes, incluindo as que falirão, terão contribuído para a formação do fundo, pulverizando o custo das perdas do seguro no decorrer do tempo. Todavia, o sistema ex-ante provoca o risco moral, pois cria incentivos para as instituições assumirem maiores riscos. Por seu turno, o sistema ex-post, no caso de falência, pode forçar o aumento dos valores dos prémios de seguro das instituições participantes, além de evitar custos relacionados com a administração da instituição seguradora. Mas pode ter algumas vantagens relativamente a um sistema de financiamento ex-ante. Em primeiro lugar, é susceptível de gerar maior disciplina de mercado, já que incentiva os participantes a monitorizarem reciprocamente as suas actividades, pois num sistema de financiamento ex-ante, os fundos passam desde logo para o lado de lá, deixam de pertencer aos participantes no momento da contribuição, logo o desinteresse sobre o fado de um 44 participante e dos fundos que já não estão na sua esfera é maior. Num modelo de financiamento ex-post, os participantes estarão mais vigilantes, para evitar passar fundos para o lado de la88. Em segundo lugar, num modelo de financiamento ex-ante é complicado estabelecer um valor óptimo de financiamento, até porque as crises financeiras podem corresponder a cisnes negros, cujos impactos são difíceis de estimar a priori. Exigir dos participantes fundos que se revelem excessivos é, certamente, contraproducente, já que esses fundos poderiam estar a ser canalizados para a vitalização da economia e a gerar mais-valias para os participantes, em vez de estarem estiolados, dadas as (compreensíveis) limitações às políticas de gestão destes fundos sob a mão dos sistemas. O outro aspecto a ter em consideração é o de que o aparelho necessário para montar um sistema ex-ante é mais pesado e complexo, não só por implicar a arrecadação de contribuições, mas também porque será necessário gerir os fundos captados, ainda que de forma conservadora. Todavia, a outra face da moeda é bem mais impressionante. Um sistema de financiamento ex-post irá acarretar sérios riscos de os pagamentos não serem feitos atempadamente, já que será necessário primeiro captar os fundos, que as instituições participantes poderão ter mais relutância, ou inclusivamente dificuldade, em pagar: em circunstâncias económicas extremas, os efeitos pró-cíclicos de um sistema de financiamento ex-post poderão ser devastadores, potenciando um efeito dominó ou em cascata de insolvência dos participantes e, em última instância, levar ao colapso do próprio sistema de garantia de depósitos89. A mera susceptibilidade desta ocorrência gera a desconfiança dos aforradores, ao passo que, se a recolha das contribuições for sendo exigida, de forma suave e anestética ao longo do tempo, evitam-se males maiores. Não faz sentido que, num surto anémico generalizado, se exija e se sorva abruptamente o sangue de alguém que, nessa altura, poderá também estar carente – o banco de sangue deve ir sendo constituído antecipadamente e com parcimónia, para evitar quaisquer sangrias90. Por outro lado, as obrigações da entrega de contribuições periódicas podem permitir a incorporação de factores de risco no cálculo dos prémios, que poderão assim influir nos 88 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 468. Idem, pg. 469. 90 Idem, pg. 469. 89 45 comportamentos dos participantes, atenuando os riscos morais. Num modelo de financiamento ex-ante, permite-se também uma maior justiça intertemporal, já que todos os participantes vão beneficiando ao longo do tempo de um sistema de compensação de aforradores que instila confiança no mercado, inoculando-o, na medida do possível, contra efeitos de riscos sistémicos, atenuando a sua probabilidade de ocorrência91. Assim, o que faz sentido é que todos aqueles que beneficiam ao longo do tempo da protecção paguem por essa protecção, e não apenas aqueles que, circunstancialmente, forem participantes no momento do accionamento, contribuindo em função do valor dos depósitos ou fundos de investidores que, acidentalmente, possam deter no momento de accionamento. Naturalmente que nem sempre os modelos serão puros, já que, mesmo num modelo de funcionamento ex-ante, é normal a previsão de contribuições especiais em caso de accionamento do sistema, se os fundos captados anteriormente não forem suficientes para honrar os compromissos do mesmo. Por outro lado, paralelamente às contribuições dos participantes, são compagináveis outras formas de financiamento, tais como o recurso ao crédito92. Por isso, fala-se do modelo híbrido, o qual combina as características das captações ex-ante e ex-post93.Neste modelo, cria-se um fundo ex-ante financiado por prémios e contribuições, além de incluir mecanismos para obtenção de fundos ex-post das instituições participantes, através de prémios especiais, taxações ou empréstimos, caso necessitem. Com um fundo ex-ante, diante de muitas circunstâncias adversas, tais como falência ou crise sistémica, as perdas podem exceder os fundos de reserva, requerendo um aumento temporário nos prémios ou acesso a linhas de crédito do Estado. Assim, na prática, a melhor escolha pode não estar entre o financiamento do fundo ex-ante e ex-post puros, mas na proporção relativa da confiança que o sistema de seguro de depósitos tem em ambos94. Quanto à determinação do prémio do seguro, as metodologias de cálculo das contribuições dividem-se em dois grandes grupos, designadamente metodologias uniformes (flat rate) que aplicam a mesma alíquota (taxa ou percentagem) aos depósitos médios das instituições participantes, num determinado período, normalmente o ano anterior, e 91 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 469. Idem, pg. 468. 93 Financiamento dos Sistemas de Seguros de Depósito, Comité de Pesquisas e Orientação, IADI, 2006. 94 Idem, op. cit. 92 46 metodologias baseadas no risco (risk based), que levam em conta o risco de insolvência de cada instituição participante95. Nas metodologias baseadas no risco, os prémios que a instituição participante paga ao fundo devem ser proporcionais aos riscos que a instituição e as suas actividades representam ao fundo, de tal sorte que as envolvidas em actividades de menor risco e indicadores financeiros robustos devem pagar menores prémios ao fundo do que aquelas que estão envolvidas em actividades de maior risco e ou com indicadores económico-financeiros débeis. Segundo o FSF96, um sistema de seguro de depósitos incentivador deve cobrar prémios ajustados ao risco, imputados ao fundo de seguro por cada membro participante, com vista a conter a selecção adversa, evitando que bancos saudáveis subsidiem os insolventes. O objectivo é exigir maior contribuição para o fundo das instituições que tomam maiores riscos na sua actividade, tendo maior probabilidade de utilizar os recursos do seguro. Não obstante, há uma grande dificuldade na sua implementação, a qual se deve ao cálculo do risco que um banco em particular imputa ao seguro de depósito, ou seja, a dúvida reside na determinação dos métodos apropriados e aceitáveis para diferenciar riscos no negócio bancário, assegurando que os critérios de classificação sejam transparentes, baseados em elementos objectivos, para que cada instituição saiba exactamente o montante de contribuição individual, sem margem para questionamentos jurídicos posteriores. A utilização do prémio linear, calculado sobre um determinado percentual de um agrupamento de contas, representa uma grande vantagem comparativa em relação aos prémios ajustados ao risco, pelo facto de o seu cálculo, administração e acompanhamento serem mais fáceis. O problema é o risco moral decorrente, uma vez que os bancos com maior risco tendem a operar portifólios mais arriscados, já que não incorrem em despesas maiores de seguro de depósito. Ou seja, prémios ajustados ao risco poderiam mitigar riscos e incentivar práticas mais prudentes nas instituições. A maior vantagem do prémio ajustado ao risco é a redução do incentivo a tomada de risco pelo banco, pois a instituição financeira passaria a considerar o trade-off entre o valor presente líquido da carteira de empréstimo e o menor subsídio líquido do empréstimo. Em 95 Projecto de Criação do Fundo de Garantia de Depósitos, op. cit., pg.60. Guidance for Developing Effective Deposit Insurance Systems, FSF, 2001, op. cit., pg. 25. 96 47 outras palavras, o banco, quando apresenta a carteira de empréstimos com maior risco, conta com um subsídio líquido menor da instituição de seguro de depósitos, em razão da necessidade de pagamento de um prémio maior para se manter sob protecção do seguro, reduzindo-se assim o incentivo ao risco moral97. No âmbito da determinação do prémio de acordo com o risco, surge a classificação da instituição realizada pelo órgão supervisor, a qual aparece como uma variante confidencial, não passível de divulgação, sendo do conhecimento somente da instituição classificada e da instituição supervisora, enquanto o prémio pago pelo banco é reportado na publicação semestral e anual do seu balanço, induzindo de imediato os agentes do mercado a concluir pela classificação recebida e, consequentemente, o respectivo nível de risco. Isso poderia induzir os depositantes a transferir os recursos para bancos com níveis de risco menores, o que é conhecido como “voo pela qualidade” (fligh to quality), podendo, inclusive, ocasionar uma corrida bancária. Dentro das abordagens baseadas no risco, a metodologia mais avançada usa dois indicadores: o rácio de solvabilidade e o indicador de risco de gestão. Esta última requer normalmente a intervenção de agências de rating, para que se possa fazer a avaliação pela metodologia do CAMELS - Capital adequacy (rácio de solvabilidade), Asset quality (qualidade dos activos), Managment (gestão), Earnings (rendimentos), Luiquidity (liquidez) e Sensitivity to market risk (sensibilidade ao risco de mercado)98. Independentemente do modelo a ser utilizado, o ajuste de prémios ao risco deve reduzir o prémio para bancos em boas condições e aumentá-lo para instituições operacionalmente mais arriscadas. Porém, o ajuste deve funcionar de modo a não baixar excessivamente prémios, pois isso incentivaria a tomada de riscos, com consequente introdução de mecanismos de controlo de tomada de riscos, podendo gerar ineficiência no mercado devido ao aumento da regulação. Mas também não se deve aumentar demasiadamente, sob pena de restringir o crescimento do mercado. A percepção pública é outra característica essencial na medida em que é importante que os respectivos beneficiários tomem conhecimento, quer da existência da cobertura quer dos 97 COSTA, Ana Carla Abraão, op. cit., pg. 16. Projecto da Criação do FGD, op. cit. pg. 60. 98 48 seus contornos essenciais. Por um lado, quem ignorar que se encontra abrangido por um sistema que lhe assegura uma compensação em caso de insolvência de uma instituição financeira, lançar-se-á na corrida aos seus depósitos. Por outro lado, sistemas de seguro de depósitos cujos termos de cobertura se mostrem de contornos dúbios ou inacessíveis poderão provocar uma erosão na credibilidade dos sistemas, na medida em que a insegurança jurídica poderá incrementar o sentimento da insegurança das poupanças e, também, a percepção de que também nestes sistemas existem disposições em letra miúda que permitem os sistemas furtar-se ao pagamento das indemnizações quando devidas99. Para que um sistema de seguro de depósitos possa ser eficiente é essencial que o público seja informado constantemente sobre os benefícios e limitações do sistema de seguros. A percepção pública do seguro de depósito relativamente à sua existência e como ele funciona, nomeadamente o nível e âmbito de cobertura e a efectivação do reembolso, desempenha um importante papel para apoiar um sistema de seguro de depósito. Em geral, o segurador de depósito deve ser o agente primário responsável pela promoção da percepção pública sobre o seguro de depósito e ele deve trabalhar estreitamente com as instituições participantes da rede de segurança financeira, para garantir consistência nas informações prestadas e, dessa forma, maximizar as sinergias, devendo os orçamentos dos respectivos programas serem determinados com base no nível desejado e na visibilidade e percepção sobre o seguro de depósito no público-alvo. Entretanto, a tarefa de dilucidar os aforradores sobre se os produtos subscritos beneficiam de cobertura do sistema de seguro de depósitos, cabe, a jusante, às instituições financeiras, no âmbito dos seus deveres de informação e publicidade100. Mas não é menos importante a tarefa do legislador, a montante, de dotar o sistema de conceitos precisos, rigorosos e inequívocos101. Relativamente ao reembolso dos depositantes, é consensual que os sistemas devem ser concebidos em tais moldes que permitam o pagamento expedito aos depositantes. Pense-se, por exemplo, numa pessoa que tenha um depósito a ordem junto de um banco como sua fonte 99 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op cit, pgs. 449-450. Nos termos previstos no artigo 45 da LICSF. 101 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op cit., pg. 450. 100 49 de liquidez. Caso o acesso a essa liquidez, em caso de dificuldades financeiras do banco seja uma tarefa espinhosa e sem fim a vista, perder-se-ia todo o efeito útil que motivou a criação do sistema, já que esse depositante não teria qualquer almofada que pudesse considerar como alternativa credível a levantar os seus depósitos ao primeiro assomo da crise102/103. Portanto, os depositantes devem ser informados com antecedência suficiente sobre as condições sob as quais os reembolsos podem ser solicitados, nomeadamente o limite da cobertura, a data do início do processo de pagamento, o cronograma previsto para a efectivação dos pagamentos e se algum adiamento ou pagamento provisório será feito. 5. O seguro de depósitos e os seguros mercantis O seguro mercantil é um mecanismo para reduzir o impacto financeiro adverso de eventos aleatórios que não podem ser previstos. Isso não acontece com o seguro de depósitos, uma vez que o evento do sinistro, nomeadamente a falência de um banco, não é aleatório e pode sim ser previsto mediante a conjugação de ferramentas de supervisão directa e indirecta do órgão responsável pela fiscalização104. Ou seja, enquanto um seguro mercantil envolve a protecção contra efeitos adversos de eventos independentes, as quebras bancárias normalmente não são eventos independentes nem aleatórios, e podem ser previstas se as instituições forem adequadamente monitoradas. Ademais, o sistema de seguro de depósitos difere do seguro mercantil na medida em que este último envolve de modo directo somente duas partes, o garantidor e o protegido, ao passo que no seguro de depósito há três partes envolvidas, o próprio sistema de seguro de depósitos, o depositante e a instituição depositária. As instituições como a parte segurada, com a obrigação de pagar um prémio para se prevenir do risco de inadimplência dos depósitos, o sistema de seguro de depósitos como agente segurador que se obriga a pagar o valor garantido dos créditos a terceiros, em caso de insolvência, e os titulares de crédito contra as instituições como os beneficiários, isto é, os que receberão os valores segurados. 102 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 458. A IADI advoga que o reembolso aos depositantes deve ser efectuado no prazo máximo de sete (7) dias úteis. 104 DA SILVA, Luís Eduardo Miza, op. cit. pg. 64. 103 50 Quando o sistema de seguro de depósitos assume o risco de indemnizar os depositantes, as consequências financeiras do risco da insolvabilidade das instituições participantes deslocamse para a sua direcção, pois lhe é avocada a responsabilidade pelo reembolso aos depositantes até ao limite estipulado, ou seja, garante a cobertura dessas responsabilidades das instituições participantes para com os seus clientes. Portanto, o seguro de depósito provido pelo sistema de seguro de depósito apresenta-se com a configuração de contrato a favor de terceiro105, no qual o segurado figura como estipulante, o segurador como promitente e o terceiro como beneficiário, estranho ao contrato. Entretanto, há estruturalmente pontos comuns entre os seguros mercantis e o sistema de seguro de depósitos, especialmente nos aspectos fundamentais do mercado de seguros, no qual são observados problemas de assimetria informacional (risco moral, selecção adversa e relação do principal-agente) e também a formação do fundo de recursos, por meio de mutualismo, em que os próprios associados contribuem para a formação do fundo, de modo a subsidiar a insolvência eventual dos seus pares. 105 O contrato a favor de terceiro, previsto no artigo 443 do Código Civil, consiste em uma das partes (promitente) assumir perante a outra (promissário), desde que esta tenha em tal promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação (ou de atribuir, por outra forma, uma vantagem) a um terceiro, que não é parte do contrato – PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, pg. 370. 51 CAPÍTULO III - O FUNDO DE GARANTIA DE DEPÓSITOS 1. A criação do FGD Como foi referido, a eventualidade da falência de um banqueiro revela-se duplamente perniciosa: quando ocorra, ela traduz uma injustiça grave para os depositantes, subitamente privados dos seus bens; mesmo sem se verificar, ela corresponde a um perigo potencial, capaz de, em momentos de crise, provocar corridas aos bancos, eventualmente indutoras de insolvência106. O estabelecimento formal de sistemas de garantia de depósitos tem sido uma tendência dominante no mundo a partir da década de 90107. A razão desse movimento está baseada na crescente preocupação das autoridades com a estabilidade do sistema financeiro, que se traduz na implementação de instrumentos adicionais de acompanhamento e controle e consequente formação de redes de protecção ao sistema, que tem como um dos componentes a protecção directa a depositantes, através de um sistema de garantia de depósitos. Moçambique seguiu essa tendência. Com feito, dentre vários esquemas teóricos susceptíveis de garantir os depósitos, o legislador moçambicano optou, em 1999, pelo que consiste em prever um fundo autónomo, dotado de meios resultantes de contribuições das próprias instituições de crédito e capaz de garantir, em caso de necessidade, o reembolso dos depósitos efectuados em instituições em crise, ainda que não seja na sua totalidade. Desde a aprovação da LICSF existe um comando legal que responsabilizou o Governo a tarefa de criar um fundo para garantir o reembolso de depósitos constituídos nas instituições nele participantes e fixar as normas para o seu funcionamento, por meio de decreto, “logo que existam condições para o efeito (…)”108. Essa responsabilidade veio a ser reforçada aquando da revisão da LICSF, feita pela Lei nº 9/2004, de 21 de Julho109. Com a revisão, foi reformulado o texto do artigo 59, passando a ter 106 CORDEIRO, António Menezes, op. cit., pg. 1186. COSTA, Ana Carla Abrão, Sistemas de Seguro de Depósito: Sugestões para a reformulação do Fundo Garantidor de Créditos, XXIX Encontro Nacional de Economia, 2001, pg. 2, disponível em http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200104328.pdf, acesso de 12/11/2017. 108 Artigo 59 da LICSF. 109 Refira-se que, durante as discussões da proposta de alteração da LICSF, os deputados da Assembleia da República questionaram o facto de ainda não ter sido criado o FGD, volvidos 5 anos após a sua previsão legal Projecto de Criação do FGD, elaborado pela Comissão para a Criação do Fundo de Garantia de Depósitos, BM, Maputo, 2007, pg. 14 . 107 52 a actual redacção, em que se retirou a expressão “tão logo que existam condições”, o que foi interpretado como tendo sido uma pressão para agilizar a criação do fundo, tal como vinha sendo reflectido nas políticas e programas do Governo, nomeadamente o PARPA II (Maio de 2002) 110. Com efeito, o PARPA II preconizava, como medidas de incentivo à poupança nacional e a promoção de sistema financeiro abrangente e inclusivo, que abarque as famílias de rendimento baixo, (i) estudar a viabilidade de seguros de depósitos, (ii) aprovar o regulamento do FGD para as instituições de microfinanças sujeitas à supervisão do BM e (iii) introduzir novos instrumentos financeiros e medidas para aumentar o acesso ao crédito e microcrédito. Para a implementação dos dois comandos acima (um do legislador, através da LICSF, e outro do Governo, através do PARPA II), o BM, como banco central da República de Moçambique111, nas suas funções de consultor do Governo no domínio financeiro e de supervisor das instituições de crédito e sociedades financeiras112, assumiu a responsabilidade técnica da apresentação de um projecto ao Governo, tendo, para isso, criado uma “Comissão para a Criação do FGD” 113. Como primeiro passo, após estudo prévio sobre a matéria, a referida comissão procedeu (i) a identificação dos objectivos de política pública que se pretendiam prosseguir com a criação de um FGD, e (ii) fez uma análise situacional sobre os factores e os condicionantes do sistema financeiro, nomeadamente a situação macroeconómica do País, a situação dos mercados financeiros, regulação, supervisão, estrutura e características do sistema bancário e o quadro legal do País, especialmente em relação aos mecanismos de protecção de contratos114. 110 Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta em Moçambique. Cfr. nº 1 do artigo 132 da Constituição da República de Moçambique e artigo 2 da Lei nº 1/92, de 3 de Janeiro, que define a natureza, os objectivos e funções do BM como Banco Central da República de Moçambique. 112 Cfr. artigos 20 e 37 da Lei nº 1/92, de 3 de Janeiro (Lei Orgânica do BM). 113 Através da Ordem de Serviço nº10/2006, de 26 de Maio, do Governador do BM. 114 Projecto de Criação do FGD, op. cit. pg. 5. 111 53 1.1 Objectivos de política pública Em sintonia com as boas práticas internacionais, foram identificados dois objectivos de política pública subjacentes à implantação de um sistema explícito de garantia de depósitos em Moçambique. O primeiro prendia-se com o reforço da estabilidade do sistema financeiro: ao implementarse um esquema de protecção de depósitos que assegura o reembolso de depósitos em caso de insolvência bancária, estabelece-se um mecanismo que permite estancar ou, pelo menos, mitigar o risco de pânico financeiro, isolando-o a uma ou duas instituições insolventes e evitando, assim, o seu contágio às outras instituições do sistema bancário, incluindo as que estão financeiramente saudáveis e robustas, que também haveriam de quebrar perante uma corrida generalizada aos levantamentos de depósitos (bunk runs). Ao saber clara e previamente que as poupanças serão rapidamente e integralmente reembolsadas até um determinado limite, os depositantes abrangidos pelo limite de cobertura, que são a esmagadora maioria, tenderão menos a entrar em pânico perante a notícia de insolvência do seu banco. Este mecanismo não só reforça a estabilidade do sistema bancário, mas também aumenta a confiança do público na segurança dos seus fundos junto das instituições formais. O segundo tem que ver com a protecção dos pequenos depositantes: os pequenos depositantes, que na literatura são designados por depositantes pouco sofisticados, constituiam a grande maioria de depositantes das instituições bancárias (90% ou mais), embora tivessem o peso bastante reduzido no total das instituições bancárias clássicas (entre 10% a 20%), onde um reduzido número de instituições e indivíduos detinham os depósitos mais expressivos115. Os pequenos depositantes normalmente não têm capacidade ou cultura de monitorizar o desempenho financeiro dos bancos, pelo que não conseguem exercer disciplina de mercado, que levaria a movimentar as suas poupanças e aplicações de uns para os outros bancos, de acordo com o desempenho destes. Assim, a garantia de depósitos estabelece um nível de cobertura baixo, de forma a assegurar uma percentagem bastante significativa dos pequenos 115 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pg. 7 54 depositantes, mas suficientemente elevada para incentivar o depósito e a poupança, não retirar credibilidade ao esquema, nem incentivar a propensão para o risco. Em relação aos grandes depositantes, entende-se que têm capacidade e obrigação de exercer disciplina de mercado, acompanhando o desempenho financeiro das instituições. Os seus depósitos também são reembolsáveis, mas apenas até ao limite de cobertura, que embora ultrapasse os saldos da maioria dos depositantes, é insignificante para os grandes depositantes. 1.2 Análise situacional A análise situacional elaborada na altura dava conta da estabilidade macroeconómica que Moçambique atravessava, com um crescimento na casa dos 8,5% em média, com uma projecção de taxa de crescimento médio superior a 7% até 2014 e redução dos níveis de pobreza de 57% para 45% em 2009. Previa-se uma inflação sistematicamente decrescente e sempre a um dígito, culminando com 5% em 2014116. No que diz respeito à administração financeira e tributária do Estado, confirmava-se um bom percurso do País em termos de disciplina financeira, recorrendo o Estado muito raramente ao sistema financeiro para o financiamento público, e mantendo-se um nível de défice público interno de 4% do PIB, embora a gestão financeira do Estado fosse considerada ainda frágil, situação que iria melhorar com as medidas que o Governo iria adoptar nas áreas de contabilidade, auditoria e procurement117. A preocupação incidia sobre o lado da receita, na medida em que se previa um abrandamento do crescimento e um aumento dos gastos públicos, tornando-se imperioso, segundo o documento denominado Memorando Económico do País (2005), aumentar as receitas internas para se conseguir executar os programas de redução da pobreza e diminuir a dependência da ajuda externa. Para dar resposta a essa necessidade, o Governo vinha implementando reformas na administração tributária, destacando-se de entre as suas principais medidas, a criação da Autoridade Tributaria de Moçambique, novos mecanismos de auditoria, inspecção e gestão de recursos humanos, informatização dos dados dos contribuintes melhoria 116 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pg. 10. Idem, pg. 10. 117 55 de cobranças e implementação dos tribunais fiscais nas cidades relevantes do ponto de vista tributário. Relativamente aos mercados, a análise situacional dava conta da utilização dos mercados monetário e cambial interbancários como principal instrumento de política monetária, explicando sucintamente o funcionamento de dois mercados: um mercado de curto prazo (monetário e cambial), que é gerido pelo Banco de Central e que se destina, essencialmente, a intervenções de estabilização, nomeadamente acções de esterilização de excessos de liquidez, num sistema financeiro estruturalmente longo; e um mercado de longo prazo (accionista e obrigacionista), gerido pela Bolsa de Valores, com a supervisão do BM. O mercado secundário para títulos de curto prazo (Bilhetes de Tesouro) ainda era pouco expressivo, embora estivesse a dar sinais de crescimento gradual que propiciava novos instrumentos para a poupança do público. No âmbito do aprofundamento das reformas nos mercados financeiros, acabava de ser aprovado um novo regulamento do mercado cambial interbancário (MCI), concebido com ampla participação e concertação dos operadores financeiros, acompanhadas pela construção de modelos de previsão e análise para suporte a tomada de decisão, bem como uma nova abordagem na divulgação da informação, onde se privilegiaria a comunicação com o público, tendo em vista divulgar ao mercado e à sociedade a natureza das medidas que o BM toma, para auxiliar o processo de formação de expectativas dos agentes económicos. Quanto à estrutura do sistema bancário, a análise situacional dava conta da existência, no final de 2006, de 12 bancos (incluindo 3 especializados em microfinanças), 2 sociedades de locação financeira, 5 cooperativas de crédito, 1 instituição de crédito atípica que estava em processo de transformação em sociedade de investimentos, 2 microbancos e 53 operadores de microcrédito118. Os parceiros internacionais já reconheciam a melhoria significativa dos indicadores do sistema bancário nacional, após a realização da avaliação do FSAP (Financial Sector Assessment Program), em 2003, com os indicadores de solidez do sistema bancário a 118 De acordo com dados fornecidos pelo Departamento de Regulamentação e Licenciamento (DRL) do BM, até Dezembro de 2017, existiam 19 bancos, 8 cooperativas de crédito, 8 microbancos e 608 operadores de microcrédito. 56 melhorarem significativamente, com o rácio de solvabilidade consolidado do sistema a situarse em 16,7% no final de 2006, contra o mínimo exigido de 8% (Basileia I). Por outro lado, o rácio de crédito malparado havia reduzido para 3,6% quase 5 vezes menos que os 16,37% em 2003. Por seu turno, o Estado diminuía significativamente a sua participação nas instituições financeiras, abdicando de posições maioritárias, no âmbito do esforço de criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma concorrência sã entre os operadores, de incremento da disciplina do mercado e da independência da função supervisora119. O sector de microfinanças crescia rapidamente, embora com reduzida abrangência, uma vez que se encontrava concentrada, basicamente, em Maputo. Mas auguravam-se boas perspectivas neste sector, tendo em conta que importantes operadores de microfinanças e provedores de serviços conexos a nível mundial já estavam em parcerias com operadores locais, para além da aprovação de um novo quadro legal que introduziu uma nova tipologia de operadores de microfinanças de dimensão pequena-média (microbancos) e micro (associações de poupança e empréstimo, intermediários de captação de poupança). Relativamente à infra-estrutura legal do sistema financeiro e mecanismos de protecção dos contratos, na altura em que foi elaborado o projecto de criação do FGD, o sistema financeiro moçambicano, bem como o Banco Central, já tinham uma consagração constitucional120. Os poderes e competências para que o BM exerça com desejável autonomia as suas atribuições já se achavam formalmente definidos na LOBM, aprovada pela Lei nº 1/ 92, de 3 de Janeiro, e na LICSF. Registava-se uma actualização do quadro legal do sistema financeiro, criando-se novas espécies de instituições financeiras, com regimes de licenciamento e supervisão mais flexíveis, com vocação para prestarem serviços alternativos de crédito e poupança para a população tradicionalmente não bancável. 119 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pg. 11. Trata-se do artigo 126 que prevê que o sistema financeiro é organizado de forma a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social do país, e do artigo 132 que define o BM como o Banco Central da república de Moçambique e remete o seu funcionamento para uma lei própria e normas internacionais a que a República de Moçambique esteja vinculada e lhe sejam aplicáveis. 120 57 Já se encontrava numa fase muito avançada o processo de revisão do regime de falências bancárias121, bem como um conjunto de instrumentos regulatórios atinentes à actividade financeira, nomeadamente a legislação sobre o branqueamento de capitais122, a legislação cambial123 e sobre a actividade de auditores externos das instituições de crédito e sociedades financeiras124. Não obstante a reforma legal acima aduzida, o ambiente do sector de justiça era caracterizado por uma acumulação de casos que constituíam um impedimento não apenas para a gestão e controlo de casos criminais e de corrupção, mas também em matéria laboral e ao desenvolvimento de um sector vibrante. Com efeito, estudos e inquéritos conduzidos por entidades nacionais e estrangeiras consideravam insatisfatória a qualidade do sistema judicial nacional, com os tribunais a levarem muito tempo a tomar decisões e a executá-las. Em consequência dessa ineficácia e morosidade, o custo inerente ao desenvolvimento de negócios em Moçambique aumentava, com muitas empresas a evitar usar o sistema legal e judicial para a resolução das suas disputas125/126. Para mitigar tais constrangimentos e melhorar os indicadores do País, o Governo adoptou várias medidas, nomeadamente a criação de “Balcões Únicos” para o licenciamento de actividades comerciais, a informatização do registo comercial, a implementação do Portal do Governo Electrónico, bem como a promoção de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, nomeadamente Centros de Arbitragem, Conciliação e Mediação, criados em 1999 e implementados em 2006. Uma vez identificados os objectivos de política pública que se pretendia prosseguir e feita a análise situacional sobre os factores condicionantes do sistema financeiro, foi criado o FGD, através do Decreto nº 49/2010, de 11 de Novembro, cujas características corporizam os próximos pontos de análise. 121 Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, que regula o processo de liquidação administrativa das instituições de crédito e sociedades financeiras 122 Lei nº 7/2002, de 5 de Fevereiro e Decreto nº 37/2004, de 8 de Setembro, revogados pela Lei nº 14/2013, de 12 de Agosto e pelo Decreto nº 66/2014, de 29 de Outubro, respectivamente. 123 Lei nº 11/2009, de 11 de Março (Lei Cambial) e Decreto 83/2010, de 31 de Dezembro (Regulamento da Lei Cambial). 124 Decreto nº 65/2011, de 21 de Dezembro, que aprova o Regulamento da Actividade dos Auditores Externos e Técnicos de Contas Junto das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. 125 SANTOS, Boaventura de Sousa e TRINDADE, João Carlos, Conflitos e Transformação Social – uma paisagem da justiça moçambicana, 1º e 2º volumes, Edições Afrontamento, Porto, 2003, Vol. 1, pg. 541 e ss. 126 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pg. 13. 58 2. O regime jurídico do FGD Regime jurídico significa, fundamentalmente, um conjunto ordenado, coerente e sistematizado de normas ou regras jurídicas, no qual se enquadram determinadas situações. No caso em apreço, pretendemos falar do quadro jurídico que rege o funcionamento do FGD. O assento legal do FGD consta do artigo 59 da LICSF, na redacção dada pelo artigo 1 da Lei nº 9/2004, de 21 de Julho, que estabelece que compete ao Governo criar um Fundo com o objectivo de garantir o reembolso de depósitos constituídos nas instituições participantes, bem assim a fixar as normas para o seu funcionamento127. O comando legal acima citado foi materializado volvidos cerca de dez anos, com a aprovação do Regulamento do FGD, através do Decreto nº 49/2010, de 11 de Novembro. Portanto, é este regulamento que cria o FGD e estabelece as regras relativas à sua natureza, atribuições, competências e funcionamento dos respectivos órgãos. Abaixo do regulamento, encontramos quatro diplomas legais ministeriais, designadamente o Diploma Ministerial nº 222/2013, de 23 de Setembro, que aprova o Plano de Contas do FGD; o Diploma Ministerial nº 223/2013, 23 de Setembro, que aprova os critérios e modalidades de rateamento, pelas instituições de crédito participantes, da contribuição para o fundeamento inicial do FGD; o Diploma Ministerial nº 61/2016, de 21 de Setembro, que fixa o limite da garantia a reembolsar pelo FGD; e o Diploma Ministerial nº 62/2016, de 21 de Setembro, que estabelece os critérios e metodologias para o cálculo da contribuição anual periódica a entregar ao FGD pelas instituições de crédito autorizadas a captar de depósitos e sujeitos à supervisão prudencial do BM. Em consonância com o objectivo central da presente pesquisa, os itens que compõem a análise do regime jurídico do FGD obedece as nove características que, segundo as boas práticas internacionais, devem estar presentes num sistema de seguro de depósitos eficiente, designadamente a forma de protecção, poderes e responsabilidades, estrutura operacional, instituições participantes e formas de adesão, âmbito de cobertura do seguro de depósito, funding, determinação do prémio de seguro, percepção pública e reembolso aos depositantes. 127 A redacção anterior era a seguinte: “O Conselho de Ministros criará, por decreto, tão logo que existam condições para o efeito, um fundo com o objectivo de garantir o reembolso de depósitos constituído nas instituições participantes, e fixará as normas para o seu funcionamento”. 59 2.1 Forma de protecção A forma de protecção do mecanismo de seguro de depósito moçambicano é explícita, uma vez que o mesmo é tratado expressamente em normativos, dos quais se podem extrair as suas características essenciais recomendadas por instituições internacionais que fazem estudos sobre a matéria, tais como BIS, IADI e FSF, nomeadamente os critérios e limites de protecção, o valor de cobertura, a adesão dos participantes e origem dos fundos para a constituição do respectivo fundo. Ao estabelecer as obrigações das autoridades em relação aos depositantes, o sistema de seguro de depósito moçambicano limita o escopo de decisões discricionárias, contribuindo para a promoção da confiança do público e auxiliando na contenção de custos decorrentes do encerramento de bancos problemáticos, estando alinhado com os princípios da IADI128. 2.2 Poderes e responsabilidades O nº 1 do artigo 3 do Regulamento do FGD qualifica o FGD como uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira. Nos termos constantes do glossário anexo à Lei nº 7/2012, de 8 de Fevereiro, que estabelece os princípios e normas que definem as bases gerais da Organização e Funcionamento da Administração Pública, pessoa colectiva pública é uma pessoa jurídica criada para a prossecução necessária do interesse público, dotada de personalidade jurídica, titular de direitos e deveres públicos em nome próprio. No caso do FGD, não há dúvidas de que este prossegue um interesse público, na medida em que, o fim último da sua principal atribuição (garantir o reembolso dos depósitos constituídos nas instituições que nele participem)129, é a protecção dos depositantes e a preservação da confiança, necessária para o reforço da estabilidade do sistema financeiro e 128 Porquanto, nos termos do disposto no artigo 89 da LICSF, esgotadas as providências extraordinárias adoptadas sem que seja possível recuperar a instituição, é revogada a autorização para o exercício da respectiva actividade e segue-se o processo de liquidação previsto na Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, que regula o Processo de Liquidação Administrativa das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Uma vez que a revogação da autorização de actividade da instituição constitui, para todos os efeitos, a declaração de falência, o FGD procede ao reembolso aos depositantes, no prazo de três meses a contar da data em que o BM confirma e comunica a indisponibilidade de depósitos, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 6 da Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, conjugado com o nº 1 do artigo 8 do Decreto nº 49/2010, de 11 de Novembro, que cria e aprova o Regulamento do FGD. 129 Cfr. nº 1 do artigo 2 do Regulamento do FGD. 60 prevenção da ocorrência de riscos sistémicos, enquadrando-se na chamada administração pública indirecta do Estado130, a qual compreende o conjunto das instituições públicas, dotadas de personalidade jurídica própria, criadas por iniciativa dos órgãos centrais do Estado para desenvolver a actividade administrativa destinada à realização dos fins estabelecidos no acto da sua criação131. Nos termos do nº 1 do artigo 74 da Lei nº 7/2012, de 8 de Fevereiro, o âmbito da administração indirecta do Estado compreende o BM, os institutos públicos, as fundações públicas, os fundos públicos e o sector empresarial do Estado. Em face dessa enumeração, cabe indagar em que categoria se enquadra o FGD. À primeira vista, parece enquadrar-se na categoria dos fundos públicos, que são definidos pelo artigo 100 da lei acima citada como sendo pessoas colectivas de direito público, criadas por decisão do Conselho de Ministros, destinadas a angariar e gerir, no interesse geral, recursos financeiros a empregar no desenvolvimento de determinadas áreas de interesse público. Tal como os fundos públicos, o FGD é, por força do disposto no nº 1 do artigo 3 do seu Regulamento, uma pessoa colectiva de direito público, foi criado pelo Conselho de Ministros e prossegue um interesse geral ou público. Todavia, difere dos fundos públicos nos termos em que são definidos pela Lei nº 7/2012, de 8 de Fevereiro pelo mecanismo de obtenção dos seus recursos. Com efeito, os fundos públicos após a sua criação, angariam recursos financeiros para o desenvolvimento de certas áreas de interesse público, ao passo que os recursos financeiros do FGD são obtidos, na fase inicial, pelo fundeamento do Estado e de entidades privadas (instituições de crédito participantes),132 e em momento posterior, através de contribuições periódicas obrigatórias a ser entregues pelas instituições de crédito participantes até ao último dia do mês de Maio de cada ano133/134. 130 De acordo com Diogo Freitas do Amaral, do ponto de vista orgânico, administração estadual indirecta definese como o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada a realização de fins do Estado – Curso de Direito Administrativo, Vol I, 4ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2015, pg. 349-350. 131 Cfr. artigo 72 da Lei nº 7/20012, de 8 de Fevereiro. 132 Cfr. nº 1 do artigo 11 do Regulamento do FGD. 133 Cfr. nº 1 do artigo 12 de Regulamento do FGD. 134 Podendo ainda efectuar contribuições especiais, quando os recursos do FGD se mostrarem insuficientes para o cumprimento das suas obrigações, nos termos do artigo 13 do Regulamento do FGD. 61 Entretanto, o facto de o FGD integrar recursos provenientes de entidades privadas, não parece retirar-lhe a qualidade de um fundo público, porquanto não é a proveniência dos recursos financeiros do fundo que o torna público ou privado. Portanto, entendemos que FGD pode ser qualificado como um fundo público pelo facto de ter sido criado pelo Conselho de Ministros e para prosseguir um interesse público. Até porque tendo o FGD natureza de pessoa colectiva de direito público, seria contraditório qualificá-lo como um fundo privado, pelo facto de parte dos seus recursos serem provenientes da esfera privada. A lei estabelece que o FGD é dotado de autonomia administrativa e financeira. Todavia, não goza de uma verdadeira autonomia operacional, na medida em que, para além de a sua sede funcionar junto do BM, é este quem assegura, às suas expensas, os serviços técnicos e administrativos necessários ao funcionamento do FGD135. Porém, enquanto entidade reguladora e de supervisão, o BM não se confunde com o FGD, pois são entidades com atribuições distintas. Por outras palavras, por muito que seja desejável uma articulação entre ambas entidades, em benefício da desejável preservação do sistema financeiro, não existirá, necessária e forçosamente, identidade perfeita dos interesses a prosseguir nem uma lídima sintonia de interpretações. Pense-se, por exemplo, do caso em que a entidade reguladora (BM) quisesse instrumentalizar o Fundo de Garantia de Depósitos e prodigalizar ou generalizar as indemnizações que não se encontram cobertas pelo Fundo de Garantia de Depósitos, para aliviar pressões e desviar o foco de eventuais falhas originadas por uma deficiente actividade de supervisão136. Lee e Kwok137 fazem notar as diversas vantagens que existem em associar um fundo de garantia de depósitos as entidades reguladoras, designadamente a poupança de custos, o aproveitamento de economias de escala no investimento dos fundos, o facto de a entidade reguladora ter uma experiência acumulada e informação valiosa sobre as instituições de crédito e, por último, poder beneficiar de uma credibilidade acrescida junto do público. Entretanto, conforme foi referido anteriormente, pode-se vislumbrar uma desvantagem relacionada com uma possível falta de segregação nítida das responsabilidades típicas de cada órgão, gerando interferências na gestão do fundo, conflitos de interesse, especialmente quanto à tomada de 135 Cfr. n° 2 do artigo 3 do Regulamento do FGD. SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pgs. 472-473. 137 Apud SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit, pg. 472. 136 62 decisões fazendo com que, por interferências externas no regulador, decisões e providências possam ser postergadas. No caso do FGD, a sua relativa “promiscuidade” com o regulador pode-se explicar pela escassez de quadros no mercado com conhecimentos sólidos sobre a rede de segurança financeira e do ambiente de operação bancária. Neste contexto, afigura-se saudável a implementação de um sistema de check and balances em que outros actores possam também vigiar, zelar e contribuir pelo alinhamento das decisões do sistema de compensação de depositantes com as finalidades que lhes estão consignadas por lei138, sendo de louvar que, por força do disposto no artigo 17 do Regulamento do FGD, as instituições de crédito tenham assento e voz na Comissão Directiva do FGD, já que um dos seus membros é proposto pelas instituições de crédito participantes139. Relativamente às responsabilidades do FGD, pode-se dizer que é um simples sistema de pay box, limitando-se as suas responsabilidades no recebimento de prémios de seguro e gestão desses recursos através da aplicação em activos seguros por forma a rentabilizá-los e estar em condições de honrar as suas obrigações e manter os prémios num nível que não penalize as instituições participantes e ao ressarcimento dos depositantes, em caso de insolvência bancária. Tal resulta do disposto no artigo 2 do Regulamento do FGD, que estabelece que o FGD tem por atribuição principal garantir o reembolso dos depósitos constituídos nas instituições que nele participem, nas condições e de acordo com os limites fixados por Diploma do Ministro das Finanças140 e demais legislação aplicável. Desta previsão, extrai-se que além da enunciada finalidade, que é assegurar o reembolso dos aforros havendo vicissitudes que atinjam de forma gravosa as instituições e que constitui a vocação principal do FGD, há outros fins (complementares)141 previstos no º 2 do mesmo artigo, designadamente, participar nos processos de dissolução e liquidação de instituições participantes conduzidos pelo BM, quando para tal tenha sido convidado, e promover ou realizar acções que contribuam para o 138 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit, pg., 472. Os outros dois elementos são um membro do Conselho de Administração do BM por este designado, que preside a Comissão Directiva, e o outro que representa o ministério que tutela a área de finanças. 140 Trata-se do Diploma Ministerial nº 61/2016, de 21 de Setembro, que fixa o limite da garantia a reembolsar pelo FGD. 141 PAULINO, Augusto, op. cit., pgs. 176-177. 139 63 desenvolvimento e consolidação da garantia de depósitos e para o reforço da estabilidade do sistema financeiro, nomeadamente estudos e iniciativas de divulgação e esclarecimento. Nesta previsão confluem duas realidades: fundo em sentido objectivo, mais consentâneo com o sentido literal, enquanto uma massa patrimonial autónoma destinada a garantir o reembolso de depósitos (nº 1 do artigo 2) e fundo em sentido subjectivo, referindose à instituição (nº 2 do mesmo artigo)142. Em alguns países, a entidade de seguro de depósitos realiza tarefas de inspecção às instituições participantes de forma paralela ou independente das que são feitas pela autoridade de supervisão. O FIDIC, dos EUA, por exemplo143, além de prover o seguro de depósitos, possui a função de órgão regulador, promovendo segurança e solidez das instituições depositárias, com o objectivo de prevenir falências bancárias, instituindo regulamentação e monitorando o sector, além de obrigar as instituições financeiras a operarem de maneira segura e saudável. Tem ainda competência legal para conduzir inspecções periódicas on site em todas as instituições participantes do sistema, promovendo essas verificações em algumas delas, além de monitora-las por meio de informações obtidas off site, pois todas as instituições são obrigadas a enviar relatórios trimestrais ao FIDIC e tem acesso aos relatórios produzidos por outros órgãos reguladores estaduais e federais. A outra função é de liquidante das instituições participantes mal sucedidas, sendo que, dentre várias opções, a mais usada é a venda do portfólio de depósitos e empréstimos para outras instituições, migrando os clientes para a instituição incorporada, além do poder de prover assistência financeira às instituições sob determinadas condições. Desta forma, é o próprio seguro de depósitos a entidade que gradua os prémios segundo o risco detectado em cada entidade que é inspeccionada. Não é o caso do FGD, pois conforme foi dito, a sua função primária é de garantir o reembolso de depósitos constituídos nas instituições participantes até ao limite estabelecido. No caso da dissolução do Nosso Banco, SA, o FGD interveio apenas para proceder ao reembolso de depósitos, não tendo sido convidado pelo BM para exercer nenhuma função 142 PAULINO, Augusto, op. cit., pg. 177. SILVA, Luís Eduardo Miza da, op. cit. pg. 64. 143 64 complementar. Só muito recentemente e pela primeira vez foi chamado a intervir como liquidatário do Microbanco Fides Moçambique, SA, e da Caixa Cooperativa de Credito, SCRL. A intervenção como liquidatário pode ter respaldo legal no disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 2 do Regulamento do FGD, que estabelece que, complementarmente, o FGD pode ainda participar nos processos de dissolução e liquidação de instituições participantes conduzidos pelo Banco de Moçambique, quando para tal tenha sido por este convidado. Todavia, embora a condução do processo de liquidação pelo FGD possa ter a vantagem de garantir maior flexibilidade, sobretudo na liquidação de instituições de pequena dimensão como os microbancos referidos no parágrafo anterior, pode gerar o problema de conflito de interesses. Tal resulta do facto de o nº 6 do artigo 8 do Regulamento do FGD estabelecer que o FGD fica sub-rogado nos direitos dos depositantes na medida do reembolso que tiver efectuado, o que significa que o FGD torna-se credor da instituição que tiver sido liquidada, devendo ser paga pelo produto da venda da massa falida o valor dos reembolsos que tiver efectuado, num processo que deve ter lugar no prazo máximo de três meses a contar da data em que o BM confirmar ou comunicar ao FGD a indisponibilidade de depósitos. Nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 16 da Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, que regula o Processo de Liquidação Administrativa das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, compete ao liquidatário “…verificar, classificar e graduar os créditos sobre a massa”. Ora, sendo o FGD liquidatário de uma instituição participante, a ele competirá proceder à verificação, classificação e graduação de créditos sobre a massa em que ele próprio é parte interessada como credor na medida dos reembolsos que tiver efectuado. Essa situação, sobretudo tendo em conta a falta de clareza legal na definição das classes dos créditos graduáveis, pode colocar o FGD numa situação de conflito de interesses144, na medida em que o seu interesse pessoal (de ser pago e recuperar o valor reembolsado aos depositantes) pode interferir no cumprimento dos seus deveres de isenção e imparcialidade na condução do processo de liquidação, mormente na fase graduação de crédito e pagamento aos credores, de que ele também faz parte. 144 Nos termos do artigo 33 da Lei nº 16/2012, de 14 de Agosto (Lei da Probidade Pública), o conflito de interesses ocorre quando o servidor público se encontra em circunstâncias em que os seus interesses pessoais interfiram ou possam interferir no cumprimento dos seus deveres de isenção e imparcialidade, na prossecução do interesse público. 65 Deste modo, a possibilidade de participação do FGD no processo liquidação nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 16 da Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, não deve abrir espaço para que seja nomeado pelo BM para exercer a função de liquidatário das instituições participantes, tal como aconteceu no caso da liquidação do Microbanco Fides, S.A. e da Caixa Cooperativa de Crédito, S.C.R.L. 2.3 Estrutura operacional O modo como os processos e estruturas decisórias são empregues na gestão e controlo dos sistemas de compensação dos depositantes tem vindo a ser objecto de um interesse crescente, reconhecendo-se o seu impacto directo na arquitectura e eficácia destes sistemas e, concomitantemente, em toda a teia urdida para proteger o sistema financeiro. Os sistemas permeáveis a “capturas regulatórias” ou a outras influências podem causar o desalinhamento das políticas e opções dos sistemas com as suas finalidades próprias, ou distorcer o equilíbrio adequado entre as finalidades preventivas (evitar riscos sistémicos) e as finalidades curativas (indemnizar os aforradores de instituições em dificuldades)145. Conforme sublinhado por WESSELS146, a própria multiplicidade de papéis desempenhados pelo FGD (um dos principais credores na liquidação da instituição de crédito insolvente, cobrador das contribuições das entidades participantes e semi-supervisor147 e entidade seguradora que paga a compensação aos depositantes) contribui para que, mesmo no seio do FGD, possam ser gerados conflitos de interesse. A este propósito, o BCBS e a IADI148, nos seus princípios nucleares para garantir a eficácia dos sistemas de garantia de depósitos, estabelecem que a entidade que presta a garantia deve ser independente, transparente, responsável e isolada de influências políticas ou do sector. Para isso, a entidade deve poder dispor de poderes e ter acesso aos meios que lhe estão afectos sem qualquer intermediação externa. 145 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit. pg. 471. SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 471. 147 José Maria Pires inclui os Fundos de Garantia de Depósitos no que denomina supervisão supletiva, por constituírem instrumentos supletivos que suprem a falta de solvabilidade e liquidez das instituições de crédito Elucidário de Direito Bancário - As Instituições Bancárias – A Actividade Bancária, Editora Combra, 2002, pg. 437. 148 Principle 5 dos Core Principles for Effective Deposit Insurance Systems, disponível em http://www.bis.org/publ/bcbs192.pdf. 146 66 Os custos operacionais devem ser facultados de maneira a não comprometer a sua autonomia e a entidade deve poder obter e utilizar os recursos necessários ao cumprimento das suas atribuições, tais como atribuir salários que permitam recrutar e manter nos seus quadros pessoal qualificado, ter a possibilidade de contratar peritos externos em situações específicas e orçamento para formação do seu pessoal. O FGD não possui recursos para recrutar e manter o seu quadro de pessoal qualificado, encontrando-se, ainda, dependente dos recursos do BM. Com efeito, os membros dos órgãos sociais do FGD recebem uma remuneração atribuída com base em senhas de presença, fixadas pelo Ministro das Finanças e suportadas pelo BM149. A entidade deve ainda ter pessoal dirigente com características adequadas de idoneidade e qualificação profissional, sujeitos a limitações relativamente aos seus mandatos, apenas podendo ser removidos do cargo durante o mandato por motivos indicados por lei e com justa causa150. O FGD limita os mandatos dos membros dos seus órgãos, ao estabelecer, no nº 1 do artigo 16 do Regulamento do FGD, que os membros dos órgãos do FGD exercem as respectivas funções por um período de cinco anos, renovável uma única vez. Porém, o mesmo diploma legal, embora faça referência sobre a possibilidade de exoneração dos membros dos órgãos do FGD no nº 2 do mesmo artigo, não prevê as situações que podem constituir justa causa para a sua remoção, o que não é consentâneo com as boas práticas internacionais sobre a matéria. Por outro lado, o FGD deve estar sujeita a auditorias externas regulares, cujos relatórios devem ser presentes a entidade perante quem o respectivo pessoal dirigente pode ser responsabilizado, ter aprovado um plano estratégico, realizar reuniões regulares e operar de uma forma transparente e responsável, divulgando regularmente informação sobre as suas actividades e práticas de gestão. O seu corpo de gestão deve ser estruturado de forma a minimizar conflitos de interesse com os órgãos dirigentes, sujeitando-os a códigos de conduta. No caso do FGD, a sua gestão está a cargo de uma Comissão Directiva composta por três membros, sendo o Presidente um membro do Conselho de Administração do BM ou por este designado, e outros dois nomeados por despacho do Ministro das Finanças, sendo um proposto pelas instituições de crédito participantes, ouvido o BM151. 149 Cfr. nº 2 do artigo 15, conjugado com o nº 2 do artigo 3, ambos do Regulamento do FGD. SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit. pg. 472 151 Cfr.artigo 17 do Regulamento do FGD. 150 67 A Comissão Directiva tem a prerrogativa de adoptar acções e medidas que se mostrem adequadas ao bom funcionamento e a realização do objecto do FGD. Para o efeito, ela tem um rol de competências previstas no nº 1 do artigo 18 do Regulamento do FGD, as quais se podem agrupar nos seguintes termos: a) Competências de natureza administrativa e de gestão: i. estabelecer a organização interna do FGD e emitir as instruções que julgar convenientes - alínea a); ii. aplicar os recursos disponíveis do FGD em operações financeiras, segundo critérios de gestão e plano de aplicações acordado com o BM - alínea j); iii. assegurar a realização de todos os procedimentos necessários à efectivação do reembolso ou a sua recusa, no prazo estabelecido, em caso de indisponibilidade alínea k); iv. adquirir e alienar quaisquer bens, direitos, indispensáveis ao seu funcionamento – alínea n); b) No âmbito do relacionamento com as instituições participantes: i. obter das instituições participantes os documentos e toda a informação que considere necessários a actividade do FGD, com a obrigação de observar as normas sobre o segredo bancário - alínea b); ii. transmitir instruções às instituições participantes, sempre que necessário, mediante circular ou outra forma apropriada, nomeadamente no que respeita a informação, periódica, a enviar ao FGD sobre a estrutura dos depósitos garantidos e os depósitos excluídos da garantia, bem como da lista de depositantes, entre outros elementos relevantes para as atribuições do FGD, de acordo com o formato e nos prazos de envio que por ele forem definidos -alínea c); iii. promover, de forma adequada, a publicação da relação actualizada das instituições participantes -alínea d); 68 c) No âmbito do relacionamento com o BM: i. prestar parecer ao BM relativamente aos critérios, metodologias de cálculo e fixação da taxa das contribuições das instituições participantes - alínea e); ii. propor ao BM, para posterior submissão ao Ministro das Finanças, a determinação de montantes, prestações, prazos e demais termos das contribuições especiais a efectuar pelas instituições participantes, quando os recursos do FGD se tornem insuficientes para o cumprimento das suas obrigações - alínea f); iii. solicitar ao BM informação sobre a situação económico-financeira das instituições participantes - alínea g); iv. comunicar ao BM a conduta das instituições participantes, no âmbito do objecto do FGD, que constituam irregularidades ou infracções ao Regulamento - alínea h); v. elaborar e submeter ao BM o orçamento de exploração do FGD para o ano seguinte, para que até 15 de Julho de cada ano seja remetido à aprovação do Ministro das Finanças - alínea l); vi. submeter ao BM o relatório anual e contas do FGD, para remissão, até 31 de Março de cada ano, a aprovação do Ministro das Finanças, devendo juntar o parecer do Conselho Fiscal e o relatório do auditor externo - alínea m). A Comissão Directiva pode encarregar algum ou alguns dos seus membros de certas matérias de gestão do FGD, delegar em algum dos seus membros a gestão corrente do FGD, bem como constituir mandatários com os poderes que julgar convenientes152. É dirigida por um presidente, a quem compete representar o FGD, em juízo ou fora dele, coordenar a actividade da Comissão Directiva, convocar e dirigir as reuniões da Comissão Directiva, bem como zelar pela correcta execução das deliberações da Comissão Directiva, sendo substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo membro da Comissão Executiva que ele designar, ou, não 152 Cfr. nºs 2, 3 e 4 do artigo 18 do Regulamento do FGD. 69 havendo designação, pelo membro mais antigo e, em igualdade de circunstâncias, pelo mais velho153. A fiscalização do FGD é exercida por um Conselho Fiscal, composto por três elementos nomeados por despacho do Ministro das Finanças. No exercício das suas funções de fiscalização, o Conselho Fiscal acompanha o funcionamento do FGD e zela pelo cumprimento das leis e regulamentos, competindo-lhe solicitar reuniões periódicas ou ocasionais com a Comissão Directiva, chamar atenção da Comissão Directiva para assuntos que entenda haver necessidade de ponderação e pronunciar-se sobre qualquer matéria que lhe seja submetida por aquele órgão, bem como emitir pareceres sobre o orçamento, relatórios e contas de actividade do FGD154. Sendo o Conselho Fiscal um órgão de fiscalização nos termos dos artigos 21 e 22 do Regulamento do FGD, é questionável a qualificação que o legislador faz deste órgão como um dos órgãos de gestão do FGD, de acordo com a epígrafe do Capítulo V (“Órgãos de Gestão”). É um lapso cometido pelo legislador, pois o nº 1 do artigo 15 do mesmo diploma legal ao estabelecer que constituem órgãos do FGD a Comissão Directiva e o Conselho Fiscal, pretende dizer que este (o Conselho Fiscal) é um dos órgãos do FGD, mas não é de gestão. Portanto, não pode haver dúvidas de que o órgão de gestão do FGD é a Comissão Directiva, tal como está previsto no artigo 17, que estabelece, expressamente, que “o FGD é gerido por uma Comissão Directiva (…)”. 2.4 Instituições participantes e forma de adesão Por força do disposto no artigo 4 do Regulamento do FGD, a adesão das instituições de crédito autorizadas a captar depósitos e sujeitas à supervisão prudencial pelo BM155 é 153 Cfr. artigo 19 do Regulamento do FGD. Cfr. artigos 21 e 22 do Regulamento do FGD. 155 Deste modo, não são obrigadas a aderirem ao FGD as instituições sujeitas à monitorização do BM, designadamente organizações de poupança e empréstimo, operadores de microcrédito e intermediários de captação de poupança. De acordo com o disposto no artigo 26, conjugado com a alínea j) do nº 4 do artigo 1 do Decreto nº 57/2004, de 10 de Dezembro, que aprova o Regulamento de Microfinanças, a monitorização consiste no mero acompanhamento, pelo BM ou por outra entidade agindo em seu nome, da prestação de serviços financeiros por operadores habilitados, que não sejam instituições de crédito e sociedades financeiras, focalizado na recepção de informação de carácter geral e periodicidade normalmente dilatada sobre os serviços financeiros por eles prestados, nomeadamente para fins estatísticos, tendo em vista o seguimento da actividade financeira por eles desenvolvida. 154 70 compulsória e automática. Ou seja, a adesão das instituições de crédito que estejam nas duas situações previstas na lei não depende da vontade das mesmas nem de formulação de pedido. Consequentemente, o incumprimento dessa obrigação pode, no limite, conduzir a revogação de autorização de actividade bancária e ao cancelamento do registo enquanto intermediário financeiro156/157. Para efeitos do Regulamento do FGD, depósito é o saldo credor que, nas condições legais e contratuais aplicáveis, deva ser restituído pela instituição participante e consista em disponibilidade monetária existente numa conta, estando abrangidos os fundos representados por certificados de depósito emitidos pelas instituições participantes, mas não os representados por outros títulos de dívida por ela emitidos, nem os débitos emergentes de aceites próprios ou de promissórias em circulação158. Nos termos da alínea h) do artigo 1 do Regulamento do FGD, supervisão prudencial é a actividade de fiscalização e acompanhamento, realizada pelo BM ou por outra entidade agindo em seu nome, do cumprimento de normas de natureza prudencial, nomeadamente sobre rácios de solvabilidade e limites de risco, entre outros indicadores prudenciais, tendo em vista, quer a protecção do sistema financeiro como um todo, quer a segurança dos fundos do público depositados em cada instituição em particular. Portanto, a adesão compulsória e automática torna o FGD incentivador, pois ao incluir todas as instituições sujeitas à supervisão prudencial do BM dilui o valor do prémio entre um grande número de participantes e evita a selecção adversa dos membros participantes, pois, se fosse voluntária, os bancos em melhor situação financeira poderiam optar por não fazer parte do sistema. Por outro lado, é vedada a possibilidade de saída das instituições participantes, porquanto o nº 1 do artigo 31 do Regulamento do FGD só prevê a saída das instituições participantes do 156 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 444. Na medida em que a não adesão ao FGD por parte de uma instituição de crédito autorizada a captar depósitos e sujeita à supervisão do BM corresponderia ao fundamento de revogação de actividade previsto na alínea e) do nº 1 do artigo 17 da Lei nº 15/99, de 21 de Julho (violação das leis e regulamentos que disciplinam a sua actividade ou não observar as determinações do BM, de modo a pôr em risco os interesses dos depositantes e demais credores ou as condições normais de funcionamento dos mercados monetário, financeiro ou cambial). 158 Definição dada pela alínea a) do artigo 1 do Regulamento do FGD. Entretanto, nos termos da alínea g) do nº 2 da LICSF, depósito é um “contrato pelo qual uma entidade recebe fundos de outra, ficando com o direito de deles dispor para os seus negócios e assumindo a responsabilidade de restituir outro tanto, com ou sem juro, no prazo convencionado ou a pedido do depositante”. 157 71 FGD por efeito de mudança de objecto, o que torna o FGD alinhado com as boas práticas internacionais. Ou seja, uma instituição participante só pode sair do FGD se, por exemplo, deixar de captar depósitos159, mas mesmo nesse caso, não há lugar a qualquer reembolso das contribuições entregues ao FGD, o que traduz a ideia da necessidade de solidariedade das instituições de crédito participantes. 2.5 Âmbito de cobertura do seguro de depósito O âmbito da cobertura de depósitos tem a ver com as questões relativas ao objecto da garantia (tipo de depósitos abrangidos, se abrange ou não depósitos em moeda estrangeira e os depósitos excluídos) e com o nível de cobertura (o limite adequado de cobertura – por conta, por depositante, por instituição ou uma combinação entre ambos). Relativamente ao objecto da garantia, são abrangidos pela garantia os depósitos a ordem, com pré-aviso e a prazo constituídos pelas instituições participantes, incluindo os titulados por pessoas singulares residentes em território nacional e expressos em moeda nacional 160. Desde logo, não são abrangidos pela garantia os depósitos de pessoas singulares residentes no estrangeiro. A esse propósito, a IADI161 advoga que a residência e nacionalidade dos depositantes são factores irrelevantes para se determinar a elegibilidade dos depósitos. Na verdade, o mais relevante é que os depósitos sejam expressos em meticais162, ainda que o titular seja uma pessoa singular com residência fora do país, que tanto pode ser de nacionalidade moçambicana ou de outra nacionalidade (um estrangeiro). Por isso, entendemos que a não de depósitos de pessoas singulares residentes no estrangeiro só pode encontrar justificação no facto de poder impactar no prazo para efectivação do reembolso, na medida em que iria demandar a necessidade de adopção de mecanismos de publicitação da indisponibilidade de depósitos bem como dos 159 Uma vez que, nos termos do artigo 4, participam obrigatória e automaticamente no FGD todas as instituições de crédito autorizadas a captar depósitos e sujeitas a supervisão prudencial do BM. 160 Artigo 5 do Regulamento do FGD. 161 Principle 8. 162 Pois a cobertura dos depósitos em moeda estrangeira pode encarecer o custo da garantia de depósitos e limitar o desenvolvimento o desenvolvimento do mercado em moeda nacional. 72 termos da operação de reembolso dos depósitos eficazes para depositantes residentes no estrangeiro163. Por outro lado, por força do n° 1 do artigo 6 do Regulamento do FGD, são excluídos da garantia os depósitos expressos em moeda estrangeira e os depósitos titulados por pessoas colectivas. Se os depósitos em moeda estrangeira fossem garantidos pelo FGD, teria de se definir se seriam reembolsados em moeda nacional ou estrangeira em caso de falência bancária, o que é determinante para efeitos de cálculo do risco cambial, pois se o reembolso fosse em moeda estrangeira o risco cambial iria onerar o FGD. Se o reembolso fosse em moeda nacional, seria importante definir previamente regras transparentes sobre a taxa de câmbio de conversão e da data. Se, pelo contrário, o FGD se propusesse a garantir a reposição de depósitos em moeda estrangeira, devia ter acesso a fundos suficientes em moeda estrangeira para que pudesse ser considerado credível. Portanto, a exclusão dos depósitos em moeda estrangeira prende-se com o reduzido peso dos depósitos em moeda estrangeira dentro do limite do escalão proposto (até 20.000,00MT abrange 60% das contas singulares, mas com um peso de apenas 1,45% do valor total dos depósitos em moeda estrangeira)164, o não encarecimento do custo da garantia de depósitos, a não limitação do desenvolvimento do mercado em moeda nacional e a criação de incentivos para a promoção de poupança em moeda nacional. A exclusão dos depósitos titulados por pessoas colectivas prende-se com o facto de serem entidades consideradas capazes de discernir a condição financeira de um banco e exercer a disciplina de mercado. Aqui recupera-se a ideia central de que o sistema de garantia de depósitos tem em vista proteger os pequenos depositantes, quer na perspectiva dos montantes que mobilizam, quer pela circunstância serem tipicamente desprovidos de capacidade para avaliar com o necessário discernimento, face ao desempenho das instituições de crédito, o risco que as suas poupanças correm165. 163 Visto que, dos termos do nº 4 do Regulamento do FGD, a informação sobre a indisponibilidade de depósitos, os termos da operação de reembolso dos mesmos, o período durante o qual o reembolso dos depósitos garantidos se realiza, a instituição de crédito pagadora, é publicitada em todos os balcões da instituição de crédito depositária e, pelo menos, num jornal de grande circulação no País. 164 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pg. 18. 165 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 459. 73 Porém, a razoabilidade desse fundamento pode ser questionável quando se incluem na categoria de pessoas colectivas as pequenas e médias empresas, sobretudo as primeiras, as quais não possuem uma estrutura organizativa capaz de exercer a disciplina de mercado como as pessoas colectivas de dimensão maior166. Também são excluídos da garantia os depósitos detidos por pessoas singulares e expressos em moeda nacional, quando tenham por seus titulares membros dos órgãos de direcção, administração ou fiscalização da instituição participante em causa, chefes-contabilistas ou equiparados ao seu serviço, auditores externos que lhes prestem serviço de auditoria ou pessoas com estatuto semelhante em outras empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, bem como os cônjuges, parentes ou afins em primeiro grau ou terceiros que actuem por conta daqueles depositantes167. Tem-se em vista evitar-se conflitos de interesses. Na verdade, os membros dos órgãos de gestão e de fiscalização ocupam um lugar de responsabilidade na condução e controlo dos negócios da empresa e estão, nessa medida, em posição privilegiada para aferir em que marés ela navega e se os ventos que sopram lhe são favoráveis ou adversos. Não tendo conduzido a empresa a bom porto, o legislador entendeu não disso poderem tirar qualquer proveito. Há sempre um risco moral associado, que decorre da circunstância de, face às funções que exercem, deterem informação relevante, que os coloca em posição de vantagem em relação aos demais interessados168. Porém, pode ser defensável que não sejam excluídos da cobertura os depósitos de pessoas próximas da instituição de crédito acima referidas, pois se estas têm depósitos na instituição de crédito, terão um incentivo ainda mais forte para adoptar políticas de risco sustentáveis, porquanto uma retirada de depósitos de entidades relacionadas, que tem acesso a informação mais fidedigna, pode precipitar uma corrida aos depósitos dessa instituição, em vez de fomentar a estabilidade. 166 O projecto de criação do FGD aponta ainda a pouca expressão económica para uma organização, empresarial ou institucional, do limite de cobertura (20.000,00MT). 167 Cfr. alínea a) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 6 do Regulamento do FGD. 168 PAULINO, Augusto, op. cit., pg. 179. 74 De acordo com esse entendimento, a presença de insiders que conheçam a solidez da instituição de crédito pode favorecer o retardamento da corrida aos depósitos por parte dos demais depositantes169. São igualmente excluídos da garantia, os depósitos que, por decisão transitada em julgado, tenham sido declarados a favor do Estado por prática de crime, os depósitos decorrentes de operações em relação as quais tenha sido proferida uma condenação penal, transitada em julgado, por prática de actos de branqueamento de capitais, bem como os depósitos relativamente aos quais o titular tenha obtido vantagens financeiras de tal forma desalinhadas das prevalecentes no mercado para condições idênticas, que tenham contribuído para agravar a situação financeira da instituição participante170. O Regulamento do FGD não se refere à eventual existência de dúvidas fundadas sobre a verificação de alguma das situações que determinam a exclusão desses depósitos da garantia, o que é factível. Para resolver esse tipo de situações, a legislação portuguesa, por exemplo, obriga que o FGD suspenda a efectivação do reembolso ao depositante em causa até ser notificado da decisão judicial que reconheça o direito do depositante ao reembolso. Caso haja uma decisão judicial de não reconhecimento do direito a cobertura pelo FGD após a efectivação do reembolso, a operação de reembolso é revertida a favor do FGD171. No que tange à fixação do limite de cobertura, o princípio que preside esse acto exige que os limites de cobertura sejam, em geral, baixos, de modo a limitar o risco moral e a incentivar o acompanhamento do desempenho dos bancos por parte dos grandes depositantes, mas suficientemente elevados para granjearem credibilidade. Nos termos do n.º 1 do artigo 7 do Regulamento do FGD, este garante o reembolso do valor global dos saldos de cada depositante, até ao limite fixado por Diploma do Ministro das Finanças, sob proposta do BM, considerando-se os saldos existentes a data em que se verificar a indisponibilidade de depósitos. Com efeito, o artigo 1 do Diploma Ministerial n.º 61/2016, de 21 de Setembro, que fixa o limite da garantia a reembolsar pelo FGD, prevê que o limite de garantia de reembolso pelo FGD é fixado em 20.000,00MT (vinte mil Meticais) por cada depositante e por cada instituição participante. 169 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 487. Cfr. alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 6 do Regulamento do FGD. 171 CAIADO, Aníbal Campos, Bancos, op. cit., pg.126. 170 75 De acordo com a fundamentação técnica apresentada pela Comissão para a Criação do FGD, para a fixação do limite de garantia de reembolso, procedeu-se à estimação do valor adequado do limite de garantia, tendo-se apurado que na banca microfinanceira mais de 96% dos saldos médios anuais das contas de depósito apresentavam-se abaixo de 10.000,00MT (1º escalão). Na banca tradicional ou comercial, a percentagem situava-se perto de 83% no mesmo escalão (1º escalão), só se aproximando do benchmark dos 90% quando adicionados aos valores do segundo escalão (6,1%) relativo aos depósitos médios anuais entre 10.000,00MT e 20.000,00MT, totalizando assim cerca de 89% das contas de depósitos dos bancos comerciais, em moeda nacional. Esta percentagem subia para 90%, se fosse considerado todo o sistema de forma consolidada, isto é, todas as instituições de crédito autorizadas a captar depósitos em Dezembro de 2005172. Ao restringir-se a protecção do seguro de depósitos aos pequenos depositantes, movendose os depositantes não segurados e os grandes investidores para o fim da fila, pretende-se aumentar a disciplina de mercado. Na verdade, a cobertura do seguro de depósito, tanto em termos de valores quanto na abrangência, deve ser tal que forneça a protecção suficiente para evitar a corrida bancária, mas sem comprometer o acompanhamento e monitoramento das instituições por parte dos depositantes, de modo a não incentivar o risco moral. Refira-se que o n.º 2 do citado artigo 7 do Regulamento do FGD, estabelece os critérios de determinação do valor global de cobertura, designadamente (i) o limite da garantia é considerado por depositante e por cada instituição participante, o qual não pode ser excedido, independentemente do número de contas que o titular tenha na mesma instituição, (ii) inclusão nos saldos dos depósitos dos respectivos juros, contados até a data em que se verificar a indisponibilidade e (iii) presunção, de forma inilidível de que pertencem em partes iguais aos titulares os saldos das contas colectivas, quer conjuntas quer solidárias, e pertencem aos representados, as contas abertas em nome de representantes legais. Portanto, a determinação de 20.000,00MT de limite de cobertura do seguro de depósitos não só resulta de aplicação de critérios científicos, mas também se afigura alinhada com as boas práticas internacionais. 172 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pgs. 13-14. 76 2.6 Funding Os recursos financeiros do FGD integram, em primeira linha, as contribuições iniciais provenientes do Estado e das instituições de crédito que no momento da entrada em vigor do Regulamento do FGD se encontravam em actividade, se tivessem constituído ou tivessem sido autorizadas a constituir-se, e as contribuições periódicas efectuadas pelas instituições participantes173. Numa segunda linha, contabilizam-se os rendimentos da aplicação de recursos, doações, o produto das multas aplicadas às instituições participantes e importâncias provenientes de outras fontes, não proibidas por Lei174. Em caso de necessidade, o FGD pode contrair empréstimos, mediante autorização do Ministro das Finanças175. Deste modo, do ponto de vista da fonte dos recursos, pode-se dizer que funding do FGD é misto, na medida em que o mesmo resulta de recursos públicos e privados. Com efeito, dos 75.000.000,00MT (setenta e cinco mil Meticais) do seu fundeamento inicial previsto no n.º 1 do artigo 11 do Regulamento do FGD, 60.000.000,00MT (sessenta milhões de Meticais) correspondem à contribuição do Estado, 15.000.000,00MT (quinze milhões Meticais) são da contribuição das instituições de crédito que se encontravam em actividade à data de entrada em vigor do Regulamento do FGD, ou que tinham sido constituídos ou sido autorizadas a constituir-se. O nº 2 do mesmo artigo estabelece que o Ministro das Finanças fixa por Diploma, sob proposta do BM, os critérios e modalidades de rateamento pelas instituições de crédito participantes, da contribuição inicial, os quais têm em conta o volume de depósitos captados por cada instituição. Com efeito, o Diploma Ministerial nº 223/2013, de 23 de Setembro veio determinar que a contribuição das instituições de crédito participantes para o fundeamento inicial do FGD é rateada pelas instituições participantes tendo em conta a percentagem de cada uma na totalidade dos saldos de depósitos à ordem, com pré-aviso e a prazo, titulados por pessoas singulares residentes em território nacional e expressos em moeda nacional, a 31 de Dezembro de 2012, junto de todas as instituições participantes, cabendo ao BM apurar e notificar cada instituição 173 Cfr. alíneas a) e b) do artigo 10 do Regulamento do FGD. CFR. alíneas c), d), e) e f) do artigo 10 do Regulamento do FGD. 175 Cfr. n° 2 do artigo 10 do Regulamento do FGD. 174 77 participante, com o conhecimento do FGD, do montante da sua contribuição inicial, bem assim o prazo até ao qual a mesma deve ser paga. Deste modo, Moçambique apoiou-se em fundos do Estado para a injecção inicial de capital no momento da implantação do sistema, tal como sucedeu, por exemplo, nos EUA, Rússia e Chile176. Tal justifica-se pelo facto de a promoção da estabilidade do sistema financeiro e o funcionamento da rede de segurança financeira serem importantes objectivos de política pública que beneficiam o país como um todo. O acesso a fontes públicas de financiamento, quando necessário, é aconselhável apenas no momento da implantação do sistema. Os apoios públicos frequentes podem diminuir a confiança pública no sistema e encorajar a tomada de risco indevida pelas instituições participantes. Do ponto de vista do mecanismo de financiamento, à primeira vista o FGD pode ser considerado ex-ante, visto que exige uma acumulação e manutenção de um fundo prévio para cobrir sinistros do FGD e as respectivas despesas, antes da ocorrência da insolvência de uma instituição participante. Ou seja, é estabelecido pelos seus membros através de contribuições, prémios de seguro e outros meios, de acordo com regras e critérios previamente estabelecidos. Sucede, porém, que o n.º 1 do artigo 13 do Regulamento do FGD prevê que quando os recursos do FGD se mostrarem insuficientes para o cumprimento das suas obrigações, o Ministro das Finanças, sob proposta do BM, pode determinar, através de Diploma, que as instituições de crédito participantes efectuem contribuições especiais, e definir os montantes, prestações, prazos e demais termos dessas contribuições. Resulta da disposição acima citada que o modelo de financiamento do FGD não é ex ante puro, na medida em que ao admitir contribuições especiais em caso de insuficiência de recursos para o cumprimento das suas obrigações, incorpora um mecanismo de captação de recursos ex post. Em face disso, pode-se concluir que o mecanismo de funding do FGD é híbrido, embora com características predominantemente de financiamento ex ante, o que significa que seguiu as orientações do IADI, na medida em que a escolha do mecanismo de financiamento do FGD 176 IADI (2006). 78 não recaiu nos modelos puros ex ante e ex post, mas na proporção relativa da confiança que o mecanismo de seguro tem entre ambos. Na verdade, o financiamento subsidiário pode permitir o reembolso dos depósitos de seguro a ser pago através de contribuições especiais de instituições sobreviventes. Porém, é importante que o mecanismo de financiamento contingencial seja bem administrado, que as regras do seu uso sejam definidas com clareza, para que os fundos públicos não sejam sobrecarregados ou usados de forma inapropriada. Por outro lado, o financiamento contingencial pode ser improvisado no momento em que for necessário ou previamente planificado. Mas a existência de um mecanismo previamente definido é mais vantajosa que um mecanismo improvisado, na medida em que a previsão das condições de financiamento e a existência de um recurso financeiro pode aumentar a segurança do sistema. No caso do FGD, o artigo 13 do respectivo regulamento remete para um diploma que poderá determinar os montantes, prestações, prazos e demais termos das contribuições especiais, o que pode não facilitar a quantificação dos custos associados ao encerramento de bancos insolventes. Ou seja, o Diploma do Ministro das Finanças que determina quais os montantes, prestações, prazos e demais termos das contribuições especiais já devia ter sido aprovado antes que as contribuições especiais sejam necessárias. De referir que as fontes para a obtenção de financiamento especial são diversas, nomeadamente o sector privado, tesouro nacional ou banco central, sendo estas duas últimas as fontes mais comuns para obtenção de financiamento. Caso não seja possível mobilizar recursos financeiros com rapidez necessária do Estado, devido aos aspectos legais e outros impedimentos, organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial, também podem ser utilizados em alguns casos, embora seja sempre necessária uma garantia estadual177. 2.7 Determinação do prémio de seguro Nos termos dos nº 1, 2 e 3 do artigo 12 do Regulamento do FGD, as contribuições são feitas na base de uma periodicidade anual, devendo as instituições de crédito participantes canalizá- 177 IADI (2006). 79 las ao FGD até ao último dia útil do mês de Maio de cada ano178, no valor a ser calculado em função dos valores médios dos saldos mensais dos depósitos abrangidos pela garantia do ano anterior, não considerando os depósitos excluídos pelo artigo 6 do mesmo diploma legal, de acordo com os critérios e metodologias fixados por Diploma do Ministro das Finanças, sob proposta do BM. Com efeito, o artigo 2 do Diploma Ministerial nº 62/2016, de 21 de Setembro, que aprova os critérios e as metodologias para o cálculo da contribuição anual periódica a entregar ao FGD pelas instituições de crédito autorizadas a captar depósitos pelo BM, estabelece a fórmula de cálculo do valor da contribuição anual, nos termos da qual, caso a variação dos depósitos elegíveis seja negativa, o resultado da contribuição periódica deve ser igual a zero. Para efeitos do disposto no artigo 5 do Regulamento do FGD, as instituições participantes são obrigadas a apurar todos os anos o volume médio dos saldos mensais dos depósitos elegíveis para o cálculo da contribuição anual, não se considerando no referido apuramento os depósitos excluídos nos termos do artigo 6 do Regulamento do FGD179. O volume total de depósitos elegíveis para uma determinada data, e que serve de base para o cálculo de contribuição anual de cada instituição de crédito, resulta do somatório das parcelas do volume total de depósitos existentes, para todos os depósitos inferiores ou iguais ao limite de garantia e o produto do valor limite da garantia pelo número de depositantes, cuja totalidade dos respectivos depósitos seja superior ao limite da garantia180. A aprovação dos critérios e metodologias de cálculo da contribuição anual acima referenciados foram antecedidos de uma avaliação do impacto das contribuições na condição financeira da banca, estimando-se também o nível de contribuição, prazo e número de instituições participantes necessários para que o fundo adquirisse autonomia financeira. Com efeito, a uma taxa de contribuição moderada de 0,5% (contra uma média mundial de 0,75%), obteve-se uma contribuição anual de 7 milhões de Meticais pelo conjunto das instituições de crédito autorizadas a captar depósitos, tendo por base os saldos médios dos 178 No mesmo sentido, artigo 1 do Diploma Ministerial nº 62/2016, de 21 de Setembro, que aprova os critérios e metodologias para o cálculo da contribuição anual periódica a entregar ao FGD as instituições de crédito autorizadas a captar depósitos pelo BM, acrescentando que a contribuição é entregue ao FGD por crédito em conta. 179 Cfr. artigo 4 do Diploma Ministerial nº 62/2016, de 21 de Setembro. 180 Cfr. artigo 5 do Diploma Ministerial nº 62/2016, de 21 de Fevereiro. 80 depósitos elegíveis do sistema bancário em 31 de Dezembro de 2005, incluindo bancos convencionais (95%), bancos especializados em microfinanças (4%) e cooperativas de crédito (1%)181. Portanto, o FGD não cobra das instituições participantes prémios ajustados ao risco, não se mostrando alinhado com as boas práticas internacionais. Optou-se pela abordagem do prémio por taxa uniforme, em que todas as instituições participantes pagam o mesmo valor, independentemente do seu perfil de risco. Conforme já foi referido, os prémios uniformes, na ausência de qualquer acção correctiva por parte da autoridade supervisora e reguladora, criam incentivos para que as instituições seguradas realizem transacções arriscadas e incertas, penalizando as instituições prudentemente geridas, além de significar uma distribuição injusta dos prejuízos do seguro entre as instituições sobreviventes, o que pode causar resultados indesejáveis a longo prazo e aumentar a exposição do sistema financeiro a falências. Sabe-se que um sistema de prémios diferenciados é mais complexo, pois pressupõe a existência de infra-estrutura capaz de gerar perfis de risco de cada instituição participante, o que exige recursos e a sua administração é onerosa182. Contudo, é recomendável que no futuro, quando as condições se mostrarem criadas, seja implementado pelo FGD. 2.8 Percepção pública Conforme já foi referido, para que um sistema de seguro de depósitos possa ser eficiente é essencial que o público seja informado constantemente sobre os benefícios e limitações do sistema de seguro de depósito. Uma ampla divulgação dessa informação ao público é fundamental para transmitir maior confiança nos depositantes. Por reconhecer que é crucial que o público esteja informado dos seus benefícios e limitações para a efectividade do sistema de seguro de depósitos, o projecto de criação do FGD recomendou o desenvolvimento de um plano de contingência de consciencialização pública antes da ocorrência de crises. 181 182 Projecto de Criação do FGD, op. cit., pg. 14. IADI (2006). 81 Sucede, porém, que desde a sua criação, o FGD pouco trabalho desenvolveu no domínio da percepção pública. Grande parte do público só tomou conhecimento da existência do FGD aquando da sua intervenção para o reembolso de depósitos em consequência da revogação de actividade do Nosso Banco, SA, cerca de seis anos depois da sua criação, o que explica também a forte indignação dos clientes desta instituição de crédito quando souberam que o valor máximo a ser reembolsado seria de 20.000,00MT. O FGD deve disponibilizar, no seu sítio da Internet, todas as informações que considere necessárias para os depositantes, nomeadamente as informações relativas ao montante, âmbito da cobertura e procedimento de reembolso dos depósitos, bem como obrigar as instituições de crédito que captam depósitos a prestarem ao público todas as informações pertinentes relativas aos seus depósitos, nomeadamente os seus montantes, o âmbito de cobertura e o prazo máximo de reembolso, bem como informar os depositantes sempre que os depósitos se encontrem excluídos da garantia, como passou a ser em Portugal, após as alterações introduzidas ao Regulamento do FGD daquele país, em 2009183. Ainda naquele país, por força do Aviso nº 9/2009, de 17 de Novembro, do Banco de Portugal, as instituições participantes no FGD passaram a ser obrigadas a dispor de um sistema de informação que permita identificar, a todo o tempo, os depósitos abrangidos pela garantia e excluídos da garantia e, bem assim, os respectivos depositantes, qualquer que seja o tipo ou natureza dos depósitos184. 2.9 Reembolso aos depositantes A resposta às questões sobre “quem” e “o que” beneficia da cobertura e o “quando” é que a cobertura se torna devida é crucial para um sistema de garantia de depósitos. O nº 1 do artigo 8 do Regulamento do FGD estabelece o prazo de três meses para efectuar o reembolso aos depositantes ou em prazo mais curto, se o puder fazer com segurança. A IADI advoga que os depósitos devem ser efectuados no prazo máximo de sete dias úteis. Mas para a Juventude e as condições operacionais actuais do FGD, não seria possível reembolsar os depósitos nesse prazo, podendo-se pensar na sua redução, a médio prazo, para 30 dias. 183 LEITÃO, José Luís et al, Produtos Bancários e Financeiros, Publicações Europa-América, 2ª Edição, Lisboa, 2011, pg. 29. 184 Idem, pg. 30. 82 Por outro lado, por força da disposição acima citada, o direito ao reembolso é desencadeado pela indisponibilidade dos depósitos, a qual se dá quando haja impossibilidade confirmada e comunicada pelo BM, de uma instituição participante restituir os depósitos nela constituídos nas condições legais e contratuais aplicáveis, quer por razões directamente relacionadas com a sua situação financeira quer por ter sido revogada a sua autorização para o exercício da actividade185. De acordo com a disposição legal acima citada, há duas situações que podem dar lugar à indisponibilidade de depósitos confirmada pelo BM: a primeira tem a ver com razões relacionadas directamente com a situação financeira da instituição e a segunda decorre da revogação do exercício da actividade da mesma. O segundo momento (revogação da autorização do exercício da actividade) parece simples de determinar, visto que decorre de um acto do Governador do BM, quando se verifique algum ou os fundamentos previstos no nº 1 do artigo 17 da LICSF186. Entretanto, o apuramento do primeiro pode revelar-se uma tarefa espinhosa, visto que pressupõe a verificação de três situações187. Primeiro, que a instituição de crédito não reembolse depósitos nas condições contratuais e legais aplicáveis. Porém, não é claro se basta que um depósito não seja reembolsado, para que se considere que todos os depósitos se consideram indisponíveis ou se só se pode ficar abrangido pelo regime de indisponibilidade dos depósitos (e da cobertura pelo Fundo), aquele(s) depósito(s) que não tenha(m) sido reembolsado(s) nas condições legais e contratuais aplicáveis. Neste último caso, antes da respectiva data de vencimento, nenhum depósito a prazo poderia ser objecto de cobertura nos termos do n.º 1 do artigo 5 do Regulamento do FGD. Segundo, que o não reembolso se deva a razões directamente relacionadas com a situação financeira da instituição de crédito. Não se define, no entanto, qual o grau ou estado da situação financeira relevante para este efeito. É certo que, se a instituição de crédito não dispõe de dinheiro em caixa que lhe permita reembolsar os depósitos, está preenchido o requisito legal. 185 Cfr. alínea e) do artigo 1 do Regulamento do FGD. Nomeadamente se a autorização tiver sido obtida por meio de falsas declarações ou outros expedientes ilícitos, se deixar de se verificar algum dos requisitos previstas no artigo 11 do mesmo instrumento legal, se a actividade não corresponder ao objecto estatutário autorizado, se cessar a sua actividade por período superior a 6 meses ou se violar as leis e regulamentos que disciplinam a sua actividade ou não observar as determinações do BM, de modo a pôr em risco os interesses dos depositantes e demais credores ou as condições normais de funcionamento dos mercados monetário, financeiro e cambial. 187 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 463. 186 83 No entanto, é possível que o banco tenha disponibilidades financeiras para reembolsar alguns dos primeiros depósitos, à medida que os mesmos forem sendo levantados logo a seguir. Não parece, contudo, fazer sentido depender o accionamento do FGD de um esgotamento completo dos cofres da instituição de crédito. Bastam os indícios que atestem uma situação financeira que não permita a instituição honrar todos os seus compromissos, ainda que possa fazer aos primeiros depositantes a chegarem ao balcão do banco para levantar os seus depósitos, designadamente quando existir uma suspensão generalizada dos pagamentos188 ou quando a falta de cumprimento de apenas uma obrigação, pelas circunstâncias de incumprimento, revele a impossibilidade de a instituição satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Terceiro, exige-se a intervenção do BM para certificar não só que a instituição já não pode reembolsar os depósitos por razões relacionadas com a sua situação financeira naquele momento, como também de, segundo o seu juízo, não ter perspectivas de vir a fazê-lo nos dias mais próximos. A certificação do BM da impossibilidade de a instituição restituir os depósitos nos dias mais próximos parece ser um elemento constitutivo da indisponibilidade dos depósitos, o que se poderia justificar pelo seu papel nas fases de saneamento/resolução das instituições de crédito. Uma intervenção precipitada do FGD poderia esvaziar a base de sustentação da actividade da instituição de crédito, precisamente quando esse suporte é mais necessário para permitir uma eventual reestruturação da instituição. Por outro lado, o facto de a lei prever um prazo máximo para a verificação dessa ocorrência pela primeira vez, denota bem que a discricionariedade do BM está fortemente limitada, sendo que, de todo o modo, enquanto pessoa colectiva de direito público, o BM está vinculado a prosseguir sempre uma finalidade de interesse público e encontra-se subordinado não apenas ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. Note-se que o legislador, ao utilizar o conceito de indisponibilidade de depósitos, fá-lo não para definir o estado de depósitos, mas antes o estado da própria instituição, o que conduziria 188 Na sequência, por exemplo, do cumprimento do dever de comunicação ao BM de situações de desequilíbrio financeiro, previsto no nº 1 do artigo 74 da LICSF. 84 à conclusão de que o FGD, quando intervém, é para reembolsar todos os depósitos que estejam registados numa instituição de crédito, dentro do limite máximo por depositante. Naturalmente que, concebido assim, é-se levado a interiorizar que o que faz sentido é o de que o momento de reembolso de todos os depósitos ande a par e passo com a revogação de actividade, a qual, produzindo os efeitos de insolvência189, determina o vencimento de todas as dívidas não sujeitas à condição de devedor. Mas em teoria, pode conceber-se um sistema em que os depósitos se vão, autónoma e distintamente entre si, tornando indisponíveis sucessiva e não simultaneamente, consoante as condições contratuais de cada um190. Pense-se, por exemplo, no caso de uma instituição que enfrenta problemas de liquidez para fazer face as suas responsabilidades actuais, mas que tem activos líquidos valiosos, que apenas poderão ser realizados a cinco anos. Pode ser sensato admitir-se que apenas os depositantes a ordem sejam colocados sob a alçada do FGD, evitando que a instituição de crédito se tenha de desfazer dos seus activos em condições desvantajosas, e que a instituição possa seguir o seu curso normal da sua actividade, reembolsando os depósitos a prazo com o prazo de vencimento longo num momento em que pode amortizar os seus activos em condições ideais191. No entanto, mesmo em termos práticos, o sistema não parece estar construído nesta lógica: os limites de crédito por titular de depósito passariam também a ter uma dimensão temporal (ou seja, quem já houvesse esgotado, num primeiro momento, o limite de reembolso, não poderia 20 anos mais tarde vir reclamar do FGD uma compensação por um diferente depósito que se tivesse tornado indisponível); todas as normas legais e regulamentares pressupõem que a instituição que origina o accionamento irá fornecer uma relação completa dos créditos dos depositantes, para que todos eles sejam ressarcidos192. 189 Cfr. nº 2 do artigo 17 da LICSF. SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., pg. 465. 191 Contra esse entendimento, sempre se diria que o crédito exigível dos depositantes a ordem não desaparece apos a intervenção do FGD, que se sub-rogaria nessa posição. Não está compreendido nas funções do FGD subsidiar ou conceder moratórias as instituições de crédito que originaram o accionamento, pelo que seria expectável que o FGD exigisse o reembolso do crédito dos depositantes em que se sub-rogou, nas mesmas condições que os depositantes pudessem fazer - SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., nota de rodapé 1055, pgs. 465-466. 192 SALAVESSA, Francisco Boaventura, op. cit., 466. 190 85 CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES O Regulamento do FGD incorpora a maior parte das características que os estudos especializados sobre a matéria recomendam que estejam presentes para que um sistema de seguro de depósitos seja considerado eficiente. Define explicitamente os seus benefícios, incluindo a cobertura e os limites, bem como os mecanismos de fundeamento. Os bancos participam de forma compulsória e automática no FGD. As responsabilidades do FGD e do Banco Central estão claramente definidas, bem como é vedada a saída voluntária das instituições participantes. Podemos afirmar que os objectivos de política pública subjacentes à criação do FGD foram atingidos, designadamente o reforço da estabilidade do sistema financeiro e a protecção dos pequenos depositantes. Com efeito, quando o Nosso Banco, S.A. foi encerrado, naquilo que foi o primeiro caso de insolvência bancária depois da criação do FGD, este procedeu ao reembolso de todos depositantes com valores até ao limite de cobertura (20.000,00MT), evitando assim, uma corrida aos bancos que podia comprometer a estabilidade do sistema financeiro. Portanto, a intervenção no reembolso de depósitos dos clientes do Nosso Banco, S.A foi um sinal claro de que o mesmo, não obstante a sua juventude, está preparado para cumprir a sua função primária, designadamente o reembolso de depósitos em caso de insolvência de um banco, o que conferiu credibilidade do FGD como uma instituição determinante no restabelecimento da confiança no sistema financeiro nacional. Porém, há aspectos que carecem de aprimoramento para tornar o FGD mais eficiente, no que tange nomeadamente, os relacionados com os poderes e responsabilidades, âmbito de cobertura, funding, determinação do prémio, percepção pública e efectivação do reembolso. Quanto aos poderes e responsabilidades, entendemos que o FGD devia evoluir do sistema de simples pay box para o modelo ou sistema de pay box plus, em que passaria a intervir preventivamente, prestando colaboração em planos de recuperação e resolução de instituições de crédito, e participar em operações que reputar ajustadas para fazer face a situações de desequilíbrio financeiro de instituições de crédito participantes193, evitando-se até a criação de mais um fundo, com vocação exclusiva de financiar medidas de resolução que estão em processo de criação. 193 Tal como defende Maria João Rodrigues, Depósito Bancário, in Temas de Direito Bancário II”, Cadernos O Direito, nº 9, Almedida, 2014, pg. 312 e ss, citada por PAULINO, Augusto, op. cit., pg. 177. 86 Por outro lado, deve ser vedada a possibilidade de o FGD actuar como liquidatário por indicação do BM, tal como sucedeu na liquidação de dois microbancos visto que, ao sub-rogarse nos direitos dos depositantes na medida do reembolso que tiver efectuado, torna-se simultaneamente credor e liquidatário da instituição liquidada, o que é potencialmente gerador de conflito de interesses. Tal pode concretizar-se através da clarificação do alcance do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 2 do Regulamento do FGD, que prevê a possibilidade da participação do FGD nos processos de dissolução e liquidação de instituições conduzidos pelo BM, quando para tal tenha sido por este convidado, de modo a que essa função complementar não inclua o desempenho do papel de liquidatário das instituições participantes. Relativamente à estrutura operacional, embora o Regulamento do FGD preveja a duração dos mandatos dos órgãos sociais do FGD, fazendo menção à possibilidade de exoneração dos respectivos titulares e estabelecendo do princípio da irresponsabilidade dos empregados do FGD pelos actos que pratiquem no exercício de funções relacionadas com as atribuições do mesmo, desde que ajam de boa-fé, é omisso quanto às situações que podem consubstanciar justa causa para a sua remoção, contrariando as boas práticas internacionais. No que concerne ao âmbito de cobertura, há três aspectos que podem ser considerados críticos, designadamente a exclusão dos depósitos de pessoas colectivas de forma indistinta, a ponto de abarcar as pequenas empresas, a exclusão de depósitos de pessoas próximas da instituição de crédito, nomeadamente cônjuge, parentes ou afins em primeiro grau, e a exclusão de depósitos cujos titulares tenham obtido vantagens financeiras que tenham contribuído para agravar a situação financeira da instituição participante. A exclusão de depósitos de pessoas colectivas é justificada pelo facto de estas serem entidades consideradas capazes de discernir a condição financeira de um banco e exercer a disciplina de mercado. O facto de as pequenas empresas fazerem parte de pessoas colectivas, faz com que os depósitos das mesmas também sejam excluídos, como se fossem capazes de conhecer a condição financeira de um banco como sucede com as pessoas colectivas que, por serem de maior dimensão, dispõem de uma estrutura organizacional com pessoal capacitado para efectuar estudos de mercado. Em relação à exclusão das pessoas próximas da instituição de crédito da cobertura, uma vez que elas têm acesso à informação previlegiada , a sua retirada pode precipitar uma corrida aos depósitos da instituição, em vez de fomentar a estabilidade. Contrariamente à posição que 87 tem sido defendida e que foi assumida pelo sistema de seguro doméstico, a inclusão dos depósitos de pessoas próximas da instituição de crédito pode incentivá-las a adoptar políticas de risco sustentáveis, visto que a presença de pessoas que conhece a solidez da instituição de crédito pode favorecer o retardamento da corrida aos depósitos por parte dos demais depositantes. Quanto à exclusão de depósitos cujos titulares tenham obtido vantagens financeiras que tenham contribuído para agravar a situação financeira da instituição de crédito insolvente é importante que se preveja uma disposição que permita que, em caso de dúvida sobre a verificação dessa situação, o FGD suspenda a efectivação do reembolso ao depositante em causa, até ser notificado da decisão judicial que reconheça o direito do depositante ao reembolso. Tal permitiria que, caso haja uma decisão de não reconhecimento do direito a cobertura após a efectivação do reembolso, a operação de reembolso fosse revertida a favor do FGD. No que tange ao funding, a análise que efectuamos permite-nos concluir que o mecanismo de funding do FGD é híbrido, embora com características predominantemente de financiamento ex ante, o que significa que seguiu as orientações do IADI, na medida em que a escolha do mecanismo de financiamento do FGD não recaiu nos modelos puros ex ante e ex post, mas na proporção relativa da confiança que o mecanismo de seguro tem entre ambos. Entretanto, o artigo 13 do Regulamento do FGD remete para um diploma a determinação dos montantes, prestações, prazos e demais termos das contribuições especiais. Ora, afigura-se necessária a determinação prévia dos montantes, prestações, prazos e demais termos dessa modalidade de contribuições, para facilitar a quantificação dos custos associados ao encerramento de bancos insolventes. Por isso, o Diploma do Ministro das Finanças que determina quais os montantes, prestações, prazos e demais termos das contribuições especiais já devia ter sido aprovado antes que as contribuições especiais sejam necessárias. Quanto à determinação do prémio do seguro, o sistema de contribuições ajustadas ao risco, embora seja de gestão mais complexa e implicar a partilha de informações entre os integrantes da rede de segurança financeira, o que requer o desenvolvimento de métodos para avaliação de perfis de risco e a garantia de que as informações são fiáveis e tempestivamente divulgadas, não só é mais justo, como atenua a questão do risco moral, ao oferecer às instituições 88 participantes um incentivo para serem mais prudentes na gestão de risco. Neste contexto, é de se considerar a sua adopção pelo FGD, ainda que seja a longo prazo. No que tange à percepção pública, é fundamental que haja acções concretas para uma ampla divulgação dos objectivos do FGD, para que o público tenha pleno conhecimento dos benefícios e limitações do sistema de seguro de depósito, pois uma ampla divulgação dessa informação transmite aos depositantes maior confiança nas instituições bancárias. Por ser crucial que o público esteja informado dos seus benefícios e limitações para a efectividade do sistema de seguro de depósitos, o projecto de criação do FGD recomendou o desenvolvimento de um plano de contingência de consciencialização pública antes da ocorrência de crises, o que não veio a acontecer. Por essa razão, grande parte dos depositantes e do o público em geral só veio a tomar conhecimento da existência do FGD aquando da liquidação do Nosso Banco, SA, altura em que emitiu um comunicado assegurando que iria proceder ao reembolso de depósitos até ao limite de cobertura, cujo montante também era praticamente desconhecido, o que, conforme dissemos, esteve na origem de algum desalento. O dever de publicitação dos objectivos do FGD deve ser extensivo às instituições de crédito participantes, obrigando-as a prestar informação pública de todas as informações pertinentes relativas aos seus depósitos, nomeadamente os montantes, o âmbito de cobertura e o prazo máximo de reembolso, além da identificação das disposições aplicáveis, bem como a disporem de um sistema de informação que permita, a todo o tempo, identificar os depósitos abrangidos pela garantia e excluídos da garantia, qualquer que seja o tipo ou natureza dos depósitos. Com efeito, o nº 2 do artigo 29 do Regulamento do FGD estabelece que as instituições participantes devem prestar aos depositantes, informações sobre a garantia de depósitos, designadamente quanto ao âmbito, limite e prazo de reembolso de garantia. Todavia, até ao presente momento não há evidências de que as instituições participantes estejam a cumprir com esse dever. No que diz respeito à efectivação do reembolso, afigura-se necessário definir claramente o estado financeiro relevante para o accionamento do reembolso, no sentido de definir se basta que um depósito não seja reembolsado, para que se considere que todos os depósitos se consideram indisponíveis ou se só se pode ficar abrangido pelo regime de indisponibilidade 89 dos depósitos (e da cobertura pelo Fundo), aquele(s) depósito(s) que não tenha(m) sido reembolsado(s) nas condições legais e contratuais aplicáveis. Por outro lado, não se define, no entanto, qual o grau ou estado da situação financeira relevante para este efeito. Se a instituição de crédito não dispuser de dinheiro em caixa que lhe permita reembolsar os depósitos, pode-se concluir estar preenchido o requisito legal. No entanto, é possível que o banco tenha disponibilidades financeiras para reembolsar alguns dos primeiros depósitos, à medida que os mesmos forem sendo levantados logo a seguir. De referir que o Regulamento do FGD é omisso quanto à classificação dos créditos do FGD resultantes do reembolso aos depositantes, prevendo apenas que se sub-roga nos direitos dos depositantes na medida do reembolso que ver efectuado. Entendemos que o Regulamento devia prever e qualificar expressamente que esses créditos são privilegiados, devendo ser pagos em primeiro em concurso com outros credores privilegiados, pois o contrário colocaria o FGD numa situação em que dificilmente recuperaria os valores do reembolso, pondo em causa a sua necessária solidez financeira o que, em última análise, pode constituir uma ameaça à estabilidade do sistema financeiro. De jure condito, só se pode qualificar os créditos que o FGD tem sobre a instituição liquidada como privilegiados através de um exercício hermenêutico. Com efeito, porque a subrogação importa a transmissão, para o sub-rogado, das garantias e outros acessórios dos direitos do sub-rogado que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente, também adquire a qualidade de credor privilegiado do banco liquidado, devendo ser pago em primeiro lugar, em concurso com os demais credores privilegiados previstos no artigo 41 da Lei nº 30/2007, de 18 de Dezembro, que regula o processo de liquidação administrativa das ICSF. 90 PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ALLEN, F., GOLDSTEIN, I., and LEONELLO, A., Government Guarantees and Financial Stability, 2017, disponível em https://www.bing.com/search?q=government+guarantees+and+financial+stability &form=EDNTHT&mkt=pt AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 4ª edição, Edições Almedina, Coimbra, 2015; ATHAYDE, Augusto de, ATHAYDE, Augusto Albuquerque de, e ATHAYDE, Duarte, Curso de Direito Bancário, Vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009; CAIADO, Aníbal Campos, Bancos, Normativos, Contabilidade e Gestão, Edições Sílabo, 2015; CARMAsSI, Jacopo et all, Completing the Banking Union with a European Deposit Insurance Acheme: who is afraid of cross-subsidisation? 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Nacional 1. Constituição da República de Moçambique, publicada no BR n.º 51, I Série, de 22 de Dezembro de 2004; 2. Lei n.º 1/92, de 3 de Janeiro – Lei Orgânica do BM, publicada no BR n.º 001, I Série, 2º Suplemento, de 03 de Janeiro de 1992; 3. Lei n.° 15/99, de 1 de Novembro – Regula o estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e sociedades financeiras, publicada no BR n.º 43, I Série, 4º Suplemento, de 1 de Novembro de 1999; 4. Lei n.° 9/2004, de 21 de Julho - altera a Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro, publicada no BR n.º 29, I Série, de 21 de Julho de 2004; 5. Lei n.° 30/2007, de 18 de Dezembro - Regime do Processo de Liquidação Administrativa das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, publicada no BR n.º 50, I Série, 6º Suplemento, de 18 de Dezembro de 2007; 6. Lei n.º 11/2009, de 11 de Março – Lei Cambial, publicada no BR n.º 010, I Série, de 11 de Março de 2011; 7. Lei n.º 7/2012, de 8 de Fevereiro – Estabelece os Princípios e Normas que Definem as Bases Gerais da Organização e Funcionamento da Administração Pública, publicada no BR n.º 6, I Série, de 8 de Fevereiro de 2012; 8. Lei n.º 16/2012, de 14 de Agosto (Lei da Probidade Pública), publicada no BR n.º 32, I Série, de 14 de Agosto de 2012; 9. Decreto-Lei n.º 1/2010, de 31 de Dezembro – Regime Jurídico de Seguros, publicado no BR n.º 052, I Série, 4º Suplemento, de 31 de Dezembro de 2010; 10. Decreto n.° 56/2004, de 10 de Dezembro – Regulamento da Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, publicado no BR n.º 048. I Série, 2º Suplemento, de 10 de Dezembro de 2004; 11. Decreto n.° 57/2004, de 10 Dezembro – Regulamento das Microfinanças, publicado no BR n.º 48, I Série, 2º Suplemento, de 1º Dezembro de 2004; 12. Decreto n.º 49/2010, de 11 de Novembro – Regulamento do FGD, publicado BR n.º 45, I Série, de 11 de Novembro de 2010; 13. Decreto n.º 30/2011, de 11 de Agosto – Aprova o Regulamento das Condições de Acesso e de Exercício da Actividade Seguradora e da Respectiva Mediação, publicado no BR n.º 032, I Série, 2º Suplemento, de 11 de Agosto de 2011; 98 14. Decreto nº. 83/2010, de 31 de Dezembro – Regulamento da Lei Cambial, publicado no BR n.º 052, I Série, de 31 de Dezembro de 2010; 15. Diploma Ministerial n.º 222/2013, de 23 de Setembro – aprova o Plano de Contas do Fundo de Garantias de Depósitos, publicado no BR n.º 114, I Série, de 23 de Setembro de 2013; 16. Diploma Ministerial n.º 223/2013, 23 de Setembro – aprova os critérios e modalidades de rateamento, pelas instituições de crédito participantes, da contribuição para o fundeamento inicial do FGD, publicado no BR n.º 114, I Série, de 23 de Setembro de 2013; 17. Diploma Ministerial n.º 61/2016, de 21 de Setembro – fixa o limite da garantia a reembolsar pelo FGD, publicado no BR n.º 113, I Série, de 21 de Setembro de 2016; 18. Diploma Ministerial n.º 62/2016, de 21 de Setembro – estabelece os critérios e metodologias para o cálculo da contribuição anual periódica a entregar ao FGD pelas instituições de crédito autorizadas a captar de depósitos e sujeitos à supervisão prudencial do BM, publicado no BR n.º 113, I Série, de 21 de Setembro de 2016; 19. Aviso n.º 7/GBM/2017, de 2 de Junho - aprova os capitais mínimos para as instituições de crédito e sociedades financeiras e operadores de microfinanças, publicado no BR n.º 38, I Série, de 2 de Junho de 2017. B. Estrangeira 1. Lei n.º 62/VIII/2014, de 26 de Fevereiro - Lei das Actividades e Instituições Financeiras de Cabo Verde; 2. Lei n.º 1/99, de 23 de Abril - Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras de Angola; 3. Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras de Portugal; 4. Portaria n.º 285-B/95 (2ª Série), de 15 de Setembro, que aprova o Regulamento do Fundo de Garantia de Portugal; 5. The Banking and Financial Institutions Act, 2006 (Tanzania), disponível em http://ww.bot.go.tz/BankingSupervision/BAFIA2006,pdf.; 6. Deposit Protection Corporations Act Chapter 24:29 (Zimbabwe), disponível em http://www.dpcorp.co.zw/legislation.html. 99