Subido por Andrea Ciacchi

(Luciano Zangheri) Bloco Histórico

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Bloco Histórico
Renato Zangheri
http://www.acessa.com/gramsci/texto_visualizar.php?mostrar_vocabulario=mostr
a&id=632
Confunde-se freqüentemente o conceito gramsciano de bloco histórico, que é um
conceito histórico e analítico, com o de alianças sociais, ou de bloco social.
Gramsci formulara com grande clareza, em sua ação como dirigente do Partido
Comunista, o problema das alianças da classe operária, particularmente nos anos
imediatamente anteriores à prisão. Nas teses do Congresso de Lyon (janeiro de
1926), afirma-se a necessidade de pôr em primeiro plano, entre os aliados do
proletariado industrial e agrícola, os camponeses do Sul e das Ilhas. No escrito
sobre a Questão meridional (novembro de 1926), Gramsci indica “o consenso das
amplas massas camponesas” como a condição para mobilizar contra o capitalismo
a maioria da população trabalhadora. Os intelectuais, na concreta situação italiana,
têm um papel decisivo na formação das alianças. Com efeito, eles contribuem, no
Mezzogiorno, para vincular os camponeses aos grandes proprietários rurais. É
necessário quebrar este vínculo através da formação, na massa dos intelectuais, de
uma tendência de esquerda, “no significado moderno do termo, ou seja, orientada
para o proletariado revolucionário”.
Coloca-se em outro plano, como dissemos, o conceito de bloco histórico, que se
refere à questão teórica central do marxismo: a relação entre estrutura e
superstrutura, entre teoria e prática, entre forças materiais e ideologia. Gramsci
rejeita toda visão determinista e mecanicista desta relação. Não existe uma
estrutura que mova de modo unilateral o mundo superestrutural das idéias, não há
uma simples conexão de causa e efeito, mas um conjunto de relações e reações
recíprocas, que devem ser estudadas em seu concreto desenvolvimento histórico.
É fundamental quanto a isso a pesquisa empreendida nos Cadernos do cárcere.
Gramsci tende a considerar abstrata a distinção entre estrutura (as relações sociais
de produção) e superestrutura (as idéias, os costumes, os comportamentos morais,
a vontade humana). Na concretude histórica, há convergência entre os dois níveis,
uma convergência que conhece a distinção e a dialética, mas que se resolve numa
“unidade real”.
A pretensão (apresentada como postulado essencial do materialismo histórico) escreve Gramsci - de apresentar e expor toda flutuação da política e da ideologia
como uma expressão imediata da estrutura deve ser combatida, no plano teórico,
como um infantilismo primitivo, ou, no plano prático, valendo-se do testemunho
autêntico de Marx, escritor de obras políticas e históricas concretas.
Com efeito, existe uma dificuldade para identificar estaticamente, em cada
momento concreto, a estrutura. Na realidade, a estrutura entendida em si,
separadamente do processo histórico, não existe: e, ainda que ela seja
objetivamente identificável, trata-se de um movimento no interior da história, não
de uma realidade externa à história e situada abaixo dela. Por isso, a política deve
levar em conta as tendências de desenvolvimento da estrutura, mas isso não
significa que todas elas devam necessariamente se realizar. Disso decorre a
possibilidade do erro político, que o materialismo histórico mecânico não admite,
considerando que todo ato político é rigidamente determinado pela estrutura.
Trata-se, ao contrário, de captar um movimento e suas contradições.
O mesmo critério vale para o exame das relações entre teoria e prática. Gramsci
observa que, até mesmo nos novos desenvolvimentos do materialismo histórico
(referindo-se provavelmente à experiência soviética), “o aprofundamento do
conceito de unidade da teoria e da prática está apenas numa fase inicial: ainda
existem resíduos de mecanicismo. Fala-se ainda da teoria como ´complemento` da
prática, quase como um ´acessório`”.
Toda a polêmica de Gramsci dirige-se contra o economicismo e o pragmatismo
dos intérpretes do marxismo da Segunda e da Terceira Internacionais, e, ao
mesmo tempo, contra toda concepção idealista, especulativa, que anula ou
subordina os fatos práticos e materiais. Existe, ao contrário, uma “reciprocidade
necessária” entre estruturas e superestruturas, “reciprocidade que é precisamente o
processo dialético real”.
Sublinhar o valor dos elementos de cultura e de pensamento não tem um
significado apenas teórico e de método histórico. Remete-nos ao problema das
alianças e dos intelectuais: o consenso, a direção política e cultural, são “forma
necessária do bloco histórico concreto”. Nenhuma formação histórica dotada de
consistência e de futuro pode prescindir de uma expressão intelectual e moral, de
um cimento de idéias e de valores.
Ideologia e fanatismo
Fabio Mussi
Gramsci conhece bem todas as acepções negativas do conceito de “ideologia”:
falsa consciência, construção mental arbitrária, puro reflexo da estrutura
econômica, etc. Mas, numa curta nota de um dos primeiros Cadernos, uma vez
analisado “o sentido pejorativo da palavra”, lembra que, “mais ou menos” – ele
não dispõe do texto para conferir – Marx usara expressões do tipo: “quando esta
maneira de conceber tiver a força das crenças populares, etc.” A força das crenças
populares.
Gramsci é um estudioso da “crença” fundamental dotada de “força”: a religião.
Ele escreve: “A força das religiões, e notadamente da Igreja Católica, consistiu e
consiste no seguinte: elas sentem intensamente a necessidade de união doutrinária
de toda a massa ‘religiosa’ e lutam para que os estratos intelectualmente
superiores não se destaquem dos inferiores”. A ideologia, pois, é um aspecto de
massa das concepções filosóficas. A filosofia tem uma dimensão orgânica,
mostra-se com características de universalidade, expressa a visão “alta” de uma
classe, de um bloco histórico, de uma hegemonia. A ideologia é a forma pela qual
ela se torna ação concreta, transformação da realidade, força real. Aliás, é uma
autêntica “fase intermediária entre a filosofia e a prática cotidiana”.
Gramsci é um marxista inimigo do economicismo. Rechaça a vulgata segundo a
qual é a “estrutura” que “determina” diretamente. Estuda a complexidade da
sociedade, a articulação das funções, os elementos que interagem e as diversas
combinações em que se apresentam, a sobrevivência de uma fase histórica em
outra ou o “jogo” dos deslocamentos ideológicos de uma classe para outra, de
uma área para outra, de uma nação para outra. Num trecho dos Cadernos, dá o
exemplo do “direito natural”, que, “se está morto para as classes cultas, é
conservado pela religião católica e está mais vivo entre povo do que se supõe”.
Estruturas materiais e estruturas ideais se interpenetram. E cada uma delas se
dispõe em camadas diversas. Existem os “grandes sistemas” (e, na Itália, antes de
tudo Gramsci se via diante daquele de Benedetto Croce) e as idéias difusas que
vão compor o “senso comum”. A batalha hegemônica, pois, obriga a um esforço
tanto no nível da filosofia quanto no nível da ideologia. Isto implica a construção
de um “sistema” mais “alto”, mais compreensivo de realidade e de ciência, e, ao
mesmo tempo, a penetração de massa, dado que uma “nova maneira de conceber”
pode assumir “força material”.
Mas, na batalha hegemônica, o que é dominante: a política, a economia ou a
filosofia?
Se estas três atividades são os elementos constitutivos de uma mesma concepção
do mundo, deve existir necessariamente, em seus princípios teóricos,
convertibilidade de uma na outra, tradução recíproca na linguagem específica
própria de cada elemento constitutivo: um está implícito no outro e todos, em
conjunto, formam um círculo homogêneo.
Gramsci introduz aqui um tema que lhe é muito caro: o tema da tradutibilidade
das linguagens. Veremos mais adiante que relação mantém com a questão do
“fanatismo”.
Nos anos 1920, Gramsci não subestimara a função do utopismo, da crença
religiosa e mitológica, do fanatismo. Tanto na continuidade histórica das
ideologias, quanto – do ponto de vista das classes subalternas em combate – nos
períodos de recuo e derrota política (e este era o momento em que lhe cabia viver:
o fascismo). De todo modo, o “fanatismo” lhe aparece como um elemento de
subalternidade:
Mas, para as grandes massas da população governada e dirigida, a filosofia ou
religião do grupo dirigente e dos seus intelectuais apresenta-se sempre como
fanatismo e superstição, como motivo ideológico próprio de uma massa servil.
Assim, se estas massas querem se libertar do seu estado servil, devem se libertar
do fanatismo. Como?
Compreender e valorizar com realismo a posição e as razões do adversário (e o
adversário é, em alguns casos, todo o pensamento passado) significa justamente
estar liberto da prisão das ideologias (no sentido pejorativo, de cego fanatismo
ideológico), isto é, significa colocar-se em um ponto de vista “crítico”, o único
fecundo na pesquisa científica.
Mas é o único fecundo também na luta política, social, de classe. Para Gramsci, a
questão aqui se torna candente. Na URSS, a revolução socialista tomara a forma
do stalinismo. O marxismo europeu corrente e dominante no movimento operário
é um marxismo dogmático, ou seja, carregado de peso religioso e atitudes
fanáticas. Ele percebe que o o “filósofo da práxis” (o marxista), que vive no
terreno das contradições históricas e vê em perspectiva um mundo sem
contradições, corre imediatamente o risco de criar uma utopia. Percebe também o
risco de uma outra contradição: uma concepção historicista, que mostra as origens
práticas de toda “verdade” que se crê eterna, bem como seu valor provisório, não
pode negar que isso seja válido também para si mesma. Mas, deste modo, não
se abalam “aquelas convicções que são necessárias para a ação”?
Mas, definitivamente, Gramsci vê o perigo maior neste fato:
[...] que a própria filosofia da práxis tende a se transformar numa ideologia no
sentido pejorativo, isto é, num sistema dogmático de verdades absolutas e eternas.
É um juízo nítido, uma previsão clara. O dogmatismo (“traduzido”, naturalmente,
num sistema político e econômico) marcou toda uma época histórica do
marxismo. Gramsci começou a combatê-lo do fundo de um cárcere fascista. Só
muitas décadas depois é que tal crítica poderia se refletir num movimento político
de alcance mundial.
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