MEDITERRÂNEO PUXAR O PESO PARA SI PÍLULA SEMANAL #05 | HUGO MESQUITA Nesta semana temos um tema que gira em torno do relacionamento entre pessoas, sobretudo os relacionamentos afetivos, estáveis, em que há compartilhamento de responsabilidades. Ou seja, em que aquele elemento da vida ordinária, das tarefas, dos deveres está incorporado e ele atravessa o relacionamento. 1 Então, efetivamente, o que acaba acontecendo? Existem muitas coisas a serem feitas no campo prático. Coisas do dia a dia: trabalho, trabalho profissional, trabalho remunerado, trabalho de casa, compromissos, lembrança de datas e tudo o mais. Em geral, o que vai tende a acontecer? Tendemos a entrar naquela lógica: se cada um fizer sua parte, está tudo bem. 2 Não é mais ou menos assim que a gente faz? O peso, quando dividido, fica leve para todo mundo. Falamos muito essas coisas. “Ah, cada um ajuda o outro”, né? “Eu ajudo, você ajuda. Cada um faz sua parte”. Cada um cumpre a sua parte e beleza, né? Não é que isso aí está errado. O problema é: quando eu parto dessa perspectiva, ou seja, quando eu já parto de antemão dessa ideia de que todo mundo vai cumprir a sua parte, eu faço o meu e espero que o outro faça o dele, não é assim? 3 E se o outro não fizer? Aí, nesse elemento, orbitam uma série de problemas e picuinhas que vão aparecendo. Gostaria de sugerir uma perspectiva diferente para entrar nessa lógica. Cenário real: eu puxo para mim o peso das coisas. Ou seja, eu puxo para mim a responsabilidade. Eu faço o que eu tenho que fazer? Faço. Sobrou tempo? Faço o que o outro tem que fazer também, puxo para mim. 4 Se eu parto do pressuposto: “Olha, eu vou puxar a responsabilidade para mim. Eu vou puxar o peso, a densidade das coisas, para mim”, ou seja, eu vou me ocupar daquilo sem ficar pensando no que é meu e no que é do outro, no que é minha responsabilidade e no que é responsabilidade do outro. Simplesmente vou fazer e vou puxando para mim. 5 Se alguma coisa deu errado, eu vou puxar para mim. “. Quando eu puxo a responsabilidade para mim, com o tempo eu convido o outro a dividir esse peso. Agora, alguém pode estar dizendo: “Ah, mas eu faço, faço, faço, o outro não faz nada...”, veja bem: eu não estou falando para você fazer isso esperando que o outro vá fazer em algum momento, mas fazer isso com alegria, com amor. Fazer de um jeito que a pessoa não vai nem notar que você está... Porque você está fazendo com alegria. Em algum momento, a pessoa se sente convidada a participar daquilo. 6 Ela percebe que você fica mais gente, que você fica mais adulto. Puxar o peso para si convida o outro a participar da divisão do peso. Novamente: sem a expectativa de que isso vá acontecer. É paradoxal, é uma ação pura. Ou seja, eu estou agindo e ponto. Eu não estou colocando, na minha ação, aquele peso: “Você também tem que fazer” Quando eu transformo esses atos de serviço, de entrega e de compartilhamento em: “Não, eu vou pegar para mim, eu vou pegar para mim, vou pegar para mim...”, eu vou tornando o meu ambiente mais amável. Torna a vida mais amável, mais agradável. 7 Então, fica interessante estar em torno de mim, mas quando eu faço isso com atitude boa. Não adianta eu fazer isso com uma má vontade, fazer isso já reclamando, já jogando um peso na pessoa, senão não vai funcionar. Pra que ficar cobrando o outro? Falar não muda nada. O que muda é fazer, puxar o peso para si, carregar o peso, com uma atitude amável, alegre, carinhosa, tranquila, pacífica, que cria, em volta de mim, uma aura luminosa. Eu crio um espaço, em torno de mim, em que as pessoas conseguem se movimentar com qualidade, com tranquilidade: Eu reproduzo, naquele ambiente, algo análogo ao que deveria ser a primeira infância. Em que a pessoa se sente segura para agir no mundo. 8 Só assim eu começo a conseguir provocar uma mudança para bem no clima do meu ambiente, e assim as coisas ficam muito boas. Alguém pode dizer: “Ah, mas, se eu fizer isso, eu não vou me anular?” Esse é o tipo de expressão que não significa nada, é uma expressão vazia. Ninguém se anula por servir. No ideal do mundo de hoje, a ideia é: cada um por si, cada um faz o seu, se vira. 9 Nos filmes e séries que mostram relacionamentos, é visível a total incapacidade de compartilhar uma vida. Total. As pessoas começam a sofrer, a chorar, com defeitinhos. “Ai, que ele não fez o café... Porque me olhou assim... Não respondeu assado... Não perguntou isso... Não fez aquilo... ela é bagunceira" 10 10 As pessoas começam a ficar muito atentas a tudo aquilo que o outro deveria fazer, que ele espera que ele faça. Ou seja: eu quero conviver comigo, não quero um outro. Eu não estou tendo um relacionamento pessoal. Eu não tenho uma relação de alteridade. Eu quero um “eu” na minha frente. 11 Tive um professor muito engraçado, muito divertido. Não que fosse simpático porque não era. Era engraçado pelo jeito dele. Professor de linguagem, psicanalista. Ele falava sobre como as pessoas têm essa mania de se relacionar sem relacionar. Ou seja, eu me relaciono com a projeção que eu faço de mim no outro. 12 Ele falava assim: “Conheci uma pessoa...”, Aí vem a conversa: “Montanha ou mar?”, “Montanha”, “Ar-condicionado ou ventilador?, “Ventilador”. Aí no final: “Bate tudo”. Então ele diz: “Conheci uma pessoa especial: eu”. Eu achei especial exatamente isso: traços meus e que eu projetei no outro e ele confirmou. Aí, quando a pessoa para de confirmar, eu digo: “Me decepcionei com aquela pessoa". Claro, descobri que ela não sou eu. 13 A MENTALIDADE É:" EU AMO O OUTRO NA MEDIDA EM QUE ELE SOU EU”, NA MEDIDA EM QUE EU ME ESPELHO NELE E QUE ELE ATENDE ÀS MINHAS EXPECTATIVAS, E SÃO EXPECTATIVAS MUITO BAIXAS. NÃO ESTOU FALANDO DE EXPECTATIVAS DO TIPO: COMPARTILHAR VALORES... NÃO. “AH, NÃO, ELE NÃO RI QUANDO EU ACHO QUE ELE TEM QUE RIR”, “AI, ELA NÃO LAVA A LOUÇA DEPOIS DA REFEIÇÃO”... N U C G E A I R B A É ” A L E , H “A “A H, ELE N Ã O É B 14 C E D M O ” A AM ENTÃO, QUAL O SEGREDO? PUXAR O PESO PARA SI, PUXAR A RESPONSABILIDADE PARA SI. DEIXA COMIGO, DEIXA QUE EU MATO NO PEITO. QUANDO EU FAÇO ISSO DE MANEIRA ALEGRE, DE MANEIRA TRANQUILA, PACÍFICA, AMOROSA, O OUTRO SE SENTE CONVIDADO A FAZER O MESMO. AÍ SIM OCORRE O EQUILÍBRIO, UM EQUILÍBRIO DINÂMICO. NÃO ESTÁTICO. É COMO NAQUELAS HISTÓRIAS CONTADAS SOBRE O INFERNO. O SUJEITO MORREU E PÔDE DAR UMA OLHADA NO INFERNO. 15 Lá tinha um sopão gigante e todo mundo com umas colheres muito compridas, daí eles tentavam comer com aquela colher e não conseguiam: ficava um batendo na cara do outro e ninguém conseguia. “Ai, que coisa horrível, deixa eu ver o Céu”. Chegou no Céu e viu a mesma cena: sopão, colher grandona e, aí vem o detalhe: um servindo o outro. A diferença está no serviço. A diferença está no: “tá bom. Essa colher é grande, então eu vou te servir”, eu não me preocupo. Ação de serviço sem expectativa, mas repleta de esperança. 16 MEDITERRÂNEO CONTEÚDO: HUGO MESQUITA | @HUGOJMESQUITA DIAGRAMAÇÃO E ARTE: JEOVAH FIALHO | @JEOVAHFIALHO DISPONÍVEL PARA DOWNLOAD: WWW.OMEDITERRANEO.COM.BR