POEMAS L e t r w , Curltlb» (32) 213-226 - 1983 - UFPR 213 TELÚRICO Helena Kolody Adormeceu o camponês velhinho, recostado na árvore irmã. Sonha que seus pés deitam raízes, são ramos sussurrantes os seus braços, onde as aves do céu tecem os ninhos. Zumbem ao redor as louras abelhas. Sonha que se integra na paisagem, devolvido ao barro original. EMIGRANTE Helena Kolody Arfa, no porto, o mar. Soluça dentro dalma do emigrante o longo apito do navio em despedida. Treme, na lágrima do olhar, a paisagem da pátria. Mas, o apelo fascinante do mar acorda seu desejo de aventura, o anseio de partir em busca de uma terra prometida. Quem dilacera assim, entre a saudade e a esperança, o coração do emigrante? Ë a v i d a . . . é a v i d a . . . é a vida. TRÍPTICO Helena Kolody I Sempre me seguiu em segredo, paralela à vida, sombra de meu gesto, rastro de meus passos. Letras, Curitiba (32) 139-151 - 1983 - UFPR 215 Habituei-me à sua presença. Quando me cingir, dormirei em seu regaço materno o grande sono sem sonhos. II Fascina-me o sol de Teu reino, o mistério do outro lado. Temo, porém, as sombras do vale. Segura a minha mão, Pai, na hora de passar. III Antes de transpor o horizonte, percebo, enfim, que a vida sempre foi radiosa. A tristeza não estava na vida, morava em mim. PASSADO PRESENTE Helena Kolody Ilusório regressar, pelos caminhos de agora, aos dias que se apagaram. O rosto de ontem murchou. Lugar que foi, não é mais. O viver é diferente. Em nós, porém, tudo existe e não se extingue jamais. Vida guardada em lembranças, a saudade nos devolve todo o presente de outrora. 216 Letra',. Curitiba (32) 166-190 - 1983 - UFPR LÍNGUA LUSITANA (Língua Portuguesa de Olavo Bllac) Trad. O. Portella Ultime fios Latii, inculte et belle, Eodem tempore splendor et sepultura, Aurum nativum quod in mole impura, Rudis fodina inter glareas velat. Amo te sic, ignota et obscura, Tuba magni clangoris, candida lyra, Quae habes procellae sonitum et sibilla, Amoris solitudinisque gemitus. Amo tuam formam rudem et odorem Inviolatae silvae et oceani lati! Amo te o rudis et dolens sermo In quo voce materna audivi: "Mi fili!" Et Camo ploravit in exilio amaro Infelix ingenium amoremque opacum. ROBOTHOMEM Oswaldo Portella Estranho neologismo a vida cria Enquanto mais moderna eia se torna; O Homo Sapiens na máquina se enfia E sai do outro lado o robothomem. De parto bestiai nasceu um ser híbrido Que assusta só crianças: lobisomem; De outro parto mil vezes mais terrível Surgiu um outro monstro: o robothomem. Por braços tem poderosas tenazes, Na boca, com seus dentes de engrenagem, Qual Saturno os seus filhos dilacera Em troca de vantagens tão falazes. Como é que pode ser de Deus a imagem Quem no coração só maldade encerra? Letras, Curitiba (32) 139-151 - 1983 - UFPR 217 O PAVÃO SE QUEIXA A JUNO Oswaldo Portella Ó Juno, ó Juno! — grita o pavão, Nenhuma fortuna os deuses me dão! Por que eu não tenho a voz do sabiá Que canta e encanta a todos por cá? De mim todos riem se abro meu bico, ó Juno, ó Juno! tão triste eu fico! Ah! Deixa tua queixa, ó tolo pavão, Os deuses te deram o mais belo dom! Ninguém se compara a ti em beleza, O porte garboso te faz uma alteza! No belo pescoço brilha a esmeralda E abres em leque a mais bela cauda! ó Juno, ó Juno, de que adianta Se a muda beleza já não encanta? Os deuses às aves cedem os dons E todas recebem justo quinhão: A ti formosura, à águia vigor, Ao corvo augùrio, à gralha lavor; As outras contentes estão com sua sorte, Tu tão somente desprezas teu dote. Não tentes mostrar o dom que não tens, Feliz tu serás, inveja a ninguém. O CAO F I E L Oswaldo Portella Ladrão toleirão Ladrão toleirão Se pensas tapar-me A boca e usar-me Que não ladre não Que não ladre não 218 Letra',. Curitiba (32) 166-190 - 1983 - UFPR Pois muito te enganas Conheço a chicana Da côdea de pão Da côdea de pão De ti não aceito E só me deleito Da mão do patrão Da mão do patrão Se pensas que lucras De mim quando buscas Cooperação Cooperação Pois perde a esperança De mim nada alcanças Sou fiel ao patrão Sou fiel ao patrão POEMA Sigrid Rénaux sou livre, imponderavelmente livre nas águas, ser flutuante no ventre do universo — pássaros e nuvens pousam comigo entre azuis marinhos e celestes — e ouço, entre o arfar das ondas, minha respiração — poderosa como o próprio arfar da terra no seio das águas. ESPERANDO O CORCEL ALADO ("Esqueço, esqueço sempre que não tenho o corcel alado". Tagore). Adelaide M. Villa As gazes róseas ao sabor da brisa marinha armaram-se em corolas elevaram-se como pássaros adejaram quais asas febricitantes fugindo do meu corpo deslizante Letras, Curitiba (32) 139-151 - 1983 - UFPR 219 rorejado pelo rocio da vaga explodindo; olhos ansiosos pesquisando o verde profundo imaginando-o campina ondulante para o roçagar da flor desatando-se em pétalas delicadeza de pássaro alisando sua plumagem transparência da borboleta detendo-se em beijos na espera da tagoreana montaria que me levaria à ternura eterna... A tentação superou o medo do ignorado incitando-me à corrida fantasiosa guiando o corcel alado deixando rastro de perfume fru-fru de asas sabor de nectar delírio de deslumbrante rosai milagre das gazes esvoaçantes aumentando meus desejos viageiros rumo aos confins do mar à moradia de eterna ternura região de paz êxtase sublime com que a alma vive a sonhar e aonde o corcel sabe como chegar. PRELÚDIOS Adelaide M. Villa Esta carência de coisas novas de paisagens desconhecidas de emoções apenas intuídas.. . Esta fadiga indefinível por esforços não realizados esquecendo êxitos passados... Este despojamento de defesas esta entrega sem resistência aos vários volteios da existência... Serão prelúdios de " e u " diferente remorsos de males não atender desejos de só com a ventura conviver? 220 Loiras. Curitiba (32) 213-226 - 1983 - UFPR TRES POEMAS PARA LOS HERMANOS MUERTOS Miguelina Soifer I Vivir es hendir, cortar, nadar, somorgujar un cuerpo con eje de equilibrio acuoso tiempo. Pero vendrá la metamorfosis: os lo advierto. Estáos preparados para la explosión en el pecho para cubrir los pálpitos de las arterias asombradas para clausurar el latido vivo de las visceras. Estáos preparados para la pérdida de la vida para el acceso a las islas sin suelo para el circuito de la sangre traslúcida. Y no temáis el oleaje de invasiones sucesivas de la nada [anegando vuestros ojos porque ciegos arribaréis sin grito a las ingrávidas playas [transparentes. Os lo advierto. II El hombre es signo de opacidad, sin duda. Y capaz de movimiento y no sobrevive a las catástrofes. El roer del hombre muerde el universo creado la marca de su ojo como uña la mordida del hombre; pero la Niebla que lo trasciende nada graba aureola indistinta bruma indescifrada. Todo el aprendizaje de soledad creciente por la tierra no es suficiente al hombre: deverá devorarlo el inaudible solo de la nada gimiendo a sus oídos yertos. Y el hombre no es para la vida. Las flores del hombre duelen de florecer y — rojas llamaradas — entero le consumen. El tiempo le transborda y yace cuerpo velado por fuegos entre sus luminosas aprehensiones. III El párpado cerrado guardará la negra imagen del solo o j o pero se irisará lo uno en un espectro séptuplo Letras, Curitiba (32) 139-151 - 1983 - UFPR 221 siete veces infinito infinitamente séptuplo Se irradiará lo circular cerrado se irradiará hasta la concordancia con la esfericidad de lo Oculto. No tardarán los tiempos no tardarán como capullos juntos que se entreabren juntos se entreabrirán unísonos cual dedos florecerán todos los tiempos florecidos en simultaneidad. Se abrirán ignorados se sorberán las almas en simultaneidad, los iris espectrados en eternidad. Se quemarán fuegos vivos de irrealidad, arderán fuegos altos. Consumiendo límites focos prenderán en vuestros cabellos y os ascenderán elevándose en pureza y os alejarán. CANÇÃO Brunilda Reichmann Lemos 13.04 83 Preciso anotar esta canção antes que eu perca a memória Preciso cantá-la antes que venha a aurora Uma canção de Ismália Que na torre enlouqueceu Doremifá Preciso Preciso Preciso cantá-la antes que a lua se esvaia Preciso acabar esta canção antes da hora Do pranto, da prece Preciso cantar o ponto que se perdeu no infinito Preciso contar o fato que se tornou circunscrito Preciso cantar agora Preciso cantar Preciso Preciso cantar agora A canção de Ofélia à beira do rio Doremifá Preciso aprender com as águas 222 Letras. Curitiba (32) 213-22« - 1B83 - UFPR Toadas de ribanceira Preciso trazer dos becos Os ecos de pederneiras Preciso aprender com a vida Aquilo que a morte pratica Preciso cantar Preciso Antes que venha o arrebol Antes que o pássaro amigo Desperte o companheiro antigo Preciso cantar agora Quando Ismália enlouçueceu Pos-se na torre a cantar Quando Ofélia enlouqueceu Pos-se desvairada a entoar Doremifá Preciso cantar agora a canção que nunca fiz Preciso saber agora da rima e do matiz Preciso de sua esmola Lua gélida de prata Preciso do seu acalanto Antes do meu despertar Preciso cantar Preciso Preciso cantar agora Preciso N O I T E DO ABSOLUTO Brunilda Reichmann Lemos Janeiro 1983 O choro convulso na alameda de pinus Ave Maria cheia de graça A arredar a ladainha do padre que se impregna inoportuna O Senhor é convosco Bendita sois vós entre as mulheres O choro convulso Dezenas, centenas de anos num soluço contido E bendito é o fruto de vosso ventre Jesus Noite de trevas convulsas Loucuras Santa Maria Mãe de Deus Angústia tresloucada Força mais forte que a vida Dor mais forte que a morte Letras, Curitiba (32) 139-151 - 1983 - UFPR 223 Rogai por nós pecadores Maldita sou eu entre as mulheres Maldita a hora da concepção Maldita a hora da consumação Agora Maldita a semente que gerou Maldito o óvulo que fecundou Maldita a hora que chegou Quando foi isto o que restou E na hora de nossa morte Choro convulso da alameda de pinus Via única Sem retornos Sem paz Sem trégua Sem luz Amém. LOREINA SANTOS-SILVA: a poesia de Puerto Rico Cecilia Zokner Dc sua cátedra na Universidade de Mayaguez, ela discorre, com paixão, sobre Literatura. Em outros momentos, pode ser uma ativa presidente do Primeiro Congresso de Criação Feminina, realizado na Universidade. Mas, essencialmente, e sempre, Loreina Santos-Silva é uma poetisa. Uma poetisa apaixonada, inquieta, voltada para a vida e para o sentir do ser humano. E, nunca, esta sua faceta se mostrou com tanta força como no seu último livro dc poemas Vocero del mar. expressão dos homens do mar, voz que, por razões que tão bem conhecemos, dificilmente terá condições de ser ouvida. Loreina Santos-Silva lhes deu uma voz ao fazer suas as palavras dos pescadores portoriquenhos o que ela, aliás, deixa bem claro ao explicar o processo criativo desses versos: "Debo reconocer que el estilo del livro "Vocero del mar" es tanto de los pescadores como mío. Esto lo podrán combrobar al leer una entrevista típica y el poema que surje de la misma". O que é, realmente, possível no que se refere ao segundo poema do livro. O tema do primeiro, Loreina Santos-Silva o narra com suas próprias palavras e quanto à fonte dos demais, são apenas referenciadas em notas no final do livro. Porque toda a matéria poética de Vocero del mar nasceu de um diálogo diante do mar que a poetisa manteve com um pescador. O relato que dele escutou ficou a se agitar na sua cabeça e ela decidiu recolher pedaços de vida, de histórias das pelejas dos pescadores com as águas. Para isso 224 Letra',. Curitiba (32) 166-190 - 1983 - UFPR vai até os povoados de pescadores para esperar o seu regresso e, então, fala coni aqueles que julga os mais representativos, os mais antigos na arte da pesca. Saturada de suas narrativas espera que o poema aflore. Vocero del mar contém quarenta e um poemas. Vinte e nove tem origem em entrevistas com os pescadores que são citados nominalmente em nota a cada poema. A fonte dos outros doze são relatos ou lendas contadas coletivamente. Assim é o milagre dos peixes que se repete, é a visão de objetos fosforescentes e estranhos, é a morte d um pescador, é a loucura da mulher para quem o mar devolve o marido morto, é a espera de um cão pelo dono que não volta. N o todo, como que a dialética do homem e do mar. Um mar imenso, fonte de vida ao oferecer os seus frutos e razão de morte ao ganhar a batalha travada pelo homem pela sua sobrevivência. Um homem-herói ao voltar com as redes cheias, vítima quando chega arrastado, atirado na areia. Subjacente. a dialética da voz primeira, recriando a experiência vivida com a voz que está vivendo o momento criativo. POEMA XXXVI (dedicado a Anna Loreina) ¿Qué cosa tiene la niña? Lleva el párpado prendido con alfileres de riña... Allá lejos la corriente, —una fuerza enloquecida— arrastra a los pescadores, se los lleva a la deriva... ¡Ya rompe el escalofrío el hondanal de la herida! ¿Qué cosa tiene la niña? Lleva el párpado prendido con alfileres de riña... En la playa, ojos de plomo recordando están la noche... "Espuma y ola salvajes le trajeron a la orilla aquel rostro que en su boca bebiera el jugo de v i d a . . . " Bote que lleva la mar no te olvides de la orilla porque en la arena te aguarda la soledad de una niña... Letras, Curitiba (32) 139-151 - 1983 - UFPR 225 POEMA XXXVII Ay, el perro, ¡cómo mira la ola de mar adentro que se arrima hasta la orilla! El amo en el torbellino pierde el hábito de v i d a . . . Ay, el perro, ¡cómo mira! Ya no recuerda aquel bote que se fuera mar adentro como un pez a la deriva... Ya no recuerda unos ojos, reflejos en sus pupilas... Ay, el perro, ¡cómo mira! Cuerpo y ánima de piedra buscan en el horizonte del amor la ansiada espiga y una lágrima de sal aún le tiembla en las pupilas... POEMA IV Corriendo estaba la sirga tras un pez en alta mar, ¡ay, de pronto pica el bruto, turbulento medregal... ! Ya me arrastra por las ondas eróticas de la m a r . . . ¡Con un cansancio de siglos bogando mi cuerpo va! Escucho en la lejanía al duendecillo del juego peligroso de la mar tarareando una cantiga más vieja que la verdad: "Una noche de borrasca me agarra la tempestad mi barea trepa las olas —cabra del monte en la m a r . . . " Albergando la esperanza de romper la soledad me voy camino a la orilla con el fulgor en los ojos del fuego del más allá... 226 Letra',. Curitiba (32) 166-190 - 1983 - UFPR