VERSÕES ALEMÃS DA BÍBLIA EM COMPARAÇÃO 69 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Apresentação Teresa Seruya Universidade de Lisboa Sociedade Científica Aceitei o convite da Profª Doutora Maria Laura Pires para apresentar o Prof. Doutor Bernardo Jerosch Herold com prontidão, pelo grande gosto que a tarefa me proporcionaria. São já vários anos de convívio com este cidadão português de origem alemã que encontrei em actividades ligadas ao intercâmbio com a Alemanha, em encontros científicos, com amigos comuns, em sua casa, no diálogo inter-religioso e, mais recentemente, no júri do Prémio de Tradução Científica e Técnica em Língua Portuguesa. Em todas as ocasiões pude apreciar e aproveitar da sua cultura vasta e profunda muito para além da sua Química, do seu saber, sempre envolto em modéstia, do seu gosto por uma boa conversa, do seu sentido do religioso e do seu empenho na comunidade evangélica alemã de Lisboa. Professor jubilado do Instituto Superior Técnico, onde também se licenciou em Engenharia Química-Industrial, ali ensinou e investigou ao longo de mais de quatro décadas. Doutorou-se pela Universidade de Heidelberg, após o que ascendeu à cátedra no IST. Foi professor convidado em universidades estrangeiras e, em Portugal, colaborou com outras instituições universitárias, como a Universidade Nova de Lisboa. Ao longo do tempo esteve envolvido em diversos projectos de investigação nacionais e internacionais e publicou estudos e artigos em numerosos livros e revistas nacionais e estrangeiros. O seu interesse pela história da ciência levou-o a realizar investigação pioneira na história da Química, assunto que o conduziu também à tradução técnica, onde teve papel de relevo no enriquecimento do vocabulário científico em português. É membro de várias sociedades científicas e academias, entre as quais a Academia das Ciências. Por tudo isto, o Prof. Bernardo Jerosch Herold revelou-se o orador adequado para tratar das traduções alemãs da Bíblia, verdadeiramente iniciadas pela auspiciosa tradução de Martinho Lutero, o pai do alemão moderno que aprendi a admirar através da sua visão desta notável, ainda que polémica figura do Cristianismo. É com todo o interesse que voltamos a ouvir falar dele e que acolhemos o Bernardo na Universidade Católica. 70 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 AS VERSÕES ALEMÃS DA BÍBLIA EM COMPARAÇÃO Bernardo Jerosch Herold Universidade Técnica de Lisboa 1 0. Introdução A palestra informal em que o presen te ar tigo se baseia nã o prete ndeu ser mais que uma a cçã o de divulgação, desti nada a des perta r o in teresse pelo tema em título, dentro d as limitações de uma exposiçã o or al dura nte uma escassa hora. Não se indicam referên ci as bibliográficas, por a matéria de facto em q ue o texto se baseia p oder ser co nsiderada como do con hecimento comum. A exposição segue em traços gerais uma ordem cro nológica , começa ndo com os manuscritos antigos q ue serviram de base às várias tradu ções e terminan do com a enumeração das tradu ções alemãs da Bíblia actu almente em uso. 1 Bernardo Jerosch Herold nasceu 1933 em Lisboa. Frequentou sucessivamente, nesta cidade, a Escola Alemã, a Escola Valsassina, o Liceu de Camões e o Instituto Superior Técnico. Depois de concluir aí o curso de Engenharia Químico-Industrial doutorou-se na Universidade de Heidelberg. Professor Catedrático de Química Orgânica Industrial do Instituto Superior Técnico desde 1962 foi jubilado em 2003. Além da sua actividade docente e de investigação na sua especialidade, procurou, através de leituras e viagens instruir-se sobre assuntos variados de história e cultura. Nos seus últimos anos de docência também leccionou sobre história das ciências, realizando alguma investigação nesse domínio. Como membro da Congregação Evangélica Alemã de Lisboa, exerceu funções no Conselho Congregacional desde 1975, tendo-lhe presidido de 1979 até 1995. Esta congregação, fundada em 1761, um exemplo de diáspora protestante num país de maioria católica, levou-o a interessar-se pela história das relações interconfessionais, internacionais e interculturais, para o que também contribuiu o ambiente bilingue de alemão e português, e o conhecimento de francês e inglês. Traduziu várias obras científicas alemãs e inglesas e presidiu durante vários anos ao júri do prémio de tradução científica da União Latina e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Acompanhou numerosas iniciativas ecuménicas. Assim, participou em 1983 na Universidade Católica Portuguesa no Simpósio por ocasião do 5º centenário do nascimento de Lutero. No ano de 2000 deu uma palestra “Lutero: Contributo para a Fé Cristã”, também na Universidade Católica Portuguesa que, posteriormente, foi publicada no livro Dois Mil Anos: Vidas e Percursos das Edições Didaskalia. Lisboa 2001. 71 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 1. Traduções da Bíbl ia anterio res ao sécu lo XV I (manuscr itos ) A história das tra duções de tex tos bíblicos tem origens tão remo ta s que a própria data ção se to rna difícil. Assim não s e tem a certeza se foi no século III, II ou I a. C. que, segu ndo a tra diçã o, se tenta sábios se re uniram em Alexandria para trad uzirem a Bíblia Hebraica para grego koiné (grego comum do período helenístico). Essa tradu ção (Fig. 1) é conhecida pela designaçã o latina de Septuaginta e serviu de texto intermediário em tra duções posteriore s para outr as línguas. Foi o caso da chamad a Bíblia de Wulfila (o mesmo que Ulfila) do século IV, uma trad u ção na língua gó tica a p artir de textos gregos da Septuaginta e do Novo Testamen to (Fig. 2). Trata -se da primeira tradução da Bíblia para uma língua germânica. Foi usada pelos god os que eram adep tos da dou trina do arianismo. Na transição d o sé culo IV p ara o V, São Jerónimo (3 47 - 420) (Fig. 3 ) tradu ziu em latim a Bíblia Hebrai ca (com o s textos em hebrai co e aramaico chamados mas oréticos , com origem num grupo de jude us do sé culo VII a X chamados masore tas). Além disso tr aduziu aqueles tex tos gregos ( chamad o s deutero can ónico s ou ap ócrifos ) da Septuaginta que não fazem p arte do cânone definid o pelos masoretas par a a Bíblia Hebraica. Finalmente também tradu ziu os do Novo Testamento grego. Es se conju nto viria a cons tituir a chamada Vulgata que su bstituiu na Igrej a Católica Romana , p or muito s séculos , as trad uções latinas an teriores , qu e na parte respeitante a o Antigo Testamen to tinham tido exclusivamen te a Se ptuaginta como texto de par tida. Nos finais do século X uma tradução em vetero -inglês (inglês antigo) foi escrita nas e ntrelinhas d o Evangeliário de Lindisfarne (Inglaterr a) do século VIII. Ao longo do século XIV houve um númer o considerável de ten tativas de trad uzir a Bíblia em várias línguas nacio n ais. As mais importantes f oram as seguintes: En tre 13 82 e 138 4 John Wycliff e (1320 - 13 84) tra duziu a Vulgata em ingl ês vernáculo. Entre 13 90 e 14 00 tam bém foi tra duzida em alemão, n o reinado de Ven ceslau IV da Boémia (136 1 - 141 9), da ndo o rigem à chamada Wenzelsbibel. 72 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 1: Fr agmento de um r ol o de papir o da Sep tua g in ta . Estas tradu ções s ó estavam dispo níveis como ma nuscri tos. A su a expansão e impacto ficaram muito a quém das tradu ções pu blicadas como livros depois da inven ção da impressão. Fi g. 2: Repr oduç ão de um a pági na da Bí bl i a de Wul fi l a ( Fr agm ento do Co d ex a rg en teu m , conser vado na bi bl i oteca da Uni ver si dade de Uppsal a) 73 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 3. São Jer ónim o tal com o Al br echt Dür er ( 1471 -15 28) o i m agi nou no seu escr i tór i o. 2. A Reforma nos vário s paí ses europeus. A história da s tradu ções da Bíblia está de tal forma en trosa da com a história da Reforma que se torna indispe n sável record ar aq ui as prin cipais datas da mesma. A data , que se torn ou sim bólica com o início da Reforma , é 31 de Ou tubr o de 151 7, dia em que Lute r o (Martin Lu ther , 14 83 - 154 6) afixou as suas 9 5 teses na por ta da Igreja do Ca stelo de Wittenberg. Aquilo q ue inicialmente pare cia ser apenas um libelo contra o comér cio de Ind ulgências alargou-se a ou tros as pe ctos da oposi ção a um conj unto de do utrinas e práticas da Igreja da época. Em 15 21 na Di eta de Worms, Lu tero e os seus seguidores for am excomungados e pr oscritos no S acr o Império ( Édito de Worms). Em 1522 Zuínglio (Huldrych Zwingli, 14 84 -1 53 1) inicia a reforma em Zurique. Em 15 29 , a segu nda dieta de E s pira (Speyer) reite ra o é dito de 74 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Worms, con tra os v otos de uma minoria de seis prín cipes e ca torze cidade s do Sacr o Império Romano - Germânico. O pro testo dos represe ntan tes que se seguiu à dieta deu origem à designa ção d e “pro tes tantes ”. Para co nseguir uma união política d os p rotes tan tes , o pr íncipe Filipe, o Magnânimo, de Hessen promoveu , ainda no mesmo ano , um encon tro en tre Zuínglio e Luter o, o chama do “Colóq uio de Marburg ”, com a i nten ção de co nseguir um acordo dos dois s obre os seus pr ofun dos difere nd o s dou trinais. Emb ora ambos se opusessem à do utrina ca tólica sa crificial da Euca ristia, Zuínglio não a ceitava , con trariamente a Lu tero , a doutrina da pres ença do corpo de Jesus Cristo na celebraçã o da San ta Ceia e que esta fos se u m meio de os crentes re cebe rem a con cessão da salvaçã o a través da gra ça de Deus, mas atribuía -lhe apenas o significado do cumprimento de um man damento de celebrar es se acto sagrado. Foi o pon to de rup tura entre a Igreja Reformada de Zuínglio e mais tarde Calvino por um lado e a Igre ja Luterana. O conhe cimento das razõe s desta rup tura é essencial para se compre enderem as diferenças entre as tradu ções pro tes tantes da Bíblia nas várias lí nguas. Em 15 34 Henrique VIII da Inglaterra decre ta o Act of Supremacy com que introd uz a reforma em Inglaterra , com u ma intenção p redominan temente política de independên cia de Roma. Em 1541 , Calvino (Jean Calvin, 1509 156 4) inicia a ref orma em Genebra , q ue d esejou transfo rmar no cen tro de irradiação da Reforma n o espaço fr ancófon o. Em 1555 , a rainha Mary Tu dor inicia a perseguiçã o sanguinária dos p rotes tantes em Inglaterra. Os protes tan tes exilados con centr aram -se sob retudo em Frankfur t e Genebra, onde fu ndaram as s uas comunidades próp rias. Em 15 58, Isabel I de Inglaterra restabelece os direitos dos pro te stantes. Porém não co nsegue evitar um a tensão cres cente en tre os bispos e a Rain ha por um lado (pro testa ntismo anglicano ou epis copal) e os pr otes ta ntes reforma dos , que ficar am conhe cidos como “ purita nos”. Es tes últimos nã o a ceitam a au toridade da Rainha e dos bispos. Em 1 56 1, o parlamento da Escócia institui a “ Kirk”, igreja reformada de estru tura p resbiterial, is to quer dizer nã o episco pal. John Knox torna -se a figura dominan te ness a igrej a. 75 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 3. O papel da impr ensa Em 14 39 Joha nnes Gu tenberg ( 139 8 -1 46 8) inventou a impressão co m tipos móveis e em 14 56 saiu do prelo a Bíblia de Guten berg, que f oi o primeiro texto impresso da Sagra da Escritura. A versão f oi a da Vulgata Latina. O sucesso comercial da Bíblia de Gutenberg foi enorme. Embora muito cara , teve imens os comprad ores. A po ssibilidade de possuir uma Bíblia era muito res trita , en quan to s ó havia manu s critos. A p ossibilidade de ter um exemplar de uma Bíblia em casa era algo co mpletamente inédi to. No entanto, nem todos os comprad ores eram letrados e , entre estes , nem tod os sabiam latim. Mas a mera posse de um obje to tão sagrad o era algo de m uito cobiça do , quer fo sse por pieda de, q uer fosse pelo prestígio. Era na tural que o desejo de poder ler a Bíblia na língua mãe crescesse. A des cida dos cus tos de produ ção de livros to rnava a ideia de editar tradu ções da Bíblia cada vez mais atraen te. 4. A influência das edições cr ítica s latina e gre ga de Erasmo de Roterdão sobr e as traduções da Bíbl i a para línguas modernas. Prin cípios comuns às princ ipais traduções. No dealbar d o século XVI nã o foi ape nas a Reforma da Igreja que agitou os espíritos dos mais cultos. Os grandes humanistas daq uela época também aperfeiçoaram os seus conhe ci mentos linguístico s e literários. Erasmo de Ro terdão (1 466 - 15 36) talvez o maior dos humanist a s pu blicou em 151 6 uma edição crítica dos melhores manuscritos gregos do Novo Testamen to disponíveis na época , cuj o conju nto ficou co nhecid o pela designação de Textus Receptus . 76 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 4. E r asm o de Roter dão ( 1436 Rotter dam -1562 Basel ) Tradu ziu o tex to gr ego de n ovo para la tim e assim corrigiu o qu e consider ou como sendo err os de São Jer ó nimo quando es te tinha fei to a tradu ção que pa ssou a fazer pa rte da Vulgata . Embora hoje se con heça m textos gregos de outr os manuscritos mais antigos e mais completos, foi o Textus Re ceptus que serviu n o sé culo X V I de tex to de pa rtida para as tradu ções do N ovo Testamen to não só a latina de Erasmo , mas também , posteriormen te , por ou tros autores p ar a as línguas moder nas. Ess as tradu ções fo ram todas f ortemen te influenciadas pe la edição crítica de Erasmo , q ue se tornou pre curs or de um novo métod o de edição. 77 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 5. E di ç ão c r í tic a do Novo Testam ento grego por E r asm o de Roter dão em 1516 As principais tradu ções da Bíblia p or pr otes tantes , no século XVI, não só tinham em comum o us o do Textus Re ceptus para o Novo Te stamen to , como , par a o Antigo Testamento , partiram d os tex tos , uns em língua hebraica e outr os em língua aramaica, chamad os “ ma sorético s” da Bíblia Hebraica. Estes textos fazem parte do “ cân one ju daico” fixado no sé culo I o u II pelo con cílio rabínico de Jâmnia. Além destes ta mbém foram tradu zidos d o grego aqueles textos da Sep tuaginta que nã o vieram a ser incluído s no cân on e judai co no co ncílio de Jâmnia. Estes te xtos têm sido designados por “deuter oca nónicos” (na terminologia da Igreja Católica R omana) ou por “apó crifos” (na terminologia pro testa nte). 5. As traduções ale mãs do sécu lo XV I e a sua influênci a sobre as traduçõe s noutras l ínguas moderna s. Entre 14 66 e 1 52 2 foram p ublicadas 14 ver sões alemãs da Bíblia em dialectos do S ul da Alemanha ( “Oberdeutsch”) e 4 em diale ctos do Norte da Alemanha ( “Niederdeutsch” ). Tra tava-se de trad uções da Vulgata Latina , às vezes copiadas ou a dapt adas de tra duçõe s existentes em manuscritos da Idade Média. A mais célebre é a “Bíblia de Mentelin” ( Fig. 6), impressa em Estras burgo em 1 466 p or Joha nnes Men telin (141 0 -1 478). Trata-se da 78 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 primeira a ser impressa em vern áculo. Apes ar do se u pre ço elevad o, ven deuse muito bem. Tan to Lute ro, com o vár ios humanistas do sé culo XVI considera ram que o texto de par tida (a Vulgata ) e o método de tra duçã o literal foram as causas de a tradução alemã ter ficado quase incompreensível para o leitor. No e ntan to , o s ucess o de v endas revelou que o desej o dos crentes de língua alemã de poderem ler a Bíblia na sua própria língua er a enorme. Luter o (Fig. 7) considerou de tal forma importan te que houvesse um a tradu ção alemã que possibilitasse ao leito r perceber o verda deiro sign ificado dos tex tos bíblico s que meteu mã os à obr a, logo que, em 1 521 , tin ha deixado a Dieta de Worms , na qual tinha sid o excomungad o e pr oscrito. Esta r proscri to queria dizer que qualquer pess oa que o abrigasse em su a casa era considera do um criminoso e qu e qualque r p essoa que o matasse ficava isen to de qualq uer culpa. Fi g. 6. Bí bl i a de Mentel i n. I m pr essa em E str asbur go em 1466. Fi g. 7. Junker Jör g ( nome assum i do por L uter o na cl andesti ni dade da War tbur g) . Rec or te de um r etr ato de L ucas Cr anach. 79 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Graças a um salvo- con duto do Príncipe - Eleitor Frederico da Saxó nia, o Sábio, f oi -lhe possível aban dona r são e iles o a Dieta de Worms. Através de uma encen açã o de um rap to , foi co nduzid o secre tamente à War tbu rg, um castelo na Tu ríngia (Fig. 8). Fi g. 8. War tbur g pr óxi m o de E i senach ( Tur í ngi a) . Vi sta atual , depoi s de r estaur os e am pl i aç ões desde o sécul o XI X. No tem po em que ser vi u de esconder i jo a L uter o, estava m ei o ar r ui nado e não exi sti am as par tes m ai s m oder nas. Fotogr afi a de Rober t Sc ar th, 2006 . O cas telo Wartburg torno u -se um loca l de peregrinação dos protes tan tes, em pa rticular o qu arto em que Lu tero viveu e trabalh ou (Fig. 9). Fi g. 9. “ L uther stube” , o quar to de L uter o no castel o War tbur g, onde tr aduz i u a Bí bl i a. Fotogr afi a de autor suí ço des conheci do, 1923. 80 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Em 15 22 publica a tra duçã o alemã do Novo Tes tamento a pa rtir d o Textus Receptus grego (Fig. 10) e regress a em segredo a Wittenbe rg, on de er a professor da respe ctiva Universidade e onde tinha afixado em 1517 as suas 9 5 teses. A 1ª edição da trad uçã o do Novo Te stamen to foi reimpressa pa ssados poucos meses e teve uma cir culaçã o tão gr ande que se es tima que , pass ado um ano, um ter ço d os alemães alfabetiza dos poss uía um exemplar dessa tradu ção. Fi g. 10. Fr onti spí c i o da 1ª ediç ão da tr adução p or L uter o do Novo Testam ento. Em 15 30 vê -se obrigado a defen der -se con tra a taques de que teri a introdu zido adul terações na sua tradu ção e que através desses err os teria propagad o do utrinas falsas. Em sua de fesa, publica em Nu remberga (Nűrnberg), no mesmo a no, uma missiva (carta aber ta) sobre a arte de tradu zir: "Ein sen dbrief D. M. Lu thers. Vo n Dolmetzs chen und Fürbit de r heiligenn”. Expõe uma doutrina sob re como se deve traduzir, defende ndo -se con tra acusações de tra duzir erradamen te a frase da Epístola d e S. Paulo aos Romanos 3, 2 8 q ue na Vulgata Latina diz: “ Arbitramur hominem iustificari ex fide absque operibus legis” . (“O homem é justificado pela fé, sem as ob ras da lei”, na tradu ção de J. Ferreira de Almeida). Luter o tra duziu “Wir halten / dass der Me n sch gerech t wer de o hne des G esetzes Werk / al le in dur ch den Glauben”. O seu oposi tor cri tica a inclusão do “ allein ” (só) por não figurar nem “sola” na Vulgata , nem o co rrespo n dente termo grego no original. Luter o começa , no es tilo p olémico p róprio da ép oca , por insultar os seus opositores com o “papis tas burr os” , peran te os quais não se sen tia obrigado a 81 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 justificar- se. Mas “para o s amigos” explica que para remov er em alemão qualquer dúvida sobre o carácter exclusivo da fé como con dição da salvaçã o da pessoa humana , era obrigado a intr od uzir a palavra “al le in”. Alega e justifica que o efeito pre tendido era o de cl arificar o tex to sem lhe mudar o sentido. 2 Em 153 4 Lu tero pu blica a trad uçã o da Bíblia completa , usand o para o Antigo Testamen to os tex tos hebraicos e ar amaicos da Bíblia Hebraica , além dos livros “ap ócrifos ” em grego (Fig. 1 1). Em 15 40 publica -se em Colónia e M ogúncia (Mainz) uma tra dução d a Bíblia por Johannes Dietenberger , em que todas as passagens d a versão de Luter o que divergiam da do utrina ca tólica da época apare cem alterada s em conf ormidade. Ressalvando essas passagen s, não se tra ta duma tr adu ção nova, uma vez q ue tra nscreve textos de tra d uções mais an tigas, incluind o, em grande parte a do pr óprio L uter o. Teve u ma circulaçã o muito res trita , a té porque con tinha um epílogo recomenda ndo que não devia ser lida por leigos sem a devida forma ção. 2 Na declaração conjunta de 2006 da Igreja Católica e da Federação Luterana Mundial sobre a doutrina da justificação, a Igreja Católica acabou, passados 476 anos, por dar oficialmente razão a este aspecto particular da doutrina luterana, que, no entanto, teve uma importância central na história da reforma! (http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_311 01999_cath-luth-joint-declaration_po.html). Esta declaração, apesar de ser pública tem tido muito menos divulgação do que aquela que merecia, sendo completamente ignorada pela grande maioria dos crentes de ambas as confissões. 82 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 11. A tr aduç ão al em ã da Bí bl i a com pl eta por Mar ti n L uther i m pr essa em Wi ttenber g em 1534. Fotogr afi a de Tor sten Schleese, 1999. Paralelamente ao trabalho de trad uçã o de Luter o, Zuínglio promove em Zurique uma outra traduçã o da Bíblia. Em 1531, 3 ano s antes d a publicaçã o da ver são de Lu tero , sai em Zuri que do prelo a trad ução da Bíblia conhe cida pelo n ome de Bíblia de F ros cha u ou Bíblia de Zuriq ue (Fig. 1 2). Christoffel Fros cha u (1 490 -15 64) 3 começou p or imprimir, em fascículos, e ntre 152 5 e 1 52 9, uma adap ta ção d a tr adu ção d e Luther d o Novo Testamen to. A tradu ção do Antigo Testamento foi feita d e novo e indepe nden temente de Luter o, so b a orienta ção de Zwingli e do amigo Leo Jud (1482 -15 42) , num a oficina (workshop ) de tradução, a chamada “Prophezey” em que participavam obrigatoriamen te to dos os clérigos de Zurique. Assim chegaram a um texto consen sual, impedindo deste mod o o apar ecimento de versões diferentes. Como as divergências entre Zuínglio e Lu te ro, no e ntan to , n ão puderam se r sanadas no coló qui o de Mar burg, em 1 52 9, cada ramo p assou a u sar a “su a” Bíblia. 3 O impressor Christoffel Froschau tinha-se tornado célebre pelo acto de insubordinação ao bispo ainda católico de Zurique de convidar os amigos para uma jantarada de salchichas num dia de jejum em 1522. Esta data é considerada como o início da Reforma suíça. 83 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 12. Fr onti spí c i o da Bí bli a de Z ur i que “ Fro sch a u er Bib el ” de 1531. Além da versão de Luter o e de Zurique, h ou ve mais traduçõe s alemãs feitas em moldes de rigor semelhantes: Johannes Bugenhagen , amigo e colabor ador na tra du ção de Lute ro , tradu z a Bíblia, apoiado no texto de Luter o, em 153 2/33 em baixo -alemão (Plattdeutsch). Ficou co nhecida como Bíblia de Lűbe ck, on de foi impress a, e foi utilizada numa vasta região, nã o só do Norte da A lemanha, mas numa faixa que se estendia desde a região mais oriental d a Holand a (Frísia) até às cidades ha nseáticas bálti cas ( Fig. 13). 84 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 13. Bí bl i a de L übec k, tr aduç ão de Johannes Bugenhagen em bai xo al em ão, 1533. A Bíblia de Lü beck serviu de pro tó tipo à s tradu ções sueca (1 54 1) e dinamarquesa (15 50) (Figs. 1 4 e 15). Fi g. 14. Pr im ei r a tr adução sueca da Bí bl i a, Upsala, 1541 85 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 15. Pr im ei r a tr aduç ão di nam ar quesa da Bí blia, Copenhaga 155 0 A traduçã o de Lute ro teve também uma influência forte so bre a tradu ção inglesa data da de 15 25 - 152 6 do malogrado William Tyndale (ca. 149 2-1 536) , impressa clande stinamen te em Colónia e Worms. É provável, mas não se sabe ao certo, que Ty ndale con h ecesse Luth er pessoalmente em Wittenberg e teria ini ciado aí o seu tra balho de tra duçã o, mas o se u amanuense William Roy esteve inscrito na Universidade de Wittenberg. A primeira impressão da tradu ção de Tyndale f oi destruída em Colónia a mando de Johan nes Co chlaeus (14 79- 155 2) , h uman ista e a dversário de Lute ro ( Fig. 16). Tyndale e Roy fugiram com o texto manuscrito pa ra Worms, o nde conseguiram que f osse impresso. A violência das lutas da ép oca deixo u o seu rasto no fr on tispício d o panfle to con tra Lute ro de Co chlaeus (Fig. 17 ) e levo u a que Tynd ale fosse julgado e conde na do p or he resia, garrote ado e 86 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 queimado, em 1 536 , em Bruxelas. William Roy, segu ndo co rria na altur a te ria sido queimado 1 53 1 o u 153 2 em Portugal. Fi g. 16. Retr ato de Johannes Cochl aeus ( 1479 -15 52) . Fi g. 17. P anfl eto c ontr a L uter o de Johannes Cochl aeus de 1529. Fotogr afi a de Ber nar do Jer osch Her ol d de or i gi nal da sua bi bl i oteca. 6. Houve influências exte rio res sobre opçõe s l inguíst icas nas várias traduções? Influências mútuas de traduções em várias línguas e grupos confess ionais. 87 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Em relação a tempos tão co ntur bados como os do século XVI surge a dúvida acer ca da indepe ndên cia cien tífica dos trad utores. Teriam sid o pressionado s pelos poderes p olíticos a mani pularem as tradu ções do s textos bíblicos de acordo com aq uilo que lhes con vinha? Ou cederam à tenta ção de manipular as tra duções de a cord o com o se u próprio sectarismo? Fi g. 18. Ver são Ki ng Ja mes. L ondr es, 1611. Estas pergun tas surgem na turalmente a q u em conhe ce a história da versão King James da Bíblia inglesa (Fig. 18). O Rei Jaime I de Inglaterra nomeou em 16 04 uma comissão alargada d e trad uto res com a finalidade de produzir um tex to inglês único que subs tituísse os textos divergentes d a “Bishop’s Bible ”, muito inspirada na trad uçã o já re fer ida de Tyn dale (por sua vez influenciada pela alemã de Lu tero) e a “ Geneva Bible ” de 15 60 ( Fig. 19) , isto é a tra duçã o de William Whittigham (152 4 -1 579). Esta última era a preferida pela maioria dos pro testantes fugi dos em 155 5 da perseguiçã o p or Mary Tu dor , muitos deles exilados em Geneb ra onde f oram influen ciados pela reforma de Zuínglio, Calvino e do escocês John Knox (1 514 -15 72) , pas tor da congregaçã o pro testan te anglófona de Ge nebra. Entre tan to , em Ge nebra , tinha sido impressa em 1 535 a tr adu ção f ran ce sa da Bíblia (Fig. 20) po r Pierre 88 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Robert Olivétan ( 150 6 -1 538 ), primo de Calvino. Esta terá seguramente também influenciado Whittingham na Geneva Bible inglesa. Tanto os comentá rios à margem do texto d as sucessiv as edições da Geneva Bible , como as op ções li nguísticas reflectiam a teol ogia, o a nti -epis copalismo e o republicanismo politico do ramo “pu ritano ” da Reforma. A Bishop’s Bible , pelo contrário, nesses aspe ctos er a mais pró xima do lu teranismo. Fi g. 19. G en eva Bib l e , tr aduç ão de Wi l li am Whi tti gham ( 1 524-1579) , G enebr a 1560. Di sti nguem - se os abundantes com entár i os nas mar gens da pági na. O Rei Jaime I estava o bviamente in teressado em moderar os impulso s anti -monár quicos d os purita nos , e em estabelecer uma paz religiosa entre a tendên cia episcop al e m onárquica de um lado e a tendên cia calvinista e republicana dos puri tanos do ou tro. O traba lho de con ciliação dos tra dutore s de que resultou a versão King James esteve portan to sujei to a um intenso campo de f orças político. Apesar disso , não revela quaisqu e r aspe cto s tenden ciosos , dada a prevalência de adoptados pelos numeros os membros cr itérios linguísticos consens uais e xtraor dinariamente eru ditos e cons ciencios os que consti tuíram as e quipa s de tradu ção respon sáveis pela versão King James. A outra razão de a vers ão King James não refle ctir es tes conflito s foi a limitação da interven ção dos tradutores através da proibi ção pelo Rei da inclusã o de comentários. 89 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fi g. 20. Tr aduç ão fr anc esa da Bí bli a por P i er r e Rober t Ol i vétan ( 1506 -1538) , G enebr a 1535. Em relaçã o às versões alemãs, co ntra riamente às versões inglesas , não h ouve nen huma premên cia em criar u ma versão úni ca. Como a versão alemã de Lutero e a da oficina de tradu ção Prophezey de Zurique, quase não reflectiam as divergências teológicas dos dois ramos d a Reforma , que o colóquio religioso de Marb urg não co nseguira sanar , a discórdia manifes tava se antes nas diferen ças de inte rpretaçã o de textos quase idênti cos. Es tas foram fixadas para o luteranismo bastante cedo na confissã o de Augsburg (153 0), corp oriza da p or Lu tero e Philipp Melanchton (1 497 -15 60). Es ta Confessio Augustana , até certo pon to , po de ser vista como uma te nta tiva de limitar as divergências com a doutrina tra dicional católica ao mínimo que lhes pareceu indispe nsável para pe rsuadir a Igre ja Cat ólica a deixar de condena r os luteran os como hereges, o que n ão foi conseguido. A Reforma de Zuíngli foi entretanto apro funda da em Genebra p or Calvino e Théodo re de Bèz e (151 9-1 605) , tradu zindo - se num afa stamen to maior ainda d a do utrina , tanto da Igreja Ca tólica , como da Luter ana e numa dimensão p olítica de comb ate à s instituições monárquicas e eclesiais católicas. A secundarização de Lu tero e até de Zuínglio pela reforma de Genebra está paten te no monumento internacio nal em Genebra , “M ur de la Réfor mation” de 190 9 (Fig. 21) , em qu e 90 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 estes ref ormadores germanóf onos apena s m ereceram u ns modes tos epitá fios tão afastados das está tuas gigantescas d e Guillaume Farel (1 48 9 -1 565) , Calvino, Bèze e Kn ox q ue q uem passa mal nel es repara. Fi g. 21. Monum ento I nter naci on al da Reform a eri gi do em G enebr a em 1909. Da e s q u e rd a p ara a di re i t a: G ui l l au me Fare l ( 1489 – 1565) . J e an Cal vi n ( 1509 - 1564) , T h é o d o re d e B è z e ( 1519 – 1605) e J o h n K n o x ( 1514 - 1572) . Fo t o g raf i a de R u t h N g u yen . A diferenciação en tre os dois ramos da re forma levou assim várias décadas a apr ofun dar -se. Os tex tos alemães, no enta nto, nessa altura já estavam cons olidados e não sof reram poste r iormente alterações subs tan ciais, particularmen te os de Lute ro. A diferença entre as duas versões foi a de Luter o ter co nseguido exprimir -se através de uma linguagem mais poética, mais popular , mais inten sa e mais musi cal do que a Bíblia de Zuriq ue. Es ta por sua vez reivindica para si um maior rigor linguístico à cus ta porém de usar um estilo mais despoj ado. O f acto de a Bíblia de Zurique ter adop tad o, quase sem altera ções , a anteriormen te por Lu tero trad uçã o do con tribuiu Novo Tes tamento p ara que já even tuais con cluída diferen ça s ocorre ssem mais n o An tigo Tes tamen to que no Novo. Seja Luter o, sejam os tradu tore s de Zuri que, ambos tinham em comum o dese jo de regressa r às origens d o Cristianismo e de combaterem aquilo que consideravam serem desvios co ndenáveis da do utrina de Jesu s Cristo prati cados pela Igreja. Isso levava os tradu tores a serem meticulos os, sob pena de a s suas tradu ções serem consid eradas como errónea s pelos seus 91 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 opositores. L utero como tradu tor não foi ata cado pelos reformad ores de Zurique, mas pelos a dversários de qualque r espécie de ref orma. Reagiu a esses ata ques com a já mencio nada missiva sobre a ar te de tr aduzir. Esta tão bem resistiu aos temporais da história que é considerada h oje com o um dos dois textos fu ndad ores da ciência d a tr adu ção, j untamen te com a Carta de S. Jerónimo a Pamá quio. 7. O papel da tradução de Luther na e me rgência duma língua escr ita alemã única e na consol idação duma identidade nacional e cultural . O alemão de Lutero foi o que era usad o n o s do cumentos oficiais d a chan celaria do Príncipe Eleitor da S axón ia e que podia ser facilmente entendido pelos falan tes do grupo de dialetos da A lemanha Central. O mapa da distribuição geográfica dos grupos de dialetos alemães antes da eclosão da 2ª Guerra Mu ndial (Fig. 22) ainda reflectia grosso modo as áreas geográficas dos mesmos grupo s n o sé culo XVI. Fi g. 22. Di str i bui ç ão geogr áfi c a dos vár i o s gr upos de di al etos al em ães em 1937. O alemão da Bíblia de Zuriq ue era pr óximo do dialecto alemânico falado no Sud oeste da Alemanha, na Alsácia e na Suíça Alemã (terço Oes te da zona sombre ada a verde da Fig. 22). A Bíb lia de Zurique, a partir de 166 5 passou , no en tan to , a usar o novo -alto- a lemão, designado na Suíça p or “Schriftdeutsch” , isto é , o alemão da Es critur a. 92 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 O alemão da Bíblia de L űbeck era o b aixo-alemão das regiões d o Norte (zo na sombre ada a amarelo na Fig. 22) . Essa bíblia caiu em des uso e f oi substituída pela Bíblia de Lutero em meados do século XVII, por as chan celarias das cortes dos prín cipes e das cidades -e stad o terem pass ado a usar o n ovo-alto-alemão. Apesar de não se poder subscrever toda a mitologia de Luther ter sido “o criador d o alemão moderno” , há certos as pectos em que é difícil negar que a tradu ção de Luther desempenh ou um pape l importante na história da língu a alemã: Embora Luter o não tenh a criad o o nov o -alto-alemão, a s ua tra duçã o serviu para expandir o alemão que u sou e qu e é considerad o o pre curso r mais imediato do chamado novo -alto -alemão. A velocidade des sa expa nsão po de ser avaliada pelo facto de em 152 6 cer ca d e um terço de to dos os alemães alfabetizado s já possuir uma cópia d o Novo Testamen to trad uzido por Lu the r e impresso em 15 22 , como primeiro livro qu e alguma vez detiveram. O estilo de escrita de Lu ther tin ha cara cterísticas muito próprias porque : 1. metamorf os eou para o alemão a dignida de e elegância pró pria d o Latim da Vulgata ; 2. adoptou o rigor lógico do alemão usado pelos jurista s da chan celaria do D uca do da S axónia; 3. não trad uziu literalmente os texto s orig inais, por daí resultarem textos incompreensívei s pa ra a maioria d os l eitores alemães; 4. investigou o significado dos textos de pa rtida e procur ou exprimir esse sentido num alemão tã o pare cido qu anto p ossível com o falado pelo povo, clar o e vigoroso ( dem Volk aufs Maul s chauen ); 5. quando nã o con hecia nenh um termo em alemão que traduziss e exactamen te um dado termo da língua original, inventava novos termos, cujo 93 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 significado era óbvio para quem os lesse pela primeira vez, enrique cend o assim o vo cabulário alemão. Exemplo: “Feuer taufe” (ba pti smo pelo fogo); 6. introdu ziu na língua alemã frases que até aí não existiam, tal com o Mt 7 ,6 “Perlen vor die Säue werfen” (deitar pérolas aos p orcos), trad uzidas directamen te d o original grego. 7. procur ou tornar os tex tos melodioso s e ritmados, sobre tud o quando perce bia que no o riginal se destin avam a ser ca nta dos , como no s Salmos 8. usou as técnicas clássicas da re tóri ca e poética , p or exemplo, jogando com a repe tição pe riódica da mesm a vogal, como por exemplo a letra i em Lc 2, 12: “Ihr werdet finden d as Kind in Windeln gewickelt und in einer Krippe liegen” (Achareis o menino envol to em pano s, e deitado n uma manjedoura). Segundo o so ciólogo das religiões Max Webe r, L uther às vezes ind uzi u certos comp ortamen tos s ociais, a través da selecção de um da do voc ábulo usado na tradu ção da Bíblia. Segun do Web er, a decisão de usar a palavra “Beruf” den tro d as várias pos sibilidades existentes em alemão para tradu zir “profissã o” teve, d ada a proximidade d o vo cábulo “ Berufung ”, que significa “voca ção ” ou “chamamen to” , uma influê nci a importan te sob re a ati tude d os protes tan tes alemães perante o exercício d uma profissão. Enquan to n ou tras línguas, só cer tas pr ofissões se exer cem “po r vocação” , para os pro testantes germanófonos , a ideia de voca ção ficou inse parável do exe rc ício de qualquer tipo de atividade profissio nal, incluind o, por exemplo mesmo as artes mecânicas. Outr o exemplo, que possivelmente moldou e diferenciou o luteranismo, resul tou de Lu tero ter de op ta r em alemão pela única traduçã o possível de qualquer dos do is termos gregos “ ágape” e “eros” que é “Liebe”, enquan to que nas línguas românicas se pode diferenciar “ caridade” n o primeiro caso e “amor” no segundo. Assim em I Cor13,1 3 Lu ther teve de usar “Liebe “ , onde em por tuguês se u sa “ carid ade”. Em inglês Tynd al e uso u a palavra “love”, mas a versã o King James usa “ charity ” um termo er udito que 94 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 não fa zia par te d o vo cab ulário po pular da época. Será p or ess a raz ão que, para muitos ingleses, o valor afe ctivo de “ ágape” tivesse ficad o o culto ? Talvez seja essa a razã o de te r apare cido a expressão muito usad a em inglês “cold as charity ”. “Cold as love ” seria uma contra dição em si mesmo. 8. Desenvolvi mentos das traduções bíbli cas d esde o Sé cul o XIX até ao p res ente. Até ao início do século XIX pou cas altera ções houve às tradu ções alemãs da Bíblia referidas. Entreta nto surgi ram inúmeras novas tradu ções e revisões das que já exis tiam que foram cons equência dos seguintes fa cto res: Desenvolvimento da filologia e da críti ca tex tual Desenvolvimento do métod o de crítica histór ica Desenvolvimento da exegese Desco berta de n ovos manu scritos (p or exemplo os Manus critos do Ma r M orto) Maior intera ção entre exegetas das difere ntes co nfissões cristãs e d as outr as religiões mon oteístas Desenvolvimento d os movimentos ecuménicos e d o diálogo inter-religioso Aparecimento de mais tradu ções ca tólicas , na sequência do Concílio Vati cano II Aparecimento de tr adu ções “ comu nicativas ” em linguagem mais moderna Revisões suces sivas das versões do sé culo XV I Extravas aria o âmbito des ta pales tra, relatar em po rmenor es te s desenvolvimentos. Assim se a presen tará a pe nas uma e numeração das vers ões alemãs mais utilizadas da s 3 4 q ue existem presentemen te n o comércio livreiro: Revisão de 198 4 da Bíblia de Lu tero , vers ão recomen dada pela Igreja Evangélica na Alem anha EKD (Federa ção das 2 2 Igrejas Estaduai s Lutera nas, Refo rmadas e “Unidas ”) 95 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Tradu ção “unificada” Einheitsűbersetzung d a iniciativa da Conferên cia Episco pal Alemã DBK (Católica). Chama -se “unificada ” para valer para todas a s dioceses na Alemanha. Procu ro u- se ampliar o significado d e “unificada ” a “ecuménica”. Na trad uçã o d o Novo Testamen to e do s Salmos colaboraram delegados da EKD. A tra dução da restante Bíblia, n o entan to , nã o benefi ciou da colabora ção da EK D que aban don ou o projecto p or efeito da emissã o no an o de 2 001 das ins tru ções “De Usu Linguarum Popularium in Libris Liturgiae Romanae Edendis, Instructio Quinta «Ad Exsecutionem Constitutionis C oncilii Vaticani Secundi de Sacra Liturgia Recte Ordinandam" Gute Nachricht Bibel (Bíblia Boa Nova): Bíblia “comuni cativa” elabo rada e editada em comum pelas sociedades edito ras evangélica e católica em linguagem acessível Revisão de 200 7 da Bíblia de Zurique co m especial preocup açã o de corre ção filológica. Revisão de 19 91 da Bíblia de Elberfeld d a editora Bro c khaus. Rigor filológico máximo, útil para ajudar os estu dantes e investigadores na tradu ção dos tex tos heb raicos , aramaicos e g regos originais. Merece uma menção espe cial a traduçã o alemã da Bíblia Hebraica por Martin B uber ( 18 78-1 96 5) e F ranz Ros enzweig ( 188 6-1 929 ). Buber e Rosenzweig foram filósofos jude us da religião. A traduçã o com o tí tulo “Die Schrif t” (19 26- 19 38) pro cur ou , mesmo arriscando criar novas express ões em alemão e por meio da versifica ção dos tex tos, a proximar a versão alemã da emotividade, musicalidade e do espírito do s textos originais. É consider ad a como uma contrib uição importa nte para o diálogo inter - religioso judaicocristão. 9. Epílogo: Por muito co rre ctamente que se traduza, nem todas as imagens na Bíblia são fáceis de in terpretar por u m cidadão urbano do século XX I: Exemplo 96 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Na traduçã o de J. Ferreira de Almeida desta passagem e de outras relacionadas lê -se: Deuter onómio 25 , 4: Não atarás a bo ca ao b oi, q uand o trilhar. 1 Timóteo 5 , 18 : Porque diz a Es critur a: Não ligarás a boca ao boi que debulha., e: Digno é o obreir o d o se u salário . Lc 10 , 7: ... pois digno é o obreiro do seu sal ário A reivindicação bíblica “Nã o a tarás a bo ca ao b oi, quand o trilhar” hoje seria demasiad o crípti ca pa ra um car ta z empunha do numa manifes taçã o sindical como exigência “de um salário ju sto para q uem trabalha”. Para grande surpresa do palestr ante , d uas senhora s idosas na assistência , que tinham sido criadas numa al deia do Norte , pediram a palavr a para afirmarem que o significado da passagem lhes era perfeitamente evidente, por que a imagem duma parelha de bois a trilhar o trigo era uma recorda ção muito viva da sua infâ ncia e o atar as bo cas aos bois pa ra nã o comerem o trigo também. Para uma pes soa criada n uma gran de ur be, tor na se às vezes difícil compreender as imagens q ue têm a sua origem num mund o rural cada vez mais ar caico. 10. Conclusões: Nas versões alemãs da Bíblia destaca -se a versão de Luter o pelas conseq uências para a história da Re forma p rotes tante , pela in fluência s obre o desenvolvimento da língua alemã moderna e pela qualidade poética da linguagem que deixou uma mar ca indelével na l iteratura e mesmo no alemão coloquial. A grande expansão e a qualidade da versão de Luter o fez com que fosse usado , além das suas fu nções litú rgicas, também em elevado grau na devoção d oméstica e na leitura individual. Muitas citações tor naram -s e proverbiais, ao pon to de se tornarem ins ub stituíveis. Nas revisões modernas tem-se pro curad o por isso um compr omisso entre a perfeiçã o filológica e o vigor e beleza do original lutera no. 97 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Agradecimentos: O au tor agradece à Pr ofessor a D outora Tere sa Maria Menan o Se r uya, moderadora da sessã o em que a palestra foi apresentada , tê -lo en cora jado a prepará-la. Os seus comentários enrique cer am o texto que ago ra apresen ta. Ao Pasto r S tefan Stalling da Igreja Evangélica Alemã agradece as inf ormações sobre as edições actualm ente disponíveis no comércio livreiro de versões alemãs da Bíblia e as respectivas cara cterís ticas. Anexo I Tábua cronológica da Reforma e das t raduções prot estantes da Bíbl ia R efo rma L u t eran a Wit t en b erg 151 7 152 1 152 2 152 4 Afixação d as 95 teses por Luter o em Wittenberg Dieta imperial de Worms, excomunhã o de Lu tero pelo Papa Leão X e proscri ção pelo imperador Carlos V Escondido no castelo de Wartburg tradu z d o Grego o Novo Testamen to Reforma de Zwingli Zurique Reforma Calvini sta Genebra Reforma Escoc esa Edimburgo Início da reforma de Zurique Zuínglio Publicação em Zurique duma versão alemã do Novo 98 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Reforma Anglicana Londres, Cantuária Testamen to quase idêntica à de Lu tero 152 6 152 9 Publicação em Wo rms da tradu ção inglesa do Novo Testamen to por Tyn dale Col óqui o de Mar bur g, L uter o e Z uí ngli o d isc o rd am sobr e a doutr i na da Santa Cei a: L uter o m antém a pr esenç a r eal de Cr i sto enquanto Z uí ngl i o atr i bui à c el ebr aç ão um si gnifi c ado m er amente metafór i c o 15291531 1534 1535 1536 P ubl i cação da Bí bl i a de Z ur i que em al em ão P ubl i c aç ão em Wi ttem ber g da tr aduç ão al em ã da Bí bl i a por L uter o P ubl i cação em G enebr a da tr adução fr ancesa da Bí bl i a por P i er r e Rober t Ol i vétan P ubl i cação por Cal vi no em Basi l ei a de I n sti tu tio Ch ri sti a n a e rel i g i on i s . P r i mei r a estada em G enebr a 1537 1541 “ Ma tth ew Bi b l e” Tyndal e e Cover dal e, P aí ses Bai xos Regr esso de Cal vi no a G enebr a e i ní ci o da r efor m a de G enebr a 1542 1551 Mar y Queen of Scots Co n sen so de Z uri que, Co n sen su s Ti gu ri n u s sobr e doutr i na da Santa Cei a. Cal vi no convence Z uí ngl i o a 99 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 um a tese menos r adi cal , em bor a di sti nta de L uter o 1553 1555 E xi l ados pr otestantes i ngl eses e escoceses encontr am asi l o em G enebr a e fundam a sua pr ópr i a i gr eja r efor m ada. John Knox 1558 1560 1561 1567 1583 1603 1611 Mar y Tudor “ Bl oody Mar y” Matança de 283 pr otestantes , na m ai or i a na foguei r a, condenados por her esi a E l i z abeth I P ro testa n t settl emen t Tr adução i ngl esa nova: G en eva Bib l e , publ i cada em G enebr a P ar l am ento escocês estabel ece a Ki rk, i greja r efor m ada da E scóci a de estr utur a pr esbi ter i al Jai m e VI , sem contr ol e sobr e 4 r egentes sucessi vos Jai m e VI assum e contr ol e do gover no da E scóci a Uni ão das cor oas de I ngl ater r a e E scóci a, Jai m e I da I ngl ater r a e VI da E scóci a P ubl i cada a “ Kin g Ja mes Versi o n ” Anexo II Crédito s das i magens: As seguintes imagens foram descarregadas da internet e são, ou d o domínio público ( DP), o u governada s po r regras de licenciamento que permitem a sua desca rga, cópia e divulgaçã o. Nos ca sos em que foi possível identificar daqueles autores das imagens que resolveram ce der os seu s direitos intele ctuais , o s mesmos sã o citad o s nas legendas das imagens. Na lista seguinte estão as indica ções ne ce ssárias e suficientes para as descarregar (esta do relativo à da ta de 201 2 - 11-1 8). Domínio públi co: Fig. 1 Lxx Min orpro phets.gif Fig.2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 Fig. 7 Fig. 9 Wulfila_bibel.jpg Dürer-Hieronymus-im-Gehä us.jpg ErasumsD urer.jpg ErasmusTex t_Ti tlePage. jpg Mentelin_Bible_000 05.jpg CranachL uthe rJunkerJorg.jpg Wartburg Lutherstu be19 00.jpg 100 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 Fig. 10 Luther_Das_Newe_Te stamen t_Deu tz sch_0 07.jpg Fig. 11 Lutherbibel.jpg Fig. 12 hanskfr osch auer ,com /2 00 8/11/ 500- years-of-grap hic-pr odu ctio n/ Fig. 13 Lube ckBible15 33.jpg Fig. 14 G ustav_Va sa_Bible_154 1.jpg Fig. 15 Bible_of_Christian_III_15 50.jpg Fig. 16 Joha nnes -Cochlaeus.jpg Fig. 18 KJV -King-James-Version- Bible-first- edition-ti tle-page-16 11.jpg Fig. 20 theologynetwo rk.org/Images/conte nt/th umbnails/Olivetan_Bible.jpg Fig. 21 Ref ormatio nWallGeneva.JPG Outras lic enças: Fig. 8 Wartburg_ Eisenach_ DSCN35 12.jpg Creative Commons license Fig. 19 GenevaBible.JPG GNU General Public Li cense Fig. 22 upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/00/Deu tsche_ Mun darten.p ng Fotografias do autor: Fig. 17 F otografia de Berna rdo ,Jeros ch Herol d Texto “ Du s olt dem o chsen der do dress che t nicht das maul verbinde n” facsimile da 1ª ediçã o da Bíblia de Lu ther , W ittenberg 15 34 ; f otogra fia de Bernardo Jeros ch Her old tirada da reimpress ão fa csimile integral pela e ditora Tasche n (sem da ta). Resumo: Apr esentam -se as vár i as tr aduções al em ãs da Bí bli a e a sua génese ao l ongo da hi stór i a. Menc i onam -se pr im ei r am ente os texto s m anuscr i tos e a s ver sõe s gr egas, l ati nas, góti c as, veter o -i ngl esas e al e m ãs exi stentes antes d o sécul o XV. Segui dam ente m ostr a -se o papel da Refor m a P r otestante da I gr eja no sécul o XVI e a i m por tânc i a da i nvenç ão da i m pr ensa de ti pos m óvei s, com o r az ões par a a cri ação de novas tr aduç ões. Desc r evem -se os te xto s que ser vi r am de base a e ssa s tr aduções, nom eadam ente os textos m asor éti cos da Bí bl i a Hebr ai ca e em par te os da Sep tu a g in ta par a o Anti go Testam ento e a edi ção cr í ti ca do Textu s Recep tu s por E r asm o de Roter dão par a o Novo Testam ento. Rel atam -se os tr abal hos de tr adução de L uter o e da esc ol a de Z ur i que no s r especti vo s contexto s da Hi stór i a da Refor m a, bem com o o papel da tr aduç ão de L uter o co m o m odel o par a outr as l í nguas de paí ses da Refor m a L uter ana. Com par am -se as ver sões al em ãs entr e si e com as noutr as l í nguas de paí ses da Refor m a Cal vi ni sta. Anal i sam - se as con sequênci as d a ver são al em ã de L uter o sobr e o desenvol vi m ento dum a i denti dade naci onal . E num er am -se as pr i nc i pai s tr aduç ões al em ãs us adas atual m ente, bem com o as sua s car acter í sti c as pr i nc i pai s. P al avr as-c have: Bí bl i a, al em ão, tr adução, hi stór i a. Ab st ract : The G er m an ver si on s of the Bi bl e i n com par i son. Abstr act: The var i ou s G erm an tr ansl ati ons of the Bi bl e and thei r genesi s al ong the hi stor y ar e pr esented. I n the fi r st pl ac e ar e m enti oned the m anuscri pts and the G r eek, L ati n, G othi c, th anci ent E ngl i sh and G er m an ver si ons exi st i ng befor e the 15 Centur y. Thi s i s fol l owed by an expl anati on of the r ol e pl ayed by the P r otestant Reform ati on of the th Chur ch i n the 16 Centur y and the i nventi on of pr i nti ng wi th m ovabl e char acter s as 101 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012 r easons for t he c r eati on of new tr ansl ati ons. The te xt s whi ch wer e used i n th e tr ansl ati ons ar e desc r i bed, nam el y the m asor eti c text of the Hebr ew Bi bl e and som e of the Sep tu ag i n ta for the Ol d Testam ent and the cr i ti cal edi ti on by E r asm us of Rotter dam of the Textu s Recep tu s for the New Testam ent. The tr ansl ati ng wor k of L uther and the Z ur ic h wor kshop and thei r r especti ve context wi thi n the Hi stor y of the Refor m ati on ar e r epor ted, as wel l as the i m por tance of L uther ’s tr ansl ati on as a m odel for the tr ansl ati on i n other l anguages of countr i es, whi ch fol l owed t he L uther an Refor m ati on. The G erm an ver si ons ar e com par ed wi th each other and wi t h ver si ons i n other l anguages of c ountr i es fol l owi ng the Cal vi ni st Refor m ati on. The consequenc es of L uther ’s ver si on on the devel o pm ent of a G erm an Nati onal i denti ty ar e anal y sed. The m ai n Ger m an tr ansl ati ons pr esentl y used ar e quoted and br i efl y char acter i zed. Key wor ds: Bi bl e, G erm an, tr ansl ati on, hi stor y. 102 GAUDIUM SCIENDI, Nº 3, JANEIRO 2012