Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-Graduação em História Social A Semana Illustrada e a guerra contra o Paraguai : primórdios da fotorreportagem no Brasil Joaquim Marçal Ferreira de Andrade Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História Social. Orientador: Prof. Dr. José Murilo de Carvalho Rio de Janeiro Maio de 2011 2 A Semana Illustrada e a guerra contra o Paraguai : primórdios da fotorreportagem no Brasil. Joaquim Marçal Ferreira de Andrade Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História Social. Banca Examinadora: ___________________________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. José Murilo de Carvalho – Instituto de História/UFRJ ___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Lygia B. P. Segala Pauletto – Centro de Estudos Gerais/UFF ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Knauss de Mendonça – Departamento de História/UFF ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Rafael Cardoso Denis – Escola Superior de Desenho Industrial/UERJ ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos – Instituto de História/UFRJ ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas da Fonseca (suplente) – Instituto de História/UFRJ ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Mauricio Lissovsky (suplente) – Escola de Comunicação/UFRJ Rio de Janeiro Maio de 2011 3 Resumo ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. A Semana Illustrada e a guerra contra o Paraguai : primórdios da fotorreportagem no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. A tese examina as origens da utilização da fotografia na imprensa ilustrada do Rio de Janeiro, em momento decisivo para a formação do Estado nacional brasileiro: a Guerra do Paraguai. Partindo de uma visão panorâmica do cenário nacional e internacional da fotorreportagem e da fotografia de guerra, relata e analisa a trajetória do editor Henrique Fleiuss e de sua empresa, o Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde. Após breve exposição sobre a comunicação no período da guerra, o estudo examina a presença da fotografia nas reportagens da Semana Illustrada – o periódico editado por Henrique Fleiuss, que tentou implantar esta inovação seguindo o modelo europeu, baseado na conversão das imagens fotográficas em xilogravuras, no início dos anos 1860. Neste sentido, criou inclusive uma escola de xilografia, que não teve o sucesso pretendido. A primeira cobertura do semanário a contar com imagens fotográficas, convertidas em litogravuras, foi a da guerra contra o Paraguai (dez. 1864 - mar. 1870), quando Henrique Fleiuss declarou a sua intenção de produzir uma história ilustrada do conflito, fazendo uso de variados gêneros de imagens. Além de examinar as imagens copiadas ou derivadas de fotografias que foram estampadas nas páginas da Semana Illustrada durante todo o período da guerra, buscando aquilatar a sua contribuição ao processo formador do imaginário da guerra e da nação brasileira, o trabalho relata a primeira tentativa de capacitação de fotógrafos, no âmbito da imprensa periódica brasileira, visando especificamente a cobertura fotográfica do conflito. Esta iniciativa esteve ligada a uma malograda expedição à província de Mato Grosso, que recebeu atenção especial no presente estudo. Em seguida, discute-se as origens do antagonismo entre os editores e caricaturistas Angelo Agostini x Henrique Fleiuss, assim como a repercussão deste fato na historiografia e no pouco reconhecimento do legado de Fleiuss. Finalizando, ressalta-se a contribuição de sua obra ao processo formador da identidade nacional e da cidadania brasileiras. 4 Abstract ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. A Semana Illustrada e a guerra contra o Paraguai : primórdios da fotorreportagem no Brasil. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. The thesis examines the origins of photography usage in Rio de Janeiro’s illustrated press along a decisive period concerning the formation of the Brazilian national State: the Paraguay War. Starting with a panoramic view of both national and international backgrounds in the fields of press photography and war photography, it describes and analyses the trajectories of editor Henrique Fleiuss and his enterprise, the Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde. After a brief exposition about communications during the war period, the study examines the presence of photography in the coverages of pictorial newspaper Semana Illustrada, where editor Henrique Fleiuss attempted to run photographs as wood engravings in the 1860s, following the European model. As part of that effort he even created a wood engraving school, an unsuccessful project. The first news coverage, employing lithographic prints made from photographs, took place during the war that united Brazil, Uruguay and Argentina against Paraguay (Dec. 1864 - Mar. 1870), when Henrique Fleiuss declared his intention of producing an illustrated history of the war, making use of varied image genres. Besides examining the images derived from photographs that were printed on the pages of Semana Illustrada, aiming at evaluating their contribution to the formative process of the Brazilian nation, the present work reports the supposed first attempt, in Brazil, to render someone capable for the photographic coverage of a conflict. This initiative was connected to an unsuccesful expedition to the province of Mato Grosso, and has deserved special attention in the present study. After that, the text approaches the origins of the antagonism between editors and cartoonists Angelo Agostini x Henrique Fleiuss, discussing its repercussion on historiography and the feeble recognition of Fleiuss’s legacy. Finally, it stands out Henrique Fleiuss’s contribution to the formative processes of Brazilian national identity and citizenship. 5 À Professora Doutora Celeste Zenha (in memoriam), maior incentivadora desta investigação. 6 Agradecimentos Ao Professor Doutor José Murilo de Carvalho – cujos trabalhos são fonte de inspiração e orientação – que se dispôs a conceder apoio desde a primeira hora. E ademais, me concedeu a honra de ser seu orientando, fator decisivo para levar esta pesquisa a bom termo. Aos membros convidados da minha banca de qualificação, os Professores Doutores Paulo Knauss e Rafael Cardoso, cujo apoio e incentivo foram igualmente determinantes. Ao Prof. Rafael, um agradecimento especial pelo seu detalhado relatório. Aos Professores Doutores Manoel Salgado (in memoriam), Andréa Daher e Maria Beatriz de Mello e Souza cujas disciplinas muito acrescentaram ao meu processo de aprofundamento no campo da história social. A meus pais Olímpio e Noêmia (in memoriam), sempre presentes. Aos meus filhos Mariana, Leonardo, Lucas, Pedro e João, que sempre acreditaram na conclusão do presente trabalho e me encorajaram a persegui-la. A Marcia Mello, amiga e companheira. Aos colegas da Fundação Biblioteca Nacional que prestaram apoio e auxílio no decorrer deste trabalho. Um agradecimento especial à ex-diretora do Centro de Referência e Difusão Carmen Moreno e à sua atual diretora Monica Rizzo; à coordenadora de Acervos Especiais Rose Mary Amorim; à chefe da Divisão de Iconografia Léia Pereira da Cruz – a quem devo muito deste trabalho, pelo apoio incondicional desde a primeira hora; à chefe da Divisão de Manuscritos Vera Faillace e à coordenadora de Microrreprodução Vera Lucia Garcia Menezes; aos colegas Deivid dos Santos Grassini, Francisca Helena Martins Araújo, Késiah Pinheiro Vianna, Luciana Muniz e Mônica Carneiro Alves (Divisão de Iconografia), Frederico de Oliveira Ragazzi (Divisão de Manuscritos), Claudio de Carvalho Xavier e Marcel Carreira (Coordenadoria de Microrreprodução). Agradeço, ainda, às chefias e aos demais colegas da Coordenadoria de Publicações Seriadas, da Divisão de Obras Gerais e da Divisão de Obras Raras. Às bibliotecárias Maria Alice Barroso e Celia Zaher, ex-diretoras da Biblioteca Nacional e grandes incentivadoras das minhas atividades de pesquisa naquela instituição. A Affonso Romano de Sant’Anna, ex-presidente da Fundação Biblioteca Nacional, cujo incentivo foi também fundamental. A toda a equipe do Arquivo Nacional (onde sempre me senti em casa), na pessoa de seu diretor geral Jaime Antunes da Silva. Aos colegas da Sala de Consultas e da Biblioteca, onde recebi atendimento cordial e profissional. Ademais, nomeio aqueles de quem estive mais perto, ali, em algum momento desta jornada: Carmen Moreno, Clovis Molinari, Marcelo Siqueira, Silvia Ninita de Moura Estevão e Vitor Fonseca. À equipe do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na pessoa de seu presidente Arno Wehling, da bibliotecária chefe Maura Corrêa e Castro e de Pedro Tórtima, que sempre me atendeu e orientou com presteza na sala de leitura. 7 À equipe do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, na pessoa de sua diretora Beatriz Kushnir e de Georgia Tavares, da Sub-Gerência de Documentação Escrita. No Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro, meus agredecimentos à Conselheira Gilda Ohanian Nunes, chefe do Setor de Documentação e à historiadora e arquivista Rosiane Rigas Martins, chefe do Arquivo Histórico e toda a sua equipe. Ainda no Itamaraty, devo um agradecimento especial ao Conselheiro Joaquim Paiva – fotógrafo, colecionador, poeta e tradutor, que sempre incentivou minha pesquisa. Às bibliotecárias Vera Lucia de Almeida e Carla Rosa Martins Gonçalves do Real Gabinete Português de Leitura, memorável biblioteca onde realizei, prazerosamente e em diversas ocasiões, a leitura dos originais da Semana Illustrada. A Maria de Fátima Moraes Argon, do Museu Imperial (Petrópolis), a quem devo o conhecimento da petição de Arsênio da Silva. Ao fotógrafo Carlos Carvalho, a cuja insistência e incentivo eu devo as minhas duas viagens a Porto Alegre, para partipar como convidado do FestFotoPoA e realizar proveitosas pesquisas. No Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa de Porto Alegre, meus agradecimentos vão para Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, coordenador do Setor de Imprensa Escrita – que me introduziu ao rico acervo da imprensa ilustrada gaúcha do período estudado – e para Denise Stumvoll, coordenadora do Setor de Fotografia. À equipe de estagiários da sala de consulta do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre), sempre atenciosa. Um agradecimento especial a Daniel Sosa e toda a equipe do Centro Municipal de Fotografia de Montevidéu, que me proporcionou proveitosa jornada de pesquisa naquela cidade, em dezembro de 2010. Às historiadoras e professoras Lic. Ana María Rodríguez Ayçaguer e Lic. Magdalena Broquetas, do Departamento de História do Uruguai da Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação da Universidad de la República, Montevidéu, que prestaram valiosa orientação. À Lic. María Graciela Gargiulo, diretora da Divisão Técnica Especializada da Biblioteca Nacional da República Oriental do Uruguai, que me introduziu à instituição e prestou toda a assitência requerida. Ao Museu Histórico Nacional da República Oriental do Uruguai/Casa Giró, na pessoa de Maria del Rosario Bonito e Anair Preciozzi, que me atenderam na passagem pelo seu arquivo. Ao historiador da fotografia uruguaia Lic. Alberto del Pino Menck, estudioso da Guerra do Paraguai, cujo rápido encontro em Montevidéu na fase final desta pesquisa foi muito enriquecedor. Em Montevidéu, agradeço ainda a Andres Linardi e a José-Luis Rubio, pela atenção e disponibilidade. 8 A Hervé Peltier, ex-coordenador das Midiatecas Francesas no Brasil, cujo incentivo foi fundamental no processo que me proporcionou um período de trabalho e pesquisa na Biblioteca Nacional da França, em 2005. À Biblioteca Nacional da França, na pessoa de seu ex-presidente Jean-Noël Jeanneney, da exdelegada de relações internacionais Renée Herbouze, da ex-diretora de coleções e atual diretora geral Jacqueline Sanson, da ex-diretora do Departamento de Estampas e da Fotografia Laure Beaumont-Maillet e da atual diretora Sylvie Aubenas, das curadoras de fotografia Anne Biroleau-Lemagny e Dominique Versavel e de toda a equipe do Departamento de Estampas e da Fotografia. A Serge Plantureux, pela atenção e disponibilidade durante a minha jornada de pesquisa em Paris. Ao Departamento de Artes & Design da PUC-Rio, na pessoa de sua atual diretora, a Professora Doutora Luiza Novaes, onde muitos colegas manifestaram interesse por esta pesquisa e me incentivaram, sempre. Ao Professor Doutor Fernando Betim Paes Leme, coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio – pelo entusiasmo com esta pesquisa – e à sua equipe. Ainda na PUC-Rio, renovo os meus agradecimentos ao Professor Doutor Luiz Antonio Luzio Coelho, meu orientador de mestrado, e a todos os bolsistas que prestaram valioso auxílio para a consecução do abrangente trabalho de pesquisa exploratória que realizamos àquela época, onde localiza-se o germe do presente doutorado. Ao Professor Doutor Andreas Valentin, diretor do Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes, pelo apoio e incentivo. Ao professor Doutor João Carlos Lutz Barbosa, amigo e incentivador que mais ansiou a conclusão deste trabalho. Agradeço a Ana Lucia Abreu pela amizade, incentivo e disponibilidade para auxiliar, sempre que necessário. Ao Professor Doutor Boris Kossoy, pela sua contribuição aos estudos históricos da fotografia no Brasil. À Professora Doutora Lygia Segala, que ajudou mais do que supõe. Ao pesquisador argentino Miguel Angel Cuarterolo (in memoriam), que despertou o meu interesse pelo estudo das fotografias da Guerra do Paraguai. Ao fotógrafo e historiador da fotografia brasileira Pedro Vasquez, grande incentivador, a cujas expectativas com relação à presente pesquisa espero haver correspondido – ao menos em parte. A todos os amigos e colegas, enfim – difícil seria nomeá-los aqui sem cometer injustiças – que sempre manifestaram interesse pelo desenvolvimento desta pesquisa e que me ajudaram de diversas maneiras. 9 Fig. 1 – Semana Illustrada, Rio de Janeiro, 24 jan. 1864, p. 1303. DiORa-FBN 10 Sumário Lista de siglas e abreviaturas Lista de ilustrações Lista de quadros Introdução 12 13 26 27 Parte I 1 Sobre os primeiros registros fotográficos de guerra e sua utilização 44 1.1 A invenção da fotografia e os primeiros usos na imprensa 44 1.2 A fotografia de guerra e seus primeiros usos na imprensa periódica estrangeira 53 1.3 O caso brasileiro: primóridos da fotografia de guerra e as primeiras tentativas de aplicação nos campos da pintura histórica e da imprensa periódica 1.3.1 Arsênio da Silva e a Guerra do Paraguai – um episódio ainda não esclarecido 61 66 2 Sobre Henrique Fleiuss e o Imperial Instituto Artístico 76 2.1 A trajetória de Henrique Fleiuss – subsídios para uma biografia 76 2.2 O Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde 2.2.1 Um breve panorama da imprensa ilustrada, no período da Semana Illustrada 2.2.2 A trajetória do Instituto e sua contribuição 96 96 103 3 A Semana Illustrada 129 3.1 O surgimento do jornal e seu projeto editorial e gráfico 132 3.2 Xilografia ou litografia? O desafio dos jornais ilustrados com fotografias 3.2.1 A xilografia e a litografia 3.2.2 A escola de xilografia do Imperial Instituto Artístico 170 172 188 Parte II 4 A comunicação durante a guerra contra o Paraguai 211 4.1 A produção da informação 215 4.2 O envio e o recebimento da informação 235 11 4.3 A difusão da informação 4.3.1 A Semana Illustrada faz escola: Emilio Wiedmann, Inácio Weingartner e A Sentinella do Sul 250 262 5 Primórdios da fotorreportagem no Brasil: a guerra contra o Paraguai na Semana Illustrada de Henrique Fleiuss, 1864-1870 272 5.1 O Brasil vai à guerra; a fotografia, também 5.1.1 Antecedentes e primeiros meses do conflito (jun. 1864 - abr. 1865) 5.1.2 Delenda Paraguai! Começa a Guerra da Tríplice Aliança (maio 1865 - abr. 1866) 277 277 310 5.2 Uma idéia mirabolante: a comissão photographica 5.2.1 O anúncio da reportagem fotográfica da comissão de engenheiros junto às forças em expedição para a província de Mato Grosso 5.2.2 Fleiuss, Taunay e Florence: aventuras e desventuras da comissão de engenheiros (1865-1867) ou: Zigue-zague: a reportagem fotográfica que não houve 342 342 352 5.3 A fase intermediária da guerra (mai. 1866 - jan. 1868) 394 5.4 Rumo à vitória final 5.4.1 De Humaitá à Dezembrada (fev. 1868 - dez. 1868) 5.4.2 A tomada de Assunção, a Campanha da Cordilheira e a perseguição final (jan. 1869 - mar. 1870) 413 413 429 Parte III 6 Agostini versus Fleiuss e o retrato de Chico Diabo: é ou não é? ou: Como um polemista profissional infernizou a vida do alemão 452 7 Fleiuss, um brasileiro 468 Conclusão 505 Quadros 520 Fontes e bibliografia 578 Anexos 613 12 Lista de siglas e abreviaturas AGCRJ Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro AHI Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro AHRS Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Porto Alegre AN Arquivo Nacional, Rio de Janeiro BnF Bibliothèque nationale de France, Paris BNU Biblioteca Nacional (Uruguai), Montevidéu CEHB-BN Catálogo da Exposição de História do Brasil (Biblioteca Nacional, 1881) CoPer-FBN Coord. Publicações Seriadas - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro CP Coleção particular DiOGe-FBN Divisão de Obras Gerais - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro DiORa-FBN Divisão de Obras Raras - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro DMss-FBN Divisão de Manuscritos - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro Ico-FBN Divisão de Iconografia - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro MCSHJC Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, Porto Alegre MHN Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro MHNU-CG Museo Histórico Nacional (Uruguai) – Casa Giró, Montevidéu MI Museu Imperial, Petrópolis Mss-FBN Divisão de Manuscritos - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro RGPL Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro SRef-FBN Seção de Referência - Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro 13 Lista de ilustrações Fig. 1 – Sol lucet omnibus? Semana Illustrada, Rio de Janeiro, 24 jan. 1864, p. 1303. Fig. 2 – Verso e reverso de uma medalha da atualidade. Como se escreve a história. Como se faz a história. Semana Illustrada, 12 jul. 1868, p. 3165. Fig. 3 – Quanto custam os retratos? Semana Illustrada, 29 mar. 1868. Fig. 4 – Provável cópia de um retrato fotográfico, do formato carte-de-visite. Semana Illustrada, 06 ago. 1865, p. 1939. Fig. 5 – A partida do conselheiro Joaquim José Inácio. Semana Illustrada, 16 dez. 1866, p. 2512. Fig. 6 – The Great Chartist Crowd (xilogravura) Fig. 7 – Chartists demonstration. Kennington Common, 10 abr. 1848. Daguerreótipo. Fig. 8 – Illustrirte Zeitung. Leipzig, 13 set. 1845. Fig. 9 – L’Illustration. Paris, 26 ago. 1843, pp. 404-405. Fig. 10 – L’Illustration. Paris, 01 jul. 1848. Fig. 11 – Daguerreótipo de Thibault. Fig. 12 – Daguerreótipo de Thibault. Fig. 13 – O súdito português Manoel Ribeiro de Miranda Murga [...]. Semana Illustrada, 09 set. 1866, p. 2396. Fig. 14 – Nova invenção. Semana Illustrada, 04 jun. 1865, p. 1867. Fig. 15 – A fotografia dos Carneiros e Gaspares. Semana Illustrada, 02 jan. 1870, p. 3788. Fig. 16 – Acampamento de infateria [sic] brasileira diante de Paissandú. [...] (Tirado do natural em fotografia). Suplemento da Semana Illustrada, ca. abril 1865. Fig. 17 – O Sr. acha caro 2$000 pelo retrato do rei? [...]. Semana Illustrada, 09 maio 1869, p. 3508. Fig. 18 – Exposição das Belas Artes. Semana Illustrada, 05 abr. 1868, p. 3049. Fig. 19 – Moleque, traze mais água; é necessário regar [...].”Semana Illustrada, 07 jun. 1868, p. 3121. Fig. 20 – Henrique Fleiuss. Cena religiosa em Maceió. Fig. 21 – Esboceto de um quadro histórico, aquarela de Henrique Fleiuss. Fig. 22 – Retrato fotográfico de Henrique Fleiuss (fotógrafo não identificado). Fig. 23 – Uma versão xilográfica do mesmo retrato, por Pacheco. Fig. 24 – 1ª Sessão Parlamentar. Semana Illustrada, 10 maio 1868, p. 3089. Fig. 25 – Penélope macho.” Semana Illustrada, 17 out. 1869, p. 3692. DiORa-FBN Fig. 26 – Anúncio ilustrado da Semana Illustrada. Máquina para fazer gelo artificial, importada pelo Sr. H. Leiden. [...].” Suplemento da Semana Illustrada, 25 dez. 1864. 14 Fig. 27 – Os sinos de S. Francisco no domingo passado [...]. Semana Illustrada, 06 jun. 1869, p. 3541. Fig. 28 – Leva este anúncio ao Jornal do Commercio [...]. Semana Illustrada, 19 set. 1869, p. 3657. Fig. 29 – O Dr. Semana, ajudado pelo seu incomparável Moleque, está procedendo à mudança [...].Semana Illustrada, 15 jan. 1871, p. 4209. Fig. 30 – Página 4 do Jornal do Commercio, com o anúncio do Semana Ilustrada. Fig. 31 – Ampliação do anúncio. Jornal do Commercio, 17 dez. 1860, p. 4. Fig. 32 – Primeira página do primeiro fascículo da Semana Illustrada, 16 dez. 1860. Fig. 33 – Cabeçalho da Semana Illustrada. Fig. 34 – Detalhe do personagem da Semana Illustrada, com a cruz no peito. Fig. 35 – A Cruz dos Cavaleiros de São João. Fig. 36 – A Cruz da Ordem de Cristo portuguesa. Fig. 37 – A Cruz de Ferro prussiana de 1813. Fig. 38 – A metade esquerda do cabeçalho da Semana Illustrada. Fig. 39 – Detalhe da metade esquerda do cabeçalho da Semana Illustrada. Fig. 40 – A metade direita do cabeçalho da Semana Illustrada. Fig. 41 – Detalhe da metade direita do cabeçalho da Semana Illustrada. Fig. 42 – The two ways of life, fotografia de Oscar Gustav Rejlander. Inglaterra, 1857. Fig. 43 – Detalhe do desenho de Fleiuss. Fig. 44 – Detalhe da obra fotográfica de Rejlander. Fig. 45 – O afresco pintado por Rafael (Causarum cognitio ou A escola de Atenas) Fig. 46 – Causarum cognitio - detalhe de Platão, segurando uma cópia do seu Timeu. Fig. 47 – Causarum cognitio - detalhe de Aristóteles, segurando a sua Ética a Nicômaco. Fig. 48 – A metade inferior da página 1 do primeiro fascículo da Semana Illustrada. Fig. 49 – Os deuses de casaca, de Machado de Assis. Folha de rosto. Fig. 50 – Ilustração de Henrique Fleiuss (sobre Os deuses de casaca). Semana Illustrada, 21 jan. 1866, p. 3030. Fig. 51 – Faustino Xavier de Novais. Semana Illustrada, 29 ago. 1869, p. 3640. Fig. 52 – “Machado de Assis e algumas personagens do seu novo romance Ressurreição.” Semana Illustrada, 19 mai. 1872, p. 4776. Fig. 53 – Semana Illustrada, 26 set. 1869, p. 3665. Fig. 54 – Semana Illustrada, 07 nov. 1869, p. 3713. Fig. 55 – Semana Illustrada, 01 ago. 1869, p. 3601. Fig. 56 – Suplemento da Semana Illustrada, 20 nov. 1864. Fig. 57 – Retrato fiel. Semana Illustrada, 17 jul. 1864, p. 1501. Fig. 58 – Semana Illustrada, 13 nov. 1864, p. 1637. 15 Fig. 59 – Semana Illustrada, 04 jul. 1869, p. 3572. Fig. 60 – Semana Illustrada, 07 maio 1865, p. 1840. Fig. 61 - Semana Illustrada, 13 maio 1866, p. 3159. Fig. 62 – Capa do último fascículo da Semana Illustrada (n. 797), publicado em 19 mar. 1876. Fig. 63 – Semana Illustrada, 07 ago. 1870, p. 4025. Fig. 64 – Badaladas (vinheta xilogrpafica). Fig. 65 – O anúncio da escola de gravura em madeira (xilografia), publicado na Semana Illustrada de 31 maio de 1863. Fig. 66 – Semana Illustrada, 20 mar. 1864, p. 1365. Fig. 67 – Semana Illustrada, 03 abr. 1864, p. 1381. Fig. 68 – Semana Illustrada, 17 de abril de 1864, p. 1393. Fig. 69 – Detalhe da xilogravura de Graça e Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 17 de abril de 1864, p. 1393. Fig. 70 – Idem. Semana Illustrada, 17 de abril de 1864, p. 1393. Fig. 71 – Semana Illustrada, 24 de abril de 1864. Fig. 72 – Xilogravura assinada por ‘Paula’, Semana Illustrada, 24 abr. 1864, p. 1405. Fig. 73 – Xilogravura assinada por ‘Basílio’, Semana Illustrada, 24 abr. 1864, p. 1405. Fig. 74 – Semana Illustrada, 17 abr. 1864, p. 1400. Fig. 75 – Semana Illustrada, 24 abr. 1864, p. 1408. Fig. 76 – Semana Illustrada, 01 maio 1864, p. 1409. Fig. 77 – Semana Illustrada, 01 maio 1864, p. 1409 (detalhe). Fig. 78 – “Tipos ambíguos.” Semana Illustrada, 01 maio 1864, p. 1412. Fig. 79 – “O caçador feroz.” Semana Illustrada, 01 maio 1864, p. 1416. Fig. 80 – Xilogravura da série Tipos ambíguos, assinada por ‘H. F.’ e ‘Sza.’ Semana Illustrada, 15 maio 1864, p. 1428. Fig. 81 – Cartum xilográfico assinado por ‘Graça’ Semana Illustrada, 15 maio 1864, p. 1429. Fig. 82 – Semana Illustrada, 4 dez. 1864, p. 1662. Fig. 83 – Semana Illustrada, 4 dez. 1864, p. 1663. Fig. 84 – Anúncio. Semana Illustrada, 29 nov. 1868, p. 3327. Fig. 85 – Semana Illustrada, 08 jan. 1865, p. 1702. Fig. 86 – Semana Illustrada, 08 jan. 1865, p. 1702 (detalhe). Fig. 87 – A scene from life in northern Brazil. Illustração Anglo-Brazileira. Londres, 03 nov. 1870, p. 20. Fig. 88 – Fotografia de Albert Frisch. Metis, la mère et l’enfant. Rio Negro (Brésil), ca. 1859. Fig. 89 – Colofão do 2o volume da História da caricatura no Brasil, de Herman Lima , 1963. Fig. 90 – Correspondência da Legação Imperial do Brasil em Montevidéu, 1866. 16 Fig. 91 – Os ‘retalhos’ colados às folhas. Correspondência da Legação Imperial do Brasil em Montevidéu, 1866. Fig. 92 – Exemplo de correspondência cifrada enviada do Paraguai. Fig. 93 – Folha de rosto do livro de bordo da fragata Amazonas. Fig. 94 – Detalhe da fl. 95; trecho referente ao início da batalha do Riachuelo. Fig. 95 – Suplemento da Semana Illustrada, 08 jan. 1865. Fig. 96 – Semana Illustrada, 15 jul. 1866, p. 3232. Fig. 97 – Semana Illustrada, 29 jul. 2351, p. 3232. Fig. 98 – Teatro da guerra. Combate naval do dia 11 de junho de 1865. Semana Illustrada, 06 ago. 1865, pp. 1941 Fig. 99 – Plano da batalha naval do Riachuelo, dada a 11 de Junho de 1865. Semana Illustrada, 13 ago. 1865, p. 1948. Fig. 100 – Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1344. Fig. 101 – Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1346. (anúncio) Fig. 102 – A. L. von Hoonholtz. Semana Illustrada, 24 set. 1865, p. 1995 Fig. 103 – O exército brasileiro passando o rio Juqueri, no Uruguai, em 15 de julho de 1865. Semana Illustrada, 18 fev. 1866, pp. 3063-64. Fig. 104 – Estabelecimento fotográfico de Erdmann & Catermole [sic] em Tuiuti. A Sentinella do Sul, Porto Alegre, n. 21 de 24 nov. 1867, p. 173. Fig. 105 – detalhe do Estabelecimento fotográfico de Erdmann & Catermole Fig. 106 – Entrada do Comércio de Humaitá e Lado esquerdo do Comércio de Humaitá, dois detalhes da litogravura. Semana Illustrada de 25 out. 1868, pp. 3284-85. Fig. 107 – Na casa de Deroche & C. Semana Illustrada, 20 dez. 1868, p. 3345. Fig. 108 – Diário Oficial do Império, 21 fev. 1865. Fig. 109 – A chegada do Paquete francês no dia 17 do corrente. Semana Illustrada, 27 nov. 1864. Fig. 110 – O novo diretor do correio geral [...]. Semana Illustrada, 7 jan. 1866, p. 3019. Fig. 111 – Ingenuidade. Semana Illustrada, 16 set. 1866, p. 2404. DiORa-FBN Fig. 112 – Semana Illustrada, 03 mar. 1867, p. 2596. Fig. 113 – Corte seccional do semáforo ou telégrafo de Chappe, 1792. Fig. 114 – Versão portátil do semáforo de Chappe, em uso na guerra da Criméia (1853-56). Fig. 115 – A comunicação entre a praça do Comércio e a fortaleza de Santa Cruz, por meio do fio elétrico submarino. Semana Illustrada, 10 jan. 1864, p. 1281. Fig. 116 – Instalações dos telegrafistas e dos fotógrafos junto ao quartel-general do exército norte-americano em Potomac, durante a guerra civil norte-americana (1861-65). Fig. 117 – O Dr. Semana conversando por intermádio de Mr. Collings Overland telegraph com todos os monarcas do globo. Semana Illustrada, 15 abr. 1866, p. 3124. Fig. 118 – Telégrafo elétrico. (Inauguração da linha de Campos) Semana Illustrada, 13 out. 1867, p. 2856. 17 Fig. 119 – Mangrulho ou telégrafo paraguaio. Semana Illustrada, 29 nov. 1868, p. 3325. Fig. 120 – Semana Illustrada, 26 ago. 1866, p. 2381. Fig. 121 – Reportagem sobre a tomada do forte de Humaitá. L’Illustration, Journal Universel. (1868?) Fig. 122 – Suplemento da Semana Illustrada, ago. [?] de 1868. Fig. 123 – Anúncio publicado pela firma Bate y Ca. no jornal El Siglo, de Montevidéu, em 1o de agosto de 1866. Fig. 124 – Missa em Passo da Pátria. Fotografia de Bate & Ca. Fig. 125 – Batalhão uruguaio ‘24 de Abril’ numa trincheira, em Tuiuti. Fotografia de Bate & Ca. Fig. 126 – As fotografias de Bate & Ca. (Javier López), estampadas em xilografia no L’Univers Illustré, Paris, 05 jan. 1867, p. 12. Fig. 127 – Página 1 do primeiro fascículo d’A Sentinella do Sul, lançado em 07 jul. 1867. Fig. 128 – Aviso ao público. A Sentinella do Sul, 07 jul. 1867. Fig. 129 – Retrato de Osório. A Sentinella do Sul, 07 jul. 1867, p. 8. Fig. 130 – Ten. general visconde de Porto Alegre. A Sentinella do Sul, 21 jul. 1867, p. 24. Fig. 131 – Estabelecimento fotográfico de Erdmann & Cattermole em Tuiuti. A Sentinella do Sul. Porto Alegre, n. 21 de 24 nov. 1867, p. 173. Fig. 132 – Vistas do teatro da guerra (fotografias de Erdmann & Cattermole). A Sentinella do Sul. Porto Alegre, n. 21 de 24 nov. 1867, p. 173. Fig. 133 – Frente de uma carte de visite de autoria de ‘Erdmann y Cattermole’. Fig. 134 – Verso de uma carte de visite de autoria de ‘Erdmann y Cattermole’. Fig. 135 – Esboço aproximado das posições ocupadas pelos exércitos no teatro da guerra. [...]. A Sentinella do Sul, 24 nov. 1867, p. 172. Fig. 136 – Dois bravos da campanha do Sul. Semana Illustrada, 20 jan. 1867, p. 2549. Fig. 137 – O 2º tenente do corpo de artilharia José Bernardino Bormann, e o tenente do 7º batalhão de voluntários da pátria, Guilherme Paulo Bormann. A Sentinella do Sul, 16 fev. 1868, p. 270. Fig. 138 – A Sentinella do Sul (capa). Porto Alegre, 07 jul. 1867. Fig. 139 – A Sentinella do Sul, 03 mar. 1868, p. 287. Fig. 140 – A Sentinella do Sul, 03 mar. 1868, p. 290. Fig. 141 – A Providência mostrando como as SARAIVAS devem desempenhar a sua missão especial. Semana Illustrada, 30 out. 1864, p. 1624. Fig. 142 – Semana Illustrada, 6 nov. 1864, p. 1625. Fig. 143 – Semana Illustrada, 25 dez. 1864, p. 1681. Fig. 144 – Semana Illustrada, 01 jan. 1865, p. 1689. Fig. 145 – Semana Illustrada, 15 jan. 1865, p. 1716. Fig. 146 – Semana Illustrada, 22 jan. 1865, p. 1723. 18 Fig. 147 – Semana Illustrada, 22 jan. 1865, p. 1721. Fig. 148 – Semana Illustrada, 29 jan. 1865, p. 1732. Fig. 149 – Campanha do Sul. III. General Caraballo. [...]. Semana Illustrada, 29 jan. 1865, p. 1729. Fig. 150 – Uniforme do exército brasileiro. Semana Illustrada, 05 fev. 1865, p. 1737. Fig. 151 – Semana Illustrada, 05 fev. 1865, p. 1737. Fig. 152 – Retrato fotográfico de Leandro Gómez. Fig. 153 – Harper’s Weekly, 08 abr. 1865, p. 221. Fig. 154 – Semana Illustrada, 19 fev. 1865, p. 1752. Fig. 155 – Semana Illustrada, 26 fev. 1865, p. 1761. Fig. 156 – “Vistas de Paissandú depois da tomada da praça. Fotografadas do natural [...].” Suplemento da Semana Illustrada, lançado entre fevereiro e março de 1865. Fig. 157 – Baluarte da lei. Fotografia. Fig. 158 – Chefatura de Polícia. Fotografia. Fig. 159 – Catedral de Paissandú. Fotografia. Fig. 160 – Hotal Âncora de Ouro. Fotografia. Fig. 161 – Vista de la iglesia de Paysandú. Después de la toma de la plaza. Correo del Domingo, n. 57. Buenos Aires, 29 de janeiro de 1865. Fig. 162 – Leandro Gomez’s head-quarters, Paysandu. Harper’s Weekly, 08 abr. 1865, p. 221. Fig. 163 – The Turret Fort, Paysandu. Harper’s Weekly, 08 abr. 1865, p. 222. Fig. 164 – A primeira notícia. Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1772. Fig. 165 – Catalina, india. Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1775. Fig. 166 – O 1º Tenente Mariz e Barros. Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1775. Fig. 167 – Ilha em frente a Paissandú . Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1776. Fig. 168 – Episódios da Campanha do Uruguai – n. 4. Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1776. Fig. 169 – Adeuses e embarque do 1º batalhão de voluntários do Rio de Janeiro. Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1779. Fig. 170 – Semana Illustrada, 02 abr. 1865, p. 1796. Fig. 171 – Semana Illustrada, 09 abr. 1865, p. 1808. Fig. 172 – Semana Illustrada, 30 abr. 1865, p. 1832. Fig. 173 – Tenente Antonio Campos de Mello, fotografado no Hospital de Buenos Aires. Fig. 174 – Alferes Colatino Teixeira de Azevedo, fotografado no Hospital de Buenos Aires. Fig. 175 – tenente Manoel Veríssimo da Silva, fotografado no Hospital de Buenos Aires. Fig. 176 – Verso da primeira carte-de-visite Fig. 177 – Verso da segunda carte-de-visite Fig. 178 – Verso da terceira carte-de-visite 19 Fig. 179 – Semana Illustrada, 14 maio 1865, p. 1851. Fig. 180 – Semana Illustrada, 28 maio 1865, p. 1861. Fig. 181 – Episódios da guerra do sul. Semana Illustrada, 18 jun.1865, p. 1884. Fig. 182 – O General em chefe do exército brasileiro e o seu estado maior. Semana Illustrada, 25 jun. 1865, p. 1892. Fig. 183 – Semana Illustrada, 02 jul. 1865, p. 1900. Fig. 184 – Partida da primeira brigada, ao mando do coronel Galvão, de Ouro Preto para Mato Grosso. Semana Illustrada, 09 jul. 1865, p. 1908. Fig. 185 – Vista da Praça de Ouro Preto no dia da partida da 1ª expedição de Minas para Mato Grosso. Fig. 186 – Viagem Imperial. Semana Illustrada, 16 jul. 1865, p. 1919. Fig. 187 – Retratos de dois jovens bravos, falecidos durante a batalha fluvial do Riachuelo. Semana Illustrada, 16 jul. 1865, p. 1916. Fig. 188 – Semana Illustrada, 23 jul. 1865, p. 1924. Fig. 189 – Semana Illustrada, 06 ago. 1865, p. 1943. Fig. 190 – Semana Illustrada, 06 ago. 1865, p. 1943. (detalhe) Fig. 191 – Suplemento da Semana Illustrada. Brasil. Primeira corveta encouraçada da armada brasileira. Agosto de 1865. Fig. 192 – S. M. o Imperador e S. A. o Sr. Duque de Saxe. Em traje de campanha. Semana Illustrada, 10 set. 1865, p. 1983. Fig. 193 – Retrato de d. Pedro II, no formato carte-de-visite. Foto de Luiz Terragno (Porto Alegre), agosto de 1865. Fig. 194 – Retrato do duque de Saxe, no formato carte-de-visite. Foto de Luiz Terragno (Porto Alegre), agosto de 1865. Fig. 195 – Semana Illustrada, 17 set. 1865, p. 1987. Fig. 196 – Semana Illustrada, 17 set. 1865, p. 1991. Fig. 197 – Semana Illustrada, 01 out. 1865, p. 2004. Fig. 198 – Semana Illustrada, 08 out. 1865, p. 2012. Fig. 199 – Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2023. Fig. 200 – Semana Illustrada, 05 nov. 1865, p. 2040. Fig. 201 – Semana Illustrada, 05 nov. 1865, p. 2044. Fig. 202 – Semana Illustrada, 12 nov. 1865, p. 2052. Fig. 203 – Semana Illustrada, 19 nov. 1865, p. 2063. Fig. 204 – Semana Illustrada, 19 nov. 1865, p. 2059. Fig. 205 – Semana Illustrada, 27 nov. 1865, p. 2067. Fig. 206 – Desembarque de sua Magestade o Imperador [...]. Fotografia de Sucini & Irmão. Fig. 207 – Semana Illustrada, 03 dez 1865, p. 2075. Fig. 208 – Semana Illustrada, 03 dez. 1865, p. 2072. 20 Fig. 209 – Semana Illustrada, 17 dez. 1865, p. 2091. Fig. 210 – Semana Illustrada, 18 mar. 1866, p. 3095. Fig. 211 – “Últimos momentos do heróico 1º tenente – Mariz e Barros [...].” Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1347. Fig. 212 – Semana Illustrada, 06 maio 1866, p. 3151. Fig. 213 – Semana Illustrada, 13 maio 1866, p. 3160. Fig. 214 – Semana Illustrada, 13 maio 1866, p. 3163. Fig. 215 – Murinelly e seus filhos. Semana Illustrada, 27 maio 1866, p. 3176. Fig. 216 – Semana Illustrada, 22 abr. 1866, p. 1338. Fig. 217 – Aplicação da fotografiaaos levantamentos militares, de J. A. Jouart. Paris, 1866. Falsa fl. de rosto, com dedicatória ao imperador. Fig. 218 – Aplicação da fotografiaaos levantamentos militares, de J. A. Jouart. Paris, 1866. Fl. de rosto. Fig. 219 – Aviso aos nossos assinantes. Semana Illustrada, 02 abr. 1865, p. 1802. Fig. 220 – Semana Illustrada, 30 abr. 1865, p. 1829. Fig. 221 – Cena da vida acadêmica de S. Paulo. Lavadeira. Semana Illustrada, 07 maio 1865, p. 1839. Fig. 222 – O retrato dos membros da Comissão de Engenheiros, realizado por Henrique Rosén. Fig. 223 – Semana Illustrada, 18 jun. 1865, p. 1887. Fig. 224 – O correio de Mato Grosso. Semana Illustrada, 26 mar. 1865, p. 1788. Fig. 225 – Semana Illustrada, em 04 nov. 1866, à p. 2461. Fig. 226 – Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2023. Fig. 227 – Retrato do jovem Taunay. Fig. 228 – Primeira página do relatório geral da expedição ao Mato Grosso (1865-1866), regidido por Taunay. Fig. 229 – Fig. 229 – Alfredo d’Escragnolle Taunay, em litogravura de Angelo Agostini. A Vida Fluminense, 05 fev. 1870, p. 45. Fig. 230 – Semana Illustrada, 30 set. 1866, p. 2421. Fig. 231 – Semana Illustrada, 19 ago. 1866, p. 2369. Fig. 232 – Senhoras brasileiras [...]! Semana Illustrada, 12 ago. 1866, p. 2365. Fig. 233 – Semana Illustrada, 07 out. 1866, p. 2429. Fig. 234 – Retrato de João Conrado de Niemeyer. Semana Illustrada, 14 out. 1866, p. 2437. Fig. 235 – Consertador de mutilados. Semana Illustrada, 04 nov. 1866, p. 2460. Fig. 236 – O Marquês de Caxias, novo chefe do exército brasileiro. Semana Illustrada, 21 out. 1866, p. 2448. Fig. 237 – Rio Grandenses! Semana Illustrada, 06 ago. 1865, p. 1943. Fig. 238 – Semana Illustrada, 11 nov. 1866, p. 2469. 21 Fig. 239 – Presidente Saldanha Marinho, acordando a província de Minas. Semana Illustrada, 25 nov. 1866, p. 2481. Fig. 240 – Idem (detalhe). Fig. 241 – Semana Illustrada, 02 dez. 1866, p. 2493. Fig. 242 – Tamandaré. Brazil. Depois do ataque de Curupaiti. Suplemento da Semana Illustrada n. 313 de 09 dez. 1866. Fig. 243 – Semana Illustrada, 23 dez. 1866, p. 2517. Fig. 244 – Semana Illustrada, 23 dez. 1866, p. 2520. Fig. 245 – Correntinos no acampamento. Semana Illustrada, 06 jan. 1867. Fig. 246 – Os cinco irmãos Tamborins. Semana Illustrada, 13 jan. 1867, p. 2541. Fig. 247 – Semana Illustrada, 03 fev. 1867, p. 2568. Fig. 248 – Semana Illustrada, 10 fev. 1867, p. 2573. Fig. 249 – O cemitério de Corrientes. Semana Illustrada, 24 fev. 1867, p. 2589. Fig. 250 – Semana Illustrada, 10 mar. 1867, p. 2605. Fig. 251 – Semana Illustrada, 15 set. 1867, p. 2821. Fig. 252 – Semana Illustrada, 13 out. 1867, p. 2853. Fig. 253 – Semana Illustrada, 20 out. 1867, p. 2861. Fig. 254 – Semana Illustrada, 03 nov. 1867, p. 2876. Fig. 255 – Semana Illustrada, 09 fev. 1868, p. 2985. Fig. 256 – Semana Illustrada, 08 mar. 1868, p. 3017. Fig. 257 – Suplemento da Semana Illustrada, agosto de 1865. Fig. 258 – O capitão Joaquim Pantaleão Telles de Queiroz à frente de 30 homens. Semana Illustrada, 09 ago. 1868, p. 3197. Fig. 259 – Reconhecimento de 16 de julho de 1868. Semana Illustrada, 23 ago. 1868, pp. 3212-3213. Fig. 260 – Fortaleza de Humaitá. Suplemento da Semana Illustrada, lançado em [ago?] de 1868. Fig. 261 – Igreja de Humaitá - vista do lado do norte. Fotografia de Carlos Cesar. Fig. 262 – Interior da Igreja de Humaitá. Fotografia de Carlos Cesar. Fig. 263 – Interior de Humaitá. Semana Illustrada, 13 set. 1868, p. 3237. Fig. 264 – Humaitá. Quartel General de López. Foto atribuída a Carlos Cesar. Fig. 265 – Casamatas da Bateria Londres em Humaitá. Fotografia de Carlos Cesar. Fig. 266 – Carimbo da Galeria Universal de Carlos Cesar. Fig. 267 – Série de oito vistas, compondo página dupla [...].Semana Illustrada, 25 out. 1868, pp. 3284-85. Fig. 268 – Carpas do comércio de Itapirú (detalhe). Semana Illustrada, 25 out. 1868, p. 3284. Fig. 269 – Vista do comércio de Humaitá, do álbum Lembrança do Paraguai. 22 Fig. 270 – Carpa do Conselheiro Fernando Sebastião Dias da Motta em Tuiu-Cuê. Semana Illustrada, 25 out. 1868, detalhe das pp. 3284-3285. Fig. 271 – Rancho do secretário do marquês de Caxias, coronel Dias da Motta, em Tuiu-Cuê.” Álbum de fotografias Lembrança do Paraguai Fig. 272 – Semana Illustrada, 06 dez. 1868, p. 3333. Fig. 273 – Semana Illustrada, 03 jan. 1869, p. 3365. Fig. 274 – Episódio da guerra do Paraguai (21 de dezembro de 1868). Semana Illustrada, 17 jan. 1869, p. 3381. Fig. 275 – Semana Illustrada, 31 jan. 1869, p. 3397. Fig. 276 – Semana Illustrada, 07 fev. 1869, p. 3408. Fig. 277 – A capa (p. 3433) da Semana Illustrada de 7 mar. 1869. Fig. 278 – Ampliação do cartum da capa do mesmo fascículo. Fig. 279 – Semana Illustrada, 07 mar. 1869, p. 3437. Fig. 280 – Semana Illustrada, 14 mar. 1869, p. 3442. Fig. 281 – Idem (detalhe). Fig. 282 – Semana Illustrada, 21 mar 1869, p. 3456. Fig. 283 – Quem bate? Semana Illustrada, 02 maio 1869, p. 3504. Fig. 284 – General João Manuel Menna Barreto. Semana Illustrada, 05 set. 1869, p. 3645 e p. 3648. Fig. 285 – O príncipe conde d’Eu comandando os exércitos aliados nas batalhas de Peribebuí e Caraguataí. Semana Illustrada, 05 set. 1869, p. 3645 e p. 3648. Fig. 286 – Promoções na Marinha. Semana Illustrada, 12 dez. 1869, p. 3757. Fig. 287 – Homenagem a Vitorino de Barros. Semana Illustrada, 20 mar. 1870, p. 3869. Fig. 288 – O conde d’Eu e seu Estado-Maior (última ‘cópia fiel’ de uma fotografia enviada do teatro da guerra). Semana Illustrada, 27 fev. 1870, p. 3848. Fig. 289 – S. A. Real Conde d’Eu com seu estado maior em Lambari. Fig. 290 – O conde d’Eu e José Maria da Silva Paranhos posam entre oficiais [...]. Vila do Rosário, Paraguai, jan. 1870. Fig. 291 – Idem (detalhe). Fig. 292 – ARCO TRIUNFAL mandado erguer [...].Semana Illustrada, 06 mar. 1870, p. 3853. Fig. 293 – Ficai certos de que a guera se acha felizmente concluída! Semana Illustrada, 20 mar. 1870. Fig. 294 – Idem (detalhe). Fig. 295 – José Antonio Corrêa da Câmara, o visconde de Pelotas. Semana Illustrada, 27 mar. 1870, p. 3873. Fig. 296 – Chico Diabo atravessando com uma lança [...].Semana Illustrada, 27 mar 1870, p. 3880. Fig. 297 – Felicitação do Dr. Semana ao Brasil pela terminação da guerra. Semana Illustrada, 23 03 abr. 1870, p. 3881. Fig. 298 – A volta de um voluntário. Semana Illustrada, 10 abr. 1870, p. 3896. Fig. 299 – Um trocadilho do Moleque. Semana Illustrada, 24 abr. 1870, p. 3905. Fig. 300 – À volta de S.A.R. o Sr. conde d’Eu. Semana Illustrada, 24 abr. 1870, p. 3912. Fig. 301 – Semana Illustrada, 27 mar. 1870., p. 3879. Fig. 302 – Semana Illustrada, 01 maio 1870, p. 3919. Fig. 303 – Semana Illustrada, 26 jun. 1870, p. 3977. Fig. 304 – O calor (detalhe). A Vida Fluminense, 01 fev. 1868, p. 54. Fig. 305 – A Vida Fluminense, 08 fev. 1868, p. 63. Fig. 306 – Por cima e por baixo (detalhe). A Vida Fluminense, 04 abr. 1868, p. 162-163. Fig. 307 – Bernardino, rei dos práticos. Semana Illustrada, 05 abr. 1868, p. 3053. Fig. 308 – Um pesadelo horrível” e ‘cópia fiel’ de “Bernardino, o rei dos práticos” por Agostini. A Vida Fluminense, 11 abr. 1868, p. 175. Fig. 309 – Um acesso de Fluminensite aguda. A Vida Fluminense, 09 maio 1868 p. 228. Fig. 310 – A última transformação do Dr. Semana. A Vida Fluminense, 20 jun. 1868, p. 289. Fig. 311 – Nhonhô feito paio para agradar a uma salsicha! A Vida Fluminense, 20 jun. 1868, p. 292. Fig. 312 – À força de suplementos para crianças [...]. A Vida Fluminense, 03 out. 1868, p. 472. Fig. 313 – As apoquentações do Dr. Semana. A Vida Fluminense, 24 out. 1868, p. 508. Fig. 314 – Semana Illustrada, 01 nov. 1868, p. 3289. Fig. 315 – A Vida Fluminense, 14 nov. 1868, p. 544. Fig. 316 – Chico Diabo atravessando com uma lança [...]. Semana Illustrada, 27 mar 1870, p. 3880. Fig. 317 – Detalhe do retrato fotográfico de Chico Diabo em São Borja, RS, jun. 1870. Fig. 318 – Detalhe do rosto da estampa de Chico Diabo. (fig. 316). Fig. 319 – Retrato de grupo. In: Excursão ao Paraguai. Ico-FBN. Fig. 320 – O cabo Francisco de Lacerda por alcunha Xico Diabo. A Vida Fluminense, 27 ago. 1870, p. 275. Fig. 321 – Chico Diabo atravessando com uma lança [...]. Semana Illustrada, 27 mar 1870, p. 3880. Fig. 322 – Retrato do conde d’Eu. Semana Illustrada, 24 abr. 1870, p. 3912. Fig. 323 – Retrato do conde d’Eu. A Vida Fluminense, 7 maio 1870, p. 150. Fig. 324 – Detalhe da litogravura estampada na capa da Semana Illustrada, 28 nov. 1869. Fig. 325 – O boné frígio vai entestar com a Coroa Imperial. Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2022. Fig. 326 – Ao feliz regresso. Semana Illustrada, 30 jul. 1865, p. 1928. 24 Fig. 327 – SETE DE SETEMBRO. Semana Illustrada, 8 set. 1867, p. 2816. Fig. 328 – Os conservadores [...].Semana Illustrada, 19 fev. 1865, p. 1749. Fig. 329 – Quem não é pelo Brasil, é contra o Brasil. Semana Illustrada, 25 jun. 1865, p. 1895. Fig. 330 – Da série Perguntas e Respostas, n. 2. Semana Illustrada, 26 jul. 1868, p. 3180. Fig. 331 – O rio Amazonas. Semana Illustrada, 16 dez. 1866, p. 2509. Fig. 332 – Aspecto de um chafariz que levou um assalto igual ao das lombas Valentinas. Semana Illustrada, 24 jan. 1869, p. 3389. Fig. 333 – Semana Illustrada, 23 dez. 1866, p. 2513. Fig. 334 – As (im) posturas da Câmara Municipal. Semana Illustrada, 25 abr. 1869, p. 3492. Fig. 335 – Frutas brasileiras e a maneira de comê-las. Semana Illustrada, 01 dez. 1867, p. 2909. Fig. 336 – Frutas do Brasil. Semana Illustrada, 08 dez. 1867, p. 2917. Fig. 337 – Banquete da civilização. Semana Illustrada, 11 jul. 1869, p. 3577. Fig. 338 – Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2023. Fig. 339 – Semana Illustrada, 16 jan. 1870, p. 3794. Fig. 340 – Auto-da-fé. Semana Illustrada, 05 dez. 1869, p. 3749. Fig. 341 – O Dr. Semana cheio de indignação. Semana Illustrada, 02 jul. 1865, p. 1896. Fig. 342 – Semana Illustrada, 23 set. 1866, p. 2409. Fig. 343 – Semana Illustrada, 09 maio 1869, p. 3505. Fig. 344 – Semana Illustrada, 28 jan. 1866, p. 3040. Fig. 345 – Semana Illustrada, 03 set. 1865, p. 1968. Fig. 346 – Semana Illustrada, 13 de maio de 1866, p. 3159. Fig. 347 – Máquina viva de mata moscas. Semana Illustrada, 01 maio 1870, p. 3916. Fig. 348 – Semana Illustrada, 28 jan. 1866, p. 3039. Fig. 349 – Semana Illustrada, 05 fev. 1865, p. 1737. Fig. 350 – Semana Illustrada, 11 nov. 1866, p. 2465. Fig. 351 – Festas do Dr. Semana ao Brasil. Semana Illustrada, 19 abr. 1868, p. 3065. Fig. 352 – Exame para cabo de esquadra. Semana Illustrada, 19 jul. 1868, p. 3173. Fig. 353 – O Ministro e o pretendente. Semana Illustrada, 19 dez. 1869, p. 3765. Fig. 354 – Semana Illustrada, 24 dez. 1871, p. 4605. Fig. 355 – A imprensa da corte preparando-se para a nova assinatura. Semana Illustrada, 10 nov. 1867, p. 2888. Fig. 356 – Leitura de jornais. Semana Illustrada, 12 dez 1869, p. 3757. Fig. 357 – Grande Regata. A Vida Fluminense, 11 jan. 1868. Fig. 358 – Regata em Botafogo. A Vida Fluminense, 25 jan. 1868, p. 39. 25 Fig. 359 – Carnaval (detalhe). Angelo Agostini. A Vida Fluminense, 29 fev. 1868, p. 103. Fig. 360 – Carnaval (detalhe). Angelo Agostini. A Vida Fluminense, 29 fev. 1868, p. 103. Fig. 361 – A Vida Fluminense, 18 abr. 1868, p. 183. Fig. 362 – Semana Illustrada, 04 nov. 1866, p. 2457. DiORa-FBN Fig. 363 – Interior de Humaitá. Semana Illustrada, 13 set. 1868, p. 3237. Fig. 364 – Semana Illustrada, 02 set. 1866, p. 2389. Fig. 365 – Antonio Luiz von Hoonholtz. Semana Illustrada, 10 set., 1865, p. 1979. Fig. 366 – O eclipse do dia 29 de agosto [...].Semana Illustrada, 08 set. 1867, p. 2810. Fig. 367 – Na chácara. Semana Illustrada, 26 jul. 1868, p. 3177. Fig. 368 – Semana Illustrada, 30 jul. 1865, p. 1932. Fig. 369 – Bernardino, rei dos práticos. Semana Illustrada, 05 abr. 1868, p. 3053. Fig. 370 – Semana Illustrada, 20 maio 1866, p. 3167. Fig. 371 – Ridendo Castigat Mores. Semana Illustrada, 25 mar. 1866, p. 3100. 26 Lista de quadros Quadro 1 Fotógrafos que receberam crédito nas ‘cópias fiéis de fotografias’ estampadas na Semana Illustrada entre dez. 1864 e mar. 1870, como parte da cobertura da guerra contra o Paraguai A. Fotografias recebidas do teatro da guerra B. Outras fotografias Quadro 2 Desenhistas que receberam crédito pelas imagens estampadas na Semana Illustrada entre dez. 1864 e mar. 1870, como parte da cobertura da guerra contra o Paraguai (desenhos feitos no teatro da guerra) Quadro 3 Remetentes de fotografias e desenhos à Semana Illustrada, explicitados nominalmente como tal por Henrique Fleiuss (dez. 1864 - mar. 1870) Quadro 4 Membros das forças armadas ou dos governos envolvidos na guerra contra o Paraguai, retratados na Semana Illustrada entre dez. 1864 e mar. 1870 A. Brasil B. Argentina C. Uruguai D. Paraguai E. Outros países Quadro 5 Imagens dos eventos e outras imagens da guerra contra o Paraguai, estampadas na Semana Illustrada entre dez. 1864 e mar. 1870 A. Mapas, plantas e diagramas do teatro da guerra B. Vistas e cenas do teatro da guerra C. Outros eventos relacionados à guerra – partidas e chegadas, manifestações, acontecimentos políticos, etc. D. Outras imagens relacionadas à guerra – embarcações, armamentos, vistas e retratos diversos, etc. Quadro 6 Cartuns, caricaturas, ilustrações não-humorísticas e ilustrações alegóricas relacionadas à guerra contra o Paraguai, publicadas na Semana Illustrada entre jul. 1864 e mar. 1870 A. Cartuns B. Caricaturas C. Ilustrações não-humorísticas e ilustrações alegóricas Quadro 7 Suplementos relacionados à guerra contra o Paraguai, lançados junto com os fascículos da Semana Illustrada ou como avulsos, entre dez. 1864 e mar. 1870 27 Introdução A decisão de usar uma imagem como epígrafe deste trabalho acadêmico só nos ocorreu já bem próximo da sua conclusão, na enésima releitura da Semana Illustrada, jornal editado por Henrique Fleiuss no Rio de Janeiro do Oitocentos, sempre a nos revelar informações antes despercebidas. Temos, ali, mais uma de suas incontáveis blagues: ao mesmo tempo em que alfinetava o Jornal do Commercio, Fleiuss muitas vezes remetia os leitores às suas páginas, para se informarem acerca de fatos da semana e melhor compreenderem as mensagens contidas nos cartuns dominicais de sua folha. E assim, ia contribuindo a seu modo para o que hoje denominamos ‘alfabetização visual’. Pois ao dar início a seu mais célebre empreendimento jornalístico, a maior parte dos potenciais leitores vivia em um tempo e lugar específicos, muito longe do mercado de massa que já era uma realidade na Europa – por aqui, as imagens ainda constituíam-se em commodity relativamente rara, e cara. Ao mencionar “a extensão do Brasil desde do Amazonas até o Prata” ele alfinetava nossos hermanos do Estado Oriental. A publicação da imagem da epígrafe deu-se em janeiro de 1864 e naqueles dias, o Uruguai era o ponto de convergência de todas as tensões platinas que nos levariam, em seguida, à guerra contra o Paraguai. A imagem também nos remete à conhecida dedicatória de Honoré de Balzac para Madame Hanska: “A imprensa organizou o pensamento e o pensamento em breve irá tirar proveito do mundo. Uma folha de papel, frágil instrumento de uma idéia imortal, pode nivelar o globo” 1, uma reflexão carregada do ressentimento de um intelectual que fracassou repetidas vezes como editor de livros e de jornais ilustrados, em Paris. Um caso diametralmente oposto ao de Fleiuss, que produziu uma obra gráfica e jornalística alentada, no Rio de Janeiro. Naqueles meados do Oitocentos e naquele mundo das letras – e de poucos letrados – principiava, na corte, ‘a era das imagens’. Uma era que se estende, não seria exagero dizê-lo, até os dias atuais, onde a grande novidade são as cópias digitais: assim como ocorreu com as imagens litográficas daqueles tempos, também surgiram numa virada de século, para cobrirem o planeta em seguida. No século 19 logo surgiu a autografia, para gerar múltiplas cópias com rapidez; e depois veio a fotografia. Hoje, a novidade é a digitalização através da 1 BALZAC, 1999, p. 3. 28 mesma velha camera obscura – agora dotada de um sensor no lugar do filme – e também do escâner, ambos conjugados às cópias eletrostáticas ou a jato-de-tinta. Naqueles tempos, multiplicaram-se as possibilidades de veiculação de imagens, notícias e idéias através das folhas; hoje, temos os blogs – Henrique Fleiuss se adaptaria rapidamente aos nossos tempos, como se vê. Tempos atuais onde, aliás, muitas outras coisas se parecem com os tempos passados, como se depreende da leitura de sua ilustrada folha. “Sol lucet omnibus?” é a indagação contida no desenho da epígrafe. Em que pensava nosso editor, ao transformar um de seus lemas prediletos – o sol brilha para todos – em uma provocativa pergunta, três anos depois? ‘Um de seus lemas prediletos’ e ‘três anos depois’ porque apesar de ter aparição apenas ocasional entre as expressões latinas tão comuns na escrita fleiussiana, marcou presença desde a litogravura estampada à primeira página do primeiro número de seu jornal ilustrado (lançado em 16 de dezembro de 1860), junto com o “Ridendo castigat mores” que se fez presente, este sim, no cabeçalho de todos os setecentos e noventa e sete fascículos da Semana, lançados ininterruptamente ao longo de mais de quinze anos. Embora sempre se esforçasse para ser respeitoso com os concorrentes diretos, até mesmo dando as boas-vindas a cada nova publicação lançada, Fleiuss tinha lá suas rusgas com alguns parceiros do mundo empresarial – a bem da verdade, devemos lembrar que estas rusgas eram comuns entre os editores. Mas o que ele intencionava, essencialmente, era inovar, na base do empreendedorismo e sem fazer sombra aos colegas – embora às vezes ameaçasse, como na imagem da epígrafe. Inovar em termos de linguagem visual e de tecnologia gráfica, além de formar mão-de-obra que viabilizasse a melhora e o crescimento, aqui, do difícil e restrito mercado da imprensa ilustrada – do jornal, do livro e dos mapas. Viabilizar localmente a xilografia – técnica empregada na imagem de nossa epígrafe – através da capacitação de jovens africanos ou afro-descendentes, como o Moleque que ali segura o exemplar da Semana, foi um dos desafios que se dispôs a enfrentar. Disseminar a cultura da fotografia, desenvolver o diálogo entre o verbal e o visual nas páginas de sua folha ilustrada, suscitar a reflexão através da provocação e de mensagens subliminares, às vezes. Elogiar e apoiar quando considerava justo ou necessário, mas denunciar ou censurar quando julgava pertinente. Tendo vivido durante um período crucial do longo processo de formação do Estado brasileiro, da sedimentação do nosso sentimento de nacionalidade e da cidadania, 29 Henrique Fleiuss teve atuação destacada. Nação e cidadania, lembra-nos José Murilo de Carvalho 2, são conceitos distintos, que só coincidem parcialmente; enquanto o primeiro está mais ligado à idéia de identidade coletiva e ao sentimento de comunidade, “a cidadania é mais do que identidade, mais do que nação. Ela se atém ao campo político, dentro do qual pode assumir uma feição passiva como a da identidade, ou, e isso é o mais importante, uma dimensão ativa.” O caso da Semana Illustrada, o hebdomadário capitaneado pelo imigrante prussiano Henrique Fleiuss, com a ajuda dos sócios e de colaboradores que produziram textos e imagens com impressionante regularidade para os padrões daquele período, pode se contituir em bom objeto para estudos neste campo. “A análise da construção de identidades coletivas pode ser feita em várias dimensões e com recurso a um diversificado arsenal de fontes”, afirma José Murilo 3 citando, entre outros exemplos que se prestam a tal estudo, as instituições (como o IHGB), as experiências coletivas (como a da guerra contra o Paraguai) e os fatores culturais (p. ex. as representações imagéticas). A atitude de Henrique Fleiuss, ao abraçar a causa da guerra contra o Paraguai desde a primeira hora, ainda no período referente aos antecedentes do evento propriamente dito, e os esforços empreendidos para manter o fluxo de novas imagens e textos, produzidos e remetidos diretamente das zonas de conflito visando abastecer as páginas de seu hebdomadário, afiguram bom exemplo da perspicácia e do arrojo daquele artista, editor e empresário, cuja produção tornou-se obscurecida com o passar dos tempos e hoje está por merecer uma revisão. Não é outra a intenção do presente esforço de pesquisa, senão de lançar alguma luz sobre um dos vários aspectos interessantes e originais da produção de Henrique Fleiuss. Nascido em 1823, obteve parte de sua formação superior em Munique e, até onde sabemos, foi enviado em missão científica ao Brasil pelo naturalista prussiano Karl Friedrich von Martius, conhecedor do Brasil e vencedor de um concurso instituído pelo IHGB em 1842, cuja proposta era manifestar-se sobre “Como se deve escrever a história do Brasil”. 2 Na introdução da obra Nação e cidadania no Império : novos horizontes (2007, p. 10), por ele organizada. Sobre o assunto, ver também CARVALHO (1998a, pp. 233-268) e CARVALHO (1996, pp. 337-359). 3 Introdução da obra Nação e cidadania no Império : novos horizontes (2007, p. 10). 30 Concluído o compromisso original com Martius, Fleiuss terminou por se estabelecer no Rio de Janeiro e se envolver, mais à frente, em outro importante compromisso com a história do Brasil. Avancemos, pois, nesta direção, pois aí reside o nosso objetivo. Fig. 2 – “Verso e reverso de uma medalha da atualidade. Como se escreve a história. Como se faz a história.” Semana Illustrada, 12 jul. 1868, p. 3165. DiORa-FBN. Enquanto o vice-almirante Joaquim José Inácio de Barros (visconde de Inhaúma), à época comandante-em-chefe da esquadra imperial em operações no Paraguai, tratava de ‘fazer a história’ além de enviar preciosas informações à Semana Illustrada, o seu editor Henrique Fleiuss, recém-casado e confortavelmente instalado, de pijama, em sua residência no Largo de São Francisco, encarregava-se de ‘escrever a história da guerra’. Fotodocumentalismo e fotojornalismo são, há muito, assuntos do nosso especial interesse. E o envolvimento de quase duas décadas com os trabalhos técnicos de resgate da coleção de fotografias do imperador d. Pedro II, doada à Biblioteca Nacional logo após a proclamação da República e que se manteve em grande parte desconhecida por um século, só fez crescer tal interesse. Foi no decorrer daqueles anos, quando tivemos o privilégio de examinar farta documentação que desconhecíamos – nem tudo comprovadamente oriundo da biblioteca particular do imperador – que tomamos conhecimento de uma série de cópias fotográficas (originais) de vítimas da seca do Ceará de 1877-78, cuja reprodução havia sido localizada nas páginas do jornal ilustrado O Besouro, editado por Raphael Bordallo Pinheiro, no Rio de Janeiro. Enviadas do nordeste por José do Patrocínio, que se dirigira a Fortaleza na condição de correspondente da Gazeta de Notícias para produzir um relato da situação, as fotografias 31 recebidas por Bordallo, habilíssimo no manejo do crayon litográfico, transformaram-se nas ‘cópias fiéis’ estampadas em seu jornal, com o intuito de comprovar um fato cuja gravidade era até então desprezada por muitos, na sede da corte. O uso de fotografias na imprensa com o objetivo de reforçar a comprovação do fato narrado, em data tão remota, nos motivou a escrever, em parceria com a historiadora Rosangela Logatto, autora da pesquisa que identificou as imagens, o ensaio publicado em 1996 nos Anais da Biblioteca Nacional. 4 Mais à frente, já por ocasião do desenvolvimento da pesquisa de nossa dissertação de mestrado5, pudemos comprovar aquilo que suspeitávamos: existiam ocorrências bem mais antigas. Embora a reportagem da seca do Ceará continue sendo considerada aquela em que primeiro se fez uso da fotografia com o intuito declarado de reforçar a comprovação do fato narrado textualmente, foi durante a guerra contra o Paraguai, ocorrida no período em que tomou corpo a nossa imprensa ilustrada, que detectamos a primeira tentativa de incorporação da fotografia à narrativa jornalística. Foi o Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde o responsável pelo lançamento, em 1860, da Semana Illustrada, “a mais duradoura e influente da primeira leva de revistas ilustradas brasileiras” segundo Rafael Cardoso 6. Editada por Henrique Fleiuss e publicada ininterruptamente por mais de quinze anos, como já dissemos, suas páginas nos revelam, ao lado de uma fertilíssima produção de caricaturas e cartuns, os resultados do primeiro esforço – em boa parte frustrado, como pudemos constatar – de realização de uma reportagem fotográfica, por ocasião da guerra contra o Paraguai (dez. 1864 - mar. 1870). E foi este o assunto específico que elegemos para investigar mais a fundo e cujo resultado encontra-se no presente trabalho. O fotojornalismo, enquanto campo de investigação e reflexão, é dos mais profícuos – no campo da história comparada, por exemplo, Aguinaldo Ramos desenvolveu, em sua recente dissertação de mestrado em história comparada, uma interessante discussão sobre a questão da consciência do repórter-fotográfico quanto ao valor histórico de uma determinada foto, no momento mesmo em que a realiza. Partindo de uma primeira hipótese – de que aquele profissional tem privilegiada posição diante do fato histórico – ele realizou uma 4 ANDRADE, J. e LOGATTO (1996, pp. 71-83). ANDRADE, J. (2002). 6 In: CARDOSO, R. Uma introdução à história do design, 2008b, p. 50. 5 32 série de entevistas que nos mostram a diversidade das circunstâncias que podem levar uma fotografia de imprensa a tornar-se um documento histórico.7 Até aqui, passados mais de 140 anos do término da guerra contra o Paraguai, esta não é, ainda, uma página virada. Há cerca de dez anos, José Murilo de Carvalho comentava: “Conhecemos razoavelmente a história militar, política e diplomática da Guerra do Paraguai. [...] Mas sabemos muito pouco sobre a história social do conflito. [...] Quase nada sabemos também sobre sobre as consequências da guerra para a cultura cívica nacional.” 8 Na última década, ele propôs e coordenou o projeto intitulado Nação e cidadania no Império: novos horizontes com o objetivo de promover avanços nestes campos de estudo, não apenas através da busca de novas fontes, mas também através da busca de novas abordagens: “[...] torna-se necessário rever fontes e interpretações que tradicionalmente balizaram os estudos sobre a cidadania e a nação.” 9 Por ocasião do lançamento de um livro sobre Elisa Lynch no Rio de Janeiro 10, há cerca de um ano e meio atrás, pudemos sentir a forte presença desse episódio no sentimento dos irmãos paraguaios e também dos gaúchos – isto sem falar nos mato-grossenses e nos uruguaios. Foi ali, inclusive, que nos demos conta de que o empresário da aviação brasileira Rolim Amaro (fundador da TAM e da TAM Mercosur) era um aficionado do assunto e que havia falecido em acidente aéreo no momento em que se dirigia ao Parque Nacional Cerro Corá (localidade onde Solano López foi morto, próxima a Ponta Porã), para encontrar um grupo de pesquisadores do assunto que havia se reunido em Assunção e para lá se deslocara, em outra aeronave, a convite seu. “Para a história do Segundo Reinado”, afirma o estudioso do assunto Vitor Izecksohn, “as causas e consequências dessa guerra permanecem fonte de interpretações bastante diversas, gerando ondas de revisão que seguem transformando a visão do conflito” 11, opinião parecida 7 RAMOS, Aguinaldo A. A História bem na Foto : fotojornalistas e a consciência da história. 196 f. Dissertação de Mestrado, PPGHC/IFCS/UFRJ, 2008. 8 CARVALHO, 2006b, p. 183. Originalmente publicado na Folha de São Paulo, Caderno Mais!, em 08 jul. 2001. 9 Apresentação (p. 12) de Repensando o Brasil do Oitocentos; cidadania, política e liberdade. Organizado por José Murilo de Carvalho e Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, trata-se do mais recente produto daquele projeto, conduzido pelo Centro de Estudos do Oitocentos. 10 Calúnia: Elisa Lynch e a Guerra do Paraguai, de Michael Lillis e Ronan Fanning. O lançamento aconteceu em 06 out. 2009 na Livraria do Museu da República e foi precedido de um debate, ao qual estavam presentes interessados e estudiosos do assunto de diversas origens, inclusive representantes do governo paraguaio. 11 IZECKSOHN, V. A Guerra do Paraguai. In: O Brasil Imperial, 2009, pp. 385-424. 33 com a de Renato Lemos, na apresentação da obra sobre a caricatura no Brasil, que organizou: “A guerra contra o Paraguai envolve o país na mais trágica experiência bélica, que deixará na população marcas ainda não adequadamente avaliadas.” 12 André Toral, cuja tese de doutorado foi dedicada à iconografia daquele evento, opina que “a produção de imagens na época da guerra apresentou um crescimento e uma popularização sem precedentes”, comentando ainda que boa parte dessa produção permanece inédita ou desconhecida e vaticinando: “Acredito que o uso deste material para a interpretação da época está apenas se iniciando, e certamente merecerá a atenção de outros pesquisadores.” 13 A última década marcou o surgimento de um número expressivo de dissertações e teses sobre a imprensa ilustrada do Rio de Janeiro, muitas delas total ou parcialmente voltadas para a iconografia da guerra e trazendo boas contribuições para uma nova leitura desta questão. Angela Telles escreveu uma tese sobre as principais revistas ilustradas produzidas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires nas décadas de 1860 e 1870, procurando discutir as relações internacionais para além de Estado, no âmbito da história cultural, a partir das caricaturas e cartuns. 14 Aborda, entre outros assuntos, a cobertura dos acontecimentos do rio da Prata e destaca, entre outros periódicos, a Semana Illustrada. Seu trabalho proporciona, ainda, uma até então inédita visão do Brasil nos similares portenhos do período. Pedro Paulo Soares analisou a iconografia da guerra do Paraguai na imprensa ilustrada fluminense em sua dissertação, visando mostrar a sua importância na construção dos símbolos nacionais ensejados pelo conflito. Receberam atenção especial as figuras de Henrique Fleiuss e Angelo Agostini, onde identificou “núcleos distintos de produção de imagens e representações.” 15 O próprio Agostini, a propósito, vem passando por uma revisão de sua produção e atuação. Trabalhos recentes, como a tese de Marcelo Balaban – uma biografia profissional que aborda a sua trajetória em São Paulo e no Rio de Janeiro 16 – e a dissertação de José Carlos Augusto – voltada especificamente para A Vida Fluminense, “primeira revista em que aparece como 12 UMA HISTÓRIA do Brasil através da caricatura : 1840-2001. Renato Lemos, org. Rio de Janeiro : Bom Texto : Letras & Expressões, 2001, p. 13. 13 TORAL (2001, p. 24). O livro é decorrente de sua tese de doutorado em história (USP, 1997), registrando e analisando a produção de imagens – fotografias, estampas, pinturas – dos países envolvidos no conflito. 14 TELLES, Angela. Desenhando a nação: revistas ilustradas do Rio de Janeiro e Buenos Aires nas décadas de 1860-1870. Tese de doutorado, PPGHIS-IFCS-UFRJ, 2007. 15 SOARES, Pedro Paulo. A guerra da imagem : iconografia da Guerra do Paraguai na imprensa ilustrada fluminense. Dissertação de Mestrado, PPGHIS-IFCS-UFRJ, 2003. 16 BALABAN, Marcelo. Poeta do Lápis: A trajetória de Angelo Agostini no Brasil Imperial – São Paulo e Rio de Janeiro – 1864-1888. Tese de Doutorado, IFCH-Unicamp, 2005. Publicada em livro: Poeta do Lápis. Campinas : Editora da Unicamp, 2009. 34 sócio-proprietário e marca uma fase de transição em sua carreira” 17, trazem novas informações e reflexões sobre o importante legado de Agostini. Mas talvez o trabalho que mais contribuições tenha trazido, no sentido de relativizar antigas ‘verdades assumidas’ pela historiografia, tenha sido a tese de Gilberto Maringoni de Oliveira, que ao investigar a sua trajetória artística, jornalística, política e intelectual e a obra que nos legou, “vasta, diferenciada e irregular”, procura demonstrar quem eram seus parceiros, com quais setores de classe se articulava e qual o significado da campanha abolicionista para uma parcela da elite urbana. 18 Pode parecer estranha a citação de tantos trabalhos sobre a vida e obra de Agostini, aqui. Mas como bem sabemos, embora os dois jamais fossem parceiros em vida, a historiografia tratou de aproximá-los, sempre colocando-os em campos opostos – o que faz total sentido, embora a maioria das análises comparativas penda sempre para o lado de Agostini com base na questão abolicionista, não levando em conta que a grande contribuição de Fleiuss deu-se justamente no período que antecede o início de tal campanha, enquanto que Agostini só vai começar a produzir o legado que o celebrizou a partir do momento em que a guerra já tornara-se impopular e a campanha abolicionista tomava corpo. 19 E sobre Fleiuss, também já começam a surgir estudos específicos. A dissertação de mestrado de Karen F. R. Souza aborda o ponto crucial das críticas sempre feitas a Henrique Fleiuss, e o título sintetiza o trabalho: ‘As cores do traço: paternalismo, raça e identidade nacional na Semana Illustrada (1860-1876)’. Sua intenção é entender o modo pelo qual seus redatores e desenhistas interagiam com os debates sociais mais amplos do período, veiculando as idéias do ‘relacionamento cordial’ e “buscando aproximar o país de um ideal de civilização que tinha na Europa seu modelo.” Discute as representações da relação entre senhores e escravos, partindo dos personagens que acompanharam toda a trajetória do semanário: o Dr. Semana e o Moleque. Fleiuss também marca presença na coletânea Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade (2009)20, onde a historiadora Lucia Maria Paschoal Guimarães discorreu sobre a função cívica e pedagógica da caricatura nas páginas da Semana Illustrada. 21 17 AUGUSTO, José Carlos. Um provinciano na corte : as aventuras de “Nhô-Quim” e a sociedade do Rio de Janeiro nos anos 1860-1870. Dissertação de Mestrado, FFLCH-USP, 2008. 18 OLIVEIRA, Gilberto Maringoni. Angelo Agostini ou impressões de uma viagem da Corte à Capital Federal (1864-1910). Tese de doutorado, FFLCH-USP, 2006. 19 Sobre a questão abolicionista, ver o capítulo A política da abolição: o rei contra os barões, pp. 291-328, in: CARVALHO, J. M., Teatro de Sombras: a política imperial, 2007. 20 Organizada por José Murilo de Carvalho e Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves. 35 Como se vê, ainda não são comuns os textos acadêmicos que busquem deter-se em um veículo específico, e no período da guerra. Os trabalhos que abordam as fotografias produzidas durante o conflito (muito poucas, afora os incontáveis retratos) tratam o assunto, igualmente, de maneira panorâmica e distanciada dos seus usos específicos na imprensa. No campo da fotografia da guerra contra o Paraguai, o consistente trabalho de investigação que foi conduzido por Miguel Angel Cuarterolo, ‘Soldados de la memoria’ continua sendo, de longe, a obra mais citada por todos que abordam o tema.22 O catálogo sobre este assunto publicado pela Biblioteca Nacional do Uruguai em 2008, traz dois ensaios de Alberto del Pino Menck 23 que lançam novas luzes sobre as célebres fotografias da firma Bate & Ca., sediada naquela capital e que foi a responsável, durante o conflito, pelas únicas (e poucas) autênticas ‘fotografias de guerra’ – consideradas as limitações tecnológicas de então. No Uruguai – e também na Argentina, em menor escala – existiu um comércio de fotografias da guerra. No Brasil, porém, a imprensa ilustrada era o principal meio de circulação e fruição de imagens fotografadas (e desenhadas) naquele período, em que o ‘fazer fotográfico’ ainda estava restrito a uns poucos iniciados, embora o interesse por seus resultados já estivesse razoavelmente disseminado entre os mais influentes grupos sociais dos países envolvidos no conflito. Afinal, como sabemos, à fotografia foi conferida, desde a sua primeira hora, uma condição especial ao se reconhecer, nela, a capacidade de ‘fixar a semelhança da realidade visível’. Assim, a sua imagem constituir-se-ia em ‘espelho do mundo’, ‘exata e natural’, ‘arte sem arte’, entre diversas outras idéias e expressões. 24 Seus atributos miméticos estavam longe de ser desconstruídos, pelos estudos gerados a partir dos meados do século 20, quando o caráter de evidência da fotografia começou a ser questionado, face ao aprofundamento da discussão sobre a natureza subjetiva de toda e qualquer representação visual. 25 A partir dos meados do século 19, muitas das funções que até ali haviam pertencido ao âmbito do desenho, da estampa e da pintura, foram paulatinamente – ou abruptamente até, em alguns casos – transferidas para a recém inventada fotografia, que a todos intrigava e fascinava, e em poucas 21 GUIMARÃES, L. M. P., 2009, pp. 153-179. CUARTEROLO, M. A. Soldados de la memoria. Imágenes y hombres de la Guerra del Paraguay, 2000. 23 MENCK, Alberto del Pino. Apuntes sobre fotografías de la Guerra del Paraguay e Fotografiando la historia, Uruguay 1865-1869. In: La Guerra del Paraguay en fotografías. Biblioteca Nacional [Uruguai], 2008. 24 Sobre o período do surgimento da fotografia, seus antecedentes e os tempos subsequentes, ver p. ex.: CRARY, 1991; BATCHEN, 1999; BRUNET, 2000; FLUSSER, 2002; VALÉRY, 2008. 25 Sobre o asunto, ver: NEWTON, 2001 e TAGG, 2009. 22 36 décadas estendeu os seus domínios às mais variadas atividades e aos mais distintos campos do conhecimento.26 Fig. 3 – Semana Illustrada, 29 mar. 1868. DiORa-FBN Vilém Flusser denominava a nossa sociedade de ‘pós-histórica’ – marcada pelo colapso dos textos e pela hegemonia das imagens, entre elas as fotografias. Na introdução de clássica obra filosófica de Flusser sobre o assunto, ao comentar o lugar estratégico hoje ocupado pela fotografia, Arlindo Machado afirma: “é com base na sua definição semiótica e tecnológica que se constroem as máquinas contemporâneas de produção simbólica. É com a fotografia que se inicia, portanto, um novo paradigma na cultura do homem, baseado na automatização da produção, distribuição e consumo da informação [...] , com consequências gigantescas para os processos de percepção individual e para os sistemas de organização social.” 27 Como não podia deixar de ser, a fotografia logo encontrou seu espaço e uma função narrativa específica – documental, naturalmente – na imprensa. Haviam obstáculos decorrentes de suas 26 Sobre este assunto, ver o catálogo da exposição fotográfica A coleção do imperador: fotografia brasileira e estrangeira no século XIX (1997). 27 Pp. 10-11 da introdução de Arlindo Machado, in: FLUSSER, 1998. 37 limitações tecnológicas: para tirar fotografias, as chapas de vidro tinham que ser sensibilizadas próximo ao momento da tomada e reveladas imediatamente depois, e os tempos de exposição eram muito longos, inviabilizando as fotos de ação, depois denominadas ‘instantâneos’; para reproduzi-las na imprensa, todas as tentativas de desenvolver um processo fotomecânico, até a década de 1860, haviam se mostrado insatisfatórias. A saída, então, era copiar as imagens – desenhá-las, enfim – em outro suporte, na verdade uma matriz de impressão, visando a sua reprodução em massa. Assim, o principal objetivo da presente pesquisa foi aprofundar o estudo da presença daquele meio específico (a fotografia) em um veículo específico (a Semana Illustrada), que desempenhou um papel em nossa sociedade, no campo da narrativa visual da guerra, a merecer estudos mais elaborados. Embora seja nossa intenção destacar a relevância daquela iniciativa; este trabalho não pretende ser um apologético da Semana Illustrada e tampouco de Henrique Fleiuss. Sem deixarmos de reconhecer no editor um monarquista convicto, sem deixarmos de reconhecer o posicionamento equivocado de seu jornal com relação à ‘questão servil’ e sem nos deixarmos envolver pelas comparações reducionistas Agostini x Fleiuss que ainda prevalecem na historiografia de nossa imprensa ilustrada, nosso objetivo é investigar o que ele realizou, de fato, no campo que é o nosso objeto de estudo – e suas contribuições não foram poucas, como veremos. Fig. 4 – Provável cópia de um retrato fotográfico, do formato carte-de-visite. Semana Illustrada, 06 ago. 1865, p. 1939. DiORa-FBN 38 Não é a nossa intenção, tampouco, adentrar o campo da discussão historiográfica sobre a guerra contra o Paraguai. Ao nos atermos à questão dos usos da fotografia, e das imagens em geral, o que pretendemos aqui é dar apenas um passo (que integraria um esforço de pesquisa muito mais amplo) inventariando e conferindo mínima contextualização e análise a uma parcela do acervo de imagens relacionadas à guerra que é encontrado nas páginas e suplementos do objeto escolhido – um jornal onde conviviam os textos e as imagens, razão pela qual apresentaremos também extensa transcrição dos textos que as entremeavam. Paulo Knauss nos lembra que precisamos atentar “para o fato de que, desde os tempos em que se fixou a palavra escrita, o novo código não veio substituir a imagem. A convivência entre expressão visual e expressão escrita sempre foi muito próxima”, e sendo assim, afastá-las implicaria em prejuízo para o entendimento de ambas. Knauss levanta, ainda, uma outra questão que nos parece especialmente relevante para o presente estudo, ao afirmar que “a imagem se identifica com uma variedade de grupos sociais que nem sempre se identificam pela palavra escrita”28. Assim, o presente trabalho de levantamento e reflexão acerca da presença da fotografia nas litogravuras da Semana Illustrada é apenas, repetimos, um pequeno passo em um universo de estudos que é muito mais abrangente e que daria conta, mais a fundo, das inter-relações texto & imagem e das demais inter-relações – com outros jornais ilustrados do período no Brasil (quiçá no exterior), com os diversos segmentos da imprensa escrita, com os poderes constituídos e com a sociedade no seu todo, enfim. Esperamos que este trabalho possa, assim, contribuir para os estudos interdisciplinares ora em curso no campo da história cultural e ainda, mais especificamente, dos estudos visuais. 29 Em um possível próximo passo desta pesquisa, se fizermos um deslocamento da questão autoral e do contexto da sua produção para o complexo – porque passível de ser encarado ou apreciado sob diversos ângulos – campo social da recepção, poderemos avançar sobremaneira nos estudos relacionados ao fenômeno das revistas ilustradas do século 19. Nossa jornada foi evidentemente facilitada pelos bons trabalhos já realizados sobre o assunto, e que nos serviram sobremaneira. Em nosso caso específico, como já dissemos, intencionamos apontar, em um período demarcado na trajetória do jornal, o lugar da fotografia em meio à complexa engrenagem de onde saíam as imagens relacionadas à guerra 28 29 KNAUSS, P. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual, 2006, p. 99. Para se ter uma visão geral da constituição e estado-da-arte deste novo campo de estudos, ver KNAUSS, 2006. 39 que foram estampadas, ao longo de meia década, nas suas quatro páginas iconográficas semanais. Não se trata, portanto, de um trabalho sobre a fotografia na guerra contra o Paraguai, mas sim, sobre a fotografia daquela guerra na Semana Illustrada. Cerca de oitenta por cento das imagens aqui reproduzidas foram extraídas não apenas daquele jornal mas também do período cronológico específico que é objeto do presente estudo; isto vale até mesmo quando discorremos muito genericamente sobre a trajetória da Semana Illustrada (1860-1876). Dessa trajetória, só nos debruçamos realmente no terço central – e mesmo assim, em busca de respostas à questão específica dos usos da fotografia, insistimos. Ademais, convém mencionar que não economizamos no emprego das imagens e que procuramos editá-las de forma a constituírem, por si só, uma narrativa. Fig. 5 – “A partida do conselheiro Joaquim José Inácio. “Hei de estar no lugar do maior perigo, se for necessário, para vingar o insulto e a insolência feitos à minha pátria, e aos manes 30 de meu filho.” – Deus te conduzirá! – ” Esta técnica (elaborar um desenho onde o rosto do personagem principal é copiado de um retrato fotográfico) foi uma constante na cobertura da guerra contra o Paraguai, realizada por Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 16 dez. 1866, p. 2512. DiORa-FBN 30 Para os antigos romanos, ‘manes’ eram as almas deificadas de ancestrais já falecidos; as almas dos mortos. O filho do conselheiro Joaquim José Inácio de Barros, barão e depois visconde de Inhaúma, era o o capitão-tenente Antônio Carlos de Mariz e Barros, comandante do encouraçado Tamandaré, falecido depois de haver sido baleado, durante um dos reconhecimentos realizados pela armada em março de 1866, antes da invasão do Paraguai pelas tropas aliadas. 40 Era nossa intenção, no projeto de tese original, discorrer em maior profundidade sobre a contribuição das páginas da guerra na Semana Illustrada ao processo formador de nossa identidade nacional ou, mais precisamente, do próprio Estado-nacional brasileiro. Ao longo do desenvolvimento e natural amadurecimento do trabalho, optamos por relativizar tal questão que já vem, há algum tempo, perdendo relevo entre os estudos historiográficos. Como José Murilo de Carvalho já havia asseverado em 1997, durante aula inaugural no IFCS, passada a preocupação inicial com a construção do Estado (séc. 19) e com a formação da nação (séc. 20) “chegou, neste final de século, a hora de colocarmos no centro da preocupação a constituição da sociedade.” (CARVALHO, 1999b, p. 452) Mais à frente, no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, decidimos pontuar a nossa narrativa, em toda a sua extensão, com alguns momentos onde a questão nacionalista se faz presente. A reprodução de certos textos e imagens tem, assim, o objetivo de suscitar tal discussão e adensá-la. Mas não priorizamos a busca dos indícios da contribuição das páginas da Semana para o tal processo. Poder-se-ia afirmar que Henrique Fleiuss estava ‘a serviço’ das elites imperiais, visando a construção de nosso Estado-nacional? Cada um poderá tirar as suas conclusões – e não deixaremos de apresentar as nossas, naturalmente. Ademais, como já foi dito, aproveitamos a oportunidade oferecida por esta pesquisa para discorrer brevemente sobre a trajetória do editor da Semana Illustrada, e para pensarmos e nos indagarmos um pouco mais sobre a presença – e a ausência – de Henrique Fleiuss na historiografia de nossa imprensa ilustrada. Na verdade, o Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde representa apenas um entre diversos casos de ‘ausência’, a merecer a devida atenção nos diversos campos de estudo de nossa imprensa ilustrada. Na alentada obra de Laurence Hallewell31, por exemplo – que é utilizada, hoje, como principal fonte de referência para a história editorial em nosso país – os termos ‘Henrique Fleiuss’ e ‘Imperial Instituto Artístico’ sequer constam do índice. E mesmo se nos ativermos especificamente ao campo das artes gráficas, lembra-nos Rafael Cardoso, “a produção dessas empresas ainda não foi devidamente catalogada, e ninguém sabe ao certo a 31 HALLEWELL, L. O livro no Brasil : sua história, 2. ed. rev. e ampl., 2005. A crítica é construtiva; reconhecemos no autor o esforço constante para suprimir as lacunas desta que foi, originalmente, uma tese de doutorado e cuja versão atual já sofreu três revisões. 41 extensão de suas atividades, muito menos os detalhes de sua organização interna e do parque gráfico de que dispunham.” 32 Antes de finalizar, gostaríamos de prestar alguns esclarecimentos acerca do nosso processo de trabalho e de alguns critérios adotados, além de apresentar a estrutura do mesmo. Optamos por adotar os termos ‘página do editorial’ e ‘editorial’ quando nos referimos ao conteúdo da segunda página da Semana Illustrada (que é sempre a primeira página textual) e ao primeiro texto ou conjunto de textos ali publicados. Tais termos não eram empregados à época; mas aqueles textos expressavam a opinião da publicação. A primeira coluna desta página era sempre iniciada pelo nome do jornal, seguido da data e dos textos, muitas vezes sem qualquer título. Boa parte deles não é assinado e sabemos que houveram diversos colaboradores. Em algumas fases do semanário, nesta seção, eram frequentes as ‘Novidades da Semana’, os ‘Pontos e vírgulas’ e, depois, as ‘Badaladas’. Determinar quais textos – ou as idéias contidas nos mesmos – seriam de autoria de Henrique Fleiuss foi um desafio; ademais, nada sabemos acerca do seu processo de aprendizado e domínio da língua portuguesa. Mas considerando-se que fica evidente, o tempo todo, um discurso ‘da’ Semana Illustrada – que seria, em última instância, o discurso de Henrique Fleiuss, seu editor e proprietário – optamos muitas vêzes por supô-lo como o autor, mesmo quando o seu alter-ego Dr. Semana ou o seu criado Moleque, personagens sempre presentes, não são os signatários – o que também não garante que seja Fleiuss o seu autor ou co-autor. 33 Com relação aos quadros (que se encontram logo após a Conclusão), vale dizer que embora nossa pesquisa visasse apontar a presença da fotografia no jornal, o simples fato da mesma só manifestar-se através das litogravuras, todas desenhadas, já nos conduziu de saída a um ‘campo ampliado’, digamos assim – que teve que ser, obrigatoriamente e em princípio, considerado no seu todo. Ademais, nem sempre foi possível apontar, com certeza, o conteúdo fotográfico das litogravuras; ou seja, há casos em que não pudemos assegurar que tratava-se de imagens originalmente fotográficas. Para elucidar esses casos, precisaríamos localizar os supostos originais fotográficos. 32 CARDOSO, R. Origens do projeto gráfico no Brasil. In: Impresso no Brasil 1808-1930. Destaques da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional, 2009, p. 71. 33 André Toral usa a designação “jornais de autores” para classificar publicações como a Semana Illustrada. (TORAL, 2001, p. 60). 42 Infelizmente não pudemos inventar uma ferramenta para elucidar as tais dúvidas. Naqueles tempos – aliás, como nos dias atuais – as imagens eram comumente híbridas 34; para a sua elaboração concorriam imagens oriundas de todas as técnicas de representação, disponíveis no espaço de criação do ilustrador, o que torna muito difícil, hoje, precisar as distintas fontes de cada imagem. Assim, os quadros apresentados ao final do trabalho constituíram-se em poderosa ferramenta analítica no decorrer de nossa pesquisa, ao oferecerem uma visão de conjunto do universo imagético referente à guerra, estampado nas páginas da Semana Illustrada e ao auxiliarem, assim, na formação de nosso juízo acerca da presença da fotografia naquele todo. Esperamos que tais quadros sejam úteis, como ponto de partida, para outros estudos dos eventuais interessados no tema. Não existe uma coleção verdadeiramente completa (i.e. incluindo todos os suplementos) e acessível da Semana Illustrada. Ademais, as pouquíssimas coleções disponíveis, no Rio de Janeiro, possuem falhas e mutilações operadas ao longo dos anos por consulentes inescrupulosos. E quanto aos microfilmes do acervo da Fundação Biblioteca Nacional, a consulta aos mesmos, na fase inicial da pesquisa, ficou enormemente prejudicada devido às limitações de toda ordem nos equipamentos de leitura em uso, que inclusive vêm acentuando o desgaste dos filmes. Seria oportuno que se procedesse à digitalização integral da coleção -mas a partir dos originais, e passando em seguida ao esforço de preenchimento das lacunas (fascículos e suplementos), através de cooperação com outras instituições detentoras de coleções similares. A Biblioteca Nacional acumulou, por décadas, a melhor experiência para tal atividade, desenvolvida e implantada pelo seu Plano Nacional de Microfilmagem de Periódicos Brasileiros. Reconhecemos que o volume alcançado pela presente pesquisa, faz dela uma travessia por demasiado extensa e, talvez, um tanto penosa – carregada de longas transcrições e intercalada por 371 imagens, em boa parte extensamente legendadas. Mas reduzi-la, em suas dimensões, seria mutilá-la. Assim, o trabalho ficou estruturado em três partes, com um total de sete capítulos. A parte I consiste dos três primeiros capítulos, onde vamos progressivamente apresentando tudo aquilo que julgamos pertinente, para subsidiar uma leitura crítica das páginas da guerra na Semana Illustrada. Partindo de uma abordagem geral do tema, no capítulo 1 (fotografia/fotografia na imprensa/fotografia de guerra na imprensa), passamos no 34 Sobre este assunto, ver: ANDRADE (2004, pp. 60-72). 43 capítulo 2 à figura de Henrique Fleiuss, apresentando ainda um perfil de sua empresa e, por fim, no capítulo 3 tratamos especificamente do jornal estudado e dos desafios técnicos e tecnológicos enfrentados (e em grande parte frustrados) na tentativa de otimizar a reprodução de imagens, para igualar-se aos melhores congêneres europeus. A parte II consiste no cerne do trabalho. No quarto capítulo discorremos, de maneira muito genérica, sobre o sistema de comunicação vigente à época da guerra, demonstrando como se dava a produção, o envio/recebimento e a difusão da informação escrita, desenhada e fotografada – e que tinha, como um de seus vários e importantes destinos, as páginas da imprensa. No quinto capítulo, finalmente, discorremos sobre as fotografias enviadas do teatro da guerra contra o Paraguai e que foram estampadas nas páginas da Semana Illustrada, com destaque para o subcapítulo sobre ‘a reportagem fotográfica que não houve’ – a nosso ver, um relato emblemático do sonho frustrado de Henrique Fleiuss. Neste quinto capítulo a narrativa da guerra está dividida em fases, como ocorre na historiografia contemporânea do conflito. Na parte III, o capítulo seis trata brevemente do momento em que o editor e caricaturista Angelo Agostini começa a fustigar Henrique Fleiuss, durante a cobertura da guerra, e que marca a origem de um certo ‘antagonismo historiográfico’ entre os dois, que parece-nos equivocado mas persiste até o presente. E no sétimo e último capítulo, procuramos apresentar Henrique Fleiuss como um editor-cidadão; um brasileiro, enfim – apesar de nunca haver se naturalizado. Esta foi a oportunidade de abordarmos algumas outras questões historiográficas que, a nosso ver, têm dificultado uma abordagem ‘desarmada’ e verdadeiramente interessada da herança fleiussiana. A ortografia das citações e transcrições foi atualizada, mas a pontuação original (inclusive o uso de letras maiúsculas e minúsculas, traços de união e os itálicos) foi respeitada; os textos escritos em outros idiomas foram traduzidos pelo autor. 44 PARTE I 1 Sobre os primeiros registros fotográficos de guerra e sua utilização 1.1 A invenção da fotografia e os primeiros usos na imprensa As relações entre fotografia de guerra e fotojornalismo são estreitas desde os seus primórdios, uma vez que a guerra sempre foi tema de grande interesse, mobilizador das sociedades, encontrando boa acolhida entre os editores dos jornais ilustrados dos meados do século 19, quando iniciava-se o processo de formação do público leitor interessado naquele gênero de reportagem. As iniciativas dos próprios governos envolvidos nas guerras e o interesse dos editores na publicação de imagens das guerras foram os principais fatores a motivar os primeiros trabalhos de documentação fotográfica daquele gênero – o que veremos, em especial, a partir da guerra da Criméia. Comecemos, pois, por recapitular sucintamente o advento da fotografia, em seus aspectos tecnológicos e a sua apropriação pela imprensa ilustrada. Logo após o anúncio da invenção do daguerreótipo 35 em 1839 e sua rápida e ampla disseminação, tornam-se disponíveis outras tecnologias, em termos de processos e de formatos, que vinham sendo desenvolvidas simultaneamente 36 para a obtenção de imagens fotográficas. Dentre essas, destacaríamos o calótipo: primeiro negativo – de papel – depois aperfeiçoado com a utilização do vidro, e que tornou a fotografia um múltiplo, pois aquela matriz possibilitava a confecção de infinitas cópias. Disseminou-se então o emprego do nitrato de celulose ou colódio como substância empregada para aderir os sais de prata, fotossensíveis, à chapa de vidro. Os tempos de exposição requeridos para se tirar uma fotografia eram longos e, portanto, somente o que estava em posição estática tornava-se legível. 35 Processo fotográfico desenvolvido na França, foi o primeiro a ser patenteado e disseminado mundo afora, chegando mesmo ao Brasil, poucos meses após o seu anúncio em Paris. Consiste de imagem formada sobre uma chapa de cobre folheada de prata, que se torna sensível à luz ao receber os vapores do iodo. Após a captura da imagem na câmera, o daguerreótipo era revelado com vapores de mercúrio, fixado e acondicionado em invólucro hermético. 36 Sobre este assunto, ver: FRIZOT, 1998, pp. 36-43 e BATCHEN, 1999. 45 A maior dificuldade, no entanto, era imposta pelo fato desses negativos terem que ser preparados em ambiente escuro, imediatamente antes da sua utilização e ademais terem que ser revelados logo após a tomada da fotografia. Os negativos em chapas de vidro de colódio úmido, depois copiados em positivo no papel fotográfico albuminado37, cuja sensibilização também era feita de modo artesanal, formaram um ‘par’ que responde por aproximadamente 90% de toda a produção mundial de fotografias, entre os anos 1850 e 1880 – e isto inclui as fotografias da Guerra do Paraguai. A partir desta última década, já observamos a disseminação dos negativos de vidro de gelatina e prata, denominados chapas secas, que eram pré-sensibilizados e distribuídos pelo comércio especializado, facilitando sobremaneira a vida dos fotógrafos, além de representar um enorme incentivo à fotografia amadorística. A partir de 1888, surgem os filmes flexíveis, que tornam o ato de se tirar uma fotografia algo bem mais simples e prático. As câmaras se miniaturizaram, a sensibilidade dos filmes aumentou, as objetivas já conseguiam capturar mais luz e os sistemas mecânicos dos obturadores e diafragmas 38 também se aperfeiçoaram 39. Ainda na primeira década de sua existência, as imagens fotográficas já estavam sendo apropriadas pela imprensa periódica ilustrada; o que relatamos a seguir é um resumo do que se lê na bibliografia disponível. O primeiro semanário noticioso a dar um amplo espaço às imagens, integrando-as às páginas textuais e colocando-as em pé de igualdade com o texto, teria sido o The Illustrated London News, fundado em maio de 1842 (Londres, Inglaterra) que utilizava fotografias como fonte para muitas das xilogravuras 40 estampadas em suas páginas, no que foi logo seguido pelo L’Illustration (Paris, França, 1843) e pelo Illustrirte Zeitung (Leipzig, Alemanha, 1843). Pouco depois, surgiam similares em diversas capitais européias e em diversas outras localidades do mundo. 37 Sobre este assunto, ver: ANDRADE, 2003, pp. 110-123. Obturador é o dispositivo mecânico das câmeras fotográficas que, ao abrir e fechar, controla o tempo de exposição, ou seja, o tempo durante o qual a luz atinge o filme. Diafragma é o dispositivo mecânico das câmeras fotográficas – algo assim como um furo de diâmetro variável – que controla a intensidade da luz que atinge o filme, durante o tempo em que o obturador permanece aberto. 39 Para uma exposição mais detalhada deste assunto, ver: ANDRADE, 2000, pp. 9-28. 40 “A xilogravura é a arte de gravar imagens e letreiros em relevo, na madeira, para impressão tipográfica. (...) tornou-se um auxiliar precioso da tipografia , visto os outros processos conhecidos até princípios do século passado [19] não se prestarem para a impressão tipográfica e serem as gravuras em madeira as únicas que se podiam incluir com o texto tipográfico, e assim se conservou até que a fotogravura veio substituí-la (...).” In: PORTA, Frederico. Dicionário de Artes Gráficas. Porto Alegre: Editora Globo, 1958, pp. 416-417. 38 46 No mês da fundação do periódico inglês, ocorreu um violento incêndio em Hamburgo, causando a destruição de uma região da cidade, entre 5 e 8 de maio. 41 O seu primeiro fascículo, lançado em Londres no dia 14 de maio de 1842, trazia na capa uma imagem daquele incêndio, produzida a partir de antiga estampa, à qual foram acrescentadas as chamas. Curiosamente, as ruínas da localidade haviam sido documentadas em um daguerreótipo não utilizado pelo jornal, de autoria de Carl Ferdinand Stelzner42, que talvez seja a primeira imagem fotográfica a documentar ou ‘relatar visualmente’ um fato jornalístico. Ainda na Inglaterra, em abril de 1848, o The Sunday Times estampou uma reprodução xilográfica “daquele que talvez se possa considerar como o primeiro daguerreótipo político ‘publicado’ na imprensa: The Great Chartist Crowd” 43, que mostrava uma multidão reunida em torno de um palanque – adeptos do pioneiro movimento trabalhista britânico, que pleiteavam reformas políticas e sociais no Reino Unido. Figs. 6 e 7 – [esq.] “The Great Chartist Crowd.” Xilogravura. [dir.] Chartists demonstration. Kennington Common, 10 abr. 1848. Daguerreótipo. Na Alemanha, as primeiras imagens publicadas na imprensa periódica ilustrada reproduzindo fielmente fotografias originais, teriam ocorrido no número 115 do Illustrirte Zeitung (de Leipzig) de 13 de setembro de 1845 44. São quatro xilogravuras da construção da estação ferroviária de Altona, Hamburgo, baseados nos daguerreótipos de autoria do mesmo Carl Ferdinand Stelzner. As cópias são bastantes fiéis ao original, com exceção de alguns passantes 41 Sobre este assunto, ver as notas 28 a 30 do cap. II (Os primórdios do fotojornalismo) in: SOUSA, Jorge Pedro, 2000 , p. 26. 42 Stelzner iniciou sua carreira de pintor miniaturista na região agrícola de Schleswig-Holstein, transferindo-se em seguida para Berlin, e depois fixando-se, como fotógrafo retratista, em Hamburgo, onde esteve associado por algum tempo a Hermann Biow. Ver: LENMAN, Robin. Artists and society in Germany, 1850-1914. Manchester : Manchester University Press, 1997, p. 71 e GERNSHEIM, Helmut. A concise history of photography. New York : Dover Publications, 1986, p. 38. 43 SOUSA, Jorge Pedro, 2000, p. 26. 44 In: KIOSK, 2001, pp. 24-25. 47 que foram adicionados a duas das imagens. Fig. 8 – Illustrirte Zeitung. Leipzig, 13 set. 1845. Na França, a primeira xilogravura cuja imagem teria sido copiada de um daguerreótipo ilustrava uma reportagem sobre os problemas políticos no México, mostrando uma vista de Veracruz onde se vê um forte, em primeiro plano 45. Esta teria sido a primeira imagem derivada de uma fotografia (na verdade, um daguerreótipo) a aparecer na imprensa, segundo Thierry Gervais. 46 Fig. 9 – L’Illustration. Paris, 26 ago. 1843, pp. 404-405. Reproduzido da tese de Thierry Gervais. 45 46 L’Illustration, n. 26, 26 ago. 1843, p. 404. GERVAIS, 2007, pp. 7-8 e p. 37. 48 Mas a primeira ocorrência mais expressiva, na imprensa francesa, também a partir de daguerreótipos, de autoria do fotógrafo amador M. Thibault47 e também de cunho político, foi estampada pelo processo xilográfico no L’Illustration de 1o de julho de 1848. Mostram, ao longe, uma barricada na rua Saint-Maur-Popincourt, antes (no dia 25) e depois do ataque pelas tropas leais ao general Christophe Lamoricière no dia 26 de junho, durante a Revolução de 1848 – que derrubou o rei Luís Filipe e instaurou a Segunda República na França, após a eleição de Luís Napoleão Bonaparte. Embora ligeiramente simplificadas, as reproduções são bastante fiéis ao original. Figs. 10 a 12 – [esq.] L’Illustration. Paris, 01 jul. 1848. [centro e dir.] Daguerreótipos de Thibault. Em seus primeiros usos na imprensa, a imagem da fotografia era copiada por hábeis artistas, à mão livre, na matriz de impressão. A legenda ou o texto muito comumente informavam tratarse de ‘cópia’ ou ‘cópia fiel’ de uma fotografia chegada à redação do periódico – e isto conferia à imagem impressa a sua ‘credibilidade fotográfica’. Mas a partir de 1877, o L’Illustration passou a utilizar uma nova técnica, desenvolvida nos meados do século: a matriz xilográfica era emulsionada (sensibilizada) e nela a imagem do negativo era copiada. 47 ALBERT, Pierre; FEYEL, Gilles, 1998, p. 360. 49 Após a revelação, o xilogravador ‘abria’ a madeira, atuando diretamente, com seus instrumentos, sobre a imagem fotograficamente impressa na matriz e que lhe servia de ‘guia’. Vale lembrar que a matéria-prima utilizada era a madeira de topo48, de acordo com a técnica desenvolvida pelo inglês Thomas Bewick, ainda no século 18. No Brasil, os usos declarados de fotografias na imprensa só passam a ocorrer a partir da década de 1860 – e, mesmo assim, enfrentando sérias limitações técnicas, do ponto de vista da sua reprodução e impressão, uma vez que naqueles tempos apenas a litografia 49 imperava, ainda, em nossa imprensa periódica ilustrada – situação esta que não favorecia aquela nova forma de comunicação, a exigir a integração do texto (tipográfico) e da imagem na mesma página, o que se tornava difícil quando os processos de impressão de um e de outro eram inteiramente distintos. Voltaremos a esta questão técnica, em mais detalhe, no subcapítulo 3.2. Se examinarmos o acervo de jornais do Rio de Janeiro daquele período, constataremos que há jornais onde a imagem cumpre um papel secundário em relação ao texto, meramente ilustrativo; há casos, até, em que as ilustrações gozam de total autonomia, não guardando qualquer relação com os textos publicados e sem possuírem caráter noticioso. Por outro lado, destacam-se naquele período alguns outros jornais ilustrados onde a imagem desempenha um papel crucial, às vezes até mesmo autônomo, em relação aos textos. É comum e freqüente a inter-relação de alguns textos com as imagens. Com a mesma freqüência, ocorre aquilo que denominaríamos de “crônicas50 visuais”, humorísticas ou caricaturais, criticando ou zombando de pessoas e situações diversas 51. Na maioria dos periódicos cariocas os primeiros usos da fotografia, declarados ou não, referem-se a retratos ou vistas. Uma das razões para este fato reside, como já foi dito, na própria limitação tecnológica da fotografia daqueles tempos, quando as fotos de ação ainda não podiam ser facilmente realizadas. Mas não existia, tampouco, uma ‘cultura da leitura de imagens’, digamos assim; especialmente de imagens que representassem o exato instante de um acontecimento, ou o desenrolar de um episódio. Isto se tornará corriqueiro a partir dos 48 A madeira de topo, cortada transversalmente do tronco, é muito mais unida, não apresentando fibras ou nervuras, o que permite, ao buril, trabalhar traços mais delicados. 49 Para uma explicação sobre a litografia, ver o capítulo 2.2.1. 50 Crônica - texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas fatos ou idéias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana. In: AURÉLIO, 1986, p. 502. 51 Sobre este assunto, ver os capítulos 2 e 3 de: ANDRADE, 2004. 50 anos 1860; mais intensamente a partir da cobertura da guerra contra o Paraguai, quando as estampas que narravam visualmente o conflito eram até mesmo afixadas nas vitrines de certos estabelecimentos comerciais no centro da cidade do Rio de Janeiro, atraindo todo tipo de gente, a apreciá-las e discuti-las. Fig. 13 – Henrique Fleiuss sempre adotou, em seu semanário, a estratégia de ‘copiar fielmente’, de retratos fotográficos, os rostos dos personagens de suas litogravuras. Semana Illustrada, 09 set. 1866, p. 2396. DiORaFBN Vale lembrar que a década anterior (1850) marcara o surgimento do Realismo na arte européia. “É impossível ignorar a relação da fotografia com a tradição realista na pintura e, sem dúvida, com a arte moderna em geral”, lembra-nos James Malpas. 52 Alguns dos pintores franceses do período – artistas tão diversos quanto Gustave Courbet, Honoré Daumier e JeanFrançois Millet, entre outros – são os que melhor representam este momento da arte e da expressão visual. 53 Isto porque eles estavam ‘no olho do furacão’, aqui representado pela já mencionada Revolução de 1848. Para Courbet, o revolucionário artista e porta-voz do realismo, todo e qualquer acontecimento poderia render boa pintura; o importante era mostrar 52 53 MALPAS, 2001, p.7. Sobre este assunto, ver: CLARK, T. J., 1999a e CLARK, T. J., 1999b. 51 as coisas como elas eram e os fatos como se davam, captar a ação e o movimento nas cidades e no campo, sem aplicar as prescrições acadêmicas. Este ‘novo regime de visão’, como exposto por Jonathan Crary54, já vinha sendo elaborado e experimentado bem antes de 1850 e, inclusive, independentemente do advento da fotografia. Na genealogia da visão e da visualidade propostas por Crary, tanto a fotografia como a pintura realista – e mais, toda a pintura modernista da segunda metade do século 19 – são ‘sintomas tardios’ ou ‘consequências’ das transformações, no âmbito da natureza da visualidade, ocorridas nas décadas de 1820 e 1830 e que acarretaram, estas sim, o surgimento de um novo tipo de observador. Em oposição à idéia do ‘espectador’ que assiste passivamente, o ‘observador’ se adapta, se sujeita a um conjunto de regras, de possibilidades, de condições. Fig. 14 – Semana Illustrada, 04 jun. 1865, p. 1867. DiORa-FBN 54 CRARY, 1991. 52 Enquanto que a camera obscura foi o modelo paradigmático dos séculos 17 e 18, o estereoscópio, entre outros aparatos ópticos 55, melhor representaria a nova condição do observador, no início do século 19, quando também avançam os estudos em torno da fisiologia da visão. Desenvolve-se, então, um novo modelo de ‘visão subjetiva’, convertendose o observador em um produtor autônomo de experiências visuais – ao mesmo tempo em que se desenvolviam e implantavam novas formas e sistemas de controle e de padronização da visão. Tudo isto, num tempo em que se sucedem a evolução dos espaços urbanos e da produção industrial, a implantação e o crescimento das ferrovias, o advento da telegrafia e a expansão da imprensa ilustrada e de suas novas formas de comunicação visual, onde a fotografia e os seus derivados vieram a desempenhar um papel relevante. É neste contexto que Henrique Fleiuss chega ao Rio de Janeiro em 1858, para fundar a Semana Illustrada em 1860, marco da imprensa ilustrada carioca, como veremos, onde a fotografia marcou presença. Apesar daquela imprensa ainda ser essencialmente litográfica e caricatural, as imagens não-caricaturais, supostamente ‘sérias’, apareciam com frequência em meio às caricaturas. Arriscaríamos afirmar que a fotografia foi largamente utilizada como fonte para as realizações de nossos ilustradores desde o princípio, tanto num caso como no outro. Fig. 15 – Semana Illustrada, 02 jan. 1870, p. 3788. DiORa-FBN 55 Os outros aparelhos e sistemas de projeção abordados por Jonathan Crary são o taumatrópio, o fenacistiscópio, o zootrópio, o diorama e o caleidoscópio, além de algumas variantes do estereoscópio – todos estes anteriores à fotografia. 53 1.2 A fotografia de guerra e seus usos na imprensa periódica estrangeira [...] But all the treasury of words of all men of all lands suffices not, in the present and in the future, to paint correctly this butchery of human beings. [...] The pictures in this book [...] show records obtained by the inexorable, incorruptible photographic lens, of the trenches and the mass graves, of ‘military lies’, of the ‘field of honour’, and of other ‘idylls’ of the ‘Great Epoch’. 56 Ernst Friedrich, War against war! 1924 Desde meados do século passado, (...) os repórteres de guerra têm a esperança de que suas imagens possam fazer um mundo melhor. Esta tem sido a suprema ilusão da fotografia. Se existisse uma tal fotografia que fizesse a guerra se tornar algo impensável, jamais se permitiria a sua publicação. 57 Rainer Fabian As mais antigas fotografias de guerra hoje conhecidas 58 são os daguerreótipos de oficiais e soldados, tirados por um fotógrafo texano (anônimo), nas ruas de Saltillo, durante a Guerra Americano-Mexicana (1846-1848), quando os Estados Unidos anexaram a maior parte das terras que constituem atualmente os estados do Novo México, Arizona e Califórnia. Foi a primeira guerra observada por correspondentes da imprensa. Em 1849, Stefano Lecchi produziu alguns calótipos – vistas, incluindo soldados e oficiais franceses – durante o Cerco de Roma (abr.-jul.), uma operação militar a mando de Luís Napoleão Bonaparte, visando a retomada dos territórios recém ocupados por forças revolucionárias italianas lideradas por Giuseppe Mazzini, que haviam expulsado o papa Pio IX do Vaticano, no anseio de estabelecer uma república que unificasse a península itálica. O fotógrafo amador e oficial médico britânico John McCosh também esteve presente em duas das guerras coloniais britânicas em suas possessões da Ásia, como membro da British East India Company, um exército de mercenários. Algumas de suas fotografias documentam a Segunda Guerra Anglo-Sikh (1848-49), quando os membros desta seita, vivendo numa região a noroeste da Índia, se insurgiram mais uma vez contra o controle britânico – para quem a região era uma passagem estratégica para o Afeganistão – mas acabaram subjugados pelos 56 [...] Mas as mais preciosas palavras de todos os homens de todas as terras não bastam, no presente e no futuro, para representar precisamente esta carnificina de seres humanos. [...] As fotografias neste livro [...] mostram registros obtidos pela inexorável e incorruptível lente fotográfica, das trincheiras e das sepulturas coletivas, das ‘mentiras militares’, das ‘batalhas de honra’ e de outros ‘idílios’ da ‘Grande Era’. [tradução nossa] In: FRIEDRICH, 1987, pp. 21-2. 57 FABIAN e ADAM, 1985, p. 29. [tradução nossa] 58 Sobre o assunto, ver: AMELUNXEN, Hubertus von. The century’s memorial. […] in: FRIZOT, Michel, 1998. pp. 130-147; FABIAN e ADAM, op. cit.; LEWINSKI, 1986, pp. 130-147. 54 ingleses. Outras fotografias revelam a Segunda Guerra Anglo-Birmanesa (1852-53) – a Birmânia, localizada no sudoeste da Ásia, interessava à Grã-Bretanha, que a dominou por quase dois séculos, devido às suas fronteiras com a China, por um lado e a proximidade da Índia, pelo outro. Nos dois conflitos, McCosh produziu calótipos que retratam diversos oficiais, além da destruição causada pelas guerras nas localidades envolvidas. Para muitos historiadores, no entanto, é o conflito da Criméia (1853-56) que marca o nascimento da fotografia de guerra, pelas razões que veremos mais adiante. A Criméia é uma península habitada majoritariamente por russos, hoje sob jurisdição ucraniana, que se estende pelo mar Negro, limitando o mar de Azov pelo sul. Em 1784 foi anexada pelos russos. O conflito iniciou-se a partir de desentendimentos sobre o controle dos locais sagrados na Palestina, envolvendo os monges ortodoxos russos e os monges católicos franceses e turcos. As agressões militares dos russos aos turcos, ao deslocarem tropas para a Romênia e a Moldávia (parte do Império Turco Otomano) e abaterem uma frota turca no mar Negro, já haviam mobilizado os governos da França e da Inglaterra – para quem era vital assegurar o controle, pelos turcos, de Constantinopla (hoje Istanbul) e dos estreitos próximos. Assim, em março de 1854, iniciou-se a guerra, com o envio de forças expedicionárias francesas e britânicas para expulsar os russos da Romênia e Moldávia. No entanto, considerando que a grande base naval russa de Sebastopol, na Criméia, representava uma séria ameaça à segurança da região, as forças aliadas resolveram também dominá-la, a partir de setembro de 1854. Depois de uma atuação inicial desastrosa, terminaram por vencer a guerra. Durante esse conflito, vários profissionais estiveram envolvidos em missões fotográficas, antes do célebre trabalho realizado pelo inglês Roger Fenton. O pintor romeno, Carol Popp de Szathmari, de Bucareste, seguiu com o exército russo para os campos de batalha. Suas fotografias chegaram a ser exibidas em Paris, no ano de 1855, mas hoje pouco se conhece do seu trabalho. Do outro lado, os antecessores de Fenton não tiveram boa sorte. Tudo começou com a publicação dos textos enviados em 1854 pelo correspondente de guerra do jornal The Times, William Howard Russell, nos quais fazia duras críticas ao completo despreparo da tropas britânicas. Indignado, o governo tomou a decisão de enviar um fotógrafo à região, com o intuito de produzir imagens da costa, dos fortes, da topografia – algo que contribuísse para a estratégia de propaganda a ser disseminada dentro da sociedade britânica, no sentido de reverter a péssima imagem de seu exército. Naquele período, William Simpson produziu as primeiras litografias de um artista oficialmente contratado para documentar uma guerra. Ao 55 mesmo tempo, o Journal of the Photographic Society e a Literary Gazette já vinham publicando textos que discutiam os possíveis usos da fotografia na guerra. 59 Richard Nicklin, retratista profissional de um estúdio fotográfico londrino, foi contratado pelo ministro da guerra, juntamente com dois laboratoristas assistentes. Segundo Jorge Lewinsky 60, esses assistentes seriam, na verdade, soldados que fizeram um curso de fotografia antes do embarque – e constituiriam, assim, a primeira unidade fotográfica de um exército. Partiram em junho de 1854 e deles não se teve mais notícias. Acredita-se que sua embarcação estava entre as que afundaram no porto de Balaclava, durante a passagem de um furacão. A segunda tentativa foi feita no início de 1855, quando Brandon e Dawson, dois litógrafos que haviam tomado rápidas lições de fotografia um dia antes do embarque em Gibraltar, alcançaram a Criméia, onde produziram um material da pior qualidade, que em nada contribuiu para o que se desejava. Antes de discorrermos sobre a escolha de Fenton para realizar uma documentação fotográfica ‘comportada’ da guerra e os seus preparativos e infra-estrutura, vale lembrar que ao final do mesmo ano em que ele foi à Criméia, o capitão francês e pintor de panoramas Jean-Charles Langlois lá esteve com seu assistente Léon-Eugene Mehédin, contratados pelo Ministério da Guerra da França para tirar fotografias com vistas à produção de um panorama referente à batalha de Sebastopol, exibido em 1860, em Paris. E o inglês James Robertson, que já havia desenvolvido um trabalho na Grécia e era, à época, gravador da casa da moeda em Constantinopla, viajou em junho de 1855 para a Criméia, junto com seu assistente, o veneziano naturalizado britânico Felice Antonio Beato – que veio a se tornar outro grande nome da fotografia. As imagens de Robertson, produzidas depois da tomada de 8 de setembro nos arredores de Malakoff e Sebastopol, já revelam um pouco mais dos desastres da guerra, embora ainda sem cadáveres – o que só se veria mais à frente, com a Guerra Civil norteamericana, a Guerra do Paraguai, a Guerra Franco-Prussiana e a Comuna de Paris. Robertson e Beato fotografaram, ainda, outras guerras coloniais britânicas, cujas imagens sobreviveram até os dias atuais. O fotógrafo inglês Roger Fenton, então funcionário do Museu Britânico, é considerado por muitos historiadores o primeiro repórter fotográfico de guerra. Em 20 de fevereiro de 1855, 59 60 LLOYD, Valerie. The Crimean War. In: Roger Fenton […], 1988, p. 14. Op. cit., p. 37. 56 patrocinado pelo editor William Agnew, da firma Thomas Agnew & Sons, de Manchester, partiu para a Criméia, levando dois assistentes e 700 chapas de vidro, com o objetivo de fotografar a guerra travada contra a Rússia. O fotógrafo levava, também, uma carroça anteriormente utilizada por um comerciante de vinhos, que havia sido adaptada para tornar-se um completo laboratório fotográfico ambulante. Fenton e seu célebre assistente Marcus Sparling já haviam utilizado a carroça no ano anterior, para realizar uma documentação fotográfica em seu país. Embora os objetivos do patrocinador William Agnew fossem comerciais, era evidente a participação direta do governo britânico, e também do príncipe Alberto, um entusiasta da fotografia que inclusive preparou as cartas de recomendação de Fenton aos comandantes das forças britânicas. Era a terceira tentativa de documentar fotograficamente a guerra, já que as duas primeiras haviam fracassado. Como a situação nos campos de batalha era trágica e as perdas de soldados ingleses imensas, as instruções dadas a Fenton foram claras e visavam os objetivos do príncipe e da rainha Vitória: “No dead bodies”, teria recomendado o príncipe Alberto a Fenton 61. Retornando à Inglaterra em junho daquele ano, após enfrentar muitas dificuldades para realizar o seu trabalho e tendo inclusive contraído cólera, trouxe mais de 300 negativos de colódio úmido, produzidos no teatro da guerra. Neles, não se vê um só cadáver ou qualquer traço mais forte, associado ao lado trágico e horripilante desses conflitos – embora haja muito a se extrair daquelas imagens pioneiras, e áridas. O resultado comercial do empreendimento ficou muito aquém do esperado, apesar do empenho para vender as imagens, inclusive individualmente ou em portfólios. Entre outubro e dezembro daquele ano, o The Illustrated London News publicou xilogravuras produzidas a partir de seus originais – curiosamente, não como um relato da guerra, como ressalta Bodo von Dewitz 62, mas sim como notícia da exposição de suas fotografias que ora acontecia em Londres, na Water Colour Society's Pall Mall East. O editor Thomas Agnew & Sons publicou ainda, entre outras séries, The complete works, contendo 160 daquelas fotografias da guerra. 63 Devido ao término do conflito, as perspectivas comerciais ficaram ainda piores; em dezembro de 1856, todo o acervo restante, incluindo os negativos, foi leiloado em Londres. 61 FABIAN, Rainer, op. cit., p. 29. KIOSK, op. cit., p. 22. 63 O título oficial dessa publicação era Photographs taken under the patronage of Her Majesty the Queen in the Crimea by Roger Fenton, Esq. 62 57 Iniciada em 1861, e encerrada no ano de 1865, a guerra civil norte-americana, também conhecida como Guerra da Secessão, que opôs os estados do sul – os Estados Confederados da América – aos estados do norte daquele país, é o primeiro conflito exaustivamente documentado por uma equipe de fotógrafos. 64 Nos Estados Unidos, àquela época, tanto a fotografia quanto a imprensa ilustrada já estavam bastante desenvolvidas e disseminadas. Segundo Robert Taft, por ocasião de um encontro da American Photographical Society realizado em Nova York, em 10 de junho daquele ano, a questão das aplicações militares da fotografia foi discutida e o assunto levado ao Departamento de Guerra, em Washington. 65 A partir da iniciativa do fotógrafo Mathew B. Brady 66, que investiu grande soma em dinheiro, organizou-se uma equipe de profissionais com o intuito específico de cobrir os episódios nos campos de batalha. As boas relações de Brady com influentes políticos assegurava as autorizações para tal. Todas as fases e aspectos da guerra foram documentados, em mais de 7.000 negativos de colódio úmido. Entre mais de duas dezenas de profissionais de sua equipe, destacaram-se o escocês Alexander Gardner e os norte-americanos Timothy O’Sullivan (que inicialmente, chegou a lutar na guerra) e George N. Barnard. Não podemos esquecer, no entanto, de que estes fotógrafos estavam todos engajados na causa nortista. Houve também, nos campos de batalha, fotógrafos a serviço dos estados confederados, como George F. Cook e A. D. Lytle, entre outros − estes, trabalhando em condições bem mais precárias, sob todos os aspectos. Quando expostas pela primeira vez em sua galeria de Washington, as fotografias de Brady chocaram profundamente a sociedade americana. Examinando as célebres imagens dos cadáveres nos campos de batalha, que eram produzidas imediatamente após o seu término, os conhecidos e parentes dos soldados mortos eram, muitas vezes, capazes de reconhecê-los, o que provocava cenas de desespero e tristeza. Brady jamais obteve o almejado sucesso comercial com a venda de suas imagens, já que, terminada a guerra, o maior anseio da população era esquecer o conflito. 67 Mas o governo americano, sobrecarregado com os gastos da guerra, soube tirar proveito daquele momento onde a produção de fotografias cresceu 64 Sobre este assunto, a obra mais completa, em termos de imagens, é: The photographic history of the Civil War. 10 vols. Francis Trevelyan Miller, editor-chefe. New York : The Review of Reviews, 1911. 65 Photography and the American scene. A social history, 1839-1889. Nova York: Dover Publications, 1964, p. 224. 66 Brady (1822-1896) era norte-americano, filho de imigrantes irlandeses. Aprendeu a daguerreotipia com Samuel Morse. Em 1844, já tinha seu próprio estúdio, em Nova Iorque. Em 1849, abriu outro em Washington D.C. 67 Para uma história dos negativos de Brady, ver: TAFT, Robert, op. cit. pp. 223-247. 58 bastante – em especial no formato carte-de-visite – através da criação de um imposto, proporcional ao preço dos serviços. A arrecadação se dava através da venda de selos, obrigatoriamente colados no verso das fotografias. A vigência deste imposto ocorreu a partir de agosto de 1864, estendendo-se ainda por algum tempo, após o término da guerra – até agosto de 1866. 68 Em 1863, o fotógrafo Alexander Gardner rompeu o acordo com Brady, fundando sua própria companhia, para a qual levou também Timothy O’Sullivan, entre outros fotógrafos. O rompimento, que também teve a adesão de George Barnard, foi causado pela recusa de Brady em atribuir-lhes o devido crédito de autoria e tampouco concordar que mantivessem a posse de seus próprios negativos. Em 1865-66, Gardner publicou os dois volumes do Gardner’s photographic sketch book of the Civil War, contendo um total de 100 fotografias, cada uma acompanhada dos devidos créditos e de um breve texto. Esta obra tornou-se referência obrigatória nos estudos históricos da fotografia e da cultura norte-americana, e tem sido objeto de sucessivas reimpressões e de estudos acadêmicos 69. Com relação à imprensa ilustrada, devemos destacar, ainda, o Frank Leslie’s Illustrated Newspaper e o Harper’s Weekly – o primeiro, em especial, importante referência do jornalismo ilustrado nos Estados Unidos. Vale mencionar que os jornais ilustrados também enviavam artistas aos campos de batalha, além de estampar as cópias xilográficas das fotografias. Em 18 de junho de 1864, ainda durante a guerra civil, a capa do n. 455 do Frank Leslie’s reproduziu cópias xilográficas “sem exagero” de oito fotografias no formato carte-devisite de prisioneiros nortistas, sobreviventes da Andersonville Prison, localizada no estado da Geórgia. Em 17 de junho de 1865, pouco depois do término do conflito, o Harper’s Weekly também estampava cópias de fotografias de ex-prisioneiros, sobreviventes da mesma Andersonville Prison. Ambas as publicações causaram comoção no norte do país e mal-estar até mesmo no sul, levando à punição de responsáveis. Estes fatos nos mostram o poder que as fotografias iam adquirindo, como instrumento de denúncia, na imprensa periódica. Mas é somente nas primeiras décadas do século 20 que se alcançam as condições necessárias à prática do fotojornalismo, na completa acepção da palavra – com o advento das revistas cuja 68 In: DARRAH, 1981, p. 87. Ver, p. ex., os dois ensaios destes professores norte-americanos: LEE, Anthony W., YOUNG Elizabeth. On Alexander Gardner’s Photographic Sketch Book of the Civil War. Berkeley : University of California Press, 2007. 69 59 narrativa girava em torno de grandes reportagens fotográficas – na Alemanha (Berliner Illustrirte Zeitung, Der Welt Spiegel, Stern), França (L’Illustration, Vu, Le Miroir du Monde, Le Monde Illustré, Regards, Match), Inglaterra (Picture Post), Estados Unidos (Life, Look, Ken), Brasil (O Cruzeiro) e por todo o planeta, surgiram empreendimentos jornalísticos do gênero e que marcaram a história da humanidade. Embora a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) seja considerada a primeira guerra moderna, tendo contado com um grupo multinacional de adidos militares e observadores e com um alto investimento em cobertura de imprensa, realizado, entre outras, pelas agências Foto Bulla (São Petersburgo) 70 e Associated Press (Nova Iorque) 71, foi a Guerra Civil Espanhola (193639) o verdadeiro divisor de águas na historiografia da fotografia de guerra, por haver acontecido num tempo e lugar que acarretou um conjunto de fatores nunca antes conjugados: por um lado, a já citada evolução da tecnologia da fotografia (miniaturização das câmeras com a evolução de seus aspectos ergonômicos, aumento da luminosidade das objetivas e da sensibilidade dos filmes, etc.) e suas conseqüentes implicações na evolução da sua linguagem; por outro lado, a evolução tecnológica dos processos de reprodução e impressão e o pleno desenvolvimento das novas revistas ilustradas, através das quais ia se consolidando aquela inovadora modalidade de jornalismo – a fotorreportagem – no seio de uma sociedade apta para vivenciar os novos tempos. Foi sem dúvida “a primeira guerra a ser amplamente e livremente fotografada para uma grande audiência” nas palavras de Caroline Brothers 72, que lembra ainda ter sido esta a primeira guerra moderna em que a tomada de posição, o envolvimento estrangeiro, era crucial. Considerando-se então que nas democracias estrangeiras a opinião pública fazia a diferença e que sua formação advinha em grande medida dos textos e imagens publicados, ela acrescenta que “as fotografias de imprensa da Guerra Civil Espanhola podem ser entendidas como armas, e não apenas como simples ilustrações.” Vale lembrar, ainda, que as primeiras décadas do século 20 marcaram o primeiro ciclo das grandes agências de fotografia, que se especializaram em divulgar e distribuir a produção de seus representados para a imprensa mundial. Além da Bulla e da AP, já citadas, surgiram, entre outras, a Dephot (Berlin, 1928), a 70 Criada pelo fotógrafo e empresário Karl Bulla, um imigrante naturalizado russo, a Foto Bulla contou depois com a participação de seus dois filhos, além de diversos outros fotógrafos, dedicando-se em especial ao mercado de imprensa no leste europeu. Viktor Bulla, um dos filhos, é o autor das séries da Guerra Russo-Japonesa. 71 A Associated Press foi criada por cinco jornais nova-iorquinos em 1846, na forma de uma cooperativa, para viabilizar financeiramente a cobertura da guerra Americano-Mexicana. 72 War and photography: a cultural history. Londres : Routledge, 1997, p. 2. 60 Alliance Photo (Paris, 1934) e a Black Star (Nova Iorque, 1936). Robert Capa, o mais célebre fotógrafo de guerra da história, atuou na Dephot e na Alliance, antes de propor a Henri Cartier-Bresson e outros colegas a fundação da agência cooperada Magnum (Nova Iorque, 1947), que marcou o início de um novo ciclo, onde os fotógrafos passaram a gozar de maior liberdade – inclusive para determinar a sua própria pauta – e de maiores garantias quanto à questão dos direitos autorais, entre outros aspectos. Antes da Magnum, por ocasião da Segunda Guerra Mundial atingimos, talvez, o ápice da produção e da utilização da fotografia de guerra – quando os dois lados dela se valeram em grande escala. Mais à frente, já por ocasião da guerra do Vietnam, há consenso quanto ao fato de que algumas imagens fotográficas – três ou quatro, em especial – feriram fundo a consciência do povo norte-americano e contribuíram para o seu termo. E a partir da década de 1980, John Taylor observa, os britânicos compreenderam, a partir do conflito sem imagens nas ilhas Malvinas (1982), e o Pentágono decidiu, depois da invasão de Granada (1983) e do Panamá (1989), que “as guerras futuras teriam que ser editadas com antecedência” 73 – marcando assim, num certo sentido, o derradeiro ato da fotografia de guerra como a conhecíamos anteriormente. Os repórteres que insistiram em testemunhar e registrar os conflitos passaram a correr um risco adicional, sujeitando-se a prisões e até mesmo a sequestros e assassinatos deliberados. Quando o assunto é fotografia de guerra, portanto, vivemos hoje sob uma ‘tirania das imagens’. Já não se pode ver o que realmente acontece, nos embates das tropas inimigas. E assim voltamos, em certo sentido, à situação vigente por ocasião dos primeiros conflitos fotografados no século 19, quando a quase totalidade das imagens disseminadas através da imprensa não se referia propriamente às ações ocorridas no teatro da guerra e no calor da hora, mas sim ao antes e ao depois dos conflitos, ou então aos acontecimentos periféricos – e não foi diferente na guerra contra o Paraguai, como veremos. 73 Body horror: photojournalism, catastrophe and war. Nova Iorque : New York University Press, 1998, p. 175. 61 1.3 O caso brasileiro: primórdios da fotografia de guerra e as primeiras tentativas de aplicação nos campos da pintura histórica e da imprensa periódica Como já foi dito, os primeiros usos da fotografia na imprensa, não apenas no Rio de Janeiro ou no Brasil mas em todo o mundo, se referem à reprodução de vistas e retratos. O passo seguinte, em todos os casos, é dado quando a imprensa começa a reproduzir fotografias que buscam retratar fatos, acontecimentos e não mais apenas o registro de pessoas ou de localidades. São imagens muitas vêzes ‘cruas’, realistas, que expressam o decorrer dos acontecimentos, sem maiores elaborações – algo bem diferente da representação idealizada, elaborada bem depois do fato consumado, como era a tradição da pintura histórica. É aí que se inicia a verdadeira história do fotojornalismo. No Rio de Janeiro, como veremos mais adiante, foi Henrique Fleiuss o principal responsável pelos primeiros passos desta evolução, em termos da narrativa visual, na imprensa ilustrada. É a partir dos anos 1860 que a fotografia deslancha em nosso país, firmando-se definitivamente ao ser assimilada e consumida pela elite brasileira, concentrada em sua maior parte nas grandes capitais. E é nesta mesma década, como já dissemos, que a Semana Ilustrada vai surgir e se destacar entre os grandes periódicos ilustrados da corte, incorporando a fotografia às suas páginas. Fig. 16 – “Acampamento de infateria [sic] brasileira diante de Paissandú. No fundo as canhoneiras e a ilha para a qual se retiraram muitos habitantes de Paissandú. (Tirado do natural em fotografia).” Suplemento da Semana Illustrada, ca. abril 1865. Ico-FBN 62 A primeira guerra fotografada e da qual o Brasil participou foi contra o Paraguai (1864-1870) e ficou conhecida como a Guerra do Paraguai ou a Guerra da Tríplice Aliança – formada em maio de 1865 pelo Brasil, Argentina e Uruguai, unidos contra o expansionismo paraguaio comandado por Francisco Solano Lopez. Em sua obra Soldados de la memoria, imágenes y hombres de la guerra del Paraguay (2000), o historiador argentino Miguel Angel Cuarterolo nos apresenta o resultado de suas investigações de longa data sobre o tema da fotografia durante aquele conflito: “De las fotografías tomadas en los campos de batalla de la Guerra del Paraguay, entre 1866 y 1870, se conservan apenas un centenar de imágenes.” 74 Já o historiador da fotografia brasileira Pedro Vasquez, ao comentar os “exemplos bastante tímidos de fotografia de guerra” que nos foram legados pelo lado brasileiro, em sua obra A fotografia no Império (2002), declara ainda que “[...] É pouco, muito pouco, para um conflito que ceifou mais de 50 mil vidas e causou a completa destruição de um país inteiro. Mais há de existir em algum arquivo secreto do Exército, esperando por ser descoberto...”75 Vasquez menciona a produção uruguaia, sem dúvida a mais significativa do conflito. Foram muitos os fotógrafos que documentaram o evento, em seus diferentes aspectos. E até hoje, nem todas as imagens existentes têm a sua autoria esclarecida. Há imagens que retratam os horrores da guerra, tais como cadáveres empilhados, soldados mutilados e prisioneiros subnutrido; a maioria destas, segundo Alberto del Pino, atribuídas erroneamente ao uruguaio Esteban Garcia – sendo Javier López o verdadeiro autor 76. López trabalhou para a firma Bate y Ca. (depois Bate y Ca. W), responsável pela produção da principal documentação fotográfica do conflito. O irlandês George Thomas Bate e de seu irmão, que haviam chegado a Buenos Aires em 1859, procedentes dos Estados Unidos, fixaram-se em 1861 na cidade de Montevidéu, Uruguai. Inicialmente Bate fotografou, com sua equipe, os conflitos havidos em Paissandú, na virada de 1864 para 1865 e que precederam a declaração formal de guerra contra o Paraguai. A idéia era repetir os feitos da Guerra Civil norte-americana. Iniciada a guerra, o fotógrafo Javier López, em nome da firma Bate y Ca., dirigiu ao governo uruguaio uma solicitação formal de autorização para documentá-la, incluindo o transporte pelo exército 74 CUARTEROLO, 2000, p. 9. Mais recentemente, o historiador uruguaio Alberto del Pino Menck colocou em dúvida tal cifra, afirmando acreditar em um número “bastante mayor [...]”. Ver: MENCK, Apuntes sobre fotografías [...], 2008, p. 66. 75 VASQUEZ, 2002, pp. 35-36. 76 Alberto del Pino Menck atribui o equívoco ao advogado e colecionador uruguaio José María Fernández Saldaña, que teria sido o primeiro a analisar, em 1927, a famosa série de fotografias, criando “um ‘mito’ em torno da figura de Esteban García”. A coleçãode Saldaña pertence, hoje, à Biblioteca Nacional da República Oriental do Uruguai. Ver La hazañosa saga de Javier López, fotógrafo de Bate y Cia en el Paraguay, in: MENCK, Apuntes sobre fotografías [...], 2008, pp.69-78. 63 do país, além de resguardar para si os direitos exclusivos de reprodução de todas as suas fotografias até seis meses após o término dos conflitos 77. Autorizado pelo ministro da guerra e marinha do Uruguai, Javier López e sua equipe embarcaram para o teatro da guerra, provavelmente no mês de junho de 1866, sob a proteção das forças daquele país e tendo assegurado os seus direitos autorais conforme a proposta original. Segundo o historiador uruguaio Alberto del Pino Menck 78, a primeira série de doze fotografias publicadas pela firma, intitulada ‘Primera Colección de vistas fotográficas. La Guerra contra el Paraguay’ foi anunciada no periódico uruguaio El Siglo em 1o de agosto de 1866 e seguida de uma nova edição daquele material, anunciada no dia 10. O jornal La Tribuna, mesmo que tardiamente, também anunciou a primeira série. Em Buenos Aires, o lançamento teve ampla repercussão, segundo Cuarterolo. O diário portenho The Standard estampou a manchete: “Pictures of the War.” Em 13 de setembro de 1866, o El Siglo publicou um anúncio da Bate y Ca. informando o empreendimento da segunda viagem de Javier López ao teatro da guerra, levando uma equipe maior, fórmulas químicas aperfeiçoadas e uma nova câmera importada dos Estados Unidos – o que lhe rendeu a série ‘Segunda Colección [...]’ de vinte fotografias, anunciada no El Siglo de 4 de novembro de 1866. Em seguida, foram publicadas novas edições daquelas fotografias, em séries menores e com preços mais accessíveis. André Toral, para quem a autoria das fotos é atribuída a Esteban Garcia, coloca em dúvida a datação de algumas daquelas imagens, citando como exemplo “o caso da foto que registra a saída do comboio do marquês de Caxias de Tuiu-Cuê, onde os aliados só chegariam em julho de 1867.”79 Vale acrescentar que ainda em 1865, Bate vendeu sua galeria ao químico belga Juan Vander Weyde, que preservou a razão social da empresa até 1867 quando, em dificuldades financeiras, vendeu-a para um concorrente. É dele, portanto, o ‘W’ que foi acrescentado à assinatura da firma e aparece nos cartões-suporte das cópias fotográficas comercializadas. No Brasil, entretanto, não encontramos, até aqui, qualquer registro da comercialização de tais imagens, que não apareceram tampouco nas páginas dos nossos jornais ilustrados, naquele que foi um período intermediário do conflito – a guerra de posições – quando a euforia e a 77 CUARTEROLO, 2000, pp.22-3. La hazañosa saga de Javier López, fotógrafo de Bate y Cia en el Paraguay, in: MENCK, Apuntes sobre fotografías [...], 2008, pp.69-78. 79 TORAL, 2001, p. 90. 78 64 unanimidade dos primeiros tempos já perdia espaço, no âmbito da imprensa. Mas haverão outros motivos para tal ausência, ainda não elucidados. Por aqui, a falta de uma produção fotográfica consistente da guerra era sentida em outros setores, além do círculo de editores e ilustradores da imprensa. No campo da pintura histórica, ressalte-se a recente descoberta da chefe do Arquivo Histórico do Museu Imperial, Maria de Fátima Moraes Argon: uma petição até aqui desconhecida, sem data, de Arsênio da Silva, dirigida ao imperador d. Pedro II, solicitando o seu apoio para fotografar e pintar o teatro da Guerra do Paraguai – um interessantíssimo episódio, ainda a demandar o devido esclarecimento histórico, como veremos no próximo subcapítulo. Fig. 17 – Semana Illustrada, 09 maio 1869, p. 3508. DiORa-FBN 65 Dos artistas brasileiros contemporâneos à guerra que produziram pinturas históricas sobre o tema, pelo menos um aproveitou-se, com certeza, das fotografias da guerra: o paraibano Pedro Américo, por ocasião da feitura de sua célebre Batalha de campo Grande (1871) 80. Segundo Maria Inez Turazzi, o relatório assinado por Vitor Meireles – outro dos pintores que documentaram a guerra – em nome do júri encarregado da classe de fotografias da Exposição Nacional de Belas Artes de 1866, mostra um artista bastante entusiasmado com as aplicações da fotografia, ressaltando a impressão de gravuras e a litogravura, a microfotografia, as fotos de paisagens, astros, festas públicas, obras de arte e a fotografia para fins militares. A este respeito, por sinal, Victor Meirelles, em tom patriótico, lamentava o fato de o governo imperial não ter contratado um fotógrafo para documentar a guerra com o Paraguai e as “glórias nacionais. 81 Em sua única iniciativa neste campo específico, o governo imperial brasileiro convocou o fotógrafo Carlos César para documentar as ruínas de Humaitá, em 1868. São de sua autoria algumas das fotografias do conflito já identificadas, existentes em instituições brasileiras. Durante nossa pesquisa, identificamos outras fotografias de Carlos Erdmann & Anton Cattermole e de Frederico Trebbi.82 Em sua quase totalidade, as fotografias conhecidas retratam algumas localidades, os danos à arquitetura causados pelos conflitos, as instalações militares e as atividades das tropas aliadas. Quanto aos retratos dos participantes – a maioria no tradicional formato carte-de-visite, além de alguns retratos de grupo – temos aí, quase sempre, a identificação de seus autores, impressa no verso das imagens, que foram realizadas por um bom número de fotógrafos, atuantes nos diferentes países. Alguns desses fotógrafos ofereceram os seus serviços, em determinados períodos, nos acampamentos militares; mas esta pesquisa ainda está por ser aprofundada, nos quatro países envolvidos. Durante a guerra, diversos periódicos ilustrados da corte estamparam imagens copiadas daquelas fotografias, embora muito raramente o declarassem. Eram retratos, em sua maioria, além de vistas e de mapas e diagramas explicativos das batalhas ocorridas, ao longo do conflito. Este assunto está desenvolvido, de maneira mais extensa, nos capítulos 3 a 5 do presente trabalho. É neste período que acontece, como já dissemos, a primeira tentativa de 80 Sobre este assunto, ver: MACHADO,Vladimir, 2007. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo – 1839/1889. Rio de Janeiro: Funarte/Rocco, 1995, pp. 125-126. 82 Alberto del Pino já havia mencionado Erdmann & Cattermole, mas não Frederico Trebbi – este, citado de maneira sucinta por Susana Gastal, em seu ensaio sobre a arte gaúcha no século 19 (GASTAL, 2007, p. 34). Nenhum dos três consta das resenhas biográficas da obra citada de Miguel Cuarterolo. 81 66 realização de uma cobertura fotográfica mais consistente na imprensa brasileira – uma iniciativa do pintor, desenhista e litógrafo alemão Henrique Fleiuss, em seu periódico Semana Ilustrada, fundado em 16 de dezembro de 1860 e inteiramente engajado na causa da guerra contra o Paraguai desde a primeira hora, sempre preocupado em exaltar o lado heróico do conflito e apelando para o sentimento nacionalista de seus leitores. Foi ele quem primeiro tentou implantar, antes mesmo do início daquele conflito, uma infraestrutura adequada para a impressão das imagens fotográficas juntamente com os textos – o que incluiria a formação de mão-de-obra, aqui inexistente, tanto para fotografar (os repórteres) quanto para confeccionar as matrizes de reprodução das fotos (os xilogravadores). Sua evidente intenção era a de se igualar aos periódicos ilustrados dos países mais avançados, onde textos e imagens eram impressos simultaneamente desde os meados do século e a qualidade das reproduções dos originais fotográficos era superior. Aqui, a litografia persistiu até o final do século, obrigando a impressão em separado das imagens (litográficas) e dos textos (tipográficos). A comparação entre as fotografias originais da guerra contra o Paraguai e as imagens estampadas por Fleiuss em seu periódico nos permite compreender o seu processo de construção de um imaginário, de um ‘simulacro’ da guerra. Na verdade, as imagens reproduzidas eram muitas vezes ‘híbridas’, onde a junção de elementos oriundos de diferentes fontes possibilitava a construção da imagem ‘ideal’, visando ilustrar a notícia veiculada – é este um dos temas que pretendemos desenvolver, no presente trabalho. Mas antes de apresentar o homem que estava por trás desta iniciativa – Henrique Fleiuss – examinemos o caso anteriormente mencionado de um contemporâneo seu, Arsênio da Silva, que alimentou o desejo de tornar-se um ‘repórter fotográfico’ durante a guerra contra o Paraguai. 1.3.1 Arsênio da Silva e a Guerra do Paraguai – um episódio ainda não esclarecido Numa petição sem data do pintor, fotógrafo e professor de pintura Arsênio da Silva, dirigida ao imperador d. Pedro II e até há pouco desconhecida, o requerente solicitava o seu apoio para 67 fotografar e pintar da Guerra do Paraguai 83. Nossa investigação, ora em curso, já permite uma forte suposição e uma importante constatação: esta foi, possivelmente, a primeira vez que um dos nossos artistas – fotógrafo ou pintor – manifestou formalmente o desejo de dirijir-se ao teatro da guerra, visando documentá-la; e este foi o primeiro artista a expor uma obra que retratava o conflito, recentemente iniciado, à época. Vejamos um trecho de sua petição: […] Nesse presuposto – o suplicante – pintor e artista fotógrafo, com o mais profundo respeito, vem suplicar a V. M. I. q. se digne aceitar-lhe os serviços artísticos nos campos das batalhas. Tomar e perpetuar as cenas, as vistas dos combates dos exércitos brasileiros é servir à causa da história do país – que é também a da sua glória – ; é dar um concurso, embora humilde – àquela proveitosa tarefa, que V. M. I. intentara no Instituto [Histórico e Geográfico Brasileiro]. A história – narrando as guerras do Prata, – será então acompanhada do documento de arte, que atestará todas as circunstâncias, até as posições e o lugar dos combates. Nas guerras recentes a arte do pintor e do fotógrafo lá foi – aos campos das batalhas – eternizar os feitos heróicos das bravas legiões da Inglaterra e França na Criméia; da Itália e da França em Solferino e Palestro. Como se vê, Arsênio da Silva estava bem informado sobre o que se passava no âmbito da fotografia de guerra e, muito provavelmente, não foi por acaso que evitou mencionar a Guerra da Secessão que ocorria nos Estados Unidos – ou, que havia terminado pouco antes, dependendo da data, até aqui desconhecida, desta petição – guerra aquela onde as fotografias ocasionaram forte comoção e até mesmo alguma polêmica, no seio da população. Voltemos à petição de Arsênio da Silva, que segue na sua argumentação: Assim, enquanto os homens de guerra servem a V. M. I. com a espada, o artista vai também servi-lo, dominado do pensamento fecundo de prestar um tênue concurso à obra glorificadora dos feitos heróicos e da civilização e grandeza do Brasil: essa obra é a da História. O suplicante pede, pois, permissão a V. M. I. para poder ir agrupar-se ao quartel general de terra ou de mar e fazer ali os trabalhos de arte, tendo a conveniente liberdade de ação para tal fim; não pretende nenhuma retribuição do Governo, sobeja-lhe a honra de servir a V. M. I.: mas na posição de artista, baldo de suficientes meios, necessita de um auxílio para compra [de] certos objetos reclamados por um trabalho excepcional, qual o projetado. […] Até o momento, nada mais se sabe – seja da reação do imperador ou dos efeitos desta petição, feita por um artista e fotógrafo de quem a vida e a obra ainda estão por ser devidamente resgatadas. O espaço dedicado a Arsênio Cintra da Silva – era este o seu mais provável nome 83 Museu Imperial, Arquivo da Casa Imperial do Brasil POB, maço 123, doc. 6832. Vide a transcrição integral desta petição no anexo B do presente trabalho. 68 completo – é diminuto, nas principais obras dedicadas às artes plásticas no Brasil do século 19, sendo comum a repetição dos mesmos dados. Para alguns autores estudiosos do período, era pernambucano de Recife, onde nasceu no ano de 1833 e teria falecido em Salvador, Bahia em 1883. Mas Laudelino Freire 84, mais preciso nas datas, apresenta outra versão: “Nasceu em Pernambuco em 29 de abril de 1833 e faleceu na Itália no dia 11 de fevereiro de 1883.” Para Theodoro Braga e para Quirino Campofiorito, faleceu em 1883, mas no Rio de Janeiro. Para Gonzaga Duque, morreu em 1881, sem no entanto mencionar o local. Ainda jovem, no início da década de 1850, viajou para o continente europeu onde, segundo verbete do Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos do INL 85 “em Roma, Milão, Florença, Piza e Turim, realizou estudos de arte.” Depois de três anos de estudos, a maior parte dos quais em Roma, a morte de seu pai levou-o de volta a Recife. Mais à frente, em meados daquela década, retornou à Europa para dar seguimento aos estudos, desta vez instalando-se em Paris, e dedicando-se à pintura a guache, ainda pouco difundida no Brasil. Ao regressar da França, depois de breve estadia no Recife, fixou-se no Rio de Janeiro, provavelmente a partir de 1860 – ano da fundação do Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde e do lançamento da Semana Illustrada. No Rio, conquistou imediatamente boa reputação artística, tendo inclusive participado, com êxito, de algumas edições da Exposição Geral de Belas Artes, promovida pela Academia Imperial de Belas Artes – o que examinaremos em detalhe mais à frente. Foi naquele período que Arsênio da Silva difundiu, aqui, a técnica de pintura a guache, então uma novidade, tornando-se professor de alguns artistas. Na opinião de Mello Moraes, “mirava o recémchegado artista certeira colocação entre o corpo docente da nossa Academia. A intriga e inveja cerrando-lhe as portas, Arsenio [da] Silva teve de recuar [...].” Segundo Laudelino Freire, “fez discípulos, dentre os quais foi [Joaquim] Insley Pacheco o mais notável, que se tornara dedicado amigo do mestre, a quem muito auxiliou nas dificuldades em que aqui se encontrara.” Pacheco, fotógrafo e pintor, foi um dos retratistas mais produtivos e criativos do Brasil no século 19 e realizou, em nossa opinião, os melhores retratos fotográficos do imperador D. Pedro II, hoje encontrados na Coleção D. Thereza Christina Maria, na Biblioteca Nacional. Henrique Fleiuss também era especial admirador da 84 85 FREIRE, Laudelino, 1983. In: Dicionário brasileiro de artistas plásticos, 1973-1980. 69 sua produção, o que manifestou em diversas ocasiões nas páginas da Semana Illustrada – quando ele e Arsênio participaram da XVII Exposição Geral de Belas Artes, o seu esboço do Ataque à praça de Paissandú, ao qual voltaremos mais à frente, não parece haver impressionado Fleiuss. 86 Mas nem tudo deu certo na vida do nosso fotógrafo e mestre do guache. Já sabemos que a sua petição ao imperador não surtiu o efeito desejado – e a este assunto ainda voltaremos. Nas palavras de Gonzaga Duque em sua obra clássica sobre a pintura e a escultura no Brasil 87, encontramos o mais longo e interessante depoimento sobre o artista em pauta. Logo depois de tratar da obra de Facchinetti, diz ele, outro miniaturista de mérito foi Arsênio Cintra da Silva, falecido em 1881.Em 61 veio, definitivamente, para o Rio de Janeiro, depois de ter estudado em Roma e em Paris a arte de sua predileção. Nesta última cidade conseguiu aprender um segredo de pintar gouaches que deu-lhe não pequena estimação ao nome, assim como estudou bem e bem aprendeu as linhas, o colorido e maneira que os orientalistas apresentavam em seus quadros. Munido, pois, desses conhecimentos, começou a pintar pequeninas gouaches (...). Assim, Arsênio pode ser considerado um dos introdutores, entre nós, do guache, ou de algumas de suas técnicas. Ademais, como se viu, se não introduziu, ao menos ajudou a difundir a denominada ´temática orientalista’ – cenas de árabes e caravanas, referentes ao norte da África, em especial a região do Magreb; “aquelas pitorescas cenas orientais, aquelas longas caravanas árabes, percorrendo o deserto ao pôr do sol [...]”, nas palavras de Gonzaga Duque, que continua o seu julgamento, afirmando que fora deste gênero a maior parte das suas produções são medíocres. A paisagem que, atualmente, a Academia guarda sob o no 334 88 é, sem dúvida o melhor trabalho a óleo por ele feito. O quadrinho tem pequenas dimensões, talvez uns cinqüenta centímetros de comprimento sobre vinte de largura. É uma vista dos arredores de Paris, tirada do natural. [...] Há na maior parte dos trabalhos de Arsênio, até naqueles de somenos importância, uma nota sentimental, uma melancolia pertinaz, cuja origem encontra-se no temperamento do homem. Arsênio foi um desacoroçoado 89. Chegando ao Rio de Janeiro conquistou imediatamente uma reputação artística, vendeu à sociedade elegante daquele tempo quase todos os 86 Ver um trecho de sua crítica (Bellas Artes) acerca da XVII Exposição Geral de Belas Artes, 1865, publicado na Semana Illustrada n. 223 de 19 mar. 1865, p. 1728. 87 DUQUE-ESTRADA, L. Gonzaga, 1888, pp. 99-101. 88 A obra encontra-se, hoje, no Museu Nacional de Belas Artes, tendo participado, por mais de uma vez, da Exposição Geral de Belas Artes e tendo ainda rendido uma medalha de prata ao artista. 89 Desacoroçoado é o mesmo que descoroçoado, sem coragem, sem ânimo, desanimado, desalentado. 70 gouaches que pintara, criou uma turba de admiradores e amigos, fez enfim, um pequeno sucesso. Mas como devia esperar, os invejosos ergueram-se do pesado silêncio da sua própria inutilidade e fizeram fogo vivo contra ele. No campo da fotografia onde, da mesma forma, pouco se conhece da sua produção, Arsênio se tornou conhecido como o autor de duas célebres fotografias: a do desfile no largo do Paço, por ocasião do casamento da princesa Isabel com o conde d’Eu (1864) – sendo por isto considerado um dos precursores do nosso fotojornalismo – e a emblemática fotografia de uma congada (ca. 1865), ambas pertencentes à Coleção D. Thereza Christina Maria, da Biblioteca Nacional. Sobre a sua Congada, Pedro Vasquez afirma que “se não for o primeiro registro desta manifestação popular para-religiosa de inspiração africana, é, com toda a certeza, o mais antigo e perfeito exemplo de registro fotográfico proto-antropológico do que hoje qualificamos de evento ‘folclórico’.” 90 Voltando à sua pintura, ao exame dos catálogos das edições da Exposição Geral de Belas Artes, promovida pela Academia Imperial de Belas Artes, constatamos que Arsênio da Silva teve sua primeira participação na 15a Exposição Geral de Belas Artes, de 1862. Foram quatorze itens no total, entre obras acabadas e estudos, expostos nas salas de pintura e de desenho, que lhe renderam uma medalha de prata, em janeiro de 1863. Foi nesta exposição que Vitor Meireles apresentou a sua célebre A primeira missa no Brasil, cujo esboço já havia sido exposto na exposição anterior, de 1860, ocasião em que a obra já finalizada e seu autor ainda estavam em Paris, aguardando a ocasião da sua primeira exibição, no salão francês de 1861. Na 16a Exposição, acontecida em 1864, Arsênio da Silva participou com três obras, apenas, na seção geral – uma delas intitulada Inauguração da estátua eqüestre de Dom Pedro I no dia 30 de março de 1862 – e recebeu, novamente, uma das medalhas de prata. Pelo que se depreende da leitura do catálogo, a tela já pertencia ao imperador d. Pedro II. Nesta mesma exposição, o Imperial Instituto Artístico teve importante participação, no que concerne ao presente estudo – mas deste fato, nos ocuparemos mais à frente. Pedro Américo e Vitor Meireles, que viriam a se tornar os nossos dois mais célebres pintores de batalhas da Guerra do Paraguai, também participaram desta exposição – mas não, ainda, com trabalhos referentes ao conflito. Na ocasião, Meireles foi condecorado com o Hábito da Ordem de Cristo. 90 VASQUEZ, 2004, p. 238. 71 Já na 17a Exposição Geral de Belas Artes, de 1865, Arsênio participou, de novo com três obras, na seção geral. À página 4 do Catálogo geral das obras expostas no palácio da Academia Imperial das Belas Artes em 19 de fevereiro de 1865 (Rio de Janeiro : Tipografia Nacional, 1865), lemos que “o Sr. Arsênio da Silva – rua da Quitanda no 45” expôs as seguintes obras: “8. Ataque à praça de Paissandú pelo capitão Peixoto, no dia 6 de dezembro de 1864 (esboço); 9. Calabrezes em Roma; 10. As margens do Reno, ao luar.” Como se vê, uma delas tinha relação direta com o tema da petição antes mencionada: o Ataque à praça de Paissandú pelo Capitão Peixoto no dia 6 de dezembro de 1864. Tratava-se, na verdade, de um esboço, apenas. Mas foi a primeira vez que o tema daquela guerra foi exposto num salão, em nosso país – fato este que, ademais, consiste num indício importante para se datar a tal petição. E qual era o contexto político, no tocante às nossas relações internacionais no cone sul, naquele dia 19 de fevereiro de 1865, quando acontecia a exposição da Academia Imperial onde Arsênio da Silva expôs o seu projeto de um quadro de guerra? E em que pé estava a cobertura daqueles eventos na Semana Illustrada, de Henrique Fleiuss? A fotografia já se fazia presente? Ao menos um dado já possuímos: como já vimos anteriormente, Fleiuss não foi sensibilizado pelo trabalho, já que não fez qualquer menção ao mesmo em seu jornal. Retrocedendo um pouco no tempo, recordemo-nos que o general uruguaio Venâncio Flores havia iniciado a sua sublevação armada contra o governo de seu país em 1863, contando com o apoio do governo brasileiro, que ao longo de 1864 aumentou a sua pressão sobre o poder constituído no Uruguai, em defesa de nossos interesses. Em agosto daquele ano, o Uruguai rompeu relações com o Brasil – fato este que levou o presidente do Paraguai, Solano López, a advertir nosso governo. Em outubro, num gesto de represália, o Brasil entrou em território uruguaio, sem no entanto declarar guerra. Mas em 12 de novembro, deu-se o célebre episódio da apreeensão, pelos paraguaios, do vapor brasileiro Marquês de Olinda, que navegava rumo ao Mato Grosso, tendo a bordo o novo presidente daquela província. Em 2 de dezembro, deu-se o cerco e tomada de Paissandú, cidade uruguaia às margens do rio Uruguai, em ação conjuntas dos fuzileiros brasileiros e das forças coloradas, opositoras à situação uruguaia – e são estes conflitos que marcaram o início da Guerra do Paraguai e levaram Arsênio da Silva a elaborar o seu esboço do ‘ataque à praça de Paissandú’, exibido 72 dois meses e meio depois. E para que não se pense que Arsênio demorou a elaborar o seu esboço, vale lembrar que só em 29 de janeiro – quase dois mêses após a ocorrência e a apenas vinte dias da abertura da Exposição Geral de Belas Artes – é que a Semana Illustrada noticiava, entre as ‘novidades da semana’, que “no Estado Oriental já as armas brasileiras se exaltaram com um triunfo. Paissandú (...) caiu finalmente ante o arrojo dos nossos bravos soldados (...). Falta-nos Humaitá. Lá chegaremos. (...)”91 E somente no mês de março de 1865 é que a fotografia de guerra surgia, de maneira declarada, nas páginas da Semana Ilustrada. Não por acaso – já que se tratava de uma novidade – essas ocorrências pioneiras da fotografia de guerra, em nossa imprensa, surgem na forma de dois ‘suplementos ilustrados’, associados ao número 221, de 5 de março de 1865. Um intitula-se “Vistas de Paissandú depois da tomada da praça. Fotografadas do natural e obsequiosamente oferecidas à Semana Ilustrada pelo Ilm. e Exm. Srn. Vianna de Lima.” O outro, intitula-se “Acampamento de infanteria brasileira diante de Paissandú. No fundo as canhoneiras e a ilha para a qual se retiraram muitos habitantes de Paissandú. (Tirado do Natural em fotografia).” 92 Voltando aos fatos do conflito, na virada do ano (1864-65), os paraguaios deram seqüência aos seus atos de agressão contra o Brasil, ao atacar diversas localidades do Mato Grosso. Assim, em janeiro de 1865, através de decretos, o governo brasileiro instituiu os corpos de combatentes dos Voluntários da Pátria e convocou milhares de guardas nacionais, para fortalecerem o Exército. Em fevereiro, foi estabelecido um novo governo no Uruguai, que firmou um acordo de paz com o Brasil. Na seqüência, os paraguaios declararam guerra também à Argentina, em abril, e logo depois foi assinado o Tratado da Tríplice Aliança, em 1o de maio de 1865 – o Brasil, a Argentina e o Uruguai se tornaram aliados no enfrentamento ao ditador paraguaio Solano López, com o objetivo de derrubá-lo, restituindo assim a livre navegação dos rios daquela região e resolvendo antigas questões de fronteiras. Assim, tudo leva a crer que a petição de Arsênio da Silva dirigida ao imperador d. Pedro II tenha sido formulada ainda naquele ano de 1865. 91 Semana Illustrada, n. 216, p. 1.726. Em 12 de fevereiro, a Semana Illustrada anunciara o lançamento de um suplemento avulso intitulado Bravos de Paissandú, até aqui não localizado. É muito provável que os rostos dos ‘bravos’ tenham sido copiados de seus retratos fotográficos. 92 73 Pedro Américo e Vitor Meireles também participaram da 17a Exposição Geral de Belas Artes, de 1865, mas sem explorar o tema do conflito que apenas se iniciava; e desta vez, foi Américo quem recebeu uma medalha de ouro. Uma das obras de Meireles, ali exposta, explorava o tema da crise diplomática entre o Brasil e a Inglaterra, que ficou conhecida como a “Questão Christie”. Henrique Fleiuss, por ocasião da Exposição Nacional de 1866, ao criticar duramente o estado das artes em geral e da pintura em particular, no Brasil, não deixou de apontar a ausência da pintura histórica referente ao conflito iniciado no final de 1864: “Acrescentarei todavia que a Exposição Nacional veio em época crítica (conquanto prestemse os feitos da guerra a certo gênero de obras de arte, que não estão por forma alguma representadas), e que é consagrada antes à indústria que às belas-artes.”93 Fig. 18 – Exposição das Belas Artes. Semana Illustrada, 05 abr. 1868, p. 3049. DiORa-FBN – Que estás fazendo, moleque? – Estou apreciando o painel. – Ah! cuidei que estavas cheirando a tinta. Já bem depois da Guerra do Paraguai, encontramos duas outras participações de Arsênio da Silva naquele evento. Da 25a Exposição, de 1879, na seção Escola Brasileira (Pinacoteca) ele participou com a obra intitulada Arredores de Paris: vista tirada do natural, que já havia figurado na sua primeira participação, de 1862. Segundo Rafael Cardoso, aquela seção da exposição de 1879 constituía-se numa amostragem dos quadros mais importantes da Pinacoteca da AIBA, desde a sua fundação, escolhidos pela congregação e organizada pelo 93 Semana Illustrada, 11 nov. 1866, p. 2470. 74 professor Maximiano Mafra. Ali, figuravam obras de artistas vivos e dos já falecidos, com a intenção de reivindicar a idéia da existência de uma ‘escola brasileira’ de pintura. A proposta causou polêmica, repercutindo na imprensa e sendo ridicularizada por alguns. Nesta mesma exposição, entre outras obras, Pedro Américo expôs A Batalha de Avaí e Vitor Meireles, a sua Passagem de Humaitá, ambas sobre episódios da Guerra do Paraguai. Para a realização desse último quadro, encomendado à Academia Imperial pelo ministro da Marinha, foi designado o seu professor de pintura histórica, Vitor Meireles, que em agosto de 1868 dirigiu-se ao Paraguai, a bordo de navio da Esquadra Imperial 94 – era este, precisamente, o sonho de Arsênio da Silva, jamais realizado. Para Gonzaga Duque, faltou-lhe resolução para enfrentar com os adversários. E, humilhado, desiludido, rolando de desengano em desengano, procurou no esquecimento de seu nome o lenitivo para suas dores. Daí resultou-lhe uma moléstia lenta e devastadora, uma espécie de spleen, o tédio da vida, que veio arrancar-lhe pelos lábios o último calor das entranhas, no momento em que ele tudo esquecera: seus amigos, suas aspirações, e até a arte! 95 Ainda por ocasião daquela 25a Exposição de 1879, Pedro Américo e Vitor Meireles se tornaram Dignatários da Ordem da Rosa. Já em 2 de dezembro de 1881, quando d. Pedro II comemorava 56 anos, foi aberta a célebre Exposição de História do Brasil, organizada por Ramiz Galvão na Biblioteca Nacional. Entre as inúmeras obras emprestadas pelo imperador e ali expostas – e que constam do alentado catálogo da mostra – figuravam três de autoria de Arsênio da Silva: a tela Inauguração da estátua eqüestre de Dom Pedro I, no Rio de Janeiro, que já pertencia ao imperador quando foi originalmente mostrada na 16a Exposição Geral de Belas Artes de 1864, e duas “estampas fotográficas”, como foram ali designadas as duas fotografias, sob o título geral de Casamento de S. A. Imperial a Snra. D. Isabel com S. A. o Snr. Conde d’Eu, e datadas de 15 de outubro de 1864. A primeira foto tinha o título específico de Interior da Capela Imperial no ato do recebimento e a segunda (a do desfile, já mencionada anteriormente) foi intitulada Parada no Largo do Paço. Arsênio Cintra da Silva teria falecido antes da inauguração da exposição da Biblioteca Nacional, em março de 1881 (e não em 1883, como afirmam alguns historiadores), segundo consta da obra de Gonzaga Duque e do catálogo da 26a Exposição Geral de Belas Artes, de 1884 onde, na mesma ‘Seção Escola Brasileira (Pinacoteca)’ registra-se a participação da 94 95 Sobre este assunto, ver: TORAL, 2001, p. 121. DUQUE-ESTRADA, L. Gonzaga, 1888, p. 101. 75 mesma obra da edição anterior, Arredores de Paris – o que parece estranho, mas era uma prática comum naquele evento, eminentemente acadêmico. Naquela mesma exposição, entre outras obras, Pedro Américo expôs A Batalha de Avaí e Vitor Meireles, a sua réplica do Combate naval de Riachuelo. Então, ambos se tornaram Grandes Dignatários da Ordem da Rosa. Sobre o fim de Arsenio da Silva, a pista mais interessante, parece-nos, está na obra ‘Artistas do meu tempo’, de Mello Moraes Filho (1904, p. 50). Ao afirmar que ‘as portas se fecharam’ para ele, como já dissemos, devido à intriga e à inveja de alguns colegas, acrescenta que o promissor artista percebeu que “ao desamparo do gosto pela arte, a miséria seria uma consequência lógica, uma companheira inevitável dos dias futuros.” E no parágrafo seguinte, faz um intrigante relato – que está por merecer uma outra investigação mais profunda, além daquela referente à sua intenções com relação à Guerra do Paraguai. Conta-nos Mello Moraes: E, por um instante, sacudindo guisos de uma alucinação transitória, o excelso pintor de gouaches, o vendedor de telas esplêndidas a cinco mil réis, faz aquisição de uma cabeça que fala a Saturnino da Veiga, de um realejo e de um cosmorama, seguindo estradas da província do Rio, assim transformado em saltimbanco de feira. 76 2 Sobre Henrique Fleiuss e o Imperial Instituto Artístico 2.1 A trajetória de Henrique Fleiuss – subsídios para uma biografia Nasci debaixo de uma boa estrela, fulgurante, limpa como se tivesse saído fresquinha da loja do Chesneau. O meu berço era de cambraia de linho, cortina de renda cor de rosa e cúpula de seda branca com laços dourados. No dia do meu nascimento já tinha a minha cabeleira. Dr. Semana 96 Como já foi exposto, os primeiros usos da fotografia na imprensa, não apenas no Rio de Janeiro ou no Brasil mas em todo o mundo, se referem à reprodução de vistas e retratos. O passo seguinte, em todos os casos, é dado quando a imprensa começa a reproduzir fotografias que buscam retratar fatos, acontecimentos e não mais apenas o registro de localidades ou de pessoas – é aí que se inicia a verdadeira história do fotojornalismo, consequência de uma nova concepção da visualidade. No Rio de Janeiro, foi Henrique Fleiuss quem mais se esforçou e avançou, mesmo que pouco, no sentido de viabilizar esta evolução técnica, favorecendo a narrativa visual na imprensa ilustrada. É a partir dos anos 1860 que a fotografia deslancha em nosso país, firmando-se definitivamente, ao ser assimilada e consumida pela elite brasileira, concentrada em sua maior parte nas grandes capitais. E é nesta mesma década que a Semana Ilustrada vai surgir e se destacar entre os grandes periódicos ilustrados da corte, repercutindo a novidade (a fotografia) e contribuindo, ainda, para a evolução e afirmação da caricatura entre nós, ao incorporar ambas às suas páginas. Natural de Colônia, Alemanha, o desenhista, pintor e gravador Henrique – nascido Heinrich – Fleiuss veio ao mundo em 29 de agosto de 1823. Face ao quase total desconhecimento, até o presente, das fontes primárias que encontram-se na Alemanha, indispensáveis à construção de uma biografia de fato do cidadão Heinrich, resta-nos a opção de repetir o que há muito se sabe, com base em depoimentos publicados por contemporâneos seus – inclusive por seu filho Max Fleiuss. Mas para tentar incrementar o nosso conhecimento de tão rico personagem do Oitocentos, inseriremos alguns poucos novos dados que levantamos, além de algumas reflexões sobre os possíveis caminhos de pesquisa a serem perseguidos nos próximos anos, pelos interessados na matéria. 96 Semana Illustrada, 29 nov. 1874, p. 5826. 77 Heinrich Fleiuss era filho do professor homônimo, doutor em filosofia e diretor geral da Instrução Pública na Prússia Renana, e de dona Catarina Von Drach. Dedicada às prendas domésticas, católica fervorosa, sua mãe era filha do conselheiro professor Maximiliano von Drach, da Universidade de Coblença 97 e irmã do comandante Max Oto Frederico von Drach. Após os estudos iniciais em sua cidade natal, Fleiuss teria se mudado para Dusseldorf em busca de aprofundamento nos campos das artes (desenho, gravura e pintura), da literatura e das ciências naturais. Ali, fez o curso de ‘belas letras’, com brilhantismo. E depois de haver passado a primeira fase de sua vida sempre às margens do rio Reno, afastou-se da região ao seguir para Munique. É provável que as relações com o botânico von Martius tenham ali se iniciado. Naquela cidade, Fleiuss complementou seus estudos de ciências naturais, neles incluindo, ainda, o aprendizado da música. Até onde vai o nosso conhecimento, todo este percurso biográfico ainda não foi devidamente investigado. Segundo depoimento de seu filho Max Fleiuss, “conhecia profundamente música e orquestração; chegou mesmo a substituir inesperadamente, uma vez, ao maestro brasileiro Henrique Alves de Mesquita, na regência da orquestra em uma festa do mês de Maria, na Igreja de Santa Rita, cantando minha mãe a Ave-Maria ao pregador.” 98 À leitura do jornal que editou por longo tempo no Rio de Janeiro, esta sua predileção fica evidente – Fleiuss mantinha seus leitores a par de tudo que acontecia no mundo musical da corte, não apenas informando mas exercendo a crítica. Teria viajado por “quase toda a Europa, demorando-se principalmente na Holanda.” 99 E nada mais se conhece, acerca das suas atividades no velho continente. O preenchimento desta lacuna vai depender de iniciativas conjuntas, que envolvam brasileiros mas sejam capitaneadas por colegas do meio acadêmico alemão, assim como aconteceu, em tempos recentes, com a história do fotógrafo Cristoph Albert Frisch – que havia trabalhado para Georges Leuzinger no Brasil, foi o primeiro a realizar uma expedição fotográfica pela região 97 Situada na confluência dos rios Reno e Mosela, a cidade de Coblença (Koblenz, em alemão) foi a capital da Prússia Renana. 98 Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. In: Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1927. 99 Idem. 78 amazônica e ainda assim, dele praticamente nada se sabia. 100 Henrique Fleiuss chegou ao Brasil em 1858, aos 35 anos de idade. Ainda segundo Max Fleiuss, a decisão da viagem se deu “por sugestão do célebre sábio naturalista Carlos Frederico Philippe von Martius, autor da Flora Brasiliensis, membro da Academia de Munique e da expedição científico-artística de 1817, que muito o estimava e lhe apreciava a aptidão artística.” 101 Vale lembrar que Martius, de volta à Europa em 1820, foi professor da Universidade de Munique (não é impossível que Fleiuss tenha estudado ali) e diretor do Jardim Botânico da cidade. Fig. 19 – Fleiuss recorria muitas vezes ao mundo vegetal, para falar da trajetória da Semana Illustrada e do Brasil. Outro bom exemplo da sua proximidade com este mundo está reproduzido na conclusão do presente trabalho (fig. 367). Semana Illustrada, 07 jun. 1868, p. 3121. DiORa-FBN Começando pela Bahia, ainda em 1858, viajou por algumas outras províncias do norte, possivelmente a mando de Martius, para realizar aquarelas, das quais pouco se conhece. Estas 100 O resgate da história de Frisch está relatado, de forma suscinta, em ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. As primeiras fotografias da Amazônia[...]. In: Anais da Biblioteca Nacional, vol. 122 (2002). Rio de Janeiro, 2007, pp. 339-62. 101 Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. Op. cit. 79 suas atividades documentais integrariam o processo de continuação das atividades que os cientistas Spix e Martius haviam iniciado por ocasião da Expedição Austríaca no Brasil (1817-1821), que ambos haviam integrado. Fig. 20 – Henrique Fleiuss. Cena religiosa em Maceió. Reproduzida da Galeria histórica dos pintores no Brasil, por Laudelino Freire (1915). Onde estariam estas obras? Onde encontraríamos a primeira – e importante – realização de Henrique Fleiuss em nosso país, a contribuição de sua arte “germânica, naturalista e marcada pela escola expressionista”, segundo Odorico Pires Pinto 102, ao processo de investigação de nossa flora? Vale aqui recapitular as origens daquela expedição, que remontam às núpcias do príncipe dom Pedro de Alcântara, herdeiro do trono do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves com D. Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo, arquiduquesa da Áustria e aficcionada por história natural. Por ocasião da transferência do casal para o novo mundo em 1817, onde se tornariam imperadores do Brasil, acompanharam-nos diversos especialistas europeus com o intuito de realizar uma viagem de exploração científica, por iniciativa do governo vienense, que intencionava construir um museu brasileiro em Viena – que existiu, efetivamente, mas apenas entre 1821 e 1836. Entre os membros do grupo de cientistas, que incluía diversos especialistas em botânica, mineralogia, zoologia, jardinagem e taxidermia, figuravam dois convidados do imperador da 102 PINTO, Odorico Pires. Henrique Fleiuss. In: Correio da Manhã, domingo, 16 jan. 1949, p. 2. 80 Áustria, enviados pela corte da Baviera: o zoólogo Dr. Johann Baptiste von Spix e o botânico Dr. Karl Friedrich Philipp von Martius, da Academia de Ciências de Munique, na Baviera. No campo específico das representações visuais, a expedição original incluía também um artista botânico, J. Buchberger e um notável pintor de mapas e vistas, o paisagista Thomas Ender. Após a partida de Ender, que permaneceu no Brasil apenas até 1818, Spix e Martius realizaram uma longa viagem exploratória Brasil afora, percorrendo as regiões sudeste, nordeste e norte – de onde retornaram à Europa, em 1820. Embora o zoólogo Spix tenha morrido prematuramente, Martius teve tempo suficiente para melhor desenvolver os seus estudos botânicos sobre o Brasil, além de cuidar da produção editorial e gráfica de suas obras, o que envolveu muitos desenhistas e gravadores. A continuidade daquela sua expedição, mais tarde patrocinada por d. Pedro II e que, ao que se sabe, contou com a participação de Henrique Fleiuss, somou um total de 66 anos, até a conclusão dos trabalhos: a publicação da sua monumental Flora Brasiliensis foi iniciada em 1840 e só concluída em 1906, posteriormente à morte de von Martius, Fleiuss e d. Pedro II. Mas afinal, qual teria sido, especificamente, a contribuição de Fleiuss à obra de Martius? Onde estariam as obras por ele realizadas para o célebre botânico alemão? A nos basearmos no que afirma a professora Ana Maria Belluzzo em sua conhecida obra O Brasil dos viajantes103, a resposta a esta pergunta depende de muito trabalho, ainda, por realizar. Quando aborda a coleção de manuscritos e uma caixa de desenhos pertencentes a Von Martius, hoje depositados numa biblioteca de Munique, a pesquisadora afirma que A coleção iconográfica numerada por Martius (...) merece tratamento à parte pela sua importância e complexidade, demandando estudos comparativos entre as anotações de campo de Martius e os prodigiosos resultados obtidos nas ilustrações de suas obras, com a participação de uma plêiade de cientistas, convocados em Munique para a organização e interpretação de tantas notas (...). Contam também com experientes artistas botânicos, animalistas e gravadores, que se situam em uma das diversas etapas do tratamento gráfico das informações, entre o esboço do natural e a imagem litogravada. 104 Ou seja, ainda não estão completamente identificadas as obras referentes aos diversos desenhistas que colaboraram com Martius, no Brasil ou na Alemanha – e Fleiuss poderia se 103 BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. O Brasil dos viajantes. 3. ed., 3 vols. em 1 ex. São Paulo : Ed. Objetiva : Metalivros, 2000. 104 Op. cit., vol. 2, pp. 110-11. 81 encaixar em ambos os casos, já que só veio para o Brasil em 1858, ou seja, dezoito anos, aproximadamente, após o início da publicação da obra em pauta – o que faz com que muitos desenhos cuja autoria é hoje atribuída ao eminente botânico possam – e devam – vir a sofrer, no futuro, retificação quanto à sua autoria. É ainda Belluzzo quem lembra que aquelas representações visuais foram preparadas ao longo de dezenas de anos por um grande número de artistas e sentencia: Entre os desenhos e aquarelas costumeiramente atribuídos a Von Martius, pertencentes à Bayerische Staatsbibliothek, em Munique, encontram-se traços de diversos autores. A rigor, a palavra autoria não é a mais apropriada para tal processo coletivo, sendo possivelmente essa noção, tão cara à mentalidade do século XX, a responsável por um grande número de malentendidos. 105 Para melhor subsidiar qualquer investigação futura nesse sentido, o primeiro passo seria localizar todas as aquarelas realizadas por Fleiuss naquele período e que teriam permanecido em nosso país – poucas, com toda a certeza, face ao reduzido número de peças que se encontram nos acervos locais e às raras menções que são feitas a este segmento da sua obra, entre aqueles que ao longo dos anos trataram da história das artes visuais em nosso país. Em uma das aulas do curso que ministrou em 1915 no IHGB, de onde era sócio efetivo, o professor Ernesto da Cunha de Araújo Viana, catedrático da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, afirmou que Fleiuss esteve em algumas provincias do Norte, onde pintou aquarelas, seu processo predileto. Conheço uma de propriedade de seu filho [Max Fleiuss], quadro feliz como técnica e alegoria e como registro histórico de aspectos, de outrora, da nossa cidade. A composição alegórica consiste em um grande arco deixando ver o panorama da cidade, e nos cantos do retângulo vistas parciais de monumentos e sítios importantes, e a ornamentar todo esse conjunto: armas imperiais e episcopais, os retratos dos imperantes, etc. 106 Henrique Fleiuss resolveu fixar-se no Rio de Janeiro, em meados do ano seguinte (1859) à sua chegada no Brasil, disposto a iniciar um empreendimento próprio e pioneiro em terras locais. Segundo Lucia Maria Paschoal Guimarães, Fleiuss teria chegado ao Rio, junto com seus dois futuros sócios, no dia 15 de julho. Trazia cavalete, palhetas e pincéis, além de um exemplar da Viagem ao Brasil de Spix e Martius e uma carta de recomendação firmada por este último, endereçada ao imperador. Ao atravessar o Terreiro do Paço em direção ao Hotel dos 105 Op. cit., p. 111. VIANA, Ernesto da Cunha de Araujo. Das artes plasticas no Brasil em geral e na cidade do Rio de Janeiro em particular - curso, em cinco lições, professado no Instituto Historico e Geográfico Brasileiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 78 (1915) parte II. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1916, pp. 505-608. 106 82 franceses, “atraía olhares curiosos de escravos, de ambulantes e de vendedoras de aluá, que por ali costumavam circular diariamente.” 107 Convidado para a sessão de encerramento dos trabalhos da Assembléia Geral do Império, em 11 de setembro daquele ano, produziu um esboço em aquarela do que havia presenciado. Embora talvez fosse a sua intenção transformálo em tela grande, jamais concretizou o feito. 108 Fig. 21 – Esboceto de um quadro histórico, aquarela de Henrique Fleiuss, que representa uma das sessões no Paço do Senado, durante o ministério de 10 de agosto de 1859. Reproduzida da ‘Galeria histórica dos pintores no Brasil, por Laudelino Freire’ (1915). Segundo Vieira Fazenda, distinguem-se perfeitamente as fisionomias dos principais participantes, por ele identificados em seu artigo na revista ‘Renascença’. [vide nota 105] “Talvez, a situação financeira levasse o artista a aplicar praticamente a sua vocação estética em um sentido comercial, dando margem a que fundasse uma oficina de arte, com a colaboração de seus companheiros de missão artística, [seu irmão] Carlos Fleiuss e Carlos Linde,” opina Odorico Pires Pinto 109. Juntos, os três fundaram em 11 de janeiro de 1860 a empresa Fleiuss Irmãos & Linde, originalmente voltada para a litografia e instalada em endereço à rua Direita. Ao final daquele ano, iniciaram a publicação do semanário Semana Illustrada, e logo depois, das Recordações da Exposição Nacional. A partir de 1o de maio de 1861, estavam em novo 107 GUIMARÃES, Lucia (2006, pp. 85-96). Vieira Fazenda relembrou este episódio em 1905 – inclusive reproduzindo a aquarela – no periódico Renascença: Revista mensal de letras, sciencias e artes (FAZENDA, 1905, pp. 37-39). 109 PINTO, Odorico Pires. Henrique Fleiuss. In: Correio da Manhã, domingo, 16 jan. 1949, p. 2. 108 83 endereço, no largo de São Francisco de Paula número 16. Ali, melhor instalados e já dotados de uma tipografia, passaram a se dedicar, também, à pintura a óleo, aquarela, fotografia e xilografia. Surge então o Instituto Artístico, que a partir de 1863 passaria a Imperial Instituto Artístico. A interessante proposta de Fleiuss e de seus sócios, no sentido de investir na capacitação da mão de obra local e culminada com a implantação da escola de gravura em madeira ou xilografia, será retomada e aprofundada mais à frente, razão pela qual não nos estenderemos no assunto neste breve perfil do artista. Figs. 22 e 23 – [esq.] Retrato fotográfico de Henrique Fleiuss (fotógrafo não identificado), reproduzido da Galeria histórica de pintores do Brasil, de Laudelino Freire (1915). [dir.] Uma versão xilográfica do mesmo retrato, por [Armando?] Pacheco, reproduzida da História da caricatura no Brasil, de Herman Lima (1963). Em 30 de março de 1867, aos 43 annos, Henrique Fleiuss casou-se com Maria Carolina dos Santos Ribeiro. Eram tempos difíceis no Brasil e na Argentina, pois a guerra contra o Paraguai, já em seu terceiro ano, parecia longe de uma conclusão, tornando-se mais e mais impopular, enquanto a cólera começava a se espalhar entre os exércitos aliados. Na Semana Illustrada, não houve qualquer menção ao casamento. A noiva de Fleiuss era filha do comendador Luiz Mendes Ribeiro, farmacêutico, major da Guarda Nacional, e de Maria Teresa dos Santos Ribeiro. Seu sogro, Luiz Mendes Ribeiro, era filho do cidadão português Dr. Francisco Mendes Ribeiro e Vasconcellos, médico da corte de D. João VI e introdutor da 84 vacina anti-variólica no Brasil, e de Ana Luíza Gurgel do Amaral, também portuguêsa. Sua sogra, Maria Teresa dos Santos Ribeiro, era filha do cidadão português Dr. Pedro Paulo de Oliveira Santos, médico da Real Câmara, e de Maria Caetana Travassos. “A nata da sociedade imperial prestigiou a cerimônia do casamento. Basta dizer que, dentre os políticos presentes ao ato religioso, salientavam-se os conselheiros Afonso Celso, Dantas, Paranaguá, Sá e Albuquerque, ou seja, quase todo o 3º ministério presidido por Zacarias de Góes e Vasconcelos (1866-1868). O presidente do Conselho, que não compareceu ao enlace por motivo de doença, ao se recuperar, fez uma visita de cortesia aos recém casados.” 110 O “3º ministério” era o 22º Gabinete, liderado pelo ministro da Fazenda Zacarias de Góes, um opositor declarado do Poder Moderador, que presidia o Conselho de Ministros pela terceira vez. A investidura deu-se em 3 de agosto de 1866, tendo durado 1 ano e 348 dias, ou seja, aquele gabinete que prestigiou o enlace matrimonial do casal Fleiuss iria cair no ano seguinte – fato que representou um passo marcante na crise que ia conduzindo o período monárquico ao seu ocaso. O casal residiu, inicialmente, no mesmo sobrado onde funcionava o Imperial Instituto Artístico, no largo de São Francisco de Paula 16, endereço que passou a ser ainda mais freqüentado por intelectuais e políticos. Seus filhos, Max Fleiuss e Herman Fleiuss, nasceram em 1868 e 1870. A Semana Ilustrada foi, sem dúvida, a principal realização de Henrique Fleiuss no campo da imprensa ilustrada, sendo o objeto central do presente estudo sobre a guerra contra o Paraguai, razão pela qual será abordada em maiores detalhes no capítulo 3. Foi através de seu trabalho naquele jornal que Fleiuss celebrizou-se como editor, dando vez ao seu talento de chargista e caricaturista. Fazemos uso, uma vez mais, das palavras de Odorico Pires Pinto, para reforçar a nossa afirmação: Na fase de Henrique Fleiuss como litógrafo, é que cronologicamente surge o caricaturista sutil, irônico e cheio de um humor bem comportado, sem causar arrepios ao visado. Na “Semana Ilustrada”, Henrique Fleiuss com as suas charges pitorescas e oportunas, desopilava os fígados dos seus leitores. O seu humor, não feria, nem maltratava. Juntava aos motivos explorados, uma graça e uma arte. Soube ser caricaturista, duplamente artista, como desenhista e como humorista. Nunca se ouviu dizer que uma charge de Fleiuss, ultrapasse os limites de uma piada fina e sem maldade. 110 FLEIUSS, Max. “Meu pai”. In: _____, Recordando... Casos e perfis. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, vol. 1, 1941. Apud: GUIMARÃES, Lucia (2006). 85 Foi o moralizador da caricatura, levando-a às casas de famílias. Socializou a charge em função do ambiente. Criou várias figuras típicas, e deu prestígio ao “moleque”. Fleiuss seria o modelo ideal, se algum dia o venerando “Jornal do Comércio” quisesse evoluir, publicando algumas charges. 111 O ‘moleque’ a que se refere Odorico era um dos personagens por ele criado e sempre presente nas páginas da Semana, e a ele voltaremos, mais à frente. Ainda sobre a sua trajetória de caricaturista, seu filho Max Fleiuss afirmou, em conferência proferida no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que Realizou uma assinalada reforma, artística e moral, na arte da caricatura, que até então era, não só grosseira nos processos da técnica profissional, como servia de instrumento de aleivosia pessoal para aqueles que, geralmente, confundiam essa arte com o delito de injúrias impressas. O lápis habilíssimo de Henrique Fleiuss ensinou-nos, como Santo Agostinho, a amar e poupar os homens para somente criticar os costumes sociais, rindo-nos com eles dos nossos próprios defeitos. Era a grande máxima do Diligite homines, interficite errores – aplicada à caricatura. 112 Paralelamente às atividades em seu periódico ilustrado, que incluía a tiragem eventual dos famosos suplementos ilustrados, Fleiuss se encarregou da publicação de uma expressiva quantidadade de obras, entre livros de diversos gêneros, coleções de estampas e mapas, algumas delas premiadas por sua apresentação gráfica e artística – e desta bibliografia, que ainda está por ser exaustivamente levantada e estudada, voltaremos a falar mais à frente. Durante a sua trajetória de artista, empresário e jornalista, nunca deixou de expressar suas opiniões e defender seus pontos de vista – em especial através da Semana Illustrada, onde as figuras de seus dois sócios quase nunca marcaram presença, enquanto a ele cabiam as funções de editor e de editorialista – esta última, exercida em especial através dos textos, às vezes intitulados Novidades da semana, entre outros títulos, que iniciavam a segunda página de cada fascículo, logo abaixo do nome do jornal e da data. No domingo 4 de fevereiro de 1866, p. ex., Fleiuss destacava como principal acontecimento da semana finda a reunião da Associação Popular Promotora da Emigração, assunto que segundo ele abalava a opinião pública: “todos se interessam pela grande questão nacional. Governo e povo aliam-se e fraternizam para marcharem de acordo à conquista do futuro, à grandeza da pátria.” E comentando o discurso proferido na ocasião pelo ministro (desde 1864) da agricultura, comércio e obras públicas, o 111 PINTO, Odorico Pires. Henrique Fleiuss. In: Correio da Manhã, domingo, 16 jan. 1949, p. 2. Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. In: Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1927. 112 86 conselheiro Antonio Francisco de Paula Souza 113, acrescentou: “contra os estilos, um ministro da coroa ousou assim aparecer com a sua veste burguesa, sem farda, sem chapéu de pasta, sem ordenança, só com o seu talento e com o seu prestígio pessoal, no meio de uma reunião popular.” Em seguida, tratando do processo de eleição em marcha na província do Rio de Janeiro, Fleiuss tecia mais um de seus ácidos comentários: Quis apresentar-me candidato à assembléia, mas hesitei por duas razões. A primeira era por não saber se o diretório me aceitaria; desde que se adotou o sistema político de fazer a opinião da província dentro de uma sala da corte, é impossível apresentar-se a gente às urnas sem o salvo condutocentral. A segunda razão é que eu não sei falar em público, senão por meio das minhas colunas, e tive medo que elas não fizessem adiantar muito as finanças da província. Ora, a província precisa mais de quem cuide de suas finanças, do que da sua política; homens práticos, em vez de oradores fluentes, eis o que precisa atualmente o Rio de Janeiro. Estava eu no caso? Na seqüência, apresenta “as notícias de teatros”, sem deixar de manifestar seu descontentamento: “[...] realmente, confrange-nos ver o marasmo teatral, a quase morte da arte, que vai definhando por falta de amparo e de animação. Tudo entretanto ficava remediado com a criação de um teatro normal, necessidade indispensável, e que o governo será obrigado a decretar mais cedo ou mais tarde.” E continua: “Em compensação, o povo, que não frequenta os teatros, já se prepara para as festas carnavalescas. O carnaval promete ser estrondoso. [...] Viva a folia!” São manifestações que bem exemplificam o perfil e o caráter desse homem, que transitava por todas as áreas da vida social de seu tempo. Seu sócio Carlos Linde faleceu em 1873, e a publicação da Semana Ilustrada seguiu em frente, até ser encerrada, em 1876. Embora não tenhamos subsídios suficientemente consistentes para afirmá-lo, é possível que as dificuldades financeiras já viessem se avolumando e que tenham sido um dos fatores decisivos a empurrar os irmãos Fleiuss para um novo desafio. Um indício dessa situação é a “certidão passada pelo tabelião Manoel Hilário Pires Ferrão sobre negócios realizados entre Henrique Fleiuss [...] e o Banco Comercial do Rio de Janeiro”, em 25 de setembro de 1875. Nela, ficamos sabendo que seu sócio e irmão Carlos Fleiuss era: 113 Mais conhecido como Antonio de Paula Souza, pai do homônimo criador/fundador da Escola Politécnica de São Paulo (1894), elaborou o primeiro projeto para extinguir a escravidão no Brasil. 87 devedor ao Banco Commercial outorgado de varias quantias, como constava da escritura [...], lançada [...] em data de nove de junho corrente, e precisando posteriormente de mais vinte contos de réis, que o mesmo Banco lhe emprestara, por uma letra por ele aceita, sacada e endossada por seu irmão Henrique Fleiuss, segundo outorgante, a vencer-se em dezesseis de agosto proximo futuro: agora estendeu a esta nova dívida a garantia de hipoteca que naquela escritura fizera, e bem assim as garantias de penhor e consignação em pagamento ali referidas, como se aquela escriptura fizesse parte desta, ou esta daquela, com todas as condições ali exaradas, sem exceção alguma, e agora declaram mais expressamente as características e confrontações dos predios que por aquela escritura hipotecara e confirmara [...]. 114 Estão listados, ali, os imóveis que pertenciam aos Fleiuss: Carlos declarou os prédios de número 187, 189, 191, 193, 195, 201, 203 e 205 da rua Conde d’ Eu (atual rua Frei Caneca, que começa junto ao Campo de Santana), todos “de pedra e cal, com porta e duas janelas”. Esses prédios haviam sido adquiridos em abril de 1867, no mês seguinte ao casamento de seu irmão, ao sr. Augusto José Ribeiro, conforme escritura de venda do 3o Ofício, hoje guardada no Arquivo Nacional 115. Brasil Gerson nos informa (GERSON, 2000, pp. 335-6) que esta rua denominava-se originalmente rua Nova do Conde Cunha e manteve o nome de rua do conde d’Eu até 1890, passando então a Frei Caneca. Ali estavam o velho chafariz do Lagarto e depois o do Catumbi, que abastecia o do Campo de Sant’Ana, utilizado pelas lavadeiras; a secular Casa de Correção e Detenção e a Biblioteca Municipal, aberta em 1874; “[...] mas é preciso que se registre, além disso, que ela foi no Oitocentismo nobremente residencial, tanto quanto a do Riachuelo. Dois palacetes nela se destacavam, com efeito: o do barão de Bela Vista [...] e o de propriedade do Duque de Saxe [...]. Mais adiante, ao lado da Detenção, morava o conselheiro Zacarias [...].” Carlos Fleiuss declarou, ainda, a posse da casa e chácara de Niterói (chamado palacete de Sant’Ana) na rua de Sant’Ana número 22, casa esta com “dez janelas de frente, e nos fundos oito janelas e duas portas; de um lado duas portas com escadas de cantaria e duas janelas, e do outro quatro janelas; tem cocheiras e quartos para criados.” Sobre o palacete de Sant’Ana – seria esta a residência de Carlos Fleiuss? – situava-se na antiga rua de Sant’Ana, atual rua Dr. 114 Certidão passada pelo tabelião Manoel Hilário Pires Ferrão sobre negócios realizados entre Henrique Fleiuss, (...) e o Banco Comercial do Rio de Janeiro. Rio, 25-9-1875. Arquivo do IHGB, lata 133 - doc. 19. 115 Escritura de venda dos prédios nos 185 a 193 e 201 a 205 na rua do Conde d’Eu que faz Augusto José Ribeiro a Carlos Fleiuss. Livro 250, fls. 94v, data 25/04/1867, 3o Ofício. Arquivo Nacional, Seção de Filmes, rolo no 010.25-79. 88 Benjamin Constant, Niterói.116 Vale lembrar que este endereço ficava próximo a uma região de estaleiros, e que Carlos Fleiuss esteve envolvido num empreendimento relacionado ao revestimento do casco das embarcações. Henrique Fleiuss, na mesma certidão, declarou um terreno na rua Cosme Velho, onde sua casa tinha “uma porta e quatro janelas, com terraço e escada de cantaria sobre o jardim.” Era lá que ele residia, no número 36 117. É possível que tenha sido o seu endereço residencial imediatamente posterior ao do largo de São Francisco. O historiador dos logradouros cariocas Brasil Gerson tece uma longa e rica descrição da rua Cosme Velho, onde Machado de Assis foi “o maior de seus moradores”, tendo ali chegado ao final do século 19. Sobre os Fleiuss, temos, ali, mais uma pista: Mais tarde, já no final do século, ela foi moradia do negociante alemão Eugênio Meyer, sogro de Emílio Goeldi, fundador do Museu Goeldi do Pará (e Emílio pai de Osvaldo, pintor e gravador) e do advogado Cesário de Melo, sogro de Levi Carneiro e Delegado de Polícia de Floriano durante a Revolta da Armada, e do próprio Floriano também, que a ela chegava de madrugada muitas vezes, com o troar dos canhões à distância. Costumava tomar o último bonde de Águas Férreas 118 no largo da Carioca sozinho, de guardachuva no braço, e descer na Bica da Rainha, onde quatro cavalarianos o aguardavam e ele montava a cavalo para subir o morro. E era seu vizinho Max Fleiuss, Secretário Perpétuo do Instituto Histórico, com quem gostava de conversar na viagem. 119 Alguns meses antes da renegociação dessas dívidas, Henrique Fleiuss já havia vendido uma escrava à sra. Izabel de Moraes Silva, conforme escritura que se encontra no Arquivo Nacional120: “(…) como legitimo senhor e possuidor da escrava Izabel, crioula, preta, de vinte cinco anos, (...) solteira, de serviço doméstico, fará venda, livre e desembaraçada de qualquer onus, da Outorgada, pela quantia de um conto e trezentos mil réis, que recebeu em notas circulantes deste Império, neste ato, do que dou fé, e do que lhe dá plena e irrevogável quitação, e lhe cede e transfere todo o [ilegível] e ação, prop. e domínio que tinha a essa escrava, cuja venda se obriga a fazer boa, firme e valiosa em todo o tempo. Disse mais o 116 O acesso à rua Dr. Benjamin Constant, hoje, se dá pela Alameda São Boaventura, próximo à avenida do Contorno. 117 Conforme endereço declarado numa escritura de compra e venda de escravo datada de 15 abr. 1875, às fls. 66 do livro de escrituras 1E do 8o Ofício. Arquivo Nacional, Seção de Filmes, rolo n. 009.007-77. 118 Águas Férreas era o nome que era dado à localidade onde ainda hoje, abandonada, está a Bica da Rainha – de águas ferruginosas – no número 115 da rua Cosme Velho. 119 GERSON, 2000, p. 274. 120 Conforme escritura de compra e venda de escravo datada de 15 abr. 1875, às fls. 66 do livro de escrituras 1E do 8o Ofício. Arquivo Nacional, Seção de Filmes, rolo n. 009.007-77. 89 Outorgante, que a escrava que vende tem duas filhas, a saber: Lúcia, de dois anos, e outra por batizar, com dois meses, as quais ingênuas accompanham-na, na forma da lei. (...)” Não nos foi possível, até aqui, esclarecer o motivo desta venda ou mesmo se há alguma relação entre as duas transações relatadas acima. Ainda no mesmo ano de 1876 em que encerrou a publicação da Semana Ilustrada, Henrique Fleiuss lançou a Ilustração Brasileira, publicação quinzenal impressa pelo seu Imperial Instituto Artístico, com esmerada apresentação gráfica. O ano de 1876 é o ano mais marcante da história da imprensa ilustrada do Rio de Janeiro no século 19 121, face aos periódicos cujas vidas ali se encerraram e a outros tantos que tiveram o seu início – nos dois casos, publicações destacadas na história do país – e que ademais, por motivos distintos, marcaram a definitiva consolidação do modelo já anteriormente consagrado, dos periódicos litográficos e, ao mesmo tempo, a definitiva comprovação da inviabilidade do modelo europeu, já anteriormente tentado pelo próprio Fleiuss, dos periódicos xilográficos. 122 Os Fleiuss já vinham trabalhando no projeto de seu novo jornal ilustrado havia algum tempo, e enfrentando dificuldades, o que se depreende da leitura de uma carta de Henrique Fleiuss a Benjamin Franklin Ramiz Galvão – certamente enviada a diversas outras pessoas – pedindo a sua colaboração ao novo periódico, que se destinava a ‘fazer conhecer o Brasil no exterior pela palavra e pela imagem’ e cujo prospecto seguia em anexo. Eis o conteúdo da carta: Ilmo. e Exmo. Snr. Remettemos a V. Exa. o prospecto de um novo periódico que tem por fim empregar por meio da pintura e descripções, tudo quanto poder fazer conhecer o Brazil. Julgando V. Exa. com imparcialidade esta publicação, rogamos que nos faça o obséquio de cooperar para ela, enviando-nos artigos de reconhecido interesse e originalidade, assim como desenhos e fotografias de quanto poder aproveitar ao Brasil em referência ao resto do mundo, principalmente para os lugares em que V. Exa. habita e freqüenta. Por esta maneira fará V. Exa. um serviço importante ao império e à redação do novo periódico, que tem de lutar com imensas dificuldades nos primeiros tempos da sua circulação. Desde já agradecendo a V. Exa. o favor que nos poder dispensar, somos com a mais subida estima e desvelada consideração. Rio 15 de Julho de 1875. 121 Esta constatação é fruto de muitos anos de pesquisa sobre o tema e, até onde vai o nosso conhecimento, vem sendo bem aceita entre os estudiosos. Sobre o assunto, ver o capítulo 4.5 de: ANDRADE, 2004. 122 Visando a produção de tiragens maiores, os periódicos xilográficos muitas vezes se valiam, também, de matrizes gravadas em cobre ou aço, obtidas a partir das matrizes originais de madeira. Sobre o assunto ver, p. ex., A xilografia in: ANDRADE, 2004, pp. 76-82. 90 De V. Exa. Atentos Veneradores e Criados C & H Fleiuss 123 Fleiuss intencionava produzir uma revista similar às melhores do gênero na Europa, como a francesa L’Illustration e a inglesa The Illustrated London News, ambas ricamente ilustradas com xilogravuras de grande formato. No entanto, a maioria absoluta das gravuras de sua nova revista acabou sendo importada, poucas sendo as produzidas no Rio de Janeiro, e copiadas de fotografias. Em seu primeiro número, lançado em 1o de julho – 28 dias, portanto, antes da sua concorrente direta, a Ilustração do Brasil – ele apresentava o seu programa, ornado em seu início pelo dístico ‘independência e verdade’: Prospecto e Introdução A vastidão da empresa que vamos iniciar exige uma exposição franca e minuciosa do nosso plano, sentimentos, idéias e esperanças. Fal-a-emos em breves palavras. [...] publicação completa e irrepreensível. As gravuras serão de duas classes: as nacionais e as estrangeiras, de modo que pelas primeiras tenha a Europa conhecimento do Brasil, e pelas segundas conheça o Brasil o que há de mais interessante nas regiões de além-mar. Geralmente esta terra é admirada fora pela magnificência assombrosa da natureza; uma paisagem com um selvagem no primeiro plano é ainda o emblema do império, aos olhos do estrangeiro. Certamente daremos algumas dessas páginas de eterna beleza que as margens dos grandes rios e os sertões oferecem à admiração do homem civilizado; mas ao lado dela gravaremos outras que atestem o progresso e a civilização do país: [...] 124 Após mencionar os grandes símbolos da modernidade tecnológica – edifícios, cidades, portos, caminhos de ferro, fábricas, vasos de guerra, etc. – os editores Carlos e Henrique Fleiuss assinavam o texto. No mesmo exemplar, há uma espécie de encarte do proprio periódico, com publicidade assinada por 16 pessoas, entre ministros e ex-ministros, senadores e conselheiros, que atestam tratar-se de “obra patriótica que muito honra o nosso país”: AO ILUSTRADO PÚBLICO BRASILEIRO. [ilegível]jando dar ao nosso periodico, intitulado ILLUSTRAÇÃO BRASILEIRA desenvolvimento [ilegível] e perfeição, afim de colocá-lo na altura das melhores publicações da Europa neste gênero, invocamos o auxílio de todos os que se interessam pela arte, e pelas letras, servindo-nos de título de recomendação o documento, abaixo publicado. OS EDICTORES, C. e H. FLEIUSS 123 124 Carta de Henrique Fleiuss ao Dr. Benjamin F. R. Galvão [...]. Col. Ramiz Galvão. IHGB, Lata 419, pasta 18. Ilustração Brasileira, 1 jul. 1876, p. 1. 91 DOCUMENTO O Imperial Instituto Artístico, estabelecido nesta corte, encetou ultimamente, com o título de ILLUSTRAÇÃO BRASILEIRA, uma primorosa publicação que, por seu merecimento interessa indubitavelmente a todas as classes da sociedade, e muito pode utilizar a este país, se não lhe faltarem [ilegível] e proteção. Reconhecendo, pois, quanto uma publicação desta ordem pode e deve influir no desenvolvimento intelectual, e progresso moral e material do Brasil, mediante a vulgarização do que mais falta ao melhoramento nos diversos ramos das artes e indústrias, recommendamos a ILLUSTRAÇÃO BRASILEIRA, como obra patriótica que muito honra o nosso país. Luiz Antonio Pereira Franco (Ministro da Marinha) Visconde do Rio Branco (Senador do Império) Paulino José Soares de Souza (Conselheiro de Estado) José Thomaz Nabuco de Araújo (Senador do Império) [...] Pelo que se depreende da publicidade da empresa editora da Ilustração Brasileira, que era o Imperial Instituto Artístico, a sua infra-estrutura gráfica tinha sido mantida, quiçá atualizada, já que oferecia os seus “serviços em tipografia, litografia, autografia, cromolitografia, xilografia, etc. (...) que exigem nitidez e perfeição” para “todas as publicações ilustradas do melhor gosto e iguais às que a França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, etc.” estavam produzindo naqueles tempos. Ainda naquele primeiro número, sob o título “Viagem de exploração ao Amazonas e ao Madeira”, com texto e desenhos de M. Franz Keller-Leuzinger, temos uma interessante página, conjugando textos e imagens xilográficas. Um marco na história do design da página jornalística ilustrada no Rio de Janeiro e no Brasil, mesmo considerando-se que as matrizes eram alemãs – o que nos leva a reconhecer o valor da página que seu concorrente e editor da Ilustração do Brasil Charles F. de Vivaldi viria a publicar mais de dois anos depois, com ilustrações dos artistas Augusto Off e Ad. Hirsch. Vejamos o depoimento de Orlando da Costa Ferreira sobre o fato: [Henrique Fleiuss] Ia tentar, então, uma revista no gênero dos grandes magazines europeus abundantemente ilustrados com xilogravuras de grande formato, estereotipadas, uma revista que o levará à ruína. A maioria das suas gravuras era importada, mas trazia também algumas feitas no Rio, copiadas de fotografias. Ela se distinguirá também pela colaboração de dois artistas alemães que tinham estado no país: o pintor e engenheiro Franz Keller, que, casando-se com uma filha do impressor Georges Leuzinger, adotará o nome de Franz Keller-Leuzinger (1835-1890), e seu irmão, o pintor Ferdinand Keller (1842-1922). Encarregado pelo governo brasileiro, em setembro de 1867, de explorar certa região amazônica onde se planejava construir uma ferrovia, Franz havia publicado em 1847 o livro Vom Amazonas und Madeira, com gravuras executadas no Xylographische Anstalt von A. Closs, de Stuttgart, “sendo os desenhos do prof. Ferdinand Keller, irmão do autor, feitos sobre os esboços originais deste”, conforme informou Alfredo de Carvalho. A revista francesa Le Tour du monde publicou um resumo da obra de Franz, reproduzindo 23 das 68 xilos originais, assinadas “F. Keller”, 92 sendo aqui, provavelmente que Fleiuss o foi transcrevendo, dando-lhe o título de “Viagem e [sic] Exploração ao Amazonas e ao Madeira”. [...] Vale lembrar que segundo Gilberto Ferrez 125, o ateliê fotográfico da empresa de Georges Leuzinger teria sido dirigido por Franz Keller desde o seu início, e que este teria sido assistido pelo mais completo fotógrafo do Brasil no século 19, o também empresário Marc Ferrez. Orlando da Costa Ferreira continua, ainda: Embora Max Fleiuss tenha dito equivocadamente que as ilustrações dessa revista eram feitas no Instituto, ao contrário das de outras revistas do gênero, que vinham do exterior, [...] não resta dúvida que a quase totalidade é de procedência alemã. A contribuição nacional resumia-se em coisas como a gravura do novo edifício da Imprensa Nacional (de 151 x 201) que Ad. Hirsch executou segundo a foto de Marc Ferrez [grifo nosso] e que saiu no número de abril de 1878, seu ano final. No número de março o Instituto anunciou ter “contratado ultimamente um dos primeiros gravadores dos Estados Unidos [!] e acha-se habilitado para enriquecer as obras que imprime com finas gravuras, retratos, [...] que serão feitos especial e unicamente pelos artistas da casa, dispensando assim de recorrer aos gravadores da Europa”. Seria A. Hirsch esse americano? Ele permanecerá ativo no Rio até vários anos depois. 126 Fruto de seu idealismo, a revista mostrou-se comercialmente inviável e fracassou, levando-o à ruína. Encerrou-a em 1878, após a morte de seu irmão Carlos Fleiuss, em 1o de setembro. O Imperial Instituto Artístico também findou as suas atividades, ao final daquele mesmo ano. “Seguiram-se transes dolorosíssimos que reduziram Henrique e sua familia à pobreza”, conta Max Fleiuss. “Logo após manifestavam-se os primeiros sintomas do mal, que, acentuando-se cada vez mais, acabaram por ceifar-lhe a existência. Despreocupado, entretanto, com o seu precário estado de saúde, falava sempre em volver à vida ativíssima que tivera, logo que se restabelecesse. As melhoras, porém, eram ilusórias.” 127 Apesar de já se encontrar bastante afetado pela doença, tentou, ainda, reviver a sua saudosa Semana Ilustrada, ao lançar A Nova Semana Ilustrada em setembro de 1880, que teve vida curtíssima – apenas quatro números. No primeiro fascículo, declarou: Esta folha que hoje renasce, como a Fênix das suas cinzas, é pouco ilustrada; mas muito jocosa e na atualidade exclusivamente crítica; menos humorística do que já foi em outros tempos; mas como sempre verdadeira e imparcial; nada diz de novo e dá-se grátis aos assinantes que estiverem em dia com o caixa. 125 FERREZ, 1985, p.60. FERREIRA, Orlando da Costa, 1994, pp. 192-193. 127 FLEIUSS, Max, 1927, pp. 782-83. 126 93 Esta pode não ter sido a primeira vez que “Fênix renasceu das cinzas”, em se tratando da vida de Fleiuss. Renasceu com evidentes carências em relação ao modelo anterior, pois agora, “pouco ilustrada” e “menos humorística”, “nada diz de novo”. Mas, por outro lado, continuava ainda “muito jocosa” e “como sempre verdadeira e imparcial”. E, para concluir, o texto ainda tratava com muito humor da questão financeira – possivelmente o ‘calcanhar-deaquiles’ de seus empreendimentos: “dá-se grátis aos assinantes que estiverem em dia com o caixa”. Daquele breve texto, seria possível extrair os tópicos necessários para dele se redigir um abrangente epitáfio. A Nova Semana Ilustrada foi o último empreendimento de Henrique Fleiuss. Por ocasião da já mencionada ‘Exposição de História do Brasil da Biblioteca Nacional’, o grandioso evento organizado por Ramiz Galvão, contando com a presença do imperador na sua inauguração em 2 de dezembro de 1881, Henrique Fleiuss, assim como Carlos Linde e o Imperial Instituto Artístico, tiveram uma considerável quantidade de obras expostas. Esta, talvez, tenha sido a última homenagem que o velho Fleiuss, último sobrevivente do Instituto, recebeu em vida. Sem haver chegado aos 60 anos, Henrique Fleiuss faleceu pobre, doente e desiludido, em 15 de novembro 1882. Nas palavras de Max Fleiuss, “morreu paupérrimo, depois de ter gerido grandes cabedais, na casa à rua Humaitá no 32, de propriedade da viúva d. Anna Lacerda, em 15 de novembro de 1882, aos 59 anos de idade, dos quais 24 de residência efetiva no Brasil.” 128 Seu corpo foi sepultado no Cemitério São João Batista, localizado no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Recorrendo mais uma vez a Orlando da Costa Ferreira, transcrevemos a seguir a nota que encerra seu texto sobre Fleiuss: Em obituários de Henrique na Revista Illustrada, de nov. 1882, diz-se que “teria sido feliz se não se tivesse envolvido em outros negócios estranhos à sua profissão e que muito concorreram para alterar a sua saúde, já abalada com a morte do seu sócio e irmão”. Quais teriam sido os “outros negócios”? Os do irmão e de Linde ficaram conhecidos: em 1870 os dois obtiveram privilégio para o uso de uma “massa cúprea” de sua invenção, destinada a proteger o casco dos navios da oxidação e das incrustações marinhas (Decr. N. 4.607, de 14 out.) 129; e em 1874 Carlos Fleiuss obteve autorização para “construção, uso e gozo de uma linha de carris de ferro em diversas ruas desta cidade” (Decr. 5.566, de 14 mar.). Henrique morreu paupérrimo, nada deixando à família. 130 128 Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. In: Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1927. 129 Ato concessivo 4.607 do ano de 1971. Nome do inventor: Carlos Fleiuss. Objeto da invenção: massa cúprea destinada a preeservar da oxidação o costado das embarcações. In: RODRIGUES (1973, v. II, p. 890). 130 FERREIRA, 1994, p. 193 (nota 20). 94 Sobre o primeiro dos ‘outros negócios’, encontramos à página 4215 do n. 527 da Semana Illustrada, de 15 de janeiro de 1871 um humorado informe, intitulado Notícia horrorosa: – Já sabes que o Conde d’Eu foi envenenado? – Que me dizes, envenenado? o nosso bom príncipe. – A pessoa não, Deus nos livre, mas o vapor com o mesmo nome, levou uma pintura da massa cúprica inventada pelos Srs. Carlos Fleiuss e Linde. Está pois envenenado e não tem de temer mais daqueles que se lhe agarram ao cachaço. Em 1923, por ocasião das comemorações do seu centenário, quando discursava a respeito do profundo amor de Henrique Fleiuss pela terra e pela gente brasileiras, seu filho Max Fleiuss, historiador e secretário perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, declarou: Durante todo o largo tempo em que viveu no Rio, perto de um quarto de século – e aqui constituiu família e trabalhou sempre até morrer – amou tanto e tanto ilustrou este belo e hospitaleiro país dos trópicos, de tal forma se afeiçoou ao nosso meio, aos nossos costumes, instituições, tipos e coisas desta capital, imortalizados por seu lápis, com fino humorismo, que mais se dissera um carioca legítimo pelo coração e pelo espírito, do que um genuíno germânico, de longa barba castanho-claro e pupila azul-cobalto, oriundo dos vales maravilhosos do Reno, dessa velha cidade lendária (...). 131 Ainda sobre Fleiuss, vale aqui transcrever um trecho do artigo publicado no Correio da Manhã, de autoria de Odorico Pires Pinto, sobre o “artista notável, de méritos” 132: “Não se pode escrever a história das artes plásticas no Brasil, sem que se tenha dedicado um capítulo a ele, que honrou com a sua sensibilidade os vários setores das artes. Foi, não resta dúvida, uma palheta variada, não só nas tintas, mas, nos assuntos. Como valor histórico, o nome de Henrique Fleiuss deve figurar na mesma catalogação dos componentes da missão Lebreton. Se o pintor prussiano, e brasileiríssimo caricaturista, não deixou obras com aquele sentido que marca a arte de Taunay e de Debret, legou-nos uma arte nossa, com uma técnica aprendida em Colônia e Dusseldorf, com mestres de renome, e aplicada à aquarela, xilogravura, ao desenho e à caricatura.” Para Laudelino Freire, Fleiuss “foi, na sua época, o maior propulsor das artes gráficas entre nós.” 133 Segundo Odorico Pires Pinto, aqueles que privaram da intimidade de Henrique Fleiuss o definiam como uma pessoa alegre, comunicativa e que gostava de praticar o bem, 131 Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. In: Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1927. 132 PINTO, Odorico Pires. Henrique Fleiuss. In: Correio da Manhã, domingo, 16 jan. 1949, p. 2. 133 FREIRE, 1915, XIII, p. 23. 95 tendo ajudado a muitos. Seus traços de “genuíno germânico” sempre foram evidentes, na “longa barba castanho-claro e pupila azul-cobalto”, segundo a descrição de seu filho Max Fleiuss. A inexistência (ou a não localização, até aqui) de qualquer documentação referente ao Imperial Instituto Artístico ou de qualquer conjunto da correspondência, ativa ou passiva, de Fleiuss – aliada à falta de investigação sobre as suas origens, na Alemanha – torna difícil a tarefa de traçar um perfil mais consistente. Durante suas atividades profissionais, Fleiuss se envolveu em algumas querelas que fizeram história na imprensa ilustrada carioca, como decorrência, entre outros motivos, de sua adesão incondicional à corte e ao imperador D. Pedro II, a quem evitava criticar, chegando mesmo ao extremo de nunca haver publicado uma caricatura dele ou de seus familiares. Seu estilo e comportamento ficavam distantes da oposição direta ao regime monárquico que foi exercida por outros grandes nomes do período, tais como Angelo Agostini e Rafael Bordalo Pinheiro. A questão do ‘elemento servil’ foi outra a desgastá-lo, apesar do esforço para se adaptar aos novos tempos. Talvez sejam estas a principais razões a justificar o pouco conhecimento e a falta de reconhecimento, em nossos dias, do substancial legado deste que foi, possivelmente, o mais carioca de todos os renanos. Fig. 24 – Semana Illustrada, 10 maio 1868, p. 3089. DiORa-FBN 96 2.2 O Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde 2.2.1 Um breve panorama da imprensa ilustrada, no período da Semana Illustrada Até aqui, ocupamo-nos prioritariamente do jornal ilustrado. Mas há uma outra história – a do livro ilustrado – que, iniciada bem antes, corre em paralelo, e às vêzes tem pontos de encontro e até áreas de interseção. No cenário internacional, a partir da segunda metade do século 18 e, em especial, nas primeiras décadas do século 19, toma corpo igualmente um ‘boom’ do livro ilustrado, com o surgimento de novas propostas editoriais onde a imagem ganha relevo, significado e até mesmo predominância, no processo de comunicação estabelecido entre a obra impressa e seu leitor. Ao longo desse processo, novas técnicas de reprodução de imagens foram sendo criadas, enquando as já existentes eram aperfeiçoadas ou adaptadas. A xilografia, o talho-doce (entre outras técnicas de gravura em metal), a litografia e, finalmente, a fotografia, compunham este quadro. É como parte integrante desse processo que Michael Twyman afirma que “o anúncio da fotografia ao mundo, na França e na Inglaterra, em 1839, pode ser interpretado tanto como a culminância de décadas de experimentação visual, assim como a alvorada de uma nova era visual”. 134 Uma era na qual o crescente desenvolvimento e disseminação de novos processos de ilustração, mais baratos e eficientes, veio culminar nos processos de reprodução fotomecânica que provocaram uma verdadeira revolução na indústria editorial de jornais, revistas e livros, a partir do final do século 19. Para podermos melhor avaliar o significado do empreendimento do Imperial Instituto Artístico no cenário nacional, vale aqui recapitular, mesmo que brevemente, a situação encontrada pelo seu principal criador à época da sua chegada ao Brasil, em 1858. A maioria das obras iconográficas referentes à nossa cultura era produzida e impressa no estrangeiro – situação que perdurou até o final do século 19, apesar dos esforços empreendidos por Henrique Fleiuss, entre outros. Um precioso testemunho desta constatação pode ser encontrado na Revista Tipográfica, publicada semanalmente no Rio de Janeiro pela renomada Tipografia Universal de Laemmert & C., já no avançado ano de 1888, visando discutir e 134 “The announcement of photography to the world in both France and Britain in 1839 can therefore be interpreted just as much as the culmination of decades of visual experimentation as the dawn of a new visual era.” (p. 141, tradução minha) TWYMAN, Michael. The Emergence of the Graphic Book in the 19th Century. In: A Millennium of the book. s.l., s.e., s.d., pp. 135-180. 97 proporcionar meios práticos e teóricos, para fazer “renascer o gosto e as vocações adormecidas nos industriais e artistas”, no sentido de elevar as nossas artes gráficas “ao nível dos países cultos.” Ainda nas palavras de seus editores, esse almejado progresso dependeria, acima de tudo, “do gosto, do esforço e da união dos operários.” Vejamos o primeiro texto ali publicado, sobre o livro ilustrado brasileiro: [...] O livro não deve visar apenas doutrinas sãs e claras, cheias de instrução e de ciência, deve também, além destas, conter a parte artística de modo que o espírito se ilumine e a vista se espraie no belo e harmônico das iluminuras. Na renascença do livro manuscrito, e antes de raiar a estrela radiante no céu sereno da Alemanha, já se percebia que ao livro eram necessárias as alegorias. [...] Sabemos perfeitamente que o livro bem escrito e nitidamente impresso já é um passo agigantado na instrução e nas artes, mas se ele, além dessas qualidades úteis, for dotado de belas estampas, rico de vinhetas, seu papel acetinado, e sua capa enriquecida pelo ouro, o aproveitamento é duplo. É justamente nesse ponto que desfalece ou marcha cadenciosamente o saber gráfico nas reproduções industriais no solo brasileiro. A falta de um órgão especial, onde se discutisse e se proporcionasse o levantamento das ilustrações gráficas, muito tem concorrido para seu atraso; apenas emprega-se nesse gênero a gravura xilográfica (sobre madeira), e isso mesmo poucas vezes, quando abundam os recursos metódicos nesse ramo artístico e científico. A litografia, forte alavanca para sustentar e auxiliar esse progresso da arte, já pela gravura, já pelo desenho a lápis e a traço, já pela fotografia, convertendo-se em fotogravura, emprega-se geralmente na execução de trabalhos comerciais e simples, e de pouca compreensão. 135 No Brasil, as primeiras tentativas de produção de obras ilustradas com fotografia ocorreram precisamente quando Fleiuss estava chegando ao Brasil. Foi o fotógrafo francês Victor Frond o primeiro, por aqui, a realizar fotografias (em 1858) com o intuito de reproduzi-las numa obra impressa. Seu Brazil pittoresco, desenvolvido em conjunto com o escritor Charles Ribeyrolles, a quem encomendou o texto, foi impresso em Paris, em 1859, nas oficinas da melhor gráfica local, a Imprimerie Lemercier, consistindo num conjunto de 74 litografias produzidas por artistas franceses “a partir” de suas fotografias, além do texto de Ribeyrolles, impresso localmente, em 1861. As imagens não compunham um livro propriamente dito, sendo apresentadas em separado, num porta-fólio de grande formato. O texto de Ribeyrolles deveria ser publicado em três volumes, mas sua morte impediu a conclusão do terceiro. Em 1941, Rubens Borba de Moraes, que dirigia a coleção Biblioteca Histórica Brasileira da 135 Fragmentos – I: As artes gráficas no Brasil. In: Revista Tipográfica, ano I, n. 5. Rio de Janeiro, 7 abr. 1888, p. 1-2. 98 Livraria Martins (São Paulo), reeditou a obra inteira em 2 volumes, com prefácio de Afonso d’Escragnolle Taunay e entremeando as imagens com o texto. A importância da obra de Victor Frond é largamente reconhecida.136 Mas também incomodou a muitos, por mostrar uma área restrita do país, por dar muito espaço às cenas do interior e por enfatizar o trabalho escravo – entre os incomodados, estava com certeza o barão do Rio Branco que, mesmo que tardiamente, tratou de editar o Album de vues du Brésil, contendo novas imagens do país, publicado na França como um anexo à obra de E. Levasseur intitulada Le Brésil, por ocasião da Exposição Universal de Paris de 1889137. Já outro fotógrafo também francês, Revert Henrique Klumb, que chegou ao Brasil entre 185253 e trabalhou inicialmente no Rio de Janeiro, mudando-se depois para Petrópolis, produziu, em 1872, a obra Doze horas em diligência : guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora – outro raro livro com imagens realizadas ‘a partir’ de fotografias brasileiras, de sua autoria. Trata-se da primeira obra do gênero inteiramente produzida no Brasil, constituindo-se as imagens em cópias litográficas, impressas no estabelecimento do editor J. J. Costa Pereira Braga, instalado no centro do Rio de Janeiro. No seu prefácio, Klumb declara que o livro “não tem merecimento senão o de ser: o primeiro guia do viajante, feito no país, guia ilustrado de desenhos copiados da fotografia.” Não foi fácil realizá-la, como se vê na descrição do processo que durou doze anos: “a idéa primeira é de 1861, em 1863 trabalhei nela, em 1864, 1865 e 1866 continuei o trabalho, em 1867 e 1868 acabei as vistas, em 1870 tratei da publicação com um editor e enfim em 1872 vejo-a realizada!”. Segundo Pedro Vasquez, tratase de “um dos marcos maiores da história da fotografia no Brasil. Livro que tem seu valor incrementado pelo fato de documentar as condições de viagem naquela que foi a primeira rodovia brasileira, importante fator de integração e consolidação da identidade nacional.” 138 Afora estes casos isolados de obras que combinam textos e imagens fotográficas e têm pontos de contato com a questão da identidade nacional – e que correm, ambas, em paralelo à publicação da Semana Illustrada – é só no século 20 que se inicia uma produção minimamente consistente de livros fotográficos, em nosso país – embora, durante algum 136 Sobre este assunto, ver a tese de doutorado de Lygia Segala (1998), cuja publicação em livro encontra-se no prelo. 137 Sobre este assunto, ver: A construção do nacional na fotografia brasileira: o espelho europeu. In: KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo, Ateliê Editorial, 1999, pp. 73-123. 138 VASQUEZ, Pedro. Álbum da Estrada União-Indústria : documentação fotográfica realizada por R. H. Klumb, entre 1863 e 1868. Rio de Janeiro : Quadratim G, 1997, p. 21. 99 tempo, persista ainda a necessidade de se contratar a impressão no estrangeiro, normalmente em centros europeus mais adiantados. Voltando à questão específica dos periódicos ilustrados e mais uma vez, ainda, à Europa – onde a xilogravura já era utilizada desde os primórdios da imprensa, no século 15, para ilustrar obras impressas – é só no final do século 18 que vão surgir os primeiros periódicos verdadeiramente ilustrados. Na França, jornais como Le Cabinet des Modes (1785-1792) e Le Journal des Dames et des Modes (1797-1839), que traziam sempre cópias de gravuras em metal coloridas, são bons exemplos dessa fase primordial. Mais à frente surgem, também, jornais de variedades, voltados para as classes populares, tais como o Le Journal des Connaissances Utiles (Paris, 1831), o Penny Magazine (Londres, 1832), fundado por Charles Knight e ilustrado com xilogravuras e o Musée des Familles (Paris, 1833). A partir dos anos 1830 – do ponto de vista tecnológico, graças aos aperfeiçoamentos da litografia e à sua adoção por importantes pintores, especialmente em Paris – surge um novo gênero de imprensa ilustrada, satírica, repleta de cartuns e caricaturas, que se inicia com a publicação, por Philipon, da Caricature (Paris, 1830), seguida do Le Charivari (Paris, 1832) e do Punch (Londres, 1841). Em seu estudo sobre a cobertura da Guerra do Paraguai pela nossa imprensa ilustrada, Mauro César Silveira nos fornece uma síntese do período: Na segunda metade do século XIX, [...] pintores que buscam a naturalidade e exploram temas populares e cotidianos vão se opor aos excessos emocionais dos românticos. Isto vai representar a abertura de um espaço ainda maior para a caricatura, principalmente pela notoriedade adquirida por um desses artistas, o pintor e gravador francês Honoré Daumier. Autor de caricaturas corrosivas e considerado um dos precursores do expressionismo, ele ajuda a selar a aliança definitiva entre esta forma de humor visual e a imprensa através de trabalhos publicados na revista La Caricature (1830) e no Le Charivari (1832). É uma conseqüência, também, do avanço tecnológico dos processos de reprodução gráfica – com o advento da litografia, invento do bávaro Senefelder – e da popularização do jornal como veículo de comunicação coletiva. Proliferam os jornais e revistas satíricos ilustrados e avulta a figura do lionês Charles Philipon, o editor de Daumier. 139 No Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, as condições para o surgimento da caricatura são criadas a partir da fundação da primeira oficina litográfica, em 1827, dirigida 139 SILVEIRA, Mauro César. A batalha de papel : A guerra do Paraguai através da caricatura. Porto Alegre : L&PM, 1996, p. 28. 100 por Steimann.140 Pouco tempo depois, inaugura-se a oficina de litografia do Arquivo Militar, no Campo de Santana, onde surge o artista brasileiro Álvaro Moreira da Silva Rodrigues. A disseminação do processo, ao longo das décadas seguintes, pode ser atestada pelo surgimento das oficinas de Rensburg, Briggs, Sisson, Martinet, etc. Estavam criadas as condições mínimas para o florescimento de uma imprensa satírica local. É ainda Silveira quem assevera que Embora [Max] Fleiuss presuma que O Corcundão, que surgiu em Recife no ano de 1831, seja o primeiro jornal ilustrado do país, o marco da caricatura impressa brasileira é o lançamento, em 1844, no Rio de Janeiro, da Lanterna Mágica, periódico que se denominava “plástico-filosófico”. Oficialmente, o primeiro caricaturista – ou chargista, como preferem alguns autores – do país foi Manoel de Araújo Porto Alegre, o Barão de Santo Ângelo, que iniciou, a partir de 14 de dezembro de 1837, a publicação de folhas soltas com desenhos cômicos. Seu pioneirismo, desconhecido por um bom tempo, foi resgatado pelo historiador José Antônio Soares de Souza, citado por Araken Távora e afiançado na já referida obra de Herman Lima, que também atribui a Manoel de Araújo Porto Alegre o surgimento da Lanterna Mágica. 141 Foi o Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, que anunciou a primeira folha solta com caricaturas, uma sátira contra o jornalista Justiniano José da Rocha, em 14 de dezembro de 1837: “A bela invenção de caricaturas, tão apreciadas na Europa, aparece hoje pela primeira vez no nosso país e sem dúvida receberá do público aqueles sinais de estima que ele tributa a coisas úteis, necessárias e agradáveis.” Segundo José Antônio Soares de Souza, o autor da maioria das caricaturas em folhas soltas e das que ilustraram as páginas da Lanterna Mágica, teria sido, na verdade, um discípulo de Porto Alegre, o catarinense Rafael Mendes de Carvalho. Ademais, há obras que citam duas outras publicações cariocas anteriores à Lanterna Mágica – O Martello e Cegarega, de 1832. Ainda assim, um crédito especial é dado a Manoel de Araújo Porto Alegre, ex-aluno de Jean-Baptiste Debret, que viveu alguns anos em Paris estudando pintura, onde seguramente foi influenciado pelas caricaturas de Gavarni e Daumier142. Segundo Max Fleiuss, trata-se da primeira publicação do gênero a não ter vida efêmera, o que ocorreu com todas as suas antecessoras (O Cabrito, O Burro Magro, Esbarra e A Marmota, de1833, O Carapuceiro na Corte e O Aristarcho, de 1840). 140 Há divergências entre os historiadores da matéria. O suíço Johann Jacob Steinmann, discípulo de Senefelder e os franceses Hercule Florence, Armand Julien Pallière e Louis-Alexis Boulanger são os pioneiros em questão, todos atuantes na década de 1820. 141 SILVEIRA, Mauro César, 1996, p. 33. 142 Sobre este assunto, ver o catálogo da exposição concebida por Heliana Angotti Salgueiro: A Comédia Urbana, 2003. 101 Segundo Anna Belluzzo, “em sua primeira fase (1844-1895), a caricatura revelou um caráter combativo e, nos melhores casos, uma intensa participação na vida social e política do Segundo Reinado. Marcou uma nova posição do artista face à sociedade”.143 Para melhor compreender o florescimento da imprensa caricatural no Brasil, vale ainda lembrar, citando Raimundo Magalhães Júnior, que “nunca a imprensa gozou de tanta liberdade como durante o longo reinado de D. Pedro II”. É ainda Silveira quem afirma que “o impacto visual do trabalho produzido pelos litógrafos que atuavam no Rio de Janeiro era efetivamente considerável: o desenho humorístico constituía-se na referência plástica dos leitores, uma vez que a fotografia ainda não conquistara nossas páginas impressas.” 144 Mas faltava bem pouco para o início dessa conquista – embora, por aqui, tenham havido alguns obstáculos e, consequentemente, a fotografia tenha sido poucas vezes utilizada em todo o seu potencial, como veremos mais à frente. Na década de 1840 surgem, na Europa e depois nos Estados Unidos, os primeiros periódicos noticiosos ilustrados onde a fotografia será utilizada, depois de convertida em xilogravura: são os primórdios da fotografia jornalística, que incluem os primeiros jornais a estamparem imagens derivadas de fotografias de guerra, já citados no primeiro capítulo, The Illustrated London News (Londres, 1842), L’Illustration (Paris, 1843) e Illustrirte Zeitung (Leipzig, 1843), além de La Illustración (Madri, 1849), Frank Leslie’s Illustrated Newspaper (Nova Iorque, 1855), Le Monde Illustré (Paris, 1857), Harper’s Weekly (Nova Iorque, 1857) e Vsemirnaya Illyustratziya (São Petersburgo, 1869) – principais exemplos do gênero, àquela época. Bodo von Dewitz lembra que o editor de Illustrirte Zeitung, o suíço Johann Jakob Weber, interessou-se pelas ilustrações porque elas estavam mais de acordo com sua filosofia de “fazer uso da íntima relação entre as xilogravuras e a imprensa, de modo a acompanhar os eventos do dia, provendo-os de comentários pictóricos e avivar o tempo presente, mesclando imagens e palavras.” 145 No Brasil, surgiram também diversos periódicos cujos editores certamente gostariam de 143 BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. Voltolino e as raízes do modernismo. São Paulo : Marco Zero, 1992. Apud: SILVEIRA, 1996, p. 37. 144 SILVEIRA, Mauro César, 1996, p. 17. 145 “Making use of the intimate link between woodcuts and the printing press in order to accompany the events of the day by providing them with pictorial comments and to make the present time come alive by blending pictures and words.” [tradução nossa] In: KIOSK, 2001, p. 20. 102 adotar uma proposta similar. No entanto, a inexistência de uma mão de obra local qualificada para transpor imagens fotográficas para a matriz xilográfica (de madeira), impediria o florescimento imediato de jornais com um design mais evoluído, onde texto e imagem pudessem dividir a mesma página, através de impressão simultânea. Assim, alguns periódicos optaram por apresentar imagens encartadas no texto, gravadas geralmente em talho doce ou em litografia. Em seus primeiros tempos de existência, são escassos os indícios da utilização de fotografias para a produção das matrizes ali estampadas. Entre as publicações da época, destacaríamos a Revue Française, a Revista Nacional e Estrangeira, a Marmota Fluminense, a Revista Popular e, especialmente, a Ilustração Brasileira que, além dos dois sócios brasileiros, contava com a participação do impressor-litógrafo holandês Eduard Rensburg e foi a responsável pela introdução da zincografia 146 entre nós – então conhecida como Gillografia ou Panicografia-Gillot. Quanto aos periódicos caricaturais, estes optaram pela litografia e quase sempre alternavam páginas de texto (impressão tipográfica) e de imagens (impressão litográfica e, muitas vezes, impressão tipográfica para as legendas, quando estas não eram manuscritas na pedra). Mas há exceções nas páginas de alguns fascículos da L’Iride Italiana e do Ba-Ta-Clan, por exemplo, onde às vêzes ocorre uma efetiva integração texto/imagem, na mesma página. Naqueles anos formadores da imprensa ilustrada na cidade do Rio de Janeiro, a caricatura sempre se destacou. Inegavelmente, as figuras mais geniais do período são os estrangeiros que aqui chegaram já providos da devida formação, tendo escolhido a cidade do Rio de Janeiro para desenvolverem suas atividades profissionais. O fato de serem estrangeiros deve ter contribuído para que tivessem uma visão ainda mais crítica e ‘afastada’, digamos assim, de nossa sociedade. Por outro lado, o mesmo fato deixava-os mais vulneráveis aos ataques dos opositores brasileiros. Esses periódicos marcaram época na história de nossa imprensa, preservando um estilo que subsistiu até o início do século 20. Ademais, é neles que se deram as primeiras utilizações declaradas da fotografia, como veremos mais à frente. Cabe, ainda, citar mais um trecho do trabalho de Mauro César Silveira, que sintetiza o papel desempenhado por aqueles periódicos: O aparecimento dos jornais e revistas ilustrados tem, portanto, independentemente da eventual popularização das figuras políticas mais 146 A zincografia foi uma variante e, num certo sentido, uma evolução da litografia, onde as pesadas pedras foram substituídas por chapas metálicas, à base de zinco. 103 poderosas da época, o grande mérito de oferecer uma visão alternativa da realidade brasileira. Além do papel dissonante assumido corajosamente por algumas delas, essas publicações, no seu conjunto significaram uma radical mudança na apresentação gráfica dos trabalhos jornalísticos que chegavam às mãos da população. 147 Antes de encerrar, não poderíamos deixar de mencionar o fato de que existiram, naquele período, periódicos ilustrados que, seguindo uma tradição iniciada pelo Correio Brasiliense, eram publicados nas capitais européias (Lisboa e Paris, principalmente), tais como Os Dois Mundos e a Revista Moderna. Embora tivessem agentes ou mesmo escritórios no Rio de Janeiro, eram inteiramente produzidos na Europa. Em ‘Dom Pedro II e a Cultura’ (1977, p. 40), temos um bom exemplo do prestígio conferido, na corte, às publicações ilustradas estrangeiras – em ofício do mordomo efetivo da Casa Imperial, servindo de mordomo-mór, conselheiro Paulo Barbosa da Silva, dirigido ao enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brasil na França, o conselheiro José Marques Lisboa, pede-se a gentileza de fazer assinaturas e remeter regularmente, dirigidos à Mordomia, a partir de 1864, diversas publicações periódicas, entre as quais figuram o Illustrated London News, de Londres, e o L’Illustration, de Paris. Como se vê, o nosso imperador tinha bons parâmetros para julgar a realidade local, no campo da imprensa ilustrada. 2.2.2 A trajetória do Instituto e sua contribuição Embora o número de pinturas e desenhos impressos que foram produzidos como obras de arte seja muito grande, o número daqueles produzidos para transmitir informação visual é muitas vezes superior. Assim, a história das estampas não é, como muitos parecem pensar, a história de uma arte menor mas sim a do mais poderoso método de comunicação entre os homens e dos seus efeitos sobre o pensamento e a civilização da Europa ocidental. William M. Ivins, Jr., 1953 148 De certo modo, nós, brasileiros, nada temos com a obra dos impressores e encadernadores europeus do passado. Nossa principal dívida é para com os técnicos que possibilitaram a fabricação do livro moderno. Escavar em torno dos seus nomes, injustamente 147 SILVEIRA, Mauro César, 1996, p. 40. “While the number of printed pictures and designs that have been made as works of art is very large, the number made to convey visual information is many times greater. Thus the story of prints is not, as many people seem to think, that of a minor art form but that of a most powerful method of communication between men and of its effects upon western European thought and civilization.” [tradução nossa] In: IVINS, Jr., s.d., p. 158. 148 104 soterrados, eis uma tarefa que cabe muito bem aos bibliógrafos desta parte do mundo. Orlando da Costa Ferreira, 1968 149 Ao iniciarmos este texto com a frase desafiadora de Orlando da Costa Ferreira – depois da assertiva de William M. Ivins, Jr. acerca da importância das estampas – o que pretendemos é levar em consideração todo o universo de criação e produção que se desenvolveu em torno da firma criada por Henrique Fleiuss e seus dois sócios, que abarcou não apenas as publicações periódicas ilustradas – uma das quais, a Semana Illustrada, é o nosso presente objeto de estudo – mas também os mais diversos gêneros de livros, de estampas e de mapas, entre outros empreendimentos, como veremos a seguir. Face à expressiva quantidade de obras que publicaram, tratando de temas relevantes e de interesse nacional – algumas delas contratadas por instituições do próprio governo imperial – o que pretendemos, então, é demonstrar que aquela empresa gráfica prestou relevantes serviços ao país, como veremos a seguir. Os dois parceiros convocados por Henrique Fleiuss em 1859 para o novo empreendimento eram seu irmão, o litógrafo e empresário Carl Fleiuss e o outro companheiro de viagem, o desenhista, pintor e litógrafo Carl Linde. Juntos, constituíram a firma Fleiuss Irmãos & Linde, criada em 11 de janeiro de 1860 e originalmente sediada no segundo andar da rua Direita, hoje 1o de Março, número 49. O estabelecimento, como já dissemos, era prioritariamente voltado para a litografia. Nos anos de 1861 e 1862, a firma publicou anúncios no Almanaque Laemmert, já usando a denominação Instituto Artístico. Um dado intrigante, para o qual até aqui não encontramos justificativa, é a ausência de registro do Instituto Artístico no livro dos ‘Estabelecimentos de impressão litográfica e gravura, anos 1831-1891’. Este registro era obrigatório desde 1831, quando foi publicado o seguinte Edital: A Câmara Municipal desta Muito Leal e Heróica Cidade do Rio de Janeiro : Faz saber, que tem adotado mais a seguinte Postura. Os Proprietários das Oficinas de impressão, litografia, ou gravura, que se acham estabelecidas nesta Cidade, ou fora dela, dentro dos limites da Câmara, são obrigados no prazo de 8 dias, da publicação desta, a apresentar na Câmara Municipal seus nomes, a rua da sua moradia, e o número da casa de sua residência, e estabelecimento; para se fazer assento em um Livro, para este fim destinado : os contraventores pagarão a multa de 12 a 60$000 réis, na conformidade do Título 4º Capítulo 8º Art. 303 do Código 149 In: “Para uma introdução ao estudo do produto bibliográfico.” Revista do Livro, 35: 11-33, Rio de Janeiro, 1968. Apud: José Laurenio de Melo, Nota Prévia, in: FERREIRA, 1994, p. 19. 105 Criminal. Os que se mudarem do lugar declarado, deverão logo, dentro de 24 horas, dar parte à Câmara da sua mudança com a mesma especificação : os contraventores ficam sujeitos à dita multa. E para que chegue à notícia de todos se mandou publicar e afixar o presente Edital. Paço da Câmara Municipal do Rio de Janeiro 5 de Março de 1831. – O Presidente, Bento de Oliveira Braga. – O Secretário, Luiz Joaquim de Gouvêa. 150 Trata-se de uma das ‘jóias’, ou melhor, de um dos ‘tesouros’ arquivísticos acerca dos primórdios das nossas atividades gráficas, que ainda não mereceu um exame em profundidade, no seu todo. Em sua dissertação de mestrado acerca da litografia na imprensa carioca do século 19, Rogéria Moreira de Ipanema (1995, fl. XVII) dizia: “realizamos, com base em duas importantes fontes, o levantamento das oficinas litográficas que se estabeleceram no Rio de Janeiro, entre 1831 e 1900.” 151 Uma dessas fontes era o Almanak Laemmert e a outra, o livro em questão – mas para ela, naquela oportunidade, só interessavam as oficinas litográficas, seu objeto de estudo. Ao discorrer sobre o Imperial Instituto Artístico em sua tese de doutorado (2007), observou a ausência do registro desta firma no livro, “e não foi caso único.” 152 Para que se tenha uma idéia mais clara sobre tão importante documento, transcrevemos a sua primeira folha (frente e verso) no anexo C do presente trabalho. Da biografia de Henrique Fleiuss já nos ocupamos; de seu irmão Carlos Fleiuss, até aqui pouco se sabe; de Carlos Linde – pintor, desenhista, gravador, ilustrador e litógrafo (impressor) – supõe-se que tenha vindo para o Brasil à mesma época de seu futuro sócio Henrique Fleiuss. Embora se trate de mera suposição, o exame da produção do Instituto nos sugere que Henrique Fleiuss era mesmo a ‘estrela’ do trio, sempre marcando presença e dotado de grande visibilidade; Carlos Linde era o seu coadjuvante, igualmente um artista completo, bem preparado, co-autor de importantes obras litográficas, possivelmente mais dedicado à ‘cozinha’ do empreendimento, ou seja, às oficinas e aos outros aspectos da produção; Carlos Fleiuss provavelmente dava mais atenção à parte administrativa e contábil – mas ressalte-se que nos contratos de prestação de serviços que encontramos, quem assina é Henrique Fleiuss. 150 O original dos Assentos dos Estabelecimentos d’Officinas de Impressão Lithographia [sic] ou gravura na forma do Artigo 303 do Codigo Criminal – um caderno com 16 folhas das quais as primeiras 11 estão preenchidas – encontra-se no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. 151 Na sua dissertação de mestrado (1995) ver, esp. o cap. A litografia na corte, v. 2, fls. 219-326 e a Relação das oficinas litográficas (1831-1891), fls. 579-582. Rogéria de Ipanema, por ocasião da elaboração da sua tese de doutorado (2007), voltou a utilizar esta fonte. 152 IPANEMA, 2007, fl. 128, nota 435. 106 Linde participou, em três ocasiões, das Exposições Gerais da Academia Imperial de Belas Artes: na 13a Exposição, de 1859 (15 de março), assinando ‘Karl’ Linde e com endereço à rua do Hospício 266 (atual Buenos Aires), expôs três obras na seção de pintura e ganhou uma medalha de ouro. Tal participação nos leva a crer que ele tenha chegado ao Rio, no máximo, em 1858, como afirmam alguns autores. Na 16a Exposição, de 1864 (14 de fevereiro), participou coletivamente, enquanto membro da firma “Fleiuss Irmãos & Linde (Imperial Instituto Artístico), Largo de São Francisco de Paula”, como consta do catálogo. O Instituto expôs diversas obras, na seção geral daquela mostra, entre aquarelas, litogravuras, xilogravuras e dois volumes da Semana Illustrada. Finalmente, na 20a Exposição, de 1868, Karl Linde expôs um grupo em cera, intitulado ‘Combate de dois índios’. Carlos Linde veio a falecer no Rio de Janeiro, em 1873, e teve a sua produção reconhecida e valorizada por ocasião da Exposição de História do Brasil da Biblioteca Nacional, em 1881, onde suas obras – tanto as coletivas, do Instituto, quanto as individuais – tiveram ampla participação. Merecem destaque, entre outras, as “Vistas da estrada de ferro de Dom Pedro II, com as plantas de suas principais obras (…)”. Trata-se de obra rara (mesmo porque nunca foi reeditada) e portentosa, parcialmente impressa a cores, incluindo “vistas dos pontos mais importantes desde a estação da Corte até a do Comércio e plantas [desenhos técnicos ou desenhos de engenharia] das pontes [ferroviárias] sobre os rios Santana, Sacra Família, rio das Mortes, Piraí e Paraíba.” A publicação foi realizada “por ordem do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas” e das vinte e nove litogravuras, Linde assinou vinte e sete. Entre 1859 e 1862 Carlos Linde constou, ainda, do Almanak Laemmert como paisagista e retratista. E no verbete a ele dedicado no Dicionário Brasilerio de Artistas Plásticos 153, lemos que “no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, há um quadro do Imperador d. Pedro II, assinado por Linde, de grande valor artístico, onde se salienteam as condecorações e as ordens que ostenta, fruto de minucioso trabalho.” Segundo Maria Elizabete Santos Peixoto154, “Karl Linde pintou inúmeros quadros a óleo, representando paisagens do Brasil, de um colorido e minúcia encantadores.” No verbete dedicado a Joaquim Insley Pacheco no Dicionário 153 154 DICIONÁRIO brasileiro de artistas plásticos (1973-1980, p. 483). PEIXOTO, 1989. 107 Brasileiro de Artistas Plásticos (volume coordenado por Walmir Ayala), consta que Linde teria sido um de seus mestres. 155 Voltemos agora ao relato da trajetória do empreendimento de Fleiuss Irmãos & Linde. Na rua Direita, onde começa a sua história, situava-se o Paço Imperial e a igreja de Nossa Senhora do Carmo, que havia se tornado Capela Real, após a chegada de D. João em 1808. Além do Banco do Brasil, ali estavam instaladas diversas grandes casas comerciais. Foi, segundo Brasil Gerson, a principal rua da cidade desde o século 18 até meados do século 19, depois perdendo gradativamente essa posição para a rua do Ouvidor, que a manteve até a segunda década do século 20, perdendo-a por sua vez para a avenida Central, hoje Rio Branco. Mas além de ser o primeiro endereço da firma, foi ali que, em 16 de dezembro, iniciaram a publicação da Semana Illustrada, e logo depois, da conhecida obra litográfica Recordações da Exposição Nacional. Foi ainda na rua Direita que em 1860, […] apareceram os primeiros cartazes de propaganda nas paredes do Rio. Reproduziam eles, em tamanho maior, a capa do número inicial da Semana Illustrada fundada por Henrique Fleiuss, pai do historiador Max. Henrique era alemão e bom caricaturista e aquarelista. Vindo para o Brasil, estabeleceu-se nela em 1859 com o seu Imperial Instituto Artístico de Impressão. A Semana, que viveu 18 anos, marcou época na história da nossa imprensa. Na realidade, foi nas suas páginas que a caricatura se impôs como parte integrante do noticiário e dos comentários jornalísticos cariocas. […] E por falar no alemão Fleiuss: perto da sua tipografia era que ficava o restaurante de Muller e Petzold, quase na esquina da Alfândega, famoso pelos seus pratos típicos alemães e pelo seu chope Columbacher, importado da Alemanha, e conhecido então como ‘cerveja de tonel’. 156 Brasil Gerson provavelmente acertou quando descreveu o cartaz que reproduzia “em tamanho maior, a capa do número inicial da Semana Illustrada”. Embora ainda não tenhamos localizado um exemplar de tal peça gráfica, se ela existiu, pode até mesmo ter se constituído no primeiro cartaz ilustrado. Mas o costume de pregar cartazes e anúncios tipográficos é bem anterior, como nos demonstrou Rafael Cardoso em sua pesquisa no acervo da Biblioteca Nacional.157 Há mais um fato curioso, ainda, a ligar a figura de Henrique Fleiuss com este seu primeiro endereço comercial, à rua Direita, e com a Guerra do Paraguai: em meados de março de 1870, 155 DICIONÁRIO, 1977, 3o vol., p. 325. GERSON, 2000, p. 16. 157 Ver: Cartazes: do tipográfico ao ilustrado, in: IMPRESSO no Brasil, Rafael Cardoso (org.), 2009, p. 100. 156 108 quando chegou ao Rio a notícia de que a guerra havia terminado no dia 1o de março, com a morte de Solano López, a população saiu às ruas para comemorar. Aclamados em frente ao Paço Imperial, d. Pedro II e d. Teresa Cristina desceram para confraternizar com o povo, caminhando pela rua Direita. Brasil Gérson relata: – Que ela se chame, daqui em diante, 1o de Março! foi uma idéia que surgiu nesse instante, não se sabe de quem. E tão depressa ganhou adeptos que nos meados do mês era aceita e imposta pela Câmara Municipal. [...] 158 Fig. 25 – Semana Illustrada, 17 out. 1869, p. 3692. DiORa-FBN Naqueles primeiros tempos do Instituto na rua Direita, não havia sequer as oficinas, embora já estivessem devidamente estabelecidos e anunciassem no Almanaque Laemmert, a partir de 1861. A partir de 1o de maio de 1863, agora em novo endereço, no largo de São Francisco de Paula número 16, toma corpo o projeto do Instituto Artístico. Ali, melhor instalados e já dotados de equipamento gráfico, criaram a estrutura necessária para cuidar integralmente dos livros científicos e artísticos que intencionavam produzir. Dedicavam-se ainda à pintura a 158 Op. cit., p. 18. 109 óleo, à aquarela, à fotografia (prioritariamente para a reprodução159, embora também para o retrato – talvez até para atender aos seus próprios objetivos de fidelidade na representação dos rostos), à litografia e à xilografia – esta última, até então praticamente inexistente no mercado local. Segundo Mário de Camargo, “eles passaram à atividade didática, transformando a instituição em um dos mais importantes centros de ensino e de produção de artes gráficas do país.” 160 A partir de 1863, a firma passaria a se chamar Imperial Instituto Artístico graças ao título honorífico concedido por d. Pedro II, por ato de setembrobro daquele ano 161, da mesma forma como o imperador procedeu com mais de duas dezenas de fotógrafos entre 1851 e 1889, aos quais concedeu ‘a mercê do título de Imperial’. É Rogéria Moreira de Ipanema quem nos informa que “o processo do Imperial Instituto Artístico reúne as informações prestadas ao subdelegado da freguesia do Sacramento [atual Av. Passos], pelo principal proprietário do estabelecimento Henrique Fleiuss.” O processo durou apenas um mês, assim resumido: “Sua Excelência o Ministro [Pedro de Araújo Lima, o marquês de Olinda, da Liga Progressista] manda aviso ao Chefe de Polícia no dia 15 [de setembro], este oficia ao subdelegado, no dia 17, que responde, tendo já visitado e recebido as informações solicitadas aos donos, que o fazem no próprio dia 17, e no dia 25 está concedida a mercê do Título de Imperial para o Instituto Artístico.” 162 Nada se sabe, até aqui, sobre as relações trabalhistas dos irmãos Fleiuss e Carlos Linde com os operários de seu Instituto. E nem conseguimos localizar depoimentos daqueles que, tendo realizado parte ou o todo de seu aprendizado naquela firma, seguiriam depois outros caminhos. Mas transparece-nos a idéia de que as relações deviam ser bem cordiais – a título de exemplo, mencionaríamos o comunicado havido em 4 de agosto de 1872 na Semana Illustrada (p. 4863), numa fase em que o Instituto já devia ter perdido um bom número de seus aprendizes, que teriam abraçado outros desafios. O jornal anunciou assim, o surgimento de um novo periódico intitulado O Futuro: 159 Isto se confirma nas informações prestadas pelo subdelegado Francisco José de Lima, no processo de concesão da mercê do Título de Imperial: “a fotografia foi instalada para maior exatidão da litografia e para fazer retratos em daguerreótipo e sobre papel.” Apud: IPANEMA (2007, fl. 136). 160 In: GRÁFICA, 2003, p. 25. 161 Requerimento da mercê de 25 ago. 1863; despacho (favorável) em 25 set. 1863. Arquivo Nacional, código de fundo NP, seção de guarda SDE, notação COD 809, 4v., V. II, doc. 20. Apud: IPANEMA, 2007, fl. 118. 162 O capítulo 5 de sua tese de doutorado (IPANEMA, 2007), intitulado Imagem da distinção: o título de imperial fornece um panorama do assunto. Segundo Herman Lima, o Instituto foi “designado por decreto de D. Pedro II, de 3 de outubro de 1863, com o título de Imperial.” (LIMA, 1963, p. 743). 110 Com este título publicou-se o primeiro número de um jornal artístico, científico, literário e recreativo. Sairá duas vezes por mês. Sua nobre divisa é: labor improbus omnia vincit. Consta-nos que é redigido por laboriosos e inteligentes operários tipográficos. Advoga a instrução do povo, que é a primeira necessidade deste tempo. 163 Damos os nossos aplausos ao novo colega. 164 Vale aqui mencionar algo que já nos parece um consenso, no campo das investigações sobre as relações trabalhistas nos oitocentos: os tipógrafos constituíram a vanguarda dos grupos de operários que começavam a se organizar, no Brasil. Artur José Renda Vitorino lembra que através da Associação Tipográfica Fluminense, fundada no Rio de Janeiro em dezembro de 1853, deu-se “os primeiros e definitivos passos rumo à formação de uma associação operária de resistência” 165 cuja primeira greve, a dos compositores tipográficos, deu-se em janeiro de 1858. Para Luiz Antônio Cunha, tal pioneirismo dos tipógrafos é explicado “pelo nível de escolaridade requerida para a função, pelo grau de solidariedade gerada pela divisão do trabalho e pela própria disciplina fabril.” Voltando ao ano de 1863, foi também naquele período que o jornal editado pelo Instituto alcançou a sua ‘independência tipográfica’: no dia 22 de fevereiro, já livre da “bárbara tirania de pagar a impressão” a Semana Illustrada se declarava, no ‘Manifesto ao mundo’, para todo o sempre independente da tipografia do Diário do Rio de Janeiro, livre dessa metrópole cruel e elevada à categoria de gazeta soberana, pois que, doravante será publicada em sua tipografia própria, fundada no Largo de S. Francisco de Paula, que é muito mais nobre do que a rua do Rosário. [...] Os dias de contemporização já passaram. A Confederação Germânica, grande potência européia, intervém em nosso favor, e de uma das principais cidades da Alemanha (Mogúncia) acabamos de receber a tipografia completa e rica de Gutenberg, que nos habilita a despedaçar as cadeias coloniais, e a declararmo-nos independentes do Diário do Rio de Janeiro, começando desde hoje a publicar a Semana Illustrada em nossos prelos e em nossa própria casa. 166 Em sua obra Imagem e Letra, Orlando da Costa Ferreira nos fornece um importante depoimento a respeito do surgimento e do significado daquele estabelecimento: 163 Sobre este assunto, ver esp. o capítulo 5, Escravidão, ideologia e educação profissional in: CUNHA, Luiz Antônio, 2005, pp. 145-183. 164 A Biblioteca Nacional possui os microfilmes da coleção de O Futuro: jornal artístico, scientifico, litterario e recreativo (Rio de Janeiro RJ), de 01 ago. 1872 a 03 maio 1873. 165 166 Apud: SOUZA, Karen F. R., 2007, p. 19. 111 [...] seus dirigentes, segundo o Almanak Laemmert para 1861, “pintam em óleo e aquarela, fazem as composições e ilustrações de livros científicos e artísticos de qualquer maneira”, consagrando-se, assim, como a primeira equipe de designers do Brasil. Em dezembro, fundam a revista Semana Ilustrada, que sairá até 1876. Em 1o de maio do ano seguinte, já tendo adquirido tipografia, instalaram-se na casa historicamente famosa do Largo de São Francisco, 16, onde também faziam daguerreótipos e fotografias em papel. [...] A presença desse grupo de gravadores foi, como logo se concluiu, uma das mais importantes aquisições artísticas feitas pelo Rio do século passado [...]. 167 Os primeiros indícios da prática do projeto gráfico ou design gráfico propriamente dito em nosso país, e mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, surgem pelos meados do século 19. Atividade oficialmente iniciada em 1808 com a Impressão Régia, todos sabemos que a partir do novo impulso havido nos anos 1820 – decorrente da Missão Artística Francesa, da abolição da censura à imprensa e da declaração da independência do país – iniciava-se o incremento de um parque gráfico local, embora ainda incipiente. Mas a partir do primeiro ‘boom’ dos ateliês litográficos, iniciado no final dos anos 1820 e que estendeu-se pela década seguinte, até mesmo aqueles artistas/impressores que montaram seus ateliês para conceber e executar seus próprios trabalhos, passaram a prestar serviços a terceiros, tornando-se meros executores, nesses casos. Começa a existir, aí, uma nítida separação entre o ‘projetar’ e o ‘fabricar’. Adicionalmente, os progressos técnicos havidos nas primeiras décadas do século na Europa, no que tange à mecanização dos processo de impressão, acabaram por chegar ao Rio de Janeiro.168 Surgiram, ainda, os artistas litógrafos que podiam alugar as pedras necessárias à realização de suas matrizes, e executar os serviços de criação em suas próprias residências.169 O surgimento dos primeiros periódicos ilustrados, nos anos 1830 e em especial os caricaturais, a partir da Lanterna Mágica, de 1844, deu novo impulso àquele mercado em formação, onde novas publicações ilustradas iam sendo sucessivamente lançadas. Eram muitos os desafios a serem enfrentados, face às dificuldades para uma constante atualização tecnológica dos equipamentos, a obtenção de matéria-prima adequada e de mão-de-obra especializada, e de qualidade. O maior desafio de todos, como já dissemos anteriormente, era proceder a uma satisfatória integração entre os discursos verbal e visual, já que os processos de impressão de textos e imagens não eram compatíveis. Nesta mesma linha, reproduzir 167 FERREIRA, Orlando, 1994, p. 185. Sobre este assunto, ver esp. o capítulo Formação da comunicação visual moderna, in: CARDOSO, Rafael, 2008b, pp. 46-57. 169 Sobre este assunto, ver FERREIRA, 1994, p. 387-388. 168 112 fotografias, antes do advento dos processos de reprodução fotomecânica, era também algo extremamente trabalhoso e de resultados nem sempre satisfatórios. É aí que entra o Imperial Instituto Artístico, da maneira como Orlando da Costa Ferreira o encara, na citação que transcrevemos acima. Naquele contexto, surgiram os primeiros profissionais cujo perfil de atuação os aproximava da figura do atual designer, que ao desenvolverem o projeto das publicações, elaboravam seus atributos, buscando diferenciais e visando atender a finalidades específicas, antenados que estavam na concorrência do mercado e sem deixar de levar em conta as possibilidades e limitações técnicas e industriais. Mais ainda, o Instituto atuava como uma espécie de ‘agência de publicidade’, ao se responsabilizar pela crição visual e produção não apenas dos suplementos comerciais da Semana Illustrada, mas até mesmo de grandes eventos tais como, por exemplo, a célebre ‘Exposição Nacional’, havida em 1861 – parte dela, inclusive, no mesmo largo de São Francisco onde a firma funcionava: Para as exposições da indústria nacional aproveitaram-se os edifícios da Escola Politécnica, da Casa da Moeda e da Secretaria da Viação e Obras Públicas. Na primeira, que se inaugurou na Escola Politécnica, então Escola Central, recebeu o edifício decoração original executada, gratuitamente, sob plano e direção de Henrique Fleiuss, com a colaboração de Linde, outro artista. Nessa ornamentação se notava a originalidade de seis grandes flâmulas simbolizando, pelas cores, as ordens honoríficas do Império: D. Pedro I, Cruzeiro, Rosa, Cristo, Aviz e S. Tiago. 170 É sem dúvida mais um dado curioso acerca da história de Henrique Fleiuss, assim narrado por Araújo Viana – desta vez, ligando-o ao edifício onde hoje funciona o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ainda a respeito daquele evento e de sua participação na organização, lê-se mais detalhes na Folhinha Monumental para o anno de 1863, citada por Max Fleiuss – e provável fonte, também, de Araújo Viana: A Capital do Império assistiu, pela primeira vez, a uma grande festa industrial, a inauguração da Exposição Nacional a 21 de Setembro de 1861. O largo de S. Francisco de Paula tornou-se intransitável pela aglomeração do povo. A fachada do edifício da Escola Central transformou-se em palácio da indústria, e se achava brilhantemente ornada. Uma arquivolta decorava as janelas e se lia o nome das províncias do Império. Dois escudos, com as iniciais P. II, cercados de troféus de bandeiras nacionais, atraíam as vistas, postos de lado, entre as janelas do andar nobre, ornadas de ricas colchas de veludo carmesim franjadas de ouro. 170 VIANA, E. C. Araújo. Das artes plasticas no Brasil [...]. In: Revista do IHGB, 1916, pp. 584-85. 113 Por cima via-se o mote – Opes acquirit cundo – ; e na cornija estava escrito em letras grandes – Exposição Nacional. Por cima do edifício, erguia-se o pavilhão brasileiro, e flutuavam flâmulas simbolizando as Ordens de Cavalaria do Império, São Tiago, Cristo, Pedro I, Aviz, Rosa e Cruzeiro. Bandeiras ornavam as janelas do edifício; o gradil da frente sustentava estátuas e vasos de flores, entre profusão de verdes, notando-se dois leões gigantescos, fundidos em ferro, segundo o modelo dos de Canova. A decoração externa foi dirigida pelos distintos artistas Fleiuss e Linde gratuitamente, como prova do seu amor às artes, contribuindo assim para abrilhantar uma festa tão industrial. 171 Parece-nos que o processo de profissionalização dessas atividades de design ou práticas projetuais, ali se iniciava, antes mesmo que tal atividade se tornasse notória e visível e surgissem os primeiros nomes unanimemente reconhecidos como designers, da maneira como este vocábulo é hoje entendido. Nas palavras do historiador do design Rafael Cardoso, [...] se os grandes vultos do design representam uma etapa posterior na consolidação da profissão, então é preciso ficar sempre atento a indícios históricos de uma fase anterior, na qual o designer surge de forma endógena do próprio contexto produtivo. [...] o exercício do design freqüentemente antecede o surgimento de um indivíduo identificável como designer, no sentido comum que se dá a este título. Por esta razão, o [sic] questão do surgimento do designer em diferentes campos de atuação deve ser abordada com o intuito de identificar processos sociais amplos e não no de tentar descobrir novos ‘pioneiros’, pois a identificação de designers individuais tende a obscurecer a importância dessa fase anterior que se caracteriza pela atuação de profissionais autônomos. 172 Para realizar um bom jornal ilustrado naqueles tempos, afora a qualidade das idéias, do texto e das imagens, a paginação era outro grande desafio. Na Europa e nos Estados Unidos, os periódicos ilustrados impressos em litografia ficaram confinados a um gênero específico de imprensa, o gênero caricatural, enquanto que os periódicos ilustrados noticiosos adotaram a xilografia para reproduzir as imagens, por ser compatível com a impressão tipográfica dos textos e onde, aliás, acontecia uma ampla utilização da fotografia. No Brasil, no entanto, os periódicos ilustrados litográficos – quase todos dando espaço às caricaturas – se tornaram um sinônimo de imprensa ilustrada no geral, a partir dos anos 1850-1860. O principal motivo, ao que parece, teria sido a inexistência de mão-de-obra local para realizar as matrizes xilográficas com o rigor e a rapidez necessárias, características da imprensa 171 172 Apud: FLEIUSS, Max. Centenário de Henrique Fleiuss. In: Revista do IHGB, 1927, pp. 778-79. DENIS, 1996, pp. 68-69. 114 periódica. Diante desse quadro, houve ampla disseminação, na imprensa local, da litografia como o principal processo para a produção de imagens; enquanto os textos, tipográficos, demandavam um outro sistema de impressão. Afora este motivo, certamente haverão outros, de ordem histórica e sociológica, para que nossa imprensa ilustrada noticiosa e nossa imprensa ilustrada caricatural – na melhor tradição do caricaturista francês Honoré Daumier – tenham sido, na essência, uma só, e tenham tido tanto sucesso e boa aceitação por tão longo período. Entre esses motivos, um está relacionado ao fato de que os principais caricaturistas eram quase todos imigrados do exterior, tendo aqui encontrado uma sociedade bastante distinta daquela onde nasceram e obtiveram sua formação, o que certamente já aguçava e facilitava o exercício de seu senso crítico. Ressalte-se, ainda, que a ausência de elos familiares ou de infância, com esta sociedade, implicava um menor comprometimento com os seus pares – e menos bloqueio, portanto, para exercitar a veia artística caricatural. 173 Sabe-se também que havia liberdade de imprensa – embora segmentos da própria sociedade tenham se encarregado de combater alguns desses caricaturistas, às vezes até de maneira violenta. Nesta mesma época, na Europa, disseminava-se um outro design nos periódicos ilustrados noticiosos, onde as imagens eram xilográficas e, por este motivo, melhor integradas ao texto, já que ambos os processos são compatíveis, no ato da impressão. Neste caso, as imagens (matrizes de madeira ou matrizes metálicas geradas a partir daquelas) e os textos (na maioria dos casos tipos móveis, de ligas metálicas) eram montados conjuntamente e impressos simultaneamente. Vale lembrar que as xilogravuras tinham, no geral, um certo ‘rigor’, uma pretensa fidelidade aos originais – muitas das vezes fotográficos, dos quais eram copiadas. O próprio sistema de produção das matrizes xilográficas, como veremos mais à frente, já contribuía para este ‘rigor’. Nossa intenção, ao expor toda esta questão, é tentar compreender as razões que nos conduziram a este caminho peculiar que nos legou, sem sombra de dúvida, interessantes resultados – e o Imperial Instituto Artístico tem, aí, um lugar de destaque. Ao tratar da formação da comunicação visual moderna em nosso país, Rafael Cardoso tece um comentário 173 A caricatura propriamente dita é a representação da fisionomia humana com características grotescas, cômicas ou humorísticas. Já a charge é a crítica humorística de um fato ou acontecimento específico da atualidade. No jornalismo atual, ambas são usadas, às vezes indistintamente, para designar humor visual. Sobre este assunto, ver José Marques de Melo, A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis : Vozes, 1985. 115 que vem corroborar nosso pensamento: Pode-se afirmar até que a litografia brasileira chegou a desenvolver nesse âmbito [o da identidade visual] uma linguagem própria, tanto em termos de iconografia quanto de design, assunto este que merece pesquisas mais aprofundadas. [...] O cruzamento de dados de ordem econômica e cultural com outras informações de natureza tecnológica e artística faz-se essencial para dar sentido à diversidade de manifestações do design em diferentes contextos. O florescimento de um mercado editorial [...] se explica não somente pelos custos de produção mas também em termos do tamanho do público leitor. Igualmente, o uso de impressos de formato muito especializado está condicionado diretamente a necessidades que variam de acordo com o lugar e a época. [...] 174 Um exame atento dos periódicos ilustrados do período nos permite constatar quantas não foram as dificuldades enfrentadas por todos aqueles que tentaram inovar, e que narraram as suas desventuras nas páginas da imprensa, dando-nos uma idéia das suas dificuldades, ao tentarem conciliar os distintos processos de impressão que nem sempre eram praticados em um mesmo estabelecimento gráfico, o que implicava deslocamentos de todo o material impresso em meio ao processo de produção. A título de exemplo, examinemos o caso de um jornal aparecido já bem depois da guerra contra o Paraguai, O Mequetrefe: em 1875, no início de sua existência, a face litográfica, desenhada por Valle, era impressa na Litografa a Vapor de P. Robin e a face tipográfica, na Nova Tipografia de J. Paulo Hildebrandt. Anos depois, já ilustrado por Asmodeu (o brasileiro Antônio Bernardes Pereira Neto), que além do lápis utilizava também o bico-de-pena, sobre a chapa de zinco, observamos que a Impressora Litográfica de P. Braga & Ca. passou a se encarregar da produção de todo o jornal – o que certamente facilitou a vida de seus produtores. Outro interessante aspecto das atividades desenvolvidas pelo Imperial Instituto Artístico se refere aos suplementos. Sobre este assunto, vale voltar às origens, visando melhor situar o que se deu por aqui, no século 19. As primeiras ilustrações impressas em papel, na China, surgem em torno do século 9. Na Europa, o fenômeno toma corpo a partir do século 14. Tudo começa com as cartas de baralho, depois as imagens devotas (os ‘santinhos’) e, mais à frente, os livrinhos populares. Devidamente autorizados pelo Papa, os monges vendiam bulas e gravuras religiosas nas festas da igreja. Surgem aí as gravuras em folha solta. Nesse processo, a gravura de folha solta transforma-se numa arte popular, vendida em feiras e negociada na rua, não só pelos comerciantes de arte, mas também pelos próprios artistas. Havia a estampa de 174 CARDOSO [DENIS], 2000, p. 49. 116 crítica social, a religiosa, a de feitos históricos e heróicos, a de comemorações, os retratos, as edições especiais referentes às festas, etc. Além da venda popular, o editor era muitas vezes patrocinado pelo governo e pelos grandes senhores. Orlando Dasilva faz interessante relato daqueles tempos: Os artistas de maior fama compreendem o alcance da gravura para a divulgação de sua obra. Mais que isso, têm um meio de tornar popular os seus trabalhos de pintura. Instalam, por sua conta, ateliês de gravura para a reprodução de sua obra. O ateliê não vive só da reprodução, aceita trabalhos de encomenda, edições para comemorar datas, feitos. Chapas já cavadas antecipadamente, um simples trabalho ornamental, a que é acrescido texto explicativo, servem para todos os fins. Edições de retratos são feitas para serem distribuídas, a propaganda está instalada. A gravura de um homem a cavalo que hoje é o rei X, este deposto ou morto, o seu rosto é raspado e outra fisionomia o substitui, temos o rei dois X. Este segundo rei, tempos depois, talvez, se transforme num santo. 175 No início do século 16, o comércio de gravuras já estava estabelecido, graças à proliferação de impressores-editores, envolvendo inclusive a importação e a exportação. Havia gravuras para todos os gostos. Foi um longo processo, onde a imagem fez-se ainda mais presente a partir do século 19, quando os suplementos da imprensa tornaram-se prática corrente na Europa. E foi assim que também aqui, diversos dos nossos editores da imprensa ilustrada passaram a oferecer aos seus assinantes, periodicamente, os denominados suplementos ilustrados – na verdade, estampas que eram encartadas nos periódicos. A Marmota Fluminense, p. ex., foi um dos primeiros periódicos a encartar estampas, ainda no início da década de 1850 – a litogravura do Preto Simão encartada no fascículo de 11 de novembro de 1853 é das mais conhecidas. No início da década seguinte, logo no primeiro número de seu jornal, o editor Henrique Fleiuss declarou: ATENÇÃO. As pessoas, que nos quiserem obsequiar com artigos, desenhos e notícias, terão a bondade de remetê-los am carta fechada à livraria dos Srs, Pinto e C., rua do Ouvidor n. 87, devendo ser a carta dirigida – à redação da Semana Ilustrada. Tem direito a receber esta folha gratuitamente durante três meses, quem nos fornecer um bom desenho, artigo humorístico ou crítico, quer em verso, quer em prosa. Não serão aceitos, ainda que legalmente responsabilizados, os escritos e desenhos que disserem respeito à vida privada de quem quer que seja. Todo aquele que desde já assinar por um ano a Semana Ilustrada receberá grátis no princípio do segundo trimestre uma grande estampa, primorosamente desenhada, representando um assunto nacional. As reclamações devem ser feitas por escrito e assinadas. TYP. DE PINHEIRO E COMP., RUA DO CANO N. 165 176 175 176 DASILVA, 1976, p. 25. Semana Ilustrada, 16 dez. 1860, p. 7. 117 Receber “uma grande estampa, primorosamente desenhada” era algo verdadeiramente especial. Ademais, “representando um assunto nacional”, naturalmente selecionado a partir dos critérios do editor, dava ainda mais significado à função exercida, naqueles tempos, pelo periódico ilustrado. Mais à frente, em seu nono número, Henrique Fleiuss anunciava: Aos Srs. Assinantes. Brevemente será publicado, em um belo quadro, os retratos dos três deputados pelo círculo da corte. É um delicado trabalho, não só pelo lado artístico, como pela fidelidade nos tipos dos personagens que representa. Aos Srs. assinantes da Semana custará o quadro............................1$000 Para os Srs. não assinantes da Semana o preço estabelecido é.......2$000 As encomendas devem ser dirigidas ao Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde, rua Direita n. 49. 177 Como se vê, já estava desenvolvendo-se, entre nós, o hábito cultural do consumo de suplementos ilustrados. Citamos ainda um outro desses suplementos, anunciado em agosto de 1863, na Semana Illustrada, onde é evidente a questão do Realismo, sobra a qual já discorremos: PUBLICAÇÃO Sairá à luz em um dos dias da próxima semana, um grande quadro litografado, representando – O desastre que teve lugar na fortaleza de S. João, no dia 7 do corrente, e do qual escapou milagrosamente S. M. o Imperador e sua comitiva. O quadro representa o momento em que rebentou a peça, e traz os retratos de todas as pessoas que se achavam presentes nessa ocosião, bem como uma fiel cópia do lugar, desenhado do natural, na fortaleza. O preço de cada estampa, impressa em duas tintas, é de 5$000, e para os assinantes da Semana Ilustrada é 3$000. Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1863 Fleiuss Irmãos & Linde Instituto Artístico 178 Vale aqui um comentário sobre o preço cobrado pelo suplemento. Os mesmos cinco mil réis eram o preço pago por um assinante residente na corte, para receber a Semana Ilustrada todos os domingos, durante um inteiro trimestre! É provável mesmo que esta fosse uma das maneiras de compensar as perdas financeiras decorrentes da produção da Semana, cuja tiragem não devia ser muito expressiva, e neste sentido o editor não poupava esforços para comercializar os suplementos. Pois que duas semanas depois do comunicado transcrito acima, encontramos o seguinte aviso naquele mesmo periódico: “Aos nossos assinantes. Acompanha 177 178 Semana Ilustrada, 10 fev. 1861, p. 66. Semana Ilustrada, 16 ago. 1863, p. 1119. 118 o presente número uma lista de assinatura para o quadro representando o desastre que teve lugar no dia 7 do corrente, na fortaleza de S. João. Pedimos aos nossos assinantes que envidem os seus valiosos esforços para que as listas nos voltem, não só com as suas dignas assinaturas, como também com as de seus amigos. 179 No início de 1865, já iniciada a guerra contra o Paraguai, o número 213 da Semana Ilustrada traz outro imponente suplemento – desta vez, uma planta baixa intitulada “Cópia do esboço de Paissandú e suas fortificações, levantado pelo 1o tenente da armada A. S. Teixeira. Offerecido ao Sr. Capitão de Mar e Guerra José Secundino de Gomensoro”. O capitão Gomensoro foi, reconhecidamente, um dos principais colaboradores de Fleiuss, a fornecer as imagens que o editor estampava em seu jornal durante a cobertura da guerra. Trata-se de um desenho bem realizado, onde se vê a praia e as ruas próximas, estando assinaladas todas as localidades de interesse para a compreensão dos fatos. Assim, o leitor podia imaginar com mais precisão, em termos espaciais, o que se passava na guerra. Vale lembrar que foi naquele mesmo início de 1865 que o pintor e fotógrafo Arsênio da Silva expôs o esboço do seu Ataque à praça de Paissandú pelo Capitão Peixoto no dia 6 de dezembro de 1864, na 17a Exposição Geral de Belas Artes. Como já dissemos, acreditamos tratar-se da primeira mostra de uma pintura (mesmo que apenas um esboço) da Guerra do Paraguai. Ao longo da segunda metade do século 19, os leitores de nossa imprensa ilustrada formavam um público que foi sendo ‘visualmente educado’, tornando-se cada vez mais ávido pelo consumo das ‘imagens noticiosas’, hábito este que aqueles editores trataram de incentivar. Como se vê, independentemente das imagens que ocupavam metade das páginas dos fascículos das revistas ilustradas – e independentemente do crescente consumo de fotografias, inclusive as estampadas naquelas mesmas páginas – mantinha-se um gosto especial pelas estampas avulsas, na melhor tradição européia; e Henrique Fleiuss, entre outros, tratou de cultivar o hábito localmente, por muitos anos: ao anunciar o lançamento de um suplemento musical – a cópia do desenho “do habilíssimo artista W. Busch” – na Semana Illustrada de 15 de março de 1868 (p. 3026), o editor aproveitou o ensejo para informar que “A Semana, seguindo o exemplo dos jornais ilustrados europeus, continuará como desde o seu princípio a reproduzir alguns dos assuntos espirituosos que se lhe depararem nos melhores jornais de além-mar, que não estejam ao alcance da maioria dos seus assinantes. Crê assim prestar-lhes um bom serviço. A Redação.” 179 Semana Ilustrada, 30 ago. 1863, p. 1135. 119 Os suplementos ilustrados da imprensa oitocentista carioca continuam por merecer um estudo à altura de seu significado na história de nossa cultura visual – significado este que já era reconhecido por ocasião da Exposição de História do Brasil, realizada na Biblioteca Nacional em 1881, dada a quantidade de suplementos expostos. Deste universo ocuparemo-nos apenas, no presente trabalho, com aqueles produzidos pela Semana Illustrada no período específico da guerra contra o Paraguai, já que tais suplementos – em especial os derivados de fotografias – fazem parte do nosso objeto de estudo. Para encerrar este assunto, vale relembrar um outro aspecto que já havíamos mencionado: alguns dos suplementos oferecidos aos leitores tinham, em princípio, uma função meramente publicitária. Mas se os observarmos com atenção veremos que, no fundo, estavam inteiramente antenados com o que se passava naquele momento e se valiam da mesma ‘linguagem’ dos outros suplementos, puramente noticiosos e/ou comemorativos. Fig. 26 – “Anúncio ilustrado da Semana Illustrada. Máquina para fazer gelo artificial, importada pelo Sr. H. Leiden. Rua de Matacavalos n. 78. Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro II assistindo à produção do gelo artificial com a máquina do Sr. Carré, de Paris. Privilegiada para todo o Império do Brasil por decreto n. 2987, de 14 de outubro de 1862.” Suplemento da Semana Illustrada, 25 dez. 1864. DiORa-FBN 120 Como já se viu, as atividades do Imperial Instituto Artístico não se resumiam à publição da Semana Illustrada; tratava-se efetivamente de um completo empreendimento das artes gráficas, dotado das condições para projetar, produzir e imprimir obras ilustradas – mesmo aquelas de maior vulto e complexidade, como é o caso, p. ex., das cartas geográficas. Durante os seus dezoito anos de existência, foram numerosas as suas realizações. O Diário Oficial do Império do Brasil é boa fonte para levantar os serviços prestados pelo Instituto ao governo imperial – além de servir para mostrar que Fleiuss não comparecia ao tradicional beija-mão do imperador. Na edição de domingo 26 de fevereiro de 1865, p. ex., consta a publicação do expediente da 3ª seção do Ministério da Marinha ao Ministério da Fazenda, datada de 8 daquele mês: À intendência, aprovando o contrato, que celebrara em 23 de janeiro próximo passado com Fleiuss, Irmãos e Linde, proprietários do imperial instituto artístico, para a execução de todos os trabalhos de litografia dos mapas relativos à carta geral das costas do Império, conforme se ordenou por aviso de 14 do dito mês. – Remeteu-se cópia do contrato ao capitão-tenente Manoel Antonio Vital de Oliveira, chefe da commissão hidrográfica e comunicou-se à contadoria. Sabemos que o Instituto sofria críticas por alguns de seus trabalhos cartográficos. Se justas ou não, só um futuro levantamento e estudo da expressiva produção de mapas impressos por aquela empresa poderá esclarecer. Houveram casos em que os proprietários do Imperial Instituto valeram-se das páginas da Semana Illustrada para expor a sua defesa, quanto às acusações recebidas: Não tendo o Jornal do Commercio, por falta de espaço, dado publicidade à resposta, que escrevemos ao Sr. conselheiro C. B. Ottoni no dia seguinte ao do seu artigo inserto naquela folha, resolvemos responder ao mesmo senhor pelo nosso pequeno jornal. Eis a resposta: O Sr. conselheiro C. B. Ottoni e o Imperial Instituto Artístico. O Sr. conselheiro C. B. Ottoni num artigo sobre a estrada de ferro de Pedro II no Jornal do dia 4 corrente, falando da Semana Illustrada, disse, que nós iludimos um ministro de boa fé, fornecendo mapas em que inúteis coloridos substituíam a necessária exatidão. S. Ex. não se lembrou, que esta crítica não cabe sobre nós, mas unicamente sobre os engenheiros do governo, cujos originais tivemos fielmente de copiar. Outra autoridade, certamente mais competente, julgou esses trabalhos deste modo: “Meu primeiro desejo, e o mais rigoroso dever, é saudá-los, pela execução, que excede a tudo quanto tenho visto no seu gênero, e denota o progresso do seu estabelecimento; progresso que de certo modo honra o meu país, que não há de ser indiferente por aqueles, que tantos e tão bons serviços lhe têm feito. Oxalá possa eu mostrar-lhes o meu reconhecimento pelo muito que VV. SS. hão concorrido ao desenvolvimento da arte litográfica até há 121 pouco tão acanhada. Felicitando-os por este novo triunfo, etc., etc. Assinado José da Costa Azevedo, capitão-tenente e chefe da comissão de limites com o Perú. Tabatinga, 31 de julho de 1866. Não satisfeito, o editor (Fleiuss, com certeza) ainda complementa, em seguida: O Sr. conselheiro sabe que o ilustre finado (então ministro da agricultura) era muito inteligente e de uma honestidade tão bem estabelecida, que não admitia ilusões de boa fé; sabe igualmente, que a Semana Illustrada não tem nada com esses trabalhos científicos, que podem ser examinados na Exposição Nacional. A crítica não foi feliz, nem acertada. A injustiça é o grande defeito dos despeitados. Quanto à expressão pepineiras, em referência a trabalhos que não solicitamos, mas nos foram encomendados e fizemos executar com todo o esmero por hábeis artistas, para isso expressamente contratados na Europa, nada nos cumpre acrescentar à seguinte observação: “Quando dos lábios de um homem na posição do Sr. Conselheiro Ottoni assoma palavra tal com tão feia intenção, a eles adere ad eternam rei, memoriam: não chega até nós. Fique-se pois S. Ex. com a polida expressão. Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1866. Imperial Instituto Artístico. 180 Um outro interessante exemplo da estratégia de Fleiuss e de seu Instituto, para viabilizar comercialmente seus trabalhos, pode ser encontrado no formulário para subscrição da obra “Brazões da Nobreza e Fidalguia do Império” que seria publicada pelo Imperial Instituto Artístico. Lê-se no texto do folheto181: NOBILIARQUIA BRASILEIRA. BRAZÕES DS NOBREZA E FIDALGUIA DO IMPÉRIO. Edição do maior esmero, litografada em cromo e colorida, publicada pelo IMPERIAL INSTITUTO ARTÍSTICO, Rio de Janeiro, Largo de São Francisco de Paula n. 16. A obra, publicada sob a proteção de S.M. o Imperador, que Se Dignou subscrever maior número de exemplares, constará dos brazões dos Titulares, dos brazões dos Grandes do Império, que não são Titulares, e dos brazões dos que não são Titulares, nem Grandes do Império. Cada exemplar do 1o volume constando de 100 brazões [...] As armas e os brazões são fornecidos ao Editor pelo Sr. L. A. Boulanger, Escrivão do Arquivo da Nobreza do Império e ao qual os titulares e nobres, que ainda não tiraram brazões, os podem encomendar por intermédio do Instituto com as convenientes explicações para que sejão feitos com a precisa perfeição. O Editor, desejando dar a este nobiliário o maior grau de perfeição a que possa atingir, solicita o concurso dos interessados, com o qual conta, visto como reconhece a utilidade de semelhante trabalho, arquivo onde os atuais nobres do Império e seus descendentes acharão registrados os serviços, que 180 Semana Illustrada, 9 dez. 1866, p. 2503. FLEIUSS, Henrique. IHGB, lata 354 – doc. 23. Localizamos, nos arquivos do IHGB, dois recibos de subscrição da obra: um ex. para o S.A.R. o Duque de Saxe e dois ex. para S.S.A.A. Imperiais. 181 122 têm prestado ao país, as recompensas que os aquilataram e as tradições de família. Rio de Janeiro, 1867. Imperial Instituto Artístico. H. Fleiuss, Proprietário da SEMANA ILLUSTRADA. As cartas devem ser enviadas ao IMPERIAL INSTITUTO ARTISTICO, Largo de S. Francisco de Paula n. 16. Listamos a seguir o resultado de um levantamento preliminar – menos que isto, na verdade – que serve de exemplo da diversidade das publicações do Imperial Instituto Artístico. Ressaltese os títulos científicos – textos em português, de circulação certamente muito baixa. Esta relação mostra um pouco do que anotamos, despretensiosamente, ao longo de nossa investigação: Apontamentos para a história. O visconde do Rio-Branco, de Luiz d’Alvarenga Peixoto; O Brasil na Exposição Internacional de Filadélfia, de Aimé Dufort, 1876 – edições em francês, inglês e português; Breves considerações sobre a história e cultura dos cafezais; Carta da parte das províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e S. Paulo, contendo o traçado da Estrada de Ferro de D. Pedro II; Carta das colônias de Santa Isabel, Rio Novo e Leopoldina; Carta de Iguape, S. Paulo; Carta do rio Amazonas, pelo capitão de mar e guerra José da Costa Azevedo; Carta do rio Japurá, pelo mesmo; Carta do continente da província de Santa Catarina; Carta Geral do Império do Brasil; Os Deuses de casaca, comédia de Machado de Assis; Do diagnostico em obstetrícia, memória apresentada ao primeiro Congresso Médico Pernambucano; Dos anthelminticos [anti-helmínticos], de Antonio Alves de Campos; Dicionário Marítimo Brasileiro do barão de Angra; Estatutos da Associação Asilo da Velhice Desvalida (Rio de Janeiro); Eucalyptus globulus, utilidade de sua cultura, apontamentos oferecidos à Associação Brasileira de Acolimação; Flor de Alza; O General H. Maximiano Antunes Gurjão (biografia), de José Tito Nabuco de Araújo; A grande política. Balanço do Império no reinado atual. Liberais e conservadores. Estudo político-financeiro por Tito Franco d' Almeida, 1877 ; Guerra do Paraguai, de A. de Senna Madureira; História natural popular, ilustrada com gravuras em madeira; Ilustrações da viagem científica; Mapa do sul do Império do Brasil e países limítrofes organizado segundo os trabalhos mais recentes por ordem de S. Ex. o Sr. Conselheiro Antônio Francisco de Paula e Souza, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, pelos engenheiros civis M. L. dos Santos Werneck e C. Krauss, 1865; Mapa Mercantil do Rio de Janeiro; mapas demonstrativos do incidente ocorrido nas obras hidráulicas da Alfândega, 1864; O mate no Paraná – em português, francês, inglês e alemão; Motins políticos ou história dos principais acontecimentos políticos da província do Pará desde o ano de 1821 até 1835 por Domingos Antônio Kaiol, 1865; Planta da cidade do Rio de Janeiro e 123 subúrbios; Planta hidrográfica de Laguna, levantada e desenhada pelo barão de Teffé; Planta hidrográfica do Passo da Pátria, incluindo o canal privado dos paraguaios e uma parte do rio Paraguai, desde as Três Bocas até a lagoa Serena, com as posições da esquadra brasileira nos combates de março e abril de 1866, pelo mesmo; diversas outras plantas das posições que ocuparam os beligerantes na guerra do Paraguai (suplementos da Semana Illustrada); Recordação da Exposição Nacional (álbum de litogravuras); O recurso da graça segundo a legislação brazileira, contendo a indicação e analyse das leis, decretos, avizos do governo e consultas do Conselho de Estado sobre a materia [...]; Repertório do Regulamento que baixou com o decreto [...] para a arrecadação do imposto pessoal criado pela lei [...] seguido de toda a legislação subsidiária ao mesmo Regulamento; Tratado da cultura da cana de açúcar por Alvaro Reynoso (trad. do espanhol); Vôos icários, de Rozendo Muniz Barreto; O Almirante Visconde de Inhaúma, de Antonio J. Victorino de Barros; diversas obras cromolitográficas, tais como a Estrada de Ferro de D. Pedro II (vistas das estações e pontes), As obras da Alfândega, etc.; Como se vê, o empreendimento editorial dos irmãos Henrique e Carlos Fleiuss e de Carlos Linde está por merecer um relato acerca da sua trajetória e contribuição àquele mercado – além da consequente presença no índice geral – na próxima edição da história do livro no Brasil elaborada por Laurence Hallewell, uma obra de fôlego que veio preencher uma lacuna, sem dúvida alguma. 182 Mas como bem disse Rafael Cardoso em ensaio recente, “no Brasil, a evolução do meio editorial é conhecida apenas um pouco, e a da indústria gráfica, menos ainda.”183 Fig. 27 – “Os sinos de S. Francisco no domingo passado tiveram a habilidade de ensurdecer toda a vizinhança de modo tal, que houve uma imigração geral para o Instituto dos Surdos-mudos. Quando acabará este BARBARISMO?” Entre os incômodos enfrentados por Fleiuss em seu dia-a-dia no Largo de São Francisco, pelo visto, estavam os sinos da igreja. Semana Illustrada, 06 jun. 1869, p. 3541. DiORa-FBN 182 O livro no Brasil : sua história. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 2005. Segundo o autor (p. 21), trata-se da quarta versão de sua pesquisa, originalmente uma tese de doutorado defendida na Universidade de Essex, Inglaterra (1975). 183 In: Origens do projeto gráfico no Brasil. CARDOSO, 2009, p. 68. 124 O Imperial Instituto Artístico teve, ao longo de sua existência, diversos endereços. Depois do início na rua Direita e de quase uma década no largo de São Francisco, observamos que a partir do número 459 de 26 de setembro de 1869 da Semana Illustrada, o endereço da Tipografia do Imperial Instituto Artístico – sempre impresso ao final da penúltima página do jornal – passa a ser rua da Constituição n. 1. O aviso havia sido feito no número anterior, onde o cartum da capa mostra o Dr. Semana entregando ao Moleque um anúncio para ser levado ao Jornal do Commercio, comunicando a mudança. Mas os motivos não ficam claros. Fig. 28 – “ – Leva este anúncio ao Jornal do Commercio: é a nossa mudança do largo de São Francisco para a rua da Constituição n. 1. – Mas não se dizem os motivos da mudança? – Temos tempo. Deixa estar que eu hei de dar ao Cesar o que é de Cesar, e..... ao diabo o que é do diabo.” Semana Illustrada, 19 set. 1869, p. 3657. DiORa-FBN. No número seguinte, aparece mais uma menção ao fato, na capa que estampa o Moleque em conversa com o Dr. Semana: – Em que pensa – o sábio Nhonho? – Penso, moleque, nos efeitos do cataclisma anunciado pelos meus colegas da Grâ-Bretanha. Tudo se muda na face da terra... – É verdade, Nhonho; até a Semana se mudou do Largo de S. Francisco para a Rua da Constituição n.1. 184 Já a partir do número 478, de 6 de fevereiro de 1870, o endereço passa a ser rua da Constituição ns. 1 e 6. Em janeiro do ano seguinte, a capa do n. 527 mostra a mesma dupla preparando a mudança da Semana para novo endereço: “O Dr. Semana, ajudado pelo seu incomparável Moleque, está procedendo à mudança do seu escritório e das suas oficinas da rua da Constituição ns. 1 e 6 para a rua 1º de Março (antiga Direita) n. 21 ao pé da rua do 184 Semana Illustrada, 03 out. 1869, p. 3673. 125 Ouvidor, onde estará sempre às ordens de V. S.” 185 É inevitável a idéia de volta às origens, o que se confirma na “conversa íntima entre o Dr. Semana e o Moleque” à p. 4215 do mesmo fascículo, cujo texto faz menção aos problemas que motivaram a saída do tradicional endereço do Largo de São Francisco e suas consequências, embora sem esclarecê-los devidamente: – Nhonhô, estabelecemos há mais de 10 anos o nosso jornal na rua Direita. – É verdade, como o tempo corre! mas então.... – Então mudamo-nos para o Largo de S. Francisco, onde por meio de pontapé e inquisição fomos postos no olho da rua. – Também é verdade... mas não me lembres estas coisas... – ... não lembrar-lhe! essa é boa! Então o Nhonhô já esqueceu do juramento que fiz, quando largamos aquela casa? – Lembro-me muito bem; e verás que o executo mais cedo ou mais tarde. A vingança é dos Deuses. – Neste intervalo, estivemos... – Cala-te, moleque. – E agora vamos para a rua Direita. – Primeiro de Março, com licença, segundo as escrituras fiscalizadas da câmara municipal... – Coincidência, Nhonhô, e que grande coincidência! – Qual? – Que estivéssemos defronte de S. Francisco e hoje fiquemos defronte da Cruz. Lá tivemos o no 16 e aqui temos 21. – Pois então! Que a Cruz e o Cruzeiro nos protejam; o resto fica por minha conta. – Pois sim, e eu tomo sobre mim os filhos dos bois e os grandes C. Zares. Moleque. Fig. 29 – “O Dr. Semana, ajudado pelo seu incomparável Moleque, está procedendo à mudança do seu escritório e das suas oficinas da rua da Constituição ns. 1 e 6 para a rua 1º de Março (antiga Direita) n. 21 ao pé da rua do Ouvidor, onde estará sempre às ordens de V. S.” Semana Illustrada, 15 jan. 1871, p. 4209. DiORa-FBN 185 Semana Illustrada, 15 jan. 1871, p. 4209 (capa). 126 Em dezembro de 1875, a Tipografia e Litografia do Imperial Instituto Artístico faz sua última mudança, desta vez para a ‘Chácara da Floresta, rua da Ajuda n. 61’. Esse número 61 era apenas a entrada da Chácara da Floresta – constituída por 3 casas de sobrado e 4 térreas, que progressivamente tornaram-se habitações coletivas. Ficava na encosta do morro do Castelo, “com entrada por onde é hoje a Biblioteca Nacional.” 186 Lá, Fleiuss encerrou a publicação da Semana Illustrada, em 1876 e deu início à publicação da Illustração Brasileira. Sobre esta publicação, Araújo Viana prestou o seguinte depoimento, numa de suas palestras ministradas em 1915, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: Fundou a Illustração Brasileira, a melhor publicação do gênero, impressa no Brasil naquela época. Saiu das oficinas de sua propriedade denominada – Imperial Instituto Artístico. Conheci pessoalmente Henrique Fleiuss, com quem tratei, quando acompanhei, em 1876, em suas oficinas a impressão de dois pequenos mapas de estradas de ferro, por mim organizados, de ordem do visconde de Bom Retiro, mapas esses anexos ao livro intitulado O Império do Brasil na Exposição Universal de Filadelfia, em 1876. 187 Em meio às histórias do mundo da imprensa no período, podemos encontrar informações esparsas que, uma vez reunidas e devidamente investigadas, poderão render um novo capítulo sobre aquele estabelecimento. Um exemplo: Nelson Werneck Sodré, em seu relato acerca do surgimento em março de 1869 do periódico liberal A Reforma, cujo manifesto de lançamento era assinado por José Tomás Nabuco de Araújo, Zacarias de Góis e Vasconcelos, Antônio Pinto Chichorro da Gama, Teófilo Benedito Otoni e Francisco Otaviano de Almeida Rosa, entre outros nomes, recorda que “Ouro Preto assumiria a direção do jornal, em janeiro de 1872. Foi quando foi trabalhar ali João Henriques de Lima Barreto, pai do romancista, egresso do Jornal do Comércio, formado no Instituto Artístico, de Henrique Fleiuss” (SODRÉ, 1983, p. 2020). E não se pense que era fácil a tarefa do Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde – nem mesmo quando prestavam os seus serviços especializados a um governo cujo imperador havia lhes concedido, anos antes, o título honorífico que os elevara a “imperial instituto”: a leitura do contrato para a publicação do esboço da Carta Geral do Império (cuja comissão acabou extinta), que Henrique Fleiuss negociou com a Secretaria do Estado, datado de 27 de novembro de 1871, serve de exemplo. Situemos deste documento – um ‘esboço’ 186 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, códice 44-2-12, apud: KESSEL, Carlos. Tesouros do Morro do Castelo : mistérios e história nos subterrâneos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2008, p.74. 187 VIANA, E. C. Araújo. 1916, p. 579. 127 dotado de forte carga simbólica 188 quando encarado sob o prisma da identidade nacional – no contexto da Guerra da Tríplice Aliança, cujos atos subseqüentes, naquela data, ainda estavam se desenrolando189: Após a morte de Solano López, em março de 1870 e após mais um passo importante rumo aos futuros tratados definitivos de paz no cone sul da América, ocorreu, em junho daquele mesmo ano, a assinatura de um protocolo entre o governo provisório paraguaio e os representantes aliados onde eram aceitos, em linhas gerais, os termos do Tratado da Tríplice Aliança. Na seqüência, deu-se a eleição da Assembléia Constituinte paraguaia e a eleição do presidente Rivarola. Já em princípios de 1871, foi assinado um acordo prévio entre os aliados, estabelecendo as condições de paz que seriam negociadas com o Paraguai e em 15 de novembro, durante as negociações com aquele governo, divergências entre os aliados levaram o representante argentino a se retirar para Buenos Aires. O barão de Cotegipe, representante brasileiro, continuou negociando e em janeiro de 1872, foi assinado o Tratado LoizagaCotegipe de paz, amizade, limites e navegação, sem a participação dos demais aliados. A reação da Argentina foi enérgica, uma vez que as suas reivindicações territoriais quanto ao Chaco continuavam sem solução, por ser a região reclamada pelo Paraguai. Só bem depois, em 1875, é que um ministro argentino e um enviado do governo paraguaio chegaram aos termos de um tratado de paz definitivo, e à revelia dos representantes brasileiros. Ainda assim, a presença brasileira em Assunção intimidou as autoridades paraguaias, que só vieram a assinar o Tratado de Paz, Amizade e Comércio com a Argentina em fevereiro de 1876. Em maio daquele ano, iniciou-se o processo de retirada dos militares brasileiros da divisão de ocupação, ali aquartelados desde o fim do conflito bélico. E só em novembro de 1878 é que as questões de fronteira entre a Argentina e o Paraguai, finalmente, chegaram a bom termo. Pois bem, foi no início deste processo de entendimentos entre os envolvidos, quando os brasileiros eram representados pelo barão de Cotegipe e as nossas questões de fronteiras naquela região já haviam sido equacionadas, que Fleiuss se envolveu na missão de produzir o já mencionado esboço da Carta Geral do Império – cuja comissão, como já dissemos, acabou extinta. Ainda assim, vale examinar algumas das cláusulas do rigoroso “Termo pelo qual 188 189 Aqui, esboço tem o sentido de resumo, síntese ou sumário. De acordo com a cronologia, às pp. 571-73, in: DORATIOTO, 2002. 128 Henrique Fleiuss se obriga a publicar o esboço da Carta Geral do Imperio 190, que trancrevemos no Anexo D do presente trabalho. Como se verá, trata-se de um contrato técnico, detalhista e rigoroso, para o trabalho de impressão do esboço da carta, em cromolitografia a três cores – este processo alcançou o seu auge justamente naquela segunda metade do século 19 e por aqui, o Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde era uma das firmas que se dedicava àquele gênero de impressão. Como já dissemos, a produção do Instituto é mais um desses tópicos a merecer um levantamento e estudo mais aprofundados, dada a sua relevância para a história cultural de nosso século 19. Como já foi visto, na parte em que apresentamos alguns dados biográficos de Henrique Fleiuss, a imponente (em termos de apresentação gráfica) revista Illustração Brasileira foi o penúltimo fruto do idealismo dele e deu seu Instituto – muito provavelmente, aquele que levou-os, em definitivo, à ruína financeira, num momento em que os principais editores tentavam fazer, na imprensa ilustrada carioca, a transição para um modelo mais desenvolvido e antenado com os similares europeus e norte-americanos. A Illustração Brasileira teve curta duração, mostrando-se comercialmente inviável e fracassou. Um momento doloroso para Fleiuss, com certeza, pois foi com um jornal daquele gênero que certamente sonhara, desde quando fundou a Semana Illustrada. Ao encerrá-la em 1878, após a morte de seu irmão Carlos Fleiuss – e, lembremo-nos, já carente da parceria de Carlos Linde desde o seu falecimento em 1873 – Henrique Fleiuss acabou por dar fim, igualmente, às atividades do Imperial Instituto Artístico. 190 Termo do contrato para a publicação do esboço da Carta Geral do Império, por (...). Secretaria do Estado, 2711-1871 – 3 fls. (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - Lata 345 - Doc. 21) 129 3 A Semana Illustrada O Brasil, grande pelo seu território e pela importância comercial que vai naturalmente adquirindo todos dias, carecia de um jornal ilustrado que desenvolvesse o gosto das belas artes, tão amesquinhadas ainda, e tendesse ao fim moralizador de por em evidência certos hábitos, certos tropeços que encravam a roda do progresso. É esse o único desideratum da Semana Illustrada. Anúncio no Jornal do Commercio, 17 dez. 1860, p. 4. AOS ASSINANTES DA SEMANA. Aos meus caros assinantes, E aos que hão de sê-lo algum dia, Tenho um pequeno desejo, Mas de máxima valia; Tempo – para ler-me sempre; Gosto – para apreciar; Estima – para estimar-me; Dinheiro – para pagar. Semana Illustrada Datada de 16 de dezembro de 1860, um domingo, foi lançada no Rio de Janeiro a Semana Ilustrada. Segundo Álvaro Cotrim, “aquele número 16 seria talvez um vaticínio, pois, curiosamente, a Semana Ilustrada viveria 16 anos.” 191 Pouco mais de uma década e meia de existência para um jornal ilustrado, naqueles tempos, era algo fenomenal – não por acaso, este foi o recorde da categoria, no período do Segundo Reinado. A proposta editorial já estava dada, por inteiro, no título – um hebdomadário, e ilustrado (esclarecido, sábio) e ilustrado (contendo ilustrações, gravuras). Este título, que declarava a opção pela imagem e assim o distinguia dos principais órgãos de imprensa da corte no período, não era original: os principais jornais com imagens da Inglaterra, França e Alemanha 192, entre outros, também eram ‘ilustrados’ no título. Um trecho do editorial do primeiro fascículo (04 mar. 1843) do L’Illustration, p. ex., dizia: “Já que o gosto do século reabilitou a palavra Ilustração, tomemola! Dela nos serviremos para caracterizar um novo modo de imprensa noticiosa.” 193 Como já mencionamos, o editor Henrique Fleiuss teria afixado, em alguns locais da cidade, um cartaz ilustrado que mostrava a primeira página do periódico, ampliada. 191 COTRIM, Álvaro (Álvarus). Presença de Henrique Fleiuss e a “Semana Ilustrada”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 ago. 1973. Na verdade, o jornal não alcançou o 16º ano, tendo durado quinze anos e três meses. 192 The Illustrated London News (1842), L’Illustration (1843) e Illustrirte Zeitung (1843). 193 “Puisque le goût du siècle a relevé le mot Illustration, prenons-le! Nous nous em servirons pour caractériser um nouveau mode de presse nouvelliste.” [tradução nossa] Trecho do editorial intitulado “Notre but”, L’Illustration, n. 1, 04 mar. 1843, p. 1. 130 No dia seguinte, 17 de dezembro, Fleiuss mandou publicar um grande anúncio à página 4 do Jornal do Commercio. À sua volta, haviam os anúncios da Botica Central Homeopática da viúva Martins, da loja de fazendas de moda e costuras de Frederico Ottiker, da Injection Brou, um ‘milagroso’ remédio que acabava de chegar, dos fósforos ingleses, das camisas francesas e camisas para escravos, dos tratamentos para erisipela e outras moléstias, além dos anúncios de venda e aluguel de pretos, pardos e amas de leite. O anúncio apresenta um primitivo ornato xilográfico em meio ao texto, no qual destaca-se a figura de um corneteiro – um estranho homem portando pequeníssimo instrumento, de onde sai uma grande letra ‘S’: “Semana Illustrada, jornal hebdomadário, ornado com quatro páginas ilustradas. Publica-se todos os domingos. Distribui-se hoje o n. 1. Subscreve-se [...]” Figs. 30 e 31 – À esquerda, vemos a página 4 do jornal, com o anúncio do Semana Ilustrada ao meio. À direita, temos a ampliação do anúncio. Jornal do Commercio, 17 dez. 1860, p. 4. CoPer-FBN Em seguida, um texto informativo da novidade, que já expunha uma síntese do programa da publicação, naturalmente acompanhado de uma dose de crítica social – o que seria uma 131 constante na trajetória do periódico: É esta uma publicação de grande importância para o Brasil, não obstante parecer à primeira vista que seu único fim é distrair o espírito das fadigas diárias, alimentando-o com críticas ligeiras e desenhos humorísticos. Enganar-me-ia nos cálculos que fiz? Não, porque não calculei, segui apenas o exemplo de todos os países da velha Europa. Aí não há uma capital, uma cidade, uma simples aldeia que não possua um jornal deste gênero. [grifo nosso] A crítica bem manejada, quando não ataca personalidades, é sempre bem aceita por todos, porque aponta os vícios, os preconceitos, os maus hábitos, os abusos que convém abolir, como prejudiciais à sociedade em geral e ao homem em particular. E a sociedade e o homem apreciam a delicadeza tanto quanto a veracidade da crítica, e, rindo sempre, procuram emendar-se. Tal foi sempre o resultado das publicações deste gênero. O Brasil, grande pelo seu território e pela importância comercial que vai naturalmente adquirindo todos dias, carecia de um jornal ilustrado que desenvolvesse o gosto das belas artes, tão amesquinhadas ainda, e tendesse ao fim moralizador de por em evidência certos hábitos, certos tropeços que encravam a roda do progresso. É esse o único desideratum da Semana Illustrada. Quererá o Brasil mostrar-se menos progressista do que as mais insignificantes cidades do velho mundo? Não cremos; tanto não cremos que, empreendendo esta publicação tão difícil entre nós, contamos com a coadjuvação do público. As pessoas que nos quiserem obsequiar com artigos, desenhos e notícias, terão a bondade de remetê-los em carta fechada à livraria dos Srs. F. L. Pinto & C., rua do Ouvidor n. 87, devendo ser a carta dirigida à redação da Semana Illustrada. Tem direito a receber grátis um trimestre deste jornal quem nos fornecer um bom desenho, artigo humorístico ou crítico, quer em verso quer em prosa. Não serão aceitos, ainda que legalmente responsabilizados, os escritos e desenhos que disserem respeito à vida privada de quem quer que seja. O programa do jornal era claro, e ambicioso. De saída, ocorre-nos uma pergunta: quem seria o responsável pela redação? Pois se Fleiuss chegara há pouco da Alemanha, já estaria ele em condições de manejar o português com tal desenvoltura? Pouco provável. E por conseguinte, ele deve ter se valido de redatores/revisores desde o princípio, embora a sua marca estivesse claramente impressa em todos os textos que levavam a assinatura – explícita ou não – da Semana Illustrada. Passemos ao jornal. 132 3.1 O surgimento do jornal e seu projeto editorial e gráfico Com a litografia, a técnica de reprodução atinge uma etapa essencialmente nova. [...] As artes gráficas adquiriram os meios de ilustrar a vida cotidiana. Graças à litografia, elas começaram a situar-se no mesmo nível que a imprensa. [...] O jornal ilustrado estava contido virtualmente na litografia [...]. Walter Benjamin, 193_ 194 Muito mais vigor tem o vosso espirituoso buril e com a mão já destra sabeis brandir o látego. Alfredo d’Escragnolle Taunay, em carta ao editor da Semana Illustrada, 1865 195 O cabeçalho do periódico, com o nome em meio a uma ilustração rica em detalhes, ocupa quase toda a metade superior da primeira página. Logo abaixo da ilustração, à esquerda, pedese que “os Senhores, que nos quiserem honrar com artigos e desenhos terão a bondade de remetê-los, em carta fechada à redação da Semana Illustrada, na Rua do Ouvidor no 87, livraria de F. L. Pinto & C.a” Ao centro, o número do fascículo e a periodicidade (“Publica-se todos os domingos”) e à direita, os preços das assinaturas. O exemplar avulso custava 500 rs., mas o preço unitário decaía progressivamente em caso de assinatura (trimestral, semestral ou anual), havendo preços diferenciados, um para a corte e outro para as províncias. Segundo Max Fleiuss, Carlos Linde foi o impressor do jornal, durante os seis primeiros anos de sua existência. A livraria de F. L. Pinto, segundo Laurence Hallewell196 era originalmente a filial de uma livraria parisiense, aqui dirigida por Louis Mongie de 1832 até sua morte, em 1853. Joaquim Manuel de Macedo descreveu-a, em suas Memórias da rua do Ouvidor 197 como “um ponto de encontro de escritores e intelectuais, que podiam contar com uma conversa animada, culta e interessante. [...] Foi preciosa fonte de civilização e era frequentada pelos homens de letras e pelos cultivadores das ciências que achavam nela os melhores livros de publicação recente.” Foi a segunda livraria carioca a possuir um gabinete de leitura e seu dono, segundo Macedo, “tinha instrução variada, trato ameno e era excelente orador.” 194 BENJAMIN, 1994, pp. 166-167. In: Expedição ao Mato Grosso. Primeira carta. Semana Illustrada, 30 abr. 1865, p. 1833. 196 HALLEWELL, 2005, pp. 153-154. 197 Joaquim Manuel de Macedo, Memórias da rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, Tipografia Perseverança, 1878. Apud: HALLEWELL. 195 133 Fig. 32 – Primeira página do primeiro fascículo da Semana Illustrada, 16 dez. 1860. DiORa-FBN Após a morte de Louis Mongie, nos conta Hallewell, a loja foi transferida para Pinto & Waldemar e a partir de 1858 tornou-se F. L. Pinto & Cia., primeiro endereço da Semana Illustrada. Utilizava o nome de Livraria Imperial, ‘fornecedores de S. M. o Imperador’. Antes de continuarmos nossa descrição e análise do cabeçalho da Semana Ilustrada, vale aqui transcrever – com o intuito de ainda melhor situar e enfatizar a sua importância no cenário carioca – o que disse Nelson Werneck Sodré acerca do significado do lançamento deste periódico: Quando Henrique Fleiuss lançou, na Corte, em 1860, a Semana Ilustrada, tinham circulado já, [...] pequenos e toscos jornais de caricaturas e havia litografias que tiravam estampas avulsas; o que não havia era uma revista ilustrada: nesse sentido, Fleiuss foi, realmente, pioneiro. A Revista Popular, 134 antes, era mensário com figurinos intercalados no texto e uma que outra estampa, mas eram impressas na França e remetidas ao Garnier, que as inseria na revista. [...]” 198 É fato que Werneck Sodré se esqueceu de citar A Marmota Fluminense, a lendária revista literária editada por Francisco de Paula Brito, que veiculou algumas ilustrações dignas de estudo 199 e onde Machado de Assis publicou seus primeiros escritos literários. Max Fleiuss informa que “em 1859, quando Fleiuss abriu o seu estabelecimento gráfico, existiam, no Rio de Janeiro, apenas 24 tipografias. No ano de 1860, em que surgiu a lume a Semana Illustrada, havia entre nós 34 periódicos, dos quais 29 em português, dois em francês, dois em italiano e um em espanhol; e existiam 28 tipografias 200.” Mauro César Silveira, um dos primeiros estudiosos a aprofundar o estudo da imprensa ilustrada durante a guerra contra o Paraguai, afirma que “a partir das revistas ilustradas, os leitores brasileiros [...] podiam finalmente “ver” os acontecimentos na imprensa. O impacto das imagens era flagrante: figuras chegavam a ocupar inteiramente as páginas das publicações, contrastando com a diagramação pesada dos grandes jornais e suas intermináveis colunas de textos.201 Fig. 33 – Esta imagem esteve presente na primeira página de todos os 797 fascículos da Semana Illustrada. Traçando as diagonais, observa-se que a Cruz de Ferro está posicionada exatamento no centro do desenho. 198 SODRÉ, 1983, p. 205. Ver CARDOSO, 2008a, pp. 45-53. 200 In: Centenário de Henrique Fleiuss. Revista do IHGB, 1927. 201 SILVEIRA, 1996, p. 42. 199 135 Voltemos à ilustração da capa, principal elemento da identidade visual da Semana Ilustrada ao longo de toda a sua trajetória. O personagem central é o busto de um homem vestido de maneira curiosa, lembrando um ator [e concertatore?] da Commedia dell’Arte, o teatro de rua tão popular na Itália e depois na França entre os séculos 16 e 18. Ou talvez, um mágico operador de uma lanterna mágica itinerante. Punhos rendados, uma Cruz de Malta – mais precisamente uma Cruz de Ferro – no peito e um chapéu tirolês (ou bávaro) bem encaixado na cabeça, com longas penas pendendo da aba. Mantém o olho direito fechado e o esquerdo bem aberto e fixo no leitor, como se desse uma piscadela, complementada por um enigmático sorriso que lhe escapa dos lábios cerrados. Ele segura um exemplar da Semana Ilustrada no mão direita, enquanto com a esquerda, ajuda duas alegres figuras a passar uma lâmina de imagens através de uma lanterna mágica – devidamente identificada – que está posicionada à sua frente. Das alegres figuras que ele ajuda, a da esquerda é sem dúvida o bufão, o bobo da corte, aquele personagem medieval que acompanhava o rei, encarregado de entretê-lo – e criticá-lo, livre de qualquer risco. Ou seja, podia dizer o que os outros só pensavam. Na base do humor, deveria contribuir para a lucidez do monarca, com relação à realidade da sua corte. Na objetiva da lanterna mágica, lê-se o lema escolhido por Fleiuss para a sua publicação – a expressão latina ‘ridendo castigat mores’. Aquele tubo será, então, o ‘caleidoscópio dos vícios’. Já no primeiro editorial da Semana Illustrada, nosso editor avisava: “Censuraremos rindo, e conosco rirá o leitor, pois em todo esse mundo movediço que se enfeita ao espelho, e apregoa o seu valor extremo há um lado vulnerável onde penetra o escalpelo da crítica, há uma parte fraca que convida ao riso.” Mas há também o outro lado, como esclarece Heliana Angotti Salgueiro: “se as conotações irônicas e a denúncia declarada ou simbólica, política, satírica, alegórica ou fantástica dos vícios da sociedade continuavam presentes nas ‘projeções luminosas’ das lanternas mágicas até o final do século XIX, o divertimento, a pedagogia e a instrução, além do catecismo, passam a predominar a partir de 1835.” Mas a autora está tratando, no caso, do ambiente francês e deixa claro que “não encontrei pesquisa detalhada sobre a prática das projeções no Brasil.” 202 202 ‘A Lanterna Mágica, síntese de uma época dominada pela imagem’ constitui-se na parte final do texto introdutório de sua autoria, no catálogo da exposição A Comédia Urbana : De Daumier a Porto-Alegre, MAB/FAAP, São Paulo, 2003, pp. 18-27. 136 A ilustração é assinada: no canto inferior esquerdo, podemos ler “Rio”. O único nome que nos ocorre é o de Ernesto Augusto de Souza e Silva Rio, o caricaturista colaborador da Semana Illustrada, mais conhecido pelo pseudônimo Flumen Junius, e que segundo Gonzaga Duque, também assinaria “E. Rio” – mas não apenas “Rio”. Pouco provável, pois, que ele seja o criador do cabeçalho. No canto inferior direito, lemos “Ipse pinx”, do latim “eu próprio fiz”, que anos depois foi substituído por “Ipse fec”, cujo sentido é o mesmo, já que pinx (pinxi, pingo) e fec (feci, facio) são abreviaturas tradicionalmente usadas, no mundo da gravura, para designar o criador da obra original. Assim, tudo leva a crer que trate-se apenas da maneira original e humorada de Fleiuss assinar o desenho ‘que ele próprio fez’ – uma brincadeira, talvez, com o duplo sentido do vocábulo – a cidade (Rio) e o verbo (rir). De um ponto de vista geométrico, a cruz está no centro; a cruz cuja presença, bem sabemos, é uma constante ao longo da história de inúmeras civilizações, relacionada a questões esotéricas, místicas, religiosas e/ou militares. Depois da cruz de Cristo, a mais disseminada é a cruz de Malta. Na defesa militar da cristandade, a cruz de Malta foi o emblema dos ‘cavaleiros de São João’, originados a partir de um hospital em Jerusalém (ca. 1070) e que constituíram uma ordem religiosa e militar após a primeira cruzada (ca. 1100). Também conhecidos como ‘Hospitalários’, integravam a ‘Ordem dos Cavaleiros de São João de Jerusalém’ que ao longo dos séculos enfrentou algumas mudanças no local de sua sede, até se estabelecer por longo tempo na ilha de Malta e finalmente, junto ao Vaticano – sendo hoje conhecida como a Ordem de Malta. Voltando à cruz, em sua versão medieval, a força de seu significado viria de suas oito pontas, que expressariam as forças do espírito e a regeneração. Figs. 34 a 37 – À esquerda, um detalhe do personagem da Semana Illustrada, com a cruz no peito. Na sequência, a Cruz dos Cavaleiros de São João, a Cruz da Ordem de Cristo portuguesa e a Cruz de Ferro prussiana de 1813. 137 A primeira bandeira hasteada no Brasil trazia a cruz da Ordem de Cristo, outra variante da cruz de Malta, também presente em algumas caravelas. Na bandeira do Império do Brasil vigente durante o Segundo Reinado, a Cruz da Imperial Ordem de Cristo (similar) estava presente. Esta última ordem, honorífica, tinha suas origens na outra, ordem religiosa e militar medieval, criada em Portugal no século 14. Mais à frente, em uma de suas versões mais simplificadas, a cruz de malta tornou-se, em termos geométricos, o resultado da conjunção dos vértices de quatro triângulos isósceles – assim como a cruz usada pelo nosso personagem. Trata-se de uma variante da Cruz de Ferro – inspirada na antiga cruz dos cavaleiros teutônicos e criada em 1813 a pedido do rei Frederico Guilherme III da Prússia, para condecorar seus soldados na guerra da libertação (contra Napoleão), por atos de heroísmo e bravura, e cujo uso se disseminou, como condecoração militar. Concebida por um arquiteto prussiano, a Cruz de Ferro é evidentemente inspirada na Cruz de Malta e na Cruz da Ordem de Cristo portuguesa. ‘Ridendo castigat mores’, o lema do jornal, significa ‘Rindo, castigam-se os costumes’ ou, numa tradução/interpretação mais otimista, ‘Pelo riso, corrigem-se os costumes’ 203. É a divisa da comédia clássica, originalmente ‘Castigat ridendo mores’, de autoria do poeta francês seiscentista Jean de Santeul (ou Santeuil), que teria se inspirado na atuação do ator bolonhês Domenico Biancolelli, que representava magistralmente o arlequim – personagem da comedia dell’arte, cujo traje consiste de retalhos multicoloridos, geralmente em forma de losangos e cuja função era divertir o público nos intervalos, com chistes e zombarias. À volta do personagem central – que se encontra sob um sol radiante e humanizado, ladeado por uma estrela, uma lua e mais ao longe, por uma estrela cadente (ou seria um cometa?) – estão alguns dos costumes e situações marcantes da sociedade da época, e que virariam assunto nas páginas da Semana Ilustrada: nos cantos superiores, dois personagens fantasiados, um portando um fole e o outro uma seringa, como num entrudo204, em pleno enfrentamento, em plena folia. Mais abaixo e em destaque, por se encontrarem à frente dos outros personagens, à esquerda da lanterna mágica, vemos um casal e outros personagens sentados no chão – estariam eles extasiados? 203 O verbo latino tem o sentido de repreender, censurar, castigar; mas também pode significar corrigir. Segundo FERREIRA (p. 667), “folguedo carnavalesco antigo, que consistia em lançar uns aos outros água, farinha, tinta, etc.” 204 138 Figs. 38 e 39 – A metade esquerda da imagem e o detalhe da mesma. À direita da lanterna mágica, em primeiro plano, destaca-se um casal sentado onde a figura masculina, que abraça a figura feminina, tem as vestes de um padre – clara referência ao anticlericalismo então vigente. Atrás deles, entre outros personagens, uma mulher com um vestido rodado; outra mulher, negra, com um pano enrolado na cabeça; a seu lado, o que parece ser um guerreiro medieval vestindo uma armadura e na sequencia, uma bailarina – talvez uma referência simbólica a alguns dos temas presentes no periódico. Mas acima de tudo, o que se percebe é que a proposta era mesmo castigar, impiedosamente, os costumes. Figs. 40 e 41 – A metade direita da imagem e um detalhe da mesma. Voltando a observar os olhos do personagem central, ocorre-nos uma outra possibilidade de interpretação; pois sabemos que Fleiuss se comprometeu desde o início a não tratar da vida 139 pessoal e íntima dos cidadãos, nas páginas de seu jornal. E sendo assim, em vez de piscadela, estaria ele simplesmente ‘cerrando os olhos’ ao que se passava à sua direita, com os ‘extasiados’ que seriam mais coerentes em seu lado obscuro da vida, enquanto mantinha o olho aberto para o lado esquerdo, onde se localizava a sociedade que a todos se mostrava, o “mundo movediço” que se enfeitava ao espelho e apregoava o seu valor extremo, com toda a sua diversidade, a sua falsidade e as suas idiossincrasias? Torna-se inevitável, neste caso, a associação com a conhecida ‘fotografia composta’ de autoria de Gustav Rejlander, que tanto sucesso fez ao ser apresentada na Manchester Art Treasures Exhibition de 1857, apesar das críticas à nudez masculina e feminina, juntas, na mesma fotografia. Ainda assim, a rainha Vitória adquiriu uma cópia de The two ways of Life com o objetivo de presentear o príncipe Alberto, que era um entusiasta da fotografia. Fig. 42 – The two ways of life, fotografia de Oscar Gustav Rejlander. Inglaterra, 1857. O artista gastou um mês e meio para produzi-la, a partir dos negativos de aproximadamente trinta outras fotos, que realizou separadamente. O negativo original desta imagem composta integra a coleção da Royal Photographic Society, hoje sob a guarda do National Media Museum, Bradford, Inglaterra. <http://www.nationalmediamuseum.org.uk/Collection/ Photography/RoyalPhotographic Society.aspx> A imagem nos mostra um homem, que representa o pai, ao centro. Seus dois filhos o ladeiam, cada um voltado para uma das extremidades: é o momento da escolha entre os dois caminhos da vida (= the two ways of life). À esquerda, o caminho da imoralidade – o jogo, a bebida, as sereias encantadoras e sedutoras. À direita, o caminho para uma vida honrada, reta, idônea – a religião, o conhecimento, a compaixão. É possível que Fleiuss desconhecesse a imagem ou mesmo que não tivesse dela recebido qualquer influência. 140 Figs. 43 e 44 – Detalhes do desenho de Fleiuss e da obra fotográfica de Rejlander – cada um dos personagens tem a sua própria gestualidade; o primeiro segura um fascículo da sua Semana Illustrada. Mas é muito provável que ele, assim como Rejlander, tivessem sido influenciados, mesmo que inconscientemente, pelo célebre afresco Causarum cognitio (O conhecimento das causas), que tornou-se mais tarde conhecido pelo nome Escola de Atenas, pintado por Rafael Sanzio em uma sala do Palácio Vaticano – a Stanza della Segnatura – retratando uma reunião de filósofos da antiguidade.205 Que Henrique Fleiuss tinha em Rafael uma de suas referências não resta dúvida. Em 1864, meses após o lançamento de As Brasilianas, livro de poesias de Manoel de Araújo Porto Alegre, a Semana Illustrada publicou longo e elogioso texto onde, depois do comentário “muitos o desconhecem, e quase ninguém o aprecia”, terminava assim: “Vai, pois, livrinho de um pioneiro das artes, espalha-te por esse mundo, e aviventa a saudade de Porto Alegre ausente.” 206 Na época, Porto Alegre já se encontrava longe do Brasil, dedicado à carreira diplomática. O texto (de Fleiuss, provavelmente) evidencia a admiração àquele que foi, ainda, o autor da primeira caricatura (ou cartum) publicada no Brasil, em 1837 e de um dos primeiros jornais de humor político, a Lanterna Mágica, como já vimos. Evidencia, também, a admiração por Rafael, quando comenta a primeira longa viagem de Porto Alegre à Europa, na década de 1830: “É um brasileiro, que, debaixo do céu que inspirar [sic] aos Rafael, Miguel Ângelo, Ticiano e tantos outros, fora dar vulto à sua bela imaginação, e sorver a longos tragos o espírito e as harmonias, emanando das obras, às quais os grandes mestre devem a sua imortalidade. 205 206 Sobre esta sala ver, p. ex., GOMBRICH (1996, pp. 485-514). Semana Illustrada, 06 mar. 1864, p. 1346. 141 Figs. 45 a 47 – O afresco pintado por Rafael, intitulado Causarum cognitio e mais conhecido como A escola de Atenas, mede 5m x 7,7m. À direita, os detahes de Platão e Aristóteles, cada qual com seu gesto – o primeiro, segurando uma cópia do seu Timeu e o segundo, a sua Ética a Nicômaco. (Reprodução extraída do site do Museu do Vaticano) Face ao exposto e sem querermos nos estender mais neste assunto, podemos agora voltar à identidade visual da Semana Illustrada e finalizar a nossa análise, tratando um pouco mais da lanterna mágica, invenção do século 17 comumente atribuída a Athanasius Kircher, que na verdade teria sido o vulgarizador da criação de contemporâneos seus. Em primeiro lugar, a redundância de Fleiuss ao escrever o nome do aparelho sobre o mesmo, parece-nos, estava menos relacionada à necessidade de esclarecer os leitores desinformados e mais relacionada ao finado jornal de Porto Alegre – tratava-se de uma referência e de uma homenagem, pois. Ressalte-se que segundo Herman Lima (LIMA, 1963, p. 745) e Álvaro Cotrim (COTRIM, 1973), há um erro de grafia: “singularíssimo foi o capricho de Henrique Fleiuss, de jamais permitir que se corrigisse um erro gráfico que aparece no cabeçalho da revista (Laterna Mágica) mantido até o término da publicação, em fins de 1876.”207 Pouco provável esta hipótese; afinal, no latim, existe o substantivo feminino laterna (que significa lanterna) assim como o adjetivo ‘magica’. Em segundo lugar, a presença da lanterna mágica e de seu operador na identidade visual, que persistirá inalterada durante todo o período de existência da publicação, constitui-se em importante indicativo do valor atribuído pelo editor Henrique Fleiuss não apenas àquele aparelho que projetava imagens, com a dupla função de informação e divertimento, mas 207 COTRIM, Álvaro (Álvarus). Presença de Henrique Fleiuss e a “Semana Ilustrada”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 ago. 1973. 142 também aos usos simbólicos da expressão. É Heliana Angotti Salgueiro quem esclarece, referindo-se ao verbete encontrado no Grand Larousse du XIXe siècle: “[...] o termo lanterna (mágica) designava também impressos. Revistas, pasquins – sentido que nos interessa particularmente –, vários jornais ou recueils, periódicos, coletâneas foram publicados com esse título desde o final do século XVIII [...].” 208 Outro indicativo da relação de Fleiuss com os aparatos ópticos encontra-se presente na metade inferior da página que, de acordo com o projeto gráfico idealizado para o periódico, traria sempre uma ilustração legendada acerca de um assunto de destaque na semana. Ali, o mesmo personagem já descrito passeia sobre o globo terrestre numa charrete puxada por seres alados observados por um sol sorridente – Apolo estava por trás daquilo tudo, com certeza. Uma de suas acompanhantes, de pé na parte traseira do veículo, com longo vestido esvoaçante, empunha uma faixa bastante comprida onde se lê uma outra expressão latina recorrente na escrita fleiussiana, originária da obra Satiricon, de Petrônio: sol lucet omnibus ou o sol brilha para todos. 209 Fig. 48 – A metade inferior da página 1 do primeiro fascículo da Semana Illustrada. 208 209 Op. cit., p. 24. Originalmente, sol omnibus lucet, 143 Mas estariam os leitores da Semana preparados para captar tão elaborada mensagem? Afinal, este enunciado pode ser compreendido em sua acepção de justiça social, mas também pode ser lido como fina ironia de quem o cita ou mesmo como severa crítica à sociedade. Pois o Satiricon de Petrônio, considerado a mais importante fonte de estudos do latim vulgar – que o autor permeia com sua prosa erudita – é a obra cujo capítulo mais estudado descreve o Banquete de Trimalquião, onde Petrônio retrata com maestria uma Roma decadente, tomada pelas orgias e depravações. Claudio Aquati, o tradutor de uma recém publicada edição brasileira desse clássico (2009), comenta que a expressão sol lucet omnibus é “pronunciada pelo protagonista Encólpio, quando percebe que seu amante Gitão está sendo cobiçado por Eumolpo e covardemente parece aceitar a divisão de seu amado com o velho poeta devasso. O uso dessas sentenças nos dias de hoje estão [sic] bem distanciadas de seu contexto original.” 210 A obra é preciosa fonte para quem quer inspirar-se para a crítica social. Entre outras expressões comentadas pelo tradutor, citaríamos mais uma: “Manus manum lavat (uma mão lava a outra), pronunciada por uma das personagens do Banquete de Trimalquião enquanto comentava os jogos populares custeados por certa personalidade que desejava reeleger-se para os cargos públicos.” 211 Voltemos à imagem da Semana Illustrada: a charrete está passando sobre a América do Sul – mais especificamente sobre o Brasil, cuja representação, na superfície do globo, remonta aos fictícios mapas coloniais – mais uma crítica de Fleiuss ao estado geral da nação brasileira, a necessitar de urgentes reformas modernizadoras – e a legenda esclarece: “A Semana Ilustrada começa a sua viagem humorística pela América Meridional”. Um obscuro personagem trajando uma cartola, figura enigmática, representada em contraluz – não se sabe bem se ele segue a carruagem ou se está mais ao fundo, caminhando em outra direção – poderia ser a primeira aparição do Moleque, talvez, sobre quem discorreremos à frente. Confortavelmente instalado, nosso personagem observa o país através de um binóculo. O binóculo possibilitava ao editor observar em detalhe o que estava distante, sem mesmo ser invasivo; a lanterna mágica possibilitava a projeção, em grande escala, de imagens e mensagens textuais a largas audiências, simultaneamente. Neste universo, estão presentes alguns dos aparatos ópticos que contribuíram, mesmo que de maneira secundária, para o estabelecimento da nova visualidade que se instaurou desde o início do século 19, e que mais 210 211 Entrevista disponível em: < http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=230> Idem. 144 à frente, deu suas boas-vindas à fotografia. Podemos, assim, apreender um pouco mais sobre a figura de Henrique Fleiuss, um ativo participante daquele momento ‘crucial’ para as artes gráficas, na corte do Rio de Janeiro. Finalizando, poderíamos dizer, então, que o exame da primeira página do primeiro número da Semana Ilustrada alardeia a grande notícia daquele dezesseis de dezembro, que era o próprio advento da Semana Ilustrada, introduzindo uma proposta inovadora de comunicação jornalística, de comunicação visual. Ainda sobre este aspecto metalingüístico, atentemos mais uma vez para as palavras de Orlando da Costa Ferreira, ao discorrer sobre as origens do cartaz no Rio de Janeiro e no Brasil – tema este já abordado, quando tratamos da biografia de Henrique Fleiuss: Curioso é que o cartaz ilustrado [grifo nosso] tenha se constituído no Brasil numa espécie de informação da informação, pois parece que os primeiros foram os afixados pelo ateliê dos Fleiuss para anunciar o lançamento da Semana Ilustrada, em 1860, consistindo, segundo informam antigos testemunhos, numa ampliação da própria capa do primeiro número do periódico. [...] Parece que Fleiuss seguia um modelo europeu que até o presente século foi imitado no Rio de Janeiro [...] 212 É certo, como já vimos, que os cartazes puramente tipográficos já eram usados por aqui, mas isto não nos impede de afirmar que tal iniciativa se coloca entre as primeiras do Brasil – tendo sido este, talvez, o nosso primeiro cartaz ilustrado – e representou, junto com o anúncio no Jornal do Commercio, um feito significativo no campo das atividades publicitárias em nosso país. Vejamos agora o primeiro editorial de seu novo jornal: A SEMANA ILUSTRADA “Ridendo Castigat Mores” Sob esta divisa singela e expressiva aparece hoje a Semana Ilustrada pedindo a aceitação do público ao encetar a sua variegada tarefa. Não vem ela contar aos seus leitores por que novas fases passou ontem a política, quais foram as operações mais recentes da praça, quantos ratoneiros caíram nas mãos da polícia, enfim porque motivo tateamos na sombra a tantos respeitos, apesar de vivermos no século das luzes, e à luz magnífica do gás do Aterrado. Não; a missão do modesto atleta, que entra hoje no vasto areal da imprensa, é mais laboriosa, também mais transcendente. Falamos por ele. 212 FERREIRA, 1994, p. 441. 145 Estranho às mesquinhas lutas da política pessoal, ao exame e discussão de nihilidades, e ajudados por ventura do favor público propomo-nos principalmente a realizar a epígrafe que precede estas linhas Ridendo Castigat Mores. Adeptos da escola desses críticos que em suas observações e pareceres deixavam em descanso os venerandos autores de obras meritórias, inimigos da fofa pretensão dos Colombos da imprensa que em sua fantasia descobrem novos mundos a cada passo, novos princípios, novos preceitos, novas conveniências sociais a cada momento, não nos arrogamos o papel presumido de censores da sociedade – de ferula alçada, e olhar carregado. Longe de nós tal propósito. [...] Riamos! Em toda essa multidão que se move curvada sobre o futuro; em todos esses energúmenos que enxergam horizontes claros através da fumaça do charuto, e namoram a própria sombra, há um lado ridículo que merece particular atenção, e é dele que nos ocuparemos. [grifo nosso] Buscaremos a humanidade fora dos templos, longe dos cemitérios; além desses lugares neutros será ela conosco; iremo-nos com ela. Na política, no jornalismo, nos costumes, nas instituições, nas estações públicas, no comércio, na indústria, nas ciências, nas artes, nos teatros, nos bailes, nas modas acharemos para a Semana Ilustrada assunto inexaurível, matéria inesgotável para empregar o lápis e a pena. [grifo nosso] Expectadores ativos, mas imparciais, de todas as lides empenhadas por essas grandes turmas, aplaudiremos o bem que praticarem, e sem temor da polícia censuraremos o mal que fizerem. Censuraremos rindo, e conosco rirá o leitor, pois em todo esse mundo movediço que se enfeita ao espelho, e apregoa o seu valor extremo há um lado vulnerável onde penetra o escalpelo da crítica, há uma parte fraca que convida ao riso. [grifo nosso] [...] Passa a humanidade! E está em cena a Semana Ilustrada! 213 Segundo Álvaro Cotrim, já em seu número inicial, o periódico contava em seu quadro de redatores com o então jovem poeta Joaquim Maria Machado de Assis – que teve alguns de seus primeiros escritos anunciados nas páginas da Semana, como foi o caso no lançamento da comédia Os deuses de casaca 214, impressa na Tipografia do Imperial Instituto Artístico: “saiu à luz esta comédia, representada por amadores na Arcádia, e vende-se neste Instituto, e nas livrarias de Pinto, rua do Ouvidor 87; Garnier, mesma rua 65; Laemmert, rua da Quitanda 77; Brandão, mesma rua n. 70. O volume é nitidamente impresso e custa 1$000.” 215 À p. 3030 deste mesmo fascículo, Fleiuss estampou uma ilustração referente ao feito. 213 Semana Ilustrada, 16 dez. 1860, p. 2. ASSIS, Machado de. Os deuses de casaca. Comédia. Rio de Janeiro : Typographia do Imperial Instituto Artistico, 1866. 215 Semana Illustrada, 21 jan. 1866, p. 3034. 214 146 Figs. 49 e 50 – A folha de rosto da comédia de Machado de Assis, lançado pela Tipografia do Imperial Instituto Artístico em 1866 e a ilustração de Henrique Fleiuss para publicizar e homenagear o feito, publicada na Semana Illustrada de 21 jan. 1866, p. 3030. DiORa-FBN. Machado de Assis é o autor de numerosos textos em prosa e verso – assinados, não assinados ou publicados sob pseudônimo – ao longo de toda a trajetória da Semana Illustrada. Segundo Teodoro Koracakis, “Alfredo Pujol, José Galante de Souza, Jean-Michel Massa, Magalhães Júnior, entre outros, elencam textos diferentes como fazendo parte da obra de Machado [na Semana Illustrada]. Mas todos concordam em um aspecto: a participação de Machado na revista foi intensa, provavelmente semanal, e atingiu todo o período em que foi publicada.” 216 Ainda sobre Machado, vale mencionar o n. 455 de 29 de agosto de 1869, onde as homenagens decorrentes do falecimento (no dia 16) de um poeta ultra-romântico de origem portuguesa ocuparam três páginas e meia: “A morte de Faustino Xavier de Novais deixa um grande vácuo nas letras portuguesas. [...] Novaes era o único do seu gênero.” É, ainda, o próprio texto da Semana que esclarece: “nasceu na cidade do Porto, [...] só aos trinta anos se revelou, [...] chegou [ao Rio de Janeiro] em meados de 1858; entrando desde logo, como colaborador, no Jornal do Commercio.” Novaes colaborou no Correio Mercantil e no Diario do Rio de Janeiro, publicou livros e dirigiu uma repartição. Ao final do texto biográfico, um poema rende-lhe as últimas homenagens; o autor assina ‘M.A.’, atestando as estreitas relações que os uniam. Machado havia conhecido sua irmã Carolina de Novais em 1867 e por ela se 216 KORACAKIS, s.d., p. 4. 147 apaixonara, mesmo não contando com a total aprovação de sua família. Três meses após a morte do amigo, aconteceu o casamento, que deu a Machado uma grande companheira. Fig. 51 – Henrique Fleiuss demonstra, aqui, uma estratégia que empregou durante toda a trajetória de seu jornal: ilustrações ricas em referências alegóricas além do uso das ‘cópias fiéis’ de retratos fotográficos. Semana Illustrada, 29 ago. 1869, p. 3640. DiORa-FBN Os escritos posteriores de Machado foram igualmente publicizados no periódico. Quando lançou seu primeiro romance, ‘Ressurreição’, em 1872, a Semana Illustrada 217 rendeu-lhe homenagens através de uma ilustração de página inteira, encimada pelo seu retrato e tendo abaixo, os demais personagens da trama. A obra foi bem recebida pelo público e pela crítica, e já apresentava as principais características que marcaram a sua produção posterior no gênero. A ilustração não parece ter sido feita por Henrique Fleiuss e tem um aspecto bastante 217 A crítica da obra já havia sido prometida no fascículo anterior, de 12 de maio. Semana Illustrada, 19 maio 1872, pp. 4771 e 4774 (parte inicial da crítica, intitulada ‘Revista Bibliográfica’ e assinada ‘Dr. Fausto’) e p. 4776 (ilustração, sem assinatura); Semana Illustrada, 26 maio 1872, pp. 4782-83 (parte final da crítica, tb. assinada ‘Dr. Fausto’). 148 interessante: retratar personagens fictícios, recém-criados por Machado e que ali, já ganhavam um rosto, literalmente falando. O significado deste fato, em termos de recepção, deve ser pensado levando-se em conta um tempo em que todas as imagens não-caricaturais – copiadas do natural, copiadas de outra imagem, às vezes uma fotografia, ou mesmo inteiramente imaginadas pelo seu autor – acabavam por ter as mesmas características de desenho litogravado, ao serem estampadas nas páginas de um jornal. Mal comparando, seria, talvez, o equivalente a um artista gráfico de uma revista de cultura atual gerar imagens fotorrealistas, em computador, dos personagens de um romance recém-lançado. É de se supor que as fisionomias tenham passado pelo crivo do romancista – ou quem sabe ele atuou, mesmo, como uma espécie de ‘diretor de arte’, neste trabalho? Fig. 52 – “Machado de Assis e algumas personagens do seu novo romance Ressurreição.” Os personagens principais, a viúva Lívia e seu amante, o Dr. Félix, ocupam o centro da ilustração. Semana Illustrada, 19 mai. 1872, p. 4776. DiORa-FBN 149 Para Cotrim, Machado marcava sua presença “ora assinando abertamente seus escritos, ora acobertando-se sob o pseudônimo de Dr. Semana, que também era o personagem representativo da própria publicação” 218, criado por Fleiuss, juntamente com a figura do Moleque, um jovem escravo a quem “deu prestígio”, nas palavras de Odorico Pires Pinto. “Criou o tipo crítico do cabeçudo Dr. Semana, do moleque e da negrinha, personagens que aproveitou para seus desenhos críticos e humorísticos de cenas, mas sem agressões e diatribes”, nas palavras de Araújo Viana. Já o depoimento de seu filho Max Fleiuss vai mais longe: “Foi na sua época o periódico mais popular do Brasil. As figuras do Dr. Semana e do seu infalível Moleque, – o primeiro atarracado, com a sua vasta cabeçorra e sempre de lápis em riste; o segundo, trajando a caráter, de libré, como os negrinhos que serviam de pagens às casas ricas de outrora – são duas criações originais e desopilantes de Henrique Fleiuss, que se tornaram o regalo do público, principalmente carioca: marcaram uma época que deixou saudades no terceiro quartel do século de d. Pedro II.” 219 Segundo Lucia M. P. Guimarães, “ao que tudo indica, o Dr. Semana era uma adaptação do Dr. Sintaxe, tipo crítico criado pelo caricaturista inglês Thomas Rowlandson, em 1898. Já o Moleque parece ter sido inspirado no personagem Pedro, o jovem escravo atrevido e intrigante da comédia O demônio familiar de José de Alencar. O certo é que os dois se transformaram em símbolos da crítica dos costumes, das fraquezas e dos cacoetes políticos da época.”220 Se juntássemos uma parcela dos cartuns que têm a participação do Moleque, p. ex., chegaríamos próximos do roteiro de uma história em quadrinhos, uma vez que ao longo da publicação, Fleiuss foi construindo uma história de vida para aquele personagem. Entre outros colaboradores da publicação, figuravam também Quintino Bocaiúva, Joaquim Manuel de Macedo, Joaquim Nabuco, o dramaturgo Pinheiro Guimarães e Bernardo Guimarães. A estes, lembrados por Álvaro Cotrim, acrescentaríamos outros, lembrados por Max Fleiuss: Victorino de Barros, Flavio Farneze, Augusto de Castro, Achilles Varejão, Pedro Luis Pereira de Souza, Antonio de Castro Lopes, Ernesto Cibrão, Henrique Cesar Muzzio, Saldanha Marinho, Felix Martins e Bruno Seabra. 221 Como se vê, a publicação não se preocupava apenas com o conteúdo visual e com os textos 218 COTRIM, 1973. FLEIUSS, Max. In: Revista do IHGB, 1927, p. 775. 220 GUIMARÃES, Lucia, 2006, pp. 85-96. 221 In: Revista do IHGB, 1927. 219 150 noticiosos, procurando ser bem mais abrangente. Em trabalho recente da historiadora Tania Bessone acerca das resenhas de livros e da divulgação do conhecimento naquele período 222, a autora observa que Henrique Fleiuss preocupava-se, de forma sistemática com as demandas de seus leitores, chegando mesmo a construir modelos que usava como padrão, e que se revelavam no seu desenho humorístico: Estes leitores formaram algumas tipologias de caricaturas que permitiam a visualização jocosa de seus perfis e diferenças como consumidores dos jornais da Corte. Em 9 de abril de 1871, a Semana publicou 12 figuras de leitores, com diferentes expressões fisionômicas, que retratavam um conjunto possível de público leitor adequado a diferentes posições políticas do jornalismo fluminense. “Há o leitor sonolento do Jornal da Tarde, o enraivecido de A República, o leitor curioso dos boatos de A Reforma, o grave juiz que observa a ‘parte forense’ do Diário do Rio de Janeiro, o leitor risonho da própria Semana Ilustrada [...].” Pretendia definir alguns tipos de leitores, caracterizando-os quanto às opções políticas, às escolhas profissionais e o apetite do cidadão comum em relação aos fait divers. Figs. 53 e 54 – [esq.] O Dr. Semana desenhando na pedra litográfica, assistido de perto pelo Moleque. Semana Illustrada, 26 set. 1869, p. 3665 (capa). DiORa-FBN [dir.] O Dr. Semana afia o crayon litográfico, enquanto conversa com o Moleque. Semana Illustrada, 07 nov. 1869, p. 3713 (capa). DiORa-FBN Segundo Mauro César Silveira, Henrique Fleiuss “desenhou e litografou inteiramente os primeiros dez números da publicação. Depois, foi auxiliado por H. Aranha, Aristides Seelinger e Ernesto Augusto de Souza e Silva, o Flumen Júnior.”223 De H. Aranha pouco se sabe; segundo Herman Lima, assinou caricaturas para o Bazar Volante, sob a direção artística de Joseph Mill, e Gonzaga Duque o incluiu no grupo dos caricaturistas ingênuos. No Catálogo da Exposição de História do Brasil da Biblioteca Nacional (1881) constam, pelo menos, duas estampas por ele assinadas. 224 O pintor,desenhista e caricaturista Helios Aristides Seelinger não poderia ter colaborado na Semana pois nasceu em 1878; seu tio Alfredo Jorge Eugênio 222 FERREIRA, 2007, pp. 185-204. SILVEIRA, Mauro César, 1996, p. 38. O pseudônimo correto é Flumen Június, e não Flumen Júnior. 224 Lima, 1963, pp. 947-948. As estampas do CEHB são as de número 17.926 e 17.928. 223 151 Seelinger, este sim, relata-nos Herman Lima, teria colaborado na publicação de Fleiuss. Natural de Frankfurt, matriculou-se na AIBA em 1864 onde recebeu diversas menções e medalhas, inclusive em pintura histórica. Encontramos menção à sua participação na XXII Exposição Geral de Belas Artes (1872) com três obras. Atuou também no campo da música, outra das predileções de Fleiuss. Segundo Gonzaga Duque, colaborou no Bazar Volante e na Semana Illustrada e seu estilo confundia-se, às vêzes, com o de Aranha. 225 Ernesto Augusto de Souza e Silva Rio, o E. Rio ou Flumen Junius – pseudônimo que adotou por toda a carreira, e a quem Gonzaga Duque se refere, erroneamente, como Flumen Júnior – foi originalmente apresentado por Henrique Fleiuss, nas páginas da Semana Illustrada, como “caricaturista, poeta e prosador.” Colaborou também no Bazar Volante, O Arlequim, O Mosquito e O Mundo da Lua. Além de lembrar das colaborações de Pinheiro Guimarães, de Aurélio de Figueiredo e até mesmo, por algum tempo, de Angelo Agostini – o que não acreditamos haver acontecido – Max Fleiuss nos legou, ainda, o seguinte depoimento acerca do humor, no periódico de Fleiuss: “É que as charges da Semana Illustrada provocaram o riso espontâneo e natural de todos, sadio, comunicativo e forte como a gargalhada dos deuses de Homero; e não apenas o falso sorriso amarelo de sarcasmo, sublinhado por um rictus convencional e contrafeito. Ainda hoje, há muita gente que se recorda dos sucessos alcançados pela veia do hábil artista, com as suas críticas à saia-balão, ao entrudo, ao antigo sistema de esgotos e iluminação da cidade, aos frequentadores do Carceler, do Provisório, às festas populares, cenas domésticas, praias de banhos, tipos da política e das ruas, etc., etc. A Semana Illustrada era todo um microcosmo carioca, admirável repositório das coisas de antanho, que abrange largo período de mais de três lustros. É, portanto, uma publicação sui generis, digna de ser religiosamente arquivada em lugar de honra e folheada em nossos dias, com carinho, como os preciosos livros de Rugendas e Debret, por todos os estudiosos, infelizmente cada vez mais escassos, da Arqueologia da cidade, da evolução dos nossos costumes, instituições, aspectos, figuras e indumentária, tão caracteristicamente nossos.” 226 João Pinheiro Guimarães teria atuado por pouco tempo na Semana Illustrada, antes de passar ao Bazar Volante, conta-nos Herman Lima. 227 Mais à frente, desenhou para o Ba-ta-clan – uma das curiosidades a seu respeito, naquele período, é que devido à dificuldade em desenhar na pedra litográfica, Joseph Mill se encarregava dessa etapa. 228 Colaborou ainda na Vida 225 Op. Cit., pp. 946-947. FLEIUSS, Max. In: Revista do IHGB, 1927, pp. 775-76. 227 LIMA, 1963, pp. 775-776. 228 Op. cit., p. 778. 226 152 Fluminense e lançou em 1871, com o poeta Luís Guimarães Júnior (seu primo), a revista O Mundo da Lua, que teve curta duração. Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, influenciado pelo irmão mais velho Pedro Américo, também cursou a AIBA e passou uma temporada na Europa. Colaborou na Comédia Social (1870-71, com o irmão) e depois na Semana Illustrada (1873-75), onde “sucedeu alvissareiramente à sensaboria dos desenhos humorísticos de Fleiuss”, nas palavras de Herman Lima. 229 Mas só teria alcançado o devido reconhecimento depois de ingressar na redação da revista ilustrada pernambucana O Diabo a Quatro (187579), quando mereceu rasgados elogios de Raphael Bordallo Pinheiro. Quando iniciou a publicação da Semana Illustrada, supõe-se que Henrique Fleiuss estava ciente de estar apresentando aos seus leitores e potenciais leitores um modelo de periódico inovador, em alguns sentidos. Natural seria, pois, a sua preocupação com a recepção de seu trabalho; e é muito provável que tenham chegado a ele comentários que evidenciavam uma certa dificuldade, da parte de alguns leitores, em compreender aquela linguagem, ainda nova para muitos cidadãos, mesmo que letrados. Assim, muitos dos cartuns que publicava continham diretivas visando a sua compreensão, interpretação e completa fruição. Em alguns casos, ele recomendava ao leitor buscar as informações em determinado jornal, chegando mesmo a indicar a data e a página. Em outros, ousava mesmo explicar os próprios cartuns que estampava. Herman Lima, parece-nos, foi quem primeiro percebeu e registrou isto, em seu texto sobre Fleiuss, ao referir-se ao cartum estampado em um dos primeiros números (n. 5, de 13 de janeiro de 1861) onde vemos uma árvore coberta de espinhos, envolta pela serpente que oferece o fruto a um cidadão. Para alcançá-lo, ele sobe nos ombros de outros dois, que estão agachados. Fleiuss acrescentou a seguinte ‘Explicação’: “a ambição, simbolizada por uma serpente, obriga os pobres mortais a cobiçarem o pomo do poder, fruto saborosíssimo da árvore do governo. Para colhê-lo, não sendo fácil afrontar os inúmeros espinhos da árvore, torna-se mister uma escada, cujos degraus são o eleitor e o votante.” 230 Herman Lima comenta, ainda, (p. 190) o costume de representar os parlamentares como “aves palradoras e vorazes, em especial na abertura do Congresso, atraídas pela visão do ‘milho’ do subsídio em louras espigas apetitosas.” Seja como canários ou papagaios, é bem provável que a Semana Ilustrada tenha lançado a moda – assim como a representação do Brasil como uma índia, ou um índio, entre diversas outras que marcaram a passagem daquele hebdomadário. 229 230 LIMA, 1963, p. 852. LIMA, 1963, pp. 172-173. 153 Fig. 55 – Aqui, o próprio Henrique Fleiuss/Dr. Semana apresenta-nos, com clareza, o seu espaço de trabalho para a produção das litogravuras; a pesada pedra calcárea (aqui, na posição horizontal) era apoiada num suporte inclinado, para facilitar o acesso à mesma, onde os desenhos eram criados – com a lateralidade invertida – através do uso do crayon litográfico, que o artista segura na sua mão esquerda. Vê-se, ainda, o diagrama básico das quatro páginas de ilustração, marcado na pedra, que tinha que ser deslocada durante o processo de trabalho, dependendo da página a ser desenhada e do sentido do desenho. Semana Illustrada, 01 ago. 1869, p. 3601. DiORa-FBN Naquele tempo, o padrão seguido pela maioria dos jornais era o seguinte: uma folha de papel recebia, de um lado, a impressão tipográfica das páginas de texto e, do outro lado, a impressão litográfica das imagens. Após receber duas dobras em cruz e ser refilada (cortada), transformava-se num caderno in-quarto, onde as páginas 1 (a capa), 4 e 5 (as páginas centrais, sem interrupção entre uma e outra, o que permitia a elaboração de ilustrações em maior formato) e 8 (a quarta capa) continuam as ilustrações em litogravura. As páginas 2,3, 6 e 7, impressas pelo processo tipográfico, continham os textos. Nestas, às vezes ocorriam as vinhetas xilográficas, cujas matrizes (de madeira) eram montadas junto com os tipos. Embora em muitos jornais as legendas das imagens fossem manuscritas na pedra litográfica (O Torniquete, A Vespa e alguns fascículos da Vida Fluminense, p. ex.), há casos, como o da Semana Ilustrada, em que o lado das imagens sempre recebia uma passada na impressora tipográfica, para imprimir as legendas das imagens. 231 231 A necessidade de proceder a um processo de impressão diferente para cada lado da folha acarretava, ainda, eventuais falhas, quando um dos lados deixava de ser impresso – na verdade, nada muito diferente do que acontece até os nossos dias, quando o processo de impressão é, via de regra, o mesmo para ambos os lados e 154 Entre as peculiaridades da Semana há uma, intrigante, para a qual ainda não encontramos uma explicação: ao nos aprofundarmos no estudo do período referente à Guerra contra o Paraguai, logo percebemos que afora os eventuais erros de composição tipográfica, a paginação nem sempre obedeceu à convencional sequência numérica – o que nos motivou a elaborar a anexo A do presente trabalho.232 Há diversos momentos em que a paginação sofre erros por um ou dois números, em geral pequenos saltos que não são corrigidos. Mas há saltos bem maiores em duas ocasiões. Em janeiro de 1865, ocorre um salto entre fascículos: da p. 1696 (última do n. 212) para a p. 1701 (primeira do n. 213). Em dezembro daquele mesmo ano (n. 263), ocorre outro salto, ainda maior, na paginação – e no meio de um fascículo: da p. 2098 (antes das duas páginas litográficas centrais) para a p. 3001, e não p. 2101, como deveria ser. Em maio de 1866, p. ex., constatamos a inexistência da p. 3172. E em julho do mesmo ano, ocorre um retrocesso, de um fascículo para o seguinte, da p. 3236 para p. 2337 – este caso transparece uma intenção de retomar o curso normal da paginação, da qual o periódico havia se desviado anteriormente. Mas as contas não fecham, mesmo considerando apenas o período estudado – embora a discrepância acabe sendo, ao final das contas, pequeníssima. Entre as curiosidades neste campo, citamos ainda uma outra: o n. 201 de 16 out. 1864 foi lançado (e datado) em 15 de outubro, data do casamento da Princesa Isabel e do conde d’Eu, sendo inteiramente dedicado às homenagens ao casal. A Semana Illustrada costumava comentar os lançamentos de livros e não deixava de dar as boas-vindas aos novos jornais que eram lançados, com frequência. Mas o editor aproveitava algumas dessas oportunidades para mandar os seus recados, ‘alfinetando’ certos colegas. É o que aconteceu, p. ex., por ocasião do lançamento do Jornal do Brasil233, comentado no fascículo lançado em 3 de fevereiro de 1867 (p. 2562), e ao qual dirigiu o seguinte recado: Ao Jornal do Brasil. “Os outros (jornais).........................nem uma palavra!” “Tinham porventura o direito de proceder assim?” Disse essas palavras o Jornal do Brasil, ultimamente criado nesta corte, a propósito do recebimento, que teve dos seus colegas da imprensa. ainda assim podem ocorrer estes lapsos. Há, na coleção original da Semana Ilustrada na Biblioteca Nacional, um fascículo – n. 126 de 10 de maio de 1863 – onde só estão impressas as páginas litográficas, enquanto as outras, que seriam impressas pelo processo tipográfico, estão em branco. 232 Anexo A: Relação dos fascículos e suplementos da Semana Illustrada lançados entre 05 jun.. 1864 e 01 maio 1870 – período coberto pela presente pesquisa. 233 Este Jornal do Brazil foi publicado entre 1867 e 1871, bem antes do conhecido Jornal do Brasil fundado em 1891. 155 Nem de leve nos pode caber essa censura, porque, mercê de Deus, a Semana é sempre a primeira a dirigir um simpático e sincero aperto de mão a todos os campeões da imprensa brasileira, que empunham as armas de fina têmpera para combater nos campos da idéia. [...] Fleiuss acompanhava com grande interesse, ainda, o que se passava no contexto das artes gráficas, em todo o país. No fascículo lançado em 27 de março de 1870, p. ex., uma nota (pp. 3878-9) homenageava aquele que foi unanimemente considerado o maior gráfico maranhense.234 Belarmino de Mattos havia falecido aos 39 anos, em 27 de fevereiro e a nota começava assim: Não será desconhecido para muitos dos nossos leitores o nome deste prestante cidadão, que a morte acaba de colher no meio de um serviço patriótico. Belarmino de Mattos era um tipógrafo do Maranhão. Inspirou-se no amor da sua arte e do seu país para meter mãos a uma obra meritória: aperfeiçoar a tipografia e livraria brasileiras. Para desempenhar-se dessa promessa feita a si mesmo empregou o saber, a diligência, o desvelo, e atingiu em pouco tempo o alvo a que se propunha. Quando o público via aí no mercado as belas edições dos livros maranhenses, dizia unanimemente que o Maranhão era a província onde lelhor se imprimia. Mas nem todos liam no rosto das obras o nome do modesto e laborioso tipógrafo, a quem a província e o Brasil deviam esse notável melhoramento. [...] O semanário de Fleiuss sempre deu, também, uma atenção especial à fotografia, sendo possível dizer que foi um dos principais responsáveis, na imprensa brasileira, pela sua disseminação, incentivando abertamente os leitores que nunca haviam tirado um retrato fotográfico a fazê-lo. A novidade era abordada, inclusive, em seus aspectos sociais (a reação do público de diferentes estratos ao frequentar os estúdios, etc.) e físico-químicos (a questão do tempo de exposição, da instabilidade da imagem fotográfica, etc.). 235 O editor não se furtava tampouco a censurar certos usos da fotografia, como ocorreu em dezembro de 1864, quando deu voz ao Moleque para censurar uma prática que, pelo visto, tendia a se instaurar no espaço urbano do centro da cidade: Fotografias. Um abuso que continua a ser mantido é a exposição de fotografias mais ou menos indecentes nas vidraças das lojas. 234 Em sua obra O livro no Brasil: sua história (2005), Laurnce Hallewell dedica boa parte do capítulo 6 (pp. 165-181) à expressiva contribuição de Belarmino de Mattos. 235 Sobre estes assuntos, ver esp.: A popularização da fotografia vista através da imprensa ilustrada carioca, in: ANDRADE, 2004, pp. 99-114. 156 Não sou muito pudico e é por isso que sou moleque; mas entendo que o mundo não é só meu e além disso tenho mulher e filhos, como os leitores da Semana já tiveram a honra de ver. Acho que a polícia deve intervir, mandando os seus agentes, a título de examinar as vidraças suspeitas. Se se fizer isso prometo mandar um buquê à polícia em nome de [sic] moral pública. MOLEQUE. 236 Em 20 de novembro de 1864, a Semana Illustrada trouxe um suplemento intitulado “Anúncio ilustrado da Semana Illustrada. Estabelecimento Fotográfico de Matheus de Oliveira. Fotografia Brasileira do Cruzeiro do Sul”, situada à rua do Ouvidor, 123. Aquele endereço já tinha história. Consultando a tese de doutorado de Lygia Segala e o Dicionário HistóricoFotográfico Brasileiro de Boris Kossoy ficamos sabendo que tudo começou com o espelheiro e dourador da Casa Imperial José Ruqué, um dos primeiros negociantes de equipamentos fotográficos do Rio de Janeiro (1856-1860). Segundo Lygia Segala, baseada em anúncio publicado no Diário do Rio de Janeiro, ele oferecia completo sortimento de tudo quanto é necessário para o daguerreótipo. Procura alargar sua clientela, servindo por encomenda pessoas do interior, cidades da província, fazendas prósperas de café que querem ver documentadas a família e a casa, seus emblemas de propriedade e não raro de alianças e de descendências políticas. No endereço de Ruqué, ainda no início dos anos 1860, vendem-se além de chapas e caixas americanas para os daguerreótipos, espelhos, gravuras, litografias [litogravuras] de homens célebres brasileiros e estrangeiros, estudos para desenhos, paisagens e flores. Oferecem-se, também, serviços para restauração de retratos e pinturas a óleo. 237 Seu sucessor foi o profissional conhecido como Canto (1863), que também comercializava ‘objetos artísticos’, expunha obras em sua galeria e oferecia estampas diversas. Canto teria se associado a Pedro d’Alcantara Sardenberg na firma Canto & Sardenberg, mais conhecida como Fotografia do Cruzeiro do Sul. No ano seguinte, Sardenberg já se anunciava só. Só depois foi a vez de Matheus de Oliveira, do anúncio da Semana Illustrada, que “esteve em atividade, aparentemente, apenas durante o ano de 1865 (Almanaque Laemmert, 1865, p. 6234). [...] Em 1866, o estabelecimento já pertencia a Araújo”, segundo Kossoy. 238 236 Semana Illustrada, 25 dez. 1864, p. 1689. In: SEGALA, Lygia. Ensaio das Luzes sobre um Brasil Pitoresco: o projeto fotográfico de Victor Frond. Tese de doutorado, 1998, p. 54. O Diário do Rio de Janeiro a que a autora se refere foi publicado em 06 jan. 1862. 238 KOSSOY, 2002, p. 244. 237 157 Fig. 56 – Anúncio ilustrado da Semana Illustrada – suplemento referente ao Estabelecimento Fotográfico de Matheus de Oliveira, Fotografia Brasileira do Cruzeiro do Sul. Semana Illustrada, 20 nov. 1864. DiORa-FBN Ou seja, naquele dezembro de 1864, o novo proprietário Matheus de Oliveira estava reiniciando os negócios do conhecido endereço, já associado às atividades do ramo há pelo menos uma década. O texto do anúncio era original e inovador, quase uma notícia – um valioso registro da cultura fotográfica que ia sendo difundida na corte: O proprietário deste vasto e elegante estabelecimento, depois de grandes reformas e numerosos melhoramentos apresenta novamente ao público o seu programa. Maquinismo novo e completo, peritos artistas e uma das melhores luzes garantem a perfeição dos trabalhos. “Vasto e elegante estabelecimento” e “depois de grandes reformas e numerosos melhoramentos”. Eram novos tempos, que demandavam novas estratégias comerciais, incluindo a transformação dos melhores estúdios em verdadeiros ‘templos da fotografia’ ou ‘templos da arte’, como eram chamados alguns daqueles espaços cênicos – começando pela fachada, com seu imponente letreiro e terminando no estúdio, dotado de opções cenográficas, para cada tipo de cliente e para cada função da fotografia. 239 O que mais salta aos olhos é o alegado atributo “uma das melhores luzes”, sem dúvida um forte argumento publicitário e 239 Ver SEGALA, 1998, esp. os subcapítulos A pose negociada, as redes de sociabilidade e a tecnologia do progresso (pp. 27-49) e Os pontos de fotografia da cidade (pp. 49-62). 158 ademais, boa estratégia para educar aquele novo público consumidor, conscientizando-o do significado e importância de tal atributo nas instalações de um estúdio e, acima de tudo, na qualidade do produto final – o retrato fotográfico. Pois que embora quem já frequentasse um ateliê de pintura soubesse disso, havia todo um público novo a frequentar os ateliês fotográficos e que seguramente nunca antes teria posado para um pintor. Mas este era só o início do texto, que continuava assim: Tiram-se retratos por todos os sistemas e de todos os tamanhos, coloridos, a aquarela e puramente a óleo, reproduções de quadros, retratos de crianças e tudo concernente à arte. A descrição de serviços prestados reflete com precisão aquela fase de transição, onde estúdios de pintura adaptavam-se a estúdios fotográficos e pintores se tornavam fotógrafos sem no entanto abondonar a pintura, fazendo ‘de tudo um pouco’ e já acolhendo a fotografia no seio da ‘arte’. O conhecimento técnico para se construir um estúdio era coisa nova – especialmente no centro de uma cidade colonial como o Rio de Janeiro, cujas características arquitetônicas estavam longe de propiciar o que seria uma situação ideal: um estúdio em posição elevada, com o teto e pelo menos uma das paredes de vidro, posicionada de forma a receber o maior número de horas de sol, por dia. É fato que tínhamos sol à vontade, bem mais do que na Europa; mas por outro lado, tínhamos também as ‘saraivas’, a fazer a felicidade dos vidraceiros, como Fleiuss muitas vezes demonstrou em seus cartuns. O texto continua: Encarrega-se de trabalhos fora de casa, como vistas de chácaras, palacetes e retratos de defuntos, para o que tem artistas especiais e maquinismo apropriado. Afora a prestação de serviços no próprio estúdio, ficamos sabendo quais eram os ‘nichos de mercado’ que o estúdio vinha explorando e desenvolvendo, fora do ateliê: a fotografia documental, a fotografia arquitetural e os retratos post-mortem – estes, ao que parece, uma novidade em relação aos antecessores. As duas primeiras especialidades certamente atenderiam, além de interesses familiares, a interesses comerciais – de engenheiros, arquitetos e dos envolvidos em atividades de corretagem. Voltemos ao texto: O estabelecimento conserva cuidadosamente os clichês de todos os trabalhos feitos na casa, estando assim em todo e qualquer tempo à disposição e ordens somente das pessoas retratadas, que se dignarem fazer novas encomendas. 159 A prática de conservar ‘cuidadosamente’ os clichês (os negativos) era corrente, mas a de informar que os mesmos estariam à disposição e ordens somente [grifo original do anúncio] dos próprios retratados não era. Eis um primeiro sinal daquilo que hoje virou verdadeira obsessão, o direito de imagem.240 Assim terminava o texto: Este estabelecimento almejando um nome e fama devidamente devidamente adquiridos pela perfeição de seus trabalhos, tem em vista esmerar-se em contentar os seus comitentes, cujas justas vontades e desejos hão de ser sempre satisfeitos. N. B. Os trabalhos principiam todos os dias mesmo chovendo às 8 horas da manhã e terminam às 4 horas da tarde. ‘Mesmo chovendo’, em tempos bem anteriores ao advento da lâmpada elétrica, seria realmente um feito, em outras terras menos aquinhoadas pelo “deus dos fotógrafos”, como Fleiuss denominava o sol. 241 Mas aqui, e ainda mais em pleno novembro, isto seria normal, para um estúdio dotado de grande clarabóia e janelões, como deveria ser o caso. No âmbito da fotografia, era este o ambiente na corte, uma semana depois de Solano López haver ordenado a apreensão do vapor brasileiro Marquês de Olinda, em Assunção – mas neste assunto, só entraremos mais à frente. Fig. 57 – “Retrato fiel. Único meio que teve um sobrinho para acomodar o retrato de sua tia num álbum de Fotografias.” Semana Illustrada, 17 jul. 1864, p. 1501. DiORa-FBN 240 Ver, p. ex.: SAGNE, 1984, esp. o subcapítulo Le droit sur l’image, onde o autor relata casos judiciais levados à corte parisiense, a partir de 1862. 241 Ver, p. ex., Semana Illustrada, 02 dez. 1866, p. 2490. 160 É fato que a entrada da fotografia na sociedade carioca já se iniciara na década anterior (em especial na metade final), como nos demonstrou Lygia Segala, em seu mencionado trabalho, infelizmente ainda não editado em livro. 242 Mas a Semana Illustrada, parece-nos, foi o primeiro veículo da Corte a disseminar, com alguma regularidade, aquela nova linguagem visual, com todas as suas nuances sintáticas – digamos assim. Porque a fotografia proporcionava novas possibilidades de expressão visual, antes incomuns – algumas decorrentes da tecnologia disponível naquele momento determinado; outras inerentes à própria ‘escrita da luz’, quando realizada com o auxílio de cameras obscuras, e portanto imutáveis até os dias atuais. O que mais nos surpreende é que algumas das imagens carregam nítidas características de formas de representação que só seriam instauradas décadas depois. Sem querermos nos estender, aqui, neste assunto e nem repetir o que já havíamos exposto em outras ocasiões, vejamos apenas dois exemplos não explorados anteriormente, em ordem cronológica e devidamente comentados nas legendas que os acompanham: Fig. 58 – Neste cartum de 1864, assinado ‘H. F.’, Henrique Fleiuss representa a célebre ‘dupla’ da Semana Illustrada – o Dr. Semana e o Moleque – em inusitado plongé. Este ponto de vista só se tornaria comum na linguagem visual do início do século 20, após o advento das câmeras fotográficas de médio e pequeno formato, entre outros avanços tecnológicos. Semana Illustrada, 13 nov. 1864, p. 1637. DiORa-FBN 242 SEGALA, 1998. 161 Fig. 59 – Neste cartum não assinado de 1869, cuja legenda passa a idéia de ‘cópia fiel’ de uma fotografia “tirada pelo Sr. Pacheco” – não se sabe se Bernardo José Pacheco ou Joaquim Insley Pacheco – vemos a representação visual de um tremolo, como só se tornaria ‘fotograficamente exequível’ a partir das experiências de cronofotografia de Étienne-Jules Marey, na década de 1880, depois refletidas nos trabalhos de Marcel Duchamp e dos futuristas italianos, já no século 20. Fleiuss utilizou este mesmo recurso, de representar o decurso da ação em uma só imagem, em outros cartuns. Semana Illustrada, 04 jul. 1869, p. 3572. DiORa-FBN Aliás, a questão de espaço-temporalidade, na narrativa visual fleiussiana, é um aspecto bastante interessante a ser observado – o artista e editor desenvolvia soluções, para relatar e comentar os fatos, que tinham uma certa sofisticação ou elaboração pouco comum, arriscaríamos dizer, em nossa imprensa ilustrada do período. A título de exemplo, reproduzimos a seguir uma página de maio de 1865, onde dois fatos são comentados. Na parte superior, o assunto é ‘terreno’ e embaixo, é ‘celeste’. Em cima, comenta-se de forma humorada o desempenho dos voluntários da pátria egressos do Ceará: “No grande banquete da coragem e galhardia do exército brasileiro nos campos do Paraguai, o Ceará almoçará em Humaitá glória, jantará em Assunção vitórias e ceará coroas de louros em CEARÁ.” Este texto serve de legenda para três imagens cortadas verticalmente e ladeadas, sem qualquer moldura a entremeá-las, representando aqueles três momentos idealizados, futuros e sucessivos – mas que seriam separados por semanas ou meses, naturalmente. 162 Fig. 60 – “Os voluntários do Ceará” [em cima] e “Observações eclípticas” [embaixo], ambas assinadas “H. F.” Semana Illustrada, 07 maio 1865, p. 1840. DiORa-FBN Na parte inferior do quadro o assunto, ainda mais humorado, é a histórica expedição astronômica organizada pelo diretor do Imperial Observatório, Antonio Joaquim Curvello d’Avila, em abril daquele ano, para observação de um eclipse total do sol (4 minutos de duração) em Camboriú, SC no dia 25. O mau tempo prejudicou os trabalhos, razão pela não se 163 produziu sequer um relatório científico do feito. Na ocasião, entre os que não foram a Camboriú, Guilherme Schüch de Capanema dirigiu-se ao farol de Cabo Frio, José da Costa Azevedo, o barão de Ladário, permaneceu em sua própria residência, na Corte e Baptista Caetano de Almeida Nogueira deslocou-se para Barra do Piraí. 243 No Rio, o eclipse foi apenas parcial e o tempo nublado tampouco contribuiu. Fleiuss nos apresenta as três “Observações eclípticas” dos que não foram a Camboriú, havidas simultaneamente em distintas localidades. As imagens em contraluz e igualmente cortadas verticalmente e ladeadas sem qualquer separação, produzem um interessante efeito e provocam curiosa sensação ao se observar o conjunto da página – em cima, a mesma situação, vivida pelo mesmo grupo, em tempos distintos; embaixo, a mesma situação, vivida simultaneamente, mas por grupos distintos. Em alguns textos críticos publicados no hebdomadário, a valorização da fotografia é também evidente. Em trecho de sua crítica à XVII Exposição Geral de Belas Artes de 1865, publicado no n. 223 da Semana Illustrada, o autor do texto – presumivelmente Henrique Fleiuss – manifestou a sua especial predileção pela produção dos fotógrafos [Joaquim Insley] Pacheco e [Eduardo Isidoro] Van Nyvel, em contraposição à sua avaliação da produção pictórica do período, ali exposta: A nossa intenção depois de ter falado dos trabalhos do Sr. J.M. dos Reis e do Sr. Hanriot, era concluir o artigo a respeito da exposição das belas artes, de forma que nada mais se mencionasse do que as fotografias dos Srs. Pacheco e van Nyvel. Entendemos, porém, que os mais artistas pintores podiam tomar isto a mal, vendo-se esquecidos, negligenciados e o que é mais, desprezados. Não queremos isso, nem queremos carregar com a responsabilidade de um juízo parcial; somos muito amigo [sic] das belas artes e desejamos que o Brasil mais cedo ou mais tarde reconheça que nenhum país pode progredir quando lhe faltar o respeito e o amor pela arte. Pedimos, portanto, desculpa aos mais expositores, por sermos forçados a dizer-lhes talvez algumas coisas desagradáveis, mas justas. O catálogo principia com o Sr. Motta; vamos também principiar com ele. 244 E no parágrafo seguinte, os quatro retratos expostos pelo professor de pintura de paisagem da Academia Imperial de Belas Artes, Agostinho José da Mota, foram literalmente demolidos pelo juízo sem piedade pelo crítico. Afora o evidente descontentamento de Fleiuss com o 243 Sobre o assunto, ver: BARBOZA, Christina H. M. Ciência e natureza nas expedições astronômicas para o Brasil (1850-1920), 2010, pp. 280-281. 244 Bellas artes, in: Semana Illustrada, 19 mar. 1865, p. 1728 [sic] – na verdade, trata-se da página 1782. A crítica não está assinada, sendo encerrada por “(Continua)” e sem no entando haver tido continuidade. Cetamente seria assinada pelo Dr. Semana, como vinha ocorrendo, nos trechos anteriores desta crítica. 164 ‘estado da arte’ da pintura de então e o entusiasmo pelo que se produzia em termos de fotografia 245, fica evidente, à leitura de sua crítica, o especial interesse pelas artes ‘aplicadas’ ou ‘utilitárias’; por trás disso, transparece o fascínio pela óptica, pelas tecnologias em geral e pelos novos e engenhosos inventos, que em números anteriores haviam merecido entusiasmados comentários. Em 5 de março – mesma data em que anunciava a tomada de Paissandú pelas tropas brasileiras e incitava o ataque ao Paraguai – aparece o primeiro trecho de sua crítica à grande exposição, inaugurada em 19 de fevereiro. Assinada pelo Dr. Semana, intitulava-se Academia das Belas Artes e começava assim: Entusiasta das artes, reconhecendo nelas a principal pedra de toque, onde se afere a inteligência e a inspiração de quem as cultiva, reconhecendo ainda que dão testemunho de progresso e civilização se se manifestam por meio de produtos primorosos, nunca nos temos esquecido, durante esta última semana, de ir visitar as exposições anuais do nosso templo das artes. Vimo-lo ontem. Na sequência, Fleiuss comentaria o trabalho de José Maria Reis. Intitulado ‘Uma palmeira de prata contendo itens de ótica’, consistia de uma série de itens, entre pince-nez, óculos e lunetas, descritos em detalhe no catálogo da mostra: Entre os objetos, que chamaram a nossa atenção, distinguiu-se logo a encantadora palmeira, em cujos leques apreciamos uma coleção variada de pince-nez e de lunetas de bem acabado trabalho e inimitável lavor, sem contestação digna de figurar no melhor e mais caprichoso gabinete de instrumentos ópticos. Demoramo-nos no exame da árvore e dos frutos, que em verdade se gratos não são para o paladar, em compensação tornam-se duplamente gratos ao sentido, sem o qual as maravilhas da criação vivem para a criatura em trevas perenais. Já se vê que a árvore e os frutos são formosos artefatos das oficinas do grande estabelecimento óptico de propriedade e direção do Sr. José Maria dos Reis. A Semana Illustrada tem se ocuado desse estabelecimento modeo aqui nas terras da América Meridional e sem superior nas regiões do velho mundo; tem lhe feito a devida justiça, graduando assim o mérito do digno cavalheiro, que o dirige. [...] 246 No fascículo seguinte (12 mar. 1865, p. 1777) ele comenta “a bonita exposição do inteligente relojoeiro da casa imperial Mr. Gregoire Hanriot.” E segue: “Não se pode desejar mais do que lá vimos no gênero da relojoaria, Foi pena ser tão pouco.” Depois da descrição do cronômetro e do relógio expostos, volta a elogiá-los, por terem aqueles trabalhos mostrado “não só 245 Reproduzimos, no Anexo E do presente trabalho, a crítica de H. Fleiuss às fotografias participantes da Exposição Nacional de 1866 – uma boa demonstração do seu juízo, acerca daquela produção. 246 Semana Illustrada, 05 mar. 1865, p. 1766. 165 perfeito conhecimento da arte como o mais apurado bom gosto.” Para concluir, citamos um comentário aparecido em fascúculo da Semana Illustrada de abril de 1867, onde tudo o que dissemos antes fica evidente, mais uma vez: Os Srs. Barbosa & Lobo, fotógrafos estabelecidos à rua do Ouvidor 134, acabam de publicar um álbum de fotografias, sobre a última exposição nacional, contendo as vistas do palácio da exposição e uma grande parte das [sic] dos objetos mais notáveis, que figuraram naquela esplêndida festa da indústria nacional [grifo nosso]. 247 Os jornais já falaram circunstanciadamente da exposição; não podendo, porém, os tipos pintar tão ao vivo como as fotografias, [grifo nosso] encontrarão os amadores da arte, nesta bela coleção, uma lembrança mais viva e mais duradoura dessa festa, com que o Brasil – mais uma vez mostrou acompanhar o progresso do mundo civilizado [grifo nosso]. 248 Fleiuss não desperdiçava as oportunidades que surgiam para desancar a pintura nacional. Por ocasião da publicação de sua série de críticas à Exposição Nacional de 1866, por exemplo, escreveu: A terceira sala é a das pinturas e representa a arte dos Rafaéis, Rubens Rembrandts, etc. Infelizmente possui esta sala tão pouca coisa d’arte, que quase parece a expressão uma ironia. Já sabemos há muito tempo que as artes ainda não estão na altura, em que deviam estar, não somente aqui na corte, como também no país inteiro. [grifo nosso] Os dinheiros gastamse com coisas mais úteis, mais reais; eleições e mais eleições, e outras coisitas mais, devoram os dinheiros públicos e particulares; as artes são coisas de luxo, e luxo quer-se somente nas casas de alguma estrela, que caiu do céu para esta infeliz terra. Para que serve uma pintura, uma estátua, por exemplo? A pintura não come-se, nem bebe-se, nem a estátua tampouco, ainda quando seja uma Vênus de Médicis. Os tempos não estão para luxo (desculpa realmente bastante legítima para aqueles, que podiam, sem sacrifício, gastar anualmente algumas quantias, para levantar a arte, e por consequência os artistas); todo o nosso dinheiro vai para a guerra. – Oxalá fosse isto verdade! [...] Não quero porém entrar na política nem interna, nem externa. Sigo, pois, o meu caminho, que me guia a dois retratos, feitos pelo Sr. Victor Meirelles de Lima, e que são bem pintados. [...] O texto segue, comentando as obras de litografia, tipografia e encadernação. Em sua opinião, quanto aos trabalhos tipográficos, “estão na altura de trabalhos europeus os do Sr. Winter e os dos Srs. Rocha & C. E quanto à encadernação, representada por trabalhos de Leuzinger, Lombaerts, Chauvet e Laemmert, “podemos também dizer que talvez não se achem na velha 247 Este trabalho foi reapresentado na exposição da AIBA Semana Illustrada, 28 abr. 1867, p. 2663. Antonio Araújo de Souza Lobo estudou na AIBA. Pintor histórico, retratista, fotógrafo e litógrafo, participou diversas vezes das Exposições Gerais de Belas Artes; em duas ocasiões expôs trabalhos relacionados à Guerra do Paraguai: em 1870 (Bombardeamento do forte de Itapirú pelo encouraçado Tamandaré) e em 1875 (Cópia de Vítor Meireles de Lima: Passagem de Humaitá, lápis). 248 166 Europa melhores trabalhos: gosto, luxo, solidez dão-se aqui as mãos.” Mas o diagnóstico final é duro: “O Brasil não pode ser representado artisticamente na próxima exposição de Paris. É dura esta verdade, mas é a verdade.” 249 Fig. 61 – Semana Illustrada, 13 maio 1866, p. 3159. DiORa-FBN Por ocasião da publicação do n. 364 de 1o de dezembro de 1867, quando a Semana Illustrada completava o seu sétimo ano de existência – estando ao meio de sua trajetória, portanto – um editorial assinado pelo Dr. Semana (p. 2909) e iniciado de maneira personalista, expressa o reconhecimento de que “sete anos de vida, em um jornal das proporções do meu, [grifo nosso] é longevidade a que atingi mediante muito esforço de minha parte [grifo nosso], cooperação do público e bons ofícios de amigos, que muito prezo.” Apesar de personalista, é 249 Semana Illustrada, 11 nov. 1866, pp. 2467 e 2470. 167 fato que o Dr. Semana reconhece a importância dos dois outros elementos indispensáveis para aquele sucesso – o público leitor/comprador e “os bons ofícios dos amigos” – estes, certamente, os escritores e desenhistas colaboradores do jornal. Ainda naquele mesmo editorial, afirma haver satisfeito cabalmente o seu programa, “evitando com escrúpulo profanar o santuário da vida privada, observando nos desenhos e nos artigos publicados as regras da decência e unindo ao desempenho destes preceitos, que me impuz, [grifo nosso] a maior regularidade na publicação e entrega da folha, creio que a favor do público [...].” Reafirmando a disposição de manter-se sempre fiel à sua epígrafe Ridendo castigat mores, faz o seu repetido apelo por novos assinantes, uma constante no jornal – e sem esquecer de se dirigir explicitamente aos públicos do gênero masculino e do gênero feminino: “Depende dos senhores assinantes e dos leitores e leitoras que o não são, mas devem ser, [grifo nosso] que eu me constitua o mais respeitável ancião, o venerável macróbio dos jornais humorísticos e ilustrados, que, gozando de grande aceitação em todos os países civilizados, não podem deixar de merecer igual aceitação no Império do Brasil.” E na sequência, temos uma amostra da veia poética do Dr. Semana (sabe-se lá quem estava por trás desta assinatura), extraída da seção ‘Pontos e vírgulas’, logo abaixo daquele editorial. Os versos ocupam quatro colunas, ao longo de três páginas, em exaltação à musa da Semana e aqui, transcreveremos apenas um pequeno trecho: A musa da Semana é uma dama chic, Mas como a rima pede uma palavra em ic, Para não acabar esta crônica em prosa, Direi que a minha musa é gentil e graciosa. [...] Quando o almoço acabou, após um longo brinde, Em que falou de si, das modas e do Linde, a musa adormeceu de farta, e teve um sonho, Lisongeiro presságio, oráculo risonho. Viu clarear o céu, rompendo o manto escuro, O primeiro arrebol do século futuro. O Rio era Paris: ruas vastas, compridas, Bazares e cafés, teatros e avenidas, Vias férreas, museus, companhias, empresas, Vasta população e inúmeras riquezas. Todas as profissões davam dinheiro louco, Menos o costurar; ganhava nada ou pouco Quem queria exercer arte de costureira; Usava-se em geral a folha de parreira. Ora, neste esplendor da era adiantada, A musa descobriu a Semana Illustrada Com quatrocentos mil e cinquenta assinantes Como formato, a folha era o rei dos gigantes, Era o Times dobrado; e eu, jovial e moço, Estava diante do meu quadragésimo almoço. 168 Se este sonho uma vez tem de se efetuar, Século vinte apressa, apressa-te a chegar! [...] Dr. Semana 250 Ao longo de seus mais de quinze anos de existência, foram inúmeras as histórias curiosas envolvendo a publicação da Semana Ilustrada. A maior dificuldade para o aprofundamento do estudo decorre de não ter sido possível, até aqui, encontrar qualquer documentação daquele jornal, que possibilite delinear a sua trajetória com maior precisão. Esclarecer a questão das tiragens e da distribuição das assinaturas por região geográfica no período estudado, p. ex., sempre esteve entre as nossas intenções; mas o pouco que encontramos, e no próprio jornal, nada esclarece – no máximo, afirmações como: “o público tem correspondido a esses esforços, a tal ponto que, no fim de seis anos, a Semana Illustrada conta muitas mil assinaturas [grifo nosso] e é talvez um dos jornais mais lidos em todo o Brasil.”251 Pierre Albert e Gilles Feyel, autores do capítulo especificamente dedicado às origens da imprensa ilustrada com fotografias, em Uma nova história da fotografia – obra de fôlego editada originalmente em 1994 pelo historiador francês Michel Frizot – fazem observação pertinente sobre esta questão: “A história sobre como a ilustração fotográfica gradualmente substituiu o desenho ainda é pouco clara. É lamentável que tão poucos arquivos dos editores de jornais tenham sobrevivido e, mesmo estes, possuam tantas lacunas.” 252 Ao tratar dos último anos da Semana Illustrada, Karen Souza opina que aquele modelo de veículo já não era mais apropriado para apresentar aos leitores uma possível saída para a difícil situação enfrentada pelo país, naquele período de crise profunda do regime monárquico e de fortalecimento das campanhas abolicionista e republicana: “Não era um acaso que, poucos meses após o desaparecimento da revista, seus produtores iniciassem uma nova empreitada, lançando, em julho de 1876 uma nova publicação intitulada Ilustração Brasileira. A forma, o conteúdo e até mesmo o aspecto da nova publicação, de caráter muito mais sério e elevado do que a predecessora, era evidente para qualquer leitor que as tivesse nas mãos. Em tempos de medo para as elites imperiais, o riso já não parecia de fato a melhor arma para pensar os contornos da nação.”253 Na capa do último fascículo da Semana Illustrada – o número 797, publicado em 19 de março de 1876 – o diálogo travado entre o Moleque, de braços cruzados e cabisbaixo, ao decretar a sentença final do periódico, e o Dr. 250 Semana Illustrada, 01 dez. 1867, pp. 2906, 2907 e 2910. Semana Illustrada, 02 dez. 1866, p. 2490. 252 ALBERT e FEYEL, 1998, p. 359 [tradução nossa]. 253 SOUZA, Karen, 2007 , fl. 171. 251 169 Semana, que faz as malas ‘para a última viagem’, deixa à mostra o sentimento do editor, convencido de que o ciclo de vida daquela publicação chegara ao fim: – Então já vamos fazer outra viagem? – Vamos, Moleque, e esta há de ser mais longa. – Já sei que vamos visitar a Internacional de Filadélfia. – Vamos, Moleque e depois? – Depois o que? Videre Filadélfia, e depois... MORRER, como dizem os Italianos de Napoli ! Fig. 62 – Capa do último fascículo da Semana Illustrada (n. 797), publicado em 19 mar. 1876. DiORa-FBN 170 3.2 Xilografia’ ou litografia? O desafio dos jornais ilustrados com fotografias A imprensa não tem mais, apenas, a função de multiplicar os textos: pedimos que pinte, ao mesmo tempo que escreve. (...) Os melhores escritores complementados pelos melhores fotógrafos. Ou então, os escritores complementando os fotógrafos: eis a L’Illustration. Trecho do texto de apresentação do primeiro número do periódico. Paris, sábado, 4 mar. 1843 254 [...] fiquei surpreendido por ver realizada uma idéia, que há muito tempo tive e da qual previstas as grandes dificuldades me fizeram afastar. Dr. Semana, ao agradecer o recebimento do primeiro exemplar da Illustração Anglo-Brazileira, publicada em Londres. Semana Illustrada, outubro de 1870. 255 Para melhor compreender a dimensão do esforço empreendido por Henrique Fleiuss à frente do Imperial Instituto Artístico, no sentido de criar as condições técnicas ideais – infelizmente jamais alcançadas – para a realização do seu jornal ilustrado entre outros projetos, é necessário que passemos em revista os dois principais processos empregados para a reprodução e impressão de imagens naquele período, já mencionados ou mesmo descritos de forma sucinta, por mais de uma vez, ao longo do presente texto. Estamos falando da xilografia e da litografia, que abordaremos em mais detalhe no subcapítulo 3.2.1, entrando depois na questão da única escola de xilografia que existiu em nosso país no século 19, criada por Fleiuss, visando suprir tal carência no mercado profissional brasileiro – ao mesmo tempo em que contribuía no sentido de prover capacitação a jovens que integravam um estrato social de excluídos. A iniciativa pedagógica do Imperial Instituto Artístico teve vida curta e resultado prático pouco expressivo, parece-nos, apesar de todos os esforços envidados pelos seus proponentes. Mas o feito, que ora nos empenhamos para começar a investigar mais a fundo, enriqueceu sobremaneira o currículo deste homem que demonstrou, em diversas ocasiões, arrojo e comprometimento com a causa nacional. O que temos, no subcapítulo 3.2.2, é uma primeira 254 “L’imprimerie n’a plus seulement pour fonction de multiplier les textes: on lui demande de peindre en même temps qu’elle écrit. (...) Les meilleurs écrivains prolongés par les meilleurs photographes. A moins que ce ne soient les écrivains qui complètent les photographes: voilà l’Illustration.” (tradução minha) Apud: DECAUX, Alain, in: L’Illustration. Histoire d’un siècle 1843-1944. Vol. 1, p. 4. 255 Semana Illustrada, 09 out. 1870, pp. 4099 e 4102. 171 abordagem do assunto, a partir do exame específico das páginas da Semana Illustrada e de uma reflexão sobre o seu significado, visto aqui a partir de uma abordagem contextualizadora, levando em conta, inclusive, o cenário internacional – o cenário europeu, para ser mais específico. Fig. 63 – Semana Illustrada, 07 ago. 1870, p. 4025. DiORa-FBN 172 3.2.1 A xilografia e a litografia É indiscutível a influência do Instituto sobre o despertar do interesse geral em torno da xilogravura, interesse muito embora na grande maioria dos casos malogrado, ou por um ou outro motivo. Orlando da Costa Ferreira 256 A gravura xilográfica é a mais perfeita para executar-se as reproduções de qualquer espécie nos prelos tipográficos, já em estampas separadas, já intercaladas no texto; sua impressão é nítida, clara e perfeitamente artística. [...] As ilustrações brasileiras que têm aparecido são geralmente compostas de galvanoplastias importadas do estrangeiro, e já servidas nos jornais ou obras editadas na Europa. [...] Com o progresso do país, este ramo, julgamos, será melhor cultivado, o número de operários se multiplicará, a mão de obra será menos cara e seu emprego procurado como meio seguro para ilustrações de livros de ciência e arte [...]. Revista Tipográfica, ano I n. 23, 11 ago. 1888, p. 1. O texto da nossa primeira epígrafe refere-se aos esforços havidos na década de 1860, por iniciativa do Imperial Instituto Artístico; o da segunda epígrafe foi publicado duas décadas à frente, em 1888. Como já sabemos (vide subcapítulo 2.2.1) desde a década de 1840 haviam muitos jornais ilustrados que utilizavam gravuras xilográficas, em diversos países europeus, por ser este o processo compatível com a impressão tipográfica. Isto nos leva a supor que ao chegar ao Rio de Janeiro em 1858, aos 35 anos de idade, Henrique Fleiuss tinha perfeita noção do que almejava. Desde quando publicou o primeiro anúncio de seu periódico no Jornal do Commercio, o mencionado desideratum seguramente incluía a possibilidade de contar com a xilografia. É fato que haviam xilógrafos no Brasil. Para Oswaldo Silva, o gravador português Romão Eloi Casado, trazido ao Brasil em 1809 pelo frei José Mariano da Conceição Veloso, gravava em metal e em madeira.257 Já Orlando da Costa Ferreira supõe que o primeiro teria sido o português Braz Sinibaldi, cuja atuação se iniciara poucos anos após a transferência da sede da corte portuguesa para o Rio de Janeiro. Em 1817, ele estava estabelecido à rua do Ouvidor 15 e prestava serviços diversos de ‘abridor’ – designação genérica do profissional dedicado à confecção de matrizes de impressão. Entre as instituições criadas àquela época na corte, três seriam “núcleos potenciais de criação de imagens gravadas, a saber, a Impressão Régia, o 256 257 In: Imagem e letra, 1994, p. 193. SILVA, 1941, pp. 196-197. 173 Arquivo Militar e o Colégio das Fábricas.” Na Gazeta do Rio de Janeiro (primeiro periódico impresso no Brasil, desde 1808, saído das oficinas da Impressão Régia) apareceram algumas estampas xilográficas, a partir de 1809. E o Diário do Rio de Janeiro teria sido “o primeiro veículo da xilografia brasileira, anônima e possivelmente anódina.” 258 Das matrizes de xilogravura que ilustravam anúncios do comércio de produtos e serviços, passamos às de anúncios de espetáculos, importadas. Na década de 1830, chegaram à corte outros gravadores, como Jean Louis Duplat (que gravou para jornais e livros), Charles Hygin Furcy de Brunet (professor de desenho e gravura) e depois seu filho Charles Hygin Furcy Fils, que fez o aprendizado nos Estados Unidos e depois dedicou-se à xilografia comercial, de jornais e revistas. Pois o fato é que a xilografia aqui praticada integrava predominantemente um gênero distinto (denominado xilografia comercial) daquele que nos interessa, qual seja, a xilografia documental. Em 1840, ainda segundo O. C. Ferreira, ao publicar um pequeno mapa da posição das forças imperiais na Guerra dos Farrapos, enviado de Porto Alegre, o editor do Jornal do Commercio pedia aos leitores que desculpassem “a imperfeição do trabalho, atendendo às dificuldades que tivemos de vencer, pela falta que há nesta Corte de gravadores em madeira.” 259 Naquela década de 40, por aqui passaram Eduard Hülsemann, R. Rollenberg, Johann Christian Wisby (que também aventurou-se no ensino), Heinrich Schroeder, Henri Désiré Domère e Michael Byrn – o Almanak Laemmert é a principal fonte para se conhecer o período de atuação de cada um deles. Na década de 1850, destaca-se Henrique José Aranha; na de 1860, Edmundo Faesser e Steffens. O português Manuel Joaquim da Costa Pinheiro teria sido o primeiro dos nossos xilogravadores ‘documentaristas’, segundo O. C. Ferreira; além do trabalho comercial, era excelente copista e até retratista. Pinheiro estabeleceu o seu próprio negócio a partir de 1852 e prestou serviços a diversos editores, sendo Garnier (Revista Popular p. ex.) seu principal cliente no ramo, informa-nos Francisco Ferreira da Rosa: “[...] fez muito retrato em madeira; e, reproduzindo xilograficamente fotografias e paisagens, de edifícios e de obras de arte, incessantemente contribuindo, durante cinqüenta anos, para a vulgarização do que mais interessava à propaganda dos nossos costumes e da nossa civilização.”260 Considerado o decano dos gravadores de madeira do Rio de Janeiro, atuou até a virada do século. Em 1874 258 FERREIRA, 1994, pp. 137-142. Op. cit., p. 148. Não há indicação de data ou página da ocorrência. 260 Francisco Ferreira da Rosa. Manoel Joaquim da Costa Pinheiro, o xilógrafo. In: O Commentario, 2 (7): 234235. Rio de Janeiro, nov. 1903. Apud: FERREIRA, 1994, p.182. 259 174 (dois anos antes do ocaso da Semana Illustrada de Fleiuss) enviou à França um de seus filhos, Alfredo Pinheiro, para aprender a trabalhar com o buril, na madeira de topo – exatamente como se procedia nos melhores jornais ilustrados europeus. 261 Para Oswaldo Silva, apesar de todo o reconhecido empenho, o filho do ‘velho Pinheiro’ estava “longe de comunicar ao buxo aquela centelha que produz emoção.”262 O principal discípulo de Pinheiro foi o português Villas Boas, chegado ao Rio de Janeiro em 1868, aos 11 anos de idade. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios e segundo O. Silva, foi nomeado gravador da corte e mais tarde concorreu à cadeira de xilografia, em período conturbado da Academia Imperial de Belas Artes; tendo sido aprovado mas sem chegar a assumir o posto, pois a cadeira foi suprimida por ocasião da proclamação a República, passou então para a Casa da Moeda, onde dedicou-se à célebre Oficina de Xilo-quimigravura, fazendo discípulos que depois seguiram para a Imprensa Nacional263. Mas aí, já estamos na virada do século e o declínio da xilografia era gritante, face às novas tecnologias de reprodução. Recuando aos fins da década de 1870 houve, ainda, nas palavras de O. C. Ferreira, “outra estréia digna de nota, a de Ad. Hirsch, que talvez tivesse sido aluno do Instituto de Fleiuss, ou fosse por este contratado, sendo possivelmente o gravador que Fleiuss disse na Illustração [Brasileira] ter feito vir dos Estados Unidos.” 264 Todo este relato tem um só objetivo: demonstrar, conforme afirmamos um pouco antes, que haviam xilogravadores no Rio de Janeiro quando Fleiuss chegou, voltados entretanto para a demanda existente – os trabalhos comerciais. E se mais xilogravadores documentais de renome não surgiram até a década de 1850, além de Pinheiro, é porque entre outras razões, não haviam tampouco jornais ilustrados similares aos europeus, com imagens derivadas fotografias e que demandassem tais profissionais; e mais ainda, não havia uma produção local de livros ilustados. E se jornais similares ao L’Illustration francês, p. ex., não eram publicados aqui, é porque faltava o público leitor/consumidor para assegurar a sobrevivência daquele produto – bem sabemos o quanto os jornais ilustrados aqui lançados penavam, para assegurar a sua continuidade. 261 Madeira de topo é a madeira cortada no sentido transversal às suas fibras; maiores esclarecimentos técnicos sobre este assunto serão prestados mais à frente, neste mesmo subcapítulo. 262 SILVA, 1941, p. 202. O buxo é uma pequena árvore que ocorre na Europa, cultivada pela madeira nobre, dura e pesada, sendo adequada para a gravação a buril. 263 Op. Cit., p. 202. O episódio do suposto concurso para a cadeira de xilografia da AIBA ainda não está devidamente esclarecido. Orlando da Costa Ferreira manifesta a sua estranheza quanto à informação. A nosso ver, se ofato procede, como afirma Oswaldo Silva, o concurso teria provavelmente ocorrido entre 1888 e 1890, num período de crise profunda, daí não haver surtido efeito prático, supomos. Sobre o assunto, ver tb.: FERREIRA, 1994, pp. 201-202 e CARDOSO [DENIS], 1998, p.192. 264 FERREIRA, 1994, p. 200. 175 A xilografia é um processo de gravura em relevo – o sistema mais antigo de todos – que muito se assemelha ao carimbo, no tocante à maneira como opera a transferência da imagem, da matriz para o papel. A imagem é deixada como relevo, sendo “poupada” pelos instrumentos, ao talhar-se a matriz, originalmente de madeira. “A parte da imagem que incumbe ao papel criar na estampa [ou seja, a parte não impressa] é, portanto, a parte escavada, o vazio deixado pela ação da faca, goiva, formão ou buril, de modo que o revelador [a tinta], passado a tampão ou a rolo, somente adere às partes que na superfície original permaneceram intactas.” 265 Segundo Walter Benjamin, com a xilogravura, o desenho tornou-se pela primeira vez tecnicamente reprodutível, muito antes que a imprensa prestasse o mesmo serviço para a palavra escrita. Conhecemos as gigantescas transformações provocadas pela imprensa – a reprodução técnica da escrita. Mas a imprensa representa apenas um caso especial, embora de importância decisiva, de um processo histórico mais amplo. À xilogravura, na Idade Média, seguem-se a estampa em chapa de cobre e a água-forte, assim como a litografia, no início do século XIX. 266 Segundo Carlos Rizzini, a xilogravura precedeu a chegada da imprensa ao país. “É fora de dúvida terem-na empregado aqui os estampadores de cartas de jogar, cuja fabricação e venda constituíam até 1821 monopólio do Estado.” 267 Desde 1770, funcionava na Bahia uma fábrica de cartas de jogar, cujas matrizes de madeira provavelmente vinham prontas do reino. No entanto, sabe-se que havia falsificadores de cartas de baralho no Rio de Janeiro, onde foram abertas muitas matrizes de xilogravura àquela época. Há duas técnicas de xilografia, que diferem basicamente pelo sentido como a madeira, na qual se produz a matriz ou taco, é cortada. Se cortada em tábuas, no sentido vertical da árvore em pé, ao comprimento de sua fibra (madeira de fibra, madeira ao fio, madeira a veia ou madeira deitada), chama-se xilogravura de fibra. Se a madeira for cortada no sentido horizontal da árvore em pé (madeira de pé), transversalmente às fibras, chama-se xilogravura de topo. Enquanto na xilogravura de fibra o desenho é escavado por instrumentos cortantes tais como goivas, formões ou canivetes, na xilogravura de topo o desenho é feito com o buril. A madeira de topo é muito mais unida, não apresentando fibras ou nervuras, o que possibilita os traços extremamente delicados, resultando em desenhos de incrível precisão e detalhe. 265 FERREIRA, 1994, p. 33. In: BENJAMIN, Walter, p. 166. 267 RIZZINI, 1988, p. 319. 266 176 A descoberta da xilografia de topo é devida ao inglês Thomas Bewick (1753-1828) e surgiu quando o processo de gravura em madeira estava em decadência, suplantado pelas técnicas de gravura em metal. Depois de ganhar, em 1771, um prêmio da Sociedade de Artistas, em Londres, Bewick trouxe novo alento ao processo, ao viabilizar a produção de matrizes em madeira com linhas tão finas quanto aquelas que eram tradicionalmente obtidas nas chapas de cobre. Adicionalmente, Bewick introduziu uma novidade nunca antes vista, na gravura em metal ou madeira: a tradicional estrutura linear passa a ser composta, às vezes, por linhas pretas sobre fundo branco; outras vezes, por linhas brancas sobre fundo preto. Suas contribuições ao avanço da xilografia ocorreram num momento histórico em que a tipografia estava em plena expansão, tendo contribuído enormemente para a ilustração de livros e revistas – já que este era o processo compatível, por excelência, com a impressão tipográfica. Entre os gravadores que se destacaram no período estava John Thompson, que veio a fundar a primeira escola do novo sistema de gravura em madeira na cidade de Paris, em 1817. Dali, saíram os primeiros mestres, alguns envolvidos na produção das célebres revistas ilustradas francesas que também fizeram sucesso no Brasil. Entre outros usos, a imprensa periódica européia ilustrada – inclusive com fotografias desde os anos 1840, como já expusemos – passou a se valer exclusivamente da xilografia de topo para copiar os originais fotográficos, com grande fidelidade. Considerando-se o pouco tempo disponível para preparar as matrizes e a complexidade das imagens fotográficas, desenvolveuse um sistema de produção coletiva: cada taco era desenhado e em seguida recortado linearmente em diversas partes iguais, entregues a diferentes gravadores para serem trabalhadas com o buril, em função das suas habilidades específicas; céus e nuvens, vegetação, vestuário, a pele humana, maquinário e edificações estavam entre as ‘especialidades’. Ao final do processo, quando unidos os pedaços, os traços coincidiam perfeitamente, graças à habilidade dos artesãos; caso necessário algum retoque para assegurar a continuidade, havia sempre um responsável pela tarefa. Tomemos como exemplo o caso do jornal francês L’Illustration – como já foi visto, um dos primeiros periódicos ilustrados com fotografias, no mundo. Um interessante depoimento que encontramos numa edição comemorativa daquela publicação, nos revela preciosas 177 informações. 268 Os três grandes centros de ação onde as idéias eram concebidas e realizadas, consistiam no escritório da redação, no ateliê dos gravadores e na gráfica. No ateliê, eram produzidas as matrizes xilográficas, num processo que demorava, em média, 48 horas ininterruptas para cada imagem. Se estas eram de um tamanho maior, eram divididas em 2 ou 4 pedaços, simultaneamente trabalhados por diferentes artesãos Ao final do processo, os pedaços eram emendados, retocados e acabados por um dos mestres. A boa luz era essencial para aquelas atividades. Assim, os gravadores do turno da noite se postavam sob grandes esferas de vidro, cheias de água, que distribuíam a luz oriunda das lamparinas inseridas nas esferas. Por volta de 1860, o xilogravador Thomas Bolton teve a idéia de aplicar a emulsão fotográfica ao taco e projetar o negativo de uma fotografia para depois, gravar a imagem. É possível que não tenha sido o primeiro a realizar tal experimento, mas hoje é quase um consenso, na historiografia do assunto. Segundo William Ivins Jr., a história dos próximos quarenta anos da ilustração de livros é pouco mais do que o relato da disseminação da idéia de Bolton, acarretando no desenvolvimentodo vulgar, enfadonho e vazio virtuosismo da gravação sobre uma base fotográfica [grifo nosso] [...]. Esta técnica foi substituída, ao final do século, por um processo de confecção de imagens fotográficas [a autotipia] no qual até mesmo o próprio gravador tornou-se prescindível. 269 Este cenário de pouco brilho que nos é apresentado por Ivins, Jr. está bem justificado no estudo de Gerry Beegan, ao opinar que as tecnologias fotográficas não foram incorporadas à xilografia com vistas à maior precisão – apesar de todo o alarde que foi feito pelos jornais ilustrados da época – mas sim para reduzir custos. 270 Explicando melhor como funcionava a novo sistema: cada taco era sensibilizado (com emulsão fotográfica) e depois recebia a projeção invertida do negativo e era revelado, de modo que a imagem se tornasse visível na própria madeira. O negativo poderia conter uma imagem originalmente fotográfica ou mesmo a reprodução de um desenho ou gravura, p. ex. Como passo seguinte – no caso específico da imprensa periódica – o taco era entregue a um ou mais gravadores para ser trabalhado com o 268 L’Illustration. Histoire d’un siècle, 1843-1944. Vol. 1 (Années 1843-1848), p. 8. “The history of the next forty years of book illustration is little more than na account of the pervasion of Bolton’s idea, and its final development into the trivial, boring and empty virtuosity of engraving over a photographic basis [...]. It was displaced at the end of the century by a process of making photographic pictures in which even the engraver himself was dispensed with.” [tradução nossa] In: IVINS, Jr., s.d., p. 108. 270 BEEGAN, 1995, p. 257. 269 178 buril, seguindo-se o mesmos passos já expostos acima, cujo resultado era uma imagem de fortes atributos fotorrealistas. No Brasil, as tentativas de implantação e disseminação das técnicas xilográficas nunca tiveram sucesso. No meio específico da imprensa ilustrada, foi o editor da Semana Illustrada Henrique Fleiuss quem tentou implantar uma escola de xilografia em seu Imperial Instituto Artístico, sem sucesso, como veremos logo adiante. Todos os periódicos aqui fundados nos anos 1860-1870 e que se propuseram a utilizar a xilogravura como ilustração, fracassaram a curto ou médio prazo. Ao iniciar o último capítulo de sua obra “Gravuras e gravadores em madeira”, dedicada à xilografia no Brasil, Oswaldo Silva lamenta: Como desejaríamos que ele [o capítulo] fosse um dos maiores! Entretanto, é um dos mais reduzidos; mas poderíamos ir além do que realmente impõem os fatos? (...) excetuando os Estados Unidos, nenhum país da América teve grandes xilógrafos; não que faltasse ao latinoamericano talento e gênio, mas pelo fato de não se haverem estabelecido em suas pátrias verdadeiras escolas de xilografia, [grifo nosso] dirigidas por grandes profissionais (...). Eis porque a xilografia na América latina não tem história. Na época das ILUSTRAÇÕES, a Argentina e o Brasil editaram as suas, em Paris, Londres e Nova York (...). O que, no gênero, se tentava fazer no próprio país, saía medíocre e insuficiente, com exceção dos jornais litografados: esses, realmente, eram bem feitos [grifo nosso] [...]. 271 Em seguida, O. Silva ainda opina que nos Estados Unidos, a xilogravura floresceu porque “cedo vieram da Inglaterra xilógrafos instruídos na arte de Thomas Bewick e muitos americanos foram aprender em Londres.” 272 Trata-se de raciocínio historicista; pois se aqui não houveram ‘verdadeiras escolas’, pensamos, é porque não houve a demanda ou a ‘pressão do mercado’ para a sua existência, pelas razões já expostas, às quais acrescentaríamos um certo preconceito da Academia. E quanto à litografia dos ‘jornais bem feitos’, o fato é que a técnica se adaptou com perfeição à realidade local, apesar de haver imposto um outro desafio aos produtores dos jornais ilustrados, qual seja, a necessidade de conciliar duas técnicas distintas de impressão – a do relevo tipográfico (para os textos) com a impressão planográfica da litografia (para as imagens). Isto porque a possibilidade de escrever também os textos diretamente na pedra teria sido logo descartada, pois seguramente reduziria ainda mais o universo do público leitor, face à falta de uniformidade da letra, além de reduzir drasticamente a quantidade de texto veiculada em cada fascículo. 271 272 SILVA, 1941, p. 194. Op. cit., 195. 179 A litografia simplificou a feitura do jornal ilustrado. Não é que manusear, desenhar e preparar uma pedra para a impressão fosse tarefa das mais simples; mas o processo requeria menor número de ‘especialidades’ entre os operários envolvidos, era mais rápido e mais econômico, enfim – as matrizes, além de resistirem a tiragens consideráveis, eram inclusive reaproveitadas; já no caso da xilografia, foi necessário desenvover técnicas para replicar os moldes em cópias metálicas, de modo a possibilitar as tiragens maiores. 273 Ressalte-se ainda que a litografia era percebida como uma técnica nova e revolucionária. Não tinha o ‘ranço’ de ofício artesanal, tendo sido muito bem recebida e devidamente apropriada pelo mundo das belas-artes. Mas o seu obstáculo intransponível é que não se integrava à tipografia, o que a fotoxilografia fazia a contento. Melhor seria produzir tudo em fotolitografia, mas este processo não teve o desenvolvimento esperado, no século 19. Nem a Academia Imperial de Belas Artes, cuja fundação remonta a 1816 e onde a gravura já havia sido suprimida do currículo inicial, e nem o Liceu de Artes e Ofícios, inaugurado em 1858 no Rio de Janeiro pela Sociedade Propagadora das Belas-Artes – criado para ministrar o ensino técnico – tiveram sucesso na implantação do ensino da xilografia 274. É fato que no início do século 19, a xilografia não constava tampouco dos currículos do ensino acadêmico, na Europa – era uma ocupação marcadamente artesanal, pouco afeita às atividades de pintores e escultores. Na Academia Imperial de Belas Artes, as discussões sobre a inexistência de uma cadeira de xilogravura tornaram-se acaloradas bem mais à frente, já na década de 1880. E vale lembrar que em novembro de 1882, quatro anos após o fechamento do Imperial Instituto Artístico, faleceu Henrique Fleiuss, pobre, doente e desiludido. Ironia do destino, pois no mês seguinte, em 16 de dezembro de 1882, com o decreto n. 8.802, deu-se a criação de uma cadeira de ‘xilographia’ em substituição à gravura de medalhas e pedras preciosas. O então diretor, Antônio Nicolau Tolentino, manifestou-se contra a mudança, declarando que a gravura de medalhas era mais importante em uma academia de belas-artes, e a congregação conseguiu arrastar os pés até 1884 quando foi obrigada a elaborar um programa de 273 Ainda na primeira metade do século 19, já chegavam ao Rio de Janeiro os primeiros exemplares de matrizes da denominada xilogravura estereotipada de importação. Também denominadas politipos – inventados no final do século 18 – eram na verdade chapas metálicas que reproduziam imagens originalmente xilográficas e podiam ser impressas juntamente com a composição tipográfica. O Museo Universal, jornal das familias brazileiras, que a empresa do Jornal do Commercio vinha publicando desde 1837, foi um dos primeiros a popularizá-las por aqui. Surgiram, depois, variantes deste processo, como a galvanoplastia ou eletrotipia. 274 Sobre o ensino técnico na AIBA e suas interações com o Liceu, ver: CARDOSO [DENIS], 1998, pp. 181195. 180 concurso para a nova cadeira. O governo alterou este programa, suprimindo as provas de desenho a pena e de composição histórica como requisitos, ação que estimulou a comissão de professores encarregada do concurso a redigir uma carta de protesto. Os autores dessa carta questionaram se o legislativo tinha mesmo por intenção substituir o ensino de um ramo das bellas-artes por outro meramente industrial, desfalcando assim a congregação da Academia por retirar um artista para collocar nella um mesteiral 275. A nova cadeira jamais foi lecionada e a polêmica em torno da xilogravura continuou até o restabelecimento da gravura de medalhas com os novos estatutos de 1890.”276 O trecho acima, de autoria de Rafael Cardoso, expõe o preconceito vigente no Brasil por todo o século 19 contra as chamadas ‘artes industriais’, na congregação da Academia Imperial de Belas Artes e nos ajuda a melhor compreender o que se passou no Rio de Janeiro, quanto a este aspecto de nossas artes gráficas. Desde a época da implantação da Reforma Pedreira 277 na AIBA, a partir da nomeação de Porto-Alegre (1854) para dirigir e reformar seus estatutos, tentou-se resgatar “a idéia do decreto inicial (1816), voltando-se para a formação industrial, no ramo das questões práticas [...]”, relata-nos Cybele Fernandes. 278 No seu discurso de posse como diretor, Porto-Alegre, que já defendia a necessidade de maior ênfase no ensino de ofícios há alguns anos, defendeu o papel da Academia “na preparação sólida da mocidade para servir o país, seja como artista ou como artífice.” 279 Apesar de haver sido criada a figura do ‘aluno artífice’ em distinçao à do ‘aluno-artista’ – um avanço, sem dúvida, entre diversos outros – a Reforma Pedreira não surtiu o esperado efeito no campo da formação de artífices em xilogravura para a nossa indústria gráfica. Entre outros motivos isto se deveu, a nosso ver, a um preconceito arraigado na Academia, em relação à xilografia – ainda considerada trinta anos depois, como vimos, uma ‘atividade meramente industrial’ e ‘coisa de mesteiral’. Como nos lembra ainda Rafael Cardoso, No século 18, o enciclopedismo iluminista classificara cinco áreas de criação (pintura, escultura, arquitetura, poesia e música) como ‘belas-artes’, relegando todo o resto a um patamar de inferioridade implícita. As outras formas de criação plástica passaram a ser designadas por termos como artes ‘aplicadas’, ‘decorativas’, ‘utilitárias’ ou o temível ‘artes menores’, instaurando uma dicotomia com as supostas ‘artes maiores’ que perduraria 275 Atas – Sessões da Presidência do Diretor1882-1890. [livro A.05; Museu D. João VI], p. 1, 6-8, 61. CARDOSO [DENIS], 1998, p. 192. É certo que a cadeira não foi lecionada àquela época; mas resta ainda confirmar a realização de concurso para ocupá-la, conforme já mencionamos. 277 O conselheiro Luís Pedreira do Couto Ferraz e visconde do Bom Retiro, era então ministro do chamado Gabinete da Conciliação (de 06 set. 1853), tendo coordenado a reformulação da AIBA, além de ampla reforma do ensino primário e secundário da corte, entre muitas outras importantes iniciativas. 278 FERNANDES, 1998, p. 150. 279 Op. cit., p. 150. 276 181 até o século 20, e que, ainda hoje, ronda a distinção essencialmente arbitrária que se faz entre arte e design. 280 O ano de 1882, ao qual nos referimos há pouco, foi mesmo marcante neste capítulo da nossa história. Félix Ferreira, um dos redatores do Brazil Illustrado 281, ao lançar este periódico (em 1887), lembrava que o conselheiro Rodolfo Epifânio de Souza Dantas 282 teria resolvido criar, no Rio de Janeiro, uma cadeira de xilografia em 1882. Mas Orlando da Costa Ferreira esclarece que era Félix Ferreira, na verdade, o pai daquela idéia, por ele repisada na imprensa deste 1872, na esperança de que o Liceu de Artes e Ofícios terminasse por abraçá-la, e não a AIBA, conforme ocorreu283. Foi no Sarau Artístico-Literário que a Diretoria e Professores do Liceu de Artes e Ofícios dedicaram ao Exmo Sr. Conselheiro Rodolfo Epifânio de Souza Dantas em 23 de dezembro de 1882 284 que Ruy Barbosa teria pronunciado discurso sobre as ‘artes aplicadas’, referindo-se à necessidade de “instituição de uma escola superior de arte aplicada, que nada tem, nem até hoje teve em parte alguma, nem jamais poderá ter, com Academias de Belas Artes”, mencionando a seguir, expressamente, que “as obras notáveis já não apelam para o público unicamente pela tela, pelo desenho, ou pela escultura original, senão pelos infinitos modos de reprodução industrial que se acumulou em nosso tempo: a gravura, a litografia, a fotografia, a helioplastia, a galvanoplastia, a moldagem sob os seus vários processos.” 285 Como se vê, ele estava imbuído daquele espírito das campanhas unificadoras da Arte e da Indústria, iniciadas por William Morris, na Inglaterra e que em seguida repercutiram, entre outros países, na França, o caminho natural para chegarem ao Brasil. Além de outros entraves à instalação da cadeira de xilografia no âmbito da AIBA, já relatados, os baixos honorários teriam sido mais um. A cadeira nunca foi ocupada, até ser extinta. Se aconteceu o concurso vencido por Villas Boas, que já mencionamos, o fato é que ele nunca assumiu a cátedra. No adiantado ano de 1888, quando na Europa e nos Estados Unidos já se implantava a autotipia ou meio-tom – processo de fragmentação da imagem em pontos ou retículas, para 280 Dois ramos do mesmo tronco: arte e design na obra de Eliseu Visconti. In: ELISEU Visconti - Arte e Design (catálogo da exposição) , 2007, p. 18. 281 O Brazil Illustrado : Archivo de Conhecimentos Úteis, 14 jan. 1887, pp. 1-3. Pinheiro & Cia. eram os editores proprietários; o xilógrafo Alfredo Pinheiro estava a cargo da parte artística do periódico. 282 Foi ministro da justiça no gabinete de Martinho Álvares da Silva Campos (21 jan. 1882) e fundador do Jornal do Brasil, em 1891. 283 Para Felix Ferreira, a AIBA era “a escola da aristocracia do talento” e o Liceu “a útil oficina das inteligências modestas” In: O Liceu de Artes e Ofícios e as aulas de desenho para o sexo feminino. Rio de Janeiro : Tipografia J. P. Hildebrandt, 1881, p. 9. Apud: CUNHA, 2005, p. 120. 284 Rio de Janeiro : Typ. Hildebrandt, 1882, pp. 23 e 26-27. Apud: FERREIRA, 1994, p. 201. 285 Rio de Janeiro : Typ. Hildebrandt, 1882, pp. 23 e 26-27. Apud: FERREIRA, 1994, p. 201. 182 confecção de um clichê tipográfico – por aqui, ainda se lamentava o fracasso da nossa xilogravura de imprensa. O breve trecho que usamos como epígrafe foi retirado do depoimento que se segue: A gravura xilográfica é a mais perfeita para executar-se as reproduções de qualquer espécie nos prelos tipográficos, já em estampas separadas, já intercaladas no texto; sua impressão é nítida, clara e perfeitamente artística. Nenhum outro meio tem podido suplantar a xilografia; os processos químicos no zinco, destinados a representar o talho forte, raramente dão o resultado esperado; seu aspecto na impressão é horrível, seus traços uniformes e sem beleza gráfica. [...] No Brasil a xilografia, como os demais gêneros de gravura, não tem grande extração pelo nenhum desenvolvimento que há tido a literatura; e por isso os artistas gravadores em madeira são em limitado número. [...] As ilustrações brasileiras que têm aparecido são geralmente compostas de galvanoplastias importadas do estrangeiro, e já servidas nos jornais ou obras editadas na Europa. Ultimamente criou-se o Brasil Illustrado que tem lutado fortemente com o indiferentismo ainda existente entre nós pelas impressões artísticas, e como esta, todas as empresas congêneres naufragam por faltar-lhes os meios proporcionados pelo público. [...] A madeira usada na Europa nos trabalhos de xilografias [sic] é o buxo, que importamos em diminuta escala; e parece-nos que se procurarmos, encontraremos no Brasil, não uma, porém muitas madeiras apropriadas à gravura. Com o progresso do país, este ramo, julgamos, será melhor cultivado, o número de operários se multiplicará, a mão de obra será menos cara e seu emprego procurado como meio seguro para ilustrações de livros de ciência e arte, de preferência aos processos químicos que quase sempre apresentam impressão repintada e grosseira. 286 Como se vê, até aquele momento, os diversos processos de reprodução fotomecânica já existentes (no texto, genericamente tratados como processos químicos) não apresentavam resultados satisfatórios na imprensa local e a autotipia (ou meio-tom), que já vinha possibilitando a publicação de importantes reportagens ilustradas com fotografias, na Europa, por aqui não era sequer mencionada, ainda. Tratemos agora, um pouco mais a fundo, do processo litográfico, especificamente: próximo ao final do século 18, quando as técnicas de gravura em madeira e metal já se encontravam bastante apuradas, surgiu um novo e revolucionário processo de gravação e reprodução de imagens, simples e barato – a litografia, desenvolvida entre 1796 e 1798 pelo jovem compositor musical Aloys Senefelder (1771-1834), natural de Praga e criado em Munique. 286 Revista Tipográfica, ano I n. 23, 11 ago. 1888, p. 1. Esta revista foi publicada pela Tipografia Universal de Laemmert & C., entre 1888 e 1890. 183 Desejoso de publicar suas obras e não encontrando uma editora sequer que se dispusesse a tal, desenvolveu um sistema de reprodução gráfica de baixo custo e complexidade. Em 1797, introduziu-o na Inglaterra. Em 1799 obteve do governo um privilégio, por quinze anos, sobre o uso do processo. Durante as invasões napoleônicas à Alemanha, alguns artistas franceses também acabaram por aprender a litografia, contribuindo para a sua disseminação na França. Em 1818, Senefelder publicou um “manual completo de litografia”. Eram tempos de grande desenvolvimento no meio gráfico, e a litografia – chamada por Senefelder de ‘impressão química’ – depois de passar por um período inicial onde só foi utilizada para a produção de trabalhos medíocres, acabou sendo descoberta por grandes pintores, tais como Ingres, Géricault, Delacroix e Goya, sendo muito bem recebida no seio das artes plásticas, onde obteve grande repercussão e difusão. Contribuiu para isso, ainda, o trabalho incansável de aperfeiçoamento e difusão do próprio inventor. A litografia baseia-se na repulsão que a água tem pela gordura, e vice-versa. Numa pedra calcárea, o desenho é feito por lápis gorduroso (o chamado crayon litográfico) ou tinta, também gordurosa, aplicada a pincel ou caneta. Uma solução ácida fixa a gordura à pedra. A impressão é planográfica, realizada numa prensa litográfica que, assim como a prensa calcográfica, se compõe de uma ‘cama’ com movimentos de vai-e-vem, onde se coloca a pedra. Sobre a pedra entintada é colocado o papel, bem liso, a receber a impressão e por cima, um cartão de proteção. Antes de se proceder à entintagem, a pedra é molhada. A parte sem gordura absorve a água, ficando úmida, enquanto que a parte engordurada, repele-a. A tinta, gordurosa, é espalhada sobre a pedra por intermédio de um rolo, sendo retida apenas onde está traçado o desenho – que é onde a pedra se manteve engordurada. Nas áreas da pedra sem desenho, que permanecem úmidas, a tinta é recusada. Embora as litografias sejam facilmente reconhecidas pela granulação característica – efeito causado pelo lápis desenhado sobre a pedra – é possível também imprimir chapadas, em traços ou planos, bastando para isto aplicar a tinta sobre a pedra, com pincel ou caneta, para obstruir completamente os orifícios da mesma. Já o crayon, dependendo da força com que é usado, penetrará mais ou menos na granulação da pedra, de forma que ao se fazer a impressão, esta fica visível. Assim como aconteceu com a fotografia, o Brasil conheceu a litografia quase que simultaneamente à sua implantação nos países europeus. Já em 1817, chegava ao Rio de Janeiro o artista e litógrafo Arnaud Julien Pallière (1783-1862), a convite de D. João VI. A 184 partir de 1822, tornou-se professor da Academia Militar, onde a oficina de litografia veio substituir a seção de gravuras em aço e cobre. Acredita-se que o material litográfico foi trazido da Europa, sob encomenda, pelo suíço Johann Jacob Steinmann (1800-1844), que havia iniciado seus estudos de litografia em 1821 com Engelmann (natural da Alsácia e que havia fundado um ateliê litográfico em Paris, em 1816) e aperfeiçoou-se com o próprio inventor desse processo, Aloys Senefelder, também em Paris. Contratado pelo governo brasileiro, ensinou litografia no Arquivo Militar, no Rio de Janeiro, entre 1826 e 1830, onde era o litógrafo oficial. Após o término de seu contrato, continuou trabalhando como litógrafo no Rio até 1833, quando retornou à Europa. Dois anos mais tarde, já de volta à Basiléia, Suíça, começou a divulgar seu álbum de vistas Souvenirs de Rio de Janeiro. 287 O empresário das artes gráficas Francisco de Paula Brito, considerado o primeiro editor brasileiro, insatisfeito que estava com a mão de obra local, contratou na França o experiente litógrafo Clément Bernard Louis Thérier, que chegou ao Rio em fevereiro de 1853, onde passou a “fazer as litos em preto e branco e depois as cromolitografias de modas masculinas e femininas, finamente coloridas, que costumavam vir de Paris para inserção em revistas brasileiras.” 288 Diversos retratos e vistas do litógrafo-retratista Sebastien Auguste Sisson – outro francês, aprendiz do grande estabelecimento de Lemercier, em Paris e aqui chegado em 1852 – foram litografados por Thérier e inseridos nos números iniciais (março e abril de 1855) de O Brasil Illustrado. Vale ainda lembrar que foi Joseph Nicéphore Nièpce – o parceiro de Daguerre na invenção do já mencionado daguerreótipo – quem primeiro conseguiu gravar um desenho diretamente do papel para o metal, criando assim o primeiro clichê, num processo por ele denominado heliografia e baseado nas propriedades fotoquímicas do betume da judéia. As pesquisas de Niépce visavam substituir, na litografia, a pedra pelo metal, além de transformar o processo, que era autográfico, em um processo fotográfico, chegando assim à reprodução fotomecânica. A aplicação dos princípios da fotografia à litografia, a partir das pesquisas do francês LouisAlphonse Poitevin, resultou no desenvolvimento da fotolitografia, por ele explorada comercialmente em seu ateliê, instalado em 1855. Incapaz de torná-la um empreendimento rentável, vendeu sua patente em outubro de 1857 ao impressor e litógrafo Joseph-Rose 287 288 Informações extraídas de: FERREIRA, 1994. FERREIRA, 1994, p. 391. 185 Lemercier, discípulo de Alois Senefelder, que viabilizou-a em sua Imprimerie Lemercier, de Paris. A seguir, Poitevin passou a investigar outros processos fotográficos isentos de sais de prata, tendo patenteado em 1860 um processo fotográfico sobre vidro à base de sais de ferro, do qual se tiravam cópias em papel recoberto de carvão. Ainda com relação à fotolitografia, vale esclarecer que este processo não conseguiu jamais, no século 19, atender às demandas por reprodução fotomecânica de uma indústria gráfica de tiragens crescentes e prazos decrescentes, onde a impressão era tipográfica e, portanto, a ela deveriam se subordinar os processos fotomecânicos – o que não era o caso da litografia, um processo planográfico, como já foi visto. Apenas no século 20, com o pleno desenvolvimento da denominada litografia offset, é que ocorreu a ‘migração tecnológica’, digamos assim, da composição tipográfica para os processos de impressão litográficos – isto, graças, mais uma vez, à fotografia e mais especificamente, à fotocomposição de textos. A fotolitografia chegou ao Rio por volta dos anos 1870. Até onde pudemos investigar, nenhuma das iniciativas locais estaria ligada a Poitevin ou Lemercier. Entre os nossos pioneiros, destacaríamos o fotógrafo Alberto Henschel, que em maio de1875 submeteu um pedido de privilégio, por dez anos, ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, visando explorar a fotolitografia no império. Sua pretensão foi negada, como se lê no parecer da Seção de Artes Liberais e Mecânicas da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, à época encarregada da questão: [...] A fotolitografia, criada por Poitevin, em 1856, modificada e aperfeiçoada depois, é hoje geralmente conhecida e praticada. Não há portanto invento, o que, aliás, o pretendente confessou. O privilégio é pedido pelo fato de introdução no país; mas o fato da introdução de qualquer indústria não basta para a concessão de privilégio (mesmo aquele que o Governo tem conferido em vez do prêmio declarado na lei de 28 de agosto de 1830); é mister que a indústria seja útil e difícil. Há utilidade, e muito, na fotolitografia, embora não seja absoluta, porque não refere-se a uma indústria necessária ou que importe melhoramento positivo do país; mas, não há dificuldade, porque consiste simplesmente na junção dos processos da fotografia e da litografia. Convém notar que nem mesmo há novidade ou dificuldade na tinta, a respeito da qual parece que o pretendente em sua petição guardou mistério, porque é a mesma de impressão geral, segundo informou o sócio do pretendente. A esta razão para o indeferimento da pretensão, acresce o seguinte: o processo da fotolitografia já está introduzido no país; Paulo Robin, por exemplo, faz dele uso no seu estabelecimento à rua da Assembléia, como faz também da fotogravura e de outros processos aperfeiçoados da arte fotográfica e da litográfica; o professor Hartt utilizou o mesmo processo 186 quando explorou o vale do Amazonas, e por ordem do Governo Imperial consta que vai ainda aplicá-lo na comissão da carta geológica do Império, que ora dirige. Segundo informação colhida no estabelecimento do pretendente, a Seção acredita que o processo mencionado pelo pretendente não é o da fotolitografia, e sim o da fototipia ou albertotipia, porque não consiste em trabalho passado imediatamente do clichê para a pedra, e sim para o vidro, sobre o qual se opera o trabalho litográfico. Nesta hipótese parece que há dois ou três anos negou-se privilégio a Leuzinger. As provas que o pretendente exibiu revelam nímia exatidão; como acontece nos trabalhos fotográficos; podem ser de longa duração, como permite o emprego da tinta de impressão; mas, ressentem-se de uma cor escura no fundo do desenho, devido provavelmente ao emprego de gelatina, o que os torna carecedores de completa nitidez; acresce que visto não haver ainda clichê de grandes dimensões, a reprodução de grandes desenhos, como seja um mapa geográfico, pode ser imperfeita por causa do concurso de dois ou mais clichês. Eis o que pensa a Seção e submete ao juízo do ilustrado conselho da Sociedade. Rio de Janeiro, 17 de julho de 1875. Lopo Diniz Cordeiro, Presidente. João Evangelista de Negreiros Sayão Lobato Sobrinho, Secretário.” 289 Nosso levantamento da imprensa ilustrada carioca no século 19, mostrou que a aplicação da fotolitografia tampouco se desenvolveu ali satisfatoriamente – como, aliás, aconteceu em todo o mundo, devido às limitações daquele processo, quais sejam, as baixas tiragens e a incompatibilidade com a composição tipográfica, como afirmamos há pouco. Assim, a litografia continuou a ser realizada pela mão do artista, com o lápis ou crayon litográfico – como era denominado – o que imperou em nossa imprensa ilustrada até a virada do século. Assim, tanto o porta-crayon quanto a pedra litográfica, aparecerão com impressionante freqüência na imprensa brasileira, seja nas logomarcas, seja nas ilustrações, durante todo aquele período290. Ao abordar a fase áurea da litografia com suas pesadas pedras, assim como a fase seguinte da zincografia, quando as chapas daquele metal vieram substituí-las, Raul Pederneiras prestou interessante depoimento acerca dos nossos mestres pioneiros: “Todos eles, exímios no crayon litográfico, desenhavam diretamente sobre pesadas pedras, às avessas, para que, na impressão, o resultado aparecesse natural. Tal destreza, tal perícia adquiriam no manejo do lápis que, em poucas horas, davam conta de quatro grandes páginas de alentado 289 O Auxiliador da Indústria Nacional, n. 8, ago. 1875, p. 331. Descontado o provável oportunismo de Henschel, ainda assim este interessante parecer coloca algumas das questões básicas referentes às dificuldades enfrentadas pelos empresários do ramo, ao lidar com a mentalidade dominante, nos seus esforços visando o desenvolvimento da indústria gráfica local (entre outras) no século 19. 290 Sobre este assunto, ver ANDRADE, 2004, pp. 87 a 94. 187 formato, cuidadosamente estilizadas. [...] Com a tinta autográfica e a pena de irídio, o artista desenhava o seu trabalho sobre papel especial, obedecendo ao tamanho exato que deveria ter o clichê, fosse ele de uma polegada. Uma prensa fazia o desenho aderir ao zinco, por um modo semelhante ao das decalcomanias, fixava-se o desenho ao calor do fogo com betume, e, em seguida, a chapa de metal entrava em banhos graduados de água-forte que, roendo o metal, deixavam em relevo os traços do desenho protegidos pela tinta betuminada.” 291 Fig. 64 – A partir de 20 de junho de 1869, a seção “Pontos e vírgulas”, integrante da página do editorial da Semana Illustrada, foi substituída pela seção “Badaladas”. E a partir da semana seguinte, a composição tipográfica desse cabeçalho foi substituída por uma vinheta xilográfica, estrelada pelo Dr. Semana e o Moleque. 291 Raul Pederneiras, A gravura. In: O Imparcial, Rio de Janeiro, 19 fev. 1922. Apud: SODRÉ, 1983, pp. 220-21. 188 3.2.2 A escola de xilografia do Imperial Instituto Artístico [...] de hoje em diante a Semana Illustrada é ornada de estampas gravadas em madeira pelos moços brasileiros que frequentaram a aula de Xilografia do Imperial Instituto Artístico. Semana Illustrada (n. 175), 17 abr. 1864, p. 1393 (capa) Ouvrir une école, c’est fermer une prison. (atribuída a Victor Hugo) A carência de mão-de-obra especializada foi um dos principais problemas enfrentados pelos empreendedores do ramo gráfico, no Brasil, em suas primeiras décadas de existência. Em sua obra acerca do Rio de Janeiro entre as décadas de 1810 e 1850, Adolfo Morales de los Rios Filho abordou a questão do ensino profissional para as artes e ofícios elementares, afirmando que Se a instalação material da Real Impressão foi relativamente fácil, o mesmo não se poderá dizer com relação ao pessoal, pois o seu recrutamento se tronou quase que impossível, obrigando, por isso, a recorrer aos tripulantes da Real Armada que possuíam predisposição para os ofícios elementares. Foi, portanto, no empirismo mais absoluto que a técnica dos ofícios foi ministrada aos primeiros aprendizes de composição, impressão e fundição de tipos. A 6 de fevereiro de 1811, a admissão dos aprendizes e a respectiva situação ficaram reguladas pelo alvará que leva a rubrica do príncipe regente, e a assinatura do conde de Linhares. Preferentemente eram admitidos os que sabiam ler e escrever e tinham menos de 24 anos de idade. Ali permaneciam cinco anos, pelo menos. [...] O aprendiz que não se mantivesse fiel ao estipulado corria o risco de ser preso e obrigado a sentar praça. [...] 292 Já no terceiro ano de existência da sua Semana Ilustrada (1863), Henrique Fleiuss seguia firme em seu propósito de fazer um jornal nos moldes dos melhores periódicos ilustrados europeus, no tocante à configuração da página, visando a completa integração texto/imagem. Não havia uma oferta de bons xilógrafos documentaristas em nosso mercado de trabalho e não havia tampouco o ensino da xilografia em nossas escolas. Até aqui, não encontramos qualquer indício de que o Imperial Instituto Artístico tenha tentado importar mão-de-obra em xilografia, nos primeiros anos da empresa. Mais à frente, como vimos, Orlando da Costa Ferreira aventa a possibilidade do gravador Ad. Hirsch ter sido trazido por Fleiuss e suspeita, ainda, que o Instituto tenha importado matrizes prontas para a impressão da ‘História Natural Popular dos Animais’, publicada em fascículos mensais, com texto e direção científica do 292 MORALES de los Rios Filho, 2000, pp. 434-435. 189 professor Miguel Antonio da Silva, repetidor de Ciências Físicas e Naturais da Escola Central: São xilogravuras e litografias [sic], algumas notáveis, infelizmente não assinadas, pois se o Imperial Instituto foi uma instituição de excepcional importância na história da xilogravura brasileira, parece que Fleiuss não gostava que se tivesse conhecimento dos nomes dos seus alunos e colaboradores, ou também aí usava estereótipos importados e procurava evitar a sua identificação. 293 Mas o fato narrado acima ocorreu em 1865 quando, ao que parece, o entusiasmo de Fleiuss com o projeto da escola já havia arrefecido. Voltando ao período inicial da sua idéia, o caminho escolhido para alcançar os objetivos pretendidos passava pelo desenvolvimento da mão-de-obra para realizar os trabalhos de ‘xilogravura de topo’ no próprio Rio de Janeiro – de modo a viabilizar a composição e impressão dos blocos de texto e das imagens numa mesma página, simultaneamente, pelo processo tipográfico. Como já vimos, as instituições existentes na corte, integrantes do aparelho do estado e voltadas para o ensino dos ofícios, não davam conta de certas necessidades, deixando espaço às iniciativas particulares. E mesmo estas, como foi o caso do Liceu de Artes e Ofícios, não contribuíram para resolver a demanda por xilogravadores. Em sua obra acerca do ‘Ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata’, Luiz Antônio Cunha relata que A preferência para a constituição da força de trabalho manufatureira era nitidamente pelos imigrantes europeus. No entanto, estes não estavam disponíveis em grande número, em razão das restrições institucionais. Por outro lado, temia-se que eles fossem portadores de elementos ideológicos temidos pelas classes dominantes [...]. Em decorrência, ao contrário do que aconteceu com a agricultura, a solução preferida na produção industrial-manufatureira foi a formação de operários no próprio país, de modo a se dispor de trabalhadores assalariados dotados da qualificação que os europeus apresentavam, mas sem aqueles inconvenientes. 294 Antes de passarmos ao relato da escola de xilografia do Imperial Instituto Artístico, vale discorrer sobre alguns outros aspectos desta questão e examinar o cenário britânico no período que antecede o nosso episódio – o que nos demonstra Gerry Beegan em seu ensaio sobre a 293 294 FERREIRA, 1994, p. 190. CUNHA, 2005, p. 82. 190 xilografia praticada naquele período.295 Na Inglaterra do final do século 18, onde surgiu a nova técnica de xilogravura documental a partir de Thomas Bewick, a velha tradição do aprendizado junto ao mestre, anterior à Revolução Industrial, tornava-se progressivamente obsoleta – sendo substituída pelo novo sitema de ensino de ofícios, sobre o qual já discorremos. No entanto, a xilogravura de topo e seu sistema de produção industrial, onde a divisão do trabalho e a hierarquia eram cruciais, era uma técnica nova, ainda não devidamente divulgada. Seu aprendizado demandava uma relação muito próxima entre o mestre e seu aprendiz, onde a técnica não era tudo: o sucesso do aprendizado dependia, ainda, da prática acumulada, do desenvolvimento das capacidades críticas (ou de julgamento) e da habilidade manual de cada artífice. O próprio Thomas Bewick passou, então, a aceitar jovens aprendizes em seu empreendimento. A idade inicial girava em torno dos 14 anos, e os alunos deveriam ser recomendados. Os pais pagavam uma mensalidade e o aluno firmava um contrato de aprendizado, por um período de até sete anos. Embora a maioria absoluta fosse do sexo masculino, já existiam jovens mulheres aprendizes. Entre as cláusulas do contrato, havia uma que proibia os aprendizes de realizar qualquer trabalho ‘freelance’. E só mais para o fim do aprendizado, é que eles começavam a receber um salário, desobrigando seus pais da mensalidade. Ainda assim, aquela atividade era vista como um ofício respeitável e seguro, que assegurava às famílias a recuperação do investimento feito na capacitação do filho. Foi em 31 de maio de 1863 que apareceu, no jornal de Fleiuss, o seguinte ‘Anúncio da Semana Illustrada’: Tendo a intenção de estabelecer uma escola de GRAVURA EM MADEIRA (XILOGRAFIA) em maior escala, participamos aos pais, que quizerem mandar educar seus filhos neste ramo da arte, ainda pouco conhecido no Brasil, que as condições com que aceitaremos alunos, são as seguintes: O aluno tem de trabalhar diariamente (com exceção dos domingos e dias de guarda) das 9 horas da manhã até as 3 da tarde. O aluno assinará um contrato, juntamente com seu pai ou tutor, obrigando-se a não deixar o nosso estabelecimento, antes do fim do terceiro ano. O aluno trabalhará o primeiro ano de aprendizagem sem receber ordenado algum, não pagando, em compensação, coisa alguma pelo seu ensino; receberá no segundo a gratificação de 120$000 rs.; e no terceiro a de 240$. O salário será aumentado, conforme o progresso dos alunos, nos anos seguintes. Os abaixo assinados, proprietários do Instituto Artístico, ensinam tudo o que for preciso para esta bela arte, que, em um curto espaço, tornará os 295 BEEGAN, Gerry. The mechanization of the image : facsimile, photography and fragmentation in nineteenthcentury wood engraving. In: Journal of Design History, vol. 8 n. 4, 1995. London : The Design History Society, pp. 257-274. 191 moços, que lhe forem confiados, independentes; [grifo nosso] e cuidarão igualmente na moralidade e atividade de seus discípulos rigorosamente. [grifo nosso] Rio de Janeiro, Largo de S. Francisco de Paula n. 16. Instituto Artístico. Fleiuss Irmãos & Linde. Editores da Semana Illustrada.” 296 Fig. 65 – O anúncio da “escola de gravura em madeira (xilografia)”, publicado na Semana Illustrada de 31 maio de 1863 e assinado “Instituto Artístico. Fleiuss Irmãos & Linde. Editores da Semana Illustrada.” DiORa-FBN A estratégia foi bem montada: em maio, o anúncio da escola; em agosto, quando protocolou o requerimento para obter a mercê do título de Imperial (como já vimos), este era mais um forte argumento a valorizar o pedido. Nas informações encaminhadas ao subdelegado Francisco José de Lima, o requerente informava que “temos inaugurado uma escola de gravura em madeira, que já conta oito alunos e será aumentada a número de quinze. Está se fazendo atualmente uma obra científica do doutor Capanema e uma grande obra para S. Exa. o senhor Ministro da Marinha, todas as gravuras em madeira, uma arte até agora desconhecida no Brasil.” 297 Melhor estratégia, impossível. São evidentes, ainda, outros esforços feitos por Fleiuss, à época, para divulgar a sua iniciativa da escola de xilografia, pois bem sabia que a propaganda contribuiria para obter o sucesso da 296 297 Semana Ilustrada, 31 maio 1863, p. 1031. Apud: IPANEMA (2007, fls. 136-7). 192 empreitada. Neste sentido, menos de nove meses depois, quando o agora ‘Imperial’ Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde participou, com grande quantidade de obras, da 16a Exposição Geral de Belas Artes de 1864 (14 de fevereiro), entre elas, na seção geral, estava um “quadro representando os primeiros ensaios dos alunos do Imperial Instituto Artístico – gravura em madeira”. O processo de concessão da mercê do títutlo de Imperial ao Instituto Artístico traz muitas informações interessante sobre aquele empreendimento e vale aqui transcrever a composição da equipe do Instituto e a organização de seu espaço físico: a tipografia contava com dois impressores, dois compositores e um aluno, sendo um dos funcionários português e os outros, brasileiros; a pintura era executada pelos proprietários, todos alemães; a litografia era executada por seis elementos, sendo três alemães, dois portugueses e um brasileiro e a impresão litográfica era realizada por nove pessoas, sendo cinco portugueses e quatro brasileiros; a xilografia estava a cargo de oito elementos, todos brasileiros; o fotógrafo era alemão; os quatro caixeiros de escritório eram todos brasileiros. Quanto ao espaço físico, a casa estava dividida em uma sala de desenho, uma sala de tipografia, uma de pintura, outra de xilografia, duas para a fotografia, uma para litografia e duas de impressão litográfica, um laboratório e duas salas para guardar os trabalhos feitos. 298 Nada encontramos, até o presente momento, acerca do programa do curso, dos mestres ou das instalações específicas da escola. Tudo que temos são os resultados do aprendizado dos alunos, que foi estampados no jornal. Enquanto investia na formação de jovens xilógrafos, a Semana Ilustrada continuava a se esmerar na publicação de suplementos litografados, como é o caso do já citado “desastre que teve lugar na fortaleza de S. João, no dia 7 do corrente, e do qual escapou milagrosamente S. M. o Imperador e sua comitiva”, cujo comunicado aos leitores era datado de 14 de agosto de 1863, ou seja, dois meses e meio após o primeiro anúncio da escola. Já no ano de 1864, Fleiuss experimentou a impressão a cores, em caricaturas litográficas estampadas em 20 de março (p. 1365), em 27 de março (p. 1373) e em 3 de abril – em todos os casos, as cores descritas nas legendas foram aplicadas sobre o rosto dos personagens. 299 Até onde sabemos, esta teria sido a única experiência do gênero, na trajetória da publicação. 298 299 Apud: IPANEMA (2007, fl. 137). A aplicação de cores foi observada nos exemplares da coleção do Real Gabinete Português de Leitura (RJ). 193 Fig. 66 – Estas são as caricaturas – litográficas – onde Henrique Fleiuss aplicou cores, pela primeira vez na trajetória de seu periódico. Semana Illustrada, 20 mar. 1864, p. 1365. DiORa-FBN Fig. 67 – Outro exemplo – o terceiro e último – das experiências de aplicação de cores sobre os rostos de caricaturas litográficas. Semana Illustrada, 03 abr. 1864, p. 1381. DiORa-FBN Quase um ano depois do primeiro comunicado acerca da criação de sua escola de gravura em madeira, eis que no número 175, publicado em 17 de abril de 1864, a Semana Illustrada anuncia, finalmente, o início da ‘fase xilográfica’ do periódico – já então, em seu quarto ano de existência: 194 “Progresso! Progresso! Palavra mágica, que impele o mundo à conquista do futuro e ao seu aperfeiçoamento moral e físico. Este puff sexquipedal serve apenas para noticiar aos nossos leitores, urbi et orbi, que de hoje em diante a Semana Ilustrada é ornada de estampas gravadas em madeira pelos moços brasileiros que freqüentaram a aula de xilografia do Imperial Instituto Artístico. A gravura acima representa o gabinete do Dr. Semana. Todos trabalham, menos D. Negrinha, que se contenta em admirar ou censurar as obras feitas.” 300 Fig. 68 – Esta foi a primeira xilogravura estampada na capa da Semana Illustrada, como resultado do aprendizado dos alunos da escola de xilografia do Imperial Instituto Artístico. Trata-se de um trabalho coletivo, assinado pelo mestre (Henrique Fleiuss) e por um aluno (Graça). Ademais, o fascículo é inteiramente xilográfico – possivelmente o primeiro do gênero, no Brasil. Semana Illustrada, 17 de abril de 1864, p. 1393. DiORa-FBN 300 Semana Ilustrada, 17 abr. 1864, p. 1393. 195 D. Negrinha era a mulher do Moleque, e nunca se envolveu com os afazeres da Semana. Quando o editor diz “todos trabalham”, ele está se referindo a um grupo de crianças de traços nitidamente afro-descendentes – ao que tudo indica, e só agora ficamos sabendo, era este o grupo de alunos que acatou a convocação de Henrique Fleiuss, para formar a primeira turma de xilogravadores brasileiros, todos muito jovens, saídos da sua escola. Max Fleiuss confirma parcialmente esta suposição, ao mencionar, entre os serviços prestados por Henrique Fleiuss ao Brasil, “(...) a criação de uma escola de xilografia para meninos [grifo nosso], o aperfeiçoamento e engrandecimento das artes gráficas no Rio de Janeiro [...].” 301 Figs. 69 e 70 – Detalhes da xilogravura de Graça e Henrique Fleiuss. À direita, vê-se nitidamente os buris, ao chão – era este o principal instrumento utilizado para a abertura de xilogravuras de topo. Semana Illustrada, 17 de abril de 1864, p. 1393. DiORa-FBN Algumas xilogravuras estampadas nas edições subseqüentes do jornal corroboram nossas suposições: as assinaturas têm uma grafia que aparenta pouca afinidade com o hábito da escrita e revelam apenas o que seriam, possivelmente, os prenomes dos autores, nunca acompanhados de um sobrenome. Um dado interessante e que merece ser citado, relacionado aos traços étnicos dos alunos, é que a Imperial Associação Tipográfica Fluminense, primeira entidade operária do país, criada em 1853, era “desde o seu início ostensivamente contrária à escravidão. Tanto assim que quando foi constatada a presença de um escravo entre os seus 301 FLEIUSS, Max. In: Revista do IHGB, 1927. 196 cento e poucos primeiros associados, organizou-se logo uma comissão para liberá-lo mediante alforria.” 302 Fig. 71 – O número seguinte (176) traz, na capa, xilogravura de Fana. O fascículo inteiro é, igualmente, xilográfico. Semana Illustrada, 24 de abril de 1864. DiORa-FBN Entre aqueles primeiros trabalhos xilográficos, ocorrem nomes presumivelmente femininos – algo, talvez, até então inédito, na trajetória de nossa imprensa ilustrada. Ressalte-se que a xilogravura de abertura dessa nova fase é assinada por H.F. (Henrique Fleiuss, autor do desenho original) e Graça (que gravou a matriz). O. C. Ferreira associa a assinatura ‘Graça’ a um gravador do gênero masculino; mas até aqui, não estamos convencidos disto. 303 E na 302 LINHARES, J. O operariado brasileiro no século XIX. In: Revista Brasiliense (São Paulo), n. 49, set./out. 1963, p. 27. Apud: CUNHA, 2005, p. 94. 303 Em sua obra Imagem e Letra (FERREIRA, 1994), o autor refere-se a Graça três vêzes; na primeira ele diz que “a revista intercala algumas xilogravuras, assinadas por ‘Graça”, ‘Sza’ e ‘H.F.’, este, evidentemente, o 197 semana seguinte (24 abr.), quem assina a xilogravura da capa é Fana – assim interpretamos o que está escrito. E a esta gravadora (ou gravador?), O. C. Ferreira não se refere, em sua obra. Neste mesmo fascículo, há xilogravuras assinadas por Paula (ou seria Paulo?) e Basílio. E nos próximos, aparecem Carrilho, Pernambuco e Souza – todos eles, xilógrafos desconhecidos. Figs. 72 e 73 – Xilogravuras assinadas por ‘Paula’ (ou seria Paulo?), à esquerda e por ‘Basílio’, à direita, ambas estampadas na Semana Illustrada de 24 abr. 1864, à p. 1405. DiORa-FBN As gravuras evidenciam que trata-se de aprendizes, que ainda não têm o completo domínio do meio. O traço é grosseiro. Mas ao que tudo indica, os alunos trabalhavam, sim, com o buril. Era um começo, enfim. E como veremos a seguir, esta iniciativa privada de Henrique Fleiuss e seu Instituto estava em consonância com outra, do âmbito governamental. E em esfera mais abrangente, com o pensamento de um segmento das elites que se preocupava com a formação dos jovens mais desfavorecidos, para os quais o ensino dos ofícios seria um bom caminho. Em ensaio de Jorge Prata de Sousa na coletânea por ele organizada e intitulada ‘Escravidão: ofícios e liberdade’, o autor nos relata 304 a criação do Instituto dos Menores Artesãos da Casa de Correção, pelo decreto no 2.745 de 13 de fevereiro de 1861, que seria composto por duas seções, uma para os “menores presos pela polícia como vadios, vagabundos ou condenados, bem como os de má índole” e outra para os “menores que, por sua idade, não puderem receber uma educação conveniente e apropriada em outro lugar”, sendo estes últimos encaminhados próprio Henrique.” (p. 188) Depois, explicita o seu gênero, ao afirmar: “Um Graça e um Souza já foram citados acima. Graça será adiante reencontrado.” (p. 190) Mais à frente, ao discorrer sobre o periódico ilustrado A Distracção, ele cita “Graça, sem dúvida o xilógrafo que fora aluno do Instituto de Fleiuss.” (p. 203) Mas ao final, ficamos sem saber como ele deduziu que ‘Graça’ era, realmente, um homem. E não ficamos sabendo tampouco qual era a origem de Graça – o que O. C. Ferreira informava corriqueiramente. 304 A mão-de-obra de menores: escravos, libertos e livres nas instituições do império. In: Escravidão: ofícios e liberdade, 1998, pp. 33-63. 198 por seus pais e tutores, que justificavam o envio através de carta, acompanhada de atestado de pobreza dado pela paróquia ou pela delegacia de polícia. O objetivo principal da instituição era a ‘educação moral e religiosa dos menores’ e, para facilitar a execução dos objetivos, os menores devem ser divididos, além das seções, em duas divisões. Uma divisão dos que têm 14 anos ou mais e uma outra dos que têm menos de 14 anos. 305 Além da distribuição por faixa etária, os menores eram divididos segundo o seu grau de disciplina. “O aproveitamento de menores, vadios e mendigos, escravos, libertos e livres sentenciados foi uma constante nesta repartição do Ministério da Justiça” 306, constatou Jorge Sousa em sua pesquisa, afirmando ainda que “a possibilidade de aprender um ofício é o antídoto à pobreza”307 O Instituto dos Menores Artesãos oferecia, à época da sua criação, oficinas para “canteiros308, correeiros309, carpinteiros, encadernadores, ferreiros, funileiros, marceneiros, pedreiros, segeiros 310, serralheiros e tanoeiros311, além de ensinar as primeiras letras, música e desenho, àqueles que tivessem aptidão, e gramática para os maiores de 15 anos.” 312 Como se vê, nem mesmo ali foi implantado o ensino da gravura em madeira – mesmo porque possivelmente não haveriam mestres disponíveis para aquela tarefa, da qual Henrique Fleiuss tentou se incumbir. “Filantropia à parte, o que se deve considerar é que esta instituição [o Instituto de Menores Artesãos] representou um certo projeto de aproveitamento da mão-de-obra menor, imprimindo na maneira de recrutar, uma política para o trabalho. O instituto funcionou como um medianeiro entre a vadiagem e o trabalho produtivo; operava em equivalência a um rito de passagem da infância ociosa à serventia do trabalho adulto nas instituições administrativas do Estado.”313 O Instituto de Menores Artesãos enfrentava consideráveis dificuldades para desenvolver satisfatoriamente as suas atividades e alcançar os objetivos almejados, já que os problemas internos eram graves: o roubo e o furto, além da fuga, estavam entre delitos praticados com freqüência por muitos dos menores, que acabavam por ‘contaminar’ o ambiente da instituição, 305 SOUSA, Jorge Prata, 1998, pp. 33-63. Op. cit., p. 59. 307 Op. cit., p. 63. 308 Operário que lavra a pedra de cantaria; escultor de pedra. 309 Fabricante (ou vendedor) de correias e/ou de outras obras de couro. 310 Fabricante de seges (um coche com duas rodas e um só assento, fechado com cortinas na parte dianteira); p. ext., o segeiro é o fabricante de carruagens. 311 Aquele que faz e/ou conserta pipas, cubas, barris, tinas, etc. 312 SOUSA, 1998, p. 58. 313 Op. cit., p. 59. 306 199 no seu todo. Num relatório datado de 1863, o diretor da Casa de Correção, à qual estava subordinado o Instituto de Menores Artesãos, se queixava da situação. “Com a guerra [do Paraguai]”, afirma Jorge Sousa, “recrutar todos os que estavam em condições da lei e, também, todos os que não estavam foi a solução encontrada. Os negros escravos, libertos, brancos pobres, ninguém tinha o direito de escapar, nem mesmo os menores de idade, fossem livres ou escravos.” Assim, através de um aviso emitido pelo ministro José Tomás Nabuco de Araújo em 30 de agosto de 1865, o Instituto de Menores Artesãos encerrou suas atividades. Os menores da 1a seção, que estavam sob sua responsabilidade, foram enviados para o Arsenal de Marinha; aos que tinham pais ou tutores, foi estabelecido um curto prazo para que fossem recolhidos; os professores, mestres de oficinas e funcionários foram todos demitidos. Fig. 74 – A matriz desta xilogravura (assinada ‘H. F.’) foi gravada separadamente em dois pedaços de madeira – entalhados pelo mesmo artesão? E seria ele o próprio Henrique Fleiuss? As madeiras foram unidas verticalmente, lado a lado. A emenda é evidente na área central e na borda inferior da imagem. Semana Illustrada, 17 de abril de 1864, p. 1400. DiORa-FBN Em certo sentido – guardadas as devidas proporções – seria possível afirmar que a escola de 200 xilografia do Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde tinha um modelo, no âmbito da iniciativa privada, parecido com aquele da Casa de Correção. Lembremo-nos do anúncio inicial prometendo que em curto espaço, tornaria os moços que lhe fossem confiados, independentes, além de cuidar igualmente, com rigor, da moralidade dos seus discípulos. A questão do ensino profissionalizante estava na ordem do dia; depois de deixar o cargo de ministro do império em 1865, José Liberato Barroso publicou um livro sobre a questão da educação escolar no Brasil 314 onde é evidente a influência dos pensadores franceses como André Guettier 315 em idéias citadas, tais como: “o ensino profissional, além de sua influência imensa sobre a moralização e emancipação das massas, deve ser uma necessidade pública. [...].” 316 Fig. 75 – Outro exemplo de xilogravura (também assinada ‘H. F.’) produzida em matriz composta por dois pedaços de madeira – neste caso, unidas horizontalmente. É evidente a linha, ao meio da estampa. Semana Illustrada, 24 abr. 1864, p. 1408. DiORa-FBN Fleiuss era um idealista e, independentemente das dificuldades e carências enfrentadas, em meados de 1864 ficava claro que o primeiro passo da sua escola de xilografia estava dado. Seu jornal já contava com estampas gravadas localmente, “pelos moços brasileiros”, além do próprio Fleiuss. A impressão da Semana Illustrada, que até o número anterior era creditada à ‘Tipografia do Imperial Instituto Artístico’, agora passava a ser da responsabilidade da ‘Tipografia e Xilografia do Imperial Instituto Artístico’. 314 BARROSO, José Liberato. A instrução pública no Brasil. Rio de Janeiro : Garnier, 1867. Histoire des écoles impériales d’arts et métiers. Paris, Imprimerie de P. Trenel, 1865. 316 Op. cit., p. 129. Apud: CUNHA, 2005, p. 157. 315 201 Mas o fato é que o resultado deixava a desejar. Não encontramos, ali, as almejadas ‘cópias fiéis’ de fotografias, conforme ocorria em diversos periódicos ilustrados europeus e norteamericanos, por exemplo. Temos apenas ilustrações e caricaturas, abertas na madeira, onde o traço característico do desenho de Henrique Fleiuss está visivelmente prejudicado. Há uma evidente queda de qualidade naquelas imagens – se comparadas, em termos de atributos técnicos e estéticos, ao seu trabalho anterior. Figs. 76 e 77 – O número 177, de 1o de maio [à esq.], trouxe a primeira xilogravura do Dr. Semana e do Moleque. À direita, o detalhe ampliado. Semana Illustrada, 01 maio 1864, p. 1409. DiORa-FBN Figs. 78 e 79 – Uma xilogravura humorística intitulada Tipos ambíguos, assinada por ‘Carrilho’ [esq.] e outra, intitulada O caçador feroz e assinada por ‘Pernambuco’ [dir.] que revela os dotes artísticos – expressionistas – do gravador. Semana Illustrada, 01 maio 1864, pp. 1412 e 1416, respectivamente. DiORa-FBN 202 Ou seja, a mão-de-obra formada na própria empresa de Fleiuss é que não era suficientemente qualificada. Assim, o projeto de transformar a Semana Ilustrada no primeiro periódico ilustrado local onde haveria a verdadeira integração entre texto e imagem, lamentavelmente, não vingou. Os números 175 a 177, lançados em 14 e 24 de abril e 1o de maio de 1864, respectivamente, foram inteiramente ilustrados a partir de matrizes de madeira, num total de doze páginas de imagens, onde foram estampadas 26 xilogravuras nacionais – o que muito possivelmente ocorreu pela primeira vez na história de nossa imprensa periódica ilustrada. Mas já em seu n. 178, a capa voltou a ser impressa em litografia, embora o fascículo tenha apresentado uma outra configuração, até então inédita: a capa (p. 1417), as páginas centrais (pp. 1420-21) e a última página (p. 1424) contêm ilustrações litográficas; as páginas 1418-19 contêm textos, e as páginas 1422 e 1423 contêm xilogravuras – ou seja, o fascículo contêm apenas duas páginas textuais e seis páginas iconográficas. O número 179 voltou a ser inteiramente xilográfico. Mas a partir do número 180, a maior parte das ilustrações foi produzida e impressa em litografia. Entre as exceções estão, p. ex., uma gravura à p. 1487 do número 186 e outra à p. 1495 do número 187. A assinatura da empresa, no pé da penúltima página do jornal, continuou sendo iniciada por “Typographia e Xylographia [...]” ainda por algum tempo, e algumas páginas de texto, impressas pelo processo tipográfico, apresentam eventualmente ornatos xilográficos. Fleiuss vai direcionar os seus trabalhos em xilografia, prioritariamente, aos livros e impressos em geral que produzia para sua clientela, sob encomenda. Figs. 80 e 81 – [esq.] Outra xilogravura da série Tipos ambíguos, assinada por ‘H. F.’ e ‘Sza.’ [dir.] Cartum xilográfico assinado por ‘Graça’. Semana Illustrada, 15 maio 1864, pp. 1428 e 1429, respectivamente. DiORaFBN No número 199, lançado em 2 de outubro de 1864 ocorre, pela primeira vez, um anúncio que 203 será repetido no n. 200 onde o Imperial Instituto Artístico oferece e “recomenda também à concorrência pública [grifo nosso] a aula de xilografia (gravura em madeira) para anúncios ilustrados de jornais e ilustrações de composições literárias [...]”. Firme em seu propósito de implantar a xilografia em nossa imprensa e enfrentando, com toda a certeza, dificuldades para manter viva a sua iniciativa, Fleiuss havia tomado a corajosa decisão de exortar abertamente os seus concorrentes a aderirem à xilografia, e mais ainda, à sua própria escola – pois que, sozinho, estava consciente de que não poderia transformar a realidade local. Henrique Fleiuss, como vemos, também enfrentava problemas – embora não tenhamos deles qualquer relato mais específico. Mas não parecia que ele desistiria facilmente, já que continuava propagando a sua iniciativa e fazendo o seu ‘lobby’: entre as ofertas “recebidas com agrado” em 7 de outubro de 1864, por ocasião da 10a sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, “honrada com a Augusta Presença de S. M. o Imperador e as de S.S. A.A. os Srs. Conde d’Eu e Duque de Saxe” e presidida pelo visconde de Sapucaí, estavam “alguns trabalhos de xilografia executados pelos alunos brasileiros do Imperial Instituto Artístico” 317. No entanto, logo mais à frente, no n. 203 de 30 de outubro (p. 1623) e n. 204 de 6 de novembro de 1864 (p. 1631), encontramos o testemunho do enfraquecimento de suas convicções, quanto às reais possibilidades de sucesso na sua tentativa de qualificar a mão-deobra local para executar a xilografia, ao anunciar que seu Instituto “admite nas suas oficinas ainda alguns moços que queiram aprender litografia e desenho sobre pedra” e exigindo como “condição indispensável” para tal admissão, que os candidatos tivessem “algumas noções de desenho”. Ademais, “segundo as habilidades dos indivíduos” que se apresentassem, poderiam “perceber desde logo uma mensalidade de 20$ a 30$000 rs.” Ao enfatizar o ensino da litografia – que certamente atrairia mais alunos, dado o mercado de trabalho já existente neste ramo de atividade – e ao flexibilizar as rígidas normas originalmente estabelecidas na sua escola, passando a remunerar seus alunos desde o início, Fleiuss nos acenava com o prenúncio de tempos frustrantes, o “início do fim” da primeira tentativa de modernização318 da configuração da página, do ponto de vista da narrativa verbal/visual, no âmbito da imprensa ilustrada carioca. 317 318 Revista do IHGB, tomo XXV, suplemento, 1864. Atas das sessões de 1864. Modernização no sentido de acompanhamento da evolução e das tendências da imprensa ilustrada européia. 204 Há vários outros indícios de seu fracasso nas páginas da Semana Illustrada daquele período. No número 208 de 4 de dezembro de 1864, que marcou o fim do quarto ano de sua publicação, temos às páginas 1662-63 uma série de xilogravuras que nada têm do estilo característico da sua publicação e provavelmente foram importadas – estaria Fleiuss buscando alternativas para viabilizar o seu periódico xilográfico? Em 11 de dezembro, foi a vez de um suplemento inteiramente xilográfico, de quatro páginas, com diversas gravuras sem qualquer assinatura: talvez uma amostra da produção dos alunos? Mais provavelmente, um novo uso das matrizes importadas. O único crédito, no suplemento, é para a ‘Xilografia do Imperial Instituto Artístico’. Fig. 82 – Semana Illustrada, 4 dez. 1864, p. 1662. Fig. 83 – Semana Illustrada, 4 dez. 1864, p. 1663. E para que não se pense que era tão difícil, assim, transpor o estilo de um ‘artista da pedra litográfica’, formado na célebre ‘escola caricatural de Daumier’, para a matriz de madeira da xilografia, vale aqui transcrever um comentário da importante obra de um estudioso das estampas, o norte-americano William Ivins Jr. Do ponto de vista de seu conteúdo artístico, tenho pouca dúvida de que as xilogravuras mais notáveis do século XIX são algumas daquelas cujos desenhos, nas tábuas, foram feitos por Daumier, na França. 319 319 “From the point of view of their artistic content, I have little doubt that the most remarkable wood-engravings of the nineteenth century were some of those for which the drawings on the blocks were made by Daumier in France.” (tradução minha) In: IVINS, Jr., s.d., p. 108. 205 Portanto a razão do insuccesso de Fleiuss, nos parece, residiu no fato de não ter ele conseguido trazer, para a sua escola, pessoas que já tivessem uma formação e uma experiência, no campo das artes plásticas e, mais especificamente, da produção de estampas. Coincidentemente, mais uma vez, o Instituto dos Menores Artesãos chegou ao fim à mesma época em que a escola do Imperial Instituto Artístico, ao que tudo indica, era desativada. Mas Fleiuss era sempre capaz de criar novos atrativos para sua publicação, e em abril daquele mesmo ano de 1865 já havia anunciado a sua mais ‘nova e sensacional’ empreitada: o ensino da fotografia aos membros da ‘Comissão de engenheiros junto às forças em expedição para a província de Mato Grosso’, de onde deveriam enviar fotografias do teatro da guerra, que ele pretendia estampar em primeira mão – mesmo que em litografia. Do desenrolar e dos destinos desta nova empreitada, nos ocuparemos no subcapítulo 5.2 do presente trabalho. Fig. 84 – Este anúncio de 1868 nos revela que a gravura em madeira continuou sendo oferecida aos clientes do Imperial Instituto Artístico cuja tipografia foi aqui denominada ‘Tipografia da Semana Illustrada’. Semana Illustrada, 29 nov. 1868, p. 3327. DiORa-FBN Voltando ainda à questão da xilografia, vale aqui registrar que em 1888 – mais de duas décadas depois deste fato, portanto – quando a Tipografia Universal de Laemmert & C. decidiu publicar a Revista Tipográfica, preocupada que estava em proporcionar condições para o avanço de nossas artes gráficas, fica patente o reconhecimento aos esforços de Henrique Fleiuss e de seus sócios: 206 O Instituto Artístico [sic], ultimamente extinto, muito concorreu para a introdução da gravura xilográfica e no zinco; tanto que a Revista que se publicava com o título de Semana Ilustrada, fez os seus primeiros números ornados com xilografias e zincografias; mas, sendo seu custeio muito dispendioso, [grifo nosso] passou a empregar a litografia, tornando-se jornal caricato, utilizando-se do desenho a lápis na pedra. Além do jornal ilustrado que existiu muitos anos, produziu também muitas obras de subido valor, e algumas ilustradas por diversos gêneros de gravuras. Esse estabelecimento educou muitos artistas que ainda hoje existem, e são respeitados por seu mérito artístico e aptidões gráficas. Se a idéia prosseguisse, teríamos atualmente operários hábeis, nascidos desses Institutos, e as artes teriam avançado mais em seu aperfeiçoamento. 320 Como se vê, o custo de produção de um jornal xilográfico era bem maior; e para mantê-lo, seria necessária uma demanda, em número de leitores/compradores, consideravelmente maior do que aquele existente, na corte. E ademais, para que não se pense que a falta de mão-deobra para a confecção das matrizes para a xilogravura, entre outros obstáculos, foi uma exclusividade local, vale citar um trecho da obra do historiador Michael Carlebach, acerca das origens do fotojornalismo nos Estados Unidos – país onde a xilogravura teve grande aplicação – que descreve as dificuldades enfrentadas pelo periódico ilustrado semanal Southern Illustrated News, de Richmond, Virgínia, entre 1862 e 1864: A quantidade e a qualidade do papel variava a cada número, e não havia jamais gravadores suficientes para dar conta do trabalho. No verão de 1863, o jornal estampou um anúncio convocando artesãos habilitados a realizar xilogravuras, “num estilo não inferior ao do The London Illustrated News,” mas houve pouca resposta. No final de agosto e novamente em outubro, o jornal estampou na primeira página gravuras feitas a partir de fotografias de Thomas “Stonewall” Jackson e Robert E. Lee, mas os retratos foram grosseiramente executados. Em novembro de 1863, as ilustrações de qualquer gênero eram raridade. 321 Vale ainda relembrar que a partir de 1877, o periódico francês L’Illustration passou a utilizar a já mencionada técnica da matriz (de madeira) emulsionada, na qual era projetado o negativo – a fotoxilografia – e a partir daí, aumentou ainda mais a distância, de um ponto de vista técnico e tecnológico, a nos separar das congêneres européias. Mas a escola de Henrique Fleiuss rendeu alguns frutos, com certeza, cabendo a nós tentar localizá-los. 320 Trecho de Fragmentos – I: As artes gráficas no Brasil. In: Revista Tipográfica, ano I, n. 5. Rio de Janeiro, 7 abr. 1888, pp. 1-2. 321 THOMPSON, W. Fletcher, Jr. The image of war: the pictorial reporting of the American Civil War. New York : Thomas Yoseloff, 1960, p. 23. Apud: CARLEBACH, 1992, p. 88. [tradução nossa] 207 Figs. 85 e 86 – Durante a campanha do Uruguai, na fase inicial da guerra contra o Paraguai, Fleiuss estampou esta xilogravura junto ao editorial, integrando assim uma das suas criações visuais ao texto. Este tipo de diálogo verbal/visual, na página que exprimia o posicionamento do jornal, só tornou-se comum algumas décadas à frente. Semana Illustrada, 08 jan. 1865, p. 1702. DiORa-FBN Datada de 13 de setembro de 1870, foi lançada em Londres a Illustração Anglo-Brazileira – um periódico ilustrado, onde as cópias xilográficas do melhor da fotografia e da pintura brasileiras marcariam presença constante, segundo a proposta editorial. O empreendimento era estrangeiro, mas naturalmente mantinha escritório na sede da corte, à rua do Ouvidor. “O fim principal deste grande jornal d’ilustração é fazer conhecido vantajosamente em Europa e nos Estados Unidos o nobre império do Brasil, e fornecer ao respeitável público de todo o Brasil e Portugal um jornal ilustrado de primeira ordem, nunca inferior aos melhores publicados na Europa ou nos Estados Unidos.” 322 O primeiro número foi enviado à Semana Illustrada pelo seu editor, Charles Francis de Vivaldi 323 – o mesmo que, simultaneamente a Fleiuss, participaria da última tentativa de revolucionar o nosso mercado oitocentista da imprensa periódica ilustrada alguns anos mais tarde, em 1876.324 Henrique Fleiuss, ou melhor, o Dr. Semana, manifestou-se de imediato, através de suas páginas: 322 Illustração Anglo-Brazileira. Londres, setembro 13, 1870. Vol. I, n. 1, p. 3. Nelson Werneck Sodré e Orlando da Costa Ferreira tratam superficialmente da acidentada trajetória de Vivaldi; aparentemente, a fonte de ambos foi um dos livros de memórias, escritos por Vivaldo Coaracy. Charles F. de Vivaldi teve uma trajetória singular no campo da imprensa ilustrada, inclusive do ponto de vista dos interesses brasileiros no exterior, e segue carecendo de um estudo que possibilite o resgate da sua história. 324 Como já vimos, em 1876 Henrique Fleiuss encerrou a publicação da Semana Illustrada e lançou a Illustração Brasileira. Sobre o asunto, ver: O heróico ano de 1876: tentativas de avanço na imprensa ilustrada carioca, in: ANDRADE, 2004, pp. 165-182. 323 208 Ilm. Sr. Recebi o primeiro número do novo jornal publicado em Londres com o título acima e do qual V. S. é redator em chefe. Agradeço a oferta e declaro a V. S. que fiquei surpreendido por ver realizada uma idéia, que há muito tempo tive e da qual previstas as grandes dificuldades me fizeram afastar. Desejo pois de todo coração marcha desembaraçada a uma empresa protegida por uma tão auspiciosa estréia; espero que o público fluminense e o povo brasileiro em geral a auxiliem. El aé desde já muito interessante; inclui vantagens diretas e indiretas para o Brasil e fa-lo-á, mais conhecido no velho mundo, onde infelizmente o julgam de modo errôneo e extravagante. Era há muito tempo sentida a falta de um jornal como o de V. S., visto que todas as nações cultas reconhecem a necessidade da imprensa ilustrada. [grifo nosso] Fleiuss faz, neste ponto, surpreendente revelação, ou melhor, conexão: ele nos mostra como a xilografia, ao possibilitar a produção de um jornal ilustrado de maior qualidade, poderia até mesmo contribuir ou influir no processo migratório – um assunto que andava na ordem do dia, naqueles tempos: Quais foram as imensas vantagens que os nossos irmãos da América do Norte colheram das publicações de obras desta natureza é ocioso mencionar; e ainda mais demonstrar que os jornais ilustrados daquelas regiões foram os mais eficazes agentes de colonização e imensa imigração que os tem procurado. A política não poderia ficar de fora, e Fleiuss tratou de fornecer a sua receita: Tratando V. S. de vários assuntos de interesse geral, permita-me declararlhe, que, em política o jornal deve unicamente ocupar-se dos acontecimentos, sem pronunciar opinião individual, que pertence aos jornais exclusivamente políticos. Tratando porém de tantas outras questões importantes, não lhe há de faltar o acolhimento esperado, porque as ciências, as artes, o comércio, a lavoura e a indústria todas elas hão de ganhar com esta publicação e ter abundante quinhão. Em seguida, Fleiuss toca numa importante questão, que já era uma realidade, no mundo da imprensa ilustrada xilográfica: o intercâmbio de imagens, que representou o início da globalização daquela imprensa ilustrada, e também de um certo ‘colonialismo pela imagem’: A respeito das ilustrações cumpre entrar em relação com quase todos os jornais ilustrados do velho e do novo mundo. Nenhuma redação recusará permutar os seus clichés com os do AngloBrasilian Illustration [sic?] porque de certo não há de faltar a V. S. quem o coadjuve de cá. [...] Mas o nosso editor era mesmo exigente, e não podia deixar de chamar a atenção, ainda, para um último aspecto digno de menção – a questão da língua; pois além de bilíngue e produzido 209 em Londres, o texto era também voltado para os portugueses, o que possivelmente acarretava certas dificuldades linguísticas. Assim ele finalizou a sua nota: Não concluirei sem dar-lhe mais uma prova de estima aconselhando-o a que ponha todo o cuidado e apuro na linguagem, que algo deixa a desejar no seu primeiro número. De V. S. venerador, colega e apreciador Dr. Semana. Figs. 87 e 88 – [esq.] A versão xilográfica do original fotográfico, intitulada “A scene from life in northern Brazil.” Embaixo, “A mãe e o filho – sesta no rio Negro”, poema de Mello Moraes. Illustração AngloBrazileira. Londres, 03 nov. 1870, p. 20. MCSHJC [dir.] A fotografia original de Albert Frisch. Metis, la mère et l’enfant. Rio Negro (Brésil), ca. 1859. Edição do Atelier photographique de G. Leuzinger, Rio de Janeiro. IcoFBN Orlando da Costa Ferreira historia, em Imagem e Letra, as tentativas posteriores de criação de escolas ou cursos de xilografia, no Rio de Janeiro do século 19.325 Quando publicava A Distracção (1884-1887), o impressor alemão João Paulo Hildebrandt propôs-se a criar uma escola de xilografia, juntamente com Theotonio de Capistrano. Mas a sua concretização dependeria do número de interessados, tendo para isto aberto subscrição, que pelo visto, não encontrou boa acolhida. A partir de fevereiro de 1886, a revista passou então a ser ilustrada com zincogravuras produzidas por Paul Robin. O. C. Ferreira chega até a aventar a possibilidade de Hildebrandt ter sido aluno do Imperial Instituto. Já Villas Boas, discípulo de Alfredo Pinheiro, lecionou xilo-quimigravura no final do século, na Casa da Moeda, chegando a ter 35 alunos. Max Fleiuss é outro a nos dar uma pista, quando lembra que a “escola de 325 FERREIRA, 1994, pp. 202-203. 210 xilografia, fundada por Henrique Fleiuss, teve numerosos discípulos, entre os quais me occorre citar um nome: o de José Xavier Pires, que, ao falecer, ocupava o alto cargo de inspetor técnico da Imprensa Nacional.”326 A xilogravura documental ainda sobreviveu em alguns espaços de produção, nas primeiras décadas do século 20. Mas à época do Estado Novo, quando Oswaldo Silva escreveu a sua obra que citamos por diversas vezes, os tempos já eram outros: “Já não mais se adapta à velocidade vertiginosa dos prelos modernos, das rotativas de tiragens inconcebíveis, das exigências da vida contemporânea, a morosidade do buril e dos tórculos medievais, tão caros à xilografia artística.” 327 Fig. 89 – Colofão do 2o volume da História da caricatura no Brasil, de Herman Lima , publicada em 1963 – “ano do centenário da instalação da primeira escola de xilogravura no Brasil, fundada pelo artista alemão Henrique Fleiuss (diretor da Semana Illustrada, primeira revista brasileira de caricatura mantida com regularidade, de 1860 a 1876).” Ico-FBN 326 327 FLEIUSS, Max. In: Revista do IHGB, 1927. SILVA, 1941, p. 206. 211 PARTE II 4 A comunicação durante a guerra contra o Paraguai A guerra contra o Paraguai ocorreu no período em que surgiam importantes inovações, do ponto de vista da ‘arte da guerra’. O célebre tratado do general prussiano Carl von Clausewitz, ‘Da guerra’, havia sido publicado na década de 1830, após a sua morte. A guerra da Criméia, considerada a primeira guerra tecnológica, havia ocorrido entre 1853-56 e a guerra civil norteamericana estava terminando, em meados de 1865, quando o enfrentamento do Paraguai começava apenas a se desenrolar. Tanto a obra de Clausewitz – que enfatizava a necessidade da guerra estar sempre submetida à política, entre diversas outras importantes reflexões até hoje discutidas – quanto os dois conflitos citados, tornaram-se referências obrigatórias, para os nossos comandantes – e também, em certo sentido, para a nossa imprensa. Haviam novas armas – canhões e fuzis de cano raiado, torpedos, o célebre fuzil minié, bem mais eficaz do que os seus antecessores. A pólvora já não mais produzia tanta fumaça, dificultando a localização exata, em muitos casos, da origem dos tiros. Diversas novas embarcações encouraçadas e de pequeno calado, adequadas para a guerra fluvial, foram encomendadas a estaleiros estrangeiros; outras foram projetadas e produzidas em nosso Arsenal de Marinha. Para a observação do inimigo, além dos mangrulhos, empregou-se o balão. No campo do registro, surgira a fotografia, que ainda dava os seus primeiros passos mas desempenhou um papel significativo; no campo da transmissão de mensagens, iniciavase a implantação do telégrafo elétrico (que teria sido utilizado com eficácia por Solano López); no campo da alimentação, surgiam a carne enlatada, o leite condensado, o leite em pó e a margarina. Estas são apenas algumas das invenções ou aperfeiçoamentos daquele período, que se mostraram importantes no processo evolutivo das guerras. Como já foi visto no primeiro capítulo do presente trabalho, a primeira guerra fotografada e da qual o Brasil participou foi aquela, também conhecida como a Guerra da Tríplice Aliança – formada em maio de 1865 pelo Brasil, Argentina e Uruguai, unidos contra o expansionismo paraguaio comandado por Francisco Solano Lopez. “Foi o conflito externo de maior repercussão para os países envolvidos, quer quanto à mobilização e perda de homens, quer quanto aos aspectos políticos e financeiros. O enfrentamento entre a Tríplice Aliança e o 212 Paraguai tornou-se verdadeiro divisor na história das sociedades desses países [...]”, nas palavras do historiador Francisco Doratioto. 328 Na verdade, o Brasil não estava preparado para a guerra. E fora o despreparo dos poucos efetivos do exército, a região onde se desenrolou a maior parte do evento era solo desconhecido dos brasileiros. Não haviam boas vias de acesso por terra para o Mato Grosso e nossa marinha não contava, no início, com as embarcações fluviais, ideais para o conflito. Naquele período, a vida mudou bastante no Rio de Janeiro, devido à grande circulação de membros das forças armadas – o Brasil enviou cerca de 139 mil homens ao todo, dos quais aproximadamente 50 mil vieram a falecer. Naqueles tempos, as notícias só podiam circular entre a capital do império e os campos de batalha no sul e no Paraguai, através dos navios que faziam o percurso até o Rio da Prata e que eram ansiosamente aguardados pelos habitantes locais. Segundo Humberto Peregrino, “a longa duração da guerra, que perdurou de dezembro de 1864 a março de 1870, criou uma nova realidade, uma ‘vida intensa’, no Rio de Janeiro. Na capital do Império do Brasil, soldados entravam e saíam e, numa época em que não existia o telégrafo internacional, esperava-se a chegada de navios vindos do Rio da Prata com notícias da frente de batalha.”329 Em sua obra dedicada aos testemunhos fotográficos da guerra contra o Paraguai, Miguel Angel Cuarterolo acrescenta que Fue también el punto de partida del reportage de guerra en el Rio de la Plata, que a partir de entonces y gracias a la litografia y el grabado comenzó a publicarse en los periódicos ilustrados. Junto con la Guerra de Crimea (1854-1856) [sic] y la Guerra Civil norteamericana (1861-1865), la Guerra de la Triple Alianza se inscribe entre los grandes episodios bélicos registrados por los fotógrafos en el siglo XIX. 330 Desde o início do conflito, já havia um complexo sistema de comunicação em funcionamento. Essa ‘rede’ envolvia numerosos elementos, funcionando dentro da ordem então estabelecida. Eram órgãos da imprensa periódica, os correios, os serviços de telégrafos, diversos setores dos governos (em especial a diplomacia e as forças armadas), as empresas de navegação, os serviços de estafetas e os estabelecimentos gráficos e fotográficos, entre outros. E nossa decisão de investigar, mesmo que superficialmente, o funcionamento do tal ‘sistema’ é decorrente de nossos esforços para melhor compreender o contexto em que operou a Semana 328 DORATIOTO, 2002, p. 17. PEREGRINO, 1966. Apud: DORATIOTO, 2002, p. 18. 330 CUARTEROLO, 2000, p. 7. 329 213 Illustrada, podendo assim melhor aquilatar o que foi conseguido através dos esforços de seu editor, conforme se vê nas páginas do periódico. A principal intenção, naturalmente, era tentar descobrir como se dava o fluxo das fotografias que foram ali estampadas: quem produzia, a partir de que demanda; quem enviava, através de quais canais; quem eram os destinatários iniciais das imagens e como elas eram, a partir daí, disseminadas no âmbito da sociedade. E a partir do momento em que eram veiculadas nas páginas da Semana Illustrada, interessava-nos igualmente saber como aquelas imagens, originalmente ‘cruas’ e de circulação restrita, repercutiam entre o público leitor, na sede da corte e nas províncias, e como retornavam – agora devidamente ‘processadas’, reinterpretadas e combinadas com a informação textual – aos campos de batalha. E também, como chegavam aos governos envolvidos no conflito e à imprensa dos países europeus que, já possuidores de muitos periódicos ilustrados, podiam replicar aquelas narrativa visuais, devidamente acompanhadas de informes e reflexões textuais. Na historiografia referente à imprensa ilustrada brasileira dos oitocentos, é comum encontrarmos a afirmação de que a Semana Illustrada ‘marcou época’, que ‘foi pioneira’, etc. Onde estariam, então, tais evidências? Bem sabemos que os objetivos e as questões listadas acima constituiriam um outro projeto de pesquisa, que algum interessado no assunto haverá de abraçar; asssim esperamos. Embora o nosso objetivo específico, no presente trabalho, seja apenas mostrar o que foi estampado na Semana Illustrada, o fato é que estivemos atentos a essas questões; e embora muito pouco tenhamos levantado, acreditamos que a narrativa que se segue, neste e nos próximos capítulos, poderá trazer alguma contribuição neste sentido. Falamos das fotografias. Mas os textos, naturalmente – assim como os desenhos – não foram desprezados por nós, em momento algum. Ficou evidente, desde o início de nossa pesquisa, que as informações textuais – os relatórios, as cartas, os bilhetes e os recortes da imprensa – eram, de longe, as principais fontes de informação em circulação. Os desenhos – esboços e trabalhos acabados – vinham em segundo lugar. Eram mapas, plantas, diagramas diversos, vistas; tudo, enfim, que pudesse contribuir para a devida orientação daqueles que encontravam-se à distância dos fatos. E as fotografias eram, de longe, o que menos ocorria na troca de informações – justamente o nosso objetivo principal... é por isto que vasculhamos documentos tão díspares quanto os anais da ‘Ilustríssima’ e os livros de bordo de navios da nossa armada, presentes à guerra; a correspondência diplomática trocada entre as nossas 214 legações do cone sul e as simples cartas de família, de membros das forças armadas. ‘Valia tudo’, digamos assim, no intuito de localizarmos novos indícios de encomenda ou de envio de fotografias. Pois assim, acreditávamos, seria possível desvendar um pouco mais o funcionamento daquele sistema, enxergá-lo ‘por dentro’. A frustração acompanhou-nos, ao final da maior parte de nossas iniciativas de busca nesse sentido. Mas afinal, os resultados negativos não representam, também, um dado significativo das pesquisas exploratórias? Foi este o nosso consolo, às vêzes compensado por outras descobertas, não almejadas mas que vieram a somar, no resultado final. O resultado desta investigação – visando a conscientização e a reflexão – vem a seguir. 215 4.1 A produção da informação Dia 1º d’Abril de 1865. Quarto das 8h ao ½ dia. Bom tempo, [...]. Regressou o 4º escaler trazendo 363 rações de pão e carne, e um caixão de drogas para a Botica. Foi castigado com pranchadas um soldado do Contingente de Artilharia que se achava a ferros, ficando solto. Foram postos a ferros alguns soldados do 1º B. d’Artilharia. Fez-se a limpeza necessária. Não se deu o jantar à guarnição por não se achar a comida bem cozida.[...] Livro de bordo, fragata Amazonas. 331 Estávamos num alto, donde podíamos bem assistir ao movimento do exército. Naquele tempo, creio eu que não havia uma só máquina fotográfica em todas as forças da aliança; por isso, perdemos quadros interessantes, que a pena é impotente para descrever. Dionísio Cerqueira 332 Embora a guerra contra o Paraguai tenha acontecido em territórios distantes da sede da corte, era crucial saber o que lá ocorria, com vistas à tomada de decisões, no âmbito político, diplomático e militar. E para subsidiar tais decisões, é natural que não bastasse o depoimento ‘de viva voz’ dos poucos elementos que eventualmente transitavam entre os dois polos. Como já mencionamos, a comunicação internacional por telégrafo, com nossos aliados, ainda não era uma realidade. Assim, era necessário produzir informação – escrita, desenhada e em alguns momentos, fotografada – para em seguida transmiti-la, ou melhor, transportá-la através dos meios disponíveis. E era assim, em grande parte com base naqueles documentos recebidos, que as decisões eram tomadas. Claro que nem toda a informação produzida visava este objetivo específico. Em grande parte, integrava uma rotina de registro e controle do desenrolar das atividades – em cada embarcação, em cada uma das instalações militares, em cada batalhão ou corpo de voluntários, mesmo durante os deslocamentos, etc. etc. Eram muitas as instâncias nas quais alguma informação era gerada – inclusive nas cartas e nos diários e cadernos pessoais dos integrantes das forças militares. A produção e o repasse de informações pela diplomacia brasileira instalada em Montevidéu consiste em exemplo interessante. A capital do Uruguai era ponto estratégico de especial importância, meio-caminho entre o teatro da guerra e o Rio de Janeiro, no que se referia ao fluxo das informações que desciam através dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai – em meio 331 Arquivo Nacional. Amazonas (Fragata) IV M 96. Livro de bordo. 1865, 28 de março - 1865, 28 de agosto. In: Reminiscências da Campanha do Paraguai, 1980, p.69. Dionísio Cerqueira partiu para a guerra em fevereiro de 1865, como soldado e voltou em junho de 1870, como tenente. Prosseguiu na carreira, alcançando o posto de general-de-brigada. 332 216 aos quais, estavam os estados argentinos de Corrientes e Entre Ríos – e que subiam de Buenos Aires, bastando para isso a breve travessia do estuário do Prata. Isto sem contar o fato de que por ali, o trânsito da diplomacia e das forças armadas brasileiras envolvidas no conflito davase com mais facilidade. Esta situação persistiu durante todo o período da guerra. Em correspondência enviada por Thomaz Fortunato Britto, da 1ª Seção da Legação Imperial do Brasil em Montevidéu ao Conselheiro José Antonio Saraiva, datada de 2 de janeiro de 1866, ele informava: Em um dos últimos número s do “Siglo”, diário desta capital, apareceu um artigo denunciando que alguns oficiais brasileiros estavam procedendo a uma demarcação em território da República, Na fronteira de Santana do Livramento, e chamando a atenção pública para esse ato, que o autor do artigo considera como resultado de uma pretendida permuta de terrenos entre os dois governos. Essa notícia foi logo contestada pelo “Pueblo” e “Tribuna”, e além disso por uma declaração do próprio Ministério de Relações Exteriores. Apesar disso, porém, ainda insiste o “Siglo”, como V. E. verá do incluso retalho desse diário; não já sustentando a pretendida permuta [...]. 333 Figs. 90 e 91 – Um exemplo de como se elaborava a correspondência da Legação Imperial do Brasil em Montevidéu, que era enviada à corte, no ano de 1866. Os ‘retalhos’ eram colados às folhas, que acompanhavam a correspondência manuscrita. AHI Como se vê, nossos diplomatas se encarregavam de agregar a informação oriunda de distintos órgãos de imprensa, que devidamente re-editada nas páginas da corrêspondência oficial, chegava aos gabinetes da corte, construindo assim um relato do evento e consequentemente, 333 Arquivo Histórico do Itamaraty. 217 subsidiando a tomada de decisões. Algumas destas mesmas informações, presumivelmente, ‘vazavam’ para a imprensa, através das relações estabelecidas entre seus editores e membros do governo. Pouco depois, em 26 de janeiro, outra correspondência da mesma legação ao conselheiro Saraiva, acompanhada de outros ‘retalhos’, informava que “há dias deu-se aqui entre o redator do diário Europa e alguns militares nossos um desagradável incidente, que, conquanto já esteja satisfatoriamente terminado, julgo do meu dever levar ao conhecimento de V. Excia.” Resumindo: no dia 21, aquele jornal havia publicado o óbito de um soldado do exército brasileiro, mas o compositor (tipógrafo) “abusando do seu emprego, mudara o termo designativo da nacionalidade pelo de macaco”, sem que o seu chefe tivesse notado. Publicado o jornal, um grupo de soldados e oficiais brasileiros foi à gráfica e à casa do responsável para tomar satisfação, ofendeu sua família e criou-se então um incidente diplomático. O tipógrafo acabou demitido e denunciado à polícia e o caso foi dado por encerrado pela Legação, que deu-se por satisfeita, “tanto mais que esse jornal não nos tem sido até hoje infenso [...].” O controle das informações que circulavam na imprensa era rigoroso, e os ‘retalhos’ chegavam com frequência à sede da corte. Fica evidente, à leitura, a preocupação em manter em dia as assinaturas de todos os periódicos que interessavam ao império. Outro bom exemplo da circulação das informações encontra-se na correspondência de Thomaz Fortunato Britto, da 1ª Seção da Legação Imperial do Brasil ao conselheiro Martin Francisco Ribeiro de Andrada, datada de 10 de setembro de 1866: Ontem chegaram a esta Capital notícias do teatro da guerra, que pela sua importância julgo dever transmiti-las, sem perda de tempo, a V. E. apesar de incompletas e de origem não oficial. Para isso aproveito o vapor Newton, que acabo de saber parte hoje para essa Corte. [grifo nosso] As notícias, como V. E. verá do incluso boletim da Tribuna, [grifo nosso] são as da tomada da bateria de Curuzú pelas forças do Snr. Barão de Porto Alegre, da perda do encouraçado Rio de Janeiro e do ataque geral às trincheiras paraguaias, que se efetuara no dia 4 corrente, data em que saiu de Corrientes o vapor que trouxe essas notícias. [grifo nosso] Não podendo ser mais minucioso, termino aqui, aguardando dados oficiais do resultado destes importantes feitos, para imediatamente leválos ao conhecimento de V. E. [grifo nosso] a quem assim como a todo o país felicito pelos sucessos obtidos nos primeiros momentos de que já temos notícia. Tenho a honra de reiterar a V. E. os protestos do meu profundo respeito. As notícias transmitidas ainda não eram os ‘dados oficiais’, mas sim os dados produzidos pela imprensa local, certamente mais ágil; ademais, naquele dia 10, estavam sendo transmitidos os dados gerados no dia 4. E assim, com um bom atraso, aquelas informações da imprensa 218 estrangeira chegavam à corte, antes mesmo dos dados oficiais. Logo após o ataque e a tomada de Curuzú pelo exército brasileiro, em 12 de setembro, ocorreu um encontro entre Venâncio Flores, Bartolomé Mitre e Solano López, solicitado pelo último. Em respeito à orientação do governo imperial, no sentido de não negociar com o dirigente paraguaio, nenhum brasileiro participou. Pois até mesmo desse encontro, as primeiras notícias recebidas pela Legação de Montevidéu foram através da imprensa local, conforme relato constante da correspondência datada de 24 de setembro – doze dias depois! As notícias que no decurso da semana, recebemos do teatro da guerra são da maior importância. O Ditador do Paraguai pediu e teve uma entrevista com os generais Mitre e Flores, com o objeto de propor uma solução pacífica à guerra, que tão deslealmente provocou ele próprio. O Senr. Marechal Polidoro, convidado também à conferência, esquivou-se de a ela assistir. Não tenho dados oficiais sobre o que ali se passou. Mas segundo referem os correspondentes das Folhas desta Capital, não foi possível chegar a acordo algum, resolvendo os chefes aliados levar avante, com a maior presteza e energia, as operações iniciadas [...]. Naturalmente, haviam outros canais de informação – entre o comando das forças e o ministro dos negócios da guerra, por exemplo. Mas os casos citados nos fazem refletir sobre a disparidade havida entre o fluxo de informações via imprensa versus via canais oficiais. Fig. 92 – Um exemplo da correspondência cifrada que era enviada do Paraguai pelo ministro Vianna de Lima ao conselheiro Dias Vieira, no Rio de Janeiro. Todas as palavras sublinhadas eram cifradas, tendo sido decodificadas e transcritas bem acima das mesmas. AHI 219 Entre as curiosidades daqueles tempos, no campo da produção da informação, estava a correspondência confidencial cifrada. O ministro brasileiro em Assunção por ocasião do início da guerra, Cézar Sauvan Vianna de Lima, havia assumido havia poucos meses e estava isolado na Legação brasileira, permanentemente vigiada por agentes da polícia paraguaia. Mesmo antes do início do conflito, a correspondência confidencial reservada produzida por ele era quase toda cifrada, de modo a não ser lida pelo inimigo em caso de interceptação. E ainda assim, apesar de todos esses cuidados, em 19 de setembro de 1864 ele solicitava ao conselheiro João Pedro Dias Vieira: “Se, em resposta a esta minha confidencial, tiver V. Excia. de fazer-me alguma comunicação importante queira ter a bondade de ordenar que de Montevidéu ou Buenos Aires venha uma pessoa de confiança trazer-me a Assunção a correspondência do Governo Imperial. De forma alguma convém que ela seja entregue aos agentes ou oficiais dos vapores paraguaios, tanto nessa como em qualquer outra ocasião.” Uma outra interessante fonte de informação que atraiu a nossa atenção, quando iniciamos a pesquisa nos arquivos, refere-se aos livros de bordo das embarcações que tomaram parte nas operações fluviais da armada brasileira, durante a guerra. Figs. 93 e 94 – [esq.] Folha de rosto do livro de bordo da fragata Amazonas: “Serve este livro para nele se lançar os Quartos a bordo do Vapor Amazonas. Bordo do Vapor Amazonas em Buenos Ayres 15 de Março de 1865.” [dir.] Detalhe da fl. 95; trecho referente ao início da batalha do Riachuelo. Devido ao inesperado acontecimento – embora o dia já estivesse claro e os navios inimigos tivessem sido logo identificados – não foi possível fazer o registro a cada quatro horas, como era a praxe : “Quarto das 8h ao ½ dia, digo, às 6 horas. Magnifico tempo, NE fraco. Principiou-se a [ilegível] o navio para [ilegível]. [..] signal de um os navios avistados não inimigos, – em numero de 8, já estávamos observando a descida dos navios inimigos para Corrientes, [ilegível] a postos, formando-se toda [ilegível], acendeu-se o fogo e fez-se imediatamente os sinais nos. 781 e 37. A esquadra Paraguaia principiou então a descer de Corrientes, rebocando 7 chatas tendo cada uma um [ilegível], a esquadra brasileira rompeu logo o fogo sobre a Paraguaia que respondeu-nos com fogo de artilharia tambem; os Paraguaios desceram e formaram-se em linha de batalha [...].” AN 220 Para exemplificar, escolhemos um livro de bordo da fragata Amazonas, pela extrema importância que teve na primeira grande batalha depois de firmado o tratado da Tríplice Aliança – a Batalha fluvial do Riachuelo, acontecida num domingo, 11 de junho de 1865, ao longo da curva do rio Paraná, em frente à foz do riacho do Riachuelo.334 O livro de bordo tinha a função de registrar tudo que se passava na embarcação, dia e noite, sendo o registro anotado a cada quatro horas – ou seja, eram feitos seis registros por dia – numa linguagem bem específica, cheia de expressões referentes às atividades de marinha. Um exemplo, transcrito das folhas 89v e 90: Quinta-feira 8 de junho de 1865. [...] Fez-se o signal 347 geral e o de no. 341 para o Jequitinhonha, e [ilegível] a lancha e escaleres foram para o vapor Espigador a fim de receberem os mantimentos que nos veio de Buenos = Ayres; fez-se novamente o signal 347, e foram distribuídas as cartas que hoje chegaram. Fez-se o signal silábico geral seguinte = 1178, 1782, 1310, 490, 1250, 678, 425, 1213, 1635, 846, que quer dizer: o Vapor Espigador parte já. [...] Vieram do Vapor Espigador diferentes sacos com farinha e bolacha. Regressou o 4º e o 3º continua em terra a serviço da lancha. [...] [ass.]. N.B. Vieram neste quarto, de bordo do vapor Espigador 92 sacos, com bolacha contendo [ilegível] e 197 sacos com farinha contendo 488 alqueires [...]. Trata-se de uma fonte de extremo valor para os estudos do período, sob diversos aspectos. Examinamos atentamente os registros da rotina de algumas dessas embarcações – apesar das dificuldades encontradas na leitura – e não encontramos qualquer indício do que mais nos interessava: a fotografia. Paralelamente àqueles registros nos livros de bordo, vale lembrar, havia um outro gênero de informação, eminentemente técnica, que vinha sendo produzida naquele mesmo espaço, por alguns oficiais da armada brasileira que colaboraram com a Semana Illustrada, enviando desenhos e extensos relatos verbais a Henrique Fleiuss. No âmbito do exército, outros elementos tinham a mesma função. Esses desenhos, como já mencionamos algumas vezes antes, eram de diversos tipos. Haviam desde croquis ou esboços até os mais bem acabados. Além das vistas, que narravam situações geográficas e/ou acontecimentos da guerra, haviam os mapas 335 e as plantas baixas (que visavam simplesmente situar, localizar); havia aquilo que denominamos, de forma diferenciada, de ‘diagramas’ – no sentido de representação gráfica, esquema, e que em geral 334 Para uma descrição sintética desta batalha, ver p. ex. DORATIOTO, 2002, pp.146-153. Vale lembrar que as forças brasileiras não possuíam mapas do Paraguai. E nós mesmos, durante a presente pesquisa, não conseguimos adquirir um único mapa daquele país no comércio especializado ou nas melhores livrarias. 335 221 explicavam o funcionamento de algo ou o desenrolar de uma ação, de maneira mais técnica; havia o desenho arquitetônico; haviam ainda outros gêneros de representação, mas são estes os que nos interessam, aqui. Vejamos alguns exemplos: Fig. 95 – “Suplemento da Semana Illustrada. Cópia do esboço de Paissandú e suas fortificações, levantado pelo 1º tenente da armada A. S. Teixeira. Oferecido ao Sr. capitão de mar e guerra José Secundino de Gomensoro” Os suplementos lançados abarcavam diversos gêneros de representação. Isto nos permite supor que tenham contribuído para desenvolver ou ampliar, em muitos cidadãos, a capacidade leitura de imagens. Este foi o primeiro do gênero, após o início da cobertura do conflito. Semana Illustrada, 08 jan. 1865. DiORa-FBN Figs. 96 e 97 – [esq.] O conjunto de desenhos devidamente legendados descreve um torpedo paraguaio. Semana Illustrada, 15 jul. 1866, p. 3232. [dir.] “Um outro torpedo paraguaio”, desenho assinado por J. Wandenkolk e acompanhado de uma legenda bem detalhada, descreve o engenho explosivo apreendido pela armada brasileira. Semana Illustrada, 29 jul. 2351, p. 3232. DiORa-FBN 222 Figs. 98 e 99 – [esq.] “Teatro da guerra. Combate naval do dia 11 de junho de 1865. (Oferecida pelo G. M. Wandenkolk à Semana Illustrada.).” Vemos os diferentes momentos da evolução/posição da esquadra, durante a Batalha fluvial do Riachuelo. Semana Illustrada, 06 ago. 1865, pp. 1941. [dir.] “Plano da batalha naval do Riachuelo, dada a 11 de Junho de 1865.” Levantado pelo 1º tenente da armada – que assina o desenho – A. L. von Hoonholtz, comandante da canhoneira Araguary e oferecido ao semanário, trazendo uma legenda que narra alguns detalhes do feito. Semana Illustrada, 13 ago. 1865, p. 1948. DiORa-FBN Fig. 100 – Estas três vistas realizadas em março de 1866, assinados por ‘Lisboa’, relatam alguns feitos da armada brasileira: o de cima, a explosão de uma chata paraguaia, o do meio, o reconhecimento do Alto Paraná até o ponto de Itati por quatro embarcações, sob risco das balas inimigas, e o de baixo, a 2ª Divisão da esquadra, bloqueando a entrada do rio Paraguai. Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1344. DiORa-FBN 223 Fig. 101 – As operações visando ocupar o Passo da Pátria (território paraguaio) começaram a ser colocadas em prática no dia 16 de abril, quando as forças aliadas invadiram aquele país, e foram concretizadas dois dias antes da publicação deste anúncio. Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1346. DiORa-FBN Henrique Fleiuss juntou dois momentos distintos no desenho reproduzido abaixo – e além disto, o rosto foi copiado de um retrato fotográfico do futuro barão de Tefé, originalmente produzido num terceiro momento, anterior aos outros dois. Fig. 102 – A. L. von Hoonholtz. Semana Illustrada, 24 set. 1865, p. 1995 DiORa-FBN 224 Pois enquanto Hoonholtz comandava a sua canhoneira e passava as baterias de Cuevas – aí, sim, no maior sangue frio – poderia na melhor das hipóteses registrar em seu cérebro o que presenciava. Mais à frente, então, já com seu sangue de volta à temperatura normal, é que pode materializar os seus registros visuais do episódio, rememorando-os e desenhando-os, enfim. Este é um bom exemplo de uma estratégia muitas vêzes empregada pelo editor da Semana, quando elaborava a sua narrativa visual do evento: em princípio, apenas um desenho humorístico, retratando uma cena improvável, absurda. Uma imagem para ver e rir. E assim, talvez sem se dar conta, o leitor ia dando as suas risadas, enquanto a guerra seguia o seu curso... Outro colaborador digno de especial destaque, no campo da produção de informação para publicação na Semana Illustrada, foi o português de nascimento, mas brasileiro de coração Joaquim José Inácio de Barros, barão e depois visconde de Inhaúma, um dos mais importantes personagens da Marinha Imperial. “No entanto”, diz o capitão-de-mar-e-guerra e historiador Francisco Eduardo Alves de Almeida, “por incrível que possa parecer, existem apenas dois trabalhos de importância publicados sobre ele. Um por seu irmão Antônio Vitorino de Barros, obra apologética esgotada de 1870 e uma raridade; outro de Henrique Boiteux, de 1932, porém apenas um capítulo do livro Os nossos almirantes. Por que esse esquecimento de um personagem tão relevante?” 336 Em 2008, Guilherme de Andrea Frota publicou o diário pessoal de Inhaúma. Para Frota, um descendente de Inhaúma, “as cartas publicadas na revista Semana Ilustrada, editada por Henrique Fleiuss e assinadas sob o pseudônimo de ‘Leva Arriba’, creio ser de sua autoria, como aliás é tradição da família.” 337 Tal afirmação ocorre em diversos textos que tratam da guerra, para os quais ‘Leva-Arriba’ seria mesmo o visconde de Inhaúma. Mas o fato é que até hoje, as cartas publicadas sob o título Esquadra bloqueadora e depois Esquadra encouraçada não foram transcritas e estudadas. O ‘Leva-Arriba’ escrevia de forma impessoal, citando Inhaúma com frequência, sempre na 3ª pessoa. Ressalte-se, ainda, que as datas dessa colaboração se encaixam com precisão no período em que Joaquim José Inácio de Barros comandou a armada brasileira em operações no teatro da guerra. A Semana Illustrada de 7 de fevereiro de 1869 reproduziu a última carta (p. 3403) da série 336 ALMEIDA, 2009, p. 32. Para conhecer a história desse diário, a sua trajetória nas mãos dos descendentes e o processo de transcrição e preparo dos originais, ver: FROTA, 2009, pp. 41-43. 337 225 Esquadra encouraçada. Escrita em Assunção e datada de 14 de janeiro de 1868, dois dias depois Inhaúma passaria o comando das forças navais e embarcaria para Montevidéu e, em seguida, para o Rio de Janeiro, onde logo em seguida veio a falecer. Naquela carta, portanto, o autor ‘Leva-Arriba’ apresentava as suas despedidas: Meu caro Doutor. – Está concluída a missão do Leva-Arriba. Cometendo a empresa de relatar com a indispensável fielidade e a maior independência os fatos navais da guerra do Paraguai, o ignorado correspondente nunca se apartou do seu programa. Aí ficam nas colunas da Semana Illustrada registrados todos os feitos memoráveis da esquadra sob o comando em chefe do benemérito visconde de Inhaúma. Não foram escritos em linguagem pomposa, em frase campanuda; mas, em compensação, o povo so compreendeu, porque para o povo, que gosta de dicções singelas, é que o Leva-Arriba os escreveu. Pena mais apta nas lides da escrita e mais vitoriosa nas batalhas das narrativas, pode tomar por teses as missivas da esquadra, dar-lhes o necessário desenvolvimento e assim compor um poema superior ao dos Argonautas, superior, sem dúvida, meu caro Dr., por isso que [...] os nossos não menos arrojados marinheiros, sob a direção asisada [?] e iniciativa sempre oportuna do almirante visconde de Inhaúma, alcançaram, nas gigantescas dificuldades, que venceram, alto renome para o país e imorredoura glória para si. [...] Repito, Dr., está concluída a minha tarefa de correspondente. Parodiando um trecho do ofício do almirante ao Governo Imperial, declaro também que a esquadra nas águas infectas do Paraguai “não tem mais navios inimigos a combater, nem mais fortificações a destruir.” [...] Não há mais guerra. Há dificuldades de paz e a maior é a liberdade de López. À fera do Paraguai, briosos e denodados campeões do exército! Coroai a vossa obra. Saúde e felicidade, Dr. Guarde um amistoso aperto de mão para o amigo que ninguém conheço o que pela última vez se assina. LEVA-ARRIBA. E se até aqui só apresentamos a colaboração de elementos da marinha, é importante deixar claro que alguns membros do exército também contribuíram, inclusive com desenhos, como veremos a seguir. E quando os desenhos relativos aos feitos de nosso exército não chegavam à redação, eram Henrique Fleiuss e Carlos Linde, mesmo, que se encarregavam de produzi-los, com base na correspondência recebida, cujos relatos verbais serviam de inspiração e orientação. Quando isto ocorria, o fato era explicitado, junto aos desenhos estampados nas páginas do periódico. 226 Fig. 103 – “O exército brasileiro passando o rio Juqueri, no Uruguai, em 15 de julho de 1865. O nosso correspondente escreve a este respeito, que o fato da ponte flutuante era mais uma inspiração do gênio militar do visconde de Tamandaré, realizada em 24 horas pela perícia e pelo talento do Dr. Carvalho, major em chefe da comissão de engenheiros do mesmo exército. O espetáculo daquela passagem foi esplêndido, o movimento era magnífico. A artilharia montada passou a ponte a galope e assim grande parte das cavalarias, etc., etc., etc.” O desenho é assinado por ‘Couto’. Semana Illustrada, 18 fev. 1866, pp. 3063-64. DiORa-FBN Situação similar ocorria no âmbito do exército argentino, pelo que nos relata Miguel Angel De Marco em sua obra La Guerra del Paraguay. Havia diversos elementos, entre os integrantes das forças armadas, que enviavam suas colaborações aos órgãos de imprensa de seu país. Para isto, levavam consigo pastas de couro, contendo papéis de diversos tamanhos e tipos, lisos e quadriculados, além de lápis, caneta e tinteiro, materiais indispensáveis para aqueles que además de cartas, escribían poemas y artículos para los diarios y también dibujaban. Algunos, como Canard, Cascallar, Granada, Garmendia, se animaban a enviar croquis y bocetos ingenuos, que servían para que los experimentados ilustradores del Correo del Domingo y El Mosquito los volcaran, notablemente mejorados, a la piedra litográfica. 338 Passemos agora ao caso da fotografia, que nos motivou a realizar a presente pesquisa. Entre aqueles que estiveram na guerra, pode-se observar que haviam profissionais comprometidos com dois gêneros distintos de empreendimento fotográfico, durante o decorrer do conflito: aqueles que iam à guerra por períodos curtos, visavando a obtenção de imagens da guerra para serem comercializadas nos principais centros urbanos dos países envolvidos, e aqueles que providenciavam um estabelecimento singelo, próximo ao acampamento das tropas, ali 338 De Marco, 1995, p. 271. 227 permanecendo por períodos mais longos, com o objetivo principal de oferecer retratos – em geral, no formato carte-de-visite – que os soldados e oficiais tiravam, para enviar aos familiares e amigos. Entre os fotógrafos do primeiro grupo, estaria o fotógrafo Carlos César, cujo estabelecimento, denominado ‘Galeria Universal’, localizava-se na cidade gaúcha de Humaitá. Mas até hoje, lamentavelmente, nada se sabe a seu respeito, afora o fato de que esteve em Humaitá, a serviço do Império brasileiro e que algumas fotografias que lá realizou estão identificadas. Destacaríamos, então, o uruguaio Javier López, já mencionado no capítulo 1. A iniciativa havida em 1866 deixou-nos, além das fotografias, um outro precioso testemunho, até aqui sem igual, no tocante ao universo dos fotógrafos já identificados como tendo estado presentes à guerra: são os anúncios e as notícias publicadas, na imprensa uruguaia, referentes ao extraordinário feito, que nos oferecem uma visão única, mais abrangente, sobre como eram vistas aquelas fotografias à época e ademais, sobre o modo de produção daquela equipe, da empresa originalmente fundada pelo irlandês/norte-americano George Thomas Bate e por seu irmão, em 1861, na cidade de Montevidéu. Em 13 de setembro de 1866 o jornal El Siglo publicou um anúncio da firma Bate y Cia., informando que nuestro intrépido artista [Javier López] ha llegado otra vez al Paso de la Patria. Com la experiencia adquirida em su último viaje, ha sabido vencer las numerosas dificultades y faltas que entonces se le presentaban á cada paso Además de um Colodion adaptado al clima caluroso del Paraguay, ha llevado consigo una Camara oscura, construida en los Estados Unidos, á propósito para esta clase de vistas, y com estos requisitos no dudamos que muy pronto recibiremos una nueva collección de vistas, hechas con todo el 339 esmero del arte fotográfico. Esta singela nota jornalística nos oferece valiosos dados, ao abordar os pontos mais inportantes no processo de produção de imagens fotográficas da guerra – além do fato de contar com o apoio do exército uruguaio e, por extensão, do exército aliado: 1) o fator humano, no caso, portador de uma experiência anteriormente adquirida; 2) as câmera e as objetivas apropriadas para aquele tipo específico de reportagem fotográfica e 3) uma formulação dos produtos químicos que levasse em conta as condições climáticas. Aprofundar este tema, aqui, nos desviaria do nosso objetivo. Sigamos em frente, pois, passando ao segundo grupo de fotógrafos mencionados. Estes localizavam-se, mais precisamente, junto ao 339 Apud: MENCK, Alberto del Pino, 2008, p. 73. 228 comércio das vilas que eram criadas para acompanhar as tropas, em seu progressivo deslocamento rumo a Humaitá e depois, Assunção. É muito provável que os fotógrafos itinerantes tenham estado presentes em Tuiuti, Passo da Pátria, Tuiu-Cuê, Humaitá e Assunção. Figs. 104 e 105– “Estabelecimento fotográfico de Erdmann & Catermole [sic] em Tuiuti.” A Sentinella do Sul, Porto Alegre, n. 21 de 24 nov. 1867, p. 173. MCSHJC. Carlos Erdmann e Anton Cattermole, fotógrafos estabelecidos em Porto Alegre desde 1857, teriam improvisado este ‘estabelecimento’ no acampamento aliado de Tuiuti, que havia sido atacado, já pela segunda vez, três semanas antes da publicação desta imagem – a única localizada até o presente momento, na imprensa ilustrada do Brasil, a mostrar as instalações de um estúdio improvisado no teatro da guerra, por iniciativa de fotógrafos originalmente estabelecidos em nosso país. Os retratos eram provavelmente realizados ao ar livre e os soldados e oficiais posavam em frente aos fundos improvisados que vemos no desenho, posicionados em função do ciclo da luz solar. À esquerda do desenho, vemos o que parecem ser utensílios dos fotógrafos. Quando Dionísio Cerqueira foi designado para uma expedição ao Chaco – onde acabou permanecendo por bastante tempo – ele passou a sofrer de nostalgia, como relatou, ao lembrar-se de Tuiuti e seus arredores: “Tinha saudades da cidade imensa de tendas brancas, dos esplêndidos exercícios, das alvoradas tocadas pelas bandas de dezenas de batalhões, do comércio com seus bilhares, cabeleireiros, fotógrafos, [grifo nosso] restaurantes, cassinos, lojas de modas e armazéns sortidos com o que havia de melhor e mais fino, para homens e mulheres.”340 Eram os retratos produzidos ali que foram, muitas das vêzes, aqueles estampados nas ‘galerias dos bravos’, uma constante nas páginas da Semana Illustrada, como veremos no próximo capítulo. 340 CERQUEIRA, 1980, p. 215. 229 Fig. 106 – “Entrada do Comércio de Humaitá” e “Lado esquerdo do Comércio de Humaitá” são dois detalhes de uma abrangente litogravura estampada às páginas 3284-85 da Semana Illustrada de 25 out. 1868, sob o título geral “Vistas do Paraguai obsequiosamente oferecidas à Semana Illustrada pelo capitão de mar e guerra Bernardo Alves de Moura.” Trata-se de cópia de fotografias. Algumas outras, que seguramente pertencem à mesma série, encontram-se no álbum Lembrança do Paraguai, do acervo da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional do Brasil. Era aí, neste ambiente, que os tais fotógrafos se estabeleciam. DiORa-FBN Concluindo esta breve exposição, gostaríamos de citar uma outra importante fonte de informações, à época da guerra: estamos nos referindo a certos cidadãos muito bem articulados e que, por conta de sua posição na hierarquia social e política, tiveram o privilégio de obter dados preciosos em primeira mão, sendo capazes de processá-los, para produzir informação e repassá-la – quando estiveram na guerra ou muito próximos dela, por exemplo. Ademais, cumpriram a importante função de colecioná-las, ainda durante o desenrolar do evento. Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello encaixa-se com justeza no perfil que 230 acabamos de elaborar.341 Sabemos que o Arquivo Nacional guarda um arquivo particular do barão Homem de Mello – mas considerando apenas a documentação iconográfica doada por ele ou por seus descendentes à extinta Biblioteca Fluminense 342 e que em 1916 foi transferida à Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional, e mais as cartas e outros registros do barão que integram a coleção do militar e historiador Mário Barreto, hoje sob a guarda da Divisão de Manuscritos da mesma Biblioteca Nacional, temos aí um impressionante conjunto de informações produzidas, em torno da sua figura, à época da guerra. Difícil é imaginar que o barão Homem de Mello nunca tenha, por exemplo, emprestado uma fotografia ou estampa recebida a um editor; ou que havendo recebido correspondência com informações em primeira mão, não as tenha partilhado com outras figuras de seu tempo. A esta questão voltaremos, no próximo capítulo. Há álbuns de fotografias, estampas e desenhos sobre a Guerra do Paraguai na Divisão de Iconografia cuja procedência pode ser comprovada através do Catálogo da Exposição de História do Brasil, da qual participaram como sendo, ainda, de propriedade do barão. Impressionam pela riqueza, em termos de informação visual; trata-se de considerável parcela da melhor documentação iconográfica sobre o assunto, existente na instituição. No passado, foi extensivamente reproduzida, sem que tal procedência fosse mencionada, uma vez que não constava dos registros catalográficos. 343 Na coleção Mário Barreto, há diversos documentos que exemplificam muito bem como se dava a produção das informações pessoais e oficiais – cartas, diários, quadros, plantas e mapas. Em carta dirigida a Homem de Melo, nomeado presidente da província do Rio Grande do Sul em fevereiro de 1867, o coronel José de Oliveira, integrante das forças brasileiras, informa a posição de uma esquadra e relata um confronto na fortaleza de Curupaiti: Illmo. Exmo. Snr. Presidente. Tuyuque, 16 de Agosto de 1867. Sempre no propósito de noticiar a V. Exa. do ocorrido neste exército com referência às operações, passo a comunicar-lhe as que se deram no dia de ontem. Eram sete horas da manhã pouco mais ou menos, quando a nossa Esquadra engajou um forte combate com a fortaleza “Curupayty” tomando a 341 Sobre o barão Homem de Mello, Maria Inês Turazzi escreveu um brevíssimo perfil, em: TURAZZI, 2009, pp. 74-84. 342 Segundo Adolfo Morales de los Rios Filho, “chegou a ser uma das mais importantes do Brasil, não só pelo grande número e qualidade dos livros que possuía, como também pelos jornais, cartas geográficas, manuscritos e valiosos opúsculos.” (MORALES de los Rios Filho, 2000, p. 463) 343 Foi a bibliotecária da Divisão de Iconografia Monica Carneiro Alves quem examinou os livros de registro da BN e o CEHB, extraindo dali esta conclusão. 231 iniciativa todos os navios de madeira, a fim dos encouraçados poderem efetuar a passagem sem combates, o que assim aconteceu, subindo dez destes e duas bombardeiras; com direção ao “Humaitá”, onde às três horas da tarde já atiraram bombas sobre as gigantescas torres desta fortificação; continuando até este momento na mesma operação. Quanto ao prejuízo causado por este combate; tanto de nossa parte como do inimigo, nada posso dizer a V. Exa. por não ter as precisas informações a respeito. Logo que a esquadra subiu, o inimigo se pôs em movimento, manobrando uma coluna em direção ao “Humaitá”, e acumularam forças no flanco sobre o qual estamos, como querendo prever que levássemos um ataque sobre suas trincheiras, o que se o tivéssemos feito, talvez tivéssemos conseguido o bom êxito do assalto, ou ao menos os teríamos posto em maior confusão do que a que tiveram. Os exércitos continuam ocupando as mesmas posições do dia 31, e não me parece conveniente esta demora, porque o inimigo fortifica-se cada vez mais, e embora arrestara sua grossa artilharia que tinha sobre “Tuiuti”, e nos pode muito utilizar, no entanto já nos tem atirado algumas bombas, e nos tem morto algumas praças e ferido a outras. O inimigo não descansa em preparar a sua defesa, tanto que deitou uma ponte abaixo, que havia em pequeno arroio e estabeleceu uma bateria. Era neste ponto que devíamos passar para por cerco ao “Humaitá”, no entanto hoje nos será mais difícil esta passagem. Não consta quando teremos movimento de operações, e como se trata de fazer algumas fortificações, me induz a crer que se fará deste ponto um segundo “Tuiuti”. É de lamentar que não se tenha aproveitado o entusiasmo dos nossos soldados, pois estão ansiosos em baterem-se, para por um termo a uma guerra de tantas fadigas. É tudo o quanto tenho por hoje a satisfação de levar ao conhecimento de V. Exa. de V. Exa. Atto. Sudo. e Obsqdo. Amigo José d’Oliveira Bueno 344 Um canal para a troca de informações, como vimos, bem mais ágil e direto do que aquele que demonstramos no início do texto. O presidente da província tinha os seus informantes, através dos quais recebia os relatos sem intermediários e tão rápido quanto possível. Outro bom exemplo da capacidade de produzir/registrar informações valiosas, valendo-se das boas relações – e declarando que não iria repassá-las! – é o seu “Diário do Presidente da Província do Rio Grande do Sul em viagem a Assunção em 1869” (com data de 04 mai. 1869). Assim escreveu o barão Homem de Mello, fazendo duras críticas ao marquês de Caxias (nem todas transcritas abaixo), como veremos: Em Assunção, escrevi no meu diario: 7 de Março. A situação da guerra é hoje mais difícil que nunca. Todos estão fatigados desta longa e cruenta cruzada; e todos se inquirem, cheios de aflição, se esta guerra não está finda com a posse de Assunção. Uma de nossas capacidades militares, que veio hoje visitar-me, disse: “se é verdade que não se aceita a hipótese de tratar com López, ficamos à mercê 344 34,03,001 nº012. [Tuiu-Cuê], 16/08/1867. 2 p. Cópia. Ms. Série Presidência de província. Coleção Mário Barreto. DMss-FBN 232 deste, o qual poderá retrair-se sempre diante de novas operações; e a guerra não terá fim.” É um dos mais valentes chefes do nosso exército. Está doente: mas uma vez que, por deliberação superior, continua a guerra, continua ele, apesar disso, a permanecer em seu posto. O procedimento do marquês de Caxias, retirando-se bruscamente do exército, sem prévia licença do governo, e sem despedir-se de seus camaradas, estimulou os brios destes e causou um desgosto profundo no exército. [...] Sobre a tomada da linha de Piquissirí, todos no exército dão testemunho de que não fôra esta uma operação prevista e ordenada, sendo unicamente devida à uma instantânea inspiração e arrojo dos coronéis José de Oliveira Bueno e Frederico Augusto de Mesquita. Na época do comando dos generais Osório e Polidoro, publicaram-se integralmente todas as participações dos generais e comandantes sobre cada um dos feitos de armas, travados com o inimigo. [...] Hoje adotou-se a prática, verdadeiramente indigna, de suprimirem-se todos esses documentos; e as ordens do dia, redigidas de uma maneira deplorável, englobando os acontecimentos, têm-se tornado no exército um objeto de irrisão. É deste modo, que ali se nomeiam oficiais, que foram recomendados pelo general, sendo condecorados por atos de bravura praticados nos últimos combates, não tendo aliás assistido a estes. Citaram-me os seguintes nomes: O coronel Ferreira tem estado distraído do serviço militar desde 1866, servindo o cargo que no exército tem o nome de chefe da polícia: sendo encarregado de fiscalizar e policiar o comércio, dar licenças para abrir casas de negócio, cobrar multas, etc. Não assistiu a nenhum dos combates de Dezembro. Teve entretanto, a medalha de bravura. [...] Paulino Caetano de Sousa, assistente do general Jose Luiz Menna Barreto, foi promovido a capitão por atos de bravura nos combates deste mês. Entretanto não saiu do Chaco, onde ficara guardando a bagagem de seu general. [...] Estes fatos, referidos por oficiais do exército, me parecem tão extraordinários, que não tendo eu sido testemunha presencial deles, vacilo no juízo, que deva formar. Ao governo é fácil verificar e informar ao país, tendo o desejo sincero de apurar a verdade. O que é positivo, é que no exército a ordem do dia relativa aos combates de Dezembro e a promoção feita é objeto das queixas de todos, e tida como ato de escandaloso favoritismo. À parte isso, os serviços relativos à pessoa do general em chefe eram feitos de maneira digna de severa censura. Eis um fato, que me referiram: O transporte Presidente, fretado ao governo pela quantia de 14 contos de réis mensais, achava-se, depois dos combates de Dezembro, empregado na comissão de transportar os feridos do exército para os nossos hospitais de Humaitá, quando chegando para esse fim a Assunção, recebeu ordem do Barão da Passagem para nessa capital receber a bordo 4 cavalos e 6 mulas pertencentes ao Marquês de Caxias, e à disposição deste descer até Montevidéu, para onde se havia o mesmo retirado. No dia 20 de Janeiro, tendo recebido a bordo os referidos animais, saiu o mesmo transporte do porto de Assuunção exclusivamente para desempenhar essa comisssão; não transportando nessa viagem nenhum ferido, ou qualquer objeto por conta do estado. 233 No dia 28 de janeiro chegou a Montevidéu, à disposição do marquês de Caxias. Ali passaram 3 dos cavalos referidos para bordo do vapor Guaporé, afim de seguirem, por ordem superior, para o Rio Grande [...]. E por esse tempo os nossos hospitais regorgitaram de feridos, havendo só em Humaitá mais de 6.000. [...] Será um serviço real prestado a causa da verdade e dos direitos de nosso exército exigir do governo que publique todas as participações e documentos relativos aos combates de Dezembro do ano findo. A supressão destes documentos é um fato muito grave. Devo comunicar, que não estou authorizado a publicar a carta, que aqui ajunto, relativa à tomada da linha do Piquissirí; e que na referência aos fatos acima aludidos, eu tenho o dever de resguardar a posição das pessoas, com quem eles se deram, e que ainda estão servindo no exército. Rio, 4 de Maio de 1869. Homem de Mello. 345 A leitura do texto acima nos faz pensar sobre o quão diversificadas eram as circunstâncias em que se produzia/registrava alguma informação sobre a guerra; e nos faz pensar, também, sobre os diversos canais existentes para a sua transmissão e disseminação. Henrique Fleiuss certamente soube construir a sua ‘teia’, onde ‘caíam’ documentos com um teor similar ao que acabamos de transcrever parcialmente. E já que estamos tratando de Luis Alves de Lima e Silva, apresentamos uma última trancrição parcial de um ofício do então duque de Caxias, já de volta ao Rio de Janeiro, tratando do arquivo do comando, durante o tempo em que esteve à frente do exército em operações no Paraguai – onde as tênues distinções entre a correspondência pública e a correspondência privada são abordadas: Illmo. Exmo. Sr. Conselheiro. Confidencial. Av. em 26 de Julho de 1869. Em resposta à carta que Va. Exa. me fez o favor de dirigir ontem acompanhando o ofício que Sua Alteza o Senhor Conde d’Eu, comandante em chefe do Exército em operações no Paraguai, escreveu a Va. Exa. em data de 28 de Junho pp., dando parte das dificuldades que encontrou em receber o arquivo do comando em chefe durante o tempo em que comandei o mmo. Exército; cumpre-me informar o seguinte: logo depois da ocupação da Fortaleza de Humaitá pelas nossas tropas, tendo resolvido marchar para Tebicuarí, em perseguição do inimigo, ordenei que todos os arquivos dos corpos do Exército e do comando em chefe, ficassem depositados em um dos armazéns daquela Fortaleza pela dificuldade que havia em arranjar meios de condução para eles. Chegando o Exército a Assunção, e tendo eu, poucos dias depois, adoecido gravemte, ali embarquei e retirei-me para Montevidéu, e daí para esta Corte, não tendo trazido comigo nenhum dos livros ou papéis oficiais, pertencentes ao arquivo do comando em chefe. [...] O fato é que o Conde d’Eu havia levado de volta ao Paraguai o brigadeiro João de Souza da Fonseca Costa, que já vinha servindo a Caxias na mesma posição de chefe de Estado Maior e a quem foi recomendado que, “revendo os livros de registro da correspondência, entregasse a 345 34,03,001 nº025. 04/05/1869. 7 p. Cópia. Ms. Série Presidência de província. Coleção Mário Barreto. DMssFBN 234 Sua Alteza os que fossem oficiais pertencentes ao comando em chefe, e me enviasse para esta Corte os que fossem de minha correspondência particular e reservada. Ele me certifica que isso fez”, reclama Caxias, “mas até hoje os livros relativos à minha correspondência particular não me foram entregues.” Em seguida, explica ao conselheiro, “como Va. Exa. sabe”, no que consiste o arquivo do comando em chefe de um exército em campanha: [...] A série de livros a que se refere Sua Alteza contém as cartas reservadas que eu dirigia ao Ministério, e creio que me pertencem, pois posso delas precisar para me justificar de certos atos que pratiquei, e que não podem achar explicação na correspondência oficial. Lembrar-se-á Va. Exa. que na primeira carta confidencial que me escreveu para o Paraguay, me disse que o fazia por sua letra porque pretendia não deixar registro delas, e que se eu o mesmo fizesse, quando voltasse da comissão em que me achava, me entregaria as que eu lhe tivesse escrito em confiança, se eu isso exigisse; o que bem prova que Va. Exa. não supunha essa correspondência oficial, e como tal fazendo parte do arquivo do Exército para ser entregue ao meu sucessor, que eu ainda não sabia quem seria. 346 Fosse através do repasse de informações contidas em correspondência oficial, fosse através de correspondência particular e reservada, fosse através de retalhos da imprensa estrangeira ou através de cartas pessoais, o fato é que as informações produzidas no teatro da guerra tiveram também, como um de seus destinos, a redação da Semana Illustrada, que delas se valeu para construir uma narrativa original, no cenário da imprensa brasileira. Fig. 107 – “Na casa de Deroche & C. Dr. Semana: – Preciso por força comprar algumas caixinhas de amêndoas para os meus fregueses, que mais material nos fornecem. Moleque: – Então, nhonhô, compre sete caixinhas só, e eu lhe prometo, que os fregueses a quem quero levá-las, nos darão bastante pano para mangas e para ... muito tempo.” Semana Illustrada, 20 dez. 1868, p. 3345. DiORa-FBN. 346 34,03,001 nº013. 4 p. Cópia. Ms. Série Comando Militar. Coleção Mário Barreto. DMss-FBN 235 4.2 O envio e o recebimento da informação Fig. 108 – Diário Oficial do Império, 21 fev. 1865. AN Ter meios para enviar uma informação – da parte de seu produtor e remetente – e ter meios para recebê-la – da parte do destinatário da mesma – sempre se constituiu em verdadeira ‘dor de cabeça’ em tempos de guerra, até fins do século 18. Afinal, o fato de poder enviar certa informação não representava qualquer garantia de que a mesma encontraria o seu destino, e a demora era um obstáculo a mais. Em algumas situações, havia a possibilidade do envio de bilhetes e cartas, por terra, pelos rios e lagos ou pelos mares. Em outras, as informações – devidamente sintetizadas e codificadas – seguiam pelos ares, levadas por pombos-correio ou transmitidas através dos sistemas operados através de tochas, espelhos, fumaça, bandeirolas, etc. etc. O surgimento da possibilidade da transmissão da informação através de impulsos elétricos enviados através de cabos, já próximo dos meados do século 19, constituiu-se em verdadeira revolução. 236 Aprofundemos, primeiramente, a primeira situação, acerca das possibilidades do envio terrestre, fluvial ou marítimo. Em 1865, ano em que toma corpo o recém-iniciado conflito na região do Prata, a infra-estrutura de comunicação em nosso país ainda era bastante precária. À leitura atenta o Diário Oficial do Império do Brasil, evidencia-se o esforço do governo no sentido de atacar algumas dessas inúmeras deficiências que atingiam a quase totalidade do nosso território, dificultando a circulação das informações, face à precariedade das estradas e caminhos e até mesmo um certo desconhecimento quanto às possibilidades de navegabilidade dos rios. A comunicação através das embarcações que cruzavam o oceano Atlântico era a mais eficaz. Eficaz, porém demorada – para os padrões atuais, ao menos. Com base em nossa pesquisa no Diário Oficial do início de 1865, podemos estimar que as notícias vindas do sul demoravam menos de uma semana, dependendo das escalas da embarcação. Do centro-oeste (Mato Grosso), o percurso mais rápido era através do rio Paraguai; a ligação entre Cuiabá e Montevidéu, por exemplo, era feita em dois dias e meio, mas rio acima gastava-se o dobro do tempo. Do norte, as notícias demoravam mais a chegar, até mesmo devido às escalas: do Amazonas, em média, 30 dias; do Pará, 17 dias; do Ceará, 11 dias; de Pernambuco, 8 dias; da Bahia, 4 dias. A sucessão de episódios que consolidou o início da guerra do Brasil contra o Paraguai – o ataque e ocupação do forte de Coimbra, no Mato Grosso, pelas forças paraguaias (28 dez. 1864) seguido da ocupação das colônias militares de Miranda e Dourados, além de Nioaque (02 jan. 1865), depois Corumbá (04 jan.) e Miranda (12 jan.), demorou bastante para chegar ao conhecimento da corte. A leitura do Diário Oficial de 19 de janeiro de 1865 é elucidativa dos problemas de comunicação: Recebemos datas da província do Paraná, até 11 do corrente. O Dezenove de Dezembro publica a seguinte e importante notícia: “O administrador do registro do Rio Negro recebeu, no dia 25 de dezembro último, uma carta do Ilm. Sr. Raymundo João dos Reis, inspetor da tesouraria de Mato Grosso, datada de princípios do mesmo mês; sendo portador dessa carta um tropeiro vindo de Cuiabá pelo rio Ivinheima e outros até a colônia militar do Jataí; e, quer daquela carta quer das notícias dadas pelo tropeiro, a província de Mato Grosso achava-se livre de invasão estrangeira. E nem é possível que ela se efetue, porque os seus habitantes, brasileiros, como são, escudados pelo amor da pátria saberão por si repelir qualquer agressão feita a seu território; certos de que em breve receberão auxílio do governo. 237 Assim, pois, devemos crer que são destituídas de fundamento as notícias ultimamente espalhadas acerca da entrada de forças paraguaias na província de Mato Grosso.” A ser exata esta notícia, não se realiza o boato de haverem os paraguaios invadido o território de Mato Grosso, aprisionado o chefe de esquadra Leveger, e assassinado o seu ajudante de ordens Antonio Maria Coelho; porquanto esse boato, que se disse espalhado na capital de Mato Grosso, por alguns canoeiros, que lá chegaram, do rio Apa, correu em 19 de outubro; ora, a notícia acima é datada daquela capital no 1º de dezembro, dia em que, necessariamente devia saber-se com certeza, de tão extraordinario fato. Segue-se ainda que a província de Mato Grosso, está prevenida para qualquer agressão repentina, e que escudados os seus habitantes pelo amor da pátria, saberão defendê-la, até que recebam auxílio do governo imperial. Aquela publicação, sem dúvida alguma, constituiu-se em equívoco que teve as suas consequências. E o problema persistia. Em 01 de abril, p. ex., publicou-se a seguinte correspondência do gabinete do Ministério dos Negócios da Guerra: “Ao presidente da provincia do Mato Grosso, estranhando o descuido que tem havido em fazer chegar ao conhecimento do governo as occorrências que se têm dado na mesma província, e determinando que, para a condução da correspondência importante deve empregar próprios de confiança.” Se neste caso as notícias das terríveis ocorrências no Mato Grosso demoraram para chegar à corte, que por sua vez demorou a tomar as devidas providências, em outros casos a situação era inversa: o Diário Oficial de 30 de março de 1865, p. ex., trazia a seguinte informação: “Pelos paquetes nacionais Apa e Princeza entrados esta tarde dos portos do norte e do sul tivemos datas do Amazonas até 28 de fevereiro, [...]. Amazonas – a notícia da tomada de Paissandú causara vivo regozijo: iluminaram-se as casas por três dias, percorrendo no primeiro uma banda de música por todas as ruas, acompanhada do povo, e dando vivas. [...]” Ou seja, a notícia da tomada de Paissandú, evento ocorrido em 2 de dezembro do ano anterior no Uruguai, provavelmente só haveria chegado ao Amazonas em janeiro de 1865, com um atraso de pelo menos 5 semanas; os relatos da repercussão havida nos dias subsequentes à chegada da notícia, por sua vez, só alcançaram a corte em 30 de março! Com relação às notícias vindas do exterior, não era diferente. Um exemplo: o Diário Oficial do Império do Brasil de 5 de janeiro de 1865 publicou a seguinte nota: “Pelo vapor norteamericano Cotopaxi, entrado hoje de New-York, recebemos folhas dos Estados Unidos que alcançam a 2 de dezembro findo. Dera-se no dia 30 de novembro, em Franklin, uma importante batalha entre os sulistas, comandados pelo general Thomaz, e os nortistas 238 comandados pelo general Hood. A luta prolongou-se um dia [...]” A guerra civil norteamericana era relatada no Diário Oficial, mas a defasagem era de um mês, em média. Em alguns casos, os caminhos percorridos pelas informações vindas do estrangeiro eram igualmente muito tortuosos: o Diário Oficial de 16 de Janeiro de 1865 assim transmite as notícias recebidas do exterior: [...] Amanheceu ontem no nosso porto o vapor inglês Newton, sendo portador de datas de Liverpool até 17 e de Lisboa até 25 do passado [dezembro]. Do Correio Mercantil desta manhã [Lisboa, 25 dez.] transcrevemos as seguintes notícias: “Nos círculos políticos de Londres e Paris era esperado com impaciência o discurso que Luiz Napoleão tem de proferir por ocasião da abertura das câmaras legislativas. Dizia-se que o imperador será muito breve, não se referindo às importantes questões politicas [...]. Em Londres havia noticias dos Estados-Unidos até 8 do passado. “O presidente Lincoln no discurso da abertura do congresso diz sumariamente: “Tentar negociar com Jefferson Davis é inútil. Ele só quer a ruptura da União, coisa que os estados do norte não admitem. Lincoln [...] recomenda ao congresso a adoção de uma emenda da constituição, para a abolição da escravatura nos Estados Unidos; e sustenta que os estados do norte poderão continuar a guerra indefenidamente, pois os seus recursos são inesgotáveis. Falando do México, diz que nesse país continua ainda a guerra civil. Os Estados Unidos têm se conservado neutros, sem mudarem contudo em coisa alguma as suas relações com o México. Declara que são muito amigáveis as relações entre os Estados Unidos e o Perú, e que a república do norte tem empregado esforços para evitar a guerra entre o Perú e a Espanha.” Fig. 109 – A chegada do Paquete francês no dia 17 do corrente. DR. SEMANA. – Que notícias trará este paquete?! O susto e a ansiedade são gerais! MOLEQUE. – Nhonhô verá que o diabo não é tão feio como o pintam. E o Moleque tinha razão, porque, com o favor de Deus, há todas as esperanças de entrar tudo muito breve em seus eixos. Semana Illustrada, 27 nov. 1864. DiORa-FBN 239 As notícias vindas do Prata, pelo mar, demoravam bem menos para chegar; não mais de uma semana, como se depreende, p. ex., da leitura do Diário Oficial de 20 de janeiro de 1865: O paquete francez Saintonge, que hoje entrou do Rio da Prata, trouxe datas de Montevidéu até 15, de Buenos Aires até 14, e do Paraguai até 5 do corrente. A praça de Paissandú foi tomada pelas forças brasileiras e do general Flôres no dia 2 do corrente pela manhã, depois de 52 horas de porfiado combate. O fogo das baterias sitiadoras e dos vasos de guerra brasileiros abateram esse decantado baluarte de Leandro Gomes e Aguirre. Os vencedores fizeram bravuras, como as tinham feito em princípio de dezembro [...]. Segundo Divate Garcia Figueira, para o sul – cujo transporte era inteiramente feito por meio de navios, a vapor e a vela – já existia um sistema integrado: “A partir dessas cidades [Montevidéu e Buenos Aires], navios de menor calado subiam os rios Uruguai e Paraná em direção ao teatro das operações militares.” Mas nem por isso as coisas funcionavam bem: “Grande foi o número de navios fretados pelo governo para o serviço da guerra, o que deu margem a abusos, denunciados no Parlamento e na imprensa. O Ministério dos Negócios da Guerra, em 5 de julho de 1866, justificava o aluguel de vapores, pois era necessário enviar munições e material de guerra, e a Marinha não podia fornecer todos os transportes porque seus navios se achavam ocupados na esquadra. 347 Às vezes, as tão ansiadas notícias chegavam logo depois do fechamento do jornal, tornando impossível a sua inclusão, o que não deixava de ser comunicado aos leitores: “As notícias que vieram pelo vapor Galgo, anunciando os brilhantes feitos d’armas dos nosso bravos irmãos, que estão defendendo a honra nacional, só podem ser publicadas no próximo número [...].” 348 No caso específico da província de Mato Grosso – cujo isolamento tantas dificuldades trouxe para o Brasil no período da guerra – ao final do ano de 1864, quando se iniciava o conflito, providências já estavam sendo tomadas no sentido de sanar ou minorar tais obstáculos. Num expediente do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas datado de 24 de dezembro de 1864, “Ao presidente do Paraná, se declara que, tomando em consideração a matéria do seu ofício do 1.º do corrente, e atendendo à conveniência de melhorar a comunicação da capital do Império para Mato Grosso por intermédio daquela província foram encarregados os engenheiros José e Francisco Keller da exploração do Rio Ivaí, como S. Ex. verá pelas 347 348 O transporte para o Rio da Prata, in: FIGUEIRA (2001, pp. 117-18). Semana Illustrada, 17 nov. 1867, p. 2890. 240 instruções que por cópia se lhe remetem, cumprindo que a presidência trace a viagem de regresso daqueles engenheiros e expeça as instruções complementares que julgue necessárias para bom resultado da referida comissão, ficando desde já autorizada a fazer as despesas precisas com este serviço.” 349 Os irmãos Keller já vinham explorando outras regiões. Três dias depois da publicação daquele expediente, temos o “Relatorio sobre a exploração dos vales do Paraíba [entre S. Fidélis e Porto Novo do Cunha] e Pomba, empreendida no intuito de abrir-se novas vias de comunicação entre esses pontos e o litoral, pelos engenheiros José e Francisco Keller”. Transportar tudo que era necessário às tropas que se deslocaram para o Mato Grosso, a partir de 1865, foi um grande problema para o governo e para o exército. Divate Garcia Figueira, em sua obra acerca dos efeitos da guerra contra o Paraguai na economia brasileira, assim descreve o problema: “As mercadorias eram levadas em carroças ou em tropas de mulas, que chegavam a ter seiscentos animais, e até mais que isso. Era preciso seguir por terra, numa distância de cerca de quatrocentas léguas (aproximadamente 2,4 mil quilômetros), e sequer os caminhos eram bem conhecidos. Atravessavam-se sertões inóspitos, onde nem sempre havia recursos para a alimentação dos animais e das pessoas ocupadas em guiá-los e tratá-los. Os caminhos eram inseguros, ameaçados por salteadores ou pelo avanço dos paraguaios. Os preparativos eram muito demorados, e a jornada demorava seis meses ou mais. Houve casos em que a remessa chegou depois de um ano. Não é de estranhar que poucas pessoas se dispusessem a conduzir as cargas que o governo precisava mandar para Mato Grosso. [...] O jeito era recorrer aos condutores particulares, apesar de tudo. O órgão encarregado de contratar os condutores de mercadorias era o Arsenal de Guerra da Corte, embora os presidentes de províncias e mesmo os comandantes militares também o fizessem. Normalmente, o Arsenal promovia uma licitação, e escolhia, entre os poucos interessados, o que apresentasse as melhores condições.” 350 Mas nem mesmo o serviço dos estafetas, dotados de mobilidade e agilidade incomparáveis ao que se acaba de descrever, conseguia ser eficaz e tampouco confiável. Mas em muitos casos, esta era a única opção, e não podia ser desperdiçada, como vemos na correspondência da expedição ao Mato Grosso de Alfredo d’Escragnolle Taunay, por exemplo: “Ouço a sineta do estafeta e sou obrigado a lhe dizer adeus.” Em meio a esta dura realidade, no Rio de Janeiro, era o correio da corte que sofria as consequências; era contra ele que as críticas da população mais comumente se dirigiam. 349 350 Diário Oficial do Império do Brasil, ano de 1865, n. 11, 14 de janeiro de 1865. FIGUEIRA, 2001, pp. 110-11. 241 Fig. 110 – “ O novo diretor do correio geral começa a sua direção, substituindo os cágados que até agora serviam, e transformando-os em avestruzes, a ver se a coisa assim vai mais depressa. Deus o ajude e .... o público também. Semana Illustrada, 7 jan. 1866, p. 3019. DiORa-FBN Pelo que se depreende da leitura da Semana Illustrada, as assinaturas consistiam em parte considerável da receita do jornal, que delas dependia para assegurar a manutenção das atividades. Havia um deconto para os assinantes; na corte, por exemplo, o exempar avulso custava 500 rs.; uma assinatura por seis meses custava 9$000; e uma assinatura anual custava 16$000. O envio do jornal ficava a cargo dos correios – que nem sempre era capaz de prestar um serviço razoável, o que naturalmente irritava Fleiuss: Participação. Quarta-feira à noite foram-nos devolvidos alguns maços do n. 234 da Semana Illustrada, que havíamos remetido a nossos assinantes da província do Rio de Janeiro por intermédio do correio, como é de nosso costume. Examinando os maços devolvidos, vimo-los dilacerados pelos ratos e com os endereços despedaçados, de sorte que não podemos saber a quem eram dirigidos. Se alguns dos nosso assinantes da província não receber [sic] este n. 234, fique já sabendo que ainda desta vez como das outras, o correio é o único culpado. Fique-se também sabendo que os ratos do correio, roedores como está provado que são, poderão até roer-nos a paciência se a deixarmos fugir das mãos, em que a temos sempre contido. Valha-nos Deus com tais ratos, e tal correio covil de ratos! Os editores da Semana Illustrada. 351 351 Semana Illustrada, 11 jun. 1865, p. 1878. 242 A comunicação entre a corte e o teatro da guerra também era problemática. No âmbito familiar, tanto os soldados que estavam nos campos de batalha quanto os seus familiares que haviam permanecido, viviam em constante angústia face à ausência de notícias – às vêzes, passavam-se vários meses sem que uma carta chegasse. Para a imprensa, a questão também era grave, pois como já vimos, algumas redações – como era o caso da Semana Illustrada – dependiam de diversos colaboradores, cujas informações eram enviadas através do mesmo correio. Em alguns momentos, Fleiuss era duro com os ministros: Correio da Semana Aos Ilms. e Exms. Srs. Ministros da Guerra e da Marinha cumprimenta respeitosamente o Dr. Semana; e em nome dos dignos oficiais e praças do exército e da armada, que tantos sacrifícios estão realizando em honra do país, representa a SS. EExs. contra a falta de entrega das cartas, que aqueles beneméritos da pátria remetem às suas famílias e estas lhe enviam, pedindo, outrossim, a SS. Eexs., grandemente interessados no bem dos mesmos briosos militares, que, atendendo à sua justa reclamação espeçam as necessárias ordens para que desapareçam de pronto os fundamentos de tão desagradável queixa que, a perdurar, aumentará cada vez mais os desgostos profundos que aos filhos, pais, irmãos, maridos e parentes ausentes traz a falta de comunicação [...]. 5 de outubro de 1866. 352 Fig. 111 – “INGENUIDADE. Ao correio de Corrientes chegou uma carta, entre outras, com este sobrescrito: Ao meu querido filho, Corrientes. O agente do Correio, não podendo entregá-la, po-la de parte. No dia seguinte, apareceu um soldado, que perguntou: Não veio uma carta de minha querida mãe? – Ah! pensou o agente, este é o querido filho da querida mãe. E entregou-lhe a carta. E o mais é – que tinha adivinhado. Semana Illustrada, 16 set. 1866, p. 2404. DiORa-FBN 352 Semana Illustrada, 07 out. 1866, p. 2429 243 No período inicial da guerra, embarcações partiam para o sul a qualquer hora, em função das necessidades e de determinação superior. O sistema era custoso e pouco eficiente. E os protestos, como se vê, eram muitos. Mas no decorrer da gestão de Afonso Celso de Assis Figueiredo na armada, no gabinete de Zacarias (de ago. 1866 a jul. 1868), as coisas mudaram – certamente em data posterior àquele 5 de outubro – visando a redução das despesas com fretes, através de sua racionalização e aumento da eficiência, o que asseguraria aos dois lados receber notícias com frequência e segurança. Conta-nos Divate G. Figueira que Afonso Celso estabeleceu uma linha de transportes quinzenal, zarpando os barcos simultaneamente nos dois sentidos. As partidas aconteciam nos dias 15 e 30 de cada mês, demorando-se os barcos nos pontos terminais apenas o tempo suficiente para receber possíveis reparos, as cargas e os passageiros que tivesse de conduzir. Os vapores faziam apenas duas escalas, uma em Corrientes, apenas para a entrega da correspondência, e outra em Montevidéu, para se reabastecerem de carvão. Quando houvesse paradas extraordinárias, elas tinham que ser justificadas pelos comandantes dos navios logo que chegassem ao destino. 353 Fig. 112 – “Sem contestação, os melhoramentos dos nossos correios : já saltam aos olhos; mas... ainda falta, a bem da comodidade pública, uma coisa singelíssima que vi na Europa. Nada mais, nada menos : – ao pé de cada caixa urbana um moço empregado em ter a língua de fora para molhar os selos....” Semana Illustrada, 03 mar. 1867, p. 2596. DiORa-FBN 353 FIGUEIRA (2001, p. 119). 244 Passemos agora à segunda situação descrita no primeiro parágrafo deste sub-capítulo – a comunicação pelos ares e, depois, através de impulsos elétricos transmitidos através de cabos. Na última década do século 18, em plena Revolução Francesa, o semáforo ou telégrafo óptico concebido a partir de 1790 por dois cidadãos vinculados ao Ancien Régime em busca de novos ares, o engenheiro Claude Chappe e seu irmão Ignace, marcou o início da história do desenvolvimento tecnológico das redes de comunicação. Assim como ocorreu décadas depois com a fotografia – também comprada pelo governo francês – a invenção foi batizada com um vocábulo originado do grego: tele significa longe e grafo, derivado de graphein, significa escrita. Eram duas réguas menores articuladas nas extremidades de uma régua maior, dotada de um eixo central que se encaixava numa estaca, fixada no alto de uma sólida torre, dotada de uma luneta ou telescópio. As réguas formavam um sistema pendular, sincronizado, sendo comandadas por cabos, a partir do interior da torre. Transmitiam mensagens geradas a partir de 196 signos possíveis, através da articulação das réguas. Chappe implantou uma rede que chegou a ter mais de 500 torres, distanciadas entre 6 e 16 km., cobrindo uma extensão de quase 5.000 km. que chegava a todos os pontos importantes, do ponto de vista estratégico, nas fronteiras francesas. Entre Paris e Toulon, p. ex., haviam 120 dessas torres ao longo de quase 700 km., capazes de transmitir um sinal em menos de dez minutos. Naqueles dias, haviam outros inventores investigando a mesma questão, inclusive em outros países, e os irmãos Chappe despenderam enorme esforço para obter a autorização e o apoio Assembléia Legislativa francesa para viabilizar o sistema, cujo protótipo já haviam construído em Paris. A estratégia incluiu até mesmo a eleição de Ignace como deputado – numa Assembléia que durou poucos meses – em 1791 e ambos enfrentaram diversos obstáculos, inclusive revoltas populares que danificaram seus primeiros protótipos. Em 1793 a idéia, descrita como ‘um sistema para se escrever no ar, através de grandes distâncias’, foi finalmente encampada pelo governo francês. A idéia era tornar o semáforo de Chappe parte integrante do sistema nacional de defesa; a rede tornou-se operacional a partir de 1794 e a primeira mensagem chegada a Paris, em 15 de agosto, dava conta da reconquista da cidade de LeQuesnoy aos austrácos e prussianos. A reputação dos irmãos Chappe estava consolidada e a partia daí, a rede expandiu-se não apenas na França mas disseminou-se pela Europa, gerando inclusive algumas variantes e só vindo a cair em desuso nos meados do século, quando deu vez ao telégrafo elétrico. A Guerra da Criméia – a primeira a ter fotografias amplamente divulgadas – talvez tenha sido a última onde este sistema telegráfico de semáforos, na sua versão portátil, ainda foi utilizado. 245 Vale lembrar, ainda, que Napoleão Bonaparte chegou ao poder em 1799, quando se valeu do telégrafo disparar a célebre mensagem “Paris est tranquille et les bons citoyens sont contents”354 e tornou-se imperador em 1804. Assim, foi ele um dos maiores interessados e incentivadores da expansão do sistema. Quanto a Claude Chappe, cuja trajetória partiu da teologia (que estudou antes da Revolução Francesa) chegando à telegrafia, naqueles dias andava profundamente desgostoso com as sucessivas acusações de plágio que vinha recebendo, e suspeitava mesmo que haviam tentado envenená-lo. Suicidou-se em janeiro de 1805 ao se lançar num poço, junto ao edifício da administração dos telégrafos. Figs. 113 e 114 – À esquerda, um corte seccional do semáforo ou telégrafo de Chappe, 1792. Ilustração extraída de Les merveilles de la science de Louis Figuier. Paris : Furne, Jouvet et C., 1868. À direita, a versão portátil do semáforo de Chappe, em uso na guerra da Criméia (1853-56), onde também chegou-se a utilizar o telégrafo elétrico. Em seguida surgiu o telégrafo elétrico, um outro sistema para comunicação a distância por meio de sinais codificados. A primeira patente concedida, na Ingalterra, a um sistema de telegrafia elétrica coube a William Fothergill Cooke e Charles Wheatstone (12 jun. 1837); a primeira transmissão deu-se em 4 de setembro – mesma data em que Samuel F. B. Morse e Alfred Vail faziam uma demonstração de seu sistema, na Universidade de Nova Iorque. A 354 Paris está tranquila e os bons cidadãos estão contentes. 246 primeira linha para transmissão a longa distância, nos Estados Unidos (Washington DC – Baltimore), foi inaugurada em 24 de maio de 1844. Em meados do século, foi lançado um cabo submarino entre os portos de Dover (Inglaterra) e Calais (França). No Brasil – onde, graças ao especial interesse e empenho do imperador, tanto a eletricidade como o telégrafo, entre outras invenções, encontraram receptividade desde a primeira hora – o telégrafo elétrico, depois de algumas tentativas infrutíferas, tornou-se operacional em 1852, através de uma linha subterrânea conectando o palácio imperial, em São Cristóvão, ao Ministério da Guerra. Graças ao sucesso de seus primeiros experimentos, o engenheiro, físico e naturalista Guilherme Schüch de Capanema (depois barão de Capanema) e o coronel Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão (depois general e visconde de Santa Teresa, que participou da guerra contra o Paraguai) são considerados os primeiros telegrafistas do Brasil. Logo depois, foi fundado o Telégrafo Nacional, com sede no Campo de Santana, dirigido por Capanema, que “tinha relação quase fraternal com d. Pedro , de quem fora amigo de infância, e exerceu papel relevante na promoção da ciência brasileira.” 355 Em 1857, já era possível ao imperador comunicar-se via telégrafo a partir de sua cidade de veraneio, Petrópolis. Em 1863, instalou-se um cabo submarino ligando as fortalezas de Santa Cruz e de Villegaignon com a corte. Fig. 115 – A comunicação entre a praça do Comércio e a fortaleza de Santa Cruz, por meio do fio elétrico submarino. SENTINELLA. – Quem vem lá? – Peixe boi.... Sentinella. – Vá para o Passeio Público.... MOLEQUE. – Nhonhô, atravessou um peixe boi. DR. SEMANA – Maldito! Aí ficou de novo interrompido o fio elétrico.... Ora esta! Mas a praça não tem nada nem com peixes, nem com bois.... MOLEQUE – Nem com os linguados, nhonhô. Semana Illustrada, 10 jan. 1864, p. 1281. DiORa-FBN 355 CARVALHO, 2007c, p. 99. 247 Embora inicialmente todo o investimento tivesse sido feito no sentido norte, o início da guerra contra o Paraguai forçou uma revisão das prioridades, visando a rápida construção de linhas em direção ao sul – inclusive porque Solano López já havia investido naquele sistema, de forma que podia se comunicar com suas tropas, assim como ocorreu na guerra civil norteamericana. O interesse pelos progressos das comunicações telegráficas, no âmbito governamental, fica evidente à leitura do Diário Oficial do Império do Brasil, através do qual é possível acompanhar todos os feitos deste campo, a nível mundial. Em 15 de janeiro de 1865, p. ex., na seção “Exterior - Correspondência sobre novidades úteis” (p. 3) lemos que Funciona já desde o dia 4 de novembro corrente [de 1864] a linha telegráfica entre a Pérsia e a India. Para inaugurá-la expediu logo a legação de Inglaterra em Teerã um despacho para Bombaim, e dentro em 3 horas recebeu a resposta. Como a Pérsia está já pela Geórgia em comunicação com S. Petersburgo, não vem já tarde o tempo em que a Europa vai ter com Bombaim e Calcutá comunicações telegráficas rapidissimas. Fig. 116 – A guerra civil norte-americana (1861-65), onde as comunicações telegráficas foram bastante empregadas, serviu de parâmetro. Na ilustração, vê-se as instalações dos telegrafistas e dos fotógrafos junto ao quartel-general do exército norte-americano em Potomac. Os telegrafistas trabalhavam para as forças armadas, enquanto os fotógrafos eram autônomos – mas trabalhavam sob a proteção do serviço secreto. Abril de 1864. Fonte: <http://www.civilwar signals.org/pages/tele/telegreely/telegreely.html> Em 11 de abril de 1865, o Diário Oficial trazia duas notícias acerca dos progressos no mundo da telegrafia, uma do estrangeiro e uma local: “O Moniteur de Paris apresenta uma descrição do novo telégrafo de Caselli, já funcionando na França. Como se sabe ele se distingue dos antigos sistemas tornando possível a reprodução da assinatura original do autor com todos seus signais. [...]” A notícia local referia-se à “execução do serviço do assentamento da linha telegráfica de Cabo Frio.” Na Semana Illustrada de 8 de outubro de 1865 (p. 2009), em ‘Novidades da Semana’, lemos que “O nosso amigo Capanema já se acha em Mangaratiba para tratar do fio telegráfico que há de prender a corte à província do Rio Grande do Sul. É 248 um grande melhoramento, e tendo à sua frente o Dr. Capanema, mais certo se pode estar da sua realização.” Embora a primeira dessas linhas viesse a funcionar durante a guerra, o sistema como um todo, no sul, só veio a funcionar satisfatoriamente ao final daquela década. E só após o término da guerra é que foi estabelecida a comunicação direta com o Uruguai e também entre o Brasil e a Europa, através de cabos submarinos. Fig. 117 – “O Dr. Semana conversando por intermádio de Mr. Collings Overland telegraph com todos os monarcas do globo. Pergunta-os, como têm passado. – A resposta virá no ano que vem.” Semana Illustrada, 15 abr. 1866, p. 3124. DiORa-FBN A Collins Overland Telegraph era uma linha da empresa norte-americana Western Union Telegraph Company, que conectou o oeste ao leste dos Estados Unidos a partir de 1865. No ano seguinte, já tinha alcançado o Alaska e o projeto previa a sua extensão à Rússia, passando sob o mar, no estreito de Bering. Depois alcançaria a Europa – pois na Rússia, por essa época, já se construía a ligação de Moscou à Sibéria. Mas em 13 de julho de 1866, concluiu-se a instalação de um cabo submarino entre os EUA e a Inglaterra em apenas 14 dias, fruto de um outro emprendimento, anglo-americano. O projeto da Collins Overland, então, foi abandonado. O primeiro cabo transoceânico cujo lançamento teve sucesso, ligou os Estados Unidos à Europa a partir de 1866. Embora o Brasil já tivesse tentado, em diversas ocasiões, conectar-se às nações do hemisfério norte, só em 1874 concluiu-se a primeira ligação, entre o Brasil e Portugal. Ainda com relação ao uso do télegrafo durante a guerra contra o Paraguai, encontramos diversas referências ao mesmo no Diário do Exército, do visconde de Taunay (TAUNAY, 2002). Em 2 de abril de 1869, por exemplo, ele registrou: “De Assunção mandaram diversos telegramas, anunciando: um a chegada de duas peças Withwort de calibre 2 que serão enviadas com a possível brevidade; outro a vinda do chefe Elisiário do Alto 249 Paraná, e um terceiro a partida dos ajudantes-de-ordens, Capitão-de Fragatas Salgado e Tenente-Coronel Luiz Alves, que seguem para Buenos Aires a ativarem o mais possível a remessa de cavalos, sobre a qual tanto se tem instado.” 356 A partir de 16 daquele mês o conde d’Eu, já em Luque (próximo a Assunção) juntamente com seu secretário Taunay, assumia o comando-em-chefe das forças brasileiras e tratava de restabelecer as comunicações telegráficas entre distintas localidades daquele país. No dia 7 de maio, Taunay fez o seguinte comentário: “A telegrafia tem prestado excelentes serviços e trabalha incessantemente, sendo raros os desarranjos nas máquinas eletromagnéticas ou na linha de fios que a atividade do oficial engenheiro imediatamente dispõe utilizando-se dos postes deixados pelos paraguaios no seguimento da estrada de ferro.” Os fios telegráficos foram retirados mais de uma vez, pelos paraguaios, o que se conclui do comentário registrado em 27 de maio: “Os fios telegráficos foram tirados: entretanto quase todos os postes haviam ficado, de modo que com brevidade foi pelo hábil engenheiro Álvaro Joaquim de Oliveira corrida nova linha, estabelecendo-se a imediata comunicação com a cidade de Assunção.” Figs. 118 e 119 – [esq.] “Telégrafo elétrico. (Inauguração da linha de Campos) – Esta linha é a que há de ir a Pernambuco. Aqui começa o nervo; resta introduzi-lo por todo o corpo do império.” Semana Illustrada, 13 out. 1867, p. 2856. DiORa-FBN [dir.] “Mangrulho ou telégrafo paraguaio.” [...] Semana Illustrada, 29 nov. 1868, p. 3325. DiORa-FBN 356 TAUNAY, 2002, apud: ALENCAR, 2004, p. 8. 250 4.3 A difusão da informação A qualquer momento, o relato recebido de um evento é mais importante do que o evento, pois nosso pensamento e ação decorrem do relato simbólico e não do evento propriamente dito. William M. Ivins, Jr., 1953 O significado e o valor de uma fotografia estão em grande medida reacionados à credibilidade da publicação que as reproduz. John Tagg, 1982 Difundir é o mesmo que divulgar, propagar, espalhar, multiplicar – em nosso caso, notícias e idéias, essencialmente; através de textos e imagens. Este é o assunto do presente subcapítulo. O principal meio de difusão da informação, no período, foi a imprensa periódica. Seus dois principais segmentos – os maiores e mais abrangentes – eram a imprensa escrita, diária, e a imprensa ilustrada, semanal ou mensal. A imprensa escrita levava vantagem no que se referia ao ‘furo’, à notícia ‘em primeira mão’, ‘no calor da hora’, além de oferecer maior espaço para a produção textual, até mesmo por ser diária. Mas a imprensa ilustrada tinha a vantagem de ‘repercutir a semana’, olhar os fatos com um certo distanciamento, cruzar informações e, ainda, produzir uma crítica mais humorada. Acima de tudo, era dotada de uma arma poderosa – o crayon litográfico, possuidor de uma capacidade de penetração sem precedentes. Através das imagens, até mesmo a parcela dos excluídos e dos iletrados que porventura tivessem algum contato com aquelas folhas, seria capaz de apreender certas informações, e mais, formar um certo juízo a respeito de fatos e de idéias. E o hábito de afixar suplementos oriundos da imprensa ilustrada em algumas das poucas vitrines do centro da cidade, por exemplo, foi mais um importante fator de difusão naqueles tempos, como veremos. No Brasil, os esforços em prol da difusão de certas imagens a partir do início da guerra – os retratos fotográficos dos membros de nossas forças armadas, por exemplo – contaram com uma estratégia de exortação aos leitores, como se vê p. ex. na seção de anúncios da Semana Illustrada em janeiro de 1865: Os editores pretendendo publicar uma galeria dos homens célebres da atual campanha do sul, rogam a todas as pessoas que possuírem os retratos de alguns dos bravos que ali se distinguirem, e quiserem obsequiar à Semana, hajam de remetê-los ao Imperial Instituto Artístico, largo de S. Francisco de Paula n. 16. 357 357 Semana Illustrada, 22 jan. 1865, p. 1723. 251 Mas era possível fazer mais, oferecer outras opções em termos de imagens. Havia um mercado, mesmo que restrito. A produção de suplementos, como já vimos, foi uma praxe na Semana Illustrada, nem sempre vinculada ao cronograma do jornal – este não podia falhar; tinha que estar pronto com a devida antecedência para a distribuição dominical. Fleiuss sempre levou este compromisso a sério, tudo fazendo para não frustar leitores e assinantes. Os suplementos avulsos, como eram denominados, traziam vantagens para o editor, além da publicidade decorrente da sua repercussão: por um lado, proporcionavam uma ‘receita extra’, digamos assim, ao Imperial Instituto Artístico, já que eram vendidos separadamente – e não custavam pouco. Um exemplar avulso do jornal custava 500 rs. e o preço dos suplementos avulsos oscilava entre 1$000 e 5$000. Por outro lado, podiam ser produzidos com mais calma e esmero, pois nestes casos a pressão decorrente dos prazos não era tão grande, já que a data de lançamento não era estabelecida com precisão – havia uma ‘margem de manobra’. Alguns suplementos eram puramente textuais. Mas a maioria veiculava imagens. Alguns eram de mais fácil compreensão, de mais simples assimilação, exigindo apenas a leitura da imagem – o que naturalmente se dava em diferentes níveis de profundidade e intensidade, em função do perfil do leitor. Destes suplementos, alguns tinham um cunho mais documental e outros, um cunho mais laudatório. Mas havia uma outra categoria de suplementos, como já vimos no subcapítulo 4.1, que tinham uma função próxima do infográfico atual, narrando de forma didática, explicativa, o decorrer de um acontecimento (uma passagem ou uma batalha, p. ex.). Algumas dessas imagens eram plantas baixas, imagens essencialmente técnicas, acompanhadas de extensas legendas e de informações de interesse militar. Citemos dois exemplos: o primeiro, a “Cópia do esboço de Paissandú e suas fortificações […]” 358, é uma planta baixa elementar, composta por uma série de retângulos que representam as quadras daquele espaço urbano, onde estão assinalados 38 itens, entre edificações e as posições tomadas, em distintos momentos da operação, pelos grupos militares brasileiros participantes do confronto. O segundo exemplo é o “perfil da parte das fortalezas de Humaita vistas de um ponto do Chaco em Setembro de 1867 […]” 359 onde, afora uma singela vista panorâmica das fortalezas encimando a página dupla, as imagens de maior destaque são desenhos técnicos de torpedos paraguaios representados em corte seccional, além de grande quantidade de textos e legendas em corpo diminuto e mais uma planta do trecho de Humaitá – competente trabalho de cartografia naval onde estão situadas as 358 359 Suplemento da Semana Illustrada, lançado em 08 jan. 1865. Suplemento da Semana Illustrada, lançado em 17 nov. 1867. 252 embarcações, as armadilhas expostas e as submersas, uma série de linhas (assim explicadas: “As diversas linhas são as circunvergencias [?] mais ou menos dos tiros”) e uma série de flechas (assim explicadas: “As flechas, caminho do navio, canal único”). Em ambos os casos, tratava-se de desenhos militares – realizados por militares e direcionados a militares, com o objetivo de relatar visualmente distintos aspectos dos fatos decorridos e das situções enfrentadas. E na falta de coisa melhor, imaginamos, Fleiuss os aproveitava para produzir os seus suplementos. Há casos em que isto ficou patente, como p. ex. quando publicou uma planta do Passo da Pátria, levantada pelo major do exército imperial Conrado Maria da Silva Bittencourt, após declarar que “a que publicamos é a melhor das que tem sido remetidas [...].” 360 Qual era a recepção destes ‘quadros’, como Fleiuss os denominava, entre os leitores, alfabetizados, semi-analfabetos e analfabetos? Entre adultos e crianças? Entre homens e mulheres? Entre os membros das distintas classes sociais, considerando-se que um exemplar da Semana poderia até mesmo ‘cair nas mãos’ de indivíduos que não integravam aqueles grupos sociais aos quais o semanário era direcionado; aquele público para o qual Fleiuss se dirigia? São perguntas para as quais esperamos, a partir dos desdobramentos da presente investigação, encontrar algumas respostas. Algumas hipóteses já se configuram, com relação à última etapa do ciclo ‘produção-envio e recebimento-difusão’: muitas das informações visuais ali veiculadas eram produzidas no âmbito das forças armadas ou do corpo diplomático para serem enviadas aos superiores hierárquicos, na sede corte. E aqui, por caminhos ainda não devidamente esclarecidos, por vias que integravam uma ‘rede de repasse de informações’, digamos assim, chegavam até Fleiuss, que soube construir e cultivar tal rede, com habilidade. E ele não era o único a proceder assim, pois o jornal de Angelo Agostini, p. ex., também estampou diversos ‘infográficos’ recebidos do teatro da guerra – impelido pela concorrência e até mais, pelo confronto com a Semana Illustrada. “Sairam à luz no Imperial Instituto Artístico A batalha naval de Riachuelo e Passagem pela barranca das Mercedes. Dois grandes quadros, impressos em duas tintas. Preço 5$000 cada quadro.” 361 Cada vez que a Semana Illustrada veiculava um anúncio como esse, estava 360 361 Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1346. Semana Illustrada, 08 out. 1865, p. 2014. 253 contribuindo para disseminar não apenas as imagens daqueles feitos históricos, mas também o hábito do consumo de imagens. Tais publicações aumentavam sobremaneira o prestígio do jornal, cujos textos eram sistematicamente reproduzidos nos jornais das províncias – nem sempre com o devido crédito, o que levou o editor a publicar o seguinte aviso, na esperança de corrigir um hábito de certos colegas que, para ele, configurava uma grande injustiça: Aos colegas na província. A Semana, sumamente grata ao apreço que merecem os seus artigos aos jovens das províncias que os transcrevem, com palavras de benevolência, pede, todavia, a alguns desses jornais que sigam o exemplo da maioria deles. Esse exemplo é um ato de probidade e delicadeza. Quando a maioria dos jornais transcreve os nossos artigos declara sempre que o cortou das nossas colunas. Mas alguns não fazem isto: transcrevem e dão como seu o trabalho dos nossos redatores. Será bom que se vá dando o seu a seu dono. Nós, até hoje, ainda não demos como nosso, aquilo que os nossos colegas escrevem e publicam. Haja reciprocidade. 362 Desde que citada a fonte, como se depreende da nota reproduzida acima, a reutilização das informações era liberada. Ademais, era possível mesmo comparecer à redação do periódico de Fleiuss, para examinar os originais reproduzidos em litografia: “Ao público. Quem tiver interesse de ver os originais, que me foram remetidos pelo Exm. Sr. Visconde de Inhaúma e os outros, amigos da esquadra e do exército, dirija-se ao Imperial Instituto Artístico, Largo de S. Francisco de Paula n. 16, onde se acham expostos tais desenhos. [...] H. Fleiuss.” 363 Já nos fascículos lançados em 3 e 10 de maio de 1868, o primeiro texto na página do editorial anunciava um “PREMIO”: Por todo o corrente mês de maio oferecemos aos nossos honrados Assinantes um grandioso quadro, representando os oito principais feitos gloriosos da nossa esquadra em operações no Paraguai. As pessoas, que doravante assinarem a Semana Illustrada por um ano, receberão tal prêmio. Para os não assinantes o preço do quadro é 8$000. Outro de igual mérito, grupando em uma grande estampa as vitórias do nosso exército, será proximamente oferecido aos Srs. Assinantes. O primeiro quadro está desde já exposto na Praça do Comércio e em algumas casas da rua do Ouvidor. [grifo nosso] Este belo trabalho é devido ao lápis do Sr. Carlos Linde. Temos aí a informação que corrobora a nossa opinião: a cobertura da guerra na Semana Illustrada desempenhou um papel relevante no processo de ‘alfabetização visual’ de um 362 363 Semana Illustrada, 18 jun. 1865, p. 1885. Semana Illustrada, 08 mar. 1868, p. 3023. 254 amplo espectro dos habitantes da corte, que seguramente ultrapassava o âmbito dos assinantes, e mais, dos letrados. Pois se em algumas das mencionadas “casas da rua do Ouvidor” o tal quadro foi exposto em seu interior, em outras delas, presume-se (e sabemos que eram poucas as vitrines), foi exposto de maneira a ser visualizado pelos passantes. Isto tudo, sem nos esquecermos da difusão da informação ocorrida ano próprio seio das tropas do exército, onde a Semana Illustrada também chegava, como veremos no próximo capítulo. No teatro da guerra, chegou a existir, em dois momentos (em Tuiuti e em Assunção) um ‘jornal literário e noticioso’ impresso pela tipografia móvel do exército e intitulado A Saudade. 364 Sobre o assunto, há interessante comentário na tese de Marcelo Augusto Moraes Gomes: Os homens, no Paraguai, tinham acesso a alguma informação. A maioria não possuía cultura letrada, mas certamente alguns eram alfabetizados, e tinham condições de lerem [sic], em voz alta, para os seus demais camaradas, alguns jornais provenientes das províncias e até mesmo eventuais escritos, impressos ou redigidos, que pudessem chegar, com camaradas recém vindos das suas províncias. No entanto, essa maioria tinha certamente acesso a vários níveis de informação, no campo, algumas delas sem controle, ou como Rousseau define e diferencia, canais espontâneos e canais oficiais. Os primeiros poderiam se configurar, no Paraguai, do contato com recrutas recém chegados, com intermitência. Poderiam vir, igualmente, com outros homens (comerciantes, funcionários civis, tripulantes dos transportes), e mulheres que iam e vinham entre as províncias da Argentina, Uruguai e Brasil e dos próprios paraguaios, em eventuais contatos e principalmente dos prisioneiros. Os segundos, os canais oficiais, presentes nos comunicados, em jornais ou ordens do dia, e que em algumas ocasiões se sabe que eram lidos para a tropa formada. Nos arquivos deparase, eventualmente, com comunicados, ou ordens do dia, impressos, no próprio campo – já que há referências de uma tipografia de uso do comendo – que comunicam algum ataque, na véspera, ou até mesmo outros documentos [...].” (GOMES, 2006, fl. 194, vol. 1) Aos poucos, como vemos, tornam-se disponíveis as informações que ampliam o nosso conhecimento sobre como se dava a recepção das informações entre os membros das tropas, onde chegavam, principalmente, através de cartas e de recortes de jornais a elas anexados. Embora o Segundo Reinado tenha sido marcado pela liberdade de imprensa no país, os esforços para ter alguma voz, alguma influência sobre certos órgão de imprensa estrangeiros, transparece na documentação oriunda da Legação do Brasil em Montevidéu que examinamos, conforme já mencionado anteriormente. Em seu ensaio ‘Imagens do Brasil civilizado na 364 Encontramos, também, referências a este título como A Saudade na Guerra do Paraguai. 255 imprensa internacional: estratégias do Estado Imperial’, Celesta Zenha nos demonstrou como operava tal mecanismo, no caso da imprensa francesa: [...] não foram raras as iniciativas encimadas pelo Estado, através de seus funcionários, que lançaram mão de inúmeros expedientes, seja para disseminar imagens que julgavam favoráveis ao Brasil, seja no combate àquelas identificadas como indesejadas ou injustas. Tais atitudes são bastante interessantes, pois evidenciam que muitas vezes o governo procurou intervir e modificar a opinião pública, ao invés de curvar-se diante do mundo civilizado. Nesses casos fica claro que o governo imperial brasileiro estava longe de poder ser identificado como mero reprodutor da opinião ou das idéias européias sobre o Brasil. A década de 1860 se mostra especialmente eficaz para a presentação e a análise de alguns dos procedimentos implementados pelas legações brasileiras na Europa e especialmente na França, que tinham por finalidade os objetivos acima mencionados. 365 Em alguns casos, era necessário conceder algum ‘agrado’ ao colaborador, que podia variar desde uma mera distinção até um abono pecuniário. E foi durante a guerra contra o Paraguai que “os investimentos do Governo Imperial neste setor ampliaram-se sob cautela e o estudo parcimonioso de seu emprego pelos funcionários das legações no exterior.” 366 Através de uma série de exemplos que apresenta em seu estudo, Celeste Zenha delineia “um mapa da rede de profissionais e veículos da imprensa construída ao longo dos anos que durou o conflito entre o Brasil e o Paraguai.” 367 Fig. 120 – “A maneira pela qual López obteve facilmente dos três campeões da imprensa francesa a graça de escreverem a favor do Paraguai e contra o Brasil. Cada um mete a unha que tem! (vide Jornal do Commercio de 19 do corrente)” Semana Illustrada, 26 ago. 1866, p. 2381. DiORa-FBN 365 ZENHA, 2003, p. 425. Op. cit., p. 431. 367 Op. cit., pp 435. 366 256 Mas haviam também certos cidadãos muito bem articulados e que, por conta de sua posição na hierarquia social e política, puderam desempenhar um papel significativo neste campo. Não eram propriamente produtores de informação, mas estavam em condições de contribuir para a sua maior difusão, ao repassar o que era produzido por outros. Se no subcapítulo 4.1 havíamos citado o barão Homem de Mello, aqui caberia muito bem a figura de José Maria da Silva Paranhos Junior. Além de haver colaborado com a Semana Illustrada, era também correspondente do mais antigo periódico francês a estampar versões xilográficas de imagens originalmente fotográficas, o L’Illustration. A título de exemplo, citemos um caso: algum tempo depois da tomada do forte de Humaitá, ocorrida em 25 de julho de 1868, o jornal francês publicou uma reportagem sobre o feito. Paranhos Junior foi quem providenciou o conteúdo da reportagem – inclusive as duas mais conhecidas e difundidas fotografias da catedral de Humaitá, destruída. Ademais, levou o crédito “d’après les croquis de M. Paranhos” pelo mapa do teatro daquele evento. Observe-se que são exatamente as duas fotografias que Henrique Fleiuss estampou em suplemento da Semana Illustrada, lançado provavelmente no mês de agosto daquele mesmo ano. O autor é o fotógrafo Carlos Cesar, enviado a Humaitá com a missão de registrar a fortaleza; cópias destas duas fotografias integram o álbum que o mesmo presenteou ao pai de Paranhos Junior, o visconde do Rio Branco, hoje guardado no Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro. Como se vê, as fotografias iam circulando, no âmbito de uma certa rede, através da qual chegavam aos órgãos de imprensa de distintas localidades, sendo então reproduzidas e disseminadas em novos circuitos. Exemplares dos fascículos então produzidos podiam fazer o ‘caminho inverso’, retornando ao ponto de onde se originara a informação por eles disseminada. Recortes do L’Illustration, sabemos, chegavam aos campos de batalha, como veremos mais à frente, em correspondência de Alfredo d’Escragnolle Taunay. Álbuns como os que foram formados pelo barão Homem de Mello, também – os que estão sob a guarda da Biblioteca Nacional, p. ex. – prestam-se a este tipo de constatação e reflexão. 257 Figs. 121 e 122 – [esq.] Uma página da reportagem sobre a tomada do forte de Humaitá publicada no jornal parisiense L’Illustration, Journal Universel, sem data (provavelmente do final de 1868), reproduzida de um álbum de recortes que muito provavelmente pertenceu ao barão Homem de Mello e encontra-se, hoje, na Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional. Ico-FBN [dir.] Suplemento da Semana Illustrada, ago. [?] de 1868. As fotografias aí reproduzidas são de autoria do fotógrafo brasileiro Carlos Cesar. Ico-FBN Outro bom exemplo de como se dava a disseminação das fotografias da guerra contra o Paraguai pode ser observado através do uso, pela imprensa internacional, das imagens produzidas pela firma Bate & Ca., sediada em Montevidéu. Como já afirmamos anteriormente, aquelas foram as únicas verdadeiras ‘fotografias de guerra’ realizadas durante o conflito – a primeira série foi produzida em junho/julho de 1866 e a segunda série, em setembro/outubro do mesmo ano. O lançamento de cada um desses conjuntos foi inicialmente divulgado através de dois jornais urugaios, El Siglo e La Tribuna, repercutindo em seguida nos outros países. Apresentamos um exemplo da veiculação dessas fotografias da firma Bate & Ca. na imprensa francesa, onde tiveram ampla repercussão. 258 Fig. 123 – Anúncio publicado pela firma Bate y Ca. no jornal El Siglo, de Montevidéu, em 1o de agosto de 1866. Este foi o primeiro anúncio, referente à primeira série das fotografias realizadas por Javier López e sua equipe no teatro da guerra, no Paraguai. Abaixo, estão reproduzidas as imagens referentes aos itens n. 6 (La misa, Paso de la Patria) e n. 1 (Batallon 24 de Abril em las trincheras de Tuyuti). BNU Figs. 124 e 125 – Estas fotografias da firma uruguaia Bate & Ca. foram tiradas por volta de junho de 1866: uma missa, em um altar improvisado ao lado do hospital militar oriental, em Passo da Pátria [dir.] e o batalhão uruguaio ‘24 de Abril’ numa trincheira, em Tuiuti [esq.]. A partir do dia 1º de agosto, as imagens já estavam à venda, em Montevidéu. Em seguida, foram amplamente disseminadas através da imprensa ilustrada estrangeira. BNU Cinco meses depois de seu lançamento em Montevidéu, a versão xilográfica das duas imagens reproduzidas acima aparecia no L’Univers Illustré (Paris, 05 jan. 1867). O curioso é que ambas as legendas terminam com a frase “d’après um dessin envoyé par notre correspondant – voir page 14”. E na página 14, a notícia é assinada por Francis Richard, que ao final do 259 texto declara que “nós damos, a partir do croquis de um oficial brasileiro, dois desenhos, um representando [...].” 368 Estamos diante de um caso onde as fontes citadas, no caso da imagem (o croquis e o oficial brasileiro), muito provavelmente não correspondem à verdade. O correspondente Francis Richard era certamente o capitão Sir Richard Francis Burton, autor da conhecida obra Cartas dos campos de batalha do Paraguai, originalmente lançada em Londres, no ano de 1870. 369 Sabe-se que o periódico L’Univers Illustré, lançado em 1858 e mais ‘popular’ do que o L’Illustration, reaproveitava matrizes do Illustrated London News (para o qual, presumimos, Richard Burton teria escrito a notícia) e do Illustrierte Zeitung (de Leipzig). 370 Se, por um lado, tal estratégia contribuía para o seu menor preço, por outro lado, boa parte das imagens e notícias correspondentes referia-se a fatos passados há bastante tempo – neste caso, as imagens referiam-se a um fato ocorrido em junho, cuja fotografia fora distribuída a partir de agosto, e estampada naquele periódico somente em janeiro do ano seguinte! Fig. 126 – As fotografias de Bate & Ca. (Javier López), estampadas em xilografia no L’Univers Illustré, Paris, 05 jan. 1867, p. 12. BnF 368 “Nous donnons, d’après le croquis d’un officier brésilien, deux dessins, dont l’un représente [...]” [tradução nossa] 369 Vale esclarecer que as fotografias de Bate & Ca. que integram a recente edição da Bibliex foram reproduzidas do atual acervo da Biblioteca Nacional do Uruguai – e não integravam, portanto, a edição original de 1870. 370 Histoire générale de la presse française (1969), tome II, pp. 300-302. 260 O exemplo citado, de Richard Burton, nos revela um pouco mais acerca da rede através da qual as informações eram disseminadas, à época da guerra. E este caso nos remete a um outro, igualmente curioso, envolvendo o ‘Leva-Arriba’, de quem tratamos no subcapítulo 4.1. Uma de suas últimas missivas transcritas nas páginas da Semana Illustrada, sob o título Esquadra encouraçada, terminava assim: “Mande esta notícia com sobrescrito à Revista dos Dois Mundos e a Mr. Elisée Reclus dê lembrança do LEVA-ARRIBA.” O trecho desvenda um pouco mais da verdadeira ‘rede de comunicação’ estabelecida à época da guerra – neste caso, em torno da Semana Illustrada de Henrique Fleiuss. A carta faz menção à Revue des Deux Mondes – o periódico francês, cem por cento textual, que todos liam, na corte, e onde a guerra do Paraguai foi relatada e analisada em diversas ocasiões. Afonso Celso, em sua coletânea de reminiscências e notas 371, menciona a Revue ao biografar o conselheiro José Antonio Saraiva: “Percebia-se que se julgava superior a todos, sentindo no fundo por todos certo desdém. [...] Pouco ilustrado, só lendo, ao que confessou, a Revista dos Dois Mundos [...].” A carta do ‘Leva-Arriba’ também faz menção – irônica, talvez – ao geógrafo francês Jacques Elisée Reclus, autor da célebre e alentada obra Nouvelle Géographie universelle: la terre et les hommes (1875-1894). Em 1868, o anarquista Reclus, que já havia viajado bastante, estava de volta à França, onde acabara de publicar La Terre - description des phénomènes de la vie du globe e colaborava na Revue des Deux Mondes, entre outros periódicos, visando a maior divulgação de seus trabalhos geográficos. Mas também escrevia sobre a região do Prata e a guerra do Paraguai. No fascículo referente a nov.-dez. 1867 (vol. 72), Elisée Reclus havia publicado, já pela segunda vez, um longo artigo sobre o tema, intitulado La guerre du Paraguay (pp. 934-965); e no fascículo referente a jul.-ago. 1868 (vol. 76), Reclus voltara a publicar outro longo artigo, intitulado L’élection présidentielle de la Plata et la guerre du Paraguay (pp. 891-910), onde descrevia a difícil situação econômica e social na região, dava voz a opositores do regime como Joaquim Felicio dos Santos e Cristiano Benedito Ottoni e pregava o fim do conflito. Pouco depois, durante o cerco de Paris de 1870, Elisée Reclus chegou a participar das operações desenvolvidas por Félix Nadar visando fotografar, a partir 371 CELSO, A. Oito anos de parlamento. Poder pessoal de d. Pedro II. Reminiscências e notas. [1928?] 261 de um balão, a movimentação das tropas prussianas. Em 1871, apoiou a Comuna de Paris e por isto foi definitivamente banido da França. 372 Apesar de todo este sistema, esta ‘rede’ que operou durante a guerra e que nos legou substancial volume de informações de toda espécie, há numerosas lacunas a serem preenchidas. É possível que nem toda a documentação oficial tenha se tornado pública e accessível, 140 anos após o término do conflito. E é certo que uma boa parcela da documentação pessoal que foi produzida durante a guerra permanece, ainda, em âmbito privado e portanto, dispersa e desconhecida. Ao comentar sobre o estágio em que nos encontramos, com relação às investigações da guerra contra o Paraguai, José Murilo de Carvalho afirma que sabemos muito pouco sobre a história social do conflito. Quem eram os combatentes, como foram recrutados, como era a vida nas trincheiras, como era o tratamento dos soldados, sua alimentação, as doenças, o serviço de saúde, qual era a relação entre eles e os oficiais, a disciplina, a convivência entre soldados de várias partes do país, de libertos com filhos de senhores, de negros, brancos, pardos e caboclos, como era o relacionamento com o inimigo nos momentos de trégua, a reação à propaganda antiescravista e racista dos paraguaios, a vida após o regresso, no Exército e na vida civil, sobretudo a relação do liberto ex-combatente com seus parentes ainda escravos e com os ex-senhores? 373 Como se vê, há um longo caminho de investigação, ainda, a ser percorrido. E no caso específico da fotografia, poderíamos acrescentar: quase nada sabemos, tampouco, sobre os fotógrafos que se aventuraram nos acampamentos da guerra contra o Paraguai. Mas quanto aos diferentes aspectos da mencionada rede de comunicação que se estabeleceu, ao menos, já vemos alguma luz no fim do túnel. 372 Para maiores informações sobre Elisée Reclus ver,, p. ex., DUARTE, Regina Horta. Natureza e sociedade, evolução e revolução : a geografia libertária de Elisée Reclus. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, n. 51, pp. 11-24, 2006. 373 CARVALHO, J. M., Um voluntário na Guerra do Paraguai. In: CARVALHO, 2006b, p. 183. 262 4.3.1 A Semana Illustrada faz escola : EmilioWiedmann, Inácio Weingartner e A Sentinella do Sul Que a Semana Illustrada chegava aos lugares mais difíceis, já não temos dúvida. Serviu, ainda, de inspiração para outras publicações, como veremos agora. No Rio Grande do Sul, os periódicos ilustrados na linha ridendo castigat mores surgiram mais para o final da década de 1870; o primeiro deles, surgido em 7 de julho de 1867, chamava-se A Sentinella do Sul Jornal illustrado, crítico e joco-serio e pertencia a Manoel Felisberto Pereira da Silva e Júlio Timóteo de Araújo. A Sentinella foi “a precursora da imprensa ilustrada de Porto Alegre e revelou um dos chargistas mais famosos do Rio Grande do Sul, Inácio Weingartner. Fig. 127 – Página 1 (capa) do primeiro fascículo d’A Sentinella do Sul, lançado em 07 jul. 1867. MCSHJC 263 Impressa na Litografia Imperial de Emilio Wiedmann, tinha entre os seus redatores colaboradores (além dos proprietários) Eudoro Berlink e, em especial, Carl von Koseritz. Deixou de circular em janeiro de 1869 devido a problemas financeiros.” 374 Segundo Athos Damasceno (1962?, p. 13), a Sentinella foi, na capital da província do Rio Grande do Sul, “a folha a que coube a glória de inaugurar a coleção, que viria a ser com o correr do tempo extensa e rumorosa.” O cabeçalho do periódico, uma criação de Inácio Weingartner, ocupava a metade superior da capa; em meio a uma vista panorâmica de Porto Alegre, dentro de um sol radiante sobre o rio Guaíba, pairava o lema Audacem fortuna juvat – a sorte protege os audazes, ou, a sorte favorece os bravos – frase extraída do canto X da Eneida de Virgílio. À direita, em primeiro plano, havia um índio (certamente representando o Brasil) e à esquerda, um acampamento militar (certamente no Paraguai), vendo-se à frente um gaúcho em trajes típicos, montado a cavalo. Na metade inferior da primeira página do primeiro fascículo, estavam os dois personagens que seriam constantes ao longo da trajetória da publicação: “O redator e seu fiel piá apresentam os seus profundos respeitos aos ilustrados leitores da Sentinella.” Se na Semana Illustrada o Dr. Semana era o alter-ego do editor e se fazia acompanhar do seu fiel Moleque, n’ A Sentinella do Sul o personagem se apresentava como o próprio redator e o seu fiel companheiro não era um afro-descendente mas sim um menino de traços indígenas, o ‘piá’, um nativo da região. O programa do jornal apareceu à página 2: Todos os jornais e todas as publicações periódicas têm o costume de apresentarem ao público (a essa respeitável entidade que piamente vai engolindo as araras da imprensa e honradamente paga as suas assinaturas) um programa, no qual minuciosamente detalham tudo quanto pretendem fazer “em sua espinhosa carreira e no desempenho dessa árdua mas honrosa, missão, que é um sacerdócio, que quase sempre conduz ao martírio etc. etc.” Ora, a Sentinella do Sul não pode pecar pela omissão desse dever, e conquanto não seja ela muito dada a essas frases altisonantes, que constituem o característico dos tais “programas”, não quer deixar de seguir a regra geral: Entramos na arena (é termo obrigatório em matéria de programa), armados de pena e de crayon, e dispostos a sustentar a luta com o indiferentismo do público e com a falta de assinaturas, estes dois inimigos principais que quase sempre perseguem as empresas desta ordem. Estamos dispostos a maçar os nossos leitores todos os dias (com única exceção dos da semana e santificados) com 8 páginas mistas, isto é de texto e de gravuras, nas quais abrangeremos, tanto quanto nos for possível, as ocorrências da respectiva semana. 374 In: Jornais Raros do Musecom: 1808-1924, p. 96. 264 A crítica é naturalmente o elemento principal da publicação que hoje enceitamos [sic]; ela será manejada com discernimento, e nunca passaremos das raias da justiça e da honestidade. Quando a Sentinella ferir, será com razão e nos limites da decência. A arma do ridículo, nunca será por nós empregada contra o que é nobre, belo e grande. As honras, as glórias, as alegrias da pátria, acharão eco fiel na Sentinella do Sul que se esforçará para dar aos seus leitores não só os retratos e biografias dos pró-homens da épocae da situação guerreira, mas também vistas do teatro da guerra etc. [grifo nosso] A caricatura não pode nem deve faltar; ela é o sal ático da nossa publicação, que em tom joco-sério dirá muitas verdades, e fiel ao antigo princípio “ridendo castigat mores”, se esforçará com desenhos e palavras para castigar o crime, a hipocrisia, a ignorância e a vilania, no que elas têm de mais caro, – no seu amor próprio. [...] A execução artística de nossa folha será sempre digna de entrar em comparação com as das folhas ilustradas da corte, [grifo nosso] e conquanto a Sentinella do Sul não seja senão um pobre provinciano, espera merecer simpatias muito além da província que lhe serve de berço natal. A publicação e expedição da folha será feita com toda a regularidade, e a Redação desde já se declara pronta para receber e estampar em suas colunas todos e quaisquer escritos e desenhos, [grifo nosso] que não forem contrários à sua tendência. A Sentinella tem por Redatores, diversos; por colaboradores, porém, todos em geral, que souberem escrever ou desenhar e quiserem honrar-nos com a sua coadjuvação. É a primeira folha ilustrada, que sai à luz na província do Rio Grande; não lhe faltará por certo a proteção do público. Assim o espera A Redação da Sentinella do Sul. Fig. 128 – O ‘Aviso ao público”, impresso no final da página7 do primeiro fascículo. A Sentinella do Sul, 07 jul. 1867. MCSHJC 265 Naturalmente, o primeiro número trouxe um texto (pp. 3 e 6) acerca da expressiva participação dos rio-grandenses na guerra, rendendo homenagem especial ao general Osório, que depois de ser o primeiro a invadir o Paraguai em abril de 1866 e de participar da batalha do esteiro Bellaco e da primeira batalha de Tuiutí, ambas em maio, havia deixado o comando do 1º Corpo de Exército, em julho, por motivo de saúde, retornando ao Rio Grande do Sul. Figs. 129 e 130 – [esq.] O retrato de Osório – que não poderia faltar – foi uma das imagens estampadas na última página do primeiro número, tendo abaixo dois cartuns. A Sentinella do Sul, 07 jul. 1867, p. 8. [dir.] “O heróico vencedor de Curuzú. tenente General visconde de Porto Alegre. Comandante em chefe do 2º corpo de exército.” A Sentinella do Sul, 21 jul. 1867, p. 24. MCSHJC Em setembro de 1866, os aliados haviam sofrido a sua maior derrota, em Curupaiti e em maio daquele ano de 1867, ocorrera outro fracasso, a retirada da Laguna, na região centro-oeste. Tempos difíceis e sombrios, portanto, em que o número de perdas entre os habitantes daquela província eram expressivos. Depois de tratar da saúde e de organizar, com grande dificuldade, um 3º Corpo de Exército, era exatamente naquele mês de lançamento do primeiro semanário ilustrado porto-alegrense que Osório estava retornando aos campos de batalha, no Paraguai: Osório. No meio do luto, que envolve a província do Rio Grande, que tem 30.000 dos seus filhos em armas; por entre as lacerantes dores, que confrangem os corações de milhares de famílias, que nas longínquas praias do Paraguai viram sucumbir à metralha do inimigo ou à voragem da epidemia existências caras, entes queridos sem poderem recolher os seus últimos suspiros, sem poderem prestar-lhes as derradeiras e funéreas honras; através do do sombrio desespero que dilacera os corações das patriotas Riograndenses, ao verem esta mesma província, tão excessivamente representada no campo de batalha, condenada ao ostracismo no Areópago do Brasil, – as glórias conquistadas nas guerreiras lides à sombra do pendão auriverde, ainda acham sonoro eco nos peitos dos Rio-Grandenses. [...] 266 Osório, essa figura titânica, digna de ser cantada por Homero, que como o primeiro vulto destaca neste quadro de luto e glórias, que representa a cruzad civilizadora do Brasil contra o déspota da república guaranítica, é o ídolo dos Rio-Grandenses que nele contemplam um dos filhos mais ilustres do seu torrão natal, e que das glórias partilham, que sua valente espada soube conquistar para a pátria comum. [...] Abrindo pois a série de retratos com que na continuação desta folha presentearemos os nossos leitores, com o busto heróico do vencedor de Tuiutí, não fazemos mais do que prestar uma justa homenagem ao ilustre general Rio-Grandense, que, obedecendo à voz do patriotismo e do dever, de novo volta hoje ao teatro de suas glórias, para levar ao fim a tarefa que se impôs, de desafrontar a honra nacional, desfraldando o estandarte brasileiro sobre as ruínas de Assunção! Figs. 131 e 132 – [esq.] No capítulo 4.1, reproduzimos e comentamos um detalhe desta imagem – que aqui, pode ser apreciada integralmente, como foi estampada n’ A Sentinella do Sul. Porto Alegre, n. 21 de 24 nov. 1867, p. 173. MCSHJC [dir.] A página onde a imagem do Estabelecimento foi estampada, juntamente com a ‘cópia fiel’ de outras fotografias, todas de autoria de Erdmann & Cattermole. O emprego das imagens copiadas de originais fotográficos foi constante, na cobertura da guerra pela A Sentinella do Sul. Carlos Erdmann e Anton Cattermole, fotógrafos estabelecidos à rua de Bragança em Porto Alegre desde 1857 375 teriam improvisado o ‘estabelecimento’ cuja reprodução se vê acima, junto ao acampamento aliado de Tuiuti, que havia sido atacado, já pela segunda vez, em 3 de novembro de 1867 – três semanas antes da sua publicação, portanto. Até o presente momento, esta é a única imagem que localizamos, na imprensa 375 KOSSOY, 2002, p. 107 (Cattermole) e p. 127 (Erdmann). 267 ilustrada do Brasil, a nos revelar o aspecto de um estúdio fotográfico pertencente a profissionais originalmente estabelecidos em nosso país, e improvisado num acampamento aliado no Paraguai. Esta página já foi citada e reproduzida anteriormente, mas sem menção à sua origem, ou com a referência incorrreta – sempre a partir de um album de recortes e estampas da guerra do Paraguai, existente na Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional, onde a mesma está colada, sem qualquer identificação. Durante uma de nossas jornadas de pesquisa em Porto Alegre, tivemos a oportunidade de consultar, no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, a coleção (infelizmente incompleta) d’A Sentinella do Sul.376 E no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, localizamos uma imagem no formato carte-de-visite de autoria daqueles fotógrafos, que poderia ter sido produzida em um ambiente de condições similares àquelas que podemos observar na estampa do estabelecimento em Tuiuti. O mais curioso é que na frente do cartão está impresso o nome da dupla; mas no verso, o selo é do Estabelecimento Fotográfico Progresso - Porto Alegre, do qual não encontramos, até aqui, qualquer informação. Figs. 133 e 134 – Frente e verso de uma carte de visite de autoria de ‘Erdmann y Cattermole’, reproduzida do Álbum oferecido pela família do Major Antônio Pereira Júnior – relatos da guerra do Paraguai e fotos. No verso, o selo impresso é do ‘Estabelecimento Fotográfico Progresso’, de Porto Alegre. AHRS. 376 A Fundação Biblioteca Nacional possui apenas um fascículo deste periódico, além do microfilme (incompleto) da coleção. 268 Além de fazer a ‘cópia fiel’ de fotografias, A Sentinella do Sul também estampou diversos mapas e diagramas referentes às operações das forças aliadas, assim com fazia a Semana Illustrada. Fig. 135 – “Esboço aproximado das posições ocupadas pelos exércitos no teatro da guerra. Organizado segundo um esboço que veio do exército.” A Sentinella do Sul, 24 nov. 1867, p. 172. MCSHJC Neste semanário é possível encontrar, ainda, alguns casos interessantes de publicação de fotografias que já haviam aparecido em outros jornais, anteriormente – situação similar aos casos que apresentamos no subcapítulo anterior. Em ambas as imagens que reproduzimos na próxima página, extraídas das duas publicações aqui comparadas, vemos José Bernardino Bormann e Guilherme Paulo Bormann. Ao que tudo indica, foram copiadas de fotografias. Mas o curioso é que o corte das imagens é diferente, assim como a exata posição dos retratados, o ponto de vista, etc. Um caso incomum. Seriam, afinal, duas cópias de um mesmo original fotográfico, onde cada artista ‘interpretou’ à sua maneira? Uma coisa é certa: ambas referem-se ao mesmo episódio, apesar de publicadas com tamanha defasagem: 20 de janeiro de 1867, na Semana Illustrada e 16 de fevereiro de 1868, n’A Sentinella do Sul! 269 Figs. 136 e 137 – [esq.] “Dois bravos da campanha do Sul. José Bernardino Bormann, valente 2º tenente do Corpo de Artilharia do 2º exército; e Guilherme Paulo Bormann, tenente do 7º batalhão de voluntários da pátria, ferido em Curupaiti. Semana Illustrada, 20 jan. 1867, p. 2549. DiORa-FBN [dir.] “O 2º tenente do corpo de artilharia José Bernardino Bormann, e o tenente do 7º batalhão de voluntários da pátria, Guilherme Paulo Bormann. A Sentinella do Sul, 16 fev. 1868, p. 270. MCSHJC Fig. 138 – Reprodução da capa de um fascículo d’A Sentinella do Sul. Na litogravura, o Redator e o piá fazem a versão gaúcha do ‘Dr. Semana e o moleque’ – aqui, devidamente militarizados, em clima de guerra. Porto Alegre, 07 jul. 1867. MCSHJC Em 29 de dezembro de 1867, à página 215, foi publicado um aviso: “Atenção. A Redação da Sentinella pede a todas as pessoas, que possuírem retratos de oficiais e praças, que se têm distinguido na atual guerra contra o Paraguai, a confiar-lhe os ditos retratos por algum tempo, 270 acompanhando-os das respectivas notas biográficas, a fim de poder estampar (tanto os retratos, como as biografias) em suas colunas. Igual pedido faz às famílias de oficiais que morreram no teatro da guerra. A Redação.” Começava, ali, a ‘galeria dos bravos’, à moda da Semana Illustrada. Na Sentinella, era comum o humor que se valia das diferenças regionais – Índoles pro vincianos – sendo os mineiros, parece-nos, dos mais zombados. O fascículo de 3 de março de 1868 traz, à capa, uma comparação entre a disposição do gaúcho em servir a pátria, ao ajoelhar-se diante dela, devidamente trajado e armado de lança e espada; enquanto que o mineiro, barbudo e meio descabelado, trajando calças curtas, contribui oferecendo uma barra de doce de leite à pátria. Fleiuss também cobrou, em sua folha, o maior empenho dos mineiros com relação à guerra. Fig. 139 – A Sentinella do Sul, 03 mar. 1868, p. 287. MCSHJC Ainda neste mesmo fascículo, à página 290, temos a cópia do retrato de um oficial ferido na guerra, segurando uma muleta. À página 288, sob o título O major João Carlos Abadie, ficamos sabendo que Abadie era “um dos mais esforçados e bravos rio-grandenses, que na atual campanha do Paraguai tem mantido a brilhante reputação do torrão natal. Valor impertérrito, infatigável de dedicação ao serviço são títulos que o recomendam à estima dos seus comprovincianos. É filho de São Borja, e conta hoje 36 anos de idade.” Foi gravemente ferido na batalha de Curupaiti (22 set. 1866) e depois “dispensado do serviço por inválido de uma perna.” 271 Fig. 140 – A Sentinella do Sul, 03 mar. 1868, p. 290. MCSHJC Ao que parece, a intenção de Emilio Wiedmann seria alterar o nome de sua Litografia Imperial para Imperial Litografia. Pois que assim como Fleiuss havia feito, ele requereu o título de ‘Imperial’ através de um pedido datado de [Porto Alegre,] 23 de janeiro de 1866: Senhor Diz Emilio Wiedmann, residente nesta cidade, com oficina litográfica e gravura, que tendo, no regresso de vossa majestade da campanha, tido a honra de ser sua oficina visitada, por vossa majestade, que demorada e minuciosamente examinou todos os trabalhos, inclusive a planta desta capital [...]. Por razões que desconhecemos, sua solicitação não teve o devido seguimento e portanto não foi deferida. 377 Mas por falta de prestígio na corte, não deve ter sido. Embora tenha durado pouco, A Sentinella do Sul marcou época, na imprensa gaúcha e também na corte. E por ocasião da célebre Exposição de História do Brasil da Biblioteca Nacional (inaugurada em 2 de dezembro de 1881), os fascículos 1 a 12 figuraram no grande catálogo (verbete n. 4751). Até onde vai o nosso conhecimento, este foi o primeiro periódico verdadeiramente inspirado na Semana Illustrada. Se dissemos ‘o primeiro’, é porque a Semana continuou ‘fazendo escola’ após a fundação da Sentinella, em julho de 1867: em janeiro de 1868, Angelo Agostini fundava, no Rio de Janeiro, A Vida Fluminense. Mas esta já é outra história. 377 Estas informações foram extraídas de: IPANEMA, 2007, p. 118. 272 5 Primórdios da fotorreportagem no Brasil: a guerra contra o Paraguai na Semana Illustrada, 1864-1870 [...]. E nenhum homem de qualquer país poderá levantar testemunho contra estas fotografias, alegando que são falsas e não correspondem à realidade. E não venham me dizer: “Que horror, mostrar estas gravuras!” [...] Ernst Friedrich, in: War agains war!, 1924. No contexto da imprensa carioca, a guerra proporcionou a Henrique Fleiuss a oportunidade de tentar, pela primeira vez, integrar a fotografia à narrativa jornalística. Nas quatro páginas textuais do semanário, o relato aparecia nos editoriais, nas mensagens do Dr. Semana, em outros textos não assinados de caráter noticioso e, em especial, nas cartas recebidas do front, escritas por membros das forças armadas. Esta correspondência constitui uma espécie de ‘crônica da Guerra do Paraguai’ – ainda aguardando um estudo e quiçá, uma antologia. Além dos relatos verbais, a Semana recebia esboços e desenhos acabados – eram diagramas, plantas, mapas, vistas e cenas dos combates, como vimos no capítulo anterior. Em sua História da caricatura no Brasil, ao abordar a guerra contra o Paraguai, Herman Lima reconhece o feito: “no particular, porém, ficou incorporada mesmo à nossa história a contribuição valiosíssima da Semana Illustrada, especialmente pelos seus mapas dos locais da luta, com as diversas fases da guerra fixadas in loco pelos croquis de Joaquim José Inácio [de Barros, depois visconde de Inhaúma], [capitão de mar e guerra José] Secundino de Gomensoro [, um dos comandantes da esquadra brasileira] e Antônio Luís van [sic] Hoonholtz [, depois barão de Tefé].” 378 O autor afirma que seria possível fazer “uma completa reconstituição da mal-aventurada campanha” através da farta produção iconográfica estampada nas páginas da Semana; faz menção, ainda, aos retratos dos principais comandantes, ali encontrados. Sobre estes e todos os demais retratos dos participantes que foram estampados, elaboramos o quadro 4 e sobre os mapas, plantas, diagramas, vistas e cenas da guerra, o quadro 5 – que se encontram no final do texto, logo após a conclusão. 379 E quanto aos mapas, vistas e demais diagramas enviados e publicados, vale ressaltar que este é outro aspecto a merecer um estudo acurado. 378 LIMA, 1963, p. 232. O quadro 4 intitula-se “Membros das forças armadas ou dos governos envolvidos na guerra contra o Paraguai, retratados na Semana Illustrada entre dez. 1864 e mar. 1870” e o quadro 5 intitula-se “Imagens dos eventos e outras imagens da guerra contra o Paraguai, estampadas na Semana Illustrada entre dez. 1864 e mar. 1870”. 379 273 Na medida do possível e dos interesses editoriais da publicação, a Semana também estampava as cópias litográficas dos originais fotográficos que chegavam à redação, ampliando assim o universo imagético à disposição do leitor – que passou a contar com o apoio dessa nova modalidade de relato visual do ‘teatro da guerra’. Originalmente obtidas através do uso de câmeras fotográficas, tais imagens constituíam, sem dúvida, uma completa novidade; e o hebdomadário de Fleiuss, contando com o potencial comunicativo das mesmas, ganhou ainda mais relevância quanto à função que já vinha começando a exercer – distinta daquela desempenhada pelos periódicos textuais – no tocante à construção de um imaginário do conflito. É fato que a simbologia criada naquele período para representar visualmente a nação, pouco deve à fotografia, estando primordialmente circunstrita no âmbito da alegoria, do cartum e da caricatura 380. Já citamos anteriormente alguns trabalhos acadêmicos de pós-graduação que abordam esta questão específica, mostrando-nos a relevância do papel desempenhado pelos jornais ilustrados na produção de imagens que visavam representar e disseminar a idéia da Nação, com destaque para a Semana Illustrada: as dissertações de Pedro Paulo Soares (2003) e Michelle Silva de Oliveira (2006) e a tese de Angela Telles (2007), que dedicou um capítulo à cobertura dos acontecimentos do Rio da Prata na Semana Illustrada. Ali, a autora afirma que “Fleiuss se mostrou um ator engajado no esforço de construção de uma identidade nacional. Durante a Guerra do Paraguai, o artista alemão levou ao paroxismo esse engajamento, propondo-se cobertura completa dos acontecimentos, inclusive formando uma equipe de fotógrafos.” 381 Nos cartuns que Angela Telles selecionou para demonstrar as negociações diplomáticas em torno da Missão Saraiva, que antecederam o início do conflito armado e foram estampados nos meses de julho e agosto de 1864, já era evidente o recurso de ‘encaixar’ os rostos dos personagens – copiados, com certo rigor, de retratos fotográficos – em corpos cuja representação era livre, humorada e às vezes, mesmo, caricatural. 382 Iniciavase, ali, o uso discreto da fotografia que logo à frente, fez-se declarado e tornou-se o grande diferencial, em relação a todas as outras formas de representação visual até então vigentes. Embora estas outras formas de representação (a alegoria, o cartum e a caricatura) ainda continuassem predominando no âmbito da imprensa ilustrada da corte, por um bom tempo 383, 380 A contribuição de Fleiuss neste sentido será lembrada no capítulo 7: Fleiuss, um brasileiro. TELLES, 2007, fl. 67. 382 Estamos nos referindo aos cartuns publicados na Semana Illustrada em 03 e 17 jul. e 21 ago. 1864. 383 Sobre o assunto, ver: ANDRADE, 2004. 381 274 este capítulo – que constitui-se no cerne do presente trabalho – pretende pôr em foco a presença da fotografia na cobertura da guerra contra o Paraguai, na Semana Illustrada. As fotografias que foram estampadas em suas páginas eram as cópias, às vezes denominadas ‘cópias fiéis’ dos originais fotográficos. Conforme já vimos anteriormente (em especial no subcapítulo 3.2), eram desenhadas à mão livre na matriz litográfica, uma vez que não havia ainda uma tecnologia economicamente viável para a ‘reprodução fotomecânica’ – que possibilitasse reproduzi-las fotograficamente, direto na pedra e imprimir tiragens maiores. O significado de uma cópia feita à mão livre, até o século 19, não era exatamente o de hoje. Naqueles tempos em que a era da ‘imagem técnica’ e da ‘reprodutibilidade técnica’ davam os seus primeiros passos entre nós 384, tais ‘cópias à mão’ de originais de qualquer espécie gozavam de ampla credibilidade documental, sendo bem aceitas e valorizadas. O desenvolvimento das habilidades para produzi-las fazia parte do aprendizado da arte acadêmica, sendo um importante atributo de alguns artistas. No campo da pintura, por exemplo, realizar boa cópia de um certo quadro, além de constituir-se em exercício importante e prova de competência e domínio do meio, abria a possibilidade de proporcionar a novos públicos a apreciação de uma obra original à qual não poderiam ter acesso em outras circunstâncias. 385 Adolfo Morales de Los Rios Filho menciona o exercício de ‘copiar estampas’ – bem próximo de copiar fotografias – ao comentar que “depois da vinda da Missão Artística Francesa, o ensino do desenho toma grande incremento entre nós. Pratica-se o desenho geométrico com grande perfeição, o projetivo começa a impor-se, o de figura natural vai relegando para o segundo plano o desenho copiado de estampa [grifo nosso] e o estudo das sombras próprias e projetadas vai empolgando os alunos e os amantes das artes.”386 As estampas a que se refere eram, em geral, as interpretações monocromáticas, no papel, das grandes obras, inclusive da pintura. A partir do advento da fotografia, foram progressivamente substituídas pelas reproduções fotográficas ou fotomecânicas das obras de arte originais. Mas se a estampa ia perdendo o seu lugar para a fotografia, enquanto meio preferencial para reproduzir e multiplicar as obras primas da pintura, inclusive para o ensino da arte, ela tornou-se o meio 384 Cf. as idéias contidas nos ensaios clássicos de Vilém FLUSSER (2002), com relação à imagem obtida pela câmera fotográfica, e de Walter BENJAMIN (1994), com relação às cópias litográficas e fotográficas de obras de arte. 385 Sobre a questão da cópia na pintura, ver p. ex. o artigo de BOPPRÉ, F. Quem copia também cria, in: Revista de História da Biblioteca Nacional, 2009. 386 In: O Rio de Janeiro Imperial, 2000, p. 432. 275 preferencial para reproduzir (em xilo ou litografia) e multiplicar as fotografias, no âmbito da imprensa ilustrada – uma situação que persistiu até as últimas décadas do século dezenove. O desenho ‘de figura natural’ a que se refere Morales de Los Rios Filho tinha lá os seus segredos, também, como nos demonstrou David Hockney em polêmico estudo, ‘O conhecimento secreto’ 387, onde revela as suas investigações no sentido de “redescobrir as técnicas perdidas dos grandes mestres” que teriam lançado mão de lentes, espelhos e outros aparatos ópticos durante o seu processo criativo, na ânsia de conseguir retratar fielmente o que viam. Essas conexões entre arte e óptica vinham se desenvolvendo desde o século 15, e teriam sido apropriadas por numerosos artistas. Depois daquele estudo, tornaram-se recorrentes as exposições a nos revelarem as estratégias de pintores e ilustradores que basearam-se em fotografias, para a elaboração de suas imagens. Uma exposição realizada em 2002 no Metropolitan Museum (Nova Iorque) sobre a obra de Thomas Eakins, outra realizada no Palácio de Belas Artes de Bruxelas 388 em 2004, sobre a origem das interseções entre pintura e fotografia no cenário europeu do século 19 e ainda outra recente no Brooklyn Museum (2011), sobre o emprego da fotografia na obra do ilustrador Norman Rockwell, são exemplos do quanto temos evoluído no sentido de melhor compreender e aquilatar a presença da fotografia na obra pictórica e gráfica de incontáveis artistas. Ressalte-se, ainda, que a presença do desenho no âmbito da narrativa jornalística é constante até os nossos dias, por ser ainda o único meio de expressão visual de fatos relevantes que envolvem ação, sequência de fatos, e que não tenham sido fotografados ou filmados (p. ex. desastres, atentados, etc.). No caso específico de Fleiuss, já sabemos que o seu Instituto possuía instalações para a prática fotográfica, visando inclusive “maior exatidão da litografia.” Ou seja, a fotografia era um recurso, uma ferramenta a mais, no processo de criação e produção das estampas. Mas como as tecnologias de reprodução fotomecânica ainda não estavam satisfatoriamente desenvolvidas, cabia à cópia à mão livre, essencialmente, cumprir tal função. A credibilidade 387 HOCKNEY, 2001. As idéias do autor foram duramente questionadas por alguns historiadores da arte desde a época do lançamente deste livro. Para se ter uma idéia da contra-argumentação, ver p. ex. o artigo Óptica e realismo na arte renascentista de David G. Stork. In: Scientific American Brasil, n. 32, jan. 2005, pp. 42-49. 388 Sobre o desenho ‘de figura natural’ e a fotografia, ver esp.: Dominique Planchon-de-Font-Réaulx, La photographie comme modèle: “les études d’après nature” (pp. 58-75) e Alain d’Hooghe, Peintres et photographes, peintres-photographes: la voie ouverte par Delacroix (pp. 76-89) in: Autour du symbolisme: photographie et peinture au XIXe siècle. Alain d’Hooghe (dir.). Bruxelas : Bozar Books : Fonds Mercator, 2004. 276 de quem as produzia e do veículo que as disseminava, diríamos, era o que contava – nada muito diferente do que ocorre na atualidade do fotojornalismo digital. 389 Observa-se, na Semana Illustrada, a ausência de créditos de autoria no caso específico das fotografias – assim como ocorria na imprensa européia, p. ex. Embora o editor declare estar copiando-as e muitas vezes mencione inclusive o remetente, os fotógrafos autores do original são sistematicamente omitidos. Sobre esta questão, o autor argentino Ernesto Domenech, logo na abertura do capítulo dedicado às ‘Vicissitudes da fotografia como documento’ de seu ensaio acerca da fotografia judiciária, observa: Curiosamente, la fotografia nació como una suerte de testimonio insobornable. Un testimonio sin testigo. Y uno de sus primeros nombres se refiere a esta paradoja. Se la llamó ‘el lápiz de la naturaleza’. 390 Un instrumento de dibujo o de escritura, como los documentos, en virtud del cual la naturaleza se escribía. O dibujava, sin mediación alguna. Uma suerte de autobiografía posible de la naturaleza em tiempos em que las ciencias naturales y positivas eran el modelo de la Ciencia, y nadie dudaba de su veracidad objetiva, que discutirán epistemologías mucho más tardías. Y en virtud de esta metáfora el fotógrafo no pareció uma persona relevante, ni necesaria siquiera. Se volvió transparente, invisible. La fotografía se entrevió como mera reproducción reproducible, bien distinta de la subjetividad expressiva del arte.[...] 391 Mas é natural que uma certa subjetividade e alguns dados tecnológicos se evidenciassem, de algum modo, em muitas das fotografias; e somados à subjetividade inerente à própria seleção das imagens a serem estampadas e mais ainda, à subjetividade do litógrafo que as reinterpretava na pedra, é que se alcançava o resultado expresso nas cópias estampadas na Semana Illustrada. Ao examiná-las, ao longo do capítulo que aqui se inicia, poderemos observar que foram utilizadas diferentes estratégias, quando do aproveitamento dos originais fotográficos que chegavam à redação. Passemos, então, ao seu exame, não sem antes observar que a parte inicial desta narrativa contém longas transcrições, diversas reproduções de cartuns e algumas imagens das imprensa estrangeira – tudo com o intuito de melhor descrever o contexto onde o emprego da fotografia se desenvolveria, progressivamente, na Semana Illustrada. 389 Sobre este assunto, ver p. ex. o capítulo Intention and artifice, em: MITCHELL, 2001, pp. 22-57. No presente trabalho, uma discussão sobre a credibilidade da cópia e do copista é apresentada no capítulo 6. 390 O autor está fazendo menção à obra The Pencil of Nature, de Fox Talbot, o inventor do negativo fotográfico. 391 DOMENECH, 2003, pp. 97-98. 277 5.1 O Brasil vai à guerra; a fotografia, também 5.1.1 Antecedentes e primeiros meses do conflito (jun. 1864 - abr. 1865) Si vis pacem, para bellum. Tucídides 392 López, ruim vilão, Átila caricato do Paraguai, és indigno da república, onde a flor da sociedade te repele e te execra! Tresloucado ambicioso, que sonhaste a irrisória dominação do Prata, cavaste teu próprio abismo; faze a oração dos moribundos que teus dias são breves. Brasileiros! Ao Paraguai!... Corramos sobre este povo que teve a audácia de insultar-nos! Semana Illustrada, 25 dez. 1864. Os acontecimentos do último trimestre do ano de 1864 em torno do estuário do rio da Prata marcaram o início do longo conflito armado que ficou conhecido por três nomes: Guerra do Paraguai, Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra Grande, envolvendo o Brasil, o Uruguai e a Argentina por um lado e o Paraguai, pelo outro. Como consequência de uma decisão tomada em setembro, as forças brasileiras entraram no Uruguai em 12 de outubro. Este ato do governo brasileiro foi considerado como inaceitável por Solano López, presidente do Paraguai, que tomou a decisão de retaliar em 12 de novembro, ordenando a apreensão da embarcação brasileira Marquês de Olinda logo após a sua passagem por Assunção, em viagem que levava o novo presidente da província de Mato Grosso, o coronel Frederico Carneiro de Campos. As tensões acirraram-se. No dia 2 de dezembro de 1864, deu-se o cerco e tomada de Paissandú, no Uruguai, pelas forças brasileiras. Logo em seguida, deu-se o ataque e ocupação, pelas forças paraguaias (28 dez. 1864), do forte de Coimbra em Mato Grosso e na sequencia (02 jan. 1865) a ocupação das colônias militares de Miranda e Dourados e da vila de Nioaque, também em Mato Grosso. A guerra começara. Mas iniciaremos a nosso exame da Semana Illustrada um pouco antes – pelo número 188 de 17 de julho de 1864, com o intuito de expor com clareza a posição do hebdomadário desde o início do acirramento das tensões, no período que antecede o emprego da fotografia na imprensa local. A página 2 do fascículo trazia uma ‘carta particular’, como o editor a denominou, transcrita sob o título Exterior. Notícias importantes. Naqueles dias, o Uruguai 392 “Se queres a paz, prepara a guerra”, frase atribuída ao historiador grego Tulcídides (ca. 465-395 a.C.), autor da História da Guerra do Peloponeso, conflito armado entre Atenas e Esparta, ocorrido entre 431 e 404 a.C. 278 continuava sob uma guerra civil, e os pecuaristas gaúchos em atividade no país vinham sofrendo hostilidades de toda sorte, segundo denúncias chegadas à sede da corte. A mando do governo imperial, o conselheiro José Antonio Saraiva seguiu para Montevidéu, junto a uma esquadra comandada pelo visconde de Tamandaré, com o objetivo de negociar as devidas reparações. Neste processo envolveram-se, ainda, Rufino de Elizalde pela Argentina e Edward Thornton, que representava o império britânico. A primeira reunião do grupo ocorreu em 6 de junho, buscando a conciliação e o fim da guerra civil no estado oriental. O texto da ‘carta particular’ é farto de ironias quando se refere ao blanco Atanásio Cruz Aguirre, que já era o presidente do Senado uruguaio e havia assumido a presidência do Executivo em março daquele ano, quando terminou o mandato de seu companheiro de partido Bernardo Berro – já que a realização de novas eleições seria impraticável naquele momento, devido à guerra civil em curso, onde os oponentes eram liderados pelo general Venâncio Flores, do partido colorado, apoiado em suas reivindicações pelo presidente da Argentina Bartolomé Mitre. Aguirre exigia a desmobilização das forças coloradas como condição para assinar um acordo de paz. Passemos à carta: Montevidéu, 6 de julho de 1864. Não faz idéia do fervet opus, que vai por esta republica. Ninguém se entende e é isso uma felicidade porque, do contrário, estavam ou todos blancos ou todos niegros. O presidente Aguirre, que é macaco velho, e que tanto bem nos quer, como oriental que é, tem pintado a manta nas grandes e importantes questões internacionais. Infelizmente, para esse rei de coeurs, todos o conhecem e sabem até que ponto é ele capaz de se deixar bigodear pelos célebres mediadores da paz, que não passam de engenheiros muito comuns, incapazes de fazer da República Oriental uma república modelo para o ex-imperio de Faustino I. O cabo de esquadra Flores não é lá um diabo tão mal como se diz por este mundo de Cristo. Sabe seu bocado de francês, atira em bodoque, assina o seu nome e fuma o seu cigarro de palha. Mas que formidável gaiato! [...] Quer por força casar, sine qua non, com uma filha de Aguirre, ao que este não anui, porque nunca teve filhas. O Sr. conselheiro Saraiva, cavalheiro distinto como é, já conhece seu pocachito de espanhol, está aprendendo a atirar de bola e brevemente te-loemos vencendo o cabeçudo Aguirre, e fazendo da república montevideana um estado igual ao até hoje existente. Isto nada depõe contra as boas intenções que tem. Quando irá ele para o Rio de Janeiro? [...] Tem havido bailes e jantares, com serviço à francesa, à inglesa e à turca. Pouco se come, porque não se fiam uns nos outros. A questão diplomática está em bom pé – o que quer dizer, que está no mesmo estado. O general Moreno está tão trigueiro, que ninguém mais o conhece. Flores desfolhou e começa a dar semente. (Carta particular). 393 393 Semana Illustrada, 17 jul. 1864, p. 1498. 279 A situação na região do Prata era mesmo tensa. Os uruguaios ligados a Aguirre tentavam envolver o Paraguai na questão, alegando que depois de Brasil e Argentina tomarem e dividirem o Uruguai entre si, atacariam o Paraguai com o mesmo objetivo. Em fevereiro daquele ano Mitre havia assegurado ao presidente paraguaio Francisco Solano López a neutralidade argentina perante as questões internas do Uruguai – mas deixando em aberto a possibilidade de mudar de atitude. As negociações diplomáticas não evoluíam satisfatoriamente. No editorial (Novidades da semana) de 31 de julho de 1864, temos um relato, bem ao estilo que marcaria o discurso do editor da Semana Illustrada por todo o conflito, no qual ele sintetiza o contexto, vaticina a guerra e expõe a sua proposta de acordo – na verdade, uma provocação aos uruguaios: Lá se foi tudo quanto Marta fiou! A negociação da paz do Estado oriental deu em droga. E depois de tantos esforços em bem da pacificação geral, vamos ter talvez uma guerra também geral. Dois gênios iguais não fazem liga, tal é o título e o conceito de uma comédia antiga que hoje não se representa mais nos nossos teatros, mas que acha frequente representação no teatro social, aonde se exibe a eterna comédia humana. Mister Thornton, na sua qualidade de inglês, queria a paz. El señor Elizalde também queria a paz. El supremo gobierno do Estado oriental também a queria. El señor Flores ardentemente a desejava. E o Sr. Saraiva, nem falemos, o seu amor à paz era conhecido e honra lhe seja feita, foi bem demonstrado. Parece que só a província do Rio Grande não queria a paz. E Deus sabe se ela tem razão. Porque a paz do Estado Oriental para os Rio Grandenses quer dizer, o roubo e o assassinato permanente. Ora quando em guerra, há pelo menos garantia para os campônios postos à sombra das armas brasileiras. Como quer que seja los arreglos se rompieron e eis que quando se esperava a notícia da pacificação aí nos chega a Parnahyba, trazendo a notícia do atorto [sic] anglo-argentino-brasileiro e da retirada ameaçadora da missão especial para Buenos Aires. Parecerá estranho que o Dr. Semana meta-se nestas funduras diplomáticas. Mas uma vez que se mete, força é que ele dê a sua opinião e que ao contrário de muita gente se habilite por essa forma a ser encarregado de uma missão especial. A questão brasílico-oriental é sem tirar nem por a questão dano-alemã, que atualmente ameaça o mundo com uma guerra européia. Há na banda oriental assim maldita, um Schleswig, que é oriental e um Schleswig que é brasileiro. 394 Não há felizmente pretendentes avulsos ao retalho, nem direitos dinásticos vendidos, nem soberania feudal herdada. 394 O Schleswig era um ducado autônomo sob a tutela do rei da Dinamarca até aquele mesmo ano de 1864, quando a Prússia e a Áustria o conquistaram na guerra dos Ducados ou Dano-Prussiana, e o dividiram entre si. 280 A quetão é mais simples e como é natural resolve-se naturalmente pelo glorioso princípio anglo-napoleônico da consulta ao sufrágio das populações. Abram-se em plena campanha oriental as urnas salvadoras. Quem for dinamarquês fique dinamarquês; quem for alemão fique alemão. E mais feliz do que a diplomacia européia, não precisa a diplomacia americana de traçar linha imaginária de divisão entre os dois estados definitivos. Foi para livrar-nos dessa dificuldade que a natureza, a ação do tempo, a população, a propriedade brasileira e os mais altos interesses da política internacional do império ao sul do nosso continente aí estão apontando o rio Negro, 395 como a divisa lógica, natural e necessária entre os ducados que não podem, não querem, nem devem consistir unidos. E que tal? Não tem o Dr. Semana a sua política definida e clara como qualquer estadista? Diante das contínuas dificuldades, Saraiva deu um ultimato ao governo uruguaio em 4 de agosto: ou aceitava as exigências impostas pelo governo brasileiro – cujo objetivo era assegurar os direitos dos fazendeiros gaúchos que possuíam terras no Uruguai – ou então haveria uma intervenção militar. Brasil e Argentina faziam entendimentos acerca dos próximos movimentos em relação ao vizinho comum, comprometendo-se a respeitar a sua integridade territorial e independência. Fig. 141 – “A Providência mostrando como as SARAIVAS devem desempenhar a sua missão especial.” Fleiuss faz menção à Missão Saraiva enquanto apresenta um aspecto das pancadas tropicais que tantos prejuízos deram aos fotógrafos, cujos estúdios contavam com ampla vidraçaria. Este fato, que além de causar enchentes repentinas, ‘fazia a felicidade dos vidraceiros’, foi assunto de diversos cartuns na imprensa ilustrada carioca. Semana Illustrada, 30 out. 1864, p. 1624. DiORa-FBN 395 O rio Negro é o maior afluente do rio Uruguai. Nasce no Brasil, próximo à cidade de Bagé e atravessa pelo meio o território uruguaio. 281 Ao final de agosto, o presidente uruguaio Aguirre rompeu as relações diplomáticas com o Brasil. Os paraguaios também protestaram contra o governo imperial, como era de se esperar. No início de setembro, como já mencionamos, o governo imperial decidiu-se pela ocupação das vilas de Salto e Paissandú e pelo apoio ao colorado Venâncio Flores e em 12 de outubro, as tropas brasileiras invadiram o Uruguai. Em 12 de novembro, deu-se a apreensão do vapor Marquês de Olinda. Estavam rompidas as relações entre o Brasil e o Paraguai. Fig. 142 – “Dr. Semana. – Adeus, Exm., desejo-lhe próspera viagem, e meu moleque o vai acompanhar, até a entrada do Mato, para dar-me notícia de sua chegada a salvamento. Moleque. – Não há de acontecer nada, nhonhô, porque aqui levo com que defender o Carneiro dos lobos.” Como que antevendo os acontecimentos dessa desventurada viagem, o Dr. Semana e o Moleque despedem-se, a bordo do vapor Marquês de Olinda, do coronel (cujo rosto, presume-se, foi copiado de um retrato fotográfico) Frederico Carneiro de Campos, o presidente indicado da província de Mato Grosso, que pouco depois se tornaria prisioneiro de Solano López. Semana Illustrada, 6 nov. 1864, p. 1625. DiORa-FBN 282 O número 209 de 11 de dezembro de 1864 marcou a entrada da Semana Illustrada em seu quinto ano – uma data que foi lembrada pelo editor: “durante os quatro anos que acabam de findar, sabe o público que esforços empregaram os editores para tornar a Semana digna da ilustração da capital brasileira.” [grifo nosso] “Os aplausos espontâneos e conscienciosos, dão aos editores a crença de que hão cumprido o seu dever. Já agora não é possível desmaiar: o dever será cumprido até o fim.” O editorial recapitulava tudo que havia sido distribuído aos assinantes, naquele ano findo: “1º) Almanaque Illustrado, contendo 64 páginas de texto humorístico e muitas gravuras; 2º) Os voluntários da morte, poesia do Sr. Pedro Luiz, obra de luxo, com uma litografia impressa em 3 tintas; 3º) 20 suplementos.” Os planos para o próximo ano também começavam a se delinear, ali: “Os editores contando aumentar o número dos seus assinantes, preparam-se para publicar ilustrações mensais de todos os acontecimentos mais notáveis da Europa, a fim de que os assinantes possam ter no fim do ano uma revista das grandes novidades do passado.” Em seguida, vinham os versos assinados pelo Dr. Semana, intitulados ‘O 5º ano’: Ilustríssimos senhores assinantes, Aqui ’stou, sempre pronto, como dantes A prestar-vos socorro: se a tristeza Pretender alterar a natureza Alegre, jovial, que vos foi dada; Permiti que a Semana publicada Seja ainda ao domingo: importa em pouco O preço que vos custa, não ’stou louco.... Dez moedas de cinco, em prata ou cobre, Que a ninguém, assim creio, fará pobre, Apesar de quebrarem tantas casas Pela chuva de pedras e de vasas Dez moedas de cinco por trimestre Não é muito, mais caro é um semestre, Se não for assinado de uma vez. Aqui ’stou, meus senhores; cada mês Procurarei mostrar quanto vos quero E quanta proteção de vós espero. A capa do número 211 de 25 de dezembro de 1864 trazia o cartum intitulado Cães com diferentes coleiras – referindo-se aos paraguaios – acompanhado de um diálogo entre o Dr. Semana e o Moleque, que alega que “eles ladram mas não mordem”, ao que o primeiro responde: “É mesmo para que não mordam que convém dar-lhes uma esfrega mestra. Avante Brasil! Debandemos essa matilha de modo que percam a vontade de incomodar-nos.” Naquele fascículo – o último do ano de 1864 – havia a menção, pela primeira vez, à apreensão do 283 Marquês de Olinda. A presença do índio que representava a nação brasileira, empunhando a bandeira do Império ao lado das tropas, do Dr. Semana e do Moleque, marcava o tom do periódico e da cobertura que ali tinha início. Fig. 143 – O Dr. Semana à frente das tropas que avançam, tendo atrás de si o Moleque e a seu lado o índio – uma representação da nação brasileira que foi recorrente, nas páginas desenhadas por Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 25 dez. 1864, p. 1681. DiORa-FBN No primeiro texto da segunda página daquele fascículo o editor retificava, de certo modo, o plano apresentado duas semanas antes; ele agora expunha, com clareza, a proposta da Semana Illustrada para a sua reportagem visual do conflito que tivera início: Guerra do Rio da Prata Aos nossos assinantes Os editores da Semana Ilustrada têm a honra de participar aos seus respeitáveis assinantes que, em presença do conflito travado entre o Império e a República Oriental, determinaram acrescentar o número de suplementos da Semana. [grifo nosso] Os acontecimentos que se passam agora no Rio da Prata são de máxima importancia para a glória nacional. Já as armas brasilleiras vão triunfando das pandilhas orientais. Cada dia, cada refrega é uma lauda de glória para o nome do Brasil. A Semana dará, portanto, nas ocasiões próprias, grandes 284 suplementos ilustrados, com a descrição dos combates travados no Rio da Prata. [grifo nosso] Assim, foi o editorial desse número 211 de 25 de dezembro de 1864 – mesmo mês que marcou o início do conflito, com o cerco e a tomada de Paissandú – que delineou a estratégia do semanário, prometendo ilustrações que descreveriam os combates travados. O texto segue: O primeiro desta série será o ataque de Paissandú. Os editores garantem a fidelidade dos seus desenhos porquanto, – no intuito de fazer uma obra digna e séria, incumbirão amigos seus, oficiais de marinha e do exército brasileiro, de lhes mandarem esboços minuciosos de todas as ações. [grifo nosso] A mensagem deixava claro, também, quem seriam as ‘fontes’ do jornal, a produzirem “esboços minuciosos”: alguns oficiais da marinha e do exército – e todos amigos! Continuando: Deste modo, mantida a regularidade da publicação e garantida a fidelidade dos desenhos, os assinantes da Semana poderem [sic] ter uma coleção completa, que será, por assim dizer, a história ilustrada da guerra do Rio da Prata. [grifo nosso] ‘A história ilustrada da guerra do Rio da Prata’ era um projeto que se encaixava ‘como uma luva’ na proposta que vinha sendo capitaneada pelo IHGB, desde a sua criação, no sentido de escrever a história de um Brasil em formação. 396 Como veremos no trecho final da mensagem, a seguir, o engajamento editorial era explicitamente assumido: Os editores julgam cumprir assim dois deveres: prestar aos acontecimentos atuais a atenção a que eles têm direito, e ir ao encontro do desejo e do interesse patriótico dos leitores da Semana. 397 [grifo nosso] Ou seja, o editor Henrique Fleiuss estava comprometido com o “desejo e [...] interesse patriótico dos leitores da Semana” e, por extensão, com os interesses do Império brasileiro, que tomara a decisão de partir para o enfrentamento contra o Paraguai. Imbuído de um forte espírito patriótico, aquele mesmo que teria levado o governo brasileiro a cerrar fileiras para lutar ao sul do país, como mostrava a imagem da capa, ele passou a publicar editoriais e 396 397 Sobre este assunto, ver: VALE, 2003; GUIMARÃES, Manoel, 1998; Semana Illustrada, 25 dez. 1864, p. 1682. 285 notícias na Semana Illustrada que incitavam à luta e clamavam pelo apoio de todos os brasileiros. O texto transcrito abaixo é o que se segue ao comunicado sobre o qual acabamos de discorrer: Ao patriotismo e dedicação dos Brasileiros. Cidadãos! Sanhudo barbarismo açula-se contra nós lá das plagas ao sul do Império! Um fato inaudito da mais feroz SELVAGERIA [grifo nosso] acaba de ser praticado contra a integridade do Brasil! Infame, covarde e traiçoeiramente a nossa bandeira é insultada [grifo nosso] pelo bárbaro e despótico governo do Paraguai, governo indigno de reger os destinos de algum povo neste século onde impera só a luz da razão cultivada. [grifo nosso] [...] “ – Vingar a injúria! Erguer as espadas e azar incontinente os golpes sobre aquela nação indigna de ter um nome, por ínfimo que seja, no rol dos Povos civilizados.” [grifo nosso] López, vil tiranete, digno filho do selvagem e estúpido López 1º, continuador da política do embrutecimento e da ignorância deste tirano de execranda memória, assim como este o fora do feroz Francia, ousou lançar seus botes traiçoeiros sobre a Nação Brasileira [grifo nosso], como o salteador que à beira da estrada, acoberto pelas sombras da noite, arremete a falsa fé contra o viandante descuidado e inerme! [grifo nosso] Calcados aos pés tratados solenes, o vapor Marquês de Olinda, da linha comercial do Alto Paraguai, navio desarmado, que confiado na paz, sulcava tranqüilo as águas do rio Paraguai, transportando a seu bordo o presidente nomeado para a Província de Mato Grosso, vários oficiais do exército e marinha nacional e mais passageiros particulares, é detido em sua marcha, navio e carga considerados boas presas, e os passageiros declarados prisioneiros! Que castigo tremendo punirá tão grande ousadia, própria dos antigos Argelinos, ou... do Paraguai?! Lavar nossa bandeira ofendida no sangue desses salteadores que imprudentes se atreveram a provocar o Gigante Sul Americano, que firme e sereno vai trilhando a senda do progresso? Não; que o sangue desses salteadores mancha e polui, mais do que lava. Que lave o solo vil do Paraguai o ainda mais vil sangue paraguaio!.... Não haja piedade nem clemência para esse povo (*) 398, que desconhece os mais triviais princípios do direito internacional, as fórmulas da diplomacia e a fé dos tratados; que nos late à porta quando lhe passamos por casa, quando não nos MORDE se nos colhe descuidados, como acaba de fazê-lo! Como o Paraguai, um povo que assim procede (não merece outro epíteto) é – cão (!!), que cumpre esmagar aos pés! López, ruim vilão, Átila caricato do Paraguai, és indigno da república, onde a flor da sociedade te repele e te execra! Tresloucado ambicioso, que sonhaste a irrisória dominação do Prata, cavaste teu próprio abismo; faze a oração dos moribundos que teus dias são breves. Brasileiros! Ao Paraguai!.... Corramos sobre este povo que teve a audácia de insultar-nos! Briosa Guarda Nacional do Império! A hora do perigo soou, cumpre 398 (*) Como é de justiça, faz-se exceção da flor da sociedade paraguaia, que de há muito tempo deseja a intervenção política do Brasil na República, que a livre da detestável dominação da família López. 286 tomar as armas que a pátria vos confia para os momentos supremos! Bravos do Exército! Que orgulho nos estremece ao conhecermos do brilhante feito d’armas de nossos irmãos no ataque do Paissandú! O que eles fizeram, vós o fareis! Mostre o Brasil às nações civilizadas do velho e novo Mundo que nossas armas a luzirem na República do Paraguai significam – “punir o ultraje e o roubo que López acaba de decretar, e, vencida a tirania, acender o facho da civilização nesse desgraçado país, que há tantos anos jaz mergulhado nas trevas da mais profunda ignorância e do vício!” Desfraldemos o pendão Auri-verde sobre as soteias d’Assunção, e teremos feito mais um serviço à civilização e ao progresso do século XIX! Eia sus, Brasileiros, avante! [...] Deus e a Justiça são por nós, nossos esforços serão coroados. 399 Como vemos, o Paraguai era apresentado como uma nação em grande parte incivilizada e associada aos ferozes cães selvagens, onde a ‘flor da sociedade’ clamava para que o Gigante Sul Americano aplicasse um corretivo no déspota que estava à sua frente, mesmo que à custa de muito sangue derramado, para trazê-la à luz da razão cultivada pelos povos civilizados do século dezenove. Fleiuss provavelmente sabia que a elite paraguaia considerava este o caminho mais curto para livrar-se do governo opressivo de Solano López. Passada a virada do ano, eis o que trouxe a Semana Illustrada aos seus leitores, no editorial do primeiro dia de 1865, na seção Novidades da Semana: As pequenas novidades, em frente das grandes, representam de peixe miúdo em presença de tubarões; com meia dúzia de sorvos destes déspotas dos mares, os indivíduos daquela grei indefesa, em um abrir e fechar de olhos, desaparecem devorados ou foragidos. É o quadro singelo mas verdadeiro da semana finda, é o símile do que tem acontecido há dias e tem de acontecer ainda por algum tempo. As magnas questões do Prata e do Paraguai, tratadas pelo fogo e pelo ferro frio, absorvem tanto a pública atenção, que não a deixam nem por momentos desprender-se daquelas paragens. E há carradas de razão neste excepcional estado de coisas. Até o Dr. Semana, que tem mais de Demócrito que de Heráclito, através dos vidros de sua lanterna, transformada em óculo de alcance, [grifo nosso] não vê senão rafeiros colorados e perros paraguaios em proximidade de entregarem o gasnete ao cutelo de justa e estrepitosa vingança. Felizmente o espírito público, que parecia estar dormindo o sono solto entre os lençóis da tranqüilidade geral, desperta como leão agredido de surpresa. Traduzindo-se em manifestações de entusiasmo e de legítimo patriotismo, promete ampla colheita de glória nos campos das inimigas hostes. Os bravos, que partiram para o teatro da guerra, foram saudados fervorosamente, vitoriados pelo povo, que neles vê a principal garantia dos brios nacionais prestes a desafrontarem-se. [...] 399 Semana Illustrada, 25 dez. 1864, pp. 1682-83. 287 Fig. 144 – “O Embarque dos soldados para o sul. O adeus do Dr. Semana. – Adeus, bravos soldados! Parti galhardamente e voltai coroados de glória!” Esta imagem, estampada na capa, referia-se ao “grave e solene espetáculo [...] que teve lugar no dia 26 do corrente [sic] no arsenal de guerra desta corte”, com a presença do imperador. Semana Illustrada, 01 jan. 1865, p. 1689. DiORa-FBN Para o governo, eram evidentes as dificuldades no recrutamento dos membros necessários para complementar o Exército. Naquele momento, já estavam sendo discutidas as medidas que foram tomadas logo em seguida, visando a convocação de guardas nacionais e de voluntários. Mas aquela primeira mensagem do ano era longa, e vale aqui transcrever mais alguns trechos: Ao reclamo da pátria, à animação do soldado não é indiferente o monarca brasileiro. Provado em ações de patriotismo, magnânimo em tudo, zelador estrênuo da honra nacional, S. M. o Imperador abraça os bravos da pátria, ateandolhes com o apertado amplexo o fogo, que lhes aquece os corações de brasileiros. Espetáculo grandioso! Quadro solene de grandeza d’alma! [...] Honra aos soldados! Glória ao Imperador! [...] Quando os canhões e os fuzis acabarem de convencer os ingratos e relapsos degoladores do Uruguai, que não se ofende impunemente a dignidade do Brasil, quando em todos os mastros daquela tribo de selvagens tremular galhardo e triunfante o pendão auri-verde, não deve ainda soar a hora do repouso. O exército e armada não sabem o que é descanso quando o brio, o seu pundonor nunca desmentido, chama a novos labores, a novos combates, a nova colheita de louros. Ao Paraguai, a esse ninho de feras, que a natureza envergonhada de as haver criado, escondeu em lugares inóspitos, ali é que o brioso exército e a gloriosa marinha têm de tomar estreitas contas ao déspota sanhudo, anacronismo vivo no século atual, tão pouco disposto a ver ressurreições de Átilas e Gengis Cães. Ali silvem as balas, estourem as granadas, serpenteiem os congreves, estale a fuzilaria até que a cabilda de López, digna matilha de tão digno 288 caçador de vapores indefesos, fique para todo o sempre curada da febre de burlesca supremacia, que deseja exercer e reduzida por muito a um montão de ruínas, por tanto tempo quanto for preciso para que reconheça a perversidade, a má fé, a traição, a selvageria com que se tem havido nas suas relações com o Brasil. Aniquilado o Paraguai, dada esta indispensável lição, voltem os bravos, carregados de louros, à paz dos penates, às ovações do país, ao galardão do Estado, ao público entusiasmo, dívidas de honra que hão de cobrar a mãos cheias. Delenda Paraguai,400 vai ser mais uma legenda do DR. SEMANA 401 A razão para reproduzirmos aqui tão longas transcrições é uma só: deixar claro, para o leitor do presente trabalho, o quanto Henrique Fleiuss era capaz de inflamar sua audiência, com palavras duras e até mesmo sanguinárias. Sua expressão verbal deixava antever uma cobertura visual carregada de imagens fortes, chocantes. Mas não foi exatamente isto o que ocorreu, como veremos. As descrições carregadas de adjetivos contra nossos inimigos não estavam presentes apenas nas páginas de alguns jornais comerciais; a leitura do Diário Oficial do Império do Brasil da mesma data, 1º de janeiro de 1865 (pp. 2-3), revela-nos um relato no mesmo tom, ao tratar da nação paraguaia: As relações políticas do Império com as repúblicas Oriental do Uruguai e do Paraguai estão presentemente assaz perturbadas. Fomos arrastrados a uma guerra em que agora nos vemos empenhados com o primeiro daqueles Estados, e acontecimentos de data mui recente compelem o país a igual propósito com a República do Paraguai. Fomos envolvidos nessas duas lutas por amor da honra e dignidade nacional, imprudente e profundamente ultrajadas nas pessoas e propriedades dos nossos compatriotas. A politica eminentemente amigável do governo brasileiro, sabem-nos todos, há recorrido aos meios honrosamente possíveis [...]. Hoje, porém, que os fatos aconselharam uma luta decisiva, em oposição às nossas intenções, cumpria ao governo fazer reparar esses repetidos agravos, esses atentados cruéis, esses insultos veementes à nossa nacionalidade e especialmente no Uruguai aos nossos compatriotas aí residentes e estabelecidos. Foi assim que urgiu a missão – Saraiva – incumbida de uma solução [...]. O Brasil se ergue como um só homem para a sustentação da causa em que estavam comprometidos os seus brios de nação ofendida, e não trepidará diante de sacrifício algum. [...] A detenção do vapor Marquês de Olinda é um fato que denuncia o estado de barbarismo da republica do Paraguai. 400 A expressão Delenda Paraguai! foi empregada numerosas vezes ao longo da cobertura na Semana Illustrada. Sua origem está na sentença latina Delenda Carthago! (= Cartago deve ser destruída), utilizada por M. Pórcio Catão (234-149 a.C.) para encerrar suas intervenções no Senado Romano, à época das Guerras Púnicas, que opuseram Roma a Cartago, cidade africana e capital de uma república marítma muito poderosa. Segundo FERREIRA (p. 531), “diz-se para insistir na conveniência de se tomarem medidas drásticas”. 401 Semana Illustrada, 01 jan. 1865, p. 1690. 289 Foi um rasgo de pirataria, que faria pejo às hordas selvagens da Patagônia. [grifo nosso] Entretanto, o país todo está senhor do successo; e o que fazer o governo Imperial, nessas circumstancias, quando somos provocados a uma categórica represália?!... Respondamos com o único pensamento que domina hoje a nação Brasileira e falemos em nome do orgulho nacional. – Às armas. Sim, ás armas porque os filhos da terra de Santa Cruz, desde o primeiro cidadão do país, cansaram de viver em paciente longanimidade, e hoje seria ridículo se resistisse o Império a essa afronta atroz, sem um desforço pronto, cabal e edificador. Quizeram a guerra, te-la-ão; e o futuro demonstrará ainda mais uma vez aos povos civilizados [...]. – Surja o ano de 1865, e com ele venham, da Providência, o verdadeiro progresso e felicidade nacional, e a continuação da acrisolada adesão dos Brasileiros ao Trono e às Augustas pessoas de Suas Magestades Imperiais e de sua Augusta Família. Fig. 145 – “O Jornal do Commercio dá a seguinte notícia: No dia 15 pela manhã concordou o general Flores com o nosso almirante para deixar entrar na praça uma comissão que tinha vindo da capital, composta do vigário apostólico, o vigário de S. Francisco, Martin Perez, mais dois padres, quatro irmãs de caridade e o presidente da junta de higiene pública, o Dr. Vich. Esta comissão protestou que só a conduzia o nobre fim de curar enfermos e dar os socorros espirituais aos moribundos. O general Flores, que bem conhece a sua gente, desconfiava de algo: mas o barão o tranquilizava. Marchava, pois, a procissão, quando no último posto avançado foram a bagagem e caixa de instrumentos examinadas pelo desconfiado oficial, que aí velava. Que descoberta! O Dr. Vich era um carteirode correio disfarçado em médico; além de vários e importantes ofícios que foram apreendidos, trazia mais de 50 cartas ardentes, apaixonadas, que exaltavam o valor de Leandro Gómez pela sua heróica defesa, e o comparavam aos mais denodados homens da antiguidade. Como se isto não fora bastante para desacreditar a comissão, reconhece-se que um moço imberbe, que acompanhava o Dr. Vich como seu assistente, era uma grisette francesa vestida de homem, com quem ele anda publicamente em Montevidéu.” Semana Illustrada, 15 jan. 1865, p. 1716. DiORa-FBN 290 A imagem da página anterior, surgida no fascículo do dia 15, apresentava mais uma das estratégias que Henrique Fleiuss adotaria, ao longo de sua cobertura da guerra: aproveitandose de uma notícia publicada durante a semana finda, nos principais jornais diários da corte, ele produzia uma ilustração com o objetivo de relatar, visualmente, o tal fato. A notícia era recapitulada na legenda, enquanto a imagem buscava exprimir toda a ação do ocorrido, ressaltando o ‘momento-chave’ do fato jornalístico. Em 22 de janeiro (n. 215), a seção de anúncios da Semana Illustrada (p. 1723) trazia um apelo: “Galeria dos homens célebres da Campanha do Sul. Os editores pretendendo publicar uma galeria dos homens célebres da atual campanha do sul, rogam a todas as pessoas que possuírem os retratos de alguns dos bravos que ali se distinguirem, e quiserem obsequiar a Semana, hajam de remetê-los ao Imperial Instituto Artístico, largo de S. Francisco de Paula n. 16.” Uma considerável parcela dos retratos estampados nas páginas do semanário teria sido realizada nos estúdios improvisados no teatro da guerra, para os quais afluíam os membros das forças, desejosos de posarem para depois enviarem as cópias aos familiares e amigos, além de trocarem retratos com os seus companheiros de batalha. v Fig. 146 – Semana Illustrada, 22 jan. 1865, p. 1723. DiORa-FBN E foi com os dois retratos que reproduzimos a seguir, de um coronel brasileiro e do caudilho uruguaio Venâncio Flores – cujos rostos certamente foram copiados de fotografias – que Fleiuss principiou a publicação de sua Galeria de pessoas célebres da Campanha do Sul. Apesar de não ter aparecido com uma periodicidade definida, a ‘galeria’ foi uma presença constante nas páginas do semanário; sua publicação perdurou até um pouco depois do término do conflito. O brasileiro ali retratado, o coronel rio-grandense Fidélis Paes da Silva, envolveuse diretamente nas ações em território uruguaio, ao comandar o 16º Corpo de Voluntários Auxiliar, organizado em Montevidéu e conhecido como o ‘Batalhão dos Garibaldinos’, pelo 291 fato de contar com voluntários de várias nacionalidades, com predominância de italianos. 402 Tal Corpo, formado por quatro companhias, contribuiu para dar maior consistência ao exército de Venâncio Flores tendo, ainda, enfrentado os paraguaios na batalha de Jataí (agosto) e no cerco de Uruguaiana (setembro de 1865). Fig. 147 – O “digno e valente” coronel rio-grandense Fidélis Paz da Silva e o caudilho uruguaio Venâncio Flores, comandante em chefe do exército colorado, foram os escolhidos por Henrique Fleiuss para dar início à sua “Galeriade pessoas célebres na Campanha do Sul.” Ambos estão situados em um ambiente de guerra, que nos passa a idéia de muito dinamismo, mas recebeu um tratamento gráfico distinto, bem suave, de modo a destacar os retratados, em primeiro plano. Ao fundo, vê-se um canhão, as barracas dos soldados e o movimento das tropas, além de uma bandeira. Semana Illustrada, 22 jan. 1865, p. 1721. DiORa-FBN Herman Lima deixa claro o seu incômodo, manifestando certa dificuldade em aceitar aquela estratégia visual de Fleiuss, que integrava o rosto fotográfico – extraído de um retrato posado (apenas o busto) quase sempre no formato carte-de-visite – em um corpo, integrado a uma cena, a um entorno, onde tudo era idealizado pelo próprio litógrafo: A fidelidade fisionômica de suas figuras força-as com frequência a atitudes incongruentes, quando não simplesmente inaturais, pela falta justamente de plasticidade de seu traço. Os retratos dos líderes nacionais do 402 Cf.: DUARTE, General Paulo de Queiroz. Os voluntários da pátria na Guerra do Paraguai: o comando de Osório. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1982, v. 2, tomo II. 292 tempo são fotográficos, formando-se um contraste chocante entre o corpo e as cabeças, em geral bem desenhadas, a ponto de ser facílimo identificar qualquer desses maiorais do nosso tabuleiro político. [grifo nosso] Daí uma inevitável monotonia, quando se perpassam esses milhares de charges, da mesma linha deficiente, do mesmo desenho restrito, daquele insuportável desajustamento das cabeças e dos corpos, muita vez levados às mais absurdas atitudes, pela impossibilidade do caricaturista em adaptá-los devidamente aos retratos inertes. 403 Esta era uma das questões que estava na ‘ordem do dia’, àquela época. A inadaptação de certos rostos ao contexto de determinadas cenas pintadas também incomodava os críticos de arte, onde às vêzes o próprio retrato fotográfico original era objeto de reprimenda. Em sua análise da tela Batalha do Avaí, de Pedro Américo, Gonzaga Duque reclama: “Mas nem todas as figuras satisfazem a execução da obra. O general Ozório está pousado com afetação, metido em um espaço apertado, e montado em um cavalo que não tem movimento. [...] o seu rosto nada exprime e tal a imobilidade que apresenta que, sem dúvida alguma, indica ser copiado servilmente de uma fotografia mal feita.”404 Fig. 148 – Quase dois meses após a tomada de Paissandú, ocorrida em 2 de dezembro, é que o feito começava a render homenagens mais elaboradas no jornal de Fleiuss. Semana Illustrada, 29 jan. 1865, p. 1732. DiORa-FBN 403 LIMA, 1963, p. 750. DUQUE, Gonzaga. A Arte Brasileira. Campinas : Mercado de Letras, 1995, p. 161. Apud: GONÇALVES, 2010, p. 91. 404 293 Figs. 149 e 150 – [esq.] “Campanha do Sul. III. General Caraballo. Valente chefe colorado que vai reunir-se ao general Flores para atacarem Montevidéu.” Àquela altura, a Semana não disfarçava a sua ansiedade quanto à tomada de Montevidéu, cujo porto seria bloqueado, pela Marinha brasileira comandada por Tamandaré, a partir do dia 2 de fevereiro. O general Francisco Caraballo era vinculado ao partido Colorado e a Venâncio Flores desde antes de se tornar o chefe político de Paissandú. Mais à frente, alijado do poder, exilou-se em Entre Rios, aproximando-se de Urquiza e Mitre. Semana Illustrada, 29 jan. 1865, p. 1729. [dir.] “UNIFORME DO EXÉRCITO BRASILEIRO. Eis o uniforme do exército brasileiro, adotado pelo governo para as campanhas oriental e paraguaia. – Cremos fazer com este desenho um serviço aos leitores da Semana.” A litogravura é assinada (H.F.) e não traz qualquer menção à fonte. Semana Illustrada, 05 fev. 1865, p. 1737. DiORa-FBN Figs. 151 a 153 – [esq.] Henrique Fleiuss assina esta litogravura, onde o rosto dos retratados (Solano López e Leandro Gómez) teriam sido copiados de fotografias. Observe-se as interferências humoradas, bem ao estilo de Fleiuss – no caso, um diabo que paira sobre a dupla. Semana Illustrada, 05 fev. 1865, p. 1737. DiORa-FBN [centro] O mais conhecido retrato de Leandro Gómez (fotógrafo não identificado), provável fonte da estampa desenhada por Fleiuss na Semana Illustrada. [dir.] Xilogravura de Leandro Gómez estampada na cobertura da tomada de Paissandú no periódico norte-americano Harper’s Weekly (Nova Iorque, 08 abr. 1865, p. 221). Em 12 de fevereiro (n. 218), à página 1747 sob o título ‘Publicações’, lemos o seguinte comunicado: “Publicaram-se como suplementos da Semana Illustrada dois quadros da coleção que, debaixo do título Campanha do Uruguai há de acompanhar esta mesma folha. O 294 primeiro quadro representa os retratos dos bravos de Paissandú” – e aí provavelmente aparece, de novo, o recurso da cópia dos rostos dos retratos fotográficos – e “o segundo a tomada de Paissandú. O preço de cada suplemento avulso é de 1$000.”405 Fig. 154 – “O Brasil não deve depor a sua espada enquanto não cai a última cadeia de ferro, que prende este flho.” De nada adiantou a exortação de Henrique Fleiuss; o coronel Frederico Carneiro de Campos, presidente indicado da província de Mato Grosso, foi o primeiro prisioneiro de guerra brasileiro (e o primeiro, nesta condição, a ser retratado na Semana Illustrada), vindo a falecer na fortaleza de Humaitá, três anos mais tarde – em 03 nov. 1867. Semana Illustrada, 19 fev. 1865, p. 1752. DiORa-FBN. Em Novidades da Semana do fascículo n. 220 da Semana Illustrada, de 26 fevereiro de 1865, o assunto era a “guerra patriota, a guerra da desafronta nacional” da qual, as últimas notícias chegadas do rio da Prata eram “promissoras de uma vitória importante e não sanguinolenta.” O texto antevia a entrada dos exércitos aliados em Montevidéu e avisava: “Recolha-se o senhor López aos bastidores de Humaitá, e espere a nossa visita que não tardará muito. [...] A campanha do Uruguai está quase terminada, e brevemente começará a campanha do Paraguai. Os bravos, os heróis de Paissandú hão de mostrar-se bravos e heróis na Assunção e em 405 O primeiro destes suplementos não foi localizado, até aqui; o segundo consta do CEHB-BN sob o verbete no 17567: “(2 janeiro 1865). Campanha do Uruguai. Tomada de Paissandú no dia 2 de janeiro de 1865. Lit. por Anon. da ofic. de Fleiuss. S. d.” 295 Humaitá! Todos temos a certeza disso: são favas contadas. O Brasil será desafrontado pelos seus intrépidos, e invencíveis guerreiros.” O texto seguinte, intitulado Delenda Paraguai, assinado pelo ‘Paraguaiófago’, revela toda a ansiedade do editor, em relação àquele momento do conflito: Montevidéu ainda não caiu? Cidade mista, tem-lhe valido a consideração de não serem os estrangeiros e todas as nacionalidades ali residentes responsáveis pelos escândalos do infame triunvirato, que a tiraniza e saqueia sem piedade. Expirou o prazo do armistício a 16 deste mês. [...] A esta hora “Ruem por terra as emperradas portas.” Do palácio de Aguirre! [...] a esta hora deve a malfadada Montevidéu estar de asa caída. Cumpre que assim tenha acontecido. O tempo urge. É preciso que o Brasil vá conversar com o tio López, retribuir-lhe as amabilidades dispendidas em Mato Grosso e com o ilustre coronel Carneiro de Campos, dedicado Régulo nessa Cartago burlesca. É preciso que o truanesco déspota receba os agradecimentos pelo modo cavalheiroso, por que fusilou os passageiros do Anhambaí, decepou e enfiou em rosário as orelhas de seus tripulantes, mutilou o estimável médico Dr. Freitas Albuquerque, estando no exercício de sua caridosa profissão e profanou virgens e meninas de cinco anos, capazes de apiedar tigres de Bengala, cordeiros em relação aos do Paraguai. O editor estava se referindo, no último parágrafo, aos episódios acontecidos logo após a ocupação de Corumbá pelas forças paraguaias, em 4 de janeiro, quando o coronel Barrios ordenou a perseguição à embarcação da força naval brasileira Anhambaí. Uma vez alcançada, foi violentamente atacada pelos inimigos. Após matarem quase todos os brasileiros, arrancaram suas orelhas, que foram penduradas nos mastros da embarcação paraguaia Iporá. O editorial continuava: É preciso que Coimbra, Corumbá, Dourados, Miranda e Albuquerque se reedifiquem com a madeira e os materiais, que edificaram a cidade de Assunção, ainda em pé para escárnio e completo escândalo do século XIX. [...] Ao Paraguai, povo brasileiro! Ao Paraguai! E veremos se nossos irmãos degolados, nossas patrícias ultrajadas, nosso território invadido, nossa lavoura destruída, nossas propriedades saqueadas, nossa nacionalidade espezinhada e cuspida [grifo nosso] ficam sem vingança sedenta de ruínas, palpitante de destruições e aquecida ao fogo, à fornalha ardente de todo o Paraguai! [...] A página da nossa história, em que se ler – o ano de 1865 foi o último ano da existência do Paraguai – será a página mais gloriosa de todas as histórias do mundo, porque o extermínio do Paraguai é imenso serviço à humanidade e à civilização. Paraguaiófago. Rio, 22 de fevereiro de 1865. 296 Fig. 155 – “Episódios da Campanha do Uruguai. N. 2. Últimos momentos do bravo 1º tenente d’armada Henrique Francisco Martins. Morreu no posto, como sabem morrer aqueles que cumprem o sagrado dever do soldado! Morreu matando, defendendo a vida / Para triunfo da pátria tão querida [grifo nosso] / Quem morre desta sorte lega à história / Preclara fama de imortal memória.” Esta foi a primeira ilustração de Fleiuss a retratar um ‘bravo’ falecido nos campos de batalha – além de exaltar a morte “dos que cumprem o seu sagrado dever”. O rosto do homenageado foi presumivelmente copiado de um retrato fotográfico. Semana Illustrada, 26 fev. 1865, p. 1761. DiORa-FBN Eis que o editorial do dia 5 de março trouxe, finalmente, a tão ansiada notícia da rendição da capital uruguaia. Seu texto mantinha o mesmo entusiasmo, manifestando o mais completo engajamento na causa brasileira: Parabéns!.... Montevidéu caiu! O último baluarte de perfídia blanca jaz por terra sobre a sepultura infame dos Aguirres e Carreiras. Honra aos bravos que em Paissandú prepararam a vitória incruenta! Honra ao governo de S. M. o Imperador e ao espírito público, que contribuíram para assim ultimar-se uma campanha sanguinolenta. Agora ao Paraguai! Ao Paraguai! E mais tremenda lição recebam o cacique dessa tribo de feras e as feras ao serviço desse abominável cacique. DELENDA PARAGUAI! 406 É que em 20 de fevereiro, depois de muita pressão e de uma série de acontecimentos internos, o Uruguai havia firmado com o Brasil um protocolo de paz que tinha, ainda, a concordância da Argentina e a partir do qual o líder colorado Venâncio Flores assumiu a presidência da 406 Semana Ilustrada, 05 mar. 1865, p. 1765. 297 República Oriental. Foi naquele período, entre fevereiro e março de 1865, que a fotografia de guerra surgiu, de maneira declarada, na Semana Ilustrada. E como se tratava de uma novidade – que provavelmente demandou uma execução mais demorada – surgiu na forma de dois suplementos ilustrados. Um intitula-se “Vistas de Paissandú depois da tomada da praça. Fotografadas do natural e obsequiosamente oferecidas à Semana Illustrada pelo Ilm. e Exm. Srn. Vianna de Lima.” O outro, “Acampamento de infateria [sic] brasileira diante de Paissandú. No fundo as canhoneiras e a ilha para a qual se retiraram muitos habitantes de Paissandú. (Tirado do Natural em fotografia).” A comparação entre ambos é inevitável. O primeiro é evidentemente documental e dotado de características fotorrealistas. Ressalte-se ainda a seqüenciação de imagens – mesmo que rudimentar – totalizando seis na mesma folha: 1) Lugar onde está enterrado Leandro Gómez; 2) Baluarte da lei; 3) Chefatura da Polícia; 4) Quartel General; 5) Catedral; 6) Hotel da Âncora de Ouro. São imagens dramáticas, cinco delas evidenciando a destruição provocada pelos tiros em importantes edifícios da localidade. No entanto, trata-se apenas da destruição urbanística e arquitetônica. Não há um só corpo, ferido ou morto, pelo chão. Os espaços estão desertos. Mas a primeira imagem já nos informa que perderam-se vidas durante o ataque, ao retratar o “lugar onde está enterrado [o general legalista] Leandro Gómez”, o comandante derrotado que havia sido fuzilado pelos colorados, junto com os demais oficiais que participaram da defesa de Paissandú. Não por acaso esta é a primeira imagem, já que o episódio custou a demissão de Tamandaré e de José Maria da Silva Paranhos. Tamandaré havia entregue aqueles prisioneiros, a pedido dos próprios, ao grupo de Venâncio Flores que havia participado do cerco com os soldados brasileiros. Foram todos fuzilados, e em Montevidéu, o presidente blanco Aguirre, que ainda resistia, promoveu a queima dos tratados anteriores com o Brasil em praça pública, ocasião em que a bandeira brasileira foi arrastada pelas ruas de Montevidéu. Tamandaré, ofendido, queria bombardear a capital uruguaia; Paranhos, mais comedido, considerava o ato inconveniente, dos pontos de vista político e humanitário. Ao final do episódio, os dois estavam fora do governo. Embora a morte se tornasse, progressivamente, mais e mais presente, a estratégia de evitar mostrar as cenas mais chocantes, envolvendo o aniquilamento do próprio ser humano, seria predominante na cobertura de Henrique Fleiuss, como veremos na seqüência. 298 Fig. 156 – “Vistas de Paissandú depois da tomada da praça. Fotografadas do natural [...].” Suplemento da Semana Illustrada, lançado entre fevereiro e março de 1865. Ico-FBN Por ocasião de nossa pesquisa nos arquivos do Museu Histórico Nacional do Uruguai/Casa Giró, durante breve jornada em Montevidéu, tivemos a oportunidade de localizar quatro das seis fotografias originais que foram utilizadas por Henrique Fleiuss – provável autor da litogravura, que não está assinada – para produzir o primeiro suplemento relacionado ao conflito que se iniciara, copiado de fotografias originais, produzidas no teatro dos acontecimentos e que testemunham a dimensão dos combates travados. A autoria dos 299 originais ainda não foi esclarecida, embora consideremos bastante plausível a sua atribuição à firma Bate & Ca., estabelecida em Montevidéu. Figs. 157 a 160 – Estas quatro fotografias foram copiadas no suplemento da Semana Illustrada. [esq., em cima] Foto 2 - Baluarte da lei. [dir., em cima] Foto 3 – Chefatura da Polícia. [esq., embaixo] Foto 5 – Catedral de Paissandú. [dir.embaixo] Foto 6 – Hotel da Âncora de Ouro. MHNU-CG Uma dessas fotografias já havia sido estampada na capa de O Correo del Domingo (18641868), um ‘periódico literário ilustrado’ de Buenos Aires. Segundo Miguel A. Cuarterolo, a publicação era, na Argentina, “el único periódico que publicaba ilustraciones com criterio periodístico.”407 Em outubro de 1866, p. ex., estampou um obituário ilustrado com as cópias litográficas em página inteira, dos retratos fotográficos de dois jovens oficiais, mortos nas trincheiras de Curupaiti. Dirigido por José María Cantilo, nele colaboravam o desenhista francês Henri Meyer e o litógrafo Julio Pelvilain, que dividiam a tarefa, assim como Fleiuss e 407 CUARTEROLO, 2000, p. 136. 300 Carlos Linde o fizeram, no Imperial Instituto Artístico e na Semana Illustrada. Ainda segundo Cuarterolo, o Correo também imprimia um tom nacionalista à sua cobertura, tendo apoiado incondicionalmente a cauda mitrista. Segundo Angela Telles, “Assim como Fleiuss, no Rio de Janeiro, Meyer, em Buenos Aires, foi o artista que cobriu os acontecimentos relativos ao enfrentamento da Tríplice Aliança e o Paraguai, tornando-se um ator engajado no esforço de construção de uma identidade nacional.”408 Foi ainda um dos fundadores do El Mosquito 409, periódico ilustrado humorístico (caricatural) de maior relevância na segunda metade do século 19, em Buenos Aires. Fig. 161 – “Vista de la iglesia de Paysandú. Después de la toma de la plaza. Desenho Henri Meyer. Litografia Julio Pelvilain. Correo del Domingo, n. 57. Buenos Aires, 29 de janeiro de 1865. Reproduzido de : CUARTEROLO, 2000, p. 140. Trata-se da primeira imagem derivada de uma fotografia, a ser estampada na imprensa argentina. Quanto ao outro suplemento, já reproduzido no subcapítulo 1.3, mais parece o esboço de um quadro, bem ao estilo da pintura histórica que floresceu naquele período. 410 Embora 408 In: TELLES, A. Desenhando a nação : [...], 2007, fl. 122. Em sua tese de doutorado (2007), Angela Telles dedicou um capítulo à imagem da nação brasileira que era veiculada nos periódicos ilustrados de Buenos Aires: Brasil e Argentina vistos de Buenos Aires (fls. 122-173). 410 Sobre este assunto (a pintura histórica do Segundo Reinado), ver CARDOSO [DENIS], 1999. 409 301 declaradamente “tirado do natural em fotografia”, carece dos atributos básicos do fotorrealismo – tem a aparência de um ‘desenho do natural’, enfim. A própria credibilidade da fotografia ficava fragilizada ao exame de imagens como esta, que contradiziam o seu próprio estatuto de ‘imagem técnica’. Quanto ao “Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor” remetente das imagens do primeiro suplemento (as vistas de Paissandú bombardeada, fotografadas do natural), que “obsequiosamente” as ofereceu à Semana Ilustrada, tratava-se de Cézar Sauván Vianna de Lima, o ministro brasileiro em Assunção por ocasião do início da guerra. Ele havia estado diretamente envolvido nos esforços diplomáticos para evitá-la, vivenciara de perto o episódio da apreensão por Solano López do Marquês de Olinda em 11 de novembro de 1864 e, rompidas as relações com aquele país, enfrentara dificuldades para conseguir deixar o posto em Assunção, junto com a família, ainda no mês de dezembro.411 Figs. 162 e 163 – Na cobertura da tomada de Paissandú deste periódico norte-americano, vemos o Quartel General (foto 4 do suplemento da Semana Illustrada) e o Baluarte da Lei (foto 2 do mesmo suplemento), aqui denominado “Turret Fort”. Harper’s Weekly (Nova Iorque, 08 abr. 1865, pp. 221-222). Na semana seguinte, em 12 de março de 1865, a ilustração da primeira página, intitulada “A Primeira Notícia”, trazia a seguinte legenda: “Ao chegar a primeira notícia da entrega de Montevidéu, o povo, justamente entusiasmado, rodeou o carro do Imperador. Sua Magestade, comovido ante essa prova de amor, correspondeu afetuosamente à manifestação pública.” 411 Para um relato mais pormenorizado da participação de Viana de Lima naquele episódio, ver: DORATIOTO, 2002, pp. 60-3 e 66-8. 302 Trata-se de um bom exemplo de ‘instantâneo’ – mas não fotográfico e sim desenhado, a partir de um relato transmitido por alguém que teria presenciado a cena. Mesmo porque o ‘instantâneo fotográfico’, enquanto gênero de imagem que expressa a captura de um flagrante, do curso de uma ação, só se tornaria possível mais à frente, em período posterior à guerra. 412 Fig. 164 – “A primeira notícia.” Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1772 (capa). DiORa-FBN No mesmo dia 12 de março de 1865, à página 1775, Fleiuss reproduz um retrato de corpo inteiro da índia Catalina: “Esta mulher acompanhou sempre o exército do general Flores, vestida de homem. Morreu em Paissandú. O retrato é fiel; foi copiado de uma fotografia.” Apenas o rosto se aproxima de uma imagem fotorrealista. A figura do corpo é rudimentar e o fundo compõe-se de alguns traços, apenas. Com certeza, a índia Catalina foi a primeira mulher, participante da guerra, a ser retratada na Semana Illustrada – uma parceira do caudilho colorado Venancio Flores, “vestida de homem” e retratada como guerreira. 412 Em sua tese de doutorado e na versão reduzida e publicada em livro, Mauricio Lissovsky discute a questão do instantâneo: A máquina de esperar : origem e estética da fotografia moderna. Rio de Janeiro : Mauad X, 2008. 303 Fig. 165 – “CATALINA, INDIA. Esta mulher acompanhou sempre o exército do general Flores, vestida de homem. Morreu em Paissandú. O retrato é fiel; foi copiado de uma fotografia.” Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1775. DiORa-FBN Outras ilustrações que nos mostram o desenrolar de uma ação, onde o rosto do personagem principal – quando é o caso – é copiado de um retrato fotográfico, ocorrem neste mesmo fascículo: “O 1º tenente Mariz e Barros” (p. 1775), “Ilha em frente de Paissandú aonde se refugiaram as famílias residentes da cidade” e “Episódios da Campanha do Uruguai. – N. 4” (ambos na p. 1776), e “Adeuses e embarque do 1º batalhão de voluntários do Rio de Janeiro (p. 1779). No total, aquela edição da Semana trouxe cinco litogravuras que narravam acontecimentos relacionados ao conflito: quatro de meia página – a ilustração da capa e mais três, nas páginas centrais – além de uma ilustração de página inteira, a última do fascículo. Figs. 166 e 167 – [esq.] “O 1º Tenente Mariz e Barros. O povo o toma nos braços como ao filho querido da vitória. Doce recompensa que encheria a alma do valente, se ela já não estivesse cheia pela consciência do dever.” [dir.] “Ilha em frente a Paissandú aonde se refugiaram as famílias residentes na cidade.” Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1775 e p. 1776. DiORa-FBN 304 Figs. 168 e 169 – [esq.] “Episódios da Campanha do Uruguai – n. 4. Um imperial marinheiro mata um blanco. Depois, sem fazer cabedal das balas que choviam, atravessa por elas, descalça o morto, calça as botas dele, trava da arma e volta a seu posto, dizendo com a mais imperturbável paz de espírito e sangue frio: – Quem quer botas? Vá buscá-las como eu fui. (Comunicado pelo 1º tenente Barros)” [dir.] “Adeuses e embarque do 1º batalhão de voluntários do Rio de Janeiro. (5 de março) Leva-os, ó mar. A glória / Espera-os. Não se abate / Quem compra com seu sangue o louro da vitória. / E vai tranquilo à morte e vai rindo ao combate.” Semana Illustrada, 12 mar. 1865, p. 1776 e p. 1779. DiORa-FBN Sempre ansiando pela melhora, pela evolução da narrativa de seu jornal ilustrado, uma nova iniciativa, no âmbito da fotorreportagem de guerra, foi comunicada no fascículo lançado no dia 2 de abril de 1865 (p. 1802) – mas este assunto será tratado separadamente, no próximo subcapítulo, face à sua especial relevância no contexto daquela iniciativa jornalística então empreendida pelo jornal de Fleiuss. No momento da partida, do Rio de Janeiro, dos militares que rumariam ao Mato Grosso com o intuito de expulsar os paraguaios invasores, o aviso publicado informava que uma comissão de engenheiros daquela força expedicionária havia estudado a fotografia no Imperial Instituto Artístico e levava consigo um equipamento e os produtos químicos necessários para “tirar vistas e tudo o que possa haver de interessante, para junto com as necessárias descrições ser publicado na Semana.” A nosso ver, aquele foi o auge do empreendedorismo de Henrique Fleiuss, uma iniciativa lamentavelmente malograda, como veremos no subcapítulo 5.2, mais à frente. 305 Fig. 170 – “Que é isto, moleque? Em que trajo te vejo? – Nhonhô, vendo os zuavos Bahianos, foi o nosso maior desejo formar também um corpo de zuavos Fluminenses: não queremos ficar atrás. Toda a crioulada vai inscrever-se. Minha mulher nos acompanha como vivandeira. E vivam os bravos / Crioulos da corte! / Corramos à morte / Valentes zuavos!” Semana Illustrada, 02 abr. 1865, p. 1796. DiORa-FBN No fascículo do dia 9 de abril, um quadro com uma série de retratos de oficiais ocupava a metade inferior da página. Os rostos estão numerados e devidamente identificados na legenda, seguida da seguinte informação: “Estes retratos foram-nos mandados pelo Exm. Sr. Felippe Bethbeze de Oliveira Nery.” 413 Trata-se, com certeza, de cópia de retratos fotográficos. Fig. 171 – Semana Illustrada, 09 abr. 1865, p. 1808. DiORa-FBN 413 Semana Ilustrada, 9 abr. 1865, p. 1808. 306 Mas os heróis da guerra já não estavam somente nos retratos. Os feridos que haviam se tornado inválidos para a guerra já começavam a voltar, como se lê no editorial Os inválidos do sul de 23 de abril 414: “Chegaram na Bahiana 40 inválidos brasileiros. A população da corte não pode conservar-se silenciosa ante a vista dessa falange de bravos. Se os soldados que partem para a guerra são vitoriados pelo povo, quanto mais esses que já trazem em si o sinal de patriótico sacrifício? A corte deve fazer uma manifestação.” Mas não ocorre qualquer imagem dos inválidos, nas páginas do semanário. Anteriormente, em 2 de abril415 o editorial Asilo dos inválidos já havia levantado esta questão, conclamando “a realização do pensamento de erigir-se um asilo para os inválidos da pátria” e reproduzindo integralmente a circular que a comissão da praça do comércio havia dirigido à redação da Semana. 416 Já em 30 de abril de 1865, há outra ocorrência que merece atenção: ‘Três bravos de Paissandú, feridos na ação do ataque.’ A estampa mostra os três recostados, com olhares longínqüos; mas suas espadas – pelo significado simbólico, naturalmente – estão ao alcance das mãos. Os ‘bravos’ dos extremos estão em suas camas, o do meio está sentado (numa cama?) e pela legenda, sabe-se que depois, veio a felecer. São eles: “o tenente Antonio de Campos Mello do batalhão 12 de infantaria, ferido por uma bala. O alferes Colatino Teixeira de Azevedo, do 6o batalhão de infantaria (faleceu). O tenente Manoel Verissimo da Silva do batalhão 12 de infantaria, ferido por uma bala.” Apenas os rostos dos ‘três bravos’ são dotados de um tratamento gráfico fotorrealista. Estão todos, aparentemente, apreensivos. O da esquerda e o do centro não parecem mirar a câmera; o da direita, talvez. Embaixo das legendas, entre parênteses, lemos: “Os três retratos foram oferecidos ao Exm. Sr. Conselheiro José Maria da Silva Paranhos.” E daí, podemos deduzir, chegaram às mãos de Henrique Fleiuss, por caminhos parcialmente desvendados – e sobre este assunto, já discorremos no capítulo anterior. Localizamos os originais dessas imagens, no formato carte-de-visite. 417 Trata-se de um primoroso exemplo de como se dava a circulação daquelas imagens; ao mesmo tempo em que os retratados presenteavam-nas aos seus entes queridos, cópias das mesmas eram dadas a colegas de farda – muitas vezes, na base da troca – visando a constituição futura de álbuns da 414 Semana Illustrada, 23 abr. 1865, p. 1821. Semana Illustrada, 02 abr., p. 1797. 416 Sobre a questão do asilo dos inválidos, ver esp. a tese de doutorado em História Social (2006) de Marcelo Augusto Moraes GOMES, “A espuma das províncias”. Um estudo sobre os Inválidos da Pátria e o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Corte (1864-1930). 417 Cremos tratar-se de cópias distintas daquelas entregues pelo visconde do Rio Branco a Fleiuss. 415 307 guerra. E nesse circuito, podiam chegar às mãos do visconde do Rio Branco e, na sequência, às páginas de um jornal ilustrado. Examinando tais originais, podemos presumir que os dois tenentes, que figuram nas extremidades da ilustração de Fleiuss, foram fotografados na mesma cama. E seguindo tal linha de raciocínio, e se o foram na mesma ocasião, seria possível presumir, ainda, que aquela cama encontrava-se em posição favorável quanto à sua iluminação, daí então aquele local haver se tornado o ‘estúdio improvisado da enfermaria’. Quanto ao alferes do meio, na fotografia vertical, tudo indica que a imagem foi também produzida no mesmo local; a única diferença é o que aparenta ser um fundo escuro, instalado por trás do retratado. Ainda no âmbito das conjecturas e da reflexão sobre o significado destas imagens fotográficas, poderíamos propor uma outra categoria, próxima à dos retratos post-mortem, tão em voga no século 19: algo assim como quasi-mortem, uma vez que alguns daqueles retratados estavam, sem dúvida, nesta condição de moribundos. E neste caso específico, justamente o que posou sentado é que veio a falecer. Ou teria sido outro o motivo de sua morte, sem guardar qualquer relação com os seus ferimentos? Pouco provável. Tal situação nos leva a outra inevitável indagação: assim como o tradicional ‘papa-defunto’ (que fica na espreita dos parentes dos mortos, para vender-lhes o ‘pacote’ do enterro) e os tradicionais fotógrafos que realizavam os retratos post-mortem, haveriam fotógrafos ‘especializados’ ou ‘especialmente dedicados’ a tal gênero de fotografia, qual seja, dos feridos nos hospitais de campanha? Fig. 172 – Semana Illustrada, 30 abr. 1865, p. 1832. DiORa-FBN 308 Figs. 173 a 175 – Tenente Antonio Campos de Mello, alferes Colatino Teixeira de Azevedo e tenente Manoel Veríssimo da Silva, fotografados no Hospital de Buenos Aires. CP Fig. 176 – Verso da primeira carte-de-visite: “O T.e An.to de Campos Mello, do B. 12 de Inf.a, oferece ao Ilm.o S.r João Carlos Pereira Pinto, Consul do Brasil, seu retrato em sinal de gratidão, cujo retrato foi tirado neste H.al no dia 16 de janr.o 1865, doente em tratam.to no m.mo H.al, por ferim.to de bala por ocasião da tomada da cidade de Paissandú no dia 31 de 10bro. de 1864.” CP Fig. 177 – Verso da segunda carte-de-visite. “O Alf.es Colatino Teixr.a de Azevedo do 6º B. de Inf.a, doente no Hospital de Buenos Aires, em tratam.to por ferimento de bala no dia 31 de 10bro. de 1864, por ocasião da tomada da cidade de Paissandú, oferece o seu retrato ao Ilm.o Sr. Consul geral João Carlos Pereira Pinto.” CP Fig. 178 –Verso da terceira carte-de-visite. “O Ten.e Manoel Veríssimo da Silva, do B. 12 de Infantr.a doente no Hospi.al de Buenos Aires, em tratamento por ferimento de bala no dia 31 de 10br.o de 1864, por ocasião da tomada da Cidade de Paissandú, oferece o seu retrato ao Ilm.o Snr. Consul geral João Carlos Per.a Pinto.” CP Voltemos agora à questão da remessa destas fotografias dos feridos à redação da Semana Ilustrada. Embora não fizesse parte da ‘comissão fotográfica’ organizada por Fleiuss, José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, pai do Barão do mesmo nome, surge aqui como mais um dos prováveis ‘proto-correspondentes de guerra’, também no campo fotojornalístico, da Semana Ilustrada. Segundo Rubens Ricupero, 309 O primeiro Rio Branco era um veterano do Prata, onde esteve de início como secretário da missão especial de Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná (1851-52), tornando-se, em seguida, ministro-residente em Montevidéu, cidade para a qual voltaria, em fins de 1864, antevéspera da Guerra da Tríplice Aliança, em missão controvertida [...]. Em sua Quinta viagem ao Prata, na missão que duraria de outubro de 1870 a março de 1871, o Visconde levaria o filho como secretário, completando a educação diplomática iniciada em casa e dando-lhe a oportunidade de testemunhar e participar das negociações tensas e perigosas que acompanharam o desfecho da Guerra do Paraguai. 418 Seu filho, José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, esteve também ligado à guerra do Paraguai desde os primórdios da questão, ficando marcado não só pelo desempenho paterno, como também por outras importantes figuras do período. Numa carta a Rodrigues Alves, escrita em 1902, o Barão recorda: “Conservo bem viva a impressão de respeitosa simpatia que me causaram a elevada estatura e o porte ereto de V. Excia., a distinção de suas maneiras e a indulgente atenção com que procurou satisfazer minha curiosidade de colegial, discreteando comigo sobre acontecimentos do Rio da Prata e Paraguai, de que V. Excia. fora testemunha ocular.” 419 Afastando-se da questão específica desta guerra por um período, em 1867 o Paranhos Junior viajou para a Europa, onde complementou os estudos de Direito, iniciados em São Paulo e Recife. Mas o seu afastamento dos assuntos da guerra nunca foi integral; naquele período, colaborou com o periódico parisiense L’Illustration, como já vimos no subcapítulo 4.3. E antes disso, já havia também atuado como correspondente de guerra, no campo fotojornalístico, para a Semana Ilustrada, como veremos mais adiante. 418 Rubens Ricupero, O tempo e o mundo de Rio Branco: os anos de formação no Brasil do Segundo Império e no Prata (1845-1876), pp. 30-31. In: JOSÉ Maria da Silva Paranhos, 1995. 419 Apud Rubens Ricupero, op. cit., pp. 28-37. In: JOSÉ Maria da Silva Paranhos, 1995. 310 5.1.2 Delenda Paraguai! Começa a Guerra da Tríplice Aliança (maio 1865 - abr. 1866) No início da guerra contra o Paraguai, as primeiras vitórias despertaram autêntico entusiasmo cívico. Formaram-se batalhões patrióticos, a bandeira nacional começou a ser reproduzida nos jornais e revistas, em cenas de partida de tropas e de vitória nos campos de batalha. O hino nacional começou a ser executado, o imperador D. Pedro II foi apresentado como o líder da nação, tentando conciliar as divergências dos partidos em benefício da defesa comum. A imprensa começou também a tentar criar os primeiros heróis militares nacionais. Até então, o Brasil era um país sem heróis. José Murilo de Carvalho 420 No dia 1o de maio de 1865 foi firmado o Tratado da Tríplice Aliança. Todos estavam otimistas. Assim como Solano López, ao iniciar o conflito, acreditava que sairia vencedor rapidamente, meses depois eram o Brasil, o Uruguai e a Argentina que alimentavam idéia semelhante. Na ilustração abaixo (esq.), a legenda reproduzia as “palavras do general Mitre, presidente da República Argentina, ao receber a notícia da declaração de guerra do cacique López: Em três dias nos quartéis, em quinze no acampamento, em três meses em Assunção.” Havia, ainda, mais uma frase – de Fleiuss, naturalmente: “Praza a Deus que a fortuna seja propícia a tão bravo aliado.” Na ilustração à direita, estampada duas semanas depois, vemos os três representantes desenhados por Fleiuss no exato instante em que firmam o “solene tratado” – exatamente como é comum, ainda hoje, nas fotografias posadas para registrar tais momentos. Uma pérola típica do fotojornalismo de todos os tempos, nas páginas da Semana. Figs. 179 e 180 – Semana Illustrada, 14 maio 1865, p. 1851 e 28 maio 1865, p. 1861. DiORa-FBN 420 In: Cidadania no Brasil: o longo caminho, 2002, p. 78. 311 Fig. 181 – “Episódios da guerra do sul. O capitão João Antonio de Oliveira Valporto, tendo ocupado um ponto muito exposto ao inimigo, diante de Paissandú, tornou-se digno de honrosa menção, como um dos oficiais que mais se distinguiram na vitória que obteve o exército. (Comunicação oficial) – O meu guarda-marinha (Gregório Ferreira de Paiva) era tal que, quando a bala inimiga nos levou o cabo Motta e o chefe de peça, ele, tomando a mesma bala, que ficou junto a nós, introduziu-a na peça, e falou: – Vou vingar-lhes a morte com o mesmo instrumento; a pontaria não me faltará desta vez.” Seis meses depois do episódio, a tomada de Paissandú ainda rendia novos relatos visuais, carregados de emoção. Observe-se o rosto do guarda-marinha, presumivelmente extraído de um retrato fotográfico posado em estúdio, e ‘encaixado’ por Henrique Fleiuss em um corpo que se encontra em plena ação, no teatro da guerra. Semana Illustrada, 18 jun.1865, p. 1884. DiORaFBN Fig. 182 – “O General em chefe do exército brasileiro e o seu estado maior. [...] Estes retratos foram obsequiosamente oferecidos pelo Sr. comendador Espírito-Santo.” Semana Illustrada, 25 jun. 1865, p. 1892. DiORa-FBN 312 A campanha continuava e a Semana Ilustrada, capitaneada por Henrique Fleiuss, estava cada vez mais engajada. Os textos refletiam o entusiasmo e total comprometimento com a causa brasileira, a exemplo da notícia sobre a célebre batalha fluvial do Riachuelo: Última notícia Vitória! O dia 11 de junho será contado entre os mais gloriosos da História Brasileira. Às 9 horas da manhã 8 vapores e 8 baterias flutuantes paraguaios, montando peças de 80, quiseram medir-se com a nossa briosa esquadra ao mando do valente chefe Barroso. Os nossos iam sentar-se à mesa do almoço. Proporcionou-se-lhes um banquete. Quatro vapores e 6 chatas do inimigo foram a pique, e os demai sbuscaram na fuga a salvação; mas por tal forma danificados, que apenas serviriam para levar ao cacique um triste desengano. Perdemos o Jequitinhonha porque encalhou, e lamentamos a morte de alguns bravos, que sustentaram valorosamente a honrado pavilhão brasileiro. Glória aos vencedores! Glória ao Brasil! 421 Mais abaixo, em ‘Novidades da Semana’, ficamos sabendo que “O Tamandaré caído ao mar era o primeiro encouraçado, que, desprendido das escoras do estaleiro, deslizara por sobre as superfícies da água a atestar às nações cultas que o Brasil, na senda do progresso, não quer ter passo de tartaruga. Salve Tamandaré! Adotando a nossa divisa Delenda Paraguai, vomita pelos teus vulcões tanta lava quanta [sic] seja necesssária [sic] à completa destruição da arrogante Humaitá e da embrutecida Assunção. [...]” E ainda naquele mesmo fascículo, “da carta do nosso muito estimado amigo A. L. v. Hoonholtz, que acompanha o Suplemento de hoje” temos um interessante relato do que havia se passado no dia 24 de maio em Corrientes, quando as forças argentinas comandadas pelo general Paunero ocuparam a cidade, mas terminaram por recuar, cedendo a posição, sob a alegação de falta de alimentos. Hoonholtz era um dos principais ‘repórteres’ da Semana Illustrada: “não quero deixar de cumprir a promessa que lhe fiz, e por isso aí vai um pequeno, porém exato ‘croquis’ da ação do dia 25 de maio”, dizia ele em sua carta. 421 Semana Illustrada, 02 jul. 1865, p. 1897. 313 Fig. 183 – “Caiu ao mar, no dia 23 de junho, abundantemente regado pelo suor das nuvens, o primeiro dos vapores encouraçados que o Brasil está construindo. Essa data deve ser histórica. Quanto ao nome escolhido, é o do almirante invulnerável, o encouraçado Aquiles. Um vida aos dois Tamandarés!” Aqui, a litogravura de Fleiuss faz as vêzes do ‘instantâneo fotográfico’. Semana Illustrada, 02 jul. 1865, p. 1900. DiORa-FBN Na página 1900 deste número, uma ilustração de página inteira retrata o exato momento em que o Tamandaré, primeiro vapor encouraçado construído no Brasil, era lançado ao mar. Enquanto as autoridades se encontravam sobre um palanque coberto, a maior parte do público presente, em terra, abrigava-se sob guarda-chuvas (ou guarda-sóis?), ao ar livre. No mar, outra parte dos presentes assistia ao evento sob as cobertas de barcaças. A cena é rica em informações e possui as características de um instantâneo fotográfico. Embora tais instantâneos não fossem freqüentes, àquela época, devido a impedimentos tecnológicos – como já foi visto no capítulo 1 deste trabalho – podemos conjecturar que ao colocar aquelas cenas em seu jornal, mesmo sem declarar que eram cópias de fotografias, Fleiuss conseguia passar uma carga maior de veracidade, de autenticidade, de realismo, pelo fato de seus leitores saberem que o recurso da fotografia era utilizado em sua cobertura. Assim, arriscaríamos supor que até quando não produzia seus desenhos a partir de fotografias, os mesmos, presumivelmente, surtiam um efeito bastante similar sobre muitos de seus leitores. E supomos, ainda, que era exatamente por investir nesta credibilidade documental de suas estampas que, nestes casos, Fleiuss não esclarecia a fonte de sua criação visual. 314 Fig. 184 – “Partida da primeira brigada, ao mando do coronel Galvão, de Ouro Preto para Mato Grosso. (Fotografia do natural, enviada obsequiosamente pelo Sr. José Maria da Silva Paranhos Júnior).” Semana Illustrada, 09 jul. 1865, p. 1908. DiORa-FBN É no número de 9 de julho de 1865 que aparece, estampada na vertical, ao lado de uma tira (também vertical) de caricaturas seriadas, a reprodução litográfica da “Partida da primeira brigada, ao mando do Coronel Galvão, de Ouro Preto para Mato Grosso (fotografia do natural, enviada obsequiosamente pelo Sr. José Maria da Silva Paranhos Junior).” Eis aí o barão do Rio Branco atuando como correspondente de guerra, no campo do fotojornalismo. A Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional guarda um original desta imagem, em papel albuminado, com a seguinte legenda manuscrita: “Vista da praça de Ouro Preto no dia da partida da 1a expedição de Minas para Mato Grosso. Oferecida a Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro por seu súdito Antonio de Assis Martins” 422 Fica evidenciada a razoável fidelidade do autor da cópia litográfica, Henrique Fleiuss, ao original fotográfico. A diferença mais gritante está na bandeira, que aparece borrada no original por estar desfraldada ao vento, enquanto era produzida a fotografia – com um tempo de exposição não tão breve quanto seria necessário para ‘congelá-la’. Na reprodução litográfica, a bandeira encontra-se desfraldada e ‘congelada’, possibilitando a visualização das Armas do Império. Ademais, Fleiuss ‘fixou’ também os cidadãos montados a cavalo, que ficaram borrados no original; e eliminou todos os outros ‘fantasmas’. Vale lembrar que nem sempre esta razoável ‘fidelidade ao original’ era respeitada. 422 Esta cópia fotográfica albuminada integra a coleção D. Thereza Christina Maria, doada pelo imperador d. Pedro II à Biblioteca Nacional, em 1891. 315 Fig. 185 – “Vista da Praça de Ouro Preto no dia da partida da 1ª expedição de Minas para Mato Grosso. Oferecida a Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro por seu súdito Antonio de Assis Martins.” Ico-FBN Em16 de julho (Novidades da Semana, p. 1913) o editorial anunciava a viagem próxima do ‘Defensor Perpétuo do Brasil’ ao sul do país, para assistir à rendição das tropas paraguaias que haviam invadido a Argentina e o Brasil: “Vendo, [...] o egrégio príncipe, que o estrangeiro, audaz até a demência, invadira nova porção do território brasileiro, exercendo e repetindo nele os atos de depredação, com que continua a afrontar a civilização do século, formou a inabalável resolução de seguir para a província de S. Pedro do Sul, o novo ponto do império profanado pelas hordas de López.” E mais à frente, dizia: “A esta hora, livres os augustos viajantes dos perigos do mar, deve o monarca brasileiro estar recebendo no cidade do Rio Grande as demonstrações de respeito e reconhecimento, a que tem o mais perfeito jus.” Na última página do mesmo fascículo, lançado seis dias após a partida do imperador para o sul, Fleiuss estampou uma litogravura da cena da partida, intitulada Viagem Imperial: “Santa Maria, deslizando-se pelas águas da Guanabara, ouve os votos de um povo inteiro em favor da próspera viagem dos augustos passageiros, a bem da realização das largas vistas de S. M. I. e pelo seu triunfante regresso a esta corte, que admira o ato da dedicação imperial, mas não pode esquivar-se ao sentimento de profunda saudade. Santa Maria, que sempre orou pela felicidade do Brasil, continuará a orar pela segurança, glória e ventura do Imperador.” 316 Fig. 186 – “Viagem Imperial.” Semana Illustrada, 16 jul. 1865, p. 1919. DiORa-FBN Fig. 187 – Os retratos destes dois jovens bravos, falecidos durante a batalha fluvial do Riachuelo, havida cinco semanas antes (11 jun.), foram estampados acima de um desenho que retratava uma cena daquele episódio: “O Guarda-Marinha Francisco José de Lima Barros, morto a bordo do Jequitinhonha defendendo a bandeira. Teus dias foram curtos, mas tão cheios / De glória no combate se findaram, / Que os anjos da vitória entre epinícios / Aos céus [ilegível] entregaram. O Guarda-Marinha Antonio Augusto de Araújo Torreão, nascido em Pernambuco, morto a bordo da Mearim. Morrer matando, defendendo a vida / Em prol da pátria, que os heróis produz, / É viver na memória agradecida / Deste vasto país da Santa Cruz.” Semana Illustrada, 16 jul. 1865, p. 1916. DiORa-FBN 317 Em 23 de julho, uma estampa à p. 1924 retomava a questão do vapor Marquês de Olinda, a emblemática embarcação que integrara o episódio de retaliação de Solano López em novembro de 1864, motivador do início da guerra. Fig. 188 – “Episódios. Os nossos bravos soldados que, na batalha naval de Riachuelo, ficaram de novo senhores do vapor Marquês de Olinda, tão covardemente roubado, içaram logo nele o pavilhão nacional. A ousadia do ditador começa a ficar humilhada, e o império vai vingando a honra ofendida.” Semana Illustrada, 23 jul. 1865, p. 1924. DiORa-FBN Em 6 de agosto de 1865 (n. 243), temos um editorial que talvez seja o que melhor sintetiza a posição e os objetivos da Semana Illustrada naquele momento da guerra – face aos outros jornais, ao governo imperial e à sua administração da guerra, e face às forças armadas. Sob o título A guerra! a guerra!, começava assim: O Dr. Semana não quer, nem pode ser indiferente ao assunto magno da situação. [...] O Diário do Rio já falou sobre a guerra. O Jornal do Commercio já falou sobre a guerra. [...] Todos enfim têm falado ou falam da guerra como o objeto da preocupação geral. A pátria está em perigo! A guerra é uma questão nacional! O patriotismo brasileiro está em prova! [grifo nosso] Todos os sacrifícios são poucos! Às armas! A Semana (Deus a livre) não é capaz de contestar essas proposições. Mas exprimindo a mesma idéia falará noutros termos. 318 O Dr. Semana seguia afirmando que a guerra era um mau brinquedo, mau jogo, uma briga de lobos onde quem não devora é devorado. “Como a providência, porém, vela sobre os destinos das sociedades humanas, o Brasil nada deve temer pelo futuro.” O Brasil haveria de vencer, afirmava, porque representava a civilização e porque sua causa era justa. Se a guerra tornarase inevitável, havia de se reforçar a convicção belicista: “Nas lutas internacionais os marechais são os desembargadores; os exércitos os grandes júris, os canhões raiados os eloquentes advogados e as balas raiadas, as granadas, as metralhas, as bombas, os foguetes a Congrève, as espingardas de precisão, os sabres de boa têmpera, as balas cônicas, os navios couraçados e sobretudo o dinheiro e as balas de 200 libras são os melhores argumentos nesse debate singular. Ora, esta é sustamente [sic] a questão atual: a questão do momento; a questão do patriotismo; a questão do governo; a questão do povo brasileiro.” [grifo nosso] Depois de comparar o Brasil e o Paraguai em termos de renda, população e situação político-social, o editorial argumentava que para o Brasil, a questão não era de dinheiro; gastar-se-ia tanto quanto necessário. Tampouco de armamento, cujo incremento já estava sendo providenciado. “O que falta, pois? Patriotismo, temo-lo e devemos tê-lo. Dinheiro, temo-lo. Armas, temo-las. Encouraçados, temo-los. Mocidade briosa e valente, não falta. Mas falta-nos um exército poderoso, forte; que faça a campanha em seis meses em vez de fazê-la num ano. Que abrevie a vitória para mais exaltar a nacionalidade brasileira. [grifo nosso] Que pela rapidez das operações custe-nos a guerra menos dinheiro, menos tempo, menos sangue.” E concluindo o longo editorial, uma importante revelação – no sentido de melhor compreendermos o conjunto das intenções envolvidas na cobertura daquele semanário ilustrado: Eia! pois! o Dr. Semana faz também um apelo aos brasileiros e sobretudo aos seus assinantes. Tomamos o compromisso de fazer chegar a Semana Illustrada ao acampamento do exército para seu exercício nas horas vagas: e se é preciso um prêmio oferece o Dr. Semana tirar o retrato de todos os bravos que se alistarem formando um quadro monumental que sirva de posteridade à glória dos vencedores! [grifo nosso] Eia! pois! às armas! Ao Paraguai! à vitória! Dr. Semana. Henrique Fleiuss deixava claro, pois, que pretendia realizar uma cobertura do conflito ‘para todos os brasileiros’, ou seja, incluindo mesmo os que lutavam no teatro da guerra, aos quais seria igualmente dirigido o seu relato semanal. Ademais, ratificava a sua intenção manifestada originalmente seis meses antes (22 jan.), de estampar o retrato fotográfico dos bravos na Semana Illustrada cujas páginas constituiriam, assim, uma galeria dos homens célebres do conflito. Em seguida àquele editorial, outro texto sob o título Combate de Riachuelo 319 informava que na semana finda, “tivemos uma novidade dramática, que fez muita sensação, e está destinada a despertar ainda fervente entusiasmo.” Era a representação, no teatro de S. Januário, do episódio denominado A glória da marinha brasileira no combate de Riachuelo, de autoria do ator Pimentel. Ao final da representação, segundo o relato, “o público rompeu em delirante e patriótico entusiasmo”, exaltando os bravos de Riachuelo. E a última página daquele mesmo fascículo trouxe uma das estampas mais complexas que Fleiuss elaborou no período – complexa pelo fato de mesclar alegorias, em primeiro plano, com boa dose de realismo, ao fundo e, adicionalmente, representar o imperador numa atitude um tanto militarista e ideologizante, ao empunhar a espada enquanto segura a ‘escritura’ – o original de sua proclamação, onde se destacam as quatro palavras-chave. A bandeira do Império tremula ao fundo e d. Pedro II está ladeado pelos genros, o conde d’Eu e o duque de Saxe (todos copiados de retratos fotográficos), em meio às tropas exaltadas e de armas em punho, posicionadas em nível inferior. Figs. 189 e 190 – [esq.] “.... Rio Grandenses! Falo-vos como pai, que zela a honra da família Brasileira; estou certo de que procedereis como irmãos, que se amam ainda mais quando qualquer deles sofre. (proclamação de Sua Magestade o Imperador aos habitantes do Rio Grande).” [dir.] Detalhe da estampa, que certamente foi desenhada por Henrique Fleiuss, embora não esteja assinada. Semana Illustrada, 06 ago. 1865, p. 1943. DiORa-FBN 320 Logo depois, na Semana Illustrada de 13 de agosto de 1865, à página 1950, lemos: Aos nossos assinantes. Temos a satisfação de comunicar aos nossos honrados assinantes, que, pelo nosso amigo A. L. Von Hoonholtz, nos foram mandados dois desenhos, um representando um episódio do combate naval de Riachuelo e o outro os vapores Ipiranga, Mearim, Araguary, e Iguatemy, no trabalho de desencalhar o Jequitinhonha. Além destes, temos ainda: Uma cópia fiel do nosso primeiro navio encouraçado Brasil, que se está concluindo; Uma cópia de um quadro que a cidade de Montevidéu ofereceu ao Exm. Sr. conselheiro Paranhos, repesentando a Paz. Um retrato do Exm. Sr. conselheiro Pinto Lima, que também já está concluído. Todos estes trabalhos vão ser distribuídos sucessivamente como suplementos da Semana, e esperamos poder publicar cada semana um deles. Fig. 191 – “Suplemento da Semana Illustrada. Brasil. Primeira corveta encouraçada da armada brasileira.” A elaboração deste suplemento foi comunicada, pela primeira vez, em 13 de agosto de 1865 e o seu lançamento deu-se pouco depois. Ico-FBN A campanha da guerra continuava, e Fleiuss tratava de manter seu entusiasmado engajamento sempre em alta, valorizando como ninguém os aniversários de seu jornal e as edições de seus suplementos. O fascículo de 10 de setembro de 1865 trazia novo recado seu, através do Dr. Semana, transcrito a seguir: DR. SEMANA: – Meus senhores! Com este número principia o (XX) vigésimo trimestre da SEMANA ILUSTRADA. Fiel ao meu dístico: 321 RIDENDO CASTIGAT MORES, prometo a zurzir 423 os paraguaios como até aqui. Dar-vos-ei grande cópia de suplementos, que terão na mór parte por objeto os brilhantes feitos da nossa briosa armada e do valente exército, assunto tão caro aos brasileiros! 424 Mas é certo que a fotografia não dava conta da demanda da Semana Illustrada. Quase todas as situações e ocorrências no teatro da guerra não contavam com a presença de um fotógrafo – ou então, em alguns casos, as pouquíssimas imagens produzidas não se prestavam aos seus objetivos – e assim fazia-se necessário contar com o talento de alguns dos próprios oficiais que, tendo presenciado os mais distintos feitos da guerra, produzissem narrativas através de esboços que, enviados à redação da Semana Illustrada, transformar-se-iam nos relatos visuais da guerra que eram semanalmente oferecidos aos leitores. O anúncio publicado naquele mesmo 10 de setembro, p. ex., valorizava a contribuição do desenho à cobertura da Semana Illustrada: Anúncio O memorável Combate naval de Riachuelo no dia 11 de junho e a heróica passagem da esquadra brasileira pela barranca de Mercedes no dia 18 do mesmo mês representados em dois grandes quadros, primorosamente impressos em duas tintas, com todos os episódios destes dois grandes feitos da armada brasileira, sairão brevemente à luz nas oficinas do Imperial Instituto Artístico, no largo de S. Francisco de Paula n. 16. À benévola amizade do muito ilustre e digno Sr. 1º tenente da armada nacional A. L. von Hoonholtz devem os proprietários do Instituto Artístico o poder oferecer ao povo brasileiro aqueles dois importantes padrões de bravura que imortalizaram o nome da Armada Imperial na presente guerra com o Paraguai. O sr. tenente Hoonholtz, comandante da canhoneira Araguari, como habilíssimo desenhista que é, representou com toda a fidelidade as posições que ocuparam as duas esquadras no momento do combate, assim como todas as circunstâncias topográficas do lugar da ação destes dois brilhantes atos da marinha brasileira. À vista disso os dois quadros devem ser considerados como a fiel expressão dos episódios que representam e provavelmente os únicos que serão publicados sobre este assunto. Assina-se no Imperial Instituto Artístico, largo de S. Francisco de Paula n. 16, por 5$000 cada quadro.425 O bravo tenente Hoonholtz era mesmo uma espécie de ‘super-herói da pena’, na concepção humorística de Fleiuss. Um retrato seu já havia sido estampado no fascículo do dia 10, e no dia 24 de setembro, ele foi retratado com uma feição solene, porém serena (certamente copiada de um retrato fotográfico), sentado no convés da canhoneira sob seu comando, com 423 Zurzir = 1. açoitar, espancar, maltratar, molestar; 2. punir, castigar; 3. afligir, magoar; 4. criticar com severidade, repreender asperamente (FERREIRA, 1993, p. 1809). 424 Semana Illustrada, 10 set. 1865, p. 1976. 425 Semana Illustrada, 10 set. 1865, p. 1982. 322 uma prancha sobre as pernas cruzadas, tendo uma pena à mão com a qual produzia um desenho. Ao fundo, muita fumaça e diversas balas de canhão voando pelos ares. A legenda esclarece: “O nosso desenhista A. L. Hoonholtz, comandante da canhoneira Araguari, passando as baterias de Cuevas e desenhando-as com o maior sangue frio.” Um dos melhores exemplos da fina ironia de Fleiuss, que nestes momentos tripudiava sobre a declarada fidelidade dos desenhos, assim como o fez também com a fotografia. A reprodução deste cartum encontra-se no subcapítulo 4.1. A Semana Illustrada de 10 de setembro de 1865 trouxe, à página 1983, outro bom exemplo de como Henrique Fleiuss lidava com a fotografia e o desenho, subordinando os atributos de realismo e de fidelidade da primeira às possibilidades ficcionais do segundo: a litogravura tinha por objetivo mostrar o imperador junto às forças aliadas, durante a sua viagem ao sul do Brasil. A legenda dizia: “S. M. o Imperador e S. A. o Sr. Duque de Saxe. Em traje de campanha. Copiados das fotografias remetidas de Porto Alegre.” O leitor desavisado talvez não se desse conta de que a cena retratada havia sido inteiramente idealizada – inclusive as próprias fotografias que a integravam. Fig. 192 – “S. M. o Imperador e S. A. o Sr. Duque de Saxe. Em traje de campanha. Copiados das fotografias enviadas de Porto Alegre.” Semana Illustrada, 10 set. 1865, p. 1983. DiORa-FBN 323 O imperador e seu acompanhante haviam posado em traje de campanha, realmente, em Porto Alegre, no estúdio de Luiz Terragno. Posaram, ainda, em outros trajes. Mas a cena retratada por Fleiuss mostava os dois num acampamento militar, que só poderia estar em Uruguaiana, objetivo final da viagem imperial ao sul do Brasil – o que não é sequer mencionado, na estampa. Figs. 193 e 194 – São estes os retratos fotográficos de d. Pedro II e do duque de Saxe, no formato carte-de-visite, que serviram de base para elaboração da litogravura estampada na Semana Illustrada. Foram realizados no estúdio do fotógrafo Luiz Terragno (Porto Alegre) em agosto de 1865. Ico-FBN Em 9 de setembro, havia chegado ao Rio de Janeiro Jovita Alves Feitosa, a célebre cearense que residia no Piauí, onde se disfarçou em soldado, na tentativa de alistar-se para a guerra. 426 Apesar de nunca haver estampado um retrato seu, a Semana Illustrada acompanhou a sua trajetória. Em 17 de setembro de 1865 (p. 1985), sob as Novidades da semana, o editor manifestava-se: O leitor ou a leitora já viu a Jovita? Mas quem é a Jovita? É a curiosidade do dia, o ídolo da atualidade, o nome da moda, apessoa do tom, a glória do Piauí, o orgulho do Ceará, a musa da guerra disputada pelas vinte províncias do Império, a hóspede obrigada de todos os palácios, o delírio das platéias, a preocupação do governo, a poesia do exército 426 Ver o capítulo A voluntária Jovita Alves Feitosa: uma alegoria da nação da dissertação de Pedro Paulo Soares, 2003, fls. 82-110. 324 encarnada sob a forma airosa de uma rapariga travessa, exaltada, graciosa, meiga, terrível, misteriosa. [...] O seu retrato anda por todas as mãos; ela em pessoa é procurada com ansiedade, todos a querem ver, todos a querem conhecer, todos almejam por apertar-lhe a mão, e sabe Deus quantos suspiram por abraçá-la. [...] Fig. 195 – [em cima, à esq.] “O 1º tenente Thomaz Pedro de Bittancourt Cotrim, comandante da canhoneira Itajaí, a qual, com a maior temeridade, foi a primeira a romper o fogo das Mercedes.” [em cima, à dir.] “Barrios e Robles. No comando rivais, na malvadeza / Ambos competem com furor subido; / Mas o bruto Barrios na crueza / As lampas leva ao Robles demitido.” [embaixo, à esq.] “O 1o tenente Justino José de Macedo Coimbra, comandante da canhoneira Iguatemi e o major Antonio Luiz Bandeira de Gouvêa. O primeiro gravemente ferido na batalha de Riachuelo e o segundo com a farda rota por uma bala.” [embaixo, à dir.] “A voluntária da Pátria D. Joanna Francisca Leal Souza. Sacudindo a exempção, que a desprendia / Do dever de a mãe pátria defender, / Corre às armas armada em galhardia / Prá valente entre os bravos combater.” Semana Illustrada, 17 set. 1865, p. 1987. DiORa-FBN 325 Em 17 de setembro daquele ano, ocorre uma dessas imagens que não sabemos se originada de um relato verbal ou se copiada de um desenho ou fotografia: “O 1o tenente Justino José de Macedo Coimbra, comandante da canhoneira Iguatemi e o major Antonio Luiz Bandeira de Gouvêa. O primeiro gravemente ferido na batalha de Riachuelo e o segundo com a farda rota por uma bala.”427 Embora o primeiro esteja trajando um roupão, não aparenta estar gravemente ferido. No entanto, a imagem deve ter sido colhida logo após a tragédia, já que o segundo estaria trajando sua farda supostamente rota. Ou então, a imagem pode ter sido colhida dias após a batalha e o major continuava trajando sua farda rota devido à falta de outra para substituí-la... Estes e outros exemplos servem para demonstrar que Fleiuss quase sempre retratou os ferimentos de guerra da maneira mais discreta possível. E quanto aos mortos, estes apareciam sempre vivos, nos retratos estampados nas ‘galerias dos bravos’. Ao compararmos esta representação dos mortos e feridos, constante na Semana Ilustrada, com aquela de jornais norte-americanos que fizeram a cobertura da Guerra da Secessão, perceberemos ainda com mais clareza que Fleiuss vinha produzindo um relato da guerra mais leve, menos chocante, sempre enfatizando o lado heróico, patriótico e evitando as cenas mais cruas e que mostrariam o que efetivamente se passava na teatro da guerra. Tomemos como exemplo o Frank Leslie’s Illustrated Newspaper e o Harper’s Weekly – o primeiro, em especial, importante e pioneira referência do jornalismo ilustrado nos Estados Unidos. Em 18 de junho de 1864, ainda durante a Guerra Civil, a capa do n. 455 reproduz cópias xilográficas “sem exagero” de oito fotografias no formato carte-de-visite de prisioneiros nortistas, sobreviventes da Andersonville Prison, localizada no estado da Geórgia. Em 17 de junho de 1865, pouco depois do término do terrível conflito, o Harper’s Weekly também estampava cópias de fotografias de ex-prisioneiros, sobreviventes da mesma Andersonville Prison. Ambas as publicações causaram forte comoção no norte do país e mal estar até mesmo no sul, levando à punição de responsáveis. E para que não se pense que as fotografias correspondentes às desgraças ocasionadas pela guerra do Paraguai não existiam ou não circulavam no período, vale lembrar, mais uma vez, que o conflito foi fotografado – em especial pelo fotógrafo irlandês George Thomas Bate, então radicado em Montevidéu. Reportando-nos aos resultados da investigação de Miguel 427 Semana Illustrada, 17 set. 1865, p. 1987. 326 Ángel Cuarterolo (2000) sobre este assunto específico, podemos constatar que entre as poucas imagens horripilantes daquela guerra que sobreviveram ao tempo (e à censura?), não encontramos uma sequer que tenha sido estampada em nossa imprensa ilustrada. Entre as fotografias conhecidas mas nunca reproduzidas em nossa imprensa, há cenas de mortos empilhados num campo de batalha, de crianças vitimadas e de oficiais mutilados. Fig. 196 – “Episódios do dia 11 de junho de 1865. Combate naval de Riachuelo. A fragata Amazonas com o pavilhão do Chefe Barroso e comandado [sic] pelo Capitão de Fragata, Brito, metendo a pique um vapor.” O desenho é assinado: “Hoonholtz fec.” Semana Illustrada, 17 set. 1865, p. 1991. DiORa-FBN Em 1o de outubro de 1865 (p. 2002), Jovita Alves Feitosa voltou a ser assunto na Semana Illustrada. Em Suplício de Jovita, o editor comentava: “Jovita, a voluntária, a encantadora, a idealizada Jovita, teve também o seu suplício. E que suplício leitores!” Depois de viver por dois anos no Rio de Janeiro, condenada ao ostracismo, Jovita suicidou-se em 9 de outubro de 1867. O motivo teria sido a partida de seu amante, o engenheiro inglês William Noot, que deixou-lhe apenas a carta de despedida. A trágica morte de Jovita “inspirou a um poeta anônimo uns versos simples e sentidos” que foram publicados na Semana Illustrada de 20 de outubro de 1867 (p. 2859). E em 3 de novembro, na seção ‘Pontos e vírgulas’ (p. 2874), lemos: “Tudo passa; quem fala mais em Jovita? Quando a voluntária do Piauí chegou a esta corte, não se falou em outra coisa; todos queriam vê-la. [...]” Depois de proibida de 327 incorporar-se às tropas, Jovita havia caído no esquecimento, voltando a ser falada por ocasião da sua morte, para em seguida sair de cena, em definitivo. Fig. 197 – [em cima, à esq.] “O general Paunero.” [em cima, à dir.] “O general Canavarro.” [embaixo] “Episódios da guerra com o Paraguai – Batalha naval de Riachuelo. O jovem e denodado guarda-marinha Greenhalg, opondo-se a que a mão infame de um paraguaio arriasse da Parnaíba a bandeira nacional. Morreu, matando o pérfido soldado / Do pérfido tirano derrotado.” Observe-se o rosto de Greenhalg, presumivelmente extraído de um retrato fotográfico posado e devidamente ‘encaixado’ neste desenho, que exprime o momento culminante do acontecimento. Semana Illustrada, 01 out. 1865, p. 2004. DiORa-FBN “Novidades da Semana! A bem dizer só há uma novidade, mas essa enorme, imensa gloriosa, é a entrega de Uruguaiana!” – assim começava a seção Novidades da Semana do fascículo lançado em 8 de outubro de 1865 (p. 2009), dando conta dos resultados da viagem do imperador ao sul, onde a rendição das tropas paraguaias havia se dado a 18 de setembro, perante d. Pedro II, Mitre e Flores. O ‘bárbaro invasor’ havia sido castigado “tão nobremente 328 como convinha aos aliados, como era de esperar do adorado monarca brasileiro.” Há, neste fascículo, mais um desenho digno de menção (reproduzido abaixo), que em leitura menos atenta poderia passar a idéia de cópia de um testemunho fotográfico: “Episódios da guerra contra o Paraguai. Sua Magestade o Imperador, não obstante o intenso frio que fazia, tira dos ombros a capa e cobre com ela um soldado, que estava inteiriçado.”428 Imagem forte, onde o imperador parece estar posando para uma câmera – ou não? Imagem que busca inserir o monarca no teatro da guerra, no seio das tropas; prova testemunhal da sua identificação com a abnegação dos nossos soldados e da sua entrega à causa da pátria, quando dirigiu-se a Uruguaiana para assistir ao sítio imposto aos invasores paraguaios. Pode-se imaginar os efeitos que tal imagem teria produzido, sobre os leitores do jornal. Fig. 198 – Semana Illustrada, 08 out. 1865, p. 2012. DiORa-FBN Ainda na mesma edição, há um aviso de que “Sairão à luz no Imperial Instituto Artístico A Batalha Naval de Riachuelo e Passagem pela Barranca das Mercedes. Dois grandes quadros, impressos em duas tintas. Preço 5$000 cada quadro.” Na Semana Illustrada de 15 de outubro de 1865, além de haver estampado mais uma das infindáveis estampas a explorar o episódio de Riachuelo, dessa vez em página dupla (pp. 2019-20), o editor atendeu a um pedido e publicou a seguinte retificação: 428 Semana Illustrada, 8 out. 1865, p. 2012. 329 Um engano da vossa Semana de domingo passado, me obriga a pedir-vos sua retificação. Consiste ele em haverdes dado como morto a bordo do Ipiranga o bravo e infeliz aspirante Joaquim Candido do Nascimento, sendo que a verdade é ter sido ele varado por uma bala a bordo da canhoneira Mearim a dois palmos de distância do distinto comandante dessa canhoneira o 1º tenente da Armada Elizario José Barboza. Amigo dedicado do tenente Barboza não podemos deixar passar desapercebido o vosso engano visto como já outros se tem dado a respeito do navio do seu comando. O comandante Barboza, tão bravo como modesto, tão intrépido como prudente, o comandante Barboza, digo, contenta-se, é verdade, com a consciência de bem ter cumprido os seus deveres, mas os seus amigos, não devem consentir que passem esquecidos certos fatos que podem criar na opinião pública a crença de ser ele um dos últimos comandantes dos navios da invencível esquadra do rio Paraná: não, três vezes não, o benemérito Bahiano, nós vos afiançamos, tem em todos os feitos praticados por aquela esquadra se elevado à altura dos mais distintos comandantes, esta é a verdade, e nós vos pedimos que a façais bem patente, visto como é sabido que à essa virtude rendeis um fervoroso culto. (Seguem-se as assinaturas). Como se vê, longe de haver desagradado ao comandante do vapor Ipiranga, Alvaro de Carvalho, onde tal morte não havia ocorrido, o equívoco mostrou-se prejudicial ao comandante em cujo vapor a morte havia ocorrido, donde se depreende serem os óbitos estampados na forma de retratos nas páginas da Semana, um sinal de bravura e prova de verdadeira entrega no momento dos enfrentamentos. E vistas assim, aquelas imagens ganham ainda mais significado. O retrato do desastrado coronel paraguaio Antonio de La Cruz Estigarribia, comandante das forças que em junho haviam descido as margens do rio Uruguai para invadir a Argentina e depois o Brasil, permitindo inclusive o saque dos povoados pelos seus comandados429, foi estampado na edição de 15 de outubro. Tem um certo ar de encenação, um certo de clima de fotografia feita nos campos de batalha, mas foi realizado com toda a certeza no conforto do estúdio de Van Nyvel e Guimarães, à Rua dos Ourives 40 no Rio de Janeiro. Depois de render-se aos aliados em 18 de setembro, tornou-se prisioneiro mas continuou em liberdade vigiada no acampamento, vindo em seguida para o Rio de Janeiro. Na semana anterior (08 out. 1865, p. 2009) a Semana já havia informado que O coronel Antonio Estigarribia acha-se nesta corte. O Diário do Rio noticia a sua chegada, disse que ele veria por seus próprios olhos como é que o povo brasileiro recebia os seus inimigos vencidos. 429 DORATIOTO, 2002, pp. 170-6. 330 E com efeito, até hoje nenhum desacato, nenhuma desatenção tem sofrido. Ao contrário, quando os garotos, para quem tudo é festa, lembraramse de fazer alguma algazarra ao verem passra o coronel, o povo protestou contra isso! É assim que o povo compreende o que é e o que vale! No próximo número daremos o retrato do mesmo coronel.” Fig. 199 – Van Nyvel e José Ferreira Guimarães associaram-se em 1862 e tinham entre suas especialidades a realização de retratos no formato carte-de-visite, cuja câmera produzia oito imagens na mesma chapa de vidro, em até quatro poses – ou cliques – diferentes. (KOSSOY, 2002, p. 312). Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2023. DiORa-FBN Fig. 200 – “Dr. Semana. – Donde vens tu, moleque? Moleque. – Nhonhô, eu saí a ver se dava uma cabeçada no Estigarribia. Dr. Semana. – Deveras? Pois não me há de sair mais. Desprezemos o homem, mas respeitemos o inimigo vencido; e nada de molecagem, Sr. moleque... Vai buscar um charuto lá dentro!” Semana Illustrada, 05 nov. 1865, p. 2040. DiORa-FBN 331 Fig. 201 – Os retratos fotográficos de corpo inteiro foram pouco frequentes na patriótica galeria dos bravos, litografada por Henrique Fleiuss, em homenagem àqueles que “defenderam a pátria e ajudaram a salvar a honra nacional.” Semana Illustrada, 05 nov. 1865, p. 2044. DiORa-FBN Fig. 202 – A batalha do Riachuelo continuava a ser lembrada, meses após o seu acontecimento. E apesar de não termos a imagem dos cadáveres, as legendas de algumas imagens faziam referência aos mesmos. Neste caso específico, o homenageado é justamente o alferes do 9º batalhão de infantaria que encarregou-se de sepultá-los, ao final daquele episódio. Semana Illustrada, 12 nov. 1865, p. 2052. DiORa-FBN 332 Fig. 203 – “Paralelo. Como são tratados os prisioneiros. No Paraguai e no Brasil.” Semana Illustrada, 19 nov. 1865, p. 2063. DiORa-FBN Em 12 de novembro, o editorial era exultante. Intitulado ‘Venit Vidit Vicit’, informava que “O Primeiro Voluntário da Pátria, o Príncipe Magnânimo e popular, o Rei Soldado, Pai dos Brasileiros e Defensor Perpétuo do Brasil acaba de chegar a esta capital.” E agradecia: “Graças ao Todo Poderoso pela feliz viagem do Imperador.” E em 27 de novembro, a segunda página foi quase toda ocupada por um comunicado, ‘A paz no Paraguai’, que desenvolvia uma reflexão acerca das vantagens de se buscar a paz naquele momento, levando em conta que as ofensas e agressões perpetradas por López já estavam devidamente vingadas: A paz será um fato necessário e natural, ainda que o Brasil não possa receber plena satisfação pelo grande número de ofensas que lhe tem irrogado o equilibrista D. López. Oxalá que ela se fizesse sem mais derramamento de sangue: é o desejo unânime de todos os brasileiros; o que não podemos é tolerar a idéia de uma paz celebrada sob os auspícios de Mitre e Flores, na cidade de Corrientes, com López em Assunção, porque receamos que a dignidade do Brasil seja esquecida pelos Mitrados aliados, e calçada aos pés após tantos e penosos sacrifícios.” A paz será honrosa, se for assinada depois da expulsão de López; de bem estabelecidos os limites do Paraguai com o Brasil; após a destruição de Humaitá e mais fortalezas construídas nas margens do rio Paraguai; obrigando-se a república pela dívida que contrairmos para a manutenção da guerra. [...] Ao final, depois de propor o aumento das forças brasileiras, o texto lembrava que “a lealdade de cada uma das repúblicas do Prata irá somente até o ponto em que os seus interesses não fiquem prejudicados. A sua história confirma a cada passo a veracidade desta última proposição.” E conclui: “Antes prevenir o mal, que remediá-lo.” 333 Fig. 204 – Embora a legenda deixe claro que o retrato litográfico de Osório, assinado ‘H. F.’, foi copiado de fotografia recente, não esclarece onde e nem por quem ele teria sido fotografado. Semana Illustrada, 19 nov. 1865, p. 2059. DiORa-FBN Em 19 de novembro de 1865, Fleiuss estampou uma cópia de retrato fotográfico do então general-em-chefe Manuel Luiz Osório. A partir do ano seguinte, quando a guerra entrou num processo de estagnação, a publicação de cópias declaradas de fotografias caiu substancialmente, embora a publicação dos suplementos tivesse continuidade. Nos dias 27 de novembro e 3 de dezembro de 1865, foram estampadas interessantes vistas, declaradamente copiadas de fotografias. No primeiro o caso, a metade inferior da página era ocupada pela imagem, cuja legenda afirmava tratar-se do “Desembarque de Sua Magestade o Imperador na cidade do Rio Grande do Sul no dia 1o de novembro de 1865 (Copiado de uma fotografia dos Srs. Sucini & Irmão).” Surge aí mais um nome entre os fotógrafos fornecedores de imagens – mesmo que por vias indiretas – para a Semana Illustrada.430 Temos também uma importante evidência para corroborar nossos comentários anteriores, referentes à imagem do lançamento ao mar do vapor encouraçado Tamandaré (2 jul. 1865, p. 1900). 430 Já havíamos destacado esta imagem e apontado o nome de ‘Sucini & Irmão’ em ocasiões anteriores. Ver ANDRADE (2002, p. 233) e ANDRADE (2004, pp. 149-50). Em LAGO (2008, p. 146), a cópia desta imagem pertencente à coleção Princesa Isabel está reproduzida, assim como a legenda constante do original: “Desembarque de S. M. o Imperador na cidade de S. Pedro do Rio Grande do Sul, no dia 1º de novembro de 1865. Sucini e Irmão fez e dedicou a S. M. o Sr. D. Pedro II.” 334 Fig. 205 – Semana Illustrada, 27 nov. 1865, p. 2067. DiORa-FBN Fig. 206 – Uma fotografia original do desembarque, de autoria de Sucini & Irmão, pertencente à coleção Princesa Isabel. Podemos afirmar, com grande dose de certeza, que foi esta a imagem copiada por Fleiuss na página de seu semanário. Reprodução a partir de LAGO (2008, pp. 146-7). 335 Em 3 de dezembro, a página inteira é ocupada por duas imagens: “Arsenal de Guerra em Porto Alegre” e “Praça em frente do Arsenal servindo de esplanada [...]”431 Ao final da segunda legenda, lê-se entre parênteses: “As fotografias que serviram de original, foram-nos obsequiosamente mandadas pelo Sr. major Lima e Silva.” Seria o fornecedor destas imagens o general da reserva Luís Manuel de Lima e Silva, comandante da Guarda Nacional no Rio Grande do Sul e tio de Caxias? Ou o tenente-coronel José Joaquim de Lima e Silva, do estado-maior da artilharia e chefe da comissão de engenheiros da campanha do sul? A patente mencionada, de major (em 1865) nos deixou sem resposta até o presente momento.432 Fig. 207 – Semana Illustrada, 03 dez 1865, p. 2075. DiORa-FBN 431 Semana Illustrada, 3 dez. 1865, p. 2075. Em nossas esforços para esclarecer este fato, que muito nos interessaria elucidar, consultamos diversas monografias e obras de referência, encontrando mesmo outros militares de sobrenome Lima e Silva, embora nenhum se encaixasse nesta situação específica. 432 336 Fig. 208 – Concluído o episódio da rendição das forças paraguaias que haviam invadido a Argentina e o Brasil, sem que isto houvesse representado o ponto final da guerra, a população começou a ficar impaciente – afinal, já se passara mais de um ano desde o início do conflito. No cartum de Fleiuss, as atitudes do Moleque e do Dr. Semana refletem bem a insatisfação reinante. Semana Illustrada, 03 dez. 1865, p. 2072. DiORa-FBN Fig. 209 – [em cima] “O 1º Tenente Lucio Joaquim de Oliveira, comandante da Iguatemy, antes oficial do Jequitinhonha. O 1º Tenente Eduardo de Oliveira, imediato da Araguary, intrépido, corajoso e firme no seu posto de honra nos combates do Paraná. O 2º Tenente Manoel Augusto de Castro Menezes, comandante de um dos rodízios da canhoneira Araguary. Bravo de Riachuelo.” [embaixo] Episódios da guerra do Sul. O 1º tenente Francisco de Paula Telles de Menezes passou a barranca no seu posto – a culatra do rodízio de ré. Em torno da roda do leme havia uma trincheira, formada de sacos de farinha. Uma bala de 30 furou um dos sacos e lançando longe muita farinha, alguma da qual polvilhou o bravo, obrigou-o a exclamar: Enquanto outros se cobrem de glória, eu me cubro de farinha.” Semana Illustrada, 17 dez. 1865, p. 2091. DiORa-FBN 337 Em 24 de dezembro (p. 3002) Fleiuss anunciou: “Temos o prazer de comunicar aos nossos assinantes que brevemente será dada à luz uma bela litografia representando a heróica passagem da esquadra brasileira pela Barranca das Cuevas. Este ato que cobriu mais uma vez de glória a Marinha Imperial, merecia ser transmitido à posteridade por um grande quadro, assim como foram a memorável Batalha de Riachuelo e a Passagem das Mercedes. O desenho tirado do natural é devido ao lápis do digno comandante da canhoneira Araguary, o nosso amigo Sr. A. L. von Hoonholtz.” A contribuição do Imperial Instituto Artístico com os esforços de guerra ia além da publicação do jornal; em 14 de janeiro de 1866 (p. 3026) a Semana Illustrada anunciava: Mapa do Sul do Império do Brasil e países limítrofes, organizado segundo os trabalhos mais recentes por ordem de S. Ex. o Sr. conselheiro A. F. de Paula Souza, ministro da Agricultura, pelos engenheiros civis H. L. dos Santos Werneck e Carlos Krauss. No Imperial Instituto Artístico e em todas as livrarias da corte, acha-se à venda este interessante mapa, litografado por ordem do governo imperial. É o mais completo e exato, que até agora se tem publicado. Pela simples inspeção dele conhece-se sem esforço a topografia do teatro da guerra. Preço 1$000, cada exemplar. 433 Fig. 210 – Dois meses depois da batalha de Riachuelo, ao passar por Cuevas – um trecho onde o rio estreitava – a esquadra brasileira foi atacada, em 12 de agosto. No relato visual deste episódio, estampado nove meses depois, o rosto do tenente Foster Vidal (copiado de um retrato fotográfico) foi devidamente encaixado no desenho – uma estratégia recorrente, como já vimos diversas vezes, empregada por Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 18 mar. 1866, p. 3095. DiORa-FBN 433 Semana Illustrada, 14 jan. 1866, p. 3026. 338 Em 16 de abril de 1866 o exército aliado, que se encontrava em Corrientes (Argentina), deu início às operações de travessia do rio Paraná – Osório à frente – adentrando, assim, o solo paraguaio. A primeira localidade a ser ocupada foi o forte de Itapirú; em seguida, o Passo da Pátria, que foi abandonado pelas tropas paraguaias e tornou-se um acampamento aliado. Nos meses finais desta fase da guerra, a presença da fotografia deu-se, basicamente, através dos retratos dos ‘bravos’, os heróis da guerra que continuaram a ser periodicamente estampados, geralmente em grupos de três, lado a lado ou então integrando os desenhos que relatavam os momentos mais significativos do conflito, nas páginas da Semana Illustrada. Fig. 211 – “Últimos momentos do heróico 1º tenente – Mariz e Barros – comandante do encouraçado Tamandaré.” Homenagem de H. Fleiuss ao capitão-tenente Antônio Carlos de Mariz e Barros, filho do conselheiro Joaquim José Inácio de Barros, barão e depois visconde de Inhaúma, falecido horas depois do momento representado nesta imagem – quando sua perna foi amputada ‘a sangue frio’ ou seja, sem anestesia. Mariz e Barros havia sido baleado durante um dos reconhecimentos realizados pela armada em março de 1866, visando o planejamento para a invasão do Paraguai pelas tropas aliadas. Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 1347. DiORa-FBN O caso do capitão-tenente Antônio Carlos de Mariz e Barros talvez tenha sido o mais forte e dramático, entre os casos de morte, periodicamente comunicados. Além da estampa reproduzida acima, um longo texto à página 3142 do mesmo fascículo rendia as homenagens verbais ao bravo comandante – mas sem mencionar, textualmente, o caso da amputação de 339 sua perna. O fato de não estar assinado pelo Dr. Semana, entre outros detalhes, sugere que a autoria do mesmo seria devida a outro colaborador do periódico: A estoicidade perante a morte é a virtude das grandes almas. [...] A morte heróica do bravo 1º tenente Mariz e Barros é mais do que um honroso testemunho da sua indômita coragem, do seu ardente patriotismo [grifo nosso], do seu santo entusiasmo pelo dever, é um exemplo glorioso legado aos vindouros, é a honra de uma geração, é a eloquência da morte no seu mais arrojado arrebatamento. Essa comoção profunda e enternecedora que, [...] toca também as fibras do coração nacional e se revela nas lágrimas de todos os olhos, [...] bem atesta que aquele homem-espírito, que subjugou o homem-carne, que aquela nobre idéia, que conseguiu avassalar a sensação física, era mais do que a encarnação de uma individualidade, era a consubstanciação de um nobre pensamento – o do sacrifício da vida por dedicação ao dever, o da abnegação pessoal pelo zelo da honra – honra sua e honra do seu país que deve orgulhar-se ao ver filhos tão nobres e dedicados. [...] 434 Fig. 212 – [em cima, à esq.] “O tenente-coronel José Carlos de Carvalho, plantando o pavilhão nacional no território paraguaio.” [em cima, à dir.] “O tenente-coronel João Carlos de Villagran Cabrita, heróico defensor da ilha de Carvalho, e que sucumbiu depois de sua brilhante vitória.” [embaixo, à esq.] “Interior da barraca do capitão A. G. de Andrade Pinto, Secretário militar do comando em chefe do Exército Imperial. 18 de março de 1866.” [embaixo, à dir.] “Barraca e ramada do general M. L. Osório no acampamento de Tala-Corá, distante três léguas do Passo da Pátria.” Semana Illustrada, 06 maio 1866, p. 3151. DiORa-FBN 434 Semana Illustrada, 29 abr. 1866, p. 3142. 340 Em 13 de maio de 1866, a Semana Illustrada trouxe duas litogravuras de página inteira que faziam referência a um trágico episódio que antecedeu a invasão do território paraguaio (a primeira imagem) e o momento inicial da entrada em solo inimigo (a segunda imagem). Em 30 de março de 1866, os aliados haviam ocupado a pequena ilha de Itapirú ou Carvalho, ao sul de Itapiru e em 10 de abril ocorreu uma tentativa de retomada pelos paraguaios, ocasionando centenas de mortes – a maioria, do lado inimigo. A gravura sobre esse episódio apresenta-nos as cópias de retratos fotográficos, na parte superior – apenas três, entre as dezenas de heróis brasileiros falecidos naquela ocasião. Vemos um major, um cadete (o “menino Torres”) e o alferes secretário do comandante Cabrita – que também faleceu na ocasião, razão pela qual a ilha ganhou ainda mais uma denominação: ilha Cabrita. Na parte inferior, vemos uma cena do violento combate, onde há feridos ou mortos em primeiro plano – mas tudo devidamente obscurecido, sem muitos detalhes ou maior realismo. Já na outra gravura, que representa o momento de superação daquele contratempo anterior – qual seja, a entrada do General Osório em território paraguaio após cruzar o rio Paraná, no dia 16 de abril – o clima também é sombrio, assim como estava o céu, naquela manhã. A lança de Osório está abaixada e ele não aparenta a mesma exaltação que teria demonstrado ao fazer a sua proclamação à tropa, antes da partida. Figs. 213 e 214 – [esq., em cima] “Heróis que faleceram no combate do dia 10 de Abril de 1866, na ilha do Carvalho. Luiz Fernandes de Sampaio, Major do Estado maior de artilharia. O menino Torres, 2º cadete do 1º batalhão de artilharia. Carlos Luiz Woolf, Alferes secretário do comandante Cabrita.” [esq., embaixo] “Episódio do combate na ilha do Carvalho.” [dir.] “O General Osório, primeiro do exército aliado que na passagem do Passo da Pátria pisou o rerritório paraguaio à frente de doze brasileiros.” Semana Illustrada, 13 maio 1866, p. 3160 [esq.] e p. 3163 [dir.]. DiORa-FBN 341 No fascículo n. 285 de 27 de maio de 1866, na reportagem intitulada “Murinelly e seus filhos – ilustração à p. 3176 e texto à p. 3179 – era dedicada a ‘uma família que lutava unida’. Nela, a redação da Semana Illustrada rendeu as suas homenagens “aos bravos que, em desagravo da honra nacional, pelejam nos campos e rios do Paraguai, assim como folga de registrar os nomes dos progenitores desses beneméritos da pátria.” Eram eles (na ordem em que estão retratados) o Dr. José Arthur de Murinelly, tenente de estado-maior de 1ª classe, organizador e comandante do batalhão de voluntários da pátria da província do Paraná; o Dr. Luiz Francisco de Murinelly, médico do corpo de saúde do exército e encarregado de uma enfermaria no hospital de Corrientes, onde contraiu enfermidade, vindo a falecer em 18 de abril de 1866; o progenitor e taquígrafo Murinelly, cujo nome completo não é revelado e Arnaldo Leopoldo de Murinelly, 1º tenente da armada imperial e oficial da canhoneira Mearim, participante ativo em todos os combates que já havia recebido, até ali, diversas condecorações nas campanhas do Uruguai e Paraguai. Fig. 215 – Em “Murinelly e seus filhos”, Fleiuss produziu uma reportagem (texto e imagem) do gênero ‘a família vai à guerra’ – mais uma de suas numerosas estratégias, baseadas no retrato fotográfico, para divulgar, justificar e apoiar a guerra, assegurando a sua continuidade até a completa solução do problema. Semana Illustrada, 27 maio 1866, p. 3176. DiORa-FBN Fig.216 – Semana Illustrada, 22 abr. 1866, p. 1338. DiORa-FBN 342 5.2 Uma idéia mirabolante: a comissão photographica 5.2.1 O anúncio da reportagem fotográfica da comissão de engenheiros junto às forças em expedição para a província de Mato Grosso O anúncio da comissão enviada pelo exército brasileiro ao Mato Grosso já foi mencionado de maneira superficial no sub-capítulo 5.1.1 do presente trabalho, já que aparece nas páginas da Semana Illustrada em abril de 1865, mês que antecede a assinatura do Tratado da Tríplice Aliança. A partida daquele grupo de engenheiros militares é o marco inicial de um episódio que se estende por mais de dois anos e assim, deveria figurar igualmente nos sub-capítulos 5.1.2 e 5.3. A decisão de apartar o relato e fazê-lo por inteiro neste ponto da narrativa é decorrente da sua relevância, a nosso ver, para a história da fotografia no Brasil e também porque tudo se passa em região (sudeste e centro-oeste do país) distante dos palcos onde o principal teatro da guerra contra o Paraguai se desenrolava. Julgamos o fato relevante; mas não pelo que foi realizado e sim pelo que foi intencionado e planejado por Henrique Fleiuss. O texto a seguir consiste em um parênteses em meio à narrativa do capítulo 5, onde recuaremos e avançaremos no tempo cronológico da guerra, tratando exclusivamente deste interessante e malogrado feito, para depois voltarmos a recuar, no sub-capítulo 5.3, dando seqüência à narrativa iniciada em 5.1 acerca das imagens da guerra contra o Paraguai estampadas nas páginas da Semana Illustrada. Iniciado o conflito contra o Paraguai e já tendo desistido de produzir, naquele momento, um jornal com estampas xilográficas (cap. 3.2), Fleiuss tratou de concentrar seus esforços na busca de fornecedores de fotografias, desenhos e textos produzidos nos campos de batalha, para estampá-los e transcrevê-los em seu jornal – no caso específico da fotografia, ele o fizera pela primeira vez, como já vimos, por ocasião do cerco e tomada de Paissandú, quando editou dois suplementos com vistas do conflito, além de estampar alguns retratos. Enquanto os fatos se sucediam, Henrique Fleiuss tratava de arquitetar um sistema mais eficaz para trazer os fatos da guerra, ou melhor, as fotos da guerra até os seus leitores, através da capacitação de uma equipe de ‘repórteres fotográficos’, digamos assim. O resultado dessa nova iniciativa foi comunicado à página 1802 do fascículo lançado no dia 2 de abril de 1865, dia seguinte à partida da Comissão de engenheiros junto às forças em 343 expedição para a província de Mato Grosso. Assim dizia o ‘Aviso aos nossos assinantes’: Temos a satisfação de anunciar aos leitores da Semana Ilustrada que uma comissão de engenheiros da força expedicionária de Mato Grosso, que segue hoje [sic] para essa província, estudou em nossa casa a fotografia e levou uma máquina e as necessárias preparações a fim de tirar vistas e tudo o que possa haver de interessante, para junto com as necessárias descrições ser publicado na Semana. Congratulamo-nos por tão importante coadjuvação, que de certo aumentará muito o interesse que o público tão benevolamente tem mostrado à nossa publicação. Os cinco membros da comissão fotográfica são: capitão Antonio Florêncio Pereira do Lago; tenente João da Rocha Fragoso; dito, Catão Augusto dos Santos Roxo; dito, José Eduardo Barbosa; dito, Alfredo d’Escragnolle Taunay. A partida havia ocorrido no dia 1º de abril, conforme se lê no Diário Oficial do Império do Brasil: “Embarcou hoje no vapor Santa Maria o Sr. Coronel Manoel Pedro Drago, presidente e comandante das armas da província de Mato Grosso. S. Ex. leva em sua companhia uma comissão de engenheiros composta dos Srs.: tenente coronel Miranda Reis, capitão Pereira do Lago, e tenentes J. Fragoso, E. Barbosa, Chichorro da Gama, Taunay e Roxo; uma comissão médica, enfermeiros e diversos oficiais de várias armas.” Na verdade, não se tratava de ‘uma’ comissão de engenheiros da força expedicionária, como consta do anúncio publicado por Fleiuss – naquele grupo, estavam cinco dos sete membros que compunham ‘a’ Comissão de engenheiros junto às forças em expedição para a província de Mato Grosso que, partindo do Rio de Janeiro em 1o de abril de 1865, envolveu-se em uma desastrada aventura que culminou, em 7 de maio de 1867 – ou seja, praticamente dois anos depois – no célebre episódio da ‘retirada da Laguna’, que inspirou a obra de Alfredo d’Escragnolle Taunay, o membro daquela comissão que entrou para a história como o visconde de Taunay. Entre os outros quatro membros, aquele que mais se notabilizou foi o capitão Antonio Florêncio Pereira do Lago. Integrava o Corpo de Estado Maior de 1ª Classe; de suas habilitações científicas constavam “o curso de estado maior de 1ª classe, pelo regulamento de 1855 e mais o 4º ano e o curso de engenharia civil pelo de 1858”, sendo bacharel em matemáticas e ciências físicas. 435 Nos Apontamentos biográficos elaborados em sua homenagem pelo visconde de Taunay e publicados na revista do IHGB, ficamos sabendo que Pereira do Lago nasceu no Rio Grande 435 ALMANAQUE, (1865, pp. 68-9). 344 do Norte em 1825, em localidade próxima a Mossoró. Após uma infância de dificuldades ingressou no exército, sendo transferido para o Rio de Janeiro. Graças ao seu esforço e dedicação, conseguiu matricular-se na Escola Militar em 1949; em 52 participou da Guerra do Prata, que derrubou o ditador argentino Juan Manuel de Rosas. De volta, seguiu aperfeiçoando sua formação até ser convocado para a expedição ao Mato Grosso, na função de ajudante da comissão de engenheiros, organizada e dirigida pelo tenente coronel Miranda Reis. Enfrentou todos os percalços, inclusive a Retirada da Laguna. Segundo Taunay, Durante interminável viagem pelo interior do Brasil baldo de recursos (dois anos para se chegar à zona de operações!) na economia interna das forças expedicionárias, no serviço diário dos acampamentos, nas explorações e sobretudo passagens de rios vadeáveis ou não, nos reconhecimentos e combates e, acima de tudo, nos mais honrosos trechos da retirada, foi o capitão Pereira do Lago inexcedível em resolução, sangue frio e serenidade, exemplo contínuo, sem o menor desfalecimento, a quantos quizessem dar cumprimento inteiro a deveres tornados então sacríficio quase sobre-humano. [...] Por vezes foi a verdadeira alma, o braço forte da infeliz columna em seu movimento retrogrado da linha do Apa a Nioac, principalmente quando, em fins de Junho de 1867, depois dos medonhos estragos do cólera-morbo, o acúmulo e a agravação das misérias e desastres a quase todos haviam alquebrado o ânimo e a vontade de lutar e resistir. [...] Verdade é, que a responsabilidade da marcha até á fronteira paraguaia e da invasão do território inimigo sobre ele caía quase inteira, pois fôra o seu voto preponderante no conselho de guerra em que se decidira a temerária aventura, bem temerária, de fato; pois de 1.600 homens de guerra que transpuseram o Apa, só voltaram, trinta e cinco dias depois, 720!... (TAUNAY, 1893, pp. 73-90) Depois da guerra, Pereira do Lago teve ainda uma extensa carreira, cumprindo missões diversas e ocupando postos, literalmente, de norte a sul do país. O período mais delicado foi aquele em que esteve encarregado do comando geral do Corpo Militar de Polícia da Corte (1885-88), função que lhe custou aborrecimentos e desgaste. À época da proclamação da República encontrava-se em Manaus e, de volta ao Rio de Janeiro, foi reformado no posto de tenente coronel, vindo a falecer, já bastante doente, em 1892. Continuando a apresentação dos membros da comissão, o segundo tenente João da Rocha Fragoso integrava o Corpo de Engenheiros; tinha o “curso completo de engenharia militar 345 pelo regulamento de 1860”, sendo bacharel em matemáticas e ciências físicas. 436 Entre outras contribuições dadas no pós-guerra, o então capitão Fragoso elaborou o célebre Mapa arquitetural da cidade do Rio de Janeiro. Parte comercial, litografado por Henrique José Aranha e impresso por Paul Robin, em 1874 (CEHB-BN n. 2597). Trata-se de uma detalhada planta baixa do centro da cidade, em quatro folhas – possivelmente a mais bem realizada obra do gênero na corte, em todo o século 19 – a ponto de haver merecido a edição de um facsímile, em tempos recentes. O tenente Catão Augusto dos Santos Roxo integrava o Corpo de Estado Maior de 1ª Classe; suas habilitações científicas se restringiam ao “curso de estado maior de 1ª classe pelo regulamento de 1860”. 437 Entre suas atividades no pós-guerra, dirigiu a Escola Militar da província do Rio Grande do Sul. O casarão hoje ocupado pelo Museu Júlio de Castilhos, à rua Duque de Caxias em Porto Alegre, foi originalmente construído para servir de residência ao então coronel Roxo. Adquirido pela comissão executiva do Partido Republicano Riograndense, serviu de residência para o ex-governador do Rio Grande do Sul Júlio de Castilhos e sua família, sendo finalmente transformado em museu, após o seu falecimento. O primeiro tenente José Eduardo Barbosa, também membro da comissão fotográfica, integrava o Corpo de Engenheiros; tinha o “curso completo de engenharia militar pelo regulamento de 1858”, sendo bacharel em matemáticas e ciências físicas. 438 Passando ao último nome integrante da lista divulgada pela Semana Illustrada, o segundo tenente Alfredo de Escragnolle Taunay integrava a Arma de Artilharia e suas habilitações científicas incluiam o “curso de infantaria e cavalaria pelo regimento de 1863, mais o 3º e 4º anos pelo de 1860”, sendo bacharel em matemáticas e ciências físicas. 439 Era, de longe, aquele que mais próximo estava do núcleo do poder, como veremos. Taunay descendia de uma família que gozava de especial prestígio na corte. Seu avô Nicolas-Antoine Taunay era pintor de renome na França bonapartista, tendo recebido em 1815 – ano seguinte à abdicação de Napoleão – o convite de Joaquim Lebreton para juntar-se à missão artistica que partiu para o Brasil em 1816 e ficou conhecida como a Missão Francesa. Aqui chegou acompanhado da mulher Joséphine Rondel e dos cinco filhos, além do irmão Auguste-Marie Taunay, também 436 ALMANAQUE (1865, pp. 46-7). Idem, idem. 438 Idem, (1865, pp. 188-9). 439 ALMANAQUE (1865, pp. 188-9). 437 346 artista, e fixou-se na Floresta da Tijuca, onde também dedicou-se ao cultivo do café. Frustrado nos seus objetivos acadêmicos, voltou definitivamente para a França em 1821, acompanhado apenas da mulher e de um dos filhos, Hippolyte – que na verdade, já havia regressado antes do pai. Dos quatro que permaneceram, interessa-nos neste ponto destacar dois: Félix e Adrien. Félix-Émile Taunay, também pintor, tornou-se um dos preceptores do jovem Pedro, futuro imperador, a quem ensinou latim, grego, francês, história, ciências e desenho. Foi professor da Academia Imperial de Belas Artes desde 1821 e dirigiu-a entre 1834-51. Seu irmão Adrien Aimée Taunay, também artista, viveu a primeira experiência como desenhista de uma expedição científica aos quinze anos, ao acompanhar o barão Louis Claude de Freycinet ao Oceano Pacífico. Em 1825, integrou-se à expedição Langsdorff, juntamente com Hercule Florence. Ao tentar atravessar um rio a nado, em 1828, morreu afogado, sendo arrastado pela correnteza. O nosso Alfredo da comissão era um dos três filhos de Félix-Émile Taunay e Gabriela Hermínia Beaurepaire d’Escragnolle, tendo construído além da carreira militar, diversas outras em paralelo: desenhista e pintor, jornalista e escritor, político, dramaturgo e compositor... mas não fotógrafo (infelizmente!), pelo que pudemos concluir de nossa investigação. Em seu Discurso Fúnebre ao Visconde de Taunay, disse José Veríssimo: “Pela variedade das suas aptidões, o Sr. Taunay mereceria esse feio nome de polígrafo, com que os bibliógrafos alcunham os que tratam e escrevem de muitas coisas.”440 Membro fundador da Academia Brasileira de Letras e durante muitos anos orador oficial do IHGB e um de seus mais produtivos membros, desligou-se do instituto após a proclamação da República, no momento em que o presidente Deodoro tornou-se também presidente daquela instituição.441 Dos outros filhos de Félix-Émile e Gabriela, Adelaide e Luiz Godofredo, a irmã tornou-se uma fiel interlocutora de Alfredo durante a sua expedição ao Mato Grosso, o que se depreende das cartas trocadas, como veremos mais à frente. Quanto aos outros dois membros da comissão de engenheiros que não participavam da suposta comissão fotográfica organizada por Fleiuss, eram eles o tenente coronel Miranda 440 VERÍSSIMO apud MARETTI, 2006, p. 28. As informações para a redação deste perfil de Alfredo d’Escragnolle Taunay foram extraídas, em grande parte, de: TAUNAY, Raul, 2008. 441 347 Reis e o tenente Chichorro da Gama. José Miranda da Silva Reis, depois Barão de Miranda Reis e marechal do exército, teve ainda uma prestigiosa carreira política depois da guerra, presidindo as províncias do Amazonas e do Mato Grosso. Ainda na guerra, ao retornar daquela expedição, partiu para o Paraguai onde desempenhou diversas funções de comando no Chaco, tendo sido inclusive gravemente ferido. Dirigiu a Escola Superior de Guerra por curtíssimo príodo, em 1889 e foi nomeado ajudante de campo do imperador, ao lado de quem estava na madrugada de sua partida para o exílio.442 Já o primeiro tenente bacharel Joaquim José Pinto Chichorro da Gama não teve a mesma sorte de Miranda; faleceu num acampamento às margens do rio Taboco em 26 de julho de 1866, durante um período de extremas dificuldades enfrentadas pelos expedicionários no Mato Grosso, sendo enterrado ali mesmo. Estariam os nossos engenheiros militares expedicionários verdadeiramente capacitados para tal empreitada fotográfica? Todo o conhecimento fotográfico que possuíam por ocasião da partida teria sido adquirido através dos estudos na casa de Fleiuss Irmãos & Linde ou já teriam eles recebido instrução específica anteriormente – à época da formação militar? Em nossa investigação na documentação referente à formação na Escola Militar, por exemplo, não encontramos qualquer indicação de que ali se ministraria o ensino da fotografia, embora haja menção às ‘máquinas da arte’ e aos ‘instrumentos topográficos e geodésicos’, por exemplo.443 Os relatórios anuais apresentados à Assembléia Nacional Legislativa sempre abordavam a questão da instrução, entre tudo mais que se referia à infra-estrutura, ao funcionamento e à constituição dos corpos do exército – mas tampouco ali obtivemos qualquer indicação neste sentido. Nas Instruções expedidas pelo ministério da guerra sobre as atribuições do comandante geral e oficiais do corpo de engenheiros, publicadas pelo Ministério dos Negócios da Guerra em 26 de fevereiro de 1866, em conformidade com decreto do ano anterior, ficamos sabendo que ao comandante do corpo incumbiria, entre outras obrigações, “propor ao ministro da guerra [...] a aquisição de instrumentos necessários ao desempenho das comissões de que forem incumbidos os oficiais sob seu comando, tendo em vista as invenções e os aperfeiçoamentos adotados [...].” Os oficiais do corpo de engenheiros seriam empregados, 442 TAUNAY, 1933, p. 93. Escola Militar, quadros demonstrativos,1866 e 1867 – além dos relatórios anuais apresentados pelo ministro dos negócios da guerra à Assembléia Nacional Legislativa. 443 348 entre outras missões, nos reconhecimentos preparatórios das ações militares e “no levantamento de plantas, cartas geográficas e topográficas, configuração dos terrenos, e na organização de projetos, planos, estatísticas, itinerários e memórias militares.” O artigo 9º determina: “No arquivo militar haverá: 1º uma pequena livraria, contendo as melhores obras, e jornais relativos à engenharia militar; 2º uma coleção de instrumentos topográficos, e modelos de fortificação, de máquinas, ferramentas, aparelhos e instrumentos que possam interessar ao engenheiro na prática do seu serviço; [...].” Ou seja, o ambiente era propício à prática da fotografia, ao menos nas atividades de levantamento. Possibilidade que se torna ainda mais palusível quando examinamos a obra pertencente à biblioteca do imperador d. Pedro II cujas folhas iniciais reproduzimos a seguir: Figs. 217 e 218 – Aplicação da fotografiaaos levantamentos militares, de J. A. Jouart. Paris, 1866. Na falsa folha de rosto, a dedicatória – sem data – do autor, em homenagem “à Sua Magestade Dom Pedro”. DiORa-FBN Não foi possível precisar a data da dedicatória ou da chegada do livro às mãos do imperador, mas o livro serve para nos fazer crer ainda mais que o anúncio de Fleiuss tinha fundamento, 349 realmente. Nesta interessante obra, o autor J. A. Jouart faz uma resenha do estado-da-arte da aplicação da fotografia às atividades desempenhadas pelos engenheiros militares, opinando que “o homem, reduzido no passado às suas próprias forças, na eterna luta com tudo que o cerca, conquistou, como auxiliares de sua vontade toda-poderosa, três misteriosos agentes que se mantiveram entrevistos e inúteis desde a criação.444 Seriam eles o vapor, a eletricidade e a fotografia. Discorrendo sobre a fotografia, Jouart afirma que aquela arte ainda estava no seu estágio inicial de desenvolvimento e que “por seu passado tão próximo de nós, por seu presente cheio de progresso e de transformações maravilhosas, podemos prever o grande papel que o futuro reserva para ela e o poderoso auxílio que está destinada a emprestar aos estudos das ciências naturais e físicas.” Depois de séculos onde nada mais fora do que matança organizada, reflete Jouart, o século 19 havia tornado a guerra uma verdadeira arte, uma ciência que abarcava as outras ou as utilizava, todas. Voltando ao ‘Aviso aos nossos assinantes’ de Fleiuss, consideramos o fato relevante, como já dissemos, no tocante às tentativas de apropriação da fotografia – mais especificamente, da fotografia de guerra – pela imprensa do Rio de Janeiro, pois que foi esta a primeira vez que um editor tomou a iniciativa declarada de constituir um corpo de fotógrafos, supostamente instruídos para tal, conferindo-lhes a missão de colher imagens de um evento prédeterminado, com o intuito de publicá-las em um jornal. Por outro lado, esta relevância ficou ofuscada porque a iniciativa, como já dissemos e veremos a seguir, não alcançou o objetivo específico, ou seja, a comissão jamais conseguiu produzir e enviar as fotografias prometidas. 445 O que chegou à redação da Semana Illustrada, de maneira esparsa, foram apenas algumas cartas que apresentavam ‘um retrato’ daquela expedição. Um contraponto com o relatório oficial emitido pela mesma comissão para o Ministério da Guerra enriquece sobremaneira a narrativa do evento – ressalte-se que em ambos os casos, a redação esteve a cargo de Taunay. Mas a técnica do contraponto pode oferecer ainda mais relevo à narrativa, se a esses dois relatos acrescentarmos as cartas pessoais que Alfredo enviou a seu pai Félix-Émile e à sua irmã Adelaide. Existem, ainda, as suas memórias, entre outros de seus tantos escritos, que 444 Tradução minha. O ‘Aviso aos nossos assinantes’ da Semana Illustrada foi reproduzido em A revista no Brasil (2000, pp. 4344), acompanhado da seguinte afirmação: “nascia ali, com aqueles repórteres de última hora, um gênero jornalístico novo no Brasil: a fotorreportagem, sob a forma de textos curtos que acompanhavam as imagens.” Tal afirmação não se confirmou, em nossa pesquisa. 445 350 tornariam o relato mais rico, naturalmente. Mas longe de ser a nossa intenção realizar esta tarefa, tentaremos aqui apontar apenas aquilo que diz respeito ao nosso assunto específico. E para fazê-lo, vamos utilizar basicamente as duas primeiras fontes mencionadas, além da Semana Illustrada: a primeira é o Relatório Geral da Comissão de Engenheiros (1865-1866), de 80 páginas (incluindo os anexos), relatório este que, por sua vez, está anexado ao Relatório apresentado à Assembléia Geral na primeira sessão da décima terceira legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da guerra, João Lustoza da Cunha Paranaguá (Rio de Janeiro : Tipografia Nacional, 1867). A segunda fonte a ser empregada é a transcrição e a tradução das cartas enviadas por Taunay à sua irmã Adelaide e a seu pai, respectivamente, constantes da obra Cartas da campanha de Mato-Grosso: 1865 a 1866 (Rio de Janeiro : Biblioteca Militar, 1944?). 446 Segundo o organizador do livro Afonso de Escragnolle Taunay, tratava-se de “um rapazola de vinte e dois anos de idade, que até então jamais deixara a casa paterna”. Mas que era destemido, como veremos. E assim, continua Afonso Taunay, partiu Alfredo d’Escragnolle Taunay com a firme intenção de praticar à risca o preceito camoneano relativo à utilização simultânea, diária, diuturna, da espada e da pena. E não só da pena; entendia ainda valer-se, sempre que pudesse, do lápis, cobrindo de desenhos as páginas de um álbum que seu Pai lhe dera, recomendando e muito o nulla dies sine linea. Apaixonado pela epistolografia, ótimo ensejo lhe daria a longa jornada, que ninguém sabia ainda quão dilatada seria, para manter avultada correspondência, assídua quanto possível, com os seus e com os amigos e colegas. Daí o ardor com que encetou a remessa de cartas às pessoas que lhe eram especialmente caras. (TAUNAY, 1944?) Afonso menciona a desobediência de Alfredo às ordens recebidas de seu pai, Félix-Émile Taunay, no sentido de destruir as cartas que recebesse. Guardava-as todas, com extremo zelo. Ainda assim, lembra o organizador, “há, infelizmente, grandes e graves soluções de continuidade nesta documentação” [grifo meu], visto que numerosas cartas remetidas jamais alcançaram seu destino. O mais triste desta história é saber que a maior parte do material que produziu, referente aos vocabulários indígenas, além de desenhos e plantas topográficas e sabe-se lá mais o que, foi irremediavelmente perdido. No período em que 446 Na apresentação da obra, o historiador e seu filho Afonso de Escragnolle Taunay, que a organizou, informa que Alfredo escrevia as cartas à sua irmã em português e a seu pai, em francês – tendo estas últimas sido traduzidas por ele e por “minhas queridas e boas filhas”, cujos nomes não se fazem presentes. É sem dúvida um bom trabalho; talvez levemente prejudicado face ao desconhecimento, pelos tradutores, das técnicas fotográficas e dos trabalhos de Florence – informações estas não disponíveis, à época. 351 deixou Nioac para avançar sobre o território paraguaio, os inimigos assaltaram aquela localidade, provocando grande incêndio. Na volta, junto aos outros retirantes – e sobreviventes – da fazenda da Laguna, pouco foi salvo. Antes de passarmos à narrativa, vale lembrar que a comunicação com a província de Mato Grosso – invadida por tropas paraguaias e cuja situação naquele momento já relatamos sucintamente no sub-capítulo 4.2 – era muito difícil. A Semana Illustrada de 5 de março de 1865 troxe à página 1768 um retrato de Barão de Vila Maria, seguido na observação “vide a comunicação do texto” – que se encontra às páginas 1765-66 sob o título “Romaria patriótica do Sr. Barão de Vila Maria.” Joaquim José Gomes da Silva, o barão, foi figura de relevo na história política do Mato Grosso, onde era proprietário de uma importante fazenda de gado ao sul da província, invadida pelas tropas paraguaias. Sua chegada à corte naquele momento foi muito importante, cremos, no sentido de subsidiar a comissão que se preparava para partir em direção ao centro-oeste. E ao dar conhecimento ao público leitor daquele fato, Fleiuss demonstrava estar mobilizado com a questão das vias de acesso entre a sede da corte e o objetivo da expedição [também] fotográfica. Diz o texto: O Sr. Barão da Vila Maria partiu da margem oriental do rio Paraguai, entre a barra do Taquari e o rio Miranda, no dia 5 de janeiro, trazendo em sua companhia sua mulher, um filho menorde oito anos, três escravos e dois criados. Percorreu a campanha, que se estende entre este ponto e o Coxim, em 9 diuas, vencendo penosas dificuldades, auxiliado por uma bússola que de muito lhe serviu nesse deserto alagadiço, sendo preciso, em muitos lugares, atravessar em pelotas, 447 por causa da profundidade das corixas. 448 Este espaço, percorrido em 9 dias, podia sê-lo em em 3, em tempo seco. Do Coxim, seguiu [...]. De Santa Anna tomou a estrada que vem ter a S. Bento de Araraquara, S. João do Rio Claro, Limeira, Campinas, Jundiaí, S. Paulo e Santos, gastando em todo esse trajeto 29 dias de marcha, e 18 de parada em passagens de rios e em diferentes lugares [...]. À exceção do teritório, percorrido entre o Paraguai e o Coxim, encontram-se pela estrada todos os recursos necessários; possuem os lugares por ela cortada, povoados por muitos fazendeiros, assim de cultura, como de criação de gado. O terreno, desde S. Paulo até a beira do Paraguai, é quase todo plano e descoberto, tendo-se apenas de atravessar duas matas [...]. A viagem, que empreendeu e acaba de concluir o Sr. Barão, teve por fim informar o governo imperial do que se tem passado em sua província e prover-se de meios de defesa de que a julga carecida para dar mais uma lição aos bárbaros do cacique López. 447 Pelota = embarcação fluvial rústica e improvisada, feita de trançado de varas recoberto por couro de boi, movida a cabo e usada para travessia de pessoas e cargas de uma para a outra margem. 448 Corixa = canal que liga as águas de lagoas, alagados etc. com os rios próximos. 352 Como se lê no Diário Oficial do Império do Brasil refrente ao ano de 1865, haviam algumas iniciativas específicas para melhorar a comunicação por correio com o Mato Grosso – nem sempre com sucesso. Em 12 de janeiro, p. ex., havia sido publicada uma portaria “criando uma linha extraordinária de correio, entre as capitais das províncias de S. Paulo e de Mato Grosso. As malas conduzidas por esta linha conterão somente ofícios e cartas, e serão expedidas pelo correio geral nos dias 1, 11 e 21 de cada mês. O trajeto até Cuiabá será feito em 27 dias, a contar do da partida desta corte.” 5.2.2 Fleiuss, Taunay e Florence: aventuras e desventuras da comissão de engenheiros (1865-1867) ou Zigue-zague: a reportagem fotográfica que não houve Na nossa inevitável subordinação ao passado há uma coisa, pelo menos, de que nos libertamos: condenados como sempre estamos a conhecê-lo exclusivamente pelos seus vestígios, conseguimos, todavia, saber muito mais a seu respeito do que aquilo que esse passado achou por bem dar-nos a conhecer. É, bem vistas as coisas, uma grande desforra da inteligência sobre o dado. (Marc Bloch, Introdução à História, pp. 59-60. Apud KOSSOY, 2006, p.5.) Vamos aos homens que perfuram seu inimigo sem nunca tê-los visto, só porque a vontade de poucos assim o querem. Catão, o censor. (pseudônimo de Alfredo d’Escragnolle Taunay, em carta à Semana Illustrada, 21 fev. 1866, p. 3030.) Após a partida da comissão de engenheiros em 1º de abril, ficaram Henrique Fleiuss e seus leitores aguardando as ansiadas fotografias, as tais “vistas de tudo que possa haver de interessante” para estampá-las em litografia nas páginas do semanário. Segundo consta do relatório geral elaborado para o ministério da Guerra, a partida se deu às 14h no vapor no vapor Santa Maria, que alcançou a cidade de Santos no dia seguinte, pela manhã. 353 Fig. 219 – Semana Illustrada, 02 abr. 1865, p. 1802. DiORa-FBN Transferidos para um pequeno vapor adequado à navegação do rio Cubatão, seguiram em direção ao pé daquela serra, onde tomaram duas diligências. A estrada da serra de Cubatão, diz o relatório oficial, “é de uma fortíssima declividade superior à geralmente adotada nas estradas de rodagem; o macadame é péssimo 449 e acha-se completamente estragado; é cortada por grande número de valetas malfeitas e de grande profundidade, existindo algumas pontesbueiros, feitas de madeira roliça cobertas de barro e pedra: finalmente, sendo aberta na encosta da serra, não é guarnecida, como convinha, de uma muralha que resguarde os carros e animais de por quaisquer circunstâncias, precipitarem-se em medonhas profundidades.” Como se vê, a viagem teve emoção de sobra, desde o princípio. Alcançado o alto da serra e feita a troca de animais, seguiu a comissão até a cidade de São Paulo, onde chegou por volta das 21h., hospedando-se no hotel da Europa. Depois de sete dias em São Paulo, onde nossa comissão juntou-se a uma força composta de uma companhia de cavalaria de linha, além do corpo de guarnição da província de São Paulo, do corpo policial da mesma província e do corpo fixo da província do Paraná, partiram todos rumo a Campinas no dia 10 de abril, pela manhã. Enquanto o relatório oficial é rico em 449 O macadame é um processo de revestimento de ruas e estradas consistindo numa mistura de pedras britadas, breu e saibro, submetida à forte compressão. Foi desenvolvido pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam, por volta de 1820. A estrada União e Indústria, idealizada por Mariano Procópio para ligar Petrópolis a Juiz de Fora e inaugurada por d. Pedro II em 1860, era o modelo dessa avançada tecnologia, em nosso país. 354 descrições de características da engenharia das estradas e pontes, trazendo também boas informações acerca da topografia e da vegetação, as cartas pessoais nos revelam o lado mais humano e sensível de Taunay. Do trecho inicial pelo oceano, conta ao pai que “chegamos a Santos com excelente viagem, verdadeiro mar de rosas.” Em São Paulo, relata Taunay, “estreei o meu album desenhando os aspectos da igreja do Rosário, pertencente a uma irmandade de pretos. [...] É antes feia do que bonita.” E esta mesma carta, sem data, 450 Taunay encerra assim: Estou preparando a minha correspondência para Fleiuss e o que houver de interessante irei contando a V. nas cartas que, sempre que puder, lhe escreverei. Muitas saudades. Seu filho respeitoso, Alfredo.” De fato, Taunay datou de 9 de abril a primeira carta enviada à redação da Semana Illustrada – mas que só aparece em suas páginas a 30 de abril, quando Taunay já se encontrava em Campinas há duas semanas. A impaciência de Fleiuss era evidente. Em sua ânsia por notícias, a página do editorial daquela edição era iniciada por uma xilogravura onde o Dr. Semana e o Moleque, depois de escalarem as torres gêmeas da igreja de São Francisco de Paula, localizada no largo onde funcionava o Imperial Instituto Artístico naquele período, tentavam antever a chegada de novas informações. Anti-clerical como sempre foi, o alter-ego de Fleiuss fazia esta escalada sem o menor escrúpulo. Fig. 220 – O Dr. Semana, montado no galo da torre, empunha uma luneta, ansiando pelas novidades da semana. Semana Illustrada, 30 abr. 1865, p. 1829. 450 Afonso Taunay estima que a carta foi escrita entre 7 e 9 de abril. 355 Naquele fascículo, depois de dar as boas vindas ao “eminente naturalista” e “ilustrado Sr. Agassiz” que acabava de desembarcar do vapor Colorado, procedente de Nova Iorque segundo nos informa, eis que se inicia a transcrição, às pp. 1830, 1833 e 1834, da primeira missiva enviada por Taunay: Expedição de Mato Grosso. PRIMEIRA CARTA. S. Paulo, 9 de abril de 1865. Meu caro e ilustre Redator. Vale, diziam Cícero e Plínio, os nosso mestres no gênero epistolar, encetando correspondências como pretexto à ostentação e ao estilo, vale diremos nós, sem as pretensões nem os meios desses dois mestres e simplesmente para desejar-lhe em companhia do Dr. Semana e do faceto moleque a saúde e felicidade tão necessária e a todos neste vale de infelicidades. – Como é de todos sabido, às 3 horas da tarde do dia 1º de abril abandonamos o Rio de Janeiro. No meio das lágrimas dos nossos, do enternecimento de todos, dissemos adeus à nossa bela cidade e singrando para Santos, sentimos o vapor cortar as rugas do velho Oceano. Os inexperientes da vida, iniciando-se nela sobre o alimento marítmo, sentiram a melancolia, que precede o enjôo, invadir-lhes a alma e recostados uns sobre os outros inclinavam os rostos pálidos e desfigurados. Ainda de vez em quando rolava uma lágrima, rompia algum soluço. O mar entretanto era todo de rosas. O obsoleto Netuno parecia guiar-nos com seu tridente, ameaçando os filhos de Éolo com o quos ego e o Santa Maria ao deslizar-se sobre as ondas como a gaivota que mergulha a extrema pena n’água, veloz procurava levar a seu destino os que iam vingar as afrontas feitas ao nosso Brasil. A noite passou calma e serena. Santos não tardou a aparecer e sobre a margem direita do largo CUBATÃO que aí confunde as suas águas com as do Oceano, a vimos assentada sobre as fraldas do Montserrate tendo a cavaleiro a pitoresca igreja do mesmo nome. A alegria do desembarque, o almoço no hotel Millon, o santo sacrifício da missa a que assistimos numa igreja vasta e bem conservada, onde elevamos nossas preces ao Senhor pelo cumprimento da nopssa missão e os arranjos prévios, ocuparam-nos o tempo até tomarmos passagem no vapor que devia transportar-nos rio acima até a raiz da serra. Às 11 horas da manhã começamos a viagem num caixão de duas rodas e um largo cano com o pretencioso nome do vapor Isaura e nesse improvisado steamer vencemos as mil voltas que o rio Cubatão nos seus caprichos dá, para encantar os olhos quando o avistam do alto da serra. O nosso Palinuro no contínuo cuidado NE QUIDQUID [sic] DETRIMENTI RESPUBLICA CAPIAT 451 em altas vozes ordenava frequentes sondagens e corrido o risco de encalharmos seis ou sete vezes, chegamos ao lugarejo onde nos esperavam sólidas diligências. A estrada do Cubatão pareceu-nos o caminho do paraíso, como a descrevem as velhas crônicas da idade média. Caro redator, desejamos aos nossos inimigos o trânsito contínuo por ela, em carroças sem molas com maus animais. Não há suplício comparável. Ora o carro, com dolorosos gemidos, eleva às nuvens e galga alturas imensas, ora submerge-se e parece 451 Expressão latina, originada à época do império romano = “para que o Estado/o país não sofra qualquer dano ou prejuízo”. 356 estranhar-se nas profundezas da terra e sempre tangenciando precipícios insondáveis e sempre sujeito a inclinações pavorosas. Isto é o alto do Cubatão. A compensação, contudo, faz perdoar tão furiosas declividades. Dos píncaros da serra descortina-se dessas paisagens imensas que obumbram ao homem crente e ao artista únicos que compreendem toda a sublimidade da criação. Cercando-nos de todos os lados, víamos os belos MELASTOMAS 452 casando suas grandes flores roxas, às das amarelas cássias, de gradil em gradil irem-se se perder no extenso vale onde os rios Cubatão e Branco serpeando por verdes campinas como que a custo levam o seu tributo ao oceano. No súltimos planos, Santos que, iluminado por um raio de luz resplandecente destacava-se, cercada de uma auréola, sobre a esmeralda dos mares; soberbas montanhas fechando os horizontes, um céu de safira e uma atmosfera como só a nossa formavam desses espetáculos esplêndidos que amesquinham o indivíduo físico e erguem o ente moral. Deus é o grande Mestre! Até aqui, não transcrevemos nem duas das quatro colunas que a primeira carta de Taunay preenche, no jornal. Mas se exageramos na transcrição, foi com o intuito de demonstrar o nível da escrita do missivista – um epistológrafo, como bem definiu o seu neto Afonso. Narrativa plena de referências mitológicas e à antiguidade clássica, com citações em latim e às vêzes, vocábulos gregos, além de boa dose de cientificismo – produto de um ser dotado de grande capacidade de observação, de assimilação e de excelente memória, entre outros atributos. 453 A narrativa segue, e vale a pena, cremos, transcrever um pouco mais das distintas narrativas produzidas por Taunay – antecipando que das próximas cartas, à medida em que a expedição avança, transcreveremos apenas o absolutamente essencial. A cidade de São Paulo, por exemplo, ramifica-se na planície, estendendo, como longos braços, belos e extensos bairros que hão de pelo futuro chamar a si toda a importância e vitalidade. Vão pelo caminho da ingratidão. Tempo virá em que o S. Paulo de hoje há de ser acidade velha, abandonada, desprezada, posta à margem e o ex-bairro da Luz, centro de tudo que dá vida e animação. A fisionomia da população ainda é muito singular e a da cidade agrada pela estranheza. As mantilhas de baeta preta, ocultando o rosto, pululam por todos os lados, e as rótulas têm resistido às proibições municipais. Atrás dessas janelinhas, divisam-se sempre vultos e bisbilhoteirismo, tão bem exercido deve ter importância suprema. O digno, respeitável e macrocéfalo Dr. Semana tinha largos panos para o ridendo castigat mores e muitas vezes custaria conservar o sorriso nos lábios a usar a férula. Já em carta à irmã, sua visão das ruas de São Paulo é assim descrita: 452 A palavra é seguida de um asterisco que remete ao final da página, onde o autor esclarece: “do grego [em seguida, temos o vocábulo transcrito em caracteres gregos] (boca negra).” 453 Para uma reflexão mais profunda acerca da narrativa de Taunay, ver: A construção de um estilo, in: MARETTI, 2006, pp. 149-270. 357 Noto alguns rostos bonitos, de belas côres e ótimas peles, mas infelizmente contrasta com essas prendas o desleixo pelos dentes. Muitas fisionomias de moças que seriam agradáveis ao olhar apresentam a deformação de uma boca mal tratada, pela falta dos dentes ou pelo aspecto dos maus dentes. É realmente pena! Muitas mulheres de mantilha se vêem pelas ruas encaminhando-se às igrejas. Dizem-me aqui que em Campinas há muito mais sociabilidade do que em São Paulo. Vamos a ver. Fala-se que ali teremos de ficar talvez uns dez dias e que a população da cidade nos espera com muitas festas. De tudo te trarei informada. Voltando à carta publicada na Semana Illustrada, mais à frente Taunay passa a tratar da expedição ao Mato Grosso e comunica: O Correio Paulistano anuncia-nos que o batalhão de voluntários acha-se completo e breve seguirá conosco para a província de Mato Grosso. Todos os moços que compõem essa briosa falange estão cheios de brilhantes aspirações e parecem ansiosos pelos momentos de provança. As causas que lhes inflamam o peito são das que se apagam só com o aniquilamento moral dos homens. Fogo de Vesta o amor da pátria alimenta-se da dignidade própria e em seus santos ardores requinta os sentimentos nobres. Já na carta endereçada à irmã, o comentário é assim: O Correio Paulistano anunciou que o batalhão de voluntários já está completo e seguirá conosco para Mato-Grosso. Compõe-se de moços, ardorosos patriotas, e nêle figuram vários rapazes das melhores famílias da Província. São ótimos elementos sôbre os quais poderemos contar. Fig. 221 – “CENA DA VIDA ACADÊMICA DE S. PAULO. Lavadeira. Senhor moço, aqui está a roupa lavada; faça o favor de contar. São 35 colarinhos e uma camisa, faz tudo 1$740 réis. Ainda me resta da outra lavagem, 27 colarinhos sem a camisa.” Este cartum é um bom exemplo de como Henrique Fleiuss repercutiaas notícias que eram enviadas à sua redação ou àqueles com quem se relacionava. Alfredo Taunay, em carta enviada a seu pai Félix-Émile, datada de 9 de abril daquele ano, relata um de seus encontros com os estudantes da Academia de Direito de S. Paulo, onde inclusive proferiu um speech. Assim, muito provavelmente, da troca de informações e impressões entre os dois – Henrique e Félix – surgiu a inspiração para mais esta criação que se ajusta, com perfeição, ao lema do jornal, o ‘Ridendo castigat mores’. Semana Illustrada, 07 maio 1865, p. 1839. DiORaFBN 358 Finalizando, eis que pela primeira vez, nas páginas da Semana Illustrada, aparece a confirmação: pelo que se lê, os engenheiros militares da expedição ao Mato Grosso tinham, realmente, estudado a fotografia no Imperal Instituto Artístico e tinham “levado uma máquina e as necessárias preparações a fim de tirar vistas e tudo o que possa haver de interessante, para junto com as necessárias descrições ser publicado na Semana.” Taunay conclui assim a sua primeira carta enviada ao jornal: – Muito breve, Sr. Redator, deixaremos a cidade de S. Paulo procurando rumo de Campinas. Nesse segundo pouso funcionará a máquina fotográfica de modo tal que nossos mestres possam apresentar com algum orgulho os trabalhos dos novamente iniciados nessa arte pelos seus esforços, amabilidade e complacência. [grifo nosso] Apresentamos-lhe os nossos cumprimentos e assinamo-nos seus respeitosos amigos. T. d’E. A. Há três detalhes interessantes: “nossos mestres” indica que, talvez, mais de um instrutor teria participado dos preparos daquela iniciativa; “novamente iniciados nesta arte” nos permite saber que os membros da comissão (alguns, se não todos) já dominavam a fotografia – e tais conhecimentos poderiam ter sido adquiridos no exército, talvez. A outra curiosidade é a assinatura de Taunay, com os extremos de seu nome invertidos. Por falta de espaço, foi somente no fascículo seguinte da Semana Illustrada (7 de maio, p. 1842) que o postscriptum da primeira carta foi publicado, comentando a festa organizada pelos estudantes de São Paulo. Como já dissemos, a expedição deixou São Paulo rumo a Campinas no dia 10 de abril, onde chegou no dia 15. O aquartelamento foi providenciado nas acomodações da fazenda Santa Cruz. A estadia, ali, foi bem mais longa do que o originalmente planejado; a nova partida só se deu no dia 20 de junho e foi assim descrita no relatório oficial: Partimos do acampamento de Santa Cruz, bairro da cidade de Campinas onde se achava acantonada a força, depois de 66 dias de falha a que nos obrigaram a demora das repartições fiscal e da pagadoria, o contrato para fornecimento de gêneros e transporte da imensa bagagem que acompanha a expedição. Durante esse tempo, a comissão de engenheiros tomou posse dos instrumentos próprios para a campanha, empregando-se em diversos e seguidos exercícios, retificação e seu conhecimento completo. As tropas exercitaram-se por todo tempo convenientemente e receberam a instrução peculiar desde os primeiros dias de chegada (18 de abril) até o da saída de Campinas (20 de junho). 359 Neste ponto de nossa narrativa, vamos também nos demorar em Campinas. Pois que ali residia Antoine Hercule Romuald Florence, o autor de uma façanha, ou melhor, de várias. Natural do sul da França, hábil desenhista, portador de bons conhecimentos de matemática e física e leitor de Robinson Crusoé, foi munido de um passaporte expedido pelo Principado de Mônaco que Florence resolveu experimentar a vida de grumete e assim chegou ao Rio de Janeiro, em 1824. Decidido a permanecer em solo brasileiro, empregou-se como caixeiro de uma loja de tecidos e dali já ingressou no ramo que nos interessa: a tipografia e livraria de Pierre Plancher. Não faz sentido estendermo-nos, aqui, na sua brilhante trajetória – embora em muito, frustrada – da qual Boris Kossoy é hoje o mais reconhecido estudioso 454, responsável que foi pelo resgate da mais célebre de suas façanhas, uma descoberta isolada da photographie, como a denominou, em Campinas, no ano de 1833 – enquanto que a primeira patente de um processo fotográfico (o daguerreótipo) é de 1839, em Paris e o próprio uso do vocábulo fotografia, na Europa, é posterior. 455 Florence, como já mencionado, foi um dos desenhistas da expedição Langsdorff, iniciada em 1825, na qual seu parceiro Adrien Aimée Taunay perdera a vida em 1828. Concluída a expedição no ano seguinte, Florence esteve no Rio de Janeiro, ocasião em que teria presenteado Félix-Émile Taunay, então professor da Academia Imperial de Belas Artes e irmão do falecido desenhista e pintor, com uma cópia de seu diário da expedição. Iniciou-se ali, segundo Leila Florence, “uma ligação artística e cultural com essa família, através de intensa correspondência entre Florence e o major Charles Taunay” – irmão mais velho de Adrien e Félix, personagem sobre o qual ainda não havíamos discorrido. “Os temas predominantes nas cartas giravam em torno de estudos e de invenções a serem aplicados na produção de café e melhorias para as fazendas de ambos”, acrescenta Leila, informando ainda sobre a existência de correspondência de outros membros da família Taunay no acervo Florence. 456 Sobre a correspondência trocada com Charles Taunay, um esclarecimento: a partir de 1830, Florence desenvolveu um processo de impressão que denominou polygraphie, como alternativa mais simples e barata à litografia e que teve vários desdobramentos. Na sua luta para divulgar o invento e assegurar o privilégio além dos limites de Campinas, contou com o 454 KOSSOY, Boris. Hercule Florence: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo : Ed. da Universidade de São Paulo, 2006. 455 Sobre este assunto, ver especialmente KOSSOY, 2006. 456 FLORENCE, Leila (2009, p. 17). 360 apoio de Félix-Émile, já então diretor da AIBA e chegou a trocar cartas com o encarregado de negócios da França no Brasil, que teria encaminhado o caso ao ministro do Interior, em Paris, sem jamais dar um retorno a Florence. 457 E sobre a cópia do diário da expedição Langsdorff que teria sido dada a Félix-Émile por Florence, o nosso Alfredo Taunay, inadvertido herdeiro daqueles papéis, saiu-se com esta, tempos depois: “Foi o acaso que me proporcionou este feliz ensejo. Revolvendo, há poucos meses, uns papéis velhos [...], tive a fortuna de se me deparar com um manuscrito de 84 páginas de letra muito miúda, um tanto apagada pela ação do tempo, mas ainda perfeitamente inteligível.” Mais tarde, ao examiná-lo com atenção, reconheceu tratar-se de uma descrição minuciosa da primeira parte “da [então] desconhecida jornada do consul Langsdorff”; e depois, teve ainda outra felicidade: “o autor desse original era o Sr. Hercules Florence, que conheci pessoalmente quando em 1865 passei pela província de São Paulo, e que ainda hoje em vida, reside na cidade de Campinas [...].” 458 Foi Taunay, então, quem trouxe a público o Esboço da viagem feita pelo Sr. Langsdorff no interior do Brasil, desde setembro de 1825 até março de 1829, desde então um clássico sobre aquela expedição – cuja contribuição científica é, até hoje, questionada. Graças a este texto, Florence tornou-se sócio do IHGB. Dele (que faleceu em 1879), Taunay traduziu e publicou no revista do IHGB, ainda, a monografia sobre outra genial invenção denominada zoofonia. Feita esta longa introdução, passaremos agora às informações encontradas na correspondência pessoal de Taunay, referente aos 66 dias passados em Campinas, que são valiosas para a presente investigação. Em carta sem data dirigida ao pai, provavelmente ainda no mês de abril, relata a chegada de um oficial, proveniente do Mato Grosso, onde havia sofrido o ataque das tropas paraguaias e comenta, ansioso: “A correspondência da Semana não pode demorar. Espero que V. dela me fale, apenas saia publicada e mande-me, a tal propósito, os seus bons conselhos, agora mais do que nunca tão proveitosos.” A tal correspondência só sairia publicada no último dia do mês de abril, como já vimos. “Já li o artigo sobre a fotografia, que guardei. Assim como o que se refere ao eclipse. Aqui ocorreu, mas pouco interessante e duradouro.” Acreditando que a expedição partiria logo, pede ao pai que enderece as próximas cartas para Franca, a próxima parada; e querendo evitar a qualquer custo o extravio e manter estrito controle sobre a corresppondência trocada com a família, acrescenta: “Convém numerar as suas cartas para que eu possa reclamar qualquer que 457 458 Ver KOSSOY (2006, pp. 69-82 e 403-7). FLORENCE (s. d., p. XX). 361 se perca. Ponha no endereço, depois do meu nome, ‘ou onde se acharem as forças expedicionárias’.” No fechamento da missiva, aparece a primeira menção ao grande inventor com quem, àquela altura, já teria tido o seu primeiro encontro, infelizmente não documentado nas cartas existentes: “Escreverei sempre, de todos os nossos pousos. O sr. Florence não pode, neste caso, valer-nos em coisa alguma. Muitas lembranças a mamãe [...]. Seu filho dedicado, Alfredo.” Na carta seguinte, endereçada ao pai e também sem data, informa que “todas as suas pequenas remessas já estão em meu poder: os artigos sôbre a fotografia, o eclipse, os pequenos desenhos” e mais à frente comenta: “a aplicação da fotografia para o levantamento topográfico é muito importante e dela falei a alguns companheiros, apesar de não termos ainda feito experiências. Parece-me aliás que não as faremos. Todos tomam fôrças para o resto da viagem e ninam-se nada fazendo. Tratarei de alguns dêstes assuntos, no entanto, em minhas correspondências, e já refleti sôbre o método.” Se voltou ao asunto, foi em correspondência extraviada. Pois que na carta seguinte, dizia ao pai: “Já lhe escrevi longamente sôbre o caso da fotografia, e V. deverá receber brevemente esta carta. Ignoro se o correio entrega tôdas as minhas cartas e convirá que V. me assinale sempre as que lhe chegarem.” A nosso ver, começava ali o malogro da comissão fotográfica, por motivos não esclarecidos devidamente, até o presente momento. Se bem que na carta seguinte, do início de maio, Taunay volta ao assunto, nos fazendo ver que ainda havia esperança: “Infelizmente como já lhe disse, nossos ensaios fotográficos não são maravilhosos e continuamos a procurar às apalpadelas o caminho certo.” Seriam ensaios de uma fotografia mais despretensiosa, de vistas e retratos, por exemplo? Ou estariam eles experimentando algo mais específico, como a tal aplicação da fotografia aos levantamentos militares? Que equipamento utilizavam? E estas fotografias, que destino tiveram? Constariam, algumas delas, dos arquivos hoje sob a guarda dos descendentes de Taunay ou de Florence? Seria possível, ainda, identificá-las? Até o presente momento, estas são apenas perguntas. Taunay continua, na mesma carta: “A correspondência da Semana está quase toda copiada o que me tomou todo o mês, devido a um acesso de incrível preguiça. Mandá-la-ei pelo correio do dia 5 [de maio] e você falará a Fleiuss para que a faça procurar no correio.” Na sequência, temos um interessante depoimento, onde Hercule Florence volta a aparecer: 362 Copio e decalco diferentes figuras que você me mandou e mostrei algumas a Florence que viera fazer-me uma visita hoje. Causaram-lhe grande prazer, lembrando-lhe as estátuas da Itália. Soube então que era saboiano e não francês como supúnhamos. [grifo nosso] E até me contou não ter aceito o novo estatuto político da Sabóia, tendo protestado contra a sua anexação ao Império Francês. Esta informação merece um esclarecimento: Em 1859, o imperador Napoleão III havia envolvido a França, em apoio ao reino de Piemonte e Sardenha, na luta para afastar o império Austríaco da região. O objetivo maior seria ajudar a realizar a unificação italiana. Assinado o armistício com a Áustria, coube à França a reintegração, em 1860, do ducado de Sabóia e do condado de Nice – há séculos, anexado à Casa de Sabóia.459 Essa ‘anexação’ à França a que se refere Florence ocorreu depois de intensa discussão entre seus cidadãos, culminada por um plebiscito pouco confiável – daí o seu protesto. Hoje, o departamento de Sabóia, assim como o de Alta Sabóia, integram a região de Rhône-Alpes, que fica ao norte da região de ProvenceAlpes-Côte-d’Azur. Nesta, bem ao sul, às margens do Mediterrâneo, encontra-se Nice, sede do departamento de Alpes-Maritimes. Nice está bem próxima do principado de Mônaco, cuja secular autonomia havia sido reconquistada naquela mesma ocasião. Foi em Mônaco que Florence obteve seu passaporte, 460 onde se lê “natif de Nice”. A carta de Taunay continua, dando conta de sua visita próxima à fazenda cafeeira de Florence (fazenda Soledade) localizada em Amparo. Povoado formado ainda no século 18 próximo a Campinas, à beira de um caminho para o sul de Minas, elevado à categoria de cidade em 1863 graças à sua acelerada prosperidade econômica decorrente do plantio do café, a ex-vila de Nossa Senhora do Amparo chegou mesmo a receber depois a visita de d. Pedro II, sendo hoje uma conhecida estância hidromineral. Voltemos ao relato de Taunay: Irei em dia da próxima semana à sua fazendinha (o que ficou adiado por causa dos preparativos do baile). Ali vive sua numerosa família e colhe de 2 a 3.000 arrobas de café por ano. Suas experiências estão por enquanto paradas, mas segundo me disse, vai dedicar-se com muita perseverança a estereopintura cuja prática quer submeter à minha apreciação. Pela interferência de raios luminosos obtém efeitos muitos [sic] vivos fazendo incidir muita luz sôbre as partes claras do quarto. A impressão pela [palavra indecifrável] preocupa-o muito. Acredita poder imprimir grandes trabalhos sem o recurso da compressão no prelo. 459 460 Histoire deFrance, p.283. Reproduzido em KOSSOY (2006, p. 46). 363 Como se vê, Taunay encontrava-se em situação privilegiadíssima, ao lado do grande inventor, no momento em que este desenvolvia mais uma, ou melhor, duas de suas idéias: a Estereopintura ou Pintura Solar, cujos experimentos iniciou em 1859 e a Nova Fase da Poligrafia (era esta, com certeza, a palavra indecifrável pelo tradutor) sem aplicação de pressão alguma. 461 Em outra correspondência (15 de maio) trataria, ainda, de outro dos experimentos de Florence, relacionado ao emprego de gases para a fixação da imagem: “As experiências do sr. Florence sobre o feijão azotado 462 pelo sistema de tonton Charles tiveram êxito. Você lhe contará isto.” Ou seja, Taunay e seu pai serviam, ali, de intermediários à troca de informações entre Florence e tonton Charles. Quanto a tonton Charles, é Taunay quem esclarece, em suas Memórias: Tonton é o tratamento em francês de tio na intimidade do lar, e assim chamávamos todos os tios – tonton Charles e tonton Teodoro, irmãos de meu pai.”463 Em carta de 5 de maio à irmã, informa: “Recebi os conselhos sôbre as publicações na Semana como muito justos. Eliminei as iniciais e vai tudo por conta de quem quiser. [...] A assinatura da Semana não é má lembrança. É uma distração que chega todos os sábados e aumenta... a crítica justiceira de quem já é conhecido pela severidade... Na carta de 30 me falas sôbre... [três linhas ilegíveis] amanhã irei ao amigo Florence que tenho abandonado algum tanto. A vida em Campinas continua alegre, divertida. [...]” Sobre a questão das iniciais a que se refere, é muito provável que se tratasse do T. d’E. A. usado na assinatura da primeira carta publicada no jornal. Os conselhos talvez viessem do pai, que poderia haver recebido o texto datado de 9 e publicado em 30 de abril com alguma antecedência e exercido a sua crítica; daí Taunay já comentá-lo antes do dia 5 de maio. Aliás, a estratégia de não se identificar nos textos enviados à Semana foi usada pela maioria dos que remeteram relatos ao jornal, sempre assinados com pseudônimos, durante o período da guerra. Em 15 de maio, Taunay informa o pai que “minhas canastras464 não chegaram ainda e esperoas sempre. O sr. Florence, em casa de quem jantei anteontem, disse-me que fazia todos os esforços para m’as arranjar se partíssemos daqui dentro em poucos dias. Esta viagem parece adiada e ninguém sabe ao certo quando partiremos. A demissão do Ministério obriga Drago [o comandante da expedição] a esperar novas ordens que ainda nos atrasarão algum tempo.” 461 Sobre estes assuntos, ver KOSSOY, 2006 e o catálogo Hercule Florence e o Brasil, 2009. Azoto é a antiga denominação do nitrogênio. 463 TAUNAY (2004, p. 29). 464 A canastra é uma cesta larga e pouco alta, entretecida com ripas de madeira flexível, ou então uma caixa ou maleta revestida de couro, na qual se guardam roupas brancas e pequenos objetos. 462 364 Fig. 222 – O retrato dos membros da Comissão de Engenheiros, realizado por Henrique Rosén em seu estúdio, como aparece reproduzido entre as págs. 64-65 da duodécima edição brasileira da Retirada da Laguna (TAUNAY, 1944). Taunay é o segundo, de pé, da esquerda para a direita. Campinas, maio de 1865. CP Longe da sede da corte, Taunay demonstra seguir antenado nos movimentos da política imperial, ao mencionar a queda do 16º Gabinete, presidido pelo senador Francisco José Furtado, que havia sido investido menos de um ano antes da sua partida e substituído, em 12 de maio de 1865, pelo Gabinete de Pedro de Araújo Lima, o marquês de Olinda – notícia esta que ainda não o tinha alcançado, naquele dia 15. Ainda em maio, em outra carta endereçada ao pai, surge nova e interessante informação: “Achei aqui em Campinas um artista fotógrafo como o Rio precisaria ter . Tirou-me o retrato em diferentes poses. Mando uma cópia a mamãe pela qual você julgará o artista. Tiramos um grupo em volta de uma mesinha de trabalho . Saiu muito bem e é um mosaico do qual Miranda ocupa o centro. Rosen me fotografou quase de perfil e ficou entusiasmado com a prova, que saiu com efeito excelente.” 365 No Dicionário Histórico-Fotografico Brasileiro de Boris Kossoy, ficamos sabendo que Henrique Rosén, sueco de nascimento, depois de atuar por um período em Santos, radicou-se em Campinas, “onde fundou um dos estebelecimentos pioneiros da cidade”, conhecido como Photographia Campinense. 465 Taunay volta a mencioná-lo, sempre exaltando a excelência da sua produção, em carta de 20 de julho, quando relata haver conseguido “de Rosen dois dos meus retratos fardados, coloridos, excelentes. Guardo-os com uma infinidade de outros mais de pessoas de Campinas que, à minha volta, encherão todo o nosso álbum.” Kossoy menciona as atividades de fotopintura do estúdio de Rosén na segunda metade da década de 1870; mas aqui, o ano é 1865, a cidade é Campinas e pelo visto, seu trabalho já superava tudo que o jovem Taunay havia visto, até então. Vale lembrar: quem julga Rosén um “artista fotógrafo como o Rio precisaria ter” é o filho de Félix-Émile, sobrinho de Adrien Aimée e neto de Nicolas-Antoine... Em seu trabalho dedicado aos ‘estrangeiros ilustre e prestimosos’, que publicou originalmente na revista do IHGB em 1895, Alfredo Taunay não se esqueceu de Rosén, naturalmente, mencionando inclusive ter sido ele consul do Brasil em Estocolmo. Ainda em maio, informa ao pai: “Não me tenho ultimamente avistado com o sr. Florence que penso esteja no seu sítio, talvez ocupado em prosseguir em suas experiências e estudos.” E na carta seguinte, mais notícias pessimistas acerca da comissão fotográfica: “Ainda não copiei nenhum dos modelos que você teve a bondade de me enviar, com as suas cartas. A aplicação da fotografia, ao levantamento topográfico, ainda não pôde ser aplicada praticamente e provavelmente não o será pelas dificuldades que aqui encontramos para as mais simples manipulações fotográficas. Começamos a nos aborrecer. As fórmulas nada nos dão que valha a pena. Deixaremos de lado as experiências fotográficas para retomá-la mais tarde, quem sabe se com maior êxito.” Um relato mais que intrigante, se considerarmos que ele estava tão próximo de Florence. Constrangimento, talvez? Ou decorrência de um possível desinteresse de Florence pela fotografia, àquela altura, tão envolvido que estava com outros inventos? E Rosén e sua equipe, não poderiam ter colaborado? Afinal, tratava-se da Comissão de engenheiros junto às forças em expedição para a província de Mato Grosso, cujo nobre objetivo seria livrar nossos irmãos do jugo paraguaio. Taunay continua: Afinal, o tempo aqui corre tão rápido que não temos quase lazeres. Como já lhe disse, o desenho vai muito devagar, minha correspondência para a Semana está pronta, mas não copiada e só tenho sossêgo nos dias em que lhe 465 KOSSOY (2002, pp. 280-1). 366 escrevo, e em que nada me pode tomar a noite além do desejo do bom desempenho desta obrigação. [...] Recomendação muito importante que me esqueci de lhe fazer é a de sempre escrever no envelope o nome do vapor pelo qual deve vir a carta porque, a não ser assim podem mandá-la por terra, o que atrasará de 10 a 12 dias. Felizmente, até agora, a tôdas recebi muito depressa. [...] Nosso grupo fotográfico ficou muito bom e meu retrato “de dragonas” ótimo. Você receberá o que já lhe mandei, os outros irão como o primeiro, dentro de cartas. Em carta ao pai de 10 de junho, depois de relatar as notícias recebidas de Mato Grosso sobre a presença dos paraguaios em Corumbá e de informar sobre as forças saídas de Ouro Preto, que iriam encontrar-se às suas em Uberaba, o ‘correspondente Taunay’ volta a se manifestar: “A segunda correspondência para a Semana Ilustrada foi por portador de confiança; você lerá minha carta no número 17: peço-lhe como da primeira vez sua opinião. Assinale-me o que achar de melhor e de pior. Suprimi as minhas iniciais e recomendei bem a Fleiuss de assinar o artigo por meio de asterisco. Depois de nossa saída de Campinas terei bastante coisas de vulto a relatar não precisando encher mais a carta com reflexões, por vêzes fora de propósito.” Em 15 de junho, volta ao assunto: “A correspondência para a Semana deve sair a exemplo do que da última vez sucedeu.” A carta seguinte foi escrita ao pai entre 18 e 19 de junho, que seria o dia da partida de Campinas rumo a Uberaba, ponto de concentração dos contingentes de São Paulo e Minas Gerais, mas acabou adiada para dia 20. Taunay parecia animado com as novas incumbências, bem a seu gosto: Miranda Reis traçou-nos o programa da viagem e a distribuição de serviços individuais que deverá competir-nos. Lago observará as estradas, morros e estado dos caminhos, Chichorro ocupar-se-á da geologia, das matas, etc.; um terceiro tomará nota dos rumos magnéticos. Aqui copio integralmente o que me foi reservado: “Ao Sr. 2.º Tenente Dr. Alfredo d’Escragnolle Taunay, além do encargo do arquivo dos trabalhos da comissão, e de todo o expediente do chefe da mesma, incumbirá apresentar o relatório geral de viagem e observações e auxiliar mais particularmente o dito chefe em todos os trabalos [sic] de engenharia que este tomar a si pessoalmente desempenhar”. Veja que não tenho pouco a fazer! Ao final de junho, Taunay já está em Casa Branca. No dia da chegada, segundo o relatório oficial, ocorreu um episódio que representou, para nós, a certeza definitiva de que os membros da comissão fotográfica estavam, mesmo, dotados das condições mínimas para o 367 exercício da fotografia, ao demonstrarem afinidade com os conhecimentos da química, além de preparo para a manipulação de produtos e a realização de ensaios: Em um rancho além da cidade, onde se achava o acampamento, encontramos, servindo de degraus, pedras que pareciam conter grandes massas de ferro em estado de óxido hidratado; procedendo, pois, a ligeiros ensaios, com o emprego de uma dissolução de ácido clorídrico, em que lançamos amoníaco, obtivemos o sesquióxido466 como precipitado e com decocção de chá da Índia e de tanato de ferro. Reconhecemos contudo a existência de outro precipitado devido a um novo radical que não pudemos descobrir pela carência de reativos e outros meios próprios para simples análise qualitativa metódica. De Casa Branca, Taunay envia ao pai mais uma carta carta onde mostra estar a par dos acontecimentos na cidade do Rio de Janeiro: [...] A notícia do seu passeio à Tijuca com o Imperador e o Professor Agassiz, causou-me um prazer extremo. As demonstrações de apreço recebidas do monarca em presença do grande sábio, embora merecidas, surpreendem sempre pela novidade e o feitio de frieza dêsse grande cidadão, durante as manifestações públicas e até em rodas mais limitadas. Quem sabe se terei a ocasião de vir a conhecer o seu amigo, o geólogo, caso faça alguma entrada até Mato-Grosso? o que é bem possível, como já li? Fig. 223 – Nesta homenagem de página inteira, elaborada por Henrique Fleiuss, a legenda dizia: “Depois dos imorredouros trabalhos de Saussure, o fenômeno das geleiras (glaciers) foi estudado nos Alpes, por Venetz e Charpentier e especialmente por Agassiz, cuja perseverança e intrepidez estão acima de todo encômio. Humboldt, Cosmos (tom. 1 pág. 395, trad. de H. Faye).” Semana Illustrada, 18 jun. 1865, p. 1887. DiORa-FBN Naquele período, a Semana Illustrada também acompanhava os movimentos do ilustre cientista. Em 11 de junho (p. 1873), declarava: “Parabéns aos amigos de banquetes 466 Óxido em que a proporção de átomos de oxigênio para o outro elemento é de três para dois. 368 científicos, e portanto, parabéns a nós mesmos. Não estamos em quaresma, mas teremos regabofe de peixe. O superintendente da festa é o eminente naturalista o Sr. Dr. Agassiz, o sucessor de Humboldt, que o Rio de Janeiro tem a felicidade de hospedar. O amável sábio vai estabelecer conversações científicas em uma das salas do externato de D. Pedro II. [...]” A partir de 25 de junho de 1865 (p. 1890), é reproduzida na Semana Illustrada a carta de Taunay datada de 10 de maio – que foi dividida em quatro partes e continuada nas edições dos dias 2, 9 e 16 de julho. Na primeira parte, que se inicia com o relato da partida de São Paulo – havida aproximadamente seis semanas antes de sua publicação – lemos o que se segue: Expedição do Mato Grosso. SEGUNDA CARTA. Campinas, 10 de maio de 1865. Caro Redator. – No dia 10 de abril, às 4 horas da madrugada, por entre as brumas de densa neblina que cobria com frígido manto a cidade de S. Paulo, lentamente deslizavam-se pelas ruas sombrias e desertas grupos de cavaleiros misteriosos em trajes singulares, acompanhados do ruído de armas e tinir de espadas: no longe respondiam-se os clarins, e longínquo tropel de passos ecoava surdamente – era uma marcha fantástica, uma evocação de guerra. Algum romântico, que tivesse adormecido com a imaginação escaldada, sobre um conto de Hoffmann, no acordar precipitado supor-se-ia, às garras com a alucinação, nos domínios do rei Trabacchio.467 Entretanto, debaixo daqueles sinistros mantos tiritavam simples e fracos mortais; a espada batia tristemente os magros flancos de pacíficos paquidermes; os cornetas esfalfavam-se; a tropa gemia sob o peso das mochilas e espirros freqüentes comprovaram as influências metereológicas [sic] sobre constituições humanas. – Tudo depende do colorido. Eram as diminutas forças que partiam de S. Paulo com o presidente da província de Mato Grosso. Grande bando de cavaleiros e amigos nos esperava à saída, e cercados deles, e de nevoeiro, caminhamos até a ponte 468 sobre o magnífico Tietê, que transpusemos às 7 horas da manhã, onde começaram a abandonar-nos esses dois acompanhadores, elevando-se um aos céus, voltando o outro aos seus lares. Já podíamos coma vista galgar as íngremes subidas que, em escadaria gigantesca levam à pequena igreja de Nossa Senhora do Ó, e apreciar o aspecto do país, que atravessamos. [...]. Por ora, casinhas de palha e simples taipa ou lama batida, mostram-se nos recantos da estrada, como que vexadas do aspecto mesquinho, e criancinhas de todos os tamanhos correm medrosas, e com gesto selvático, fogem ao aspecto de pessoa estranha. (Continua). Em 2 de julho, além da continuação da carta de Taunay, a Semana publicou uma outra, enviada desde Corrientes por A L. Hoonholtz, comandante da canhoneira Araguary, além de 467 [nota de Taunay:] Conto de Hoffman. [nota de Taunay:] Tem 180 palmos de comprimento e 20 de largura. O Tietê tem de largura 150 palmos e profundidade 15. 468 369 uma estampa alusiva ao lançamento do encouraçado Tamandaré e de um suplemento, produzido a partir de esboço anexado à carta de Hoonholtz, sobre o ataque e tomada de Corrientes em 25 de maio. Como se vê, as notícias do sul chegavam mais rápido e traziam fatos novos do conflito, enquanto que do centro-oeste, só vinham relatos de uma expedição que ainda demoraria muito para alcançar o seu objetivo. A seguir, a transcrição parcial, apenas, daquele novo trecho publicado da carta de Taunay: Expedição do Mato Grosso. SEGUNDA CARTA. Campinas, 10 de maio de 1865. (Continuação). Depois de 4 horas e meia de marcha regular, chegamos ao pouso destinado para a tropa, e chamado das Taipas pelos casebres aí levantados com esse elemento primitivo de construção. às 9 e meia horas da manhã apareceu a força, e espalhando-se logo pelas imediações, fazia surgir pouco depois uma cidade volante, onde em breve esqueceram-se os incômodos e fadigas da marcha, que foram bem sensíveis aos nossos soldados, todos novéis no traquejo da logística. [...] (Continua.)469 Ainda naquele relato, a expedição chegava a Jundiaí, cuja recepção foi narrada à página 1906 da Semana Illustrada de 09 de julho de 1865 – mesmo fascículo onde ocorre a cópia de uma fotografia enviada à redação por José Maria da Silva Paranhos Júnior, que registra a “Partida da primeira brigada, ao mando do coronel Galvão, de Ouro Preto para Mato Grosso”, brigada esta que iria se juntar ao grupo de Taunay. Dizia a continuação da carta, sobre a recepção em Jundiaí: Expedição de Mato Grosso. SEGUNDA CARTA. Campinas, 10 de maio de 1865. (Continuação). A recepção à nossa entrada foi muito cordial e simpática. Os arcos de folhas e coretos levantavam-se na extensão da rua por onde desfilou a tropa e foguetes festivos e ovações da população acompanharam-nos até a saída. Não faltaram lados nem episódios risíveis; mas a espontaneidade e a manifestação de um sentimento nobre, ressalvam de todo o ridículo, mesmo na ingenuidade de demonstração. Não falaremos na música resumida em que o imponente bumbo reinava sem rival e tornava patente essa preponderância, nem nos discursos engasgados, nos vivas sui generis e mil outros pedaços que faziam-nos subir o riso aos lábios, bem que o coração estivesse comovido. Fomos acampar meia légua além da vila no lugar denominado – Ponte de Jundiaí, depois de completadas 4 estiradas léguas. Ainda aí nos esperavam foguetes e bandeiras. O Sr. Pinto, morador antigo da localidade, figura geométrica, quase esférica, obsequiou-nos com toda a amabilidade, atendendo não só a satisfação dos seus hóspedes como a sua própria. O 469 Semana Illustrada, 02 jul. 1865, p. 1901. 370 prazer iluminava-lhe o dilatado rosto, ao apreciar a realização de idéias cuidadosamente ruminadas. [...] à noite no sarau, em que representavam o belo sexo as suas duas filhas, com quem dançamos 470, o cuidado em dispor tudo na ordem que imaginara o seu cérebro em função vital, várias vêzes o obrigava a levantar o imenso maquinismo, que lhe coube por sorte. Tudo correu às mil maravilhas. [...] O caminho é um tanto montuoso, em terreno argiloso, tomando direção 471 de 20º N. O. Começam a aparecer por ele magníficas Bauhínias. (Continua.) A conclusão daquela carta foi publicada no fascículo seguinte (16 jul. 1865, p. 1914), revelando o ‘cientista natural’ que havia em Taunay, que se entusiasmara com as bauhínias, entre muitas outras espécies. Expedição de Mato Grosso. SEGUNDA CARTA. Campinas, 10 de maio de 1865. (Conclusão). Começam a aparecer por ele magníficas Bauhinias 472, com grandes corolas cândidas embalsamando os ares com o delicado aroma que delas rescende, e nos seus nodosos troncos enroscam-se elegantes malpighiáceas 473 que atiram ondulosos ramos às altanadas malváceas e suspendem-se à extrema copa das Embaúbas 474, ao passo que modestas ventriculosas e rasteiras Ipomeas 475, salpicam de rubins e safiras as beiras de estrada. Seus conhecimentos científicos ficam ainda mais à mostra no relatório oficial, para o Ministério da Guerra. Na descrição dos acontecimentos do dia 24 de junho, ele descreve assim aquela mesma planta: “De vez em quando rompe a monotonia alguma bauhínia, que com suas bislascrolas [?] brancas embalsama os ares, vergada ao peso da magnífica trepadeira tão apreciada hoje no Rio de Janeiro; a que os naturalistas Sellon e príncipe de Neuwied consagraram o nome de bignonia bellas, chamada também por outro venusta.” 476 E voltando à carta enviada à Semana Illustrada, o que mais chama a atenção é a profunda sensibilidade de Taunay quanto à destruição da natureza – um processo que já vinha ocorrendo com grande intensidade naquela região atravessada pela Comissão: “Ao longe, nos campos, dobradas e 470 [nota de Taunay:] Rudis indigestaque moles. A bauhínia, muito cultivada como planta ornamental, é vulgarmente conhecida como ‘pata-de-vaca’. 472 [nota de Taunay:] Leguminosas (Cassia). 473 Família botânica que reúne muitos gêneros e espécies de árvores pequenas, arbustos e lianas, nativas de regiões tropicais e subtropicais, muitas delas cultivadas devido aos frutos comestíveis, madeiras e propriedades alucinógenas; algumas servem também como ornamentais. 474 [nota de Taunay:] Cecropia peltata (Artocarpea). 475 O nome vulgar é Ipomeia. [nota de Taunay:] Convolvulacea. 476 In: Relatório Geral da Comissão de Engenheiros, 1865-1866, p. 7. 471 371 descobertas Perobas477, despidas de folhas pelas queimas, de vez em quando surgem como exprobação viva e levantam aos céus os braços descarnados e carburetados a pedirem vingança.” No relatório oficial, Taunay faz detalhado relato da economia na região de Campinas e prevê: “O grande futuro que espera Campinas para imenso desenvolvimento acha-se [...] nas magníficas e extensas plantações de café ainda novas, que hão de elevar em breve ao triplo as fortunas de seus possuidores, permitindo desde já, por essas lisonjeiras previsões, um desenvolvimento em todos os sentidos que dificilmente se nota nas nossas cidades do interior.” 478 Na carta ao jornal Taunay revela, ainda, compaixão pelo sofrimento alheio ao vivenciar triste cena, próximo a Campinas: Nesse dia de misericórdia, de tristeza, compaixão e agonia [sexta-feira santa] passamos por um lugarejo 479 em que se acoitam os infelizes da vida, os mais desgraçados da sorte, flagelados pelo mal terrível, que destrói a convivência social, marcados com o estigma indelével da morfeia. É um espetáculo contristador ver esse punhado de miseráveis, repelidos pelos mais mesquinhos, na triste comunidade da lepra, formando um núcleo repulsivo a que se conchegam mulheres e crianças, predestinados à horrorosa moléstia que forma do tipo homem um ente ascoroso, com o rosto deformado, dedos destruídos, pés elefantíacos e dilatação espantosa das cartilagens. Com esta vida em comum, a chaga moral róe-lhes o íntimo e parece refletir-se n exterior! À nossa passagem levantou-se um clamor queixoso de pedidos, e para fugir ao contato, a caridade atirou-lhes a esmola da compaixão. Impressiona a capacidade descritiva de Taunay, que se não fotografava, manejava com maestria as palavras e evocava com exatidão os sentimentos que intencionava passar ao seus leitores. Era um ‘retrato do Brasil’, sem retoques, aquele que Fleiuss vinha publicando em sua folha. Ao final daquela carta, temos o relato da chegada à cidade de Campinas (ocorrida em 15 de abril): “[...] De Campinas e dos dias encantadores que aí passamos, caro Redator, falaremos na terceira carta.” Os relatos de Taunay publicados na Semana Illustrada estavam cada vez mais defasados – agora, já em três meses! Em 20 de julho de 1865, ele encontrava-se em Uberaba há dois dias, depois de vencer um trecho difícil da viagem. Ali, a brigada mineira comandada pelo cel. José Antônio da Fonseca Galvão, que havia partido de Ouro Preto, encontrou-se com a Força Expedicionária da qual fazia parte Taunay, que escreveu para o pai: “[...] Sua carta de 1º de julho, lá me esperava [em Uberaba] trazendo-me boas notícias de casa, de onde tenho tantas 477 [nota de Taunay:] Aspidospermum peroba (Leg.). In: Relatório Geral da Comissão de Engenheiros, 1865-1866, p. 5. 479 [nota de Taunay:] A um quarto de légua de Capivari. 478 372 saudadess como de um refúgio, e com as novidades da guerra. A batalha de Riachuelo [11 de junho] entusiasmo-nos [sic] a narrativa de Barroso é lacedemônica. A singeleza de seu relato fez ressaltar os atos de bravura desta jornada gloriosa. Já lhe pedi que apresentasse meus parabéns ao Imperador que encontrou, nesta conjuntura, tais soldados para manter a honra do Império.” Mais à frente, a fotografia volta a ser assunto: “Consegui de Rosén dois dos meus retratos fardados, coloridos, excelentes. Guardo-os com uma infinidade de outros mais de pessoas de Campinas que, à minha volta, encherão todo o nosso álbum.” Pelo relatório oficial (p. 18), ficamos sabendo que “a comissão de engenheiros ocupou-se em trabalhos de sua especialidade, levantando a planta da cidade, em que se achava, de que deixou cópia à câmara municipal do lugar, como lhe tinha sido pedido, e prontificou o seu relatório desde a cidade de Campinas. No dia 24 de julho chegou o seu novo chefe o Ilm. Sr. tenente-coronel bacharel Juvêncio Manoel Cabral de Menezes entrando em exercício no dia 25.” Henrique Fleiuss certamente andava impaciente e frustrado. Em 23 de julho (p. 1921), na seção ‘Novidades da Semana’ o primeiro texto diz: “O jornalista é uma variante do trapeiro: aqui trago o meu saco: vamos despejá-lo. Temos notícias de dentro e de fora, da cidade e do campo, da América, da Europa, do Brasil e do Paraguai; da guerra do Rio Grande e da guerra de Corrientes e até, oh! espanto! oh! novidade! oh! maravilha! e até notícias de Mato Grosso!” Mas ao localizarmos a tal notícia, na p. 1922, constatamos que trata-se apenas de mais uma das ironias do editor: “Outra notícia importante. Chegou do Pará um grande carregamento de tartarugas destinado à expedição do coronel Drago, que não tarda sair do território de S. Paulo. Havendo falta de cavalhada parece que as tartarugas são destinadas para cavalgaduras da expedição.” Em Uberaba, Taunay permaneceu por quarenta e sete dias, até 4 de setembro. Foi ali que se juntaram todas as forças, vindas de diferentes regiões – mas essencialmente, de São Paulo e Minas Gerais. Em 13 de agosto, dizia ao pai: “Não sei como poderão as suas cartas chegar-me às mãos, depois da nossa partida de Uberaba. Ponha sempre no endereço: Uberaba ou ‘onde se acharem as forças.’ Em setembro escreva simplesmente Mato-Grosso.” Já em outra carta, recomenda ao pai endereçar algumas para Uberaba e outras para Cuiabá, de modo a assegurar o recebimento de algumas delas, ao menos. Em em 24 de agosto, ao reclamar dos serviços postais, comenta: “Ainda não se sabe se teremos meios de nos comunicar com o Rio, apesar da linha postal que o governo estabeleceu há cinco meses, durante o ministério do Visconde de Camamú.” 373 Fig. 224 – O correio de Mato Grosso – mais um dos problemas enfrentados pela expedição – sempre recebeu pesadas críticas no semanário de Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 26 mar. 1865, p. 1788. DiORa-FBN. Na Semana Illustrada de 17 de setembro de 1865 (p. 1986), em Novidades da semana, lemos: “Mato Grosso levanta-se! Tal foi a grata nova que nos trouxe o patacho Jacuhy. Coimbra, Dourados, Nioac, Miranda, Coxim, Corumbá estão de novo em nosso poder. A bandeira nacional tremula novamente sobre esses pontos ainda há pouco tomados por um inimigo traiçoeiro! É isso pelo menos o que nos anunciam correspondentes oficiosos, cujas comunicações desejamos ver em breve oficialmente confirmadas. Uruguaiana não tardará também em voltar ao seio da nossa nacionalidade, inteira como nos pertence! [...]” A campanha do Sul seguia cheia de acontecimentos, e Taunay mantinha-se informado. Em 4 de setembro, o agora designado Corpo Expedicionário em Operações no Sul de Mato Grosso, que ele integrava, partiu em direção ao porto do rio Paranaíba. O objetivo final daquela etapa seria a cidade de Cuiabá, ao norte de Mato Grosso. O efetivo total era de apenas 1.575 soldados, em lugar dos 12 mil previstos inicialmente, tendo recebido mais à frente o reforço de uma tropa goiana, que elevou o total a 2.080 homens (DORATIOTO, 2002, p. 122). No 374 dia 19, a comissão de engenheiros já se encontrava às margens daquele rio, providenciando os meios de travessia das bagagens, o que foi realizado entre os dias 22 e 29. Dali, ele escreveu: “Margens do Paranaíba, 22 de setembro de 1865. Meu caro Papai, sua boa carta de 5 de setembro me chegou esta manhã, trazendo tôdas as excelentes notícias de casa e da Guerra. Os triunfos de Flores são de grande pêso para os resultados definitivos da Campanha e a melhor prova dos grandes resultados do tratado de Montevidéu, arranjado pelo seu amigo Paranhos. A inteligência mais lúcida do Brasil ainda mais esta vez se exaltou e suas decisões plenamente se confirmam. [...]” Na Semana Illustrada, em 1o de outubro de 1865 (p. 2001), entre os vários ‘suplícios’ comentados nas ‘Novidades da Semana’, temos O SUPLÍCIO DOS MATO-GROSSENSES. Os nossos irmãos de Mato Grosso é que se podem considerar sitiados. Nem lhes valeu, decerto, o esforço com que repeliram do seu solo os invasores insolentes, que em Corumbá e Coimbra abateram o pavilhão nacional. A fome também se suplicia além da distância. [...] A situação no Mato Grosso era mesmo difícil; mas também o era no âmbito das forças expedicionárias – ainda às margens do Paranaíba seis meses após a partida da corte, longe de alcançar o seu objetivo e cumprir a missão. No relatório oficial, ficamos sabendo que “as dificuldades para prover ao sustento das praças começam a surgir imensas; os poucos recursos que oferecem os lugares deste sertão; ainda mais a falta de colheita devida à seca do ano obrigam a diminuir-se a ração diária. [...] A carência é quase total e naturalmente a carestia exorbitante nas mais insignificantes compras em fazendolas do caminho.” 480 Enquanto se encontravam naquela localidade, ocorreu uma mudança de planos: a ordem agora era marchar para o sul, rumo ao distrito de Miranda e ocupá-lo, já que os paraguaios teriam recuado ainda mais para o sul, estando na região do rio Apa. Mas Taunay provavelmente não queria deixar a família ainda mais apreensiva e por isso evitava, ainda, os assuntos mais preocupantes. Ainda em outubro, dizia ao pai: “o Saint Hilaire que o Dr. des Genettes 481 me deu, infelizmente num exemplar incompleto, guia-me no entanto muito. Apesar do grande cuidado por dar idéia da parte fitológica do Sertão deixa muito a desejar sob tal ponto.” E em carta à irmã, escrita às margens do rio dos Bois em 21 de outubro, diz: 480 In: Relatório Geral da Comissão de Engenheiros, 1865-1866, p. 33 (ref. 28 out. 1865). Segundo Affonso Taunay, “o dr. Francisco Desgenettes (que ele conheceu em Uberaba) era parente próximo do famoso cirurgião-mór dos exércitos de Napoleão [...].” 481 375 Chegaram os retratos do Viegas, o meu antigo inspetor [do Colégio D. PII], e da interessante Jovita de [sic] me pareceu muito engraçada nos seus trajes de primeira Sargenta. Entretanto Polidoro, como homem de muito bom juízo e bom senso, fez muito bem não consentindo na partida daquela patriota como soldado. O papel de enfermeira para a mulher que queira dedicar-se é o mais elevado e nobre possível; [...] A piauiense devia considerar tudo isto e em lugar de seus instintos belicosos, lembrar-se de que para uma mulher é mais nobre sanar feridas do que as abrir. Entretanto deve-se respeitar o sentimento de entusiasmo que moveu da casa de seus pais aquela sertaneja e considerá-la como divina das ovações que tem recebido em toda a parte onde se apresenta. Que tolice a dos que a chamam, Joana d’Arc! Daqui te ouço exclamar “Que tolos!” Merecem não este título mas o de refinados tratantes os que exploram este novo meio de ganharem dinheiro, vendendo polkas, fotografias etc. Estão [sic] certo de que o Garnier anunciou, para aproveitar a influência, algumas histórias de Joana d’Arc que talvez alguns basbaques compraram para estudar o tipo da Jovita. E contudo os negócios do Sul não se simplificam. Todos esperam ansiosos notícias de Uruguaiana que continua com paraguaios dentro e aliados fora. Conforme já vimos no subcapítulo 5.1.2, Jovita havia chegado ao Rio de Janeiro em 9 de setembro de 1865 sendo, nas palavras de Pedro Paulo Soares, “construída e consumida meteoricamente pela mídia de sua época em poucos meses, para finalmente ser imolada de modo trágico [em out. 1867] diante da nação que ajudara a idealizar com seu próprio exemplo e que a rejeitara pelo fato de ser mulher.” (SOARES, 2003, fl. 95) Mas o que impressiona, aqui, é ver a que ponto a sua imagem foi disseminada; um mês após a sua chegada à corte, o fato – e as imagens – já haviam alcançado os membros da força expedicionária, no Mato Grosso; e Taunay exercia a sua crítica, bastante lúcida, do que estava a ocorrer. A sua preocupação quanto a Uruguaiana logo se dissipou, uma vez que as notícias da rendição das tropas paraguaias chegaram logo em seguida às de Jovita e assim ele reagiu, em carta ao pai, escrita da vila das Abóboras: “As últimas notícias foram as melhores possíveis; a tomada de Uruguaiana veio resolver a questão relativa à invasão do Rio Grande da maneira a mais vantajosa e desejável. A miséria dos Paraguaios é lamentável e [...] a atitude do Imperador mostrou-se magnífica. Seu primeiro gesto foi de compaixão e seu primeiro cuidado o amparo dos doentes. [...]” Em meados de dezembro, os expedicionários já haviam atingido um ponto onde começavam “a aparecer os sinais de invasão paraguaia, marcados pelas ruínas de casas e plantações 376 entregues ao fogo.” 482 Logo chegaram em Coxim, de onde Taunay escreveu, em 29: “Meu caro Papai. Afinal chegamos a Mato Grosso! Desde o dia 17 deste mês estamos acampados à margem direita do Taquari, no lugar da antiga vila de Coxim, destruída em maio pelos Paraguaios.” Aquela seria, segundo os estrategistas, e melhor posição para se evitar um ataque paraguaio a Cuiabá. Quanto a novos relatos de Taunay nas páginas da Semana Illustrada, só vieram a ocorrer a partir de 31 de dezembro de 1865, quando iniciou-se a publicação daquela que foi, em nossa opinião, a mais significativa das correspondências ali publicada. Intitulada ‘Zigue-zague a Mato Grosso’, esta correspondência foi publicada em partes – a segunda, em 4 de janeiro de 1866 e a terceira e última parte (assinada “Catão, o censor”) no dia 21 daquele mesmo mês. Ao final, o remetente declarava, antecipando o silêncio posterior: “Estou de guerra declarada e cansado; portanto até outra vez. Acompanhamento junto ao córrego do Cocão, 6 de novembro de 1865.” Como se vê, a carta redigida em 6 de novembro, no segundo dos três dias em que estiveram acampados naquela localidade, só terminou de ser publicada dois meses e meio depois. Nela, ocorre a última menção à comissão fotográfica – as fotos já haviam sido prometidas em correspondência anterior, mas delas, se algo foi realizado, não se conhece até aqui o seu paradeiro. Vejamos alguns trechos daquela carta, cujo título era iniciado por substantivo – ziguezague – que bem definia o que vinha se passando. Na Semana Illustrada de 31 de dezembro de 1865, ocupando uma página inteira (p. 3006), começava assim a publicação: Zigue-zague a Mato Grosso. Muitas vêzes pretende-se fazer qualquer coisa e as circunstâncias cercam por tal forma o indivíduo que ele com grande dificuldade sai do círculo, cuja periferia foi traçada por uma mão invisível. É assim que eu, que desde o princípio da expedição para Mato Grosso pretendi escrever seu histórico, até hoje deixei de dar cumprimento à palavra dada a mim mesmo por motivos explicáveis tão somente por aqueles, que fazem parte dela. Saí da corte no dia das farsas; dia, em que os próprios jornais que falam sempre a verdade, mentem para variar. Até então Lopez, o estouvado, não tinha declarado guerra senão ao Brasil, limitando-se em tomar posse de alguns pontos da abandonada província para onde em dirijo; portanto ninguém há de supor que preferisse a morte lenta, como acontece por esses caminhos desertos cheios de pântanos, a uma gloriosa e instantânea no sul. Quem diria também que o autocrata do Paraguai não se contentando em desafiar o gigante da américa meridional fosse, qual outro habitante do palácio da Praia Vermelha, fazer cócegas nos gaúchos das margens do Prata? Ninguém por certo; porque ninguém que conhece a fazenda criada pelos 482 In: Relatório Geral da Comissão de Engenheiros, 1865-1866, p. 42. 377 jesuítas e herdada pelo López, o marechalito, ainda que seja pelo almanaque de Gotha, acreditaria então que o Bayard americano tivesse o descoco de fazer estigarribiadas, fiando-se no seu Gibraltar, cujas casamatas são cobertas de palha de palmeiras ou de galhos de chá paraguaiano, nas chatas guarnecidas de grossa artilharia, nos Robles, etc., como que destruindo-se a esquadra brasileira e recolhendo-se aos bastidores de Humaitá ficasse o Brasil por terra. Minhas intenções, como se vê, eram marciais, embalado nelas cheguei a S. Paulo, donde a 10 do mês, que indiretamente indiquei, saí com a grande tropa, composta de meia dúzia de gatos pingados, indisciplinados e sem ter que os soubesse dirigir, para Campinas, esse vasto paraíso do profeta dos profetas. A entrada triunfal em Campinas foi efetuada quando seus habitantes quase in toto, comemoravam o suicídio do Judas Escarioto enforcando como no imorredouro tempo dos autos de fé, bonecos de todas as espécies, não só no que diz respeito à cútis, como ainda à vestimenta. Houve música, foguetes, arcos de triunfo, etc., porém quem me dirá que tudo isso não era por causa da morte do vendedor de Cristo? Em Campinas demorou-se a tropa dois meses e meio bailando, jogando as prendas, visitando as Dulcineias de todas as espécies, fingindo que atacava quadrados com esqueletos ambulantes [...]. Só nos últimos dias foi que se tratou de comprar burros, contratar fornecedor e ajustar arreeiros e camaradas, o que se levou avante, porque estava à frente desse negócio o incansável coronel Francisco Augusto de Lima e Silva e sua repartição modelo. [...] Como se vê, Taunay ‘não deixou pedra sobre pedra’ – demolindo, literalmente, todo o comando e a organização da expedição. Na sequência, fez severas críticas à continuação da viagem, até Uberaba, apontando os casos de omissão e as falhas do comando, além de todos os riscos e demais inconvenientes sofridos pelos comandados. E dizia mais: Quanto às regras de castrametação 483, tática, estratégia é escusado dizer que nenhuma delas foi observada na escolha do terreno dos acampamentos; às vêzes os erros eram tão crassos, que saltavam aos olhos dos mais gregos na matéria; era assim que se dava para frente de bandeira um bosque (mata virgem) um pântano, um rio, um morro, etc., deixando a retaguarda e os flancos sem apoio. Talvez alguém em lendo isso diga que todas essas regras podem deixar de ser observadas num país que não é inimigo, porém eu com o aforismo adotado por todas as nações militares – durante a paz é que se prepara para a guerra – responderei que aqui, mais do que em Chalons-surMarne, Boulogne, e todos os campos de exercício, é que não se deve desviar dos preceitos que habituam o militar a poder medir-se com o inimigo, acrescentando que essas regras são tanto mais necessárias quanto menos velha é a tropa. [...] E o nosso expedicionário continua, sempre demonstrando seus bons conhecimentos de história militar, ao exercer a crítica e destilar toda a sua ironia. A primeiro dos parágrafos que se seguem é, em nossa opinião, um dos trechos verdadeiramente memoráveis de sua missiva: 483 Arte e técnica de escolher, medir e preparar terreno para a construção de acampamento ou fortificação. 378 Em Uberaba, [...] demorou-se a força perto de dois meses para sair dali menos mal mascarada do que tinha chegado. Comprou-se tudo quanto era pano azul, baeta e algodão e com esses artefatos não brasileiros fez-se blusas à Garibaldi, calças à Gortschakoff, e meteu-se a gente em forma como guarda nacional da roça, isto é, com bonés e chapéus, de todas as formas e épocas. [...] Saímos do foco do indiferentismo a 4 de setembro. A tropa formou em coluna cerrada contígua de batalhões com sua bagagem a retaguarda, vindo após esta as diversas repartições [...]. Antes da partida o Dr. de Genet, que tinha chegado com várias pessoas, que acompanhavam o coronel Drago [comandante], recitou um discurso entusiástico, que finalizou com vivas a Sua Magestade o Imperador, etc. A artilharia da qual um parque estava pronto para entrar em ação, isto é, com seus cofres municiados, ficou para seguir com um novo contratador, que até aquela data não tinha assinado o contrato. (Continua). Pela primeira parte da carta, já era possível antever o fracasso que de fato se deu, tempos depois. Aquela era uma expedição malograda desde o princípio, não sendo portanto de se estranhar que nem mesmo a reportagem fotográfica intencionada tenha vingado. Há dois fatos surpreendentes naquelas linhas: por um lado, vê-se um Taunay destemido, criticando duramente o comando ao qual estava subordinado e desacreditando a própria expedição que integrava; por outro lado, vemos um Fleiuss endossando o texto e expondo ‘os podres’ de nosso Exército, o que certamente despertaria desânimo e descrédito nos leitores, com relação àquele flanco da guerra. Mas o objetivo da dupla era construtivo, com certeza; afinal, não era [e segue sendo] este o papel da imprensa? Em 6 de janeiro, estancado em Coxim (onde permaneceram até o mês de junho), Taunay escreveu ao pai: “É sobretudo o tédio mortal o que nos acabrunha. O relatório [oficial], que dilatei quanto possível, dá-me bastante trabalho para incutir algum interesse a um assunto estéril e por demais uniforme. Não tenho bibliografia alguma ao meu dispor e valhe-me [sic] dos bons conhecimentos de botânica que Freire Alemão me transmitiu. Leio agora com prazer a Imitação de Cristo que Mana pôs no fundo do meu baú.” Na Semana Illustrada de 7 de janeiro de 1866, temos a segunda parte da carta (p. 3017): Zigue-zague a Mato Grosso. (Continuação.) Essa terceira e última fase da marcha é mais interessante do que as duas primeiras; ela vai até o rio dos Bois, que ficará mais bem denominado rio dos Sucuris, visto como nele matamos uma grande porção desses anfíbios. Os acampamentos continuaram na mesma desordem, não se sabendo onde ficavam as barracas dos oficiais e soldados e melhor do que isso não se 379 sabendo qual a frente de bandeira, porque cada corpo só tratava de procurar sua comodidade. A comissão de engenheiros dirigida pelo Dr. Juvêncio, coadjuvada pelos operários, prestou relevantes serviços, consertando as pontes e estradas com atividade digna de não ser esquecida pelo governo de Sua Magestade. A iniciativa dos serviços prestados pela comissão e operários pertence ao coronel José Antonio da Fonseca Galvão, cuja prática dessa espécie de serviço foi tão justamente apreciado [sic] pelo velho moço coronel que este entregou ao velho, cujas cãs e peito são o histórico dos serviços prestados ao estado, a direção da força, porém isso com certas restrições, que atrasavam a marcha dos negócios. A passagem do rio Paranaíba foi a maior confusão que tenho visto. A menos de uma marcha desse rio paramos e principiou a passagem. No primeiro dia passou si bien que mal o 17º batalhão de voluntários da pátria, no segundo dia seguiram os corpos provisórios de caçadores e o de artilharia do Amazonas, porém havia ordem de quem podia para que logo que chegasse sua bagagem e a dos prediletos deixá-las passar, de sorte que quando os corpos já mencionados estavam efetuando o movimento tiveram de parar, o que ocasionou prejuízo ao estado e a alguns oficiais, que perderam seus animais ervados, sendo esses na mesma noite e o estado na imediata. Depois de queixar-se do fornecedor que os acompanhava, “cujo pessoal e material não satisfazem o fim, a que ele se propôs”, informa que ficaram muitos dias às margens do rio dos Bois, onde fez-se necessária a confecção de balsas para a passagem. Ali, o coronel Galvão foi nomeado novo comandante em chefe das forças. E Taunay não perdoou Drago, o agora excomandante demitido a quem responsabilizara por todos os equívocos da expedição. Pelo que fica dito vê-se claramente que tenho sido observador e que talvez não me falte predisposição. Quem me poderá levar a mal o despertar a atenção pública sobre a mísera expedição a Mato Grosso, uma vez que diga aquilo, que não é senão a linguagem pura da verdade? Em todos os tempos os propugnadores da verdade sofreram perseguições. Não há quem não tenha sua calva e aquele que tem a temeridade de descobri-la arrisca-se ou a sofrer o contra-ataque da vípera, que não morde senão à traição, porque anda de rastos, ou então a peito descoberto, que é predicado do valor. Sei de tudo, embora. Irei avante escudado na minha própria consciência. Taunay volta a fazer elogios à performance de Galvão e depois dirige pesadas críticas, mais uma vez, ao fornecedor: “prometedor de mundos e fundos, saiu de Uberaba com um pessoal e material, como já tive ocasião de dizer, insuficiente para dar cumprimento a seu contrato; logo no segundo dia de marcha deixou de dar café, esse verdadeiro preservativo contra as febres paludosas [...].” O trecho publicado termina assim: Os oficias, homens que no seu gabinete têm estudado o caminho mais curto para dirigir seus comandados ao campo da glória, homens, acostumados a certas comodidades da vida [...] têm custado a suportar uma 380 maneira de viver, que, como muitos entre eles para não darem o mau exemplo, poderiam com facilidade melhorar. Assim é que comprando muitas vezes uma rapadura por dois mil réis só provam dela uma vez, porque a dividem com aqueles, que lhes ficam mais próximos, sendo isso feito sem distinção de classe. (Continua). O relato deixa claro que à medida que avançavam, a situação ia ficando mais e mais difícil. A terceira e última parte da carta foi publicada na Semana Illustrada de 21 de janeiro de 1866, às páginas 3030 e 3033, e começava batendo duro em nosso exército: Zigue-zague a Mato Grosso. (Conclusão.) Até agora falei da força personizando-a em alguns indivíduos, passarei agora a falar dela tendo em vista uma virtude, sem cujo concurso todos os regulamentos prussianos, de condes de Schaumburg Lippe, etc., são improfícuos: a disciplina, essa força vital, que torna os exércitos indestrutíveis como os de Frederico II, que algumas vêzes batidos nunca foram derrotados. Que a indisciplina lavra no exército brasileiro ninguém me contestará isso conhecendo seu pessoal. No Brasil como na Inglaterra, onde não há conscrição, o exército é composto de homens, que não puderam livrar-se do serviço forçado à pátria, porque as circunstâncias lhe foram menos favoráveis. Esses homens não são muitas vêzes senão a escória da população e portanto incapazes de sujeitarem-se à ordem necessária em toda e qualquer reunião de cabeças pensando cada uma a seu modo. Minhas palavras são duras e cruas, porém verdadeiras; se não fosse assim calar-me-ia não procurando rodeios, que fariam corar um lacedemônio, povo antigo, que não deixa de ter no inglês o seu imitador. Depois de narrar uma trágica ocorrência envolvendo integrantes da força mineira na expedição, quando encontravam-se na vila das Abóboras (o assassinato de um capitão por um furriel, por causa de uma mulher), Taunay continua: [...] nosso exército precisa de uma grande reforma nas suas leis e pessoal; aquelas porque são as mais das vêzes as precursoras da insubordinação, como a célebre que autoriza ao superior a desprestigiar seu inferior (oficial) em ordem do dia lida na frente do corpo, quando semelhante ato surtiria melhor efeito sendo feito, como nos países militares, na roda dos oficiais, quanto ao pessoal, principalmente no que diz respeito aos oficiais, eles próprios poderiam reformarem-se, se o país não tivesse uma liberdade, que tanto se aproxima da licença. Depois, já encaminhando-se para a conclusão da missiva, em tom pessimista, eis que o segundo tenente Alfredo d’Escragnolle Taunay faz aquela que seria a sua última menção à malfadada comissão fotográfica: 381 Antes de concluir este escrito é meu dever não esquecer-me de alguns tópicos de íntima relação com o fim proposto à expedição. Da repartição fiscal nada acrescentarei ao que já disse, até porque qualquer elogio feito a ela ficará aquém do merecido. A caixa militar, cujo pessoal sofreu mais de uma injustiça, merece não ser esquecida. A repartição do quartel mestre personalizada no seu chefe o major Martini, preencheria melhor seu fim se não tivesse um pessoal forçado. Já fiz ver por alto o que era a comissão de engenheiros depois da chegada do seu novo chefe o Dr. Juvêncio. Outrora a mesma merecia o nome de comissão de fotógrafos [grifo nosso], hoje em dia ela já faz seus reconhecimentos, não além da linha de vedetas como a do sul em Uruguaiana; mas sim, nos rios, correndo o risco de ser lançada in partibus pelos leviatãs brasilienses. A repartição do deputado do ajudante general ainda continua a transmitir ordens em cem palavras no lugar de duas, o que contraria principalmente a certo escriturário, que escreve missa com p. Os médicos continuam como no tempo de Hipócrates e Esculápio a receitar água comum, porque não trouxeram alambique para extrair as matérias animais e vegetais em dissolução e incomodam-se muito como certos monopolistas, que conheço quando alguém mete o bico na sua profissão ou ciência, como eles querem. [...] Depois de mais uma crítica pessoal, ao chefe dos médicos, Taunay passa a avaliar a capacidade e o desempenho dos combatentes propriamente ditos e de seus comandantes: “Vamos aos homens que perfuram seu inimigo sem nunca tê-los visto, só porque a vontade de poucos assim o querem.” Como já era de se esperar, as críticas são duras, impiedosas. Da companhia de cavalaria, por exemplo, diz: Descrever completamente essa reunião de homens, que para ser comparada aos bandos carnavalescos do Rio só lhe falta o tradicional bumbo e tambores, vai além da minha pena: portanto cingir-me-ei ao que disse, e ao que me sugerir meu punho cansado pela posição constrangida que desde o princípio tomou: escrevo dentro de minha barraca aquecida pelo sol de Goiás. E depois de mais alguns reclamos e denúncias sobre a cavalaria, ele encerra a sua correspondência, como já dissemos, assim: “Estou de guerra declarada e cansado; portanto até outra vez. Acompanhamento junto ao córrego do Cocão, 6 de novembro de 1865. Catão, o censor.” O ‘Catão’ a que se refere, aqui, nada tem do tenente Catão Augusto dos Santos Roxo, membro da comissão fotográfica proposta/criada por Henrique Fleiuss, mas sim do político romano Marco Pórcio Catão (234-149 a.C.), também conhecido como Catão, o Velho ou, como na assinatura da cartas de Mato Grosso, Catão, o Censor – notável estadista e guerreiro em cuja trajetória política destacou-se como maior defensor da guerra contra Cartago, grande rival de Roma, além de ser considerado um pioneiro da prosa latina e da 382 historiografia romana. É dele a frase citada por Fleiuss à época do início do conflito contra o Paraguai, já citada no presente trabalho: ‘Delenda est Cartago’ ou ‘Cartago deve ser destruída’, que proferia ao final de seus discursos. O isolamento das forças, embrenhadas em difícil região do Mato Grosso, ia se acentuando; as dificuldades de comunicação aumentavam. Em carta escrita no Coxim, datada de 2 de fevereiro de 1866, Taunay informa: Meu caro Papai. Vou experimentar o correio de Goiás para ver se me proporciona um meio seguro de comunicação. Creio que esta carta levará dois meses para lhe chegar às mãos, se é que atinja o Rio. Aqui estamos, há quase dois meses, e nehuma notícia ainda recebemos. A última carta que de casa me veio, data de 14 de novembro, o que me deixa, há quase três meses, sem notícias da família. O governo cruelmente cortou-nos o único meio de correspondência e o estabelecimento de uma nova linha postal que contratamos com um Sr. Pires, da vila das Abóboras, desde 20 de Dezembro, só se restabelecerá com grandes dificuldades. Este bom homem não pode passar por uma queimada sem descer da mula para comer a crosta assada dos formigueiros, que lhe faz as vêzes de biscoitos, de maneira que chegou aos Baús em estado de fazer dó. [...] As operações do Sul devem ter feito algum progresso. As últimas notícias que tivemos de Lopez eram de 15 de outubro, o que nos faz esperar algo de importante. Já soubemos da chegada do Imperador, a 10 de novembro. [...] Naquele período, Taunay envolveu-se em missões bastante difíceis, arriscadas. Num dos relatórios oficiais de 1866, lemos o que se segue: À vista de um estado tão calamitoso, apoiado em informações sobre a existência de um trilho ao longo da base da serra de Maracajú, transitável mesmo naquela época de grandes chuvas (fevereiro), e aberto nos princípios do ano de 1865 pelos fugitivos de Miranda, resolveu o comando das forças nomear dois ajudantes da comissão de engenheiros que fossem explorar, não só o caminho até o rio Negro, como também verificar a possibilidade daquele meio de passagem. Com efeito a 13 de fevereiro partiram com esse fim os bacharéis capitão Antônio Florêncio Pereira do Lago e 2º tenente Alfredo de Escragnolle Taunay, chegando a 20 do mesmo mês àquele rio e a 12 de março (depois de inúmeros padecimentos, passando 8 dias da mais cruel fome, durante os quais ficaram perdidos em região tão ingrata que mal lhes fornecia os frutos agrestes) aos Morros, localidade estabelecida por alguns fugitivos e índios nas fragosidades da serra acima mencionada a 3 ½ [léguas] do rio Aquidauana, onde se achava o primeiro destacamento paraguaio, como rezam os seus relatórios que abaixo transcrevemos. [...] À vista dos trabalhos desenvolvidos pelos dois engenheiros, seria mesmo impossível a passagem, naquele período, por aqueles caminhos e a melhor solução seria aguardar o término do período das chuvas, em princípios de maio – mais de um ano após a partida doRio de 383 Janeiro! Entretanto os reclamos que constantemente partiam do comando, e as providências tomadas pelas autoridades das províncias vizinhas, acarretaram numa melhora das condições em que se encontravam as forças ali reunidas. Cumprindo ordens superiores, a 25 de abril de 1866 pôs-se em movimento a 1ª brigada, tendo à sua frente o coronel comandante das forças, enquanto o restante das tropas permaneceu por mais uns dias. Antes deste decampamento, outra turma de engenheiros se pusera, em 26 de março, a caminho para facilitar por seus trabalhos a marcha geral, e remover as dificuldades do caminho. O resto da comissão, com o chefe à frente, partiu a 4 de abril, dirigindo-se ao rio Negro, onde deveriam preparar os meios de transposição daquele curso d’água. Em 15 de abril, Taunay escreveu ao pai, dizendo: “Esperamos a cada momento o correio [...]. As últimas que recebi, são de 30 de novembro.” E em 4 de junho, quando já se encontrava em Morros, próximo ao rio Aquidauana, dizia ao pai: “Já três meses se passaram desde que aqui chegamos e não recebemos, desde 20 de fevereiro nenhuma carta do Rio, nem de Cuiabá [...]. Os paraguaios continuam a ocupar diversos pontos [...]. Parece que a tropa paraguaia está muito inquieta pois já há quatro meses não tem mais notícias de Assunção e todos os estafetas que o comandante faz partir, não voltam. Por outro lado, fala-se muito do ataque de Humaitá e de importante vitória do exército aliado. Se tivéssemos 10.000 homens [não chegavam a 2.000], poderíamos facilmente penetrar por este lado, onde não há nenhum obstáculo sério, até bem longe pelo Paraguai adentro [...].” Ainda nessa carta, temos mais uma demonstração da afinidade de Taunay com os retratos fotográficos e do especial valor a eles atribuído: “acabo afinal de receber os dois retratos que me haviam sido anunciados nas cartas anteriores e eu esperava com impaciência. Ambos ótimos: Mana está encantadora. Apesar da gente que me rodeava não pude conter as lágrimas vendo as efígies daqueles a quem mais quero no mundo. Só me falta agora o de Mamãe. Teria infinito prazer se me visse aqui cercado de todos os meus. Eu lhe peço com muita insistência e como especial favor.” Ainda de Morros, Taunay escreve à irmã, em 11 de junho. Segundo seu relato, encontrava-se a 3 ½ léguas do rio Aquidauana, em cuja margem esquerda se achavam entrincheirados os paraguaios: Mana. Com prazer recebi imenso maço de cartas de janeiro, fevereiro, março até 31 e mesmo 1 de abril, como vejo agora numa das últimas que me dirige Papai – Assim a nossa correspondência toma novo vigor, sabendo também que enfim tinham chegado a bom porto, depois de bem longa viagem, as minhas missivas de dezembro e mesmo de janeiro [...] Assim saberão de tudo o que tem passado a nosso respeito, [...] e sobretudo da 384 explosão de prazer que tive ao receber os dois lindos retratos, teu e de Papai que com o de Nhônhô, recebido há tempo, formam a minha coleção da família. Falta um importantíssimo, o de Mamãe; porém os meus pedidos repetidos e incessantes, hão de, breve, fazê-lo empreender esta medonha viagem de 387 léguas que hoje contemplo amedrontado. Lemos com imenso orgulho o extrato da Ilustração 484 que imediatamente mandei ao General nosso Comandante. Não duvido afiançar que sentirá grande satisfação em ler o seu nome estampado nas colunas de um jornal da Europa. Também nos interessou muito os recortes do Jornal [do Commercio?], aqui são eles recebidos com imensa avidez. […] Do teu irmão Alfredo. Temos aí mais uma demonstração de como os jornais (inclusive os estrangeiros) e suas notícias, circulavam e chegam aos mais recônditos lugares. Os meses de junho e julho foram marcados por importantes perdas, para Taunay. Diz o relatório oficial: Neste tempo achavam-se as forças a braços com extraordinárias necessidades. A carne escassa, o abuso da fruta do jatobá e de outras árvores silvestres a que eram obrigados os soldados pela falta de alimentação, ajudavam o desenvolvimento de enfermidades, oriundas das condições climatéricas do lugar. O acampamento assentava sobre um chão fofo: com 2 a 3 palmos de profundidade abriam-se covas, que davam a água de beber e de todos os lados pântanos extensos, sujeitos à ação do sol ardente, produziam exalações deletérias. [...] A mortalidade começou a avultar entre os oficiais. No dia 9 de junho faleceu o major Manoel Baptista Ribeiro de Faria, e enfim a 13 do mesmo mês soltou o último suspiro o comandante das forças o Exm. Sr. brigadeiro graduado José Antônio da Fonseca Galvão. [...] Em correspondência enviada a seu pai, Taunay assim relatou o ocorrido: Meu querido Papai. [...] Temos tido bastantes [sic] novidades: o nosso velho general morreu no dia 13 de junho, perto do Rio Negro, deixando a expedição em deplorável estado, desprovida de tudo e exposta aos golpes funestos de terrível moléstia endêmica que os hábeis médicos das nossas forças, declaram completamente nova para o Brasil. Trata-se, nem mais nem menos do que de uma paralisia das [sic] membros inferiores. Depois de provocar sofrimentos atrozes, invade o tronco. Já nos arrebatou vários companheiros. Os nossos padecimentos chegaram ao auge. Os soldados caem mortos pelo caminho e seus corpos são devorados pelos corvos. São as nossas misérias infindas. Todos, no entanto comportam-se com inexcedível heroísmo. De permeio com todos êsses martírios reina uma alegria geral e vive-se como se pode. Felizmente uma comissão especial [...] proporcionou-me cinco meses de repouso, nos Morros, longe dêste espetáculo desolador, dando-me um pouco de forças, para recomeçar a marcha. [...] O nosso caro Miranda Reis esteve bem doente: Tememos grandemente perdê-lo. Convalesce de grande moléstia, [...]. 484 Taunay referia-se ao periódico ilustrado francês L’Illustration, cujo título foi incorretamente traduzido. 385 Fig. 225 – Quando o primeiro comandante das forças expedicionárias que partiram de Uberaba, Manoel Pedro Drago, foi demitido em 20 de outubro de 1865, o coronel José Antonio da Fonseca Galvão assumiu o posto – vindo a falecer em 13 de junho de 1866. Já bem depois, recebeu as homenagens da Semana Illustrada, em 04 nov. 1866, à p. 2461. DiORa-FBN Mas o repouso de Taunay nos Morros chegara ao fim, o que se depreende do relatório oficial: “O comando interino mandou logo a 4 de julho chamar os dois engenheiros bacharéis capitão Lago e 2º tenente Taunay, que se achavam nos Morros, para colher mais informações, sendolhe por eles apresentado na ocasião um esboço topográfico entre os rios Aquidauana e Miranda, que servia para indicação dos pontos ocupados e das estradas que lhe serviam de comunicação, feito segundo os dados de um mapa da província de Mato Grosso e informações de pessoas práticas das localidades.” 485 À leitura do relatório oficial, ficamos sabendo que em 26 de julho de 1866, depois de realizar missão de reconhecimento em região de lodaçais, foi a vez do 1º tenete bacharel Joaquim José Pinto Chichorro da Gama: “Apesar do seu reconhecido mau estado de saúde e debilidade de 485 Relatório de engenheiros desde o rio Taquari até a vila de Miranda, com documentos anexos e trabalhos parciais de alguns ajudantes da mesma nas forças em operações ao sul da província de Mato Grosso, 1866, p. 51. 386 constituição, não esquivou-se [...] ao cumprimento da sua árdua missão, indo com toda a energia arrostar os perigos de longos reconhecimentos em lugares encharcados, donde voltou com princípios da enfermidade cruel de que devia terminar desastradamente no acampamento junto ao rio Taboco.” 486 Em carta datada de 5 de agosto ao pai, informa Taunay: “Ultimamente fomos cruelmente provados perdendo o nosso bom amigo Joaquim José Chichorro da Gama. Isto se deu a 26 do passado. [...] Morreu como bom cristão, exprimindonos adeuses com incrível firmeza e uma coragem de nos estortegar o coração.” No dia seguinte, ainda na mesma carta, solicita a intervenção de Félix-Émile Taunay junto aos altos escalões das forças armadas: Agora, duas palavras de suma importância: Carvalho acaba de organizar um novo corpo de artilharia e ofereci-me assim como o Cantuária, um dos nossos excelentes companheiros, para, como oficiais, servirmos simultaneamente nas duas armas. É a idéia de Napoleão III, realizada a 300 e algumas léguas do Rio, nas nossas pessoas. Esta boa vontade de nossa parte foi muito bem recebida e anunciada ao Governo. Agora, tenha Você a bondade de falar ao General Polidoro para que o ministro não possa, graças a um desses caprichos nascidos de um momento para outro, eliminar-nos da Comissão de Engenheiros deixando-nos somente na da Artilharia. É pouco provável que o faça mas também é bom acautelar-se a tempo. E também poderá V. falar desse mesmo Cantuária, Capitão de Artilharia do 1º Batalhão e que deseja, por questão de família e interesses continuar no seu batalhão e não ser transferido para algum outro que o tire do Rio. É isto de inteira justiça e Polidoro conhece este rapaz que fez ótimos estudos e sempre se distinguiu. Em carta escrita às margens do Taboco em 30 de agosto, Taunay tem boas novas para o pai, em meio a todo o sacrifício e privação que vinham enfrentando no Mato Grosso: Meu caro Papai. Aqui estamos acampados desde 2 de julho o que quer dizer há perto de dois meses. Os víveres não nos faltam mais; a abundância começa a reinar e mesmo os objetos de luxo vêm apresentar-se à nossa cobiça. Temos boa cerveja, vinho e até mesmo excelente manteiga. O movimeto comercial enfim se estabeleceu conosco e os carros de boi fazem ouvir sua melodia especial pelos caminhos impraticáveis do Pantanal. Meu album continua a enriquecer-se. Começo a temer em breve não ter mais página em branco, no entanto terei feito bastantes [sic] desenhos. Minhas habilidades se aperfeiçoam sensivelmente e a coleção merece a atenção de todos. Tento desenhar as flores mais notáveis com todos os seus caracteres fitológicos e tomar bem os tipos de índios que me caem sob as vistas. 486 Idem, p. 50. 387 Fig. 226 – Este cartum de Henrique Fleiuss refere-se especificamente ao comércio estabelecido junto às tropas estacionadas em Uruguaiana RS em 1865. Mas exemplifica uma situação que se repetiu em quase todas as localidades onde houveram operações, durante a guerra contra o Paraguai. Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2023. DiORa-FBN No dia seguinte, reitera aquela nova situação em carta à sua irmã: “Mana, aqui reina a abundância enfim. Nunca estes sertões supuseram ver tantas provas do estado da civilização a que já se chegou. Há conservas, bolachinhas, chá excelente, cerveja Bass, vinho do Porto e mil coisas finas. Até vestidos de seda, que, compreenderás perfeitamente, não serão por mim comprados. Hoje já há uma tabela marcada pela Repartição Fiscal que fez cessar os abusos dos negociantes. Tudo está razoável [...].” Mas em outubro, as cartas enviadas por Taunay da vila de Miranda, que alcançaram em 17 de setembro – onde informava haver recebido as cartas remetidas desde o Rio de Janeiro em junho! – já voltam a trazer más notícias; as coisas haviam piorado, faltava comida e as mortes se sucediam, já tendo alcançado um terço dos expedicionários. Em 7 de outubro de 1866, um ano e meio após a partida da comissão fotográfica do Rio de Janeiro, lemos no editorial da Semana Illustrada (p. 2426), sempre intitulado ‘Novidades da Semana”, a última menção à “luta desigual contra as adversidades enfrentadas” pelos seus repórteres de campanha: Primeiramente tenho que dizer algumas palavras sobre a heróica expedição de Mato Grosso. 388 É realmente para admirar o valor dos soldados que estão em marcha para aquela remota província, invadida pelo inimigo. Não podendo ter o ardor dos combates e a embriaguez dos triunfos, a expedição do Mato Grosso é contudo heróica, de um heroísmo passivo, nessa luta desigual e perene contra a fome, a febre, as chuvas, os caminhos, e tantas coisas mais que nós outros, confortados urbanos, mal podemos imaginar. As últimas notícias são interessantes, e eu não as repetirei depois de publicadas nos grandes jornais. Qualquer que seja o resultado da expedição, entre ela ou não em combate, nem por isso deve deixar de merecer a atenção do governo geral. Dizem as cartas que, apesar de todos os obstáculos, os expedicionários pretendiam cortar a retirada aos paraguaios, e batê-los. Que eles sejam atendidos nesses intuitos pelo deus dos combatentes, dando-se-lhes assim o ensejo de pelejarem e mostrarem que depois de vencerem elementos mais poderosos não lhes fazem frente os covardes invasores de uma província inerme e sem recursos. Fig. 227 – Um retrato do jovem Taunay, extraído da página da internet do 7º Batalhão de Engenharia e Combate -- Batalhão Visconde de Taunay, sediado em Natal RN. Fonte da imagem: <http://www.7becmb.eb.mil.br/ patrono_btl.htm> Ao final de dezembro (dia 23), em carta enviada à sua irmã desde a vila de Miranda, Taunay comenta que “no Correio Mercantil de 4 de outubro fala-se enfim na expedição! Não li o tal artigo, porém contaram-me que o meu nome, com o do Lago e Catão aí vem em letra redonda, como tendo prestado bons serviços na Comissão de Engenheiros. Não deixa de ser justiça.” A partir de 11 de janeiro de 1867, o Corpo Expedicionário entraria na fase derradeira de sua missão, deixando finalmente a vila de Miranda, agora sob o comando do coronel Carlos de Morais Camisão, que havia decidido invadir o território paraguaio a partir de Nioaque, rumando em direção ao forte de Bella Vista (já em território inimigo), próximo às margens do rio Apa e chegando até a fazenda Laguna, pertencente a Solano López, ao final do mês de abril de 1867. Seu objetivo maior seria a vila de Concepción, às margens do rio Paraguai; mas 389 as forças brasilerias não dispunham dos recursos para tal. Cercados e perseguidos implacavelmente pela cavalaria inimiga, os integrantes da coluna brasileira bateram em retirada para Nioaque, a partir de 8 de maio. Boa parte deles morreu durante esse episódio, que ficou conhecido como a ‘Retirada da Laguna’ – inclusive o próprio comandante Camisão, de cólera. Os sobreviventes chegaram a Nioaque em 4 de julho, constatando que a vila havia sido saqueada e incendiada pelos paraguaios. No dia 11, alcançaram o porto do Canuto, no rio Aquidauana. “Soldados! honra à vossa constância, que conservou ao Império os nossos canhões e as nossas bandeiras!” Assim termina A retirada da Laguna, obra escrita por Taunay em 1868 487 para recordar aqueles “trinta e cinco dias de dolorosa recordação.” A 11 de junho de 1867 partia o primeiro tenente Taunay do acampamento de Nioaque para o Rio de Janeiro, comissionado pelo comandante do seu corpo expedicionário, a fim de levar ao Ministro da Guerra, Conselheiro Paranaguá, mais tarde visconde e Marquês do mesmo nome, notícias da coluna Camisão que segundo voz geral fôra exterminada até o último homem. Pouco antes de seguir tivera o grande pesar de em Nioaque, ver completamente destroçado o seu arquivo particular de cartas de família, notas de viagem e de campanha, vocabulários de línguas indígenas e desenhos. Ainda assim salvou alguma coisa de que se valeu para a composição do seu primeiro livro Cenas de viagem (1866) além de um certo número de desenhos tomados durante a marcha das forças de S. Paulo ao Coxim e em diversos pontos de Mato Grosso. 488 Chegamos, assim, ao final do relato deste trágico episódio. Não tivesse o decorrer dos acontecimentos se desviado tanto do que fora originalmente idealizado por Henrique Fleiuss – muito provavelmente inspirado na experiência da guerra civil norte-americana – e a comissão integrada por Alfredo d’Escragnolle Taunay poderia ter escrito um glorioso capítulo da história da fotografia brasileira. Mas não foi assim. A tão ansiada idéia de Fleiuss não se mostrou viável, na prática. E se não o foi, o motivo passa longe das questões tecnológicas da fotografia de então ou mesmo das questões técnicas. O verdadeiro motivo do malogro, parecenos, estava no próprio despreparo de nosso exército para enfrentar aquela guerra e, conseqüentemente, para fotografá-la. Não se pode mesmo descartar a possibilidade do lapso quanto à data da partida da malfadada comissão, no anúncio de Fleiuss – que mencionou o dia 2 de abril e não o 1o, como de fato ocorreu – ter sido uma tentativa de evitar aquilo que ele já pressentia... 487 A obra fo originalmente lançada na França, sendo depois traduzida para o português por seu filho Afonso de E. Taunay. 488 Afonso de Escragnolle Taunay, in: TAUNAY, [1944?]. 390 Fig. 228 – Primeira página do relatório geral da expedição ao Mato Grosso (1865-1866), regidido por Taunay. AN Mas o editor da Semana Illustrada não desistiu. Como veremos a seguir, tratou de seguir na busca de alternativas para manter os seus leitores visualmente informados, acerca do que se passava nos longínquos campos de batalha. E nem deixou de transmitir notícias oriundas do Mato Grosso. Aliás, pouco antes da ‘Retirada da Laguna’, na Semana Illustrada de 3 de março de 1867 (p. 2595, seção ‘Pontos e vírgulas’) o editor comentava e indagava: “Nada consta da guerra; mas tudo faz crer que dentro de pouco tempo as muralhas inimigas serão arrasadas pelas nossas balas e pelos nossos soldados. [...] Entretanto chegam-nos notícias esquisitas de Mato Grosso. Diz-se que a Bolívia quer também entrar em luta com o Brasil. É naturalmente o efeito de alguma missão de López. Que haverá de verdade em tudo?” Fleiuss manteve a proximidade com Taunay e seguiu dando voz aos seus escritos, além de anunciar os lançamentos: “O Sr. 1o tenente de artilharia Alfredo d’Escragnolle Taunay publicou com o título: cenas de Viagem, a sua exploração entre os rios Taguary [sic] e Aquidauana no distrito de Miranda, onde mostra claramente como esta viagem foi trabalhosa 391 e rodeada de perigos. É um livro digno de se ler e faz honra ao seu autor.” 489 No ano seguinte, outra comunicação: “Os heróis brasileiros na campanha do sul em 1865. Publicaram-se os números XVI e XVII desta interessante coleção [...]. A primeira destas notícias biográficas é escrita pelo Sr. A. d’Escragnolle Taunay, que tanto se distinguiu na expedição [...].”490 Taunay seguia produzindo a sua contribuição à historiografia da guerra – que voltaria a contar com a sua participação. Convidado pelo último comandante em chefe das forças brasileiras no Paraguai, o conde d’Eu, partiu com ele para a nova missão em Assunção, tornando-se seu secretário. E as suas diferenças perante os superiores voltaram a se manifestar; desta vez, por conta de sua dupla missão, de oficial e repórter de guerra. Na versão de Taunay, os desentendimentos teriam começado após recusar a função de correspondente do jornal A Reforma, de tendência liberal: Em certo ponto da viagem, antes de chegarmos a Montevidéu, chamoume o conde d’Eu a uma conferência particular e dela proveio, quero crer, o desencontro que entre nós se produziu e foi sempre irremediavelmente se agravando. Disse-me, com certa cautela, que logo percebi, que uma das formas de servi-lo, na melindrosa comissão que ia encetar, era tornar-me correspondente de acreditado jornal do Rio de Janeiro, enviando-lhe regularmente correspondências verdadeiras e interessantes, ‘com o legítimo cunho literário que o Sr. lhes saberá imprimirrr’. Muito contente, respondilhe que previra essa incumbência, honrosa, difícil, mas muito do meu sabor e tomara compromissos com o Jornal do Comércio. Com a resposta se mostrou contrariado o Príncipe: ‘O Sr. adiantou-se demais. Eu o reservava para outra folha. E disse-me o nome, A Reforma. 491 Em 5 de fevereiro de 1870, até mesmo A Vida Fluminense – de Angelo Agostini, que àquela altura não se cansava de atacar Henrique Fleiuss e a Semana Illustrada em suas páginas – estampou o retrato de Taunay à página 45, ao lado de outro oficial. O editorial (p. 42) começava assim: Damos hoje o retrato de dois brasileiros distintos, ambos moços ainda, porém credores já da gratidão nacional pelos bons serviços que prestaram na campanha paraguaia. É um deles o capitão Albino Rosière [...]. O outro é o oficial da armada [sic] brasileira, o sr. Alfredo de Escragnole [sic] Taunay. O Sr. Taunay, dotado de vigorosa inteligência e de uma cópia de conhecimentos pouco comum em sua tenra idade, teve a feliz idéia de arquivar em um volume, escrito com toda a elegância, as mais tristes peripécias da malfadada expedição de Mato Grosso, quorum pars magna fuit! [...] 489 Semana Illustrada, 23 ago. 1868, p. 3215. Semana Illustrada, 28 mar. 1869, p. 3463. 491 TAUNAY, Memórias. Rio de Janeiro : Instituto Progresso Editorial, 1948, p. 463. Apud: MARETTI, 2006, p.160. 490 392 Com a primeira parte de sua obra – La retraite de la Laguna – prestou o Sr. Escragnole Taunay um relevante serviço, fornecendo, aos que de futuro escreverem a história da maior guerra sul-americana, a narração fiel de um dos seus mais importantes incidentes. Fig. 229 – Alfredo d’Escragnolle Taunay, em litogravura de Angelo Agostini. O texto a que se refere foi parcialmente transcrito, acima. A Vida Fluminense, 05 fev. 1870, p. 45. DiORa-FBN Muitas décadas depois, foi o conde Affonso Celso de Assis Figueiredo Junior – filho do Visconde de Ouro Preto e ex-deputado constituinte por Minas Gerais, nas últimas legislaturas do império – quem escreveu um interessante perfil de Taunay, de quem foi colega no parlamento. Finalizaremos esta narrativa, pois, com a sua transcrição integral: Alfredo d’Escragnolle Taunay era famoso pelas suas obras literárias, pela expedição a Mato Grosso, durante a Guerra do Paraguai, expedição de que fizera parte e que descrevera na magnífica – Retirada da Laguna, – pela multiplicidade de seus talentos, entre os quais o de compositor e pianista, pela sua aceitação na alta sociedade. Orava com dicacidade, abundância e engenho, mas de ordinário não agradava na tribuna. Áspera a voz, com sotaque estrangeirado, o tom agressivo, a graça forçada. Proclamava-se 393 conservador, e pregava idéias, mais que generosas e adiantadas, – revolucionárias. Descontentava assim seus correligionários, sem captar a confiança de seus adversários, a quem tratava com empáfia irritante. Na convivência íntima, cativava pela chaneza do proceder, pela conversação afável, erudita, engraçada, opulenta de observações pitorescas, – crônica animada de homens e acontecimentos. Desvaneciam-se as prevenções contra ele desde que, tratando-o de perto, se conhecia a sua lealdade e lisura. Alguns de seus discursos transcendiam o nível comum dos debates, ventilando questões artísticas, versando sobre assuntos musicais, sobre Carlos Gomes, sobre José Maurício Nunes Garcia,de cuja glória, mormente da do último, foi incansável paladino. Em 1883, na célebre polêmica acerca da pasta da guerra, descarregou-lhe Carlos Afonso rijos golpes da sua veia cáustica. A Câmara inteira riu-se à custa de Taunay. Ele, entretanto, passado o primeiro períodode ressentimento, pois era sumamente brioso, não se mostrou inimigo de Carlos Afonso, antes lhe reconhecia a hombridade e o sal. Com outros que o ofenderam portou-se magnanimamente. Era, no fundo, verdadeiro fidalgo, como o seu nome indicava. 492 492 AFFONSO CELSO, Oito anos de parlamento, [1928?], pp. 104-5. 394 5.3 A fase intermediária da guerra (mai. 1866 - jan. 1868) Em 1866 a falta de uma produção fotográfica mais consistente da guerra era sentida em outros setores, além da imprensa ilustrada. Como já mencionamos no subcapítulo 1.3 do presente trabalho, Vitor Meireles, em nome do júri encarregado da classe de fotografias da Exposição Nacional de Belas Artes de 1866, “lamentava o fato de o governo imperial não ter contratado um fotógrafo para documentar a guerra com o Paraguai e as ‘glórias nacionais’ ”. 493 Este novo gênero de reportagem, aqui implantado por Fleiuss, ia aos poucos se disseminando, embora sem a presença e a regularidade almejadas para a fotografia. Ademais, tais imagens (fotográficas) ainda careciam de uma certa força, de impacto visual, já que não eram propriamente instantâneas, face à pouca luminosidade das objetivas, à baixa sensibilidade das chapas e à complexidade envolvida na sensibilização das mesmas – e vale lembrar que esse procedimento tinha de ser obrigatoriamente realizado momentos antes da tomada da fotografia. Ainda assim, quando comparadas às imagens desenhadas que eram predominantes na imprensa periódica ilustrada, podemos constatar que essas imagens derivadas de fotografias contribuíram para enriquecer e dar uma aura de maior ‘veracidade’ ou ‘autenticidade’ à narrativa, em termos de informação – mais ainda quando a ‘cópia fiel’ era declarada. Segundo Mauro César Silveira, Em tempos que a fotografia ainda era um privilégio de raras pessoas, mesmo entre as mais abastadas, as primeiras imagens impressas provocaram imenso furor. Deve-se ter em mente, também, as possibilidades – embora limitadas – abertas ao grande contingente de analfabetos do país: o primeiro recenseamento da história brasileira, datado de 1872, mostra um índice de apenas 15,75% de alfabetização nos 9.930.478 habitantes. 494 O ano de 1866 foi um ‘divisor de águas’ na guerra contra o Paraguai. Invadido o solo inimigo e ocupado, em 18 de abril, o forte de Itapirú, em seguida os aliados acamparam no Passo da Pátria. Mas os paraguaios estavam muito longe de se render; organizaram um ataque-surpresa (A batalha do esteiro Bellaco, em 2 de maio) e, depois que os aliados avançaram e acamparam em Tuiuti, os inimigos ainda realizaram um novo ataque surpresa (a primeira batalha de Tuiuti, em 24 de maio). Iniciava-se então a chamada ‘guerra de posições’, onde os aliados estavam sempre em busca de avançar – o próximo objetivo era a fortaleza de Humaitá – e os 493 494 TURAZZI, 1995, pp. 125-126. SILVEIRA, 1996, p. 40. 395 paraguaios se empenhavam em defender o seu solo invadido e tentar explusá-los, vigiando e contra-atacando, forçando o inimigo a recuar, às vezes; cada um com suas estratégias. Fig. 230 – Em 24 de maio de 1866, deu-se o ataque-surpresa dos paraguaios ao acampamento aliado de Tuiuti, ocasião em que sofreram expressiva quantidade de baixas, o que forçou-os a um recuo estratégico. Semana Illustrada, 30 set. 1866, p. 2421. DiORa-FBN Naquele período, a cobertura da Semana Illustrada foi pouco expressiva, em termos visuais. A fotografia, então, esteve quase sempre restrita aos retratos que exaltavam os bravos – mas também traziam os leitores à dura realidade dos ferimentos e das mortes. O humor chegou a ser empregado, em algumas (poucas) ocasiões. Em julho daquele ano o popularíssimo general Osório, necessitado de tratar da saúde, retirouse para sua terra natal (o Rio Grande do Sul), passando o comando do 1º Corpo do Exército ao general Polidoro. A capa do fascículo lançado em 19 de agosto, além de homenagear Polidoro, demonstrava a importância da posse, pelos cidadãos, do retrato das figuras significativas no contexto da guerra: é o Moleque quem afirma que os assinantes “ficarão contentes, por possuir a efígie do valente Polidoro.” 396 Fig. 231 – “ – Ainda estas poucas pinceladas, e o retrato ficará pronto. Como o achas, moleque? – Perfeito. E os nossos assinantes, nhonhô, hão de dizer o mesmo e ficarão contentes, por possuir a efígie do valente Polidoro.” Semana Illustrada, 19 ago. 1866, p. 2369. DiORa-FBN Naquele mês de julho, ocorreram três confrontos entre os inimigos – as batalhas de IataitíCorá (11), Boqueirão (16) e Sauce (18) – e em 3 de setembro, o 2o Corpo do Exército atacou e em seguida ocupou Curuzú, uma importante posição fortificada, às margens do rio Paraguai. Foi naquele momento que ocorreu, na localidade de Iataití-Corá, o histórico encontro solicitado pelo presidente paraguaio Solano López, com o presidente argentino Bartolomé Mitre. Desautorizado pelo Brasil a fazer qualquer tipo de concessão, Mitre desentendeu-se com Solano, que tentava convencê-lo a abandonar a Tríplice Aliança. Fig. 232 – Semana Illustrada, 12 ago. 1866, p. 2365. DiORa-FBN 397 Logo em seguida, no dia 22 de setembro de 1866, os aliados sofreram aquela que é considerada a maior derrota, nos mais de cinco anos de guerra. Curupaiti era uma posição fortificada, contando ainda com um longo entrincheiramento, às margens do rio Paraguai. Funcionava como uma defesa avançada da fortaleza de Humaitá. Animados com a queda do forte de Curuzú, os aliados atacaram-na mas foram duramente rechaçados, perdendo-se milhares de vidas na ocasião. A derrota acarretou profundas mudanças no andamento da guerra. O comandante em chefe das forças uruguaias, Venâncio Flores, retornou ao seu país e a participação das forças argentinas foi diminuída. Fig. 233 – Na ‘galeria dos bravos’ de Fleiuss tinham lugar todas as patentes. Neste caso específico, vemos um cadete, um tenente e um capitão do corpo de engenheiros – o primeiro falecido e os outros dois, gravemente feridos em distintos combates. Através do retrato, os leitores do semanário encaravam as perdas, a morte. Semana Illustrada, 07 out. 1866, p. 2429. DiORa-FBN Em 14 de outubro (n. 305), à página 2439, o editor homenageou o ‘pescador de torpedos’ Antonio Joaquim Ribeiro, cujo retrato fora estampado na mesma ocasião. Em seguida, surge uma nova seção, nas páginas da Semana Illustrada, intitulada “Extratos de correspondências particulares do 1º corpo do exército de operações contra o Paraguai.” Datada “Tuiuti, 22 de agosto de 1866”, começava com a menção ao fato mais ansiado pelos brasileiros: “Em breve vão começar as operações decisivas.” 398 Figs. 234 e 235 – [esq.] Retrato de João Conrado de Niemeyer. Semana Illustrada, 14 out. 1866, p. 2437. [dir.] “Consertador de mutilados.” Semana Illustrada, 04 nov. 1866, p. 2460. DiORa-FBN Naquele período, Fleiuss estampou uma série de cartuns, todos dedicados ao que se via na recém-inugurada Exposição Nacional de 1866 – que já foi mencionada em diversos subcapítulos anteriores. 495 Entre esses cartuns, havia um que relacionava-se aos fatos da guerra e chamou-nos a atenção, por se tratar de um autêntico exemplo de ‘humor negro’: “Consertador de mutilados. Completa os defensores da pátria. Narizes, orelhas e olhos mais perfeitos que os naturais. Braços e mãos para todas as profissões. Pernas higiênicas econômicas, garantidas contra os reumatismos, erisipelas, formiguieros [sic] e calos. Poupam a metade do pano para as calças. Dispensam o sapateiro.” Depois da derrota de Curupaiti, o governo se viu compelido a promover uma reestruturação geral. Em 19 de novembro de 1866, começou uma nova era da guerra do Paraguai: Caxias (que havia sido nomeado no dia 10) foi investido na posição de comandante-em-chefe das forças armadas brasileiras. O objetivo principal era por fim às disputas internas pelo poder, que vinham corroendo as forças do exército. Para assegurar a unificação da chefia, Tamandaré 495 A Exposição Nacional de 1866 já foi mencionada nos subcapítulos 1.3.1, 2.1, 2.2.2 e 3.1. 399 também foi substituído por Joaquim José Inácio, o visconde de Inhaúma. Na Semana Illustrada, as mudanças foram bem recebidas. Mas eram tempos de poucas novidades no front, razão pela qual não surgiam novas imagens nas páginas do jornal; quase sempre, eram os eventos passados que eram relembrados. Figs. 236 e 237 – [esq.] “O Marquês de Caxias, novo chefe do exército brasileiro.” Semana Illustrada, 21 out. 1866, p. 2448. DiORa-FBN. Afora os cadáveres em primeiro plano, sobre os quais passam as forças do exército brasileiro, a atitude (o líder cercado pelos seus seguidores, todos de armas em punho) e os outros elementos do desenho (ressalte-se a bandeira do Império, ao fundo) assemelham-se, na essência, ao que se viu na estampa referente à visita do imperador ao Rio Grande do Sul, publicada em 06 ago. 1865 (à direita). Naquele caso, eram as alegorias que se colocavam em primeiro plano, ao invés dos cadáveres. No fascículo da Semana Illustrada lançado em 4 de novembro de 1866, logo depois da terceira parte de uma longa descrição da Exposição Nacional, que vinha sendo publicada em capítulos semanais, encontramos o texto intitulado “Um novo torpedo” (p. 2461): O patacho Iguassu, que se acha fundeado na boca da Lagoa Pires, para melhor ter comunicação com o primeiro corpo do exército, apanhou um torpedo, [...] e por ser de uma nova espécie, mando-te o desenho, para compreenderes minha explicação. Compõe-se o animal de [...]. É bastante engenhoso, e segundo o pensar é melhor que os outros, que já conheces. Pelo uso da segunda pessoa, ficamos com a impressão de que o remetente foi um gaúcho; mas este dado não consta do texto. Chama atenção o nível de detalhe a que chegam as descrições dos torpedos. Até mesmo hoje em dia, ao tratar da questão dos armamentos, nossa imprensa 400 continua valendo-se dos infográficos, plenos de informações técnicas. Mas o nível de detalhamento desses antigos relatos acerca dos torpedos – e foram vários – ainda hoje surpreenderia o leitor comum. Fig. 238 – Semana Illustrada, 11 nov. 1866, p. 2469. DiORa-FBN “Chamamos a atenção dos leitores para a interessante carta, que nos dirigiu o nosso amigo, que a assina” era o título que encimava o texto publicado na mesma data, trazendo boas novas sobre o acampamento de Tuiuti e sobre o clima positivo que pairava no seio das forças brasileiras no Paraguai: É tão simples dizer a verdade, que não sinto repugnância alguma em reproduzir tudo quanto aos meus amigos hei dito acerca da curiosa visita, que acabo de fazer ao 1o corpo do exército em operações contra o Paraguai. O acampamento de Tuiuti é uma vasta planície arenosa, [...]. O abarracamento é novo e bonito, alinhado em ruas espaçosas e guardando uma uniformidade, que não me deixava mesmo de dia ir de um ponto a outro sem ser acompanhado por um guia. É uma cidade improvisada, com muitas edificações de palha feitas pelos soldados à custa dos oficiais e onde a arquitetura não é muito variável. O calor e as moscas são dois flagelos, que justificam estas edificações que, até certo ponto, corrigem os 401 seus excessos. Tratava-se de construir uma capela e um teatro; disseram-me alguns amigos que era – para não separar nunca o profano do religioso. [...] Todas as más impressões, que daqui levava a respeito das condições higiênicas do acampamento, desapareceram à vista do que vi; [...] e para se fazer idéia da verdade, basta dizer que o Passo da Pátria entretém um movimento de 50 navios a descarregar gêneros de todos os comércios, os quais têm na retaguarda do acampamento uma extensa linha de tendas, tascas e até um hotel! A publicação de dois periódicos, dos quais só vi um a Saudade, e os constantes bailes à noite, revelam o espírito de que todos estão revestidos. Todos os oficiais fazem elogios à coragem de seus soldados e cada um conta interessantes episódios de entusiasmo e abnegação dos seus subordinados. [...] Todos lamentavam a prolongação da guerra, mas ninguém deseja voltar sem a ver concluída, [...]. Todos reconheciam os princípios de justiça do general Polidoro, que é estimado, mas os nomes queridos do exército eram sem dúvida o de Caxias e Osório. Destes dados podem extrair o que lhes convier e publicar sob a responsabilidade do Amigo J. R. Moniz. O fascículo lançado em 25 de novembro trouxe, às páginas 2483 e 2486, o primeiro relato mais elaborado sobre a marcante derrota de Curupaiti, em 22 de setembro. Era intitulado “Ataque de Curupaity. Extraído de uma carta do tenete coronel Augusto Francisco Caldas. Curuzú, 4 de outubro de 1866.” A Semana Illustrada optara pela estratégia de dar voz em suas páginas, mais e mais, aos membros das forças armadas. Nem todas as cartas e relatos publicados eram devidamente identificados, mas ficava evidente que tratava-se da produção de pessoas que estavam diretamente envolvidas no conflito; todas elas, presumivelmente, integrantes das forças armadas. Já no caso dos relatos visuais (plantas, mapas, diagramas, esboços, panoramas, etc.) os autores eram quase sempre identificados. Dois trechos da parte final da missiva cujo título transcrevemos acima, refletem com clareza a situação, após aquele fracasso. O primeiro diz “Acredito que de necessidade teremos de mudar de plano de campanha, porque por aqui nem com o triplo do exército se poderá tomar estas fortificações: só Deus sabe por onde e como iremos.” O segundo trecho encerra o texto: “Não me falta, Deus louvado, consideração e importância entre meus superiores e camaradas; mas falta-me a tranquilidade de espírito, a respeito do futuro de meus filhos a quem, Deus justo como é, amparará.” Como se vê, o ‘clima’ mudara por completo, nas páginas do semanário, se comparado com os textos ufanistas dos primeiros tempos da guerra. 402 Figs. 239 e 240 – “Presidente Saldanha Marinho, acordando a província de Minas até aqui pouco solícita ao reclamo da pátria: Mineiros! Ficareis inertes ante o morticínio de nossos irmãos?.... Unamo-nos todos para castigar o bárbaro, que ousou invadir o nosso território, insultar os nossos foros de nação livre e independente!” Capa (esq.) e detalhe da capa (dir.). Semana Illustrada, 25 nov. 1866, p. 2481. DiORa-FBN Fig. 241 – Os rostos do tenente-coronel Peixoto e do amigo Hoonholtz, presume-se, foram copiados de retratos fotográficos por Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 02 dez. 1866, p. 2493. DiORa-FBN 403 Em 9 de dezembro de 1866, a Semana Illustrada anunciou mais dois suplementos: “Temos a satisfação de comunicar aos nossos honrados assinantes, que com os próximos números distribuem-se dois suplementos, um representando o estado em que se acharam os dois encouraçados Brasil e Tamandaré depois do ataque de Curupaity e o outro uma poesia do Sr. Jacy Monteiro, dedicada ao aniversário da morte do nosso grande poeta Antonio Gonçalves Dias. Os editores.” Fig. 242 – “Suplemento da Semana Illustrada. Tamandaré. Brazil. Depois do ataque de Curupaiti. Fotografados do natural.” Este suplemento foi anunciado no n. 313 de 09 dez. 1866. Observe-se a presença de membros da armada, em ambas as litogravuras. Ico-FBN Este suplemento lançado ao final de 1866, trazendo as imagens dos encouraçados Tamandaré e Brasil em mau estado, depois do ataque de Curupaiti, é emblemático. E pode ser comparado ao suplemento das Vistas de Paissandú depois da tomada da praça (fig. 156), que havia sido lançado no início de 1865. Naquele primeiro, a destruição estampada era o nosso troféu de guerra, a ratificar a nossa força e a nos incentivar a seguir em frente. Neste último, a destruição era o nosso castigo, a nossa derrota, a nos provocar a reflexão, a indignação, o desânimo. Ao lançar tal suplemento, a Semana Illustrada estava estampando o seu protesto quanto ao comando das forças armadas, quanto aos rumos da guerra. Em vez de manchetes, editoriais, reportagens, apenas uma folha de papel com duas imagens “fotografadas do natural.” Se por um lado, o efeito daquelas fotografias pudesse ser negativo, por outro lado elas traziam um dado surpreendente: a presença do elemento humano; eram os integrantes da 404 nossa armada, posando a bordo, como que a nos lembrar que “havíamos perdido uma batalha, mas não a guerra”, e que apesar das embarcações estarem seriamente danificadas, ainda havia vida a bordo. Figs. 243 e 244 – [esq.] “O comendador Mathias Roxo e seus filhos Augusto e Frederico, fazem de seus escravos cidadãos e dos cidadãos soldados. O coração do imperador e a voz da pátria, os apontam como exemplo a seguir.” Semana Illustrada, 23 dez. 1866, p. 2517. [dir.] “Os beneméritos construtores LEVEL e BRACONNOT oferecem os planos de seis novos encouraçados ao Sr. ministro da Marinha, que por seu turno os oferece à pátria. Honra aos três distintos brasileiros!” Semana Illustrada, 23 dez. 1866, p. 2520. DiORa-FBN Fig. 245 – Sempre que possível, Fleiuss estampava uma fotografia relacionada à guerra. Aqui, vemos um interessante grupo de “Correntinos no acampamento. Copiados de uma fotografia.” Semana Illustrada, 06 jan. 1867, p. 2533. 405 Fig. 246 – “Os cinco irmãos Tamborins.” Semana Illustrada, 13 jan. 1867, p. 2541. DiORa-FBN Fig. 247 – “Deus, a pátria, o monarca, a nossa glória!” Homenagem a Luís Alves de Lima e Silva (Caxias) e Joaquim José Inácio de Barros (Inhaúma), os novos líderes das forças brasileiras em operações no Paraguai. Semana Illustrada, 03 fev. 1867, p. 2568. DiORa-FBN 406 Fig. 248 – Uma das poucas aparições do imperador d. Pedro II, nas páginas do hebdomadário de Henrique Fleiuss, longe das grandes solenidades ou das imagens alegóricas. E mais: aqui, ele é tratado pelo título de “Primeiro Cidadão Brasileiro”. Semana Illustrada, 10 fev. 1867, p. 2573. DiORa-FBN Fig. 249 – “O cemitério de Corrientes”, onde está assinalada a localização da sepultura do 1º tenente Antonio Carlos Mariz e Barros, o filho do visconde de Inhaúma, falecido na guerra em março de 1866. Semana Illustrada, 24 fev. 1867, p. 2589. DiORa-FBN 407 Fig. 250 – Semana Illustrada, 10 mar. 1867, p. 2605. DiORa-FBN A partir de março de 1867, a Semana Illustrada deu início à publicação das cartas de um novo colaborador, que passou a enviar as suas narrativas do principal teatro da guerra, assinando “Leva arriba” – segundo a opinião dominante na historiografia da guerra, este seria o futuro visconde de Inhaúma, comandante da esquadra brasileira desde dezembro de 1866. Intitulada “Esquadra bloqueadora” e escrita em Curuzú, a primeira carta 496 começava assim: “Isto por aqui, meu caro Dr. Semana, cheira a chamusco depois que o almirante Joaquim José Inácio tomou conta da nossa floresta flutuante. [...] Parece que o tio Joaquim, como todos os camaradas o chamam, quer que os paraguaios, a respeito de louça resistente, fiquem sem um só pires.” Depois de um extenso relato, a missiva terminava assim: “Do que ocorrer dar-lhe-á notícias sempre verdadeiras o anti-mariscal. Leva arriba.” Três semanas depois, ele volta a se manifestar: “Meu caro Dr. Semana. Não sei ainda se gostou da minha anterior epístola. [...] Seja como for, aí vai a segunda missiva. [...] Hoje houve novo bombardeio. O almirante Joaquim José Inácio é infatigável; traz tudo em movimento; e, como não mete, segundo a frase vulgar, os cães na mouta e põe-se de fora, a rapaziada, sempre briosa e intrépida, não se 496 Semana Illustrada, 03 mar. 1867, pp. 2595 e 2598. 408 queixa; pelo contrário obedece-lhe de cara alegre e aplaude-o como homem de ação enérgica, de atilamento provado e chefe consciencioso.” 497 Em 10 de março de 1867, o editor da Semana Illustrada comenta: “No rio da Prata há uma coisa de que se fala mais que da guerra, é a – paz. Há ou não há paz? Há ou não há intervenção? Foi ou não aceita? Eis as perguntas que se fazem por todos [sic] as calles e em todos os periódicos. Eu não sei de coisa nenhuma. Afirma-se que a vinda de Mitre a Buenos Aires é para tratar disso, e até que se espera um vapor de Assunção com as propostas de López. Mas o Brasil toma parte no tratado? Creio que não. Ao menos é essa a versão mais acreditada no rio da Prata.” Desde dezembro do ano anterior, os Estados Unidos haviam decidido oferecer a sua mediação no sentido de cessar o conflito; mas em abril, o governo brasileiro viria a manifestar a sua rejeição àquelas gestões diplomáticas. E quanto à ida de Mitre para Buenos Aires em fevereiro daquele ano, após transferir o comando-em-chefe das forças aliadas a Caxias, isto se deveu à necessidade da sua presença para sufocar uma rebelião contra o governo argentino. Em 25 de agosto de 1867, o primeiro texto do editorial da Semana Illustrada, antes mesmo da seção Pontos & vírgulas, intitulado A guerra (p. 2794), já começava com palavras fortes: “Os terroristas e falsos profetas, aliados de D. Solano, estão de cristas caídas por não poderem cavar terrores e pérfidos vaticínios na imobilidade das forças ao judicioso mando do Sr. Marquês de Caxias.” Mais à frente, afirmava que “o Brasil há de cantar vitória e vitória esplêndida, completa, decisiva” e depois de manifestar sua certeza na tomada de Humaitá, concluía: “Deus é sempre pelas boas causas.” Em 8 de setembro de 1867, uma correspondência recebida do ‘Dr. Leva-Arriba’, publicada na seção a ele dedicada e então denominada Esquadra Expedicionária (p. 2814), datada de Humaitá, 20 de agosto de 1867, dizia: “Meu caro Dr. Quebrou-se o encanto de Humaitá. O Cronstadt paraguaio há quatro dias está sendo batido sem interrupção pelos grossos canhões de nossos encouraçados. Foi-se-lhe pelos ares o condão da invulnerabilidade e alguns claros abertos em seus arrogantes parapeitos dão bem a entender que esse Aquiles de compacto tijolo e argamassa tem uns poucos de calcanhares. [...]” Já em 15 de setembro de 1867 o editorial A família imperial (p. 2818) informava-nos que 497 Semana Illustrada, 24 mar. 1867, pp. 2619 e 2622. 409 Suas Altezas os Srs. Conde d´Eu e Duque de Saxe, acompanharam Suas Magestades Imperiais no ato magnânimo, com que cederam a quarta parte de suas dotações em auxílio das despesas do Estado na sustentação da luta de honra, em que não deve haver interupção, senão quando a paz, conquistada pelas armas, glorificar a desafronta nacional. As virtudes cívicas de S. M. o Imperador, a solicitude exemplar que emprega em tudo quanto é beneficiar o país, a abnegação de que dá provas quando qualquer necessidade pública reclama salutar intervenção, não careciam de novas demonstrações, estão há muito tempo demonstradas e traduzidas em fatos significativos, que legarão à história os sulcos de luz simpática e inextinguível, por onde será apreciado devidamente o segundo reinado da terra de Santa Cruz. [...] Fig. 251 – [em cima] “A canhoneira encouraçada Tamandaré depois do combate de Curupaity.” [embaixo] “A corveta encouraçada Brasil depois do combate de Curupaity. (Mandados pelo Exm. Sr. Almirante Joaquim José Ignacio).” Em dezembro de 1866, a Semana Illustrada já havia publicado um suplemento onde uma das imagens mostrava a parte central da corveta encouraçada Brasil, seriamente danificada e parcialmente submersa, após o ataque sofrido pelas forças aliadas em Curupaity (22 set. 1866). Em fevereiro de 1867, a corveta chegou ao Rio de Janeiro para reparos e em maio, já reintegrava-se à Esquadra em Operações de Guerra. Mas em setembro daquele ano, como vemos, o seu estado anterior, assim como o da canhoneira Tamandaré, após o combate de Curupaity havido há um ano, eram novamente lembrados. Semana Illustrada, 15 set. 1867, p. 2821. DiORa-FBN 410 Em 6 de outubro de 1867, Henrique Fleiuss anunciou: “Publicou-se a Planta de Humaitá. Mandada ao Imperial Instituto Artístico pelo Exm. Sr. Almirante e Barão de Inhaúma Joaquim José Ignácio. Os desenhos dos torpedos, que se acham na mesma planta, foram mandados pelo Guarda-marinha Henrique Pinheiro Guedes a quem agradecemos também alguns detalhes da planta. Preço 1$000.” Fig. 252 – Em um período onde faltavam as imagens fotográficas, Henrique Fleiuss se valia dos desenhos enviados pelos membros das forças armadas brasileiras. Neste caso específico, o autor havia morrido três meses antes desta publicação. Semana Illustrada, 13 out. 1867, p. 2853. DiORa-FBN O fascículo lançado em 3 de novembro de 1867 trazia o seguinte anúncio: “ Publicou-se no Imperial Instituto Artístico uma planta das imediações da fortaleza de Humaitá, intitulada: Uma idéia das posições que ocupam os beligerantes no Paraguai, pelo capitão de engenheiros Conrado de Niemeyer, em comissão na vanguarda do exército brasileiro. Preço 1$000.” Humaitá continuava a ser o grande objetivo, a fortaleza até então instransponível. E 411 as plantas que o Imperial Instituto Artístico publicava, referentes às diferentes versões de membros do exército e da armada, possibilitavam que os interessados se inteirassem ainda mais do problema, adquirindo a perfeita noção da situação enfrentada pelas nossas forças, no teatro da guerra. Fig. 253 – Semana Illustrada, 20 out. 1867, p. 2861. DiORa-FBN Fig. 254 – Morto no combate de 16 de julho de 1866, o capitão de engenheiros Conrado de Niemeyer já havia sido homenageado com a publicação de seu retrato em 14 out. 1866. Aqui, temos uma nova litogravura realizada a partir do mesmo retrato. Semana Illustrada, 03 nov. 1867, p. 2876. DiORa-FBN 412 No fascículo de 17 de novembro de 1867, o editorial começava assim: “Guerra do Paraguai. As notícias que vieram pelo vapor Galgo, anunciando os brilhantes feitos de armas dos nossos bravos irmãos, que estão defendendo a honra nacional, só podem ser publicados no próximo número, por falta de espaço. Todos os pormenores serão dados com a minuciosidade de que os leitores estão ao fato dos inteligentes escritores do exército e da armada.” Os feitos a que se referia o comunicado eram a ocupação aliada de Tahi, em 2 de novembro e o novo ataque paraguaio a Tuiuti, no dia seguinte. Fig. 255 – Semana Illustrada, 09 fev. 1868, p. 2985. DiORa-FBN 413 5.4 Rumo à vitória final 5.4.1 De Humaitá à Dezembrada (fev. 1868 - dez. 1868) O ano de 1868 começou pesado, na sede da corte. A insatisfação era evidente – em casa, nas ruas, nas páginas dos jornais. Estavam todos fartos da guerra, que a cada dia se tornava mais impopular. A Semana Illustrada era alvo de críticas e viu-se envolvida em uma das diversas polêmicas surgidas na imprensa; em 2 de fevereiro de 1868 publicou o texto intituado As agressões do Correio Mercantil (p. 2982) onde, depois de comentar a contenda daquele periódico com o Jornal do Commercio, o Dr. Semana manifestou-se: Graças à nossa independência, alcançada pelos imensos esforços de servir bem a nossos assinantes, de ficar sempre nos limites da mais rigorosa decência, de uma regularidade proverbial, – não tememos os insultos desses que não têm mostrado amor à pátria, interesse pela causa pública e o devido respeito aos colegas da imprensa. São eles, que debaixo da máscara da oposição legítima, que tem por fim mostrar os defeitos e erros da administração, tem atacado a todos e a tudo, que se opõe às idéias do seu partido. E nem o partido foi, nem pode ser servido por eles, porque os meios de que os meios de que nos seus ataques se serviram, não são leais. [...] O fim da imprensa é outro, é mais nobre. Hoje cada cidadão tem obrigação de fazer tudo o que está nos seus esforços para coadjuvar o ministério, para acabar primeiramente esta guerra prolongada para restituirnos a glória da honra nacional ultrajada pelo déspota paraguaio. Animar, para não deixar esfriar a coragem e o patriotismo, educar pelos fatos históricos de todos os povos do universo e mostrar os exemplos dos heróis, isto é que deve ser o motor da imprensa; quem não auxilia desta forma, pertence aos paraguaios de cá, piores do que os de lá. UNIÃO é e deve ser a palavra sagrada da atualidade, energia e patriotismo seguem-na e se todos quiserem, e o querem do fundo d’alma – vitória há de ser a palavra, que findará a tarefa, cercando-a de auréola brilhante. [...] Tudo que hoje é oposição é paraguaísmo, e paraguaios são aqueles, que, vendados pela sua ambição e ofensa do seu amor próprio, não querem deixar o trilho ignóbil, em que estão andando. [...] Dr. Semana Em 8 de março, a capa trouxe uma homenagem a Venâncio Flores, assassinado em Montevidéu no dia 19 de fevereiro – mesma data em que seis embarcações brasileiras (monitores) conseguiram ultrapassar Humaitá, navegando rumo a Assunção, o que motivou a 414 imediata evacuação daquela cidade, tendo a capital paraguaia sido transferida para a cidade de Luque. O fato era mais que relevante e por este motivo, o editorial intitulado Semana Illustrada trazia um pedido aos leitores: O editor da Semana Illustrada, pretendendo litografar um quadro dos bravos, que tomaram parte ativa na gloriosa Passagem de Humaitá, roga às pessoas que tiverem retratos ou fotografias dos comandantes e oficiais dos encouraçados e monitores, que heroicamente transpuseram esse formidável passo, o favor de lh’os confiar por alguns dias no Imperial Instituto Artístico, ao largo de S. Francisco de Paula n. 16. Obrigando-se o editor à entrega dos referidos retratos, pede urgência no favor para não haver demora no exibição do quadro, que será distribuído grátis aos assinantes da Semana Illustrada.498 Imediatamente após aquele pedido, havia um anúncio de outra nova produção do Imperial Instituto Artístico: O editor da Semana Illustrada, confiando na benévola promessa que lhe fez o Exm. Sr. Visconde de Inhaúma de remeter ao Imperial Instituto Artístico desenhos de todos os feitos notáveis da esquadra, e contando receber em breve o da estupenda e gloriosa passagem de Humaitá, com o episódio esplêndido do monitor Alagoas, o fato mais grandioso do século atual, tem o prazer de anunciar ao público que fará uma edição de quadros, registrando esses feitos de armas, igual às que tem publicado relativas a Riachuelo, Mercedes, Cuevas e Curupaity. A edição dos quadros será oferecida ao público por preço módico. HENRIQUE FLEIUSS. Em seguida, vinha mais uma das frequentes colaborações intituladas Esquadra Encouraçada, assinadas pelo Leva-Arriba, e mais à frente (p. 3023), havia um outro comunicado, intitulado Ao público, onde Henrique Fleiuss convidava os interessados em ver os originais remetidos pelo Visconde de Inhaúma e por outros amigos da marinha e do exército, a se dirigirem ao Imperial Instituto Artístico. Declarava, ainda, que os quadros publicados eram autênticas cópias dos originais recebidos do teatro da guerra, ‘desenhados do natural’, e não composições por ele imaginadas. Tal declaração era decorrente dos ataques que vinha recebendo de Angelo Agostini, em sua A Vida Fluminense – e deste assunto, específicamente, nos ocuparemos no capítulo 6. 498 Semana Illustrada, 08 mar. 1868, p. 3018. 415 Fig. 256 – Semana Illustrada, 08 mar. 1868, p. 3017. DiORa-FBN Em 22 de março, a Semana Illustrada anunciou que no sábado seguinte distribuiria, como suplemento, “um grande e minucioso mapa do teatro da guerra, no espaço compreendido entre a lagoa Piris e a vila de S. João, além do arroio Inhembucú”, trabalho este que havia sido “comunicado pelo Exm. general Bittencourt e é devido ao seu filho, o bravo comandante do batalhão de engenheiros, o Sr. tenente-coronel Conrado.” E dos mesmos autores, anunciava o editor, seria publicado, mais à frente, um “mapa especial do acampamento de Tuiu-Cuê e proximidades; no qual se pode bem estudar o excelente plano de fortificações do 1º corpo de exército brasileiro, e o cruzamento dos seus fogos.” Fleiuss tinha plena consciência, como já dissemos, de estar escrevendo uma história da guerra, o que era ali reafirmado: “Estes mapas, além do seu valor absoluto, e do interesse de atualidade, serão de grande auxílio para a história da guerra do Paraguai.” [grifo nosso] Junto com aquele mesmo fascículo do dia 22, foi entregue o suplemento Passagem de Humaitá anteriormente prometido. E ainda naquela data, anunciava o editor, publicara-se um outro suplemento, que seria exposto para ser entregue no sábado seguinte: o “Ataque e abordagem dos encouraçados, abaixo de Humaitá, na madrugada de 2 de março pelos paraguaios e a gloriosa vitória da marinha brasileira; desenhado conforme as notícias, pelo Sr. 416 Carlos Linde.” A imagem estampada na capa do fascículo lançado em 19 de abril de 1868 deixava clara a crença e o desejo profundos pelo fim da guerra. 499 Nela, o Dr. Semana, ajoelhado, entrega ao ‘índio Brasílio’ (aqui, sem barbicha, parecendo uma figura andrógina) um papel ou cartão onde se lê: “FIM DA GUERRA”. Neste mesmo fascículo, à página do editorial (Pontos e vírgulas, p. 3066) o editor informava: “Miss Lynch mandou-me uma carta. Posto que tenha alguns períodos azedos para mim, vou transcrevê-la para mostrar ao Paraguai que aqui há liberdade de imprensa. Não querendo alterar nada, publico a carta na lingua em que foi escrita”: Senor Editor de la Semana Illustrada – Algunos pasados de Tuiu-Cuê me regalaron algunos ejemplares del periodico que V. redacta em Rio de Janeiro. Vi los articulos y caricaturas, y no sabré decirle a V. lo que me admira mas, si la desfachatez ó la rudeza de sus frases. Es imposible ser más jactancioso que V., ni formar del mundo mas mezquina idea. Para V. el Supremo es um necio, um bárbaro, um déspota, y yo la Maintenon 500 de estas comarcas: es decir, que el Paraguai es gobernado por um látigo y por las enaguas de uma muger. [sic] Miserable concepto! V. no conoce la nacion mas libre del mundo que también es la mas amante del orden y la mas sumisa. López es um perfecto gentleman, um beautiful mozo, um dios, siendo à la par Marte para el pueblo y Apolo para mi. Tres veces se le há ofrecido la diadema, como a Cesar, y otras tantas la há rehusado. He is ambitious? ¿El es ambicioso? Pero el Dr. Semana dice que él es ambicioso y el dicho Doctor es um hombre honrado. But Doctor says that he is ambitious and Doctor is an honorable man. Si López y yo nos vamos ahora a Europa es tan solo para pasear y alistar um nuevo egército. [sic] Espérese V. que dentro de um ano harémos uma expedición contra el imperio esclavocrata y sus descorteses periódicos. El Obispo de la Asuncion le manda a V. sus recuerdos y le promete enviarle em botas y espuelas a las calderas de Pedro Botello. S. S. S. L. S. M. B. Lynch. Ao final da transcrição, havia um último comentário do Dr. Semana: “Não acrescento nada a esta carta com que nos mimoseou a presidenta do Paraguai; mas se ela passar por aqui prometo mandar cumprimentá-la a bordo pelo moleque. Dr. Semana.”501 499 Ver fig. , p. . Madame de Maintenon foi a segunda esposa do imperador francês Luis XIV. Mulher influente, nunca teve o seu casamento oficializado. 501 Embora esta missiva tenha todas as características de uma ficção produzida pela mente de Henrique Fleiuss, vale registrar que segundo LILIS e FANNING (2009, pp. 151-3) Elisa Lynch estava, àquela época, bastante envolvida com alguns assuntos da guerra, junto à sociedadae paraguaia. 500 417 Na seção ‘Crônica para-lamentar’ do fascículo lançado em 5 de julho de 1868, lemos uma incisiva defesa de um colaborador frequente nas páginas da Semana Illustrada, o “valente vice-almirante visconde de Inhaúma”, que fora responsabilizado pela demora na passagem de Humaitá em uma das digressões feitas em discurso pelo senador (por Goiás) José Inácio Silveira da Mota – classificada pelo editor como “incoveniente, iníqua e desleal” (p. 3158). O texto que segue é duro: “O que mais nos irrita, o que mais do íntimo d’alma nos fez reprovar e achar hediondo o ato do Sr. Silveira da Motta, é que S. Ex. expôs um general brasileiro ao ridículo dos estranhos, ao perigo de perder a estima e o respeito de seus subordinados, a confiança de seus concidadãos.” Fig. 257 – “Glorioso combate dos encouraçados brasileiros Barroso e monitor Rio Grande. Atacados pelos paraguaios, na noite de 9 de julho de 1868. Desenhado pelas noticias oficiais por C. Linde.” Este foi o suplemento de estilo mais realista, entre todos os desenhados por Carlos Linde. Relata a segunda tentativa de tomar navios encouraçados brasileiros, abordando-os de surpresa, em canoas. Suplemento da Semana Illustrada, agosto de 1865. DiORa-FBN Em 25 de julho, finalmente, as forças aliadas adentraram a fortaleza de Humaitá. As notícias chegaram rápido à corte. A Semana Illustrada n. 400, de 9 de agosto de 1868 (p. 3194), o editorial intitulava-se ‘Delenda Humaitá’ e dizia: Parabéns, mil parabéns, ó povo do Brasil! Há perto de quatro anos fostes, pela mais negra e infame das traições, insultado nas águas do Paraguai e pouco depois vistes grande porção da terra 418 de vossos maiores profanada pelos pés das hordas do tirano, vergonha do Sul da América. [...] Ergueste-vos como um só homem e bradastes – vingança! O brado de uma nação, ferida profundamente nos seus brios, [grifo nosso] é grito de extermínio ao inimigo que a ultrajou. [...] A Semana Illustrada para logo traduziu tão justo grito de indignação na divisa – Delenda Paraguai – Delenda Humaitá. Rememorando a trechos, não muito distanciados, a sua inspirada divisa, a Semana Illustrada ansiava ouvir soar a hora da vingança nobre e completa. Ela soou, ó povo brasileiro, no dia 24 de julho, após a muita efusão do sangue generoso de vossos irmãos, de vossos filhos, denodados e heróicos defensores da honra nacional! Parabéns, mil vezes parabéns! Delenda Humaitá. Caiu o reputado inexpugnável valhacouto do déspota Solano e de seus embrutecidos e sanguinários sequazes. Caiu em virtude de plano magistralmente combinado e gloriosamente executado pelo exército e pela esquadra. Caiu como corpo morto cai para nunca mais levantar-se. Honra aos beneméritos marquês de Caxias e visconde de Inhaúma! Honra a todos os bravos do exército e da esquadra do Brasil! [...] Glória à nação brasileira! [grifo nosso] Fig. 258 – “O capitão Joaquim Pantaleão Telles de Queiroz à frente de 30 homens ia à desfilada quando os paraguaios em fuga voltam-se e carregam também. Dois paraguaios de lança em riste precipitam-se contra Pantaleão que mal teve tempo de ver as lanças sobre o seu peito e de largar-se ao chão, sacando o revólver, e com um tiro matou um paraguaio, e o outro foi morrer nas pontas das lanças dos seus bravos companheiros. Pantaleão foi apenas arranhado em uma perna e nesse dia promovido a major. Semana Illustrada, 09 ago. 1868, p. 3197. DiORa-FBN 419 O fascículo lançado em 16 de agosto de 1868 trouxe, à página 3203, as Correspondências da esquadra e do exército – cuja transcrição inicia-se no corpo do periódico e continua em um suplemento de quatro páginas, que acompanhou o mesmo. Esta foi a fase em que o semanário assumiu, de maneira mais aberta, a sua estreita relação com as forças armadas. É, também, o momento em que Caxias declarou-se, ao ministro da guerra, francamente favorável ao fim do conflito. E a depender do sentimento predominante no seio das forças armadas argentinas, a aliança teria sido rompida. Foi necessária a intervenção de d. Pedro II e de Mitre para que a guerra seguisse o seu curso. Em 23 de agosto, a página central trouxe uma litogravura intitulada Reconhecimento de 16 de julho de 1868 mostrando o trágico episódio no qual o 3º Corpo de Exército, comandado por Osório, marchou em direção a Humaitá, sendo rechaçado. Os brasileiros sofreram pesadas perdas, e o desenho mostra, em primeiro plano, o que seriam os cadáveres de brasileiros mortos no embate. Fig. 259 – “Reconhecimento de 16 de julho de 1868. Pelas 5 horas da manhã, o general visconde do Herval, com as forças da vanguarda compostas de duas divisões ao mando do brigadeiro Resin, marchou sobre a esquerda do inimigo, indo na frente o mesmo general com todo o seu estado maior, [...]. O general Osório chegou até a contra-escarpa do fosso, e aí perdeu o seu cavalo; do seu estado-maior morreram 3 ajudantes, e do seu piquete 15 homens e 24 cavalos... É verdade que também não deixaram de imitá-lo em bravura muitos outros oficiais, cujos deveres exigiam as suas presenças ao lado do valente Osório, no meiodos perigos e da morte. O major Cunha, [...] e o alferes velloso, també, expuseram a sua vida em holocausto no altar da pátria. (Vide Jornal do Commercio de 7 do corrente).” Semana Illustrada, 23 ago. 1868, pp. 3212-3213. DiORa-FBN 420 Ainda no mês de agosto (muito provavelmente), a Semana Illustrada lançou aquele que talvez tenha sido o seu suplemento melhor produzido, na categoria ‘cópia fiel de fotografia’. Este julgamento leva em conta a escolha das imagens, o corte – a edição, enfim – e o fato de tratarem-se de fotografias cuja autoria é seguramente de Carlos Cesar, uma vez que outras cópias destas duas imagens estão presentes no álbum que o fotógrafo presenteou ao visconde do Rio Branco, hoje sob a guarda do Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional. Fig. 260 – Fortaleza de Humaitá. 1.- Aspecto da igreja no estado em que a acharam os aliados em 25 de julho de 1868; 2.- Interior da igreja no dia 25 de julho de 1868, destruída pelos bombardeios. Estas vistas foram obsequiosamente mandadas à SEMANA ILLUSTRADA pelo Sr. coronel José Joaquim de Lima e Silva. [Obs.: CEHB-BN n. 17615] Suplemento da Semana Illustrada, lançado em [ago?] de 1868. 421 Figs. 261 e 262 – [esq.] “Igreja de Humaitá – vista do lado do norte. Bombardeada pela Esquadra Brasileira.” Fotografia de Carlos Cesar, reproduzida do álbum Lembrança do Paraguai, da Biblioteca Nacional. [dir.] “Interior da Igreja de Humaitá.” Fotografia de Carlos Cesar, reproduzida do álbum Lembrança do Paraguai, da Biblioteca Nacional. Ico-FBN A fotografia do interior da igreja de Humaitá, ao ser reproduzida no suplemento da Semana Illustrada, recebeu leve corte das extremidades superior e inferior; ademais, não conta com a presença de qualquer elemento humano, o que nos deixa duas possibilidades: ou estes foram simplesmente omitidos no ato da transposição para a matriz litográfica, ou então Carlos Cesar teria capturado uma outra imagem do mesmo ponto de vista – e o mais provável é que tenha sido no mesmo dia, e com certeza imediatamente antes ou depois desta, pois a iluminação, na fotografia conhecida e na imagem litográfica, é precisamente a mesma. É certo que foram colhidas diversas imagens naquela ocasião, pois as variantes existem na Biblioteca Nacional e no Museu Histórico Nacional. O homem que está de pé sobre uma viga, trajando um chapéu, quase ao centro da imagem (e observado por todos os outros, à direita) poderia ser o pintor Vitor Meireles, que teria ido a Humaitá à mesma época que o fotógrafo Carlos Cesar, o autor destas duas fotografias. Já em 13 de setembro, a Semana Illustrada trouxe mais duas litogravuras, que consistiam em ‘cópias fiéis’ de outras fotografias de Carlos Cesar que pudemos também localizar no acervo da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional. Uma delas tem a seguinte legenda: “Bateria de Londres, casamatada. Em cima dela o batalhão de engenheiros, demolindo-a e arrasando [grifo nosso] por ordem do general em chefe. Tem 16 casamatas.” Enfim, uma fotografia que tenta documentar uma ação! 422 Fig. 263 – “INTERIOR DE HUMAITÁ. Estas vistas foram-nos obsequiosamente oferecidas pelo coronel José Joaquim de Lima e Silva. [em cima:] Casa do general López. [embaixo:] Bateria de Londres, casamatada. Em cima dela o batalhão de engenheiros, demolindo-a e arrasando por ordem do general em chefe. Tem 16 casamatas.” Semana Illustrada, 13 set. 1868, p. 3237. DiORa-FBN Figs. 264 e 265 – [esq.] Humaitá. Quartel General de López. Foto atribuída a Carlos Cesar. [dir.] Casamatas da Bateria Londres em Humaitá. Fotografia de Carlos Cesar. Álbum Excursão ao Paraguai, Ico-FBN. Fig. 266 – O carimbo da Galeria Universal de Carlos Cesar comprova a autoria da fotografia das Casamatas. 423 Ainda neste mesmo fascículo, uma longa carta (pp. 3235 e 3238), intitulada Campanha do Sul, escrita em Humaitá e datada de 14 de agosto de 1866, comenta a tomada de Humaitá e faz rasgados elogios aos comandantes das forças brasileiras. Há um trecho, pelo menos, que serve de complemento ao suplemento com as fotografias de Humaitá lançado naquele mesmo período: “Sentado sobre a barranca de Humaitá, defronte da igreja arruinada que tão veneranda se me apresenta, vendo aqui e ali esparsos canhões sem reparos, carretas sem rodas, balas em pirâmides, espadas partidas, patronas, barretões, refles, etc., ouvindo o relinchar dos ginetes que, fartos das manjedouras e presos nas estrebarias [...].” Assinada por SALAMANOA, cujo verdadeiro nome não pudemos precisar, é possível presumir que este autor tenha sido o responsável pelo envio das cópias fotográficas. Fig. 267 – Série de oito vistas, compondo a página dupla intitulada: “Vistas do Paraguai obsequiosamente oferecidas à Semana Illustrada pelo capitão de mar e guerra Bernardo Alves de Moura.” Semana Illustrada, 25 out. 1868, pp. 3284-85. DiORa-FBN No fascículo de 25 de outubro, as páginas centrais foram ocupadas por uma litogravura que apresenta oito vistas – aparentemente copiadas de oito fotografias. São as seguintes as imagens que compõem a página dupla, da esquerda para a direita, de cima para baixo: na primeira linha, “Igreja de Tuiu-Cuê”, “Comércio de Tahí, guarda formada” e “Igreja de Tahí 424 no dia da festa de S. Antonio”; na segunda linha, “Carpas502 do comércio de Itapirú” e “Entrada do Comércio em Humaitá”; na terceira linha, “Igreja do Pilar”; “Carpa do Conselheiro Fernando Sebastião Dias da Motta em Tuiu-Cuê” e “Lado esquerdo do Comércio de Humaitá.” A Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional guarda um álbum de fotografias da Guerra do Paraguai, intitulado Lembrança do Paraguai, onde pudemos localizar algumas destas fotografias. A estampa “Lado esquerdo do Comércio de Humaitá” é muito parecida, à primeira vista, com outra que está identificada no álbum como “Vista do comércio em Lambaré.” Ao examiná-la em detalhe, no entanto, constatamos que o cenário é diferente, além de serem outros os elementos que estão posando para a fotografia. Fig. 268 – “Carpas do comércio de Itapirú” é uma das oito imagens que compôem a página dupla reproduzida acima. Semana Illustrada, 25 out. 1868, p. 3284 (detalhe). DiORa-FBN No álbum Lembrança do Paraguai (BN), a foto está identificada como “Vista do comércio em Humaitá”. Fig. 269 – A fotografia original, reproduzida do álbum Lembrança do Paraguai, onde recebeu o título (manuscrito) “Vista do comércio de Humaitá”. Este álbum pertenceu ao barão Homem de Mello, tendo participado da Exposição de História do Brasil, de 1882. A imagem é um pouco maior, contendo mais céu e mais chão; fizemos o corte similar à imagem estampada na Semana Illustrada. Ico-FBN 502 Uma das acepções do vocábulo ‘carpa’, no sul do Brasil, é ‘local onde há jogo’. 425 Para a melhor avaliação destas imagens, vale retornar ao mês de março de 1866, quando as forças aliadas acampadas às margens do rio Paraná, já avistavam o pequeno forte de Itapirú, em teritório paraguaio. Houve uma longa espera. Em abril, o forte foi pesadamente bombardeado pelas artilharia brasileria e uruguaia, e no dia 16 iniciou-se a travessia pelo Passo da Pátria, defronte ao forte – ocasião em que Osório exigiu que os brasileiros fossem os primeiros a pisar em solo paraguaio, e fez uma proclamação às tropas brasileiras, conclamando os soldados a não maltratarerm os inimigos que se rendessem. A 27 de abril, os aliados já haviam ocupado o Passo da Pátria. Ali terminava a primeira fase da guerra. A litogravura acima, estampada em outubro de 1868 – a pouco mais de um mês da ‘dezembrada’ – mostra-nos as carpas (tendas onde se praticava o jogo) no comércio de Itapirú, que já estava instalado desde quando as tropas chegaram, mas certamente cresceu naqueles dois anos e meio passados. Em Itapirú, funcionou também um dos onze hospitais da região, especificamente voltados ao tratamento dos feridos e enfermos. A fortificação e seus arredores tornaram-se ‘porto seguro’ até o fim do conflito; quando os paraguaios tentaram retomar Tuiuti pela segunda vez em 3 de novembro de 1867, p. ex., foi ali que muitos contingentes das tropas, além dos comerciantes, se refugiou. Figs. 270 e 271 – [esq.] “Carpa do Conselheiro Fernando Sebastião Dias da Motta em Tuiu-Cuê.” Semana Illustrada, 25 out. 1868, detalhe das pp. 3284-3285. DiORa-FBN [dir.] “Rancho do secretário do marquês de Caxias, coronel Dias da Motta, em Tuiu-Cuê.” Álbum de fotografias Lembrança do Paraguai. Ico-FBN 426 Sobre a fotografia intitulada “Carpa do Conselheiro Fernando Sebastião Dias da Motta em Tuiu-Cuê”, a mesma ocorre no álbum do MHN (é de Carlos Cesar, portanto) com o título: “Rancho do secretário do marquês de Caxias, coronel Dias da Motta, em Tuiu-Cuê.” [...] No álbim da Biblioteca Nacional, o título é “Morada do Cons. Dias da Mota, secretário do general em chefe Marquês de Caxias em Tiu-Cuê.” Algumas outras fotografias disponíveis, à época – como comprovam os álbuns fotográficos daquele período – não foram utilizadas por Henrique Fleiuss na Semana Illustrada, certamente porque revelavam o lado humano, e doloroso, dos habitantes do Paraguai que ‘pagaram alto preço’ pelas ambições desmesuradas de Solano López. A guerra continuava. Em 22 de novembro de 1868, a carta do ‘Leva-Arriba’, como sempre intitulada Esquadra encouraçada e enviada desde Palmas, datada de 28 de outubro (pp. 3315 e 3318), começava com um reclamo: “Sempre pensei que a 25, noventa e um dias depois da tomada e Humaitá, esta guerra diabólica com o Paraguai estivesse concluída! Qual concluída, meu Doutor.” Fig. 272 – Em fins de 1868, os feitos alcançados até dois anos e meio antes (Tuiuti, 24 de maio de 1866), continuavam a ser lembrados, através da publicação dos retratos dos ‘bravos’. Semana Illustrada, 06 dez. 1868, p. 3333. DiORa-FBN 427 Aquele dezembro de 1868 entrou para a história da guerra como um ‘divisor de águas’. A campanha daquele mês incluiu as batalhas de Itororó (dia 6), Avaí (dia 11) e Lomas Valentinas (dias 21-27). Fig. 273 – [em cima] “ – Uma esmola pelo amor de deus a um pobre inválido da pátria. Fornecedor da guerra. – Não foi com isso que eu ganhei o que tenho; recorra à autoridade competente.” [embaixo] “Episódio do dia 11 de Dezembro de 1868 [quando deu-se a batalha de Avaí]. O bravo general Osório apesar de ferido no maxilar inferior esquerdo por uma bala de fuzil continua à frente de sua cavalaria na perseguição aos paraguaios fugitivos.” Semana Illustrada, 03 jan. 1869, p. 3365. DiORa-FBN No fascículo de 3 de janeiro de 1869, o ‘Leva-Arriba’ relatava a batalha de Avaí, em sua carta enviada desde Vileta e datada de 12 de dezembro de 1868, onde mencionou o episódio do ferimento de Osório (cuja litogravura está reproduzida acima): “[...] O heróico Visconde de Herval está ferido no maxilar esquerdo. Ao final houve bala capaz de semelhante desacato, desacato, sem dúvida, meu doutor, porque o nosso Aquiles de terra parecia nem ter calcanhar e o covarde projétil foi achá-lo onde ninguém supunha encontrá-lo. Há de ser nobremente vingado o sangue do legendário varão. [...] Posso assegurar-lhe que o ferimento do grande 428 Herval não é perigoso.” Sua avaliação estava incorreta, pois a bala havia arrancado o seu maxilar inferior e provocado um ferimento que agravou-se a ponto de Osório deixar definitivamente a guerra, no mês de agosto. A descrição segue, tentando dar conta do desempenho dos oficiais e relatando o seu estado de saúde, além de mencionar os mortos em combate. Estima-se que morreram, só naquele dia, quase cinco mil paraguaios; as perdas das forças brasileiras foram estimadas em dois mil, entre mortos e feridos. 503 No fascículo seguinte, como já vimos no subcapítulo 4.1, o ‘Leva-Arriba’ encerrou a sua colaboração na Semana Illustrada. Fig. 274 – “Episódio da guerra do Paraguai (21 de dezembro de 1868). Retomada da peça de 32, Withworth, que nos foi arrebatada no combate de 3 de novembro em Tuiuti e bem assim mais duas que perdemos em 2 de maio de 1866, as quais chegaram outra vez ao nosso poder.” Semana Illustrada, 17 jan. 1869, p. 3381. DiORa-FBN 503 DORATIOTO, 2002, p. 365. 429 5.4.2 A tomada de Assunção, a Campanha da Cordilheira e a perseguição final (jan. 1869 - mar. 1870) A arte da guerra é aquela em que mais erros se comete. [...] A guerra, na frase de um ilustre oficial francês, é uma série de erros e vence o que menos erra. Dionísio Cerqueira 504 Ficai certos de que a guerra se acha felizmente concluída. D. Pedro II 505 Se desde agosto de 1868, em carta ao ministro da guerra – o barão de Muritiba – Caxias já defendia o fim da guerra, ao final da ‘Dezembrada’ ele tomou a decisão unilateral de retirar-se do conflito, o que fez em 19 de janeiro de 1869, ao partir de Assunção rumo a Montevidéu e, em seguida, ao Rio de Janeiro, onde chegou a 15 de fevereiro. Joaquim José Inácio de Barros, o visconde de Inhaúma, encontrava-se bastante doente ao final de 1868, tendo sido autorizado a deixar o Paraguai, após passar o comando da força naval ao barão da Passagem (Delfim de Carvalho), em 16 de janeiro, alcançando ao Rio em 18 de fevereiro. A Semana Illustrada n. 428 de 21 de fevereiro de 1869, à p. 3418 (editorial), rendeu as suas homenagens aos dois recém-chegados: Caxias e Inhaúma. Parabéns! parabéns, Império da Cruz: Ei-los em teu seio, os dois heróis, chefes de heróis. Árdua foi a missão com que os honraste, tarefa de gigantes; cumprida está. Na hora da partida disseste-lhes: “Vingança e glória! Ide, filhos! levais a cruz e a espada! Erguei alto o brasílio pendão. Cruzados do evangelho social, guia-vos a mão de Deus, segue-vos a benção da pátria.” Ei-los que voltam. Vingada estás, e ardente de glória, oh! terra das liberdades. Salve! salve! O clima era mesmo de que tudo já estava resolvido. No fascículo de 31 de janeiro, inclusive, lia-se que “a Semana associa-se desde já à idéia do Jornal do Commercio de levantar um momento [sic] ao exército e à armada. A idéia é excelente; é mais que isso, é indispensável. O Brasil tem obrigação de realizá-la; [...] é preciso alguma coisa mais que apresente aos olhos do futuro a memória de uma das mais formidáveis campanhas deste século.” [grifo nosso] 504 505 CERQUEIRA, 1980, p. 274. Declaração de D. Pedro II, segundo a Semana Illustrada de 20 mar. 1870, p. 3866. 430 Fig. 275 – Semana Illustrada, 31 jan. 1869, p. 3397. DiORa-FBN Fig. 276 – “A história escreverá teu grande nome / Nas suas áureas páginas; serás / Entre os primeiros desta nobre guerra; / E os aplausos dos séculos terás. / Bravo entre os bravos, tua vida ilustre / Cheia de glória e esforço varonil; / De exemplo há de servir eternamente / Aos briosos soldados do Brasil.” Homenagem ao general José Joaquim de Andrade Neves, o barão do Triunfo, um dos líderes mais expressivos do exército brasileiro, ferido em combate durante a Dezembrada e falecido em Assunção a 6 de janeiro de 1869. Semana Illustrada, 07 fev. 1869, p. 3408. DiORa-FBN 431 Em 7 de março de 1869 (n. 430, p. 3433), a capa da Semana Illustrada trouxe a estampa que foi, talvez, a mais pungente daqueles duros tempos. Difícil imaginar Fleiuss estampando os inválidos da pátria daquela maneira, em período anterior da guerra, quando tais casos já eram numerosos; e se o fazia agora, é porque pretendia que o seu leitor ‘encarasse de frente’ a nova realidade que ia se desenhando. Ao denunciar aquele aspecto integrante do ‘custo social’ da guerra, o dr. Semana externava um sentimento que já dominava a sociedade no seu todo, a ansiar e demandar o fim do conflito. 506 O diálogo travado entre o seu alter-ego e dois inválidos da pátria é carregado de fina ironia – sarcasmo, até. Os dois estão devidamente fardados; um deles, de pé, apoia-se numa bengala e tem o outro braço, enfermo, apoiado na tipoia. O outro está sentado e a muleta descansa a seu lado. Falta-lhe a perna esquerda e sua prótese é um simples toco. Uma cuia, contendo sua refeição, descansa sobre as coxas e com os talheres às mãos, ele conversa com o Dr. Semana: ... É como lhe disse, 400 réis diários; é pouco? Dr. Semana – Mas esta quantia chega para o necessário? ... Oh! se, chega! temos casa de garça, o feijão também não é caro... pode-se até economizar ainda. Dr. Semana – Olha, Moleque, estes pobres infelizes são mais felizes, do que muitos ricaços. Moleque – Nhonhô quer trocar com eles? Figs. 277 e 278 – [esq.] A capa (p. 3433) da Semana Illustrada de 7 mar. 1869. [dir.] Ampliação do cartum da capa do mesmo fascículo. DiORa-FBN. 506 Em 1868, foi inaugurado na ilha de Bom Jesus, na baía de Guanabara, o Asilo dos Inválidos da Pátria, para receber os veteranos da guerra detentores de doenças crônicas e mutilações. Sobre o asunto, ver: GOMES, 2006. 432 Fig. 279 – Semana Illustrada, 07 mar. 1869, p. 3437. DiORa-FBN A cada número da Semana, a narrativa da guerra tornava-se mais densa, carregada; seu editor já não exercia como antes uma certa censura aos temas que poderiam intensificar a tristeza e a revolta de seus leitores com relação à guerra. A página 3442 do fascículo seguinte ao que acabamos de comentar, de 14 de março, traz uma coluna que se inicia por ilustração xilográfica onde a cabeça do rei, vista de costas, está em primeiro plano e ao fundo, um anjo chora sobre um caixão, iluminado pelo sol, ao fundo. Este recurso – a inserção de uma ilustração xilográfica na página (tipográfica) do editorial, como já vimos, foi utilizado repetidas vezes pelo editor. Mas nem sempre tal imagem contribuía substancialmente para ilustrar, complementar ou enfatizar o teor da mensagem contida no texto. No presente caso, no entanto, o seu peso é evidente. Resta saber se teria sido uma criação do Imperial Instituto ou apenas uma matriz importada ou aproveitada, de outro trabalho. O texto é dramático: “O Brasil acaba de perder um de seus grandes homens. O visconde de Inhaúma passou à imortalidade. Chamado pelo imperador para ir comandar a esquadra brasileira em operações contra o Paraguai, o liustre almirante não hesitou um momento. [...]” Depois de traçar o seu perfil biográfico, sempre enaltecendo suas atitudes e trajetória, o texto conclui: “Foi sempre um dos nossos mais dedicados amigos; cremos também que nunca lhe faltamos com a retribuição de uma amizade que nos ensoberbecia. Diante do túmulo, o nosso silêncio seria o dos ingratos. Uma lágrima pelo virtuoso, dedicado e valente visconde de Inhaúma.” 433 Figs. 280 e 281 – [esq.] Na coluna à direita, o editorial que anunciou o falecimento do visconde de Inhaúma. Semana Illustrada, 14 mar. 1869, p. 3442. [dir.] Ampliação da ilustração da mesma página. DiORa-FBN Figs. 282 e 283 – [esq.] Semana Illustrada, 21 mar 1869, p. 3456. [dir.] Com o final da guerra se aproximando, a idéia de um novo regime também tomava corpo e tornava-se um assunto inevitável nas páginas da Semana Illustrada: “ – Quem bate? – Sou eu. – Quem é você? – A Revolução. – Continue o seu caminho; aqui não há pão quente! Estou ocupada com outras coisas mais importantes. Passe adiante.” Semana Illustrada, 02 maio 1869, p. 3504. DiORa-FBN Em 16 de abril de 1869 o conde d’Eu assumiu, em Luque, o comando das forças brasileiras – como havia sido determinado pelo imperador d. Pedro II. O clima entre os que seguiam na luta era pesado; estavam todos fartos da guerra. O conde chegava para comandar, mas sem 434 trazer a necessária experiência na bagagem – que no entanto, sob o aspecto físico, era grande, o que motivou o general Corrêa da Câmara a escrever que “ocupará, quando tivermos de marchar, umas trinta carroças ou mais.”507 Iniciava-se ali a denominada ‘Campanha da Cordilheira’, cujo objetivo era – de acordo com a determinação do imperador – atacar e destruir os últimos focos de resistência do exército de Solano López, além de alcançá-lo. López havia se refugiado na cordilheira de Altos, mais especificamente da cidade de Peribebuí. Aquela campanha durou aproximadamente um ano e o conde, secretariado por Taunay, pode demonstrar toda a sua frieza e crueldade – segundo a maior parte dos relatos, um comportamento distinto daquele que era pregado pelos comandantes anteriores. Arriscaríamos supor que tal situação criou ainda maior desconforto e descontentamento entre todos aqueles que, mesmo distantes do teatro da guerra, ansiavam pelo fim do conflito. O fascículo lançado em 5 de setembro serve de exemplo: na página do editorial (p. 3642), sob o título geral de Badaladas, lemos: “Agora dou aqui um lugar a um enigma. López está quase morto; voltaremos breve ao banquete da paz. Para isso está-se engordando um perú [...]. A nossa vida não pode ser andar agora do sul para o norte e do norte para o sul. [...]” E mais o editor não disse, limitando-se a publicar duas correspondências – de grande significado histórico, como veremos – recebidas do teatro da guerra. Ressalte-se que naquele período, as notícias chegavam à corte com maior rapidez. Em Coisas do Paraguai, a seção onde eram transcritos apontamentos apócrifos – neste caso, escritos a 19 de agosto em Assunção (p. 3643) – ficamos sabendo que Diversos trabalhos privaram-me de dar-lhe a notícia dos importantes combates de nosso exército de 12 a 14 do corrrente, em que a fera do Paraguai foi perdendo os seus pontos mais fortificados, e nos quais o príncipe deu provas de seu valor, merecendo as simpatias, não só do nosso exército, como dos aliados. Entre as glórias desses dias teve o nosso exército a perda irreparável do valente general João Manoel, um dos heróis desta campanha [grifo nosso], que não teve a felicidade de chegar até o fim dela, já tão próximo. Parece que em vingança novos combates sucederam a aqueles, em que López foi mais um avez destroçado com suas forças, tendo por único auxiliar as matas para onde se embrenhou, como consta do último telegrama recebido de assunção. Consta que fora prisioneiro [grifo nosso] o célebre general [sic?] Caballero, tão falado nos combates de dezembro último. [...] Na página 3645, em um retrato litografado e intitulado “O bravo dos bravos”, a Semana 507 In: CÂMARA, Rinaldo Pereira da. O general Câmara. Porto Alegre: Livraria O Globo, 1970 (vol. II), p. 280. Apud: DORATIOTO, 2002, p. 401. 435 Illustrada rendia as suas últimas homenagens ao general João Manoel Menna Barreto, mortalmente ferido por um tiro de fuzil no ataque a Peribebuí, acontecido em 12 de agosto. Nessa ocasião, o arquivo público do Paraguai fora apreendido. 508 Há diversos relatos daquele ataque, incluindo os de Dionísio Cerqueira e do próprio Taunay, que servem para corroborar a idéia de um covarde massacre. Segundo Juan Crisóstomo Centurión 509, já próximo ao final do combate e ao saber que Menna Barreto havia morrido, o conde d’Eu ficara transtornado e ordenara a degola dos líderes paraguaios que haviam sido aprisionados – um certo coronel Caballero e o líder político de Peribebuí, Patricio Marecos. A ordem foi cumprida de imediato, sendo necessária a intervenção do general Mallet para que não houvessem desdobramentos ainda mais trágicos. Na página seguinte (p. 3646), pela transcrição do “Telegrama de Pirajú”, de “Sua Alteza ao Exm. Sr. Conselheiro Paranhos”, escrito em 17 de agosto e assinado pelo cadete F. de Almeida, ficamos sabendo que dois corpos do exército (o 1º de Caacupé e o 2º de Peribebuí) haviam marchado em direção a Caraguataí, em perseguição ao inimigo, quando tiveram ambos a fortuna de encontrar-se com parte do exército de López; travando renhido combate desde as 8 horas da manhã às 2 horas da tarde,, ficando o inimigfo completamente destroçado. Calcula-se que as perdas do inimigo são de dois mil homens. Ficaram em nosso poder [...]. O General Caballero comandava força que se bateu conosco, e após tenaz resistência ao 1º corpo de exército, com o qual me achava no Passo de uns arroios que se julga ser Peribebuí. Ambos os corpos do exército fizeram junção no campo de batalha, o resto das forças inimigas refugiou-se na mata que nos rodeia por toda parte. Três léguas nos separam de Caraguataí, para onde fugiu López, mas nos é impossível persegui-lo por ora, pelo cansaço da gente e dos animais, devido à falta de víveres e forragens. [...] Como se vê, o episódio da degola do coronel Caballero (que não deve ser confundido com o general homônimo, mencionado no telegrama e que conseguiu fugir) e de Patricio Marecos não foi mencionado em momento algum. E nem o editor da Semana Illustrada se vangloriou, no editorial, do cerco que Solano López vinha sofrendo e dos progressos das forças aliadas. Foi em Caacupé, ocupada pela cavalaria em 15 de agosto e de onde partira um dos corpos mencionados acima, que o general Osório tomou a decisão de retirar-se definitivamente da guerra, o que só pode concretizar mais à frente, a pedido do conde d’Eu. Ali, ainda, foram 508 Esse arquivo foi posteriormente trazido para o Brasil, pelo visconde do Rio Branco, ficando na Biblioteca Nacional até 1981, quando foi devolvido, estando hoje sob a guarda do Archivo Nacional de Asuncion, sob a denominação de ‘Colección Rio Branco’. O endereço do site (não oficial) é: http://archivonacionaldeasuncion.org/ 509 In: CENTURIÓN, Juan Crisóstomo. Memorias o reminiscencias históricas sobre la Guerra del Paraguay. Assunção : El Lector, 1987, vol. IV, pp. 72-73. Apud: Doratioto, 2002, p. 410. 436 localizados muitos brasileiros oriundos do Mato Grosso, onde haviam se tornado prisioneiros em 1865. E mais: a descrição daquele telegrama referia-se à última grande batalha da guerra, em Campo Grande (conhecida como Acosta Ñu, no Paraguai) no dia 16 de agosto, quando cerca de vinte mil aliados (brasileiros e argentinos) enfrentaram seis mil paraguaios, incluindo expressiva quantidade de idosos e de menores. 510 E no dia 19 de agosto – data dos apontamentos de Assunção, transcritos anteriormente – deu-se a ocupação de Caraguataí. Mas Solano havia escapado, mais uma vez. Ao final de agosto o conde d’Eu reconhecia, frustrado, a sua responsabilidade quanto ao insucesso das operações. Ainda naquele mesmo fascículo de 5 de setembro, a última página (p. 3648) mostrava “O príncipe conde d’Eu comandando os exércitos aliados nas batalhas de Piribebuí e Caraguataí.” A representação assemelha-se a um quadro histórico. O rosto do príncipe, arriscaríamos dizer, foi copiado de um retrato fotográfico e ‘encaixado’ na representação. O evidente e nobre objetivo de exaltar o então comandante em chefe das forças brasileiras contrasta com o que havia ocorrido, quanto às suas atitudes, naquela batalha de Peribebuí, em 12 de agosto. Mas os cadáveres estão em evidência e em primeiro plano; o artista ‘carregou’ no crayon litográfico, nos cadáveres, tanto quanto no príncipe, deixando tudo mais em tom bem suave. Uma estratégia do editor e artista, talvez, visando enfatizar o estilo do nosso príncipe. Figs. 284 e 285 – [esq.] “General João Manuel Menna Barreto [falecido] gloriosamente em 12 de agosto de 1869, na batalha de Peribebuí, junto de Ascurra.” [dir.] “O príncipe conde d’Eu comandando os exércitos aliados nas batalhas de Peribebuí e Caraguataí.” Chamam a atenção os dois cadáveres, tão em evidência, no primeiro plano. Semana Illustrada, 05 set. 1869, p. 3645 e p. 3648. DiORa-FBN 510 Cf. DORATIOTO, 2002, p. 413. 437 Embora a guerra ocupasse pouquíssimo espaço do jornal, naquela fase, os telegramas do conde d’Eu continuavam a ser transcritos, assim como outros relatos que davam conta do movimento das forças em operação. Sempre apócrifos e intitulados Coisas do Paraguai, levam-nos inevitavelmente a considerar a possibilidade de Henrique Fleiuss estar contando, mais uma vez, com a colaboração de Alfredo d’Escragnolle Taunay. Em 26 de setembro, p. ex., o texto diz: “[...] Compulso quatro telegramas importantes de Sua Alteza o Sr. Conde d’Eu. Um deles anuncia a chegada do jovem marechal a Caraguataí, a prisão d’um ministro de López, a tomada da bagagem de Lady Linch [...].” Mais à frente, o texto denunciava as dificuldades enfrentadas pela esquadra quanto à obtenção de víveres para as guarnições dos navios, fazendo críticas à repartição fiscal de Montevidéu. Como sempre, o texto era apócrifo e terminava com o local e a data: “Assunção, 31 de agosto de 1869.” Em 24 de outubro, temos à última página (p. 3704) o “Esboço memorial da Praça de Peribebuí, atacada e tomada a viva força a 12 de agosto de 1869, desenhado pelo coronel Conrado Maria da Silva Bitancourt e obsequiosamente oferecido pelo Marechal do Exército Conselheiro Josá Maria da Silva Bitancourt.” Fig. 286 – “Promoções na Marinha. [esq.] Promoção. Vou beber toda a fonte de Aganipe* / Prá louvar o barão de Cotegipe. (* fonte poética) [dir.] Preterição. Sombra implacável, pavoroso espectro! Não me persigas mais!.... ministro... eu morro!” Semana Illustrada, 12 dez. 1869, p. 3757. DiORa-FBN A Semana Illustrada de 21 de novembro de 1869 trouxe, na capa (p. 3729), uma estampa intitulada “O Asilo dos Inválidos da Pátria e o Hospital da Beneficência Portuguesa gratos a Gottschalk.” O esclarecimento estava à página 3735: “O ilustre pianista foi imensamente festejado, por ocasião dos dois magníficos concertos que organizou e ofereceu a favor do 438 Asilo dos Inválidos da Pátria, e do Hospital de Beneficência Portuguesa.” À medida em que aumentava o número de retornados dos campos de batalha, crescia o problema dos inválidos. Ademais, a volta dos integrantes das forças armadas trazia para a corte a sua insatisfação com o funcionamento das próprias instituições (Exército e Marinha) e o acirramento de um sentimento anti-monarquista. Em 1870, segue a publicação da seção Coisas do Paraguai, que havia se tornado a principal fonte de informações – pouquíssimas – sobre a guerra, na Semana Illustrada. E só em 27 de fevereiro, o assunto voltou a ocupar a página do editorial (p. 3842), ao dar as boas vindas aos voluntários da pátria que retornavam e narrar a longa espera, a chegada e o desfile pelas ruas: “A Semana Illustrada saúda, com toda a imprensa e população da Corte, os bravos voluntários da pátria, cuja brilhante recepção se verificou na noite de 23 do corrente. [...] Sejam bem-vindos os voluntários da pátria!” À página 3843, o editor anunciou que o Dr. Semana “[...] resolveu em conselho doméstico, e por lembrança do seu sagacíssimo moleque, que de dia em dia se vai tornando mais finório, estabelecer, como efetivamente estabelece, um lindo Gabinete de redação da Semana Illustrada, onde serão recebidas todas e quaisquer comunicações, que interessem à população deste caloroso país, excetuadas aquelas contendas, brigas e catilinárias, que são o principal adubo do jornalismo mercantil e político.” [grifo nosso] E à página 3847, havia o comunicado de que achava-se no prelo do Imperial Instituto Artístico, “e quase a concluir-se, um belo volume de quatrocentas páginas, em oitavo francês”, com o título “A Guerra do Paraguai e o almirante visconde de Inhaúma”, por A. J. Victorino de Barros, irmão do visconde. Fig. 287 – Esta homenagem a Vitorino de Barros só apareceu nas páginas da Semana três semanas depois. Até a presente data, não se realizou qualquer outra biografia de Inhaúma, e nem reeditou-se esta obra. Semana Illustrada, 20 mar. 1870, p. 3869. DiORa-FBN 439 Ainda nesse mesmo fascículo, a última página (p. 3848) trouxe a litogravura não assinada de um retrato de grupo, intitulada “Sua Alteza o sr. Gaston d’Orleans, conde d’Eu e o seu Estado-Maior. Na vila do Rosário (Paraguai) em 13 de janeiro de 1870.” Última ‘cópia fiel’ de uma fotografia enviada do teatro da guerra, este retrato foi estampado um mês e meio após a sua realização, no Paraguai, sem qualquer menção ao autor do original fotográfico – o que foi uma constante, na cobertura de Fleiuss. Não há, tampouco, uma simples nota que faça referência à imagem ou, ainda, a menção ao remetente – possivelmente Taunay, que aparece em segundo plano, à direita do conde. Uma cópia desta mesma imagem integra o álbum Lembrança do Paraguai, da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional, sem identificação de autoria. No álbum, a localidade está identificada como Lambari. Fig. 288 – Última ‘cópia fiel’ de uma fotografia enviada do teatro da guerra, a ser estampada no periódico de Henrique Fleiuss. Semana Illustrada, 27 fev. 1870, p. 3848. DiORa-FBN 440 Fig. 289 – “S. A. Real Conde d’Eu com seu estado maior em Lambari.” Esta imagem integra o álbum de fotografias Lembrança do Paraguay, guardado na Biblioteca Nacional. O seu secretário Alfredo d’Escragnolle Taunay está à sua direita, em segundo plano, trajando um boné. Ico-FBN Figs. 290 e 291 – [esq.] Um outro retrato, bastante divulgado, daquele período. O conde d’Eu (com a mão esquerda na cintura) e José Maria da Silva Paranhos (à sua esquerda) posam entre oficiais do Estado-Maior em Vila do Rosário, Paraguai, em janeiro de 1870. Entre os dois, está o primeiro-tenente Alfredo d’Escragnolle Taunay, então secretário do conde e portanto, de volta à guerra. Imagem extraída de: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Conde_d_Eu_visconde_do_rio_branco_1870.jpg> [dir.] Detalhe da fotografia a lado, onde se vê o futuro Visconde de Taunay em segundo plano, entre o conde d’Eu e J.M.S. Paranhos. O fascículo de 6 de março trouxe, em sua segunda página, a data ‘6 de fevereiro’. E em uma das páginas centrais (p. 3853), o episódio da chegada dos Voluntários da Pátria no dia 23 de fevereiro voltou a ser lembrado – agora, através de uma litogravura que cumpria as vêzes da fotografia, que não se fez presente sequer no arsenal de marinha da corte! Durante a década de 1860, diversos eventos já haviam sido registrados pela câmera fotográfica, de norte a sul do país. Mas à Semana Illustrada só restou o recurso do desenho, ainda mais uma vez... 441 Fig. 292 – “ARCO TRIUNFAL mandado erguer no arsenal de marinha pelo Sr. conselheiro de guerra, chefe de esquadra Jesuíno Lamego Costa, para recepção da heróica 1ª brigada de Voluntários da Pátria, no dia 23 de fevereiro.” Semana Illustrada, 06 mar. 1870, p. 3853. DiORa-FBN O ato final da guerra deu-se em 1o de março de 1870, com a morte de Solano López. Mas foi no dia 17 de março que a tão ansiada notícia chegou à corte. Saíram todos às ruas; a comoção era geral. No fascículo da Semana Illustrada saído três dias depois, o editorial (p. 3866) exultava: Ficai certos de que a guerra se acha felizmente concluída. Brasileiros! Hosana! Hosana ao Deus dos exércitos! um amplexo patriótico aos bravos inexcedíveis, que vingaram a honra do nosso país, vilmente ofendida pelo mais negregado dos tiranos! Um brado iníssono de gratidão ao nosso Imperador, cuja tenacidade, perseverança, e robusta fé na santidade da causa, que defendia, realizou o símbolo do Varão forte, que impávido veria despedaçar-se o mundo, sem demover-se do seu firme propósito!... Exultai do mais vivo prazer! levantai os arcos triunfais, por onde terão de passar estas valentes legiões, que honrariam as mais poderosas nações do globo! Entretecei a coroa de imarcescível louro, que deve ser colocada na fronte do ínclito general em chefe, do jovem príncipe, do digno consorte da nossa excelsa Princesa! Uma palma virente de triunfo ao estrênuo brigadeiro Câmara, ao bravo dos bravos, que da munificência do Monarca brasileiro recebeu incontinenti, ao chegar a nova da conclusão dessa guerra de extermínio, o honroso título de Visconde de Pelotas! Brasileiros! nós, que fomos os primeiros a bradar: “Delenda Paraguai!”; entre a mais doce comoção de entusiasmo, temos agora a satisfação de vos anunciar: “Deleta Paraguai!” Mas não são nossas palavras por certo as que vos hão calar no íntimo do 442 peito; uma voz incomparavelmente mais autorizada é que vos deve levantar da dolorosa prostração, que vos oprimia; é a voz do Imperador, que vos assegura: “FICAI CERTOS DE QUE A GUERRA SE ACHA FELIZMENTE CONCLUÍDA!” 511 Figs. 293 e 294 – [esq.] Mesmo sem conter qualquer imagem, esta página (tipográfica, portanto) é uma página histórica da Semana Illustrada porque anunciou ‘à sua moda’, no dia 20 de março de 1870, o feito do dia 1o de março – ressalte-se que as notícias deste feito só tornaram-se conhecidas, nas ruas da corte, três dias antes do lançamento deste fascículo da Semana Illustrada. O fascículo tornou-se, para os leitores, um monumento ao término da guerra contra o Paraguai. O feito está noticiado na coluna esquerda da página. Mas a presença do cabeçalho das Badaladas, à direita, foi uma feliz coincidência. DiORa-FBN [dir.] O fascículo seguinte, de 27 de março de 1870, trouxe na capa um retrato: “O marechal de campo José Antonio Corrêa da Câmara. Visconde de Pelotas. Sob cujo comando feriu-se a última batalha, em que foi morto o tirano Francisco Solano López.” E na página 3879, havia o seguinte anúncio: “Saiu à luz o retrato do Visconde de Pelotas, José Antonio Corrêa da Câmara, Marechal de Campo. Sob cujo comando feriu-se a última batalha, em que foi morto o tirano Francisco Solano López. Vende-se no escritório do Imperial Instituto Artístico, rua da Constituição n. 6, pelo preço de 3$000 em papel grande e 2$000 em papel menor.” O negócio das estampas se renovava e diversificava, através da oferta de distintas versões de uma mesma imagem, produzidas pelo mesmo editor e no mesmo processo, às quais atribuía-se valores diferenciados: o retrato estava na capa do periódico, por 500 rs. ou em “papel menor” por 2$000 ou em “papel grande”, por 3$000. 511 Semana Illustrada, 20 de março de 1870, p. 3866 (editorial). 443 Fig. 295 – O retrato ‘iluminado’ de José Antonio Corrêa da Câmara, o visconde de Pelotas, foi estampado na capa do periódico e também oferecido como suplemento avulso, em duas opções. Semana Illustrada, 27 mar. 1870, p. 3873. DiORa-FBN Naquele fascículo, Fleiuss também relatou o ocorrido em seu espaço de trabalho naquele inesquecível dia 17 de março, que trouxe as novas do Paraguai, conforme se lê na seção Gabinete da Redação da Semana Illustrada: Meus amáveis leitores! Não sei se já alguma vez vos fiz ver que sou dotado de uma calma e sangue-frio invejável, e que não perco a tramontana, por maior que seja a tormenta. 512 Pois bem: no dia 17 do corrente, estando eu, como de costume, no meu Gabinete, fui de improviso acometido por uma multidão, que invadiu-me a casa, e no meio da mais estrepitosa efusão de prazer, ao som de vivas estrondosos, e hurras que retumbavam por toda a vasta extensão do edifício, felicitavam-me, e enchiam-me ao mesmo tempo da mais inefável alegria, dando a notícia de que estava de uma vez acabada a guerra do Paraguai, pois tinha traspassado por uma lança brasileira o abominável tirano Francisco Solano López! Eu, empregados, e todos quantos se achavam no Gabinete da Redação da Semana Illustrada não sabíamos o que fazer... [...] 512 Parte dessa ‘tormenta’ era, com certeza, oriunda das páginas d’A Vida Fluminense de Angelo Agostini, como veremos no próximo capítulo. 444 Fig. 296 – “ Chico Diabo atravessando com uma lança o monstro mais bárbaro e hediondo, que tem visto o mundo – o execrando Francisco Solano López, destruidor de sua própria pátria! ” Semana Illustrada, 27 mar 1870, p. 3880. DiORa-FBN Henrique Fleiuss não perdeu tempo – na mesma data estampou, à última página, a sua versão da cena que marcou o desfecho da guerra. Na falta de fotografias, que nunca o impediram de comunicar visualmente tudo quanto intencionava, baseou-se nos relatos verbais que haviam alcançado a corte no dia 17 de março. Fleiuss construiu a sua estampa daquela cena a partir dos relatos que davam conta de Solano haver sido alcançado pela cavalaria e infantaria brasileiras, comandadas pelo general Câmara, na localidade de Cerro Corá. Depois de um violento embate com os soldados paraguaios, López fugiu a cavalo, mas foi alcançado e ferido por um golpe de lança no baixo-ventre, desferido pelo cabo Francisco Lacerda, já então conhecido pelo apelido Chico Diabo. Na sequência, caiu às margens do riacho Aquidaban, ficando “recostado sobre o braço esquerdo, com a espada na mão direita, os pés dentro d’água e o corpo sobre o terreno pouco elevado da margem esquerda do arroio.” 513 Assim teria sido encontrado pelo general Câmara. Intimado a render-se, negou-se terminantemente. Sob as ordens do comando, um soldado retirou-lhe a espada com algum esforço, o que causou a sua 513 DORATIOTO (2002, p. 451). 445 queda no regato, quase tendo se afogado. No relato de Câmara, “ia ordenar que o agarrassem para terra, quando um soldado dispara, por detrás de mim, um tiro que o mata.” 514 Este fato teria contrariado d. Pedro II, que ansiava a detenção do derradeiro inimigo, mas não a sua morte – o imperador queria Solano López vivo. Entre as suas determinações decorrentes daquele episódio, solicitou um laudo da necrópsia e vetou as honras militares a Chico Diabo, embora concordasse com a recompensa monetária e a promoção do cabo. Muito mais significativo do que a estampa de Xico Diabo lanceando López, no entanto, foi o ‘balanço historiográfico’ da atuação de Fleiuss e de sua Semana Illustrada ao longo de todo o período da guerra, e a reflexão que desenvolveu, dando seguimento ao relato cuja transcrição, extraída da seção Gabinete da Redação da Semana Illustrada, havíamos iniado acima e interrompido quando o editor dizia que diante das notícias chegadas ao ‘gabinete da redação’ e sob o impacto daquela emoção, não sabia o que fazer. Mas fez: De repente, penetrado daquele santo entusiasmo, que um sucesso tão faustoso, como era o da conclusão dessa guerra de extermínio, excita nas almas bem formadas, alçando a voz, e tomando uma atitude oratória, disse pouco mais ou menos as seguintes palavras, que a todo momento eram interrompidas por – Apoiados, e Bravos. “Briosos cidadãos brasileiros, povo, a quem dedico a mais viva simpatia, e a cuja benevolência e amabilidade devo eterna gratidão e reconhecimento! As provas de afeição e deferência, que acabais de dar-me pelo esplêndido triunfo da vossa pátria, despertando em meu coração um sentimento que por palavras é impossível exprimir, fazem-me agradavelmente recordar, que compartilhando convosco os prazeres e dores, por que passastes neste quinquênio de dolorosas provocações, fui também um dos que nunca desesperou da vitória, e que até profeticamente vo-la augurou! Buscando atenuar vossos males, e misturando o gracejo com a verdade, eu vos apresentei estampado o quadro dos derradeiros momentos desse algoz sem igual no mundo! Uma lança atravessando o corpo de López! Há pouco mais ou menos três anos que nesse quadro eu já vos predizia o merecido fim, que teria o bárbaro déspota. A [ilegível] realizou-se! Vós tendes razão de ver em [ilegível] desse trágico desfecho! Sim; meus ilustres amigos, desde que essa guerra começou, fui, como sabeis, o incansável noticiador de todas as suas peripécias. Era no Gabinete da redação da Semana Illustrada que se achavam documentos preciosos, troféus de alta estima pelas circunstâncias de que eram cercados; informações as mais exatas do teatro bélico, e até a correspondência subterrânea trocada por Solano, e seu protetor Satã! Percorrei as folhas desse hebdomadário que há dez anos goza do vosso sempre crescente favor, percorrei-lhe suas páginas, e vereis que nem uma só vez o desânimo, o desespero desta causa santa e justa dirigiu nosso lápis, e nossa pena! 514 Câmara para Maria Rita, Paso Negla, 07 mar. 1870, in: CÂMARA, Rinaldo Pereira da. O general Câmara. Porto Alegre : Livraria O Globo, 1964 (vol. I) e 1970 (vol. II). Apud: DORATIOTO, 2002, p. 451. 446 Eu vos agradeço portanto, ilustrados cidadãos, a fervorosa sofreguidão, com que me vindes dar a grata nova da conclusão dessa guerra cruenta: nos vossos parabéns vejo que me dais a honra de fraternizar convosco, e ao mesmo tempo me ofereceis uma inequívoca demonstração do quanto reconheceis em mim o estranhado amor, que ao vosso país dedico.” [grifo nosso] 515 O que mais dizer? Henrique Fleiuss deixava claro, ali, o porque de haver mantido, sempre, aquela figura de chapéu tirolês e cruz de ferro à frente do cabeçalho de seu jornal. Dedicava, na sua modesta e acanhada declaração, ‘estranhado amor’ pelo Brasil, a cujos cidadãos devotou o melhor de sua produção; mas ainda assim, continuava fiel às suas raízes prussianas. As duas faces conviviam em aparente harmonia, cada qual cumprindo função distinta no modus operandi de sua personalidade. A conclusão dos acontecimentos que tiveram lugar na redação da Semana, após a conclusão da sua alocução, foi relatada a seguir: Depois desta breve alocução, abraçado por todos, percorremos em procissão as ruas, entre vivas, foguetes, e flores. Em consequência de tão inesperada, quanto agradável notícia, todos os trabalhos do Gabinete ficaram interrompidos, e baralhados os papéis e correspondências, que em grande número tem afluído ao Gabinete da redação da Semana Illustrada.[...] 516 Figs. 297 e 298 – [esq.] “Felicitação do Dr. Semana ao Brasil pela terminação da guerra.” Semana Illustrada, 03 abr. 1870, p. 3881. DiORa-FBN [dir.] “A volta de um voluntário” retrata o drama de um jovem que deixou a mãe e a noiva, ao partir para a guerra e ao retornar, constatou que sua noiva havia falecido. Semana Illustrada, 10 abr. 1870, p. 3896. DiORa-FBN 515 516 Gabinete da Redação da Semana Illustrada, in: Semana Illustrada, n. 485 de 27 mar. 1870, pp. 3875 e 3878. Idem. 447 Passado um mês do término da guerra, no fascículo seguinte, de 3 de abril, o Dr. Semana manifestava-se na capa, em traje solene e acompanhado do Moleque, durante visita ao trono do ‘Brasil’ (que não aparece na estampa): “Felicitação do Dr. Semana ao Brasil pela terminação da guerra. Salve! Três vezes salve, poderoso Brasil! Tu, que cheio de fé no valor e heroicidade de teus filhos esperaste firme e inabalável a vitória, aceita os meus cordiais emboras pelo teu completo triunfo!...” 517 Ao final da página 3887, um discreto anúncio chamou a nossa atenção. Intitulado “O Brasil em 1870 : estudo político pelo Dr. A. A. Sousa Carvalho”, era acompanhado de breve texto: “Toda a imprensa da capital do Império saudou com verdadeira satisfação o aparecimento deste importante opúsculo, que em estilo grave, enérgico e imparcial analisa magistralmente as causas da decadência política e social do Brasil. [grifo nosso] Acompanhando a opinião geral felicitamos o autor, desejando que redobre de esforços em prol da prosperidade nacional.” A obra de Antonio Alves de Souza Carvalho havia sido recém-editada pela Garnier. Também em 3 de abril (p. 3888), o cartum A lança do Chico Diabo volta a referir-se ao último herói da guerra; aqui, numa crítica aos fornecedores, cuja ‘festa’ chegara ao fim: “A lança do Chico Diabo varando o abominável López atravessa também em ato contínuo bojudos ventres fornecedores.” Em 10 de abril, a última página relatava um trágico ocorrido, através da estampa “A volta de um voluntário”, que ao retornar da guerra, constata que sua noiva havia falecido no ínterim. Já a capa do fascículo de 24 de abril trazia um cartum de duplo sentido, que deixava transparecer as dificuldades que a monarquia enfrentava, àquela altura dos acontecimentos: Fig. 299 – “Um trocadilho do Moleque. – Que é isso, Moleque? quando todos estão tão alegres, vejo-te cabisbaixo e triste. – Nhonhô, sou Monarquista, como todos sabem. Entristece-me ver que de dia em dia vão ficando mais depreciados os soberanos. – Como? – Já estão a onze mil e trezentos!...” Semana Illustrada, 24 abr. 1870, p. 3905. DiORa-FBN 517 Semana Illustrada, 03 abr. 1870, p. 3882 (capa). 448 Ainda em 24 de abril, temos a última estampa litográfica onde algum elemento extraído de uma fotografia se faz presente, no jornal de Fleiuss, com referência à cobertura da guerra. Trata-se da ‘cópia fiel’ de um retrato fotográfico do último comandante das forças armadas brasileiras na guerra contra o Paraguai, o conde d’Eu, em homenagem ao seu regresso. Ao retrato, o autor adicionou uma série de elementos alegóricos, além de versos: “Da pátria que adotou, vingando a afronta / Estrênuo lidador, só visa a glória / Esposa, sogro, povo, eia! Saude-o! / O jovem general bradou: Vitória!” Há, também, uma menção a Peribebuí e Ascurra. A primeira, vale relembrar, localizada no coração da Cordilheira, foi a terceira sede do governo de López, depois de Assunção e de Luque, tendo sido atacada pelas tropas comandadas pelo conde d’Eu e por Mitre, em agosto de 1869. Ascurra era uma localidade próxima de Peribebuí, cujo caminho penetrava na serra da Cordilheira, dando acesso ao interior do Paraguai. Como vimos, foram os feitos de agosto (inclusive a última batalha, em Campo Grande/Acosta-Ñu) os primeiros a contarem com a participação do conde, marcarando a derrocada final de Solano López, que entrou em sua última rota de fuga, prolongada até o fatídico 1o de março de 1870. Fig. 300 – Esta foi a última imagem parcialmente derivada de fotografia a ser estampada, no jornal de Fleiuss, ainda com referência à cobertura da guerra. Trata-se da ‘cópia fiel’ de um retrato fotográfico, ao qual o autor adicionou uma série de elementos alegóricos Semana Illustrada, 24 abr. 1870, p. 3912. DiORa-FBN 449 E em 1o de maio, a Semana Illustrada informava haver colocado à venda um retrato litográfico do conde d’Eu. E nos meses subsequentes, apareceram ainda alguns retratos de outros heróis da guerra, estampados nas suas páginas. Figs. 301 e 302 – O comercio de retratos foi um dos negócios cuja expanão, no Brasil, teve a expressiva contribuição do Imperial Instituto Artístico de Fleiuss, Irmão & Linde, graças à su aatuação no ramo. [esq.] Semana Illustrada, 01 maio 1870, p. 3919. DiORa-FBN [dir.] Semana Illustrada, 01 maio 1870, p. 3919. DiORa-FBN Assim termina a cobertura fotográfica da guerra contra o Paraguai na Semana Ilustrada, evidenciando o caráter empreendedor e pioneiro, em termos nacionais, de Henrique Fleiuss e de seu Imperial Instituto Artístico. Através da leitura do periódico, incontáveis brasileiros foram aprendendo a lidar com a narrativa visual e simultaneamente, elaborando o seu próprio imaginário da nação. “A elaboração de um imaginário”, reflete José Murilo de Carvalho, “é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro.” 518 Para o semanário de Fleiuss, naquele momento, os dias tornavam-se difíceis. A volta à corte dos corpos do exército instaurou uma situação nova, levando ao acirramento da campanha republicana e da campanha pró-abolição. As críticas ao regime vigente intensificavam-se. São evidentes os esforços de Fleiuss para sobreviver em meio à nova realidade, buscando reafirmar as relações cordiais com antigos colaboradores de sua folha, a cada dia mais distantes e radicais, quanto ao ideário político. Em 8 de maio de 1870, p. ex., ele anuncia à página 3927: Quintino Bocaiúva. 518 In: A formação das almas : o imaginário da República no Brasil, 1990, p.10. 450 Acha-se finalmente entre nós este ilustre brasileiro, a quem nos prendem laços de sincera amizade e por quem nutrimos profunda admiração. No Rio da Prata fizeram plena jusiça ao brilhante jornalista e ao eloquente e jovem orador. Não lhe fizeram nada de mais. Quintino é uma honra da geração nova, um talento provado, um nome digno de inveja. Entre povos estranhos foi o representante da mocidade política e literária do Brasil. Quando outros títulos não nos prendessem a ele [grifo nosso], bastava este para lhe apertarmos entusiasticamente as mãos. Jornalista polêmico – com passagens pelo Correio Mercantil, dirigido por Francisco Otaviano e pelo Diário do Rio de Janeiro, dirigido por Saldanha Marinho e onde também colaborou Machado de Assis – àquela altura Quintino nem era assim tão jovem (já passara dos trinta) e acabava de regressar de uma missão jornalística no Uruguai e Argentina, onde tratara da questão platina e preparara um opúsculo sobre o assunto, que Fleiuss anunciaria logo depois. 519 E certamente já estava às voltas com a redação do Manifesto Republicano que veio a público em dezembro daquele ano. Os primeiros anos da década de 1870 vão acirrar, ainda, a crise daquele modelo de imprensa ilustrada, cuja ruptura se dá, em definitivo, nos meados da década. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, “o país vivia uma fase de mudança; uma dessas fases em que o conteúdo se adianta à forma [...].” 520 Mas esta é uma outra história; a do ocaso da Semana Illustrada. Por ora, paramos por aqui, no limiar da ‘fase áurea’ do periódico que introduziu a narrativa jornalística visual na imprensa brasileira. Quanto à sua contribuição, durante a guerra, para os objetivos imperiais de assegurar a união de todo o país em torno daquela causa e também de fortalecer o sentimento de nacionalidade – e, em última instância, a sua unidade política – está claro que não foi fruto da cobertura fotográfica do conflito, mas de um conjunto de estratégias, onde as alegorias, os cartuns, as caricaturas e os desenhos de caráter documental de toda espécie, além da significativa cobertura textual, é que estiveram à frente. Mas foi a entrada da fotografia, ali, que representou o maior avanço, no âmbito da narrativa com imagens – preparando o leitor para uma nova visualidade, de novos tempos que se conformariam com maior clareza e precisão logo à frente, com o advento do ‘instantâneo’ fotográfico, da reprodução fotomecânica e das reportagens verdadeiramente fotográficas. 519 Em 29 jul. 1866 (n. 294), Henrique Fleiuss já havia prestado uma homenagem especial a Quintino Bocaiúva, ao estampar uma litogravura na capa da Semana Illustrada, por ocasião da sua partida para Nova Iorque. E em 24 jul. 1870 (n. 502, p. 3415), anunciou: “As instituições e os povos do rio da Prata. Conferências públicas por Quintino Bocaiúva. Acha-se à venda no Escritório do Imperial Instituto Artístico, rua daConstituição n. 6 e na livraria Garnier, rua do Ouvidor 87. Cada folheto custa 500 rs.” Em 21 ago., por conta de suas conferências públicas, estampou um cartum (p. 4045) em sua homenagem. 520 SODRÉ, 1983, p. 223. 451 Quando André Malraux elaborou a sua proposta de um ‘museu imaginário’ – ou, um museu do imaginário – que graças às possibilidades introduzidas pela conjugação da fotografia com a reprodução fotomecânica, suplantaria em muito as possibilidades de confrontação oferecidas por qualquer museu, ele declarou: “as artes plásticas inventaram a sua imprensa”. 521 A partir de então, a história da arte passa a ser a história do que é passível de ser fotografado – e que nos leva à constituição do museu imaginário, accessível a todos e que independe do deslocamento aos locais onde se encontram as obras originais. É a idéia do museu como um espaço mental, imaginário, onde inexistem as fronteiras espaço-temporais. Malraux comenta ainda que certos objetos tri-dimensionais elaborados pelo homem não eram, originalmente, ‘esculturas’ ou ‘estátuas’ e certas imagens pintadas não eram ‘quadros’, o que só ocorreu quando adentraram o espaço institucional do museu, perdendo a sua ‘razão de ser’ original. No âmbito específico da fotografia de guerra e mais especificamente da guerra contra o Paraguai, o esforço empreendido por Henrique Fleiuss, graças à sua rede de colaboradores, veio a constituir-se em uma espécie de ‘museu imaginário do conflito’. Fleiuss operava uma certa mediação entre o teatro da guerra e os seus leitores. No processo da elaboração editorial de cada fascículo, as fotografias transpostas para a pedra litográfica eram devidamente metamorfoseadas – mas havia uma intenção, mesmo que escamoteada, de que não perdessem a aura de verdade, objetividade e credibilidade que lhes era inerente; que não perdessem a sua ‘razão de ser’ original. Graças também ao uso da fotografia, enfim, as páginas da Semana Illlustrada tornaram-se um espaço peculiar de convivência com o conflito, a partir do qual se construíram imaginários da guerra e da nação, que agora podemos revisitar. Fig. 303 – Semana Illustrada, 26 jun. 1870, p. 3977. DiORa-FBN 521 “[...] les arts plastiques ont inventé leur imprimerie.” [tradução nossa] In: MALRAUX, 1965, p. 12. 452 PARTE III 6 Agostini versus Fleiuss e o retrato de Chico Diabo: é ou não é? ou: Como um polemista profissional infernizou a vida do ‘alemão’ A polêmica intelectual foi um ‘modismo literário’ e, porque não dizê-lo, um ‘modismo jornalístico’, no Brasil oitocentista. Nas palavras de Alexei Bueno, “mais do que o seu objetivo precípuo, defender ou estabelecer uma verdade contra opiniões consideradas falsas por cada contendor, a polêmica nesse seu período áureo vivia como duelo de verve e de inteligência verbal, contenda virtuosística, apreciada mais pelos meios do que pelos fins [grifo nosso], despertando uma atenção quase esportiva por parte dos leitores [...].” 522 Até mesmo o imperador d. Pedro II, ainda jovem (1855), esteve envolvido em uma dessas polêmicas, decorrente da publicação sob seu patrocínio, pela Tipografia de Paula Brito, de uma edição do poema épico A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. José de Alencar, insatisfeito com o poema e o apoio imperial, iniciou a publicação de cartas veementes no Diário do Rio de Janeiro, do qual era então o redator-chefe – algumas delas replicadas por Araújo Porto-Alegre no Correio da Tarde e até por d. Pedro II, no Jornal do Commercio. 523 A própria Semana Illustrada comentava algumas dessas polêmicas, especialmente quando se via envolvida; desde o primeiro fascículo de janeiro de 1868, p. ex., através do editorial e das palavras do Moleque, já dissera algumas palavras sobre uma dessas contendas e em 2 de fevereiro, às páginas 2979 e 2982, sob o título “As agressões do Correio Mercantil”, resolver tomar partido: “Tem-se ultimamente divulgado uma polêmica entre o Correio Mercantil e o Jornal do Commercio, em que este último saiu vitorioso, como era natural, porque a resposta infantil do Mercantil, a quem o Jornal atirou à cara: tu és um Caluniador, foi: não, é tu, – tu não tens educação: és tu, que não a tens – sem no entretanto provar o que o Jornal provou. Antes da resposta, perfeita e categórica dada pelo Jornal a quem o Mercantil tinha lançado o epíteto de testa de ferro, esta mesma redação tinha escrito outro artigo, acusando o governo, de se ter servido de uma arma ilegal, a caricatura, para combater os seus adversários. Esta acusação é tão ridícula, como ousado o insulto feito aos jornais ilustrados. Da nossa parte declaramos aqui alto e bom som, que não servimos nunca ao governo como testa de ferro, que o Dr. Semana não deve 522 In: DUELOS, 2005, p. 11 (Introdução). Sobre este assunto, ver a Polêmica sobre a Confederação dos Tamoios. José de Alencar com Araújo PortoAlegre e D. Pedro II. 1855. In: DUELOS, 2005, pp. 17-101. 523 453 finezas de qualidade alguma aos ministros, e que é bastante independente, para não pedir obséquios e favores senão os que recebe do público. [grifo nosso] A Semana é o único responsável pelos seus desenhos e escritos, que não são influídos por pessoa alguma. Graças à nossa independência, alcançada pelos imensos esforços de servir bem a nossos assinantes, [grifo nosso] de ficar sempre nos limites da mais rigorosa decência, de uma regularidade proverbial, – não tememos os insultos desses que não têm mostrado amor à pátria, interesse pela causa pública e o devido respeito aos colegas da imprensa. [grifo nosso] São eles, que debaixo da máscara da oposição legítima, que tem por fim mostrar os defeitos e erros da administração, tem atacado a todos e a tudo, que se opõe às idéias do seu partido. E nem o partido foi, nem pode ser servido por eles, porque os meios de que nos seus ataques se serviram, não são leais. [...] Dr. Semana O Correio Mercantil era realmente um jornal partidário – “mais vibrante, movimentado, atraente”, nas palavras de Nélson Werneck Sodré 524 – bem diferente do Jornal do Commercio. Dirigido por Francisco Otaviano de Almeida Rosa, tivera entre seus colaboradores José de Alencar – não por acaso, o polemista acima citado – e nele, Machado de Assis teria trabalhado como revisor, em 1859. 525 É evidente que os ataques do Correio, que visavam também atingir a Semana Illustrada, haviam incomodado Henrique Fleiuss, certamente apreensivo, àquela altura, com o lançamento editorial de um concorrente, que poderia afetar o seu prestígio e faturamento, como veremos a seguir. A nossa intenção, aqui, é expor uma ‘polêmica que não houve’; isto porque apesar da intensa provocação, do constante incitamento ao embate, por uma das partes, a outra jamais ‘acusou o golpe’, optando por ignorar quase todas as ofensas e acusações. Estamos nos referindo ao jornal ilustrado A Vida Fluminense, onde passou a atuar Angelo Agostini e cujo primeiro fascículo foi lançado em 4 de janeiro de 1868 e do qual, a ‘Declaração’ à página 4 esclarecia o programa: O Arlequim, querendo corresponder dignamente ao valioso auxílio que lhe tem sido prestado pela população nacional e estrangeira do Império, e tendo reunido um núcleo de artistas e redatores, escolhido entre os mais habilitados e distintos desta corte, resolveu aumentar o seu formato e número de páginas, e como sejam outros os seus planos futuros deliberou também mudar o seu título, que será de ora em diante A Vida Fluminense. Para agradar todos os paladares, A Vida Fluminense será uma folha jocoséria, publicará retratos, biografias, caricaturas, figurinos de modas, músicas, romances nacionais e estrangeiros, artigos humorísticos, crônicas, revistas, 524 525 SODRÉ, 1983, p. 190. Op. cit., p. 193. 454 etc. Assina-se A Vida Fluminense tão somente na rua do Ouvidor 59, sobrado, próximo ao Jornal do Commercio. Nos primeiros meses, era impresso na Tipografia e Litografia de Eduard Rensburg (até o n. 14 de 4 abril de 1868). Mas a partir de 11 de abril (n. 15), passou para a Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, também instalada à rua do Ouvidor, para onde havia se mudado A Vida Fluminense – mesmo estabelecimento de que se utilizara a Semana Illustrada em seus primeiros tempos, antes de ‘conquistar a sua independência’. O novo periódico ilustrado saía aos sábados, o dia anterior ao lançamento do concorrente já estabelecido. Começou com doze páginas e em formato maior, mas cobrando os mesmos $500 da Semana Illustrada; em 2 de maio, aumentou o preço para $600; a partir de 7 de novembro, recuou para oito páginas, sem baixar o preço – ao contrário, informou em 19 de dezembro (p. 678) que: “Tendo crescido o número de nossos assinantes, do 1º de janeiro em diante cada folha avulsa custará 1$000”, o que passou a valer a partir do dia 9. A capa também era diferente no início, puramente textual – a idéia era que fosse essencialmente a mesma, para todos os fascículos, alterando apenas o ano, a data e o número no topo da página – mas a novidade não passou do número 17, depois do qual o periódico passou a seguir o mesmo padrão da Semana Illustrada – que era o tradicional padrão originado na Europa e comum na imprensa de muitos países. A Vida Fluminense era mais explícita com relação à venda de espaço publicitário, ao publicar a sua tabela de preços e condições em todos os fascículos, a partir do número 2 (p. 23). Com relação às condições, as novidades eram as seguintes: “A pessoa que encomendar um anúncio ilustrado de ½ página [30$000] terá direito, além da publicação no corpo deste jornal, a receber em avulso cem exemplares do mesmo anúncio sobre papel branco. A que encomendar um anúncio de página inteira [50$000] receberá 150 exemplares do mesmo anúncio sobre papel branco e de cores, e terá igualmente direito à publicação do supracitado anúncio. Anúncios escritos – 120 réis a linha.” No semanário de Fleiuss, no corpo do jornal ocorriam apenas os anúncios escritos; a outra opção eram os anúncios de página inteira, mas como suplementos. Ademais, Fleiuss não explicitava os valores cobrados no próprio jornal. Fleiuss logo começou a sofrer os ataques de Agostini. Em 1º de fevereiro, foi uma estampa de página dupla intitulada “O calor” (pp. 54-55), onde uma série de pequenos cartuns fazia humor com o sofrimento dos habitantes da corte naquele verão, e um deles mostrava o Dr. Semana como um feroz cachorro. 455 Fig. 304 – “Água! Água! que o nhonhô está danado!” Detalhe da página dupla, intitulada “O calor” A Vida Fluminense, 01 fev. 1868, p. 54. DiORa-FBN Fig. 305 – A Vida Fluminense, 08 fev. 1868, p. 63. DiORa-FBN. – Que é isto, nhonhô! Não se sirva dessa tinta que respinga muito na gente. – Qual! Com ela é que tenho ido vivendo. Diálogo em surdina – Vês, moleque, – É verdade, nhonhô; chegamos subir muito alto. Mas não acha que esta posição é um tanto incômoda? Sempre debruças. – Toleirão!... Não se apanham trutas a bragas enxutas!... Em 22 de fevereiro (p. 88), o editor declarou: “ A grande procura que têm tido os sete primeiros números da Vida Fluminense obrigaram-nos [sic] a reimprimi-los. Infelizmente a 456 reimpressão, se bem que feita em grande escala, não pode satisfazer todos os pedidos que nos foram dirigidos. Hoje que algumas pedras que continham os desenhos, já não existem, vão ser novamente desenhadas. Enquanto não ficarem prontas não podemos aceitar assinaturas senão do mês de fevereiro em diante.” Trata-se de declaração incomum naqueles tempos e naquele meio específico, a merecer uma investigação que, até onde sabemos, ainda não foi realizada. Em 19 de fevereiro de 1868, como já vimos, deu-se a passagem de Humaitá. Na Semana Illustrada de 8 de março, além do anúncio da publicação de suplementos referentes ao feito, Henrique Fleiuss publicou o seguinte aviso ao público: Quem tiver interesse em ver os originais, que me foram remetidos pelo Exm. Sr. Visconde de Inhaúma e os outros, amigos da esquadra e do exército, dirija-se ao Imperial Instituto Artístico, Largo de S. Francisco de Paula n. 16, onde se acham expostos tais desenhos. Ao mesmo tempo declaro ao público, que os quadros publicados não são composições e sim cópias dos originais, que me mandaram de lá; levantados nos lugares da ação e desenhados do natural. É pois bem visto que eu não posso fazer a menor emenda ou modificações nos originais para não carregar com qualquer inexatidão que se dê, inventando coisas, que não se acham nos desenhos remetidos e que muito depreciarão a verdade dos fatos. H. FLEIUSS. Algum motivo Fleiuss teria para fazer tal declaração. E este motivo logo foi esclarecido. Em A Vida Fluminense de 14 de março de 1868 (p. 124), foi publicado o seguinte anúncio: “Publicamos hoje um grande quadro representando a heróica passagem de Humaitá, que todos consideravam impossível, e que uma pequena divisão encouraçada da armada brasileira efetuou com tanta bravura, quanta [sic] perícia. [...]” Temos a impressão de estar lendo as páginas de Henrique Fleiuss, mas não – aquelas são mesmo as páginas d’A Vida Fluminense. E a descrição segue, detalhando os feitos da nossa armada. Mas o texto seguinte volta a bater na Semana Illustrada: A Semana Illustrada publicou anteontem um anúncio em que declarou ser ela o único jornal que recebia documentos oficiais da guerra, averbando de fantasias os que tem apresentado desenhos relativos a ela. A alusão é demasiado clara. Levantamos, portanto, a luva, e respondemos convidando o público a vir ao nosso escritório examinar as plantas e esboços que nos foram enviados da esquadra, e pelos quais verá que se alguém fantasia, não somos decerto nós. Mais uma prova: publicamos hoje um desenho e uma planta topográfica da passagem de Humaitá. A Semana Illustrada prometeu dar à luz seus documentos oficiais na próxima semana. Confrontem-se os nossos com os dela. 457 Fantasistas! Pois sim! Aceitamos o epíteto, lisonjeamo-nos mesmo com ele. Se o nosso quadro do assassinato do general Flores foi uma fantasia, confesse, Dr. Semana, que nem todos sabem fantasiar, agradando tanto ao público. Sua passagem de Curupaiti bem o prova. A passagem de Humaitá, que a Semana Illustrada prometeu publicar, será feita pelo Sr. Carlos Linde, pelo que, julgo, agradará muito. Basta não ser do desenhista especial da mesma Semana. Em 28 de março, Agostini estampou à página 154, uma ‘cópia fidelíssima’ da passagem de Humaitá de autoria de Carlos Linde, que havia sido publicada na Semana Illustrada. Na paródia de Agostini, o rio Paraguai é uma escada, subida pelos navios humanizados de nossa armada. O editor d’A Vida Fluminense continuou fazendo chacota dos desenhos da Semana e publicando ‘cópias fiéis’ dos mesmos, onde fazia suas intervenções humorísticas. A estampa ‘Por cima e por baixo’ (pp. 162-3), estampada em 4 de abril e acompanhada de texto (pp. 161 e 164), além de ser uma crítica à maneira como a guerra vinha sendo conduzida, volta a criticar a cobertura da Semana Illustrada, mesmo sem citá-la nominalmente. Fig. 306 – Detalhe da estampa de página dupla ‘Por cima e por baixo’, onde vemos o Dr. Semana e o Moleque como ‘sardinhas’ em um dos pratos da balança, enquanto que o outro prato leva os ‘camarões’. A Vida Fluminense, 04 abr. 1868, p. 162-163. DiORa-FBN 458 Figs. 307 e 308 - [esq.] Embaixo dos retratos, a estampa “Bernardino, rei dos práticos” na sua versão original. Semana Illustrada, 05 abr. 1868, p. 3053. [dir.] Em cima, o cartum “Um pesadelo horrível” e embaixo, a ‘cópia fiel’ de “Bernardino, o rei dos práticos” realizada por Agostini. A Vida Fluminense, 11 abr. 1868, p. 175. DiORa-FBN Em 18 de abril (p. 184), as provocações de Agostini continuavam: “Obsequiaram-nos com um engenhoso anagrama, feito sobre as palavras – Semana Illustrada. Ei-lo: MIL ESTRADAS NA LUA. Nem de propósito!” Entre textos e imagens, foram bastante frequentes e expressivos os ataques de Angelo Agostini a Henrique Fleiuss. Mas a Semana Illustrada não revidava, pois seu editor optou por adotar uma tática diversa, ignorando a maior parte das provocações. E assim, durante todo o ano de 1868 a estratégia de Agostini se repetiu, sempre buscando um novo motivo, nas páginas da publicação concorrente; um fato, um desenho, alguma coisa, enfim, que pudesse ser transformada em mais um ataque, chacota ou questionamento; algo que pudesse abalar a credibilidade daquela folha ilustrada que ocupava um lugar de destaque na sociedade carioca. 459 Figs. 309 a 312 – Reproduções de A Vida Fluminense: [esq., em cima] “Um acesso de Fluminensite aguda”, 09 maio 1868 p. 228; [acima] “A última transformação do Dr. Semana”, 20 jun. 1868, p. 289 (capa); [esq. ao lado] “Nhonhô feito paio para agradar a uma salsicha!”, 20 jun. 1868, p. 292; [esq. embaixo] “À força de suplementos para crianças [...]”, 03 out. 1868, p. 472. 460 Fig. 313 – “As apoquentações do Dr. Semana. Desenho para crianças, por Angelo (que não copiou de nenhum jornal alemão).” A Vida Fluminense, 24 out. 1868, p. 508 (página dupla). DiORa-FBN Figs. 314 e 315 – [dir.] Semana Illustrada, 01 nov. 1868, p. 3289. [esq.] A Vida Fluminense, 14 nov. 1868, p. 544. DiORa-FBN 461 O processo de hibridização de imagens era comum naqueles tempos – para elaborar uma estampa, utilizava-se informações oriundas de diversas fontes distintas. No entanto, não era comum declarar tal fato, especialmente quando predominava a utilização de fotografias, como base para a confecção da estampa. Por outro lado, a hibridização ficava muitas vezes explícita, quando a imagem final era baseada, prioritariamente, em esboços ou relatos verbais. A título de exemplo, vejamos um caso ocorrido por ocasião da cobertura da guerra contra o Paraguai em A Vida Fluminense de 31 de outubro de 1868: Declaração – Para satisfazer os inúmeros pedidos que temos recebido, relativos aos grandes desenhos da guerra, que publicamos [...] e cuja edição rapidamente se esgotou, mandamos reimprimir [...]. De novo asseguramos ao público que nenhum desenho da guerra, até hoje saído de nossas oficinas, foi feito de imaginação, mas segundo os esboços que recebemos do Paraguai e que completamos aqui com informações ministradas por mais de uma testemunha ocular.” 526 Em 21 de novembro, à página 546 (editorial), o primeiro texto dizia: Vimos com verdadeiro prazer há alguns meses que os quadros de guera, publicados na Vida Fluminense, mereceram a mais cordial aceitação de nacionais e estrangeiros residentes no Império. As reproduções feitas a óleo e em fotografia da máxima parte deles provaram claramente que o público os havia recebido como confeccionados segundo dados oficiais, e não de imaginação como certas glórias da marinha brasileira, que durante um mês fizeram pasmar os garotos em frente das vidraças dos confeiteiros da corte. [grifo nosso] E não foi só entre nós que se fez a devida justiça aos quadros da guerra, publicados nesta folha. Na capital do mundo civilizado, em Paris, a imprensa também os favoreceu com insuspeitos encômios, chegando mesmo o Evenement a copiar em sua primeira página, haverá três meses, a abordagem dos encouraçados acompanhada de um artigo explicativo, em que teceu os maiores elogios ao exército e armada nacionais e aos seus dignos chefes, e proclamou a justiça da causa que o Brasil pleteia [sic] em ermos paraguaios. Nem foi o Evenement o único jornal parisiense que assim procedeu. A Illustração Francesa também publicou no mês passado a passagem do Tebicuarí pela divisão avançada dos encouraçados brasileiros, fielmente copiada do nosso desenho. 527 A nota que acabamos de ler, além de tratar da questão que estamos discutindo, chama a atenção pelos preciosos dados que contém, com referência à recepção das estampas de Fleiuss e Agostini por um público bem mais amplo do que aquele que adquiria os exemplares. 526 527 A Vida Fluminense, 31 out. 1868, p. 527. Idem, 21 nov. 1868, p. 546. 462 Em 10 de abril de 1869 (p. 806), o editorial começava com um anúncio da venda das ‘estampas autênticas’ referentes aos episódios da guerra, além de retratos de alguns dos líderes das forças armadas – ou seja, a proposta visava o mesmo filão que desde o início da guerra, vinha sendo explorado pela Semana Illustrada. Em seguida, comunicava que “o mesmo estabelecimento encarrega-se de qualquer trabalho litográfico. Especialidade de retratos litografados, garantindo-se a mais perfeita semelhança.” [grifo nosso] Agostini também oferecia, assim como Fleiuss, imagens de outros gêneros; em 11 de setembro de 1869 (p. 1076), o editorial começava com uma “DECLARAÇÃO: o desenho que damos hoje sob o título – Concílio Ecumênico – é copiado de uma avulso publicado na Alemanha, que foi muito bem aceito em toda a Europa. Agradecemos ao cavalheiro que nos obsequiou com o original de tão importante desenho.” Finda a guerra contra o Paraguai, em 16 de abril de 1870 o editorial d’A Vida Fluminense trouxe a seguinte notícia: O Sr. Dr. Paranhos Filho teve a bondade de mimosear-nos com os retratos, em fotografia, de toda a família do ex-presidente do Paraguai e de seus principais generais, mionistros e confidentes. Completa seria a coleção se lhe não faltassem os dos filhos que teve com sua amásia Lynch, e um dos quais finou-se com ele nas margens do Aquidaban. Dando o devido apreço a tão importante mimo, encetamos imediatamente a publicação da – Galeria López – pelos retratos do ex-presidente e de Mme. Lynch. Em seguida apresentamos os do pai e mãe de Francisco Solano López. Hoje damos os de seus dois irmãos, Venancio e Benigno, por sua ordem fuzilados, como é referido pelos passados e prisioneiros paraguaios. Depois destes virão os das duas irmãs do presidente , uma viúva do general Barrios, outra de Bedoya, os quais foram ambos também condenados à morte por López; O do general Barrios; O do bispo D. Palacios; O de Berges, ex-ministro de estrangeiros, que teve a mesma sorte que venancio, Benigno, Bedoya, Barrios e o bispo; O de Sanches, ex-presidente da República do Paraguai, morto no último encontro com as forças do general Câmara; 528 O do mordomo de López, D. José Solis e de vários outros personagens, cujos nomes figuraram na guerra paraguaia. Estaria ele referindo-se a José Maria da Silva Paranhos Júnior? Sabemos que o futuro barão do Rio Branco era um ‘fornecedor contumaz’ de imagens à imprensa brasileira e estrangeira, como já vimos anteriormente, no presente trabalho. A cópia fiel em litogravura daquela série de retratos em fotografia – a Galeria López – foi estampada nas páginas d’A Vida Fluminense 528 Sobre estas mortes, ver esp. DORATIOTO, 2002: A situação paraguaia: a paranóia de Solano López, pp. 339-350 e Caçada e morte de Solano López, pp. 437-455. 463 entre março-junho de 1870. Essa ‘galeria’ de Agostini representa, a nosso ver, sua melhor contribuição ao sistema concebido e implantado por Henrique Fleiuss para o relato visual da guerra contra o Paraguai – mas a essa altura, já estávamos no pós-guerra. Nesse caso, sem apelar para os ataques pessoais ao ‘alemão’ – estratégia na qual insistiu até o final do conflito – ele propôs algo de novo, ao trazer a questão da alteridade, praticamente ausente na cobertura da guerra. Aqui, temos uma série de imagens que, dispostas numa galeria, estimulam a reflexão silenciosa sobre o significado daquele teatro dos horrores que tínhamos acabado de assistir. As imagens que compõem esta série estão no anexo F do presente trabalho. Figs. 316 a 318 – [esq.] “ Chico Diabo atravessando com uma lança o monstro mais bárbaro e hediondo, que tem visto o mundo – o execrando Francisco Solano López, destruidor de sua própria pátria! ” Semana Illustrada, 27 mar 1870, p. 3880. [dir. em cima] Detalhe do retrato fotográfico de Chico Diabo em São Borja, RS, jun. 1870. Extraído de um retrato de grupo - foto 26, álbum Excursão ao Paraguai. Ico-FBN. [dir. embaixo] Detalhe do rosto da estampa à esquerda. Mas Agostini era mesmo um polemista profissional. Não satisfeito com tudo que já havia criticado na cobertura da Semana Illustrada durante a guerra, naquele mesmo fascículo ele publicou o seguinte Post Scriptum – A Semana Ilustrada publicou um desenho, que representa o Chico Diabo matando Lopez. 464 Eu queria só que me dissessem onde e como conseguiu a Semana o retrato do Chico Diabo. E desafio o colega a que o declare. Nós costumamos ter em exposição no nosso escritório todos os retratos e croquis, por onde nos guiamos na confecção dos quadros de guerra, que distribuímos aos Srs. assinantes. Pode a Semana fazer o mesmo? Não pode, e tanto que apresentou o cabo rio-grandense ferindo em pleno peito o finado déspota paraguaio, que foge a cavalo, quando ninguém ignora que Lopez foi morto por uma lançada nas costas, quando, fugindo a pé, tentava subir a barranca do rio! É caçoar muito com o público! 529 A nova polêmica estava instaurada, e certamente motivou muitos debates, na corte. Poucos meses depois, em 27 de agosto de 1870 (p. 270), tivemos uma surpeendente revelação do sistema adotado por alguns de seus pares para a construção dos desenhos híbridos e, ademais, a revelação do quanto Angelo Agostini se valia, também, do processo fotográfico, mesmo que nunca o declarasse: Xico Diabo (Esboceto Histórico) Grande era com razão o desejo que nutriam todos de conhecer, ao menos de vista, o simples cabo de cavalaria rio-grandense, a quem aprouve à Providência confiar o desfecho da dilatada e cruenta guerra, que o Brasil sustentou contra o tirano paraguaio. Grande era, por conseguinte, também o empenho que tinha a Vida Fluminense de apresentar ao público o seu retrato autêntico. Fácil lhe fôra, como foi fácil à outra folha ilustrada da capital do Império, abusar a credulidade de seus assinantes, dando-lhes como fidedigno um desenho, que não respeitasse nem a verdade da semelhança do indivíduo, nem a do fato em si. Bastar-lhe-ia para isso copiar de qualquer ilustração inglesa ou alemã, um fragmento de algum desenho de batalha, que melhor se prestasse ao assunto explorado, e subscrever estas palavras, muito próprias para incitar a natural curiosidade pública: ‘Batalha de Aquidaban. Em 1o de maio de 1870. Episódio da morte de López!’ A Vida Fluminense, porém, que até hoje, mercê de Deus, nunca precisou recorrer a tais manejos, preferiu esperar. E em boa hora o fez, porque se acha presentemente habilitada para mimosear seus leitores com os fiéis retratos não só do popularíssimo – Chico Diabo – (estampado no presente número), como também dos: Coronel João Nunes da Silva Tavares, Tenente Coronel Francisco Antonio Martins, Major Joaquim Nunes Garcia, Major Augusto Alvaro de Carvalho, Capitão João Pedro Nunes, Capitão Antonio Candido de Azambuja, Clarim Zacarias Balleco, ordenança do coronel Silva Tavares, que serão proximamente publicados, e que formam o grupo dos oito briosos filhos da província do Rio Grande do Sul, que na vanguarda das forças do benemérito general Câmara, tendo reconhecido em Aquidaban o ex-ditador Francisco Solano López, nunca mais o perderam de vista, perseguindo-o até sua morte. 529 A Vida Fluminense, 16 abr. 1870, p. 124. 465 Fig. 319 – O retrato de grupo a que Agostini se refere. Uma cópia do mesmo encontra-se no álbum intitulado Excursão ao Paraguai, guardado na Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional. Chico Diabo é o segundo, de pé, da direita para a esquerda. Ico-FBN Segundo os relatos do general Câmara, como já vimos, a idéia era prender Solano López, e não matá-lo. E o retrato a que se refere Agostini, é o que reproduzimos acima. O texto (esboceto histórico) n’A Vida Fluminense continua: Para provarmos a fidelidade dos retratos e apontamentos biográficos, cuja publicação encetamos hoje, alegaremos apenas que se acham todos autenticados pelo punho do valente e incansável general João Nunes da Silva Tavares (vulgo Joca Silva), uma das testemunhas do fato. No escritório desta folha se poderá verificar a verdade desta alegação. Um último esclarecimento: Os retratos foram feitos pelo sistema fotográfico, em S. Borja, onde em junho do corrente ano se achavam reunidos os oito personagens acima citados, regressando do campo da guerra, em que tanto se distinguiram, para a sua província natal. Os apontamentos biográficos foram escritos também em S. Borja, em 21 do mesmo mês. Aí vai agora o esboceto biográfico: Francisco de Lacerda, conhecido pela alcunha de Xico Diabo, [...]. 530 530 A Vida Fluminense, 27 ago. 1870, p. 270. 466 Figs. 320 e 321 – [esq.] “O cabo Francisco de Lacerda por alcunha Xico Diabo (hoje alferes). (vide o texto)” A Vida Fluminense, 27 ago. 1870, p. 275. [dir.] “Chico Diabo atravessando com uma lança o monstro mais bárbaro e hediondo, que tem visto o mundo – o execrando Francisco Solano López, destruidor de sua própria pátria!” Semana Illustrada, 27 mar 1870, p. 3880. DiORa-FBN Fica evidente que Agostini convenceu-se de haver escrito mais uma de suas inverdades, a respeito da imagem estampada por seu concorrente. López não havia sido lanceado pelas costas. E Fleiuss não havia feito qualquer menção à fisionomia de Chico Diabo e nem declarado o uso de fotografias. Talvez, por isto mesmo, tivesse desenhado um rosto caricatural. Restou a Agostini o silêncio. E a fria estampa de um ‘Chico Diabo superstar’ montado num cavalo que flutua, em estranha posição, boquiaberto e de olhos arregalados que bem lembram o Chico Diabo caricatural de Fleiuss. Parece que ali, Agostini convenceu-se que já era hora de apontar suas baterias para outro objetivo. Como lembra Nelson Werneck Sodré, falando do próprio, “por esse tempo [a década de 1870], a crítica política encontrava campo 467 extraordinariamente fecundo nas revistas ilustradas [...]” 531 E não era atacando Fleiuss que ele progrediria, mesmo porque àquela altura, já surgiam novos concorrentes no mercado das revistas ilustradas. Antes de encerrar, vale confrontarmos a imagem que encerra a cobertura da Semana Illustrada – o retrato do conde d’Eu – com a similar do concorrente. A comparação é inevitável e a constatação da gritante diferença, inescapável. Em suas estampas, Agostini demonstra intimidade com o meio fotográfico e seu grande talento de copista; afinal, participara de um empreendimento fotográfico juntamente com os fotógrafos Perestrelo e Gaspar, em seus primeiros anos em São Paulo, onde coloria retratos preto e branco e pintava telas, a partir dos mesmos. 532 Mas o resultado, no caso analisado, é frio, pouco expressivo e fica muito aquém do resultado alcançado no retrato que foi estampado na Semana Illustrada. Figs. 322 e 323 – [esq.] O retrato estampado em homenagem à volta do conde d’Eu na Semana Illustrada, 24 abr. 1870, p. 3912. [dir.] O retrato estampado em homenagem ao conde d’Eu, duas semanas mais tarde, n’ A Vida Fluminense, 7 maio 1870, p. 150. DiORa-FBN 531 532 SODRÉ, 1983, p. 215. In: NOTICIÁRIO (2007, pp.95, 101-2 e 292, entre outras). 468 7 Fleiuss, um brasileiro “Apesar da dificuldade em formular uma imagem da nação que incorporasse a realidade da população, o Império viveu uma experiência coletiva que foi o maior fator de criação de identidade nacional desde a Independência até 1930. Trata-se da guerra contra o Paraguai. Nenhum dos acontecimentos políticos anteriores tinha envolvido diretamente parcelas tão grandes da população de maneira tão intensa. [...] A guerra contra o Paraguai durou cinco anos (18651870) mobilizou a nação inteira, colocou em ação mais de cem mil soldados, exigiu grandes sacrifícios materiais e de vidas humanas, abalou a vida de milhares de famílias.” (CARVALHO, 1998a, p. 246). Fig. 324 – Detalhe da litogravura estampada na capa da Semana Illustrada, 28 nov. 1869. DiORa-FBN Em 28 de novembro de 1869, data do lançamento do número 468 da Semana Illustrada, o término da guerra contra o Paraguai estava próximo. Para marcar o final do nono ano e abrir as portas do “último ano da sua primeira década”, em suas palavras carregadas de otimismo, Henrique Fleiuss estampou na capa do semanário o seu alter ego Dr. Semana, ajoelhado diante da Pátria – aqui, representada não pela índia Brasília, mas por um índio de longos cabelos e rala barbicha, um esguio cocar fazendo as vêzes de corôa, vestindo longa capa e sentado no trono. “O Brasil era índio e homem”, lembra-nos José Murilo de Carvalho. “Talvez a sociedade patriarcal ainda não conseguisse visualizar uma pátria guerreira feminina ao estilo da Marianne francesa” (CARVALHO, 1998a, p. 244). O índio, ao mesmo tempo que 469 gesticula com a mão esquerda (um gesto de gratidão?) recebe com a direita, das mãos do Dr. Semana, o volume encadernado dos fascículos do ano findo da Semana Illustrada: “Aqui lhe trago o volume do 9º ano.” Já o Moleque, de pés juntos, observador, aguarda atrás de seu mestre o momento da entrega do rolo com a coleção dos suplementos do jornal. Ainda dirigindo-se ao índio-imperador-pátria, Fleiuss-Dr. Semana se abre: “A quem melhor poderia eu dedicá-lo do que ao meu Brasil [grifo nosso], que me acompanhou sempre, e que me perdoará as faltas que tive pelas boas horas que lhe dei? Aceite o meu caro amigo esta dedicatória.” E logo conclui: “Com ele tenho vivido até hoje, com ele espero viver até o fim, e (se fosse possível) per omnia secula seculorum. Amen!” Fig. 325 – [série Mal das vinhas, n. 2] “O boné frígio vai entestar com a Coroa Imperial… sim! …oh! oh!...ah! aí… meditemos…e…lucraremos!!” Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2022. DiORa-FBN Embora nunca tenha se naturalizado, as manifestações de gratidão pela boa acolhida nestas terras muitas vezes fizeram parte do discurso jornalístico de Fleiuss e a exaltação desta que teria se tornado a sua pátria foi uma constante nos mais de trezentos fascículos examinados durante a pesquisa. Sem jamais ser o bobo da corte – porque não criticava a figura do rei – é fato que soube entretê-lo, assim como boa parte da corte, aplicando uma fórmula que alternava o discurso do súdito com o discuro do cidadão. Teria a cobertura da Guerra contra o Paraguai, realizada pela Semana Illustrada, contribuído de algum modo ao processo de formação de nossa identidade nacional? Estaria Henrique Fleiuss verdadeiramente engajado naquele processo, ou sua tomada de posição – 470 declaradamente favorável ao imperador d. Pedro II e à posição do Brasil na guerra – consistiria simplesmente em ‘cálculo econômico’ de um empresário astuto, que incitava um certo ‘nacionalismo bélico’ visando a venda de tiragens maiores da Semana Illustrada, servindo ainda tal estratégia para assegurar ao Imperial Instituto Artístico de Fleiuss Irmãos & Linde novos contratos de edição de mapas e plantas, relatórios e livros, para órgãos governamentais? ‘Jornalismo áulico’, ‘porta-voz da monarquia’, ‘pena alugada’, tais qualificações serviriam para sintetizar a trajetória e o legado do ‘alemão’ que morreu pobre, ainda no período monárquico? Como encarar as posições de Fleiuss face aos outros jornais do período e face aos outros ‘estrangeiros’ de renome no ramos das artes gráficas – tais como Georges Leuzinger que, distante da imprensa, manteve a discrição e muitos serviços prestou ao governo 533 ou Angelo Agostini, abolicionista e republicano de estilo agressivo, que obteve sucesso e entrou para a história como o mais ferrenho crítico do imperador e de Fleiuss? Fig. 326 – “Ao feliz regresso. Parabéns, parabéns, ó par mimoso, / De árvores frondosas, festivais renovos, / Vosso ameno regresso auspicioso / Robustece as esperanças destes povos. / O Brasil que saudou-vos em noivado, / Vos saúda consortes sempre unidos; Acabaram-se as ânsias, o cuidado, / Em que ao partirdes, ficamos imergidos.” Semana Illustrada, 30 jul. 1865, p. 1928. DiORa-FBN A presente pesquisa toca apenas em um dos aspectos a serem examinados, em uma apenas das diversas releituras a serem feitas, para que se possa dar conta destas questões. E sendo assim, longe da ousadia de formular uma resposta, a nossa intenção, aqui, é apenas sequenciar imagens – cartuns, mais precisamente, quase nunca derivados de fotografias – que foram extraídos do jornal, entremeando-os com brevíssimas informações, comentários e reflexões no intuito de contribuir para o debate. 533 Nos tempos do império, Leuzinger era ‘fornecedor do Tesouro Nacional, de bancos e do comércio em geral’, conforme diziam seus anúncios. Prestou serviços e vendeu produtos adiversas outras instituições públicas e à Casa Imperial. Sobre o assunto, ver: ANDRADE, 2006. 471 Henrique – ou Heinrich – Fleiuss integra uma extensa lista de empresários emigrados da Europa, em boa parte devido às dificuldades enfrentadas em seus países de origem. Graças aos entendimentos havidos entre o imperador d. Pedro II e governantes europeus, terminaram se estabelecendo por aqui. No caso específico de Fleiuss, como já vimos mas vale relembrar, o motivo que o trouxe ao Brasil teria sido outro: acatando a sugestão do naturalista von Martius que, segundo Max Fleiuss, “muito o estimava e apreciava sua aptidão artística”, Henrique deslocou-se até o Brasil para realizar uma série de aquarelas – missão documental inserida no processo de continuação das atividades que os cientistas Spix e Martius haviam iniciado por ocasião da Expedição Austríaca ao Brasil (1817-1821) e cujo objetivo maior era a publicação da monumental Flora Brasiliensis. O exposto permite-nos supor que Martius tenha sido figura proeminente, entre tantas que marcaram a história de vida de Henrique Fleiuss. O historiador José Murilo de Carvalho lembra-nos que “o naturalista Karl Friedrich von Martius, natural da Baviera, foi o autor do texto vencedor de um concurso instituído pelo IHGB em 1842, cuja proposta era manifestarse sobre Como se deve escrever a história do Brasil”. As idéias de Martius participaram do projeto político colocado em prática desde o início do Segundo Reinado, que teve a contribuição reflexiva e propositiva do IHGB. Nesse contexto, parece-nos, a produção de Fleiuss à frente da Semana Illustrada, no período da guerra, estava sintonizada com tal projeto. José Murilo lembra-nos que “a bandeira nacional começou a parecer nas cenas de partida de batalhões e de vitórias no campo de batalha. O Imperador surgiu como líder da nação empenhado em conseguir a colaboração dos dois partidos políticos. Começaram a ser construídos os primeiros heróis militares nas figuras de Caxias, Osório, Mena Barreto, Barroso” (CARVALHO, 1998a, p. 247). Todos estes, vale lembrar, tiveram participação proeminente na guerra contra o Paraguai e marcaram presença nas páginas da Semana Illustrada. José Murilo menciona, ainda, um estudo sobre o IHGB feito por Manoel L. L. Salgado Guimarães, demonstrando o claro objetivo da instituição em colocar a história e a geografia a serviço da construção do Estado-nacional brasileiro, assim como acontecia em outros países. 534 534 GUIMARÃES, M., 1988, pp. 5-27. 472 Fig. 327 – “SETE DE SETEMBRO. O monumento levantado pelo PRIMEIRO é conservado pelo SEGUNDO! Mantenhamos a independência da pátria sem partidos nem ódios. Viva o Império!” Semana Illustrada, 8 set. 1867, p. 2816. DiORa-FBN Já em outro de seus textos sobre o assunto, ao tratar de Martius e do Brasil, José Murilo afirma que “a aceitação entusiástica da tese [de Martius] pelo Instituto [Histórico e Geográfico Brasileiro] e sua reconhecida influência sobre importantes historiadores, como Varnhagen e João Ribeiro, indica que seu conteúdo correspondia à aspiração de parte importante da elite política e intelectual da época.” (CARVALHO, 1998b, pp. 447-8). Fig. 328 – “ Os conservadores farão uma reunião a fim de se unirem mais do que já estão. Cerrar fileiras – é a maior virtude de um partido. O que, atualmente, desejáramos, é que todos os partidos se reunissem – cerrando uma só fileira – com o nobre intuito de debelar a guerra! Semana Illustrada, 19 fev. 1865, p. 1749. DiORa-FBN 473 Voltemos ao fascículo no 468 de 28 novembro de 1869, cujo detalhe da imagem da capa abre este subcapítulo. O seu editorial (p. 3738) intitulado “Primeira década’, traz o comentário de que dez anos, na vida – quase sempre efêmera ou intermitente – do jornalismo fluminense, representavam dez séculos. Um caminho extenso, “semeado de obstáculos e espinhos, talvez: os que o dever nos impõe; mas caminho largo e luminoso; passo firme e ousado; ouvindo as vozes de cima, seguindo os lumes da frente, desprezando os fogos fátuos e os pirilampos rasteiros.” Como se vê, havia oposição; haviam intrigas e obstáculos. Era Angelo Agostini, muito provavelmente, quem mais infernizava sua vida naqueles dias – ao menos no universo da imprensa ilustrada; e isto veremos um pouco mais no capítulo 5.5. Mas Fleiuss seguia prometendo que “a Semana continuará no trilho encetado, surda aos clamores dos parvos que pisa, e às pragas dos invejosos que deslumbra. Independente e justa, ama e quer mais que tudo verdade; podendo dizer como o misântropo de Molière: Et ne veux nulle place en des coeurs corrompus.” Fig. 329– “Quem não é pelo Brasil, é contra o Brasil. Diante de um inimigo feroz, que invade nosso teritório, que tala nossos campos, que exerce toda sorte de cruezas, não há, nem deve haver duas opiniões. Em face de um tirano, que envergonha a grande América meridional, as paixões nacionais desaparecem, ódios e rivalidades mesquinhas fundem-se em uma só aspiração – guerra ao Despotismo. Quem não pugna pela honra da nação é inimigo da pátria; quem, em frente das hostes estrangeiras não abraça o adversário político não ama o seu país, menospreza os laços da família e desconhece seus próprios interesses. Na balança do patriotismo pesam igualmente em tais circunstâncias as idéias divergentes dos partidos; ressentimentos pessoais, dissidências intestinas, tudo acaba, e se dissipa – um só pensamento deve brilhar em todos os espíritos, um único sentimento animar todos os corações: “A glória do Brasil, o triunfo da honra e da dignidade nacional.” Brasileiros, união , concórdia! Salvemos o grande Império do Brasil! Semana Illustrada, 25 jun. 1865, p. 1895. DiORa-FBN 474 É certo que àquela altura, face aos acontecimentos políticos dos últimos dois anos, o jornal pagava um alto preço pela sua opção monarquista e pela posição paternalista com relação à questão do elemento servil, exemplificada no próprio Moleque. Mas a valer o que dizia o editorial – “a Semana tem visto, como prêmio de seus esforços, crescer de dia em dia o número de seus bons assinantes, obtendo mesmo nas províncias uma circulação sem exemplo em periódicos não políticos” [grifo nosso] – as coisas não iam tão mal, assim. Havia um evidente esforço no sentido de marcar uma certa imagem de ‘isenção jornalística’ ou imparcialidade, por exemplo, ao “declarar mais uma vez que a Semana pertence, em política, ao partido do Brasil, em letras ao bom senso, (que delas anda tão arredio) em artes ao bom gosto, e em tudo ao dos homens de bem, sob o estandarte do progresso.” E naturalmente, o fechamento do texto marcava o velho compromisso, este sim inalterável desde o nascimento do periódico: “A divisa da Semana Illustrada será sempre: Ridendo castigat mores. Dr. Semana.” Fig. 330 – [da série Perguntas e Respostas, n. 2] “ – Onde há mais luzes, nos liberais ou nos conservadores? – Conforme as horas que marca o relógio político, cada qual habita oseu hemisfério. Quando é dia para uns, é noite para os outros.” Semana Illustrada, 26 jul. 1868, p. 3180. DiORa-FBN Nesse mesmo fascículo, à página 3743, sob o título Máximas, sentenças e pensamentos políticos do Celeste Império, último texto do fascículo, lemos: “Quando os movimentos políticos têm por força motriz o patriotismo, o seu êxito é quase sempre inevitável; as revoluções malogradas, poucas vêzes se firmam no espírito nacional. 535 A melhor maneira de conjurar um perigo, é encará-lo de frente. A fusão completa dos partidos políticos é um absurdo que traria após si sérios perigos para as instituições de um povo.” Em tempos de Centro Liberal e de Manifesto Republicano, vemos ali um Fleiuss mais apreensivo, menos 535 Sobre esta questão, ver p. ex.: Idéias republicanas ou idéias revolucionárias? de Aristeu E. M. Lopes, 2008. 475 exaltado, mas que segue marcando firme a defesa de suas idéias e ideais, nas páginas de seu ‘periódico não político’. Fig. 331 – “O rio Amazonas. No seu estado primitivo em que jazia até hoje e Depois da abertura e da influência da civilização.” Semana Illustrada, 16 dez. 1866, p. 2509. DiORa-FBN A linha editorial da Semana Illustrada era abrangente e buscava comentar os mais diversos assuntos de interesse nacional, cobrindo o vasto território do país. Simultaneamente ao acompanhamento dos movimentos no sul do país e na bacia do Prata, acompanhava p. ex., com interesse e dotado de opinião própria, a questão da ocupação e exploração da Amazônia, que tanto preocupava os governantes e os cidadãos. O editorial de 16 de dezembro de 1866 (p. 2506) serve de exemplo: “A mais importante notícia que me cabe dar hoje aos leitores da Semana Illustrada, é o memorável decreto do ministério dos negócios estrangeiros, abrindo o Amazonas e outros rios às bandeiras do mundo.” E o editor não perde uma oportunidade de alfinetar a grande imprensa: Já os grandes jornais (todos? não), disseram algumas palavras a respeito desse importante ato do governo. Eu não tenho cargo tamanho; limito-me apenas a mencionar o caso, no texto e na gravura, e a dizer que o decreto deve merecer as bençãos do país, porque abre a porta da nossa prosperidade futura. O Brasil é um largo e vastíssimo castelo habitado apenas por duas ou três pessoas. Com tão pouca gente as salas e os corredores andam sempre desertos, e apesar de quanto se faça, há sempre um ar soturno que não desaparece facilmente. Que é preciso para fazer dar vida ao castelo? Enchê-lo de gente, abrir todas as portas, todos os corredores, povoar tudo. O sistema contrário é o isolamento, a solidão, a sepultura. Graças sejam dadas ao governo que compreende o seu papel e tão brilhantemente o desempenha. 476 Fig. 332 – “Aspecto de um chafariz que levou um assalto igual ao das lombas Valentinas, com a diferença que aqui o assalto foi executado com pólvora seca. (este quadro é dedicado ao Ilmo. Sr. Inspetor das Obras Públicas.)” Semana Illustrada, 24 jan. 1869, p. 3389. DiORa-FBN No texto que vem em seguida, o editor muda o enquadramento e o foco das suas crítica: Por que motivo, agora que se abrem os rios a todos, fecham-se aqui na corte algumas bicas? A câmara municipal é quem pode responder a esta pergunta, mas a câmara municipal ocupada em outras coisas, não se sabe bem, esquece às vezes as necessidades vitais da cidade. É incrível! Quando esta cidade precisa de água e sombra, dois refrigérios no verão, secam as fontes e decepa-se as árvores. Admira-se que ainda existam as árvores do Rocio. Entretanto se há país onde as árvores devam ser sagradas é este. O país do sol deve ser também o país da sombra. Axioma ad usum fluminensis. Fig. 333 – Semana Illustrada, 23 dez. 1866, p. 2513. FBN-DiORa – Ah! que regalo! Não se pode passar sem banho nesta estação. Há falta d’água, moleque? – A água para beber é difícil, para banhos impossível... a quem não tiver mil réis por dia só para se lavar, ou então comodidades, que não há na casa do pobre. – Mas podia haver banhos públicos. Tiveram-nos os Romanos, e os Árabes na Espanha... – Mas nisso não somos nós Romanos, nem áraebes, posto que sejamos das arábias. – Vou pedi-los à Ilma. Câmara. Banhos públicos e grátis. 477 As questões da cidade onde vivia sempre estiveram na pauta da Semana, que exercia uma crítica implacável aos administradores. A atuação da Ilustríssima Câmara dos Vereadores era vista com desconfiança; seus maus hábitos eram denunciados e a cobrança, uma constante. Fig. 334 – “As (im) posturas da Câmara Municipal. (à direita) – Está multado; o seu peixe está com o rabo duas polegadas fora dos limites municipais. (à esquerda) – Pague já 2$000 por esta casca de laranja que está no chão. Negra Mina. – Ocuhô, ocuhê, ocubaba aculelê, anacouuuué?” A Semana Illustrada investia na imagem do índio como símbolo nacional. Aos negros, cabiam as referências às suas tradições e ao seu comportamento, além da presença constante do Moleque, porta-voz do projeto civilizatório proposto pelo jornal. Semana Illustrada, 25 abr. 1869, p. 3492. DiORa-FBN Ao mesmo tempo, o olhar estrangeiro de Fleiuss estava sempre buscando outros aspectos da cultura local que pudessem render um bom cartum ou caricatura. Fig. 335 – “Frutas brasileiras e a maneira de comê-las. Côco de catarro. Cajú.” Semana Illustrada, 01 dez. 1867, p. 2909. DiORa-FBN 478 Fig. 336 – “Frutas do Brasil. Um mamão. Bananas.” Semana Illustrada, 08 dez. 1867, p. 2917. DiORa-FBN O anti-clericalismo é outro dos temas que sempre se fizeram presentes no semanário; era um dos prediletos de Fleiuss: Fig. 337 – “Banquete da civilização. Dr. Semana – Ataca, moleque, ataca, que no banquete da civilização o melhor prato é uma espetada de jesuítas.” Semana Illustrada, 11 jul. 1869, p. 3577. DiORa-FBN. Figs. 338 e 339 – [esq.] “ – Então o que é isso, Sr. Padre Duarte, está tremendo de medo? – Qual medo, Sr. General; é de prazer pela lembrança de que V. Ex. me vai arranjar um lugar de capelão no exército brasileiro.” Semana Illustrada, 15 out. 1865, p. 2023. DiORa-FBN [dir.] “Concílio Ecumênico. Art. 1o – Casamento dos padres, frades e freiras, em virtude do sacro texto da Bíblia: Crescite et multiplicamini.” Semana Illustrada, 16 jan. 1870, p. 3794. DiORa-FBN 479 Em alguns períodos, Henrique Fleiuss ‘brandiu o látego’ com mais intensidade sobre os ‘padrecos’, como por ocasião de mais um de seus embates com outros órgãos da imprensa; neste caso, um jornal de nome e vida longos – O Apóstolo: periódico religioso, moral e doutrinário, consagrado aos interesses da religião e da sociedade, publicado entre 1866 e 1901. Fig. 340 – “Auto-da-fé. “Ao fogo!” gritam os padrecos do Apóstolo. E o infeliz, no meio das chamas, ouviu este coro em voz roufenha: Et plebs tua laetabitur in te.” Semana Illustrada, 05 dez. 1869, p. 3749. DiORaFBN Este pequeno texto que supomos refletir algumas das idéias de Fleiuss, intitulado ‘A questão religiosa’ e publicado na Semana Illustrada de 13 de fevereiro de 1870, à página 3826, destila toda a sua zombaria com relação a certas práticas da fé católica e revela o seu lado iconoclasta: Estive agora mesmo com uma imagem de Nossa Senhora das Dores na mão. É um pequeno registro nitidamente litografado, com este letreiro por baixo: “Esta é a cópia fiel da milagrosíssima imagem de Nossa Senhora das Dores que se venera na igreja da Candelária do Rio de Janeiro, a qual mandou esculpir em Roma e por suas mãos sagrou com indulgências plenárias o Santíssimo Padre Pio VI.” Talvez me achem estúrdio; mas eu cuido que as linhas transcritas trazem um vivíssimo aroma de paganismo. Que a mãe de Deus tem o poder de fazer milagres, é ponto de fé, que nenhum católico se lembrará de contestar. Mas que uma determinada imagem tenha especialmente esse poder, e adquira por isso o título de milagrosíssima, é levar muito longe a ficção religiosa. A Virgem pode fazer milagres, nunguém o contesta; mas estender essa faculdade da Virgem, que está lá no céu, à imagem fabricada pelo Sr. Fulano dos Anzóis, e estendê-la com especialidade, se não é paganismo, tem as suas mesmíssimas feições. Reduzamos a coisa aos termos práticos. Dois fiéis pedem favores à 480 Virgem; um vai orar diante da imagem da Virgem das Dores, que está em Sant’Ana; outro recorre à imagem que está na Candelária. Se a razão não está do meu lado, Nossa Senhora faz o seguinte raciocínio: Há muita fé naquele que recorreu à minha imagem de Sant’Ana; mas o outro teve a boa idéia de recorrer à imagem da Candelária. Favoreço o da Candelária. A imagem que está em Sant’Ana é milagrosa; mas a da Candelária é milagrosíssima. Fig. 341 – O Dr. Semana cheio de indignação. Semana Illustrada, 02 jul. 1865, p. 1896. DiORa-FBN Dr. Semana: – Moleque, escreve, escreve já. Moleque: – O que? o que, meu nhonhô? Dr. Semana: – Escreve a S. Santidade que mande escomungar incontinenti esses padres paraguaios, que profanam a religião Santa de Jesus Cristo, e zombam do Porteiro Celeste, dando passaportes aos soldados, e declarando-lhes que eles podem entrar no céu!... Oh! tanta hipocrisia, astúcia e fanatismo indignam o homem mais indiferente… Mas breve tudo pagará esse selvagem, causa de tantos males… Era na questão racial, a nosso ver – mais especificamente, na questão da escravidão – que estava a principal fragilidade da Semana Illustrada, em relação aos concorrentes e adversários que enfrentou em sua trajetória. Quando surgiu, em 1860, o cenário era distinto daquele, que ganhara novas tintas, ao final do conflito contra o Paraguai, dez anos mais tarde. Em um de seus estudos sobre a cidadania no Brasil, José Murilo de Carvalho traça um panorama da escravidão no Brasil e nos lembra que além do cristianismo não condenar a escravidão, sustentado pela interpretação de que a própria Bíblia a admitia, muitos libertos eram também possuidores de escravos. Citando números expressivos neste sentido, extraídos da obra da historiadora e cientista política Kátia Mattoso, ele comenta: “Esses dados são perturbadores. Significam que os valores da escravidão eram aceitos por quase toda a sociedade. Mesmo os escravos, embora lutassem pela própria liberdade, embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar os outros. [...]” 536 O próprio Henrique Fleiuss, como vimos no subcapítulo 2.1 – assim como o Dr. Semana – era proprietário de escravos. 536 CARVALHO, 2002b, p. 49. 481 Eis aí, portanto, outro aspecto que ainda pode render boas reflexões e estudos, já que a publicação da Semana inclui o período em que os debates sobre a abolição do trabalho escravo se intensificavam; quando ocorreu, inclusive, a assinatura da Lei do Ventre Livre – no ano seguinte ao término da guerra. Frequentemente acusado de servilismo, de ser um tipo ataviado e de viver de sinecuras, o fato é que o Moleque resiste, enquanto espera por novos olhares sobre a sua performance. É bem possível que a reflexão desenvolvida em O teatro das sombras por José Murilo de Carvalho, quando trata da política da abolição no segundo reinado, se aplique ao caso da Semana Illustrada: “Se, na expressão muitas vêzes usada na época, a escravidão era o cancro que corroía a sociedade, ela era também o princípio que minava por dentro as bases do Estado Imperial, e que, ao final, acabou por destruí-lo.” 537 Fig. 342 – Semana Illustrada, 23 set. 1866, p. 2409. DiORa-FBN “– Moleque, aqui está a carta da tua alforria; resolvi dar-te a liberdade. – A liberdade! beijo-lhe as mãos, meu nhonhô, mas não a aceito. Que mais liberdade quero eu num país, onde há liberdade demais. Nós não devíamos libertar os Moleques, devíamos, pelo contrário, revogar a liberdade dos que andam por aí, gritando pelas esquinas e pelas ante-salas!” Localizamos um único trabalho acadêmico sobre a questão racial na Semana Illustrada; a dissertação de mestrado de Karen F. R. de Souza 538 que procura analisar, a partir dos cartuns e das crônicas daquele semanário, os artifícios literários que estruturavam a narrativa do jornal 537 CARVALHO, 2007b, p. 293. As cores do traço : paternalismo, raça e identidade nacional na Semana Illustrada (1860-1876), de Karen Fernanda Rodrigues de Souza. Dissertação de Mestrado em História, Unicamp, 2007. 538 482 quanto a algumas questões específicas – paternalismo, raça e identidade nacional – com destaque para a representação das relações entre senhores e escravos como exposta nas suas páginas, numa estratégia que interagia com os debates sociais mais amplos do período, buscando ao mesmo tempo “educar as elites nacionais, de modo a aproximar o país de um ideal de civilização que tinha na Europa seu modelo.” Diz a autora, sobre o Dr. Semana e o Moleque: Este, um menino escravo com autonomia para colaborar no jornal, casar, ter filhos, falar em nome de seu ‘nhonhô’ e censurar tanto personalidades quanto acontecimentos do período. Já o doutor personificava as idéias nobres do semanário, preocupando-se, sobretudo, com o engrandecimento e progresso da nação brasileira. Essa dupla é essencial para compreendermos o hebdomadário, pois surgem em grande parte dos desenhos existentes em suas páginas e, além disso, também assinam vários dos seus escritos. Desse modo, para comentar os mais variados assuntos da época, os produtores da Semana Illustrada utilizavam-se quase sempre do diálogo e do contraponto entre esses dois ‘personagens-narradores’. 539 Fig. 343 – Semana Illustrada, 09 maio 1869, p. 3505. DiORa-FBN “ – … tu não entendes disto, porque a tua alma é tão preta como a tua cara. – É nhonhô; porque a minha alma traja sempre nojo pelas misérias da humanidade…” Para Karen Souza, “evidenciava-se a tentativa de apresentar aos leitores uma possível saída para o relacionamento entre indivíduos cativos e o restante da sociedade brasileira na época. Forma e conteúdo apresentam-se assim de modo indissociável, em opção narrativa cuja originalidade só pode ser entendida no diálogo direto com os debates do tempo.” Um certo paternalismo, na relação senhor-escravo, poderia ser bom caminho para a harmonia segundo Fleiuss. 539 SOUZA (2007, p. 14). 483 Fig. 344 – Semana Illustrada, 28 jan. 1866, p. 3040. DiORa-FBN Fig. 345 – Semana Illustrada, 03 set. 1865, p. 1968. DiORa-FBN 484 Fig. 346 – Lado a lado e com humor, as páginas da Semana retrataram as distintas situações em que se encontravam os africanos e afro-descendentes que residiam na sede da corte. Semana Illustrada, 13 de maio de 1866, p. 3159. DiORa-FBN A nota redigida [por Henrique Fleiuss?] na Semana Illustrada por ocasião da publicação da memória apresentada à Academia Imperial de Medicina pelo Dr. Nicolau Joaquim Moreira 540 intitulada Questão étnica-antropológica: o cruzamento das raças acarreta degradação intelectual do híbrido resultante?541 deixa clara a posição acerca do tema da miscigenação, tão em voga naqueles tempos, quando a pressão pela abolição da escravatura aumentava e a imigração chinesa, entre outras opções de mão-de-obra, era motivo de acalorados debates. Naquele ano, apenas uma memória havia sido enviada por um médico bávaro, em atendimento ao tema do concurso anual. Depois de informar que Moreira havia feito restrições ao trabalho, ao qual propunha apenas o segundo prêmio, o texto afirma: “O Sr. Dr. Moreira esteve sempre na altura do assunto, de que fez elegante e claríssima exposição, dando assim mais uma prova de sua boa inteligência e muito saber.” É Silvio Cezar de Souza Lima quem esclarece o que se passava em torno daquele episódio: “Em sua classificação do tipo ideal de imigrante, [Nicolau Moreira] era influenciado pelas teorias raciais que circulavam pela Europa e Estados Unidos defendidas por naturalistas e médicos como Paul Broca, Josiah Nott 540 Semana Illustrada, 12 set. 1869, p. 3655. Sobre o assunto, ver: Determinismo biológico e imigração chinesa em Nicolau Moreira (1870-1890), dissertação de mestrado de Silvio Cezar de Souza Lima, 2005. 541 485 e Louis Agassiz. Nicolau Moreira condenava a miscigenação entre as ‘raças’, pois considerava o mestiço de ‘raças diferentes’ biologicamente inferior aos homens representantes das ‘raças puras’, idéias que ocupavam lugar fundamental em seu discurso sobre imigração. Em seus escritos e discursos, mostra-se absolutamente contra a vinda de imigrantes chineses para o trabalho agrícola, alegando que a miscigenação com os asiáticos concorreria ainda mais para a degeneração do brasileiro. (LIMA, 2006, p. 8) Como se vê, face à necessidade de buscar alternativas de controle social, uma vez que o velho regime escravista aproximava-se de seu ocaso, muitas idéias e teorias científicas de cunho racial tomaram corpo, sendo adotadas por intelectuais e políticos de renome e tendo lugar, também, nas páginas da Semana Illustrada. Tal situação se acentuou após a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871. Reside aí um dos motivos da cerrada oposição e dos ataques sofridos por Fleiuss, originados d’A Vida Fluminense de Angelo Agostini, cuja publicação iniciou-se em 1868. Em 19 dez. de 1869 (n. 471 da Semana Illustrada), à página 3766, numa seção de máximas e pensamentos intitulada ‘Ridículo de primeira intuição’, a primeira já é sintomática: “A aparatosa filantropia dos abolicionistas que não tendo escravos, promovem a todo o pano a liberdade dos escravos alheios”, logo seguida de outra, “A prosápia dos que, fingindo desprezar os favores do poder, correm apressados atrás de uma falsa popularidade, esquecendo que não é esta menos corruptora do que aquele.” Fig. 347 – “Máquina viva de mata moscas. Em uma fazenda, antes do jantar rodeia a mesa um negro calvo, tendo a careca untada de mel: os importunos insetos caem sobre o petisco; e o dono da casa vai matando a pau as moscas, mas de forma, que a máquina possa continuar a servir.” Este cartum demonstra uma das estratégias que foi usada pelo jornal na sua pregação em prol das ‘relações cordiais’ – a denúncia das violências perpetradas por certos senhores contra seus escravos. Semana Illustrada, 01 maio 1870, p. 3916. DiORa-FBN 486 Para Karen Souza, “embora seja difícil afirmar ao certo quem eram os autores por trás dos escritos e das imagens da Semana, suas representações gráficas e textuais servem, no entanto, para mostrar os diversos tipos de tratamento que os afro-descendentes recebiam de alguns representantes das camadas letradas do Império.” Ela ressalta o caráter polissêmico do jornal, que trazia em suas páginas os mais distintos gêneros de textos e imagens: crônicas, contos, romances, correspondência, cartuns e caricaturas, imagens alegóricas, cópias de fotografias. “Muitas vezes”, acrescenta ela, “essas diferentes partes dialogavam sobre o mesmo assunto; porém, nem sempre tratavam-no de forma semelhante ou complementar.”542 Fig. 348 – A questão da imigração do elemento europeu também esteve presente nas páginas do hebdomadário de henrique Fleiuss, o autor deste cartum onde aparecem alguns elementos alegóricos. Semana Illustrada, 28 jan. 1866, p. 3039. DiORa-FBN Outra questão repetida à exaustão, quando se fala de Henrique Fleiuss e da sua Semana Illustrada, refere-se às suas ‘relações com o poder monárquico’ e neste caso, a idéia mais comumente passada é a de um homem bajulador – e sendo assim, de alguém que faria ‘vista grossa’ às fraquezas do sistema vigente. 542 SOUZA (2007, fls. 139-40). 487 Fig. 349 – Semana Illustrada, 05 fev. 1865, p. 1737. DiORa-FBN Fig. 350 – “Sr. Brasil, repare bem. Se todos os seus filhos tivessem o denodo e a generosidade dos oficiais da armada, o senhor podia ficar tranqüilo. Esses bravos, no meio da guerra, cedem para as despesas da mesma, parte do que nobremente vencem e Deus sabe as necessidades com que lutam. Nutrem-se da glória, que já os coroa, e com esse novo ato de patriótica abnegação, deixam nome imorredouro. Honra à marinha nacional.” Semana Illustrada, 11 nov. 1866, p. 2465. DiORa-FBN Herman Lima considera a arte de Henrique Fleiuss “conservadora por excelência” e chega a afirmar que Fleiuss era “intimamente ligado, como vimos [grifo nosso], à vida palaciana”, 488 embora não esclareça como se davam as tais intimidades, afora repetir informações escritas anteriormente, sem qualquer menção a fatos concretos. E continua, afirmando que este aspecto pessoal se reflete, inevitavelmente, na sua obra artística do mesmo modo que nas tendências da sua sátira que, muito embora, tanta vez seja capaz de visar os desmandos dos homens da política conservadora, jamais lhe permitiu incorporar-se ao grupo de demolidores do trono [grifo nosso], constituídos sem exceção, pode-se dizer, pelos demais caricaturistas do seu tempo, os quais, aliás, não lhe perdoavam essa contingência.” (LIMA, 1963, p. 748) Mas incorporar-se ao grupo de demolidores do trono nunca esteve entre os objetivos de Fleiuss. Sua proposta era outra – e mesmo que equivocada em certos aspectos, ele soube defendê-la com clareza, com firmeza e com coragem. E ademais, parece-nos, preservar o trono não implicava, para ele, em preservar quaisquer outros aspectos da regime monárquico nos quais ele enxergasse incorreções, logo transformadas em novos motivos para a risada. Fig. 351 – No período em que a guerra alcançava os mais altos índices de impopularidade, até mesmo o Dr. Semana – sempre acompanhado do Moleque – reivindicou abertamente o seu término, ao índio Brasil. Semana Illustrada, 19 abr. 1868, p. 3065. DiORa-FBN 489 Figs. 352 e 353 – [esq.] “Exame para cabo de esquadra. – Estando de sentinela, se eu passar o que fazes? – Chamo às armas. – E se passar um grupo de ébrios? – Também. – Por que? – Porque V. S. pode estar entre eles.” Se, por um lado, Henrique Fleiuss exaltava os feitos das forças armadas, pelo outro não perdia as oportunidades para fazer chacota de seus elementos – naturalmente, sem ‘dar nomes aos bois’. Semana Illustrada, 19 jul. 1868, p. 3173. DiORa-FBN [dir.] “O Ministro e o pretendente. Pretendente: Meu amigo, eu sou cunhado do deputado Zebedeu, e queria um lugar na... Ministro: Perdão! nós ainda estamos aviando os primos. Volte depois.” No ‘baile do poder’, os gabinetes sucediam-se e seus costumes eram frequentemente castigados. Semana Illustrada, 19 dez. 1869, p. 3765. DiORa-FBN Fig. 354 – “EUROPA: – Então, por aqui também se trata muito de política!... BRASIL: – Aqui, como lá, é uma indústria, como outra qualquer.” A imprensa recebeu severas críticas, no hebdomadário de Henrique Fleiuss, desde seus primeiros dias. De todos os cartuns reproduzidos no subcapítulo, este é o único que não foi publicado no período da guerra contra o Paraguai. Semana Illustrada, 24 dez. 1871, p. 4605. DiORa-FBN Certa vez, Fleiuss escreveu que a inteligência humana inventou a pólvora e a imprensa – “que é mil vezes pior do que a pólvora.” 543 O fato é que desde o início de sua trajetória, Fleiuss combateu diversos de seus parceiros, acusando-os de não trabalharem pelo engrandecimento 543 ‘O jornalismo’, in: Semana Illustrada, n. 5, 13 jan. 1861, p. 34. 490 da nação, ao fazerem críticas e denúncias que tornavam o nosso jornalismo uma “arena de combates singulares em que os dois gladiadores, cobertos com a máscara do anônimo, tentam ferir a reputação, a dignidade, a honra de seu adversário, enquanto que o povo, apinhado nas galerias, aplaude com frenesi e entusiasmo.” 544 Fleiuss sempre combateu o ‘politiquismo’ que imperava no mundo do jornalismo, acusando a imprensa oposicionista de chantagear o governo para obter favorecimento e de destilar “o veneno da maledicência e da calúnia.” 545 Talvez por se sentir, ele mesmo, alvo de críticas pessoais, defendia algumas idéias polêmicas, como a que foi expressa na Semana Illustrada de 19 de novembro de 1865 (p. 2062), intitulada ‘Questão de imprensa’: Anda agora na imprensa uma curiosa questão: duas pessoas acusam-se mutuamente de injúrias, desordens e má vizinhança. Ambas armam processo, uma venceu, outra diz que há de vencer, e nisto vão chovendo os cobres, e vai sofrendo a decência pública. Quando eu dizia, em um dos últimos números, que esta liberdade de imprensa não devia estender-se aos fatos particulares, tinha muita razão. Se não fosse ela, andaríamos agora ao corrente das questiúnculas de vizinhança? Não há outro meio, senhores, reformem a lei neste sentido: g – 1o Liberdade de tratar de assuntos públicos, com assinatura. h – 2o Proibição do anônimo e dos negócios particulares. Fig. 355 – A imprensa da corte preparando-se para a nova assinatura. Semana Illustrada, 10 nov. 1867, p. 2888. DiORa-FBN 544 Idem. Comentário referente ao cartum ‘Escritório dos críticos anônimos e caluniadores’, in: Semana Illustrada, 05 maio 1861, p. 162. 545 491 Ao abordar a trajetória da imprensa brasileira no império, Nélson Werneck Sodré apresenta a Semana Illustrada de Henrique Fleiuss no período que denomina ‘de agitação’, já próximo do fim da Guerra do Paraguai. Primeiro, Fleiuss aparece como o ‘pioneiro da revista ilustrada’, mas logo em seguida – depois de repetidas as mesmas informações genéricas, extraídas das mesmas fontes usadas por Herman Lima e que se repetem ao longo da historiografia – Sodré afirma que a folha “não era crítica, mas fazia campanhas como a da instalação da rede de esgotos no Rio.” Em seguida, como não poderia faltar, ele comenta: “amigo da casa imperial, que sempre prestigiou, como aos governos em geral [grifo nosso], grande desenhista e litógrafo, não era humorista nem crítico.” Fica faltando esclarecer qual seria o conceito de ‘humor’ para o autor da nossa clássica História da imprensa no Brasil. Fig. 356 – Leitura de jornais. [esq.] Um conservador ao ler a Reforma. [dir.] Um liberal ao ler o Dezesseis de Julho. Semana Illustrada, 12 dez 1869, p. 3757. DiORa-FBN Num parágrafo que se inicia abordando a influência que atingiu até mesmo as revistras estrangeiras – periódicos governistas ou neutros, omissos quanto à política do país – seguem a menção ao Paraguai Ilustrado (um periódico que durou apenas quatro meses, em 1865) e em seguida, Sodré volta a atacar o jornal de Fleiuss: [...] quando a Semana deixou de circular O Mosquito lhe traçou o epitáfio corrosivo: “Avançada em anos, sem dentes e vendo pouco, era admirável o apetite da finada – comia tudo e tudo digeria, como no verdor da mocidade. Era uma das melhores convivas da grande mesa do orçamento! [...] O sopro do Tesouro não lhes pode dar vida; mas agora que elas já não existem, ao governo cabe enterrar os mortos e tratar dos vivos. SODRÉ (1983, p. 216-17) Mas Sodré não esclarece se o caso realmente procedia, qual era a fonte específica no orçamento do tesouro que alimentava o apetite da Semana Illustrada – deixa tudo ‘no ar’. 492 Como deixam, invariavelmente, os que se valem deste tipo de argumentação para criticar a postura de Fleiuss. Transparece, no relato de Sodré, a idéia de que tínhamos ali uma nova versão de Justiniano José da Rocha e seu Correio Oficial. Valeria a comparação? Em sua análise historiográfica comparativa das obras de Nelson Werneck Sodré (Brasil) e José Manuel Tengarrinha (Portugal) – “dois nomes incontornáveis na história da historiografia do jornalismo impresso no mundo lusófono” – no que estamos de acordo, Jorge Pedro Sousa ressalta, dentre as conclusões do ensaio, o viés marxista da obra de Werneck: […] da obra de NelsonWerneck Sodré assoma uma história da imprensa ancorada à sua versão da história material do desenvolvimento do capitalismo no Brasil e aos conflitos políticos e militares que se estendiam à imprensa, permanentemente dividida, e que constituem, com as evocações literárias e outras, o pano de fundo de toda a narrativa werneckiana. Mas, curiosamente, tal como acontece, de forma pontual, na obra de Tengarrinha, emerge da História de Sodré uma narrativa em que as ações dos indivíduos fazem a história do jornalismo, embora quase sempre desde a perspectiva da dialéctica da luta de classes ou da oposição entre campos políticos. Isto é, na História da Imprensa de Sodré, os indivíduos agem, essencialmente, como membros de classes sociais e de facções políticas, sendo condicionados nas suas acções individuais, constantemente relevadas na obra, pelos interesses, valores e ideologia da sua classe ou facção. 546 Tratando da questão específica do uso das fontes e da maneira como os fatos são tratados, Sousa acrescenta: Também é perceptível, em ambas as obras, uma certa concepção positivista da história, em que os fatos valem por si, tendo valor de prova mais do que valor de possibilidades ou de hipóteses. Dito de outra forma, embora emirja das obras uma concepção complexa da história da imprensa, vista como o resultado do cruzamento de variáveis pessoais, econômicas, políticas, sociais, culturais e das idéias e mentalidades, não é menos verdade que os autores convocam fatos históricos, que não discutem, para fazerem prova dos seus argumentos e interpretações para o que ocorreu. 547 Em tempos recentes, em outra obra que teve boa acolhida – A batalha de papel. A guerra do Paraguai através da caricatura (1996) – seu autor Mauro César Silveira destaca Fleiuss entre os integrantes do “afinado coro patriótico dos cartunistas que atuavam na corte” (p. 75) e define o conteúdo das páginas da Semana Illustrada como “deslavado ufanismo” (p. 77). Nada muito diferente do que temos visto, quase sempre, nos incontáveis textos que se 546 547 SOUSA, p. 43. Idem, pp. 45-46. 493 propõem a contrapô-lo à outra importante figura do período que foi o cartunista Angelo Agostini. A comparação, quando colocada nestes termos, sempre nos parece reducionista. Nas páginas da Semana, a nível local, Fleiuss sempre se bateu contra a má administração da sede corte, denunciando os problemas enfrentados pelos moradores e a politicagem na ‘Illustríssima’, a câmara dos vereadores. E no âmbito da política imperial, exercitou a sua crítica e a sua ironia – às vêzes de forma sutil, às vêzes de forma direta e explícita – em freqüentes ocasiões e em relação a todos os setores da vida pública. Com exceção da figura dos monarcas – isto é fato – estavam todos na sua mira. O parlamento, os partidos políticos, a igreja, as forças armadas, a própria imprensa (e talvez esteja aí uma das principais razões de seus problemas, afora a questão do elemento servil). Também na sua mira, alguns de nossos traços culturais, a hipocrisia, a estultícia, etc. etc. Assim, parece-nos essencial, para uma avaliação crítica mais ponderada da contribuição de Fleiuss, separar a sua opção monarquista e seu não-engajamento (ou seu meio-engajamento tardio) na campanha abolicionista, do resto – que de resto, nada tem, constituindo-se, sim, em alentada produção que engloba os campos da imprensa periódica ilustrada, das tecnologias de reprodução e da produção gráfica e editorial. Adicionese a isto a verdadeira ‘campanha nacionalista’ que sustentou durante a guerra contra o Paraguai, como vimos no capítulo 5 do presente trabalho. Diminuir a figura de Fleiuss no seu todo, buscando a justificativa numa história das idéias, por exemplo, não parece-nos adequado. Em interessante ensaio-síntese que veio à luz recentemente, acerca da trajetória de nossa imprensa desde o seu surgimento até a modernidade, Isabel Lustosa destaca “a Semana Illustrada do amigo do Imperador, o alemão Henrique Fleiuss” (LUSTOSA, 2009, p. 37) entre os jornais caricaturais que tiveram longa vida e depois descreve as qualidades da folha: “[...] polida, cortesã, veiculava um humor amável [...]”, lembrando ao final da colaboração de Machado de Assis. Como se vê, quando é levado a passeio pelas vias da nossa historiografia, o desdentadodeslavado-ufanista-polido-cortesão-alemão é invariavelmente vigiado, cerceado, criticado e censurado. Poucos estudiosos concedem o reconhecimento do qual, parece-nos, seria merecedor. Falta um olhar e um espírito desarmados e um real interesse em avaliar a sua trajetória por inteiro, em reconhecer a verdadeira dimensão da sua contribuição ao país e à sua 494 história 548 – por tudo que tentou realizar, por tudo que conseguiu realizar, pela dedicação, enfim, a várias das ‘causas nacionais’ de seu período de atuação – da xilografia à cidadania. Outro fato curioso, considerando os relatos que dão conta de Fleiuss haver falecido em novembro de 1882 – sete anos antes do ocaso da monarquia, portanto – amargurado e pobre, é que ninguém parece interessar-se em buscar as explicações – o que se deu com a sua intimidade palaciana? Tampouco se explora a morte do polemista (acima de tudo) Agostini em 1909 – também amargurado e desiludido dos políticos e da República. “Não era aquela com que sonhara”, diz Antonio Cagnin. (CAGNIN, 1996, p. 75) E este aspecto da questão, deixamos propositadamente para o final: quando se menciona Fleiuss, a comparação com Agostini, como já dissemos, está sempre presente; e deste, ninguém diz ‘o italiano naturalizado’, por exemplo, entre outas adjetivações que bem caberiam, face à sua trajetória. Agostini é sempre lembrado pelo abrigo concedido, em suas páginas humorísticas, aos abolicionistas e aos republicanos – e sua contribuição foi sem dúvida muito significativa. Seu relevo na história de nossa imprensa é, também a nosso ver, indiscutível. Mas a ‘bíblia da abolição’ a que se referiu Joaquim Nabuco, menção exaustivamente repisada quando se fala de Agostini, é a Revista Illustrada, um jornal iniciado em 1876, quando termina a Semana Illustrada de Fleiuss, deixando para trás uma trajetória de mais de quinze anos, enquanto que a Revista iniciava, ali, a sua trajetória que avançou por mais de 21 anos, e que no período final já não contava com a colaboração de Agostini, que teve que se ausentar do país por alguns anos. Nada une as duas revistas no tempo, portanto. E cada uma a seu modo e em seu tempo, parece-nos, cumpriu papel relevante. E a leitura d’A Vida Fluminense – este sim, o jornal que Agostini criou para concorrer diretamente com a Semana Illustrada e infernizar a vida de Henrique Fleiuss quando a guerra contra o Paraguai já entrava no seu quarto ano e sua concorrente em seu oitavo ano de publicação – nos mostra um jornal feito à semelhança da folha de Fleiuss, e com o claro objetivo de suplantá-la: em sua cobertura da guerra contra o Paraguai, por exemplo, Agostini não apenas replicou, com muito talento – e fina ironia – diversos aspectos da proposta original de Fleiuss, mas também combateu-o pessoalmente e duramente através de textos e imagens – e disto, especificamente, já tratamos no capítulo 6. Nas palavras de Marcelo Balaban, 548 Justiça seja feita: Pedro Paulo Soares produziu uma dissertação de mestrado acerca da iconografia da Guerra do Paraguai na imprensa ilustrada fluminense onde, tanto Fleiuss quanto Agostini, obtém o merecido reconhecimento pelas suas realizações, cada um a seu modo e em seu lugar (SOARES, 2003). 495 Agostini “[…] produziu um lugar de incerteza e de neutralidade que lhe garantiria espaço entre diferentes grupos. Por definição seu conteúdo era ambíguo […].” Afirmações como a encontrada na obra clássica de Herman Lima, “Fleiuss dedicou-se também, com frequência, a satirizar o ditador paraguaio, no que era acompanhado [grifo nosso], nas páginas da Vida Fluminense, pelo lápis inegavelmente muito mais ágil e corrosivo [grifo nosso] de Angelo Agostini” 549 não se sustentam pelos motivos expostos; até ali, era Agostini quem acompanhava Fleiuss e ademais, as tais qualidades ‘corrosivas’ de Angelo Agostini, embora já presentes, só sobreassairiam mais à frente. Ainda havia, naquele caricaturista, algo do Agostini anterior, que jamais combatera daquela maneira obsessiva a Semana Illustrada, quando atuava no Cabrião ou no Diabo Coxo, ambos de São Paulo. Figs. 357 e 358 – [esq.] Logo no início de seu semanário, Agostini estampa o anúncio da “Grande Regata”, destacando que a disputa seria “honrada com a presença de Suas Magestades Imperiais”. A Vida Fluminense, 11 jan. 1868. [dir.] Duas semanas depois, ao fazer humor com o evento, não se nota qualquer ironia quanto à presença da família imperial. Este tom respeitoso perduraria até o final da guerra. A Vida Fluminense, 25 jan. 1868, p. 39. DiORa-FBN E até mesmo n’A Vida Fluminense, onde seus relatos visuais da guerra também incitavam o sentimento nacionalista e tampouco mostraram a participação dos negros nos combates, o mais célebre cartum estampado – intitulado “De volta do Paraguai” – vem recebendo novas 549 LIMA, 1963, p. 234. 496 interpretações, que buscam perceber as nuances da imagem. Diz Marcelo Balaban (2005, p. 161): “Não se trata de uma imagem abolicionista, mas uma cena criada a partir dos imbróglios jurídicos que cercavam um episódio no qual o Estado precisou intervir na inviolável relação entre senhor e escravo. Se a escravidão já era um problema difícil de ser equacionado, após a guerra tornara-se ainda mais complicado. Esse parece ser o sentido desta imagem, pensar a escravidão no mundo pós guerra, apontar novos problemas sociais naquele instante. […]” 550 Desde seu primeiro fascículo até o final do período ora estudado (a guerra), o jornal de Agostini foi dócil com a monarquia e respeitoso quanto à figura do imperador – jamais publicou uma caricatura do monarca, tampouco. Não demonstrava explicitamente o engajamento na campanha abolicionista – o que só apareceu depois da guerra – e os cartuns referentes aos escravos e libertos eram sempre humorados, sem qualquer tom de denúncia. Em 29 de fevereiro de 1868 (segundo mês de existência do jornal), na série de pequenos cartuns estampados na página dupla intitulada “Carnaval” (pp. 102-103), temos um exemplo do humor empregado por Angelo Agostini na representação dos africanos e afrodescendentes, na sociedade brasileira. Figs. 359 e 360 – Dois detalhes da página dupla intitulada “Carnaval”, assinada por Angelo Agostini. A Vida Fluminense, 29 fev. 1868, p. 103. DiORa-FBN Em 14 de março daquele ano, o texto de abertura do editorial (n. 11, p. 124) diz: 550 Sobre o assunto, ver os capítulos 2.1 (O regresso do voluntário) e 2.5 (O escravo voluntário) da tese de doutorado de Marcelo BALABAN (2005, pp. 55-61 e 135-162), publicada na forma de livro em 2009 (Poeta do lápis, Ed. Unicamp). 497 É hoje um dia de verdadeira festa nacional! É o aniversário natalício de Sua Magestade a Imperatriz, o anjo da guarda dos que sofrem, o símbolo da caridade e da virtude. Governo, autoridades, clero, tropa, povo, correm todos aos templos para implorarem a Deus que prolongue por muitos anos a preciosa vida de sua Magestade. E nos alvergues, nos antros da pobreza, onde só imperam a miséria e o sofrimento, se elevam aos céus ainda mais fervorosas preces, porque é aí principalmente que se aquilata quanto são opulentos os tesouros de virtudes da desvelada mãe de todos os brasileiros! Agostini e sua A Vida Fluminense engajaram-se na campanha bélico-nacionalista-imagética engendrada por Fleiuss, estampando vistas, mapas e diagramas dos combates e os célebres retratos em homenagem aos “mui distintos, bravos e valentes” heróis brasileiros da guerra – uma comprovação de que a fórmula há muito empregada por Fleiuss era mesmo um sucesso. Terminada a guerra A Vida Fluminense estampou no dia 26 de março, em página dupla (pp. 98-99), a “entrada triunfal dos voluntários da pátria na tarde de 23 de fevereiro de 1870”; à página 100, há um pequeno texto intitulado “Assunto de várias cores”, assinado “A. de A.”: A abnegação com que S. M. o Imperador recusou a estátua, que o Império tencionava erigir-lhe, pedindo à comissão respectiva que aplicasse à criação de escolas populares o produto da subscrição para tal fim projetada, é a prova mais significativa do interesse que o Sr. D. Pedro II toma pelo principal elemento do progresso moral do seu país. Embora a instrução pública tenha merecido a mais constante solicitude de Sua Magestade, é força confessar que esse importante ramo de serviço não atingiu ainda no Brasil o grau de perfeição que seria para desejar. […] A abnegação Imperial remove até certo ponto esses inconvenientes; assim a comissão, bem compenetrada dos desejos do Monarca, procure realizá-los de sorte a merecer os louvores da nação. E depois do término da guerra, engajaram-se no preparo das comemorações para a recepção ao conde d’Eu. Em 9 de abril, o editorial (p. 112) dizia: “A questão do dia é a próxima chegada de S. A. o Sr. conde d’Eu à capital do Império. Por toda parte fazem-se subscrições. [...]” Mas depois de divulgar as diversas iniciativas em curso com vistas aos festejos, o texto muda o tom: Sem deixar de considerar muito louváveis todas estas manifestações de gratidão pública, não posso eximir-me ao dever de declarar que, no meu entender, o que me parece, senão mais significativa, pelo menos de um resultado mais real e civilizador, é a da libertação. [...] Esta arranca dos ombros de algumas dezenas de infelizes o manto da escravidão, manto mil vezes pior do que o de Dejanira, porque tolhe a liberdade de ação e de pensamento, martirizando o corpo e aniquilando o espírito. 498 O jornal já está, então, declaradamente engajado na campanha abolicionista, defendendo a emancipação em massa. Há críticas às opiniões contrárias publicadas por outros jornais; há uma incitação ao debate, enfim. Mas no mesmo número, ao criticar o martírio enfrentado pelos voluntários da pátria retornados à corte, onde tiveram que desfilar por longas horas e enfrentar intermináveis discursos políticos, o jornal critica assim, em um cartum, os ‘voluntários das ruas’: “A polícia não achará um meio de impedir que esta súcia de capoeiras, malandros, escravos e vagabundos, a escória da sociedade enfim, se meta em toda a parte diante dos batalhões, por entre as companhias, empurrando o povo, fazendo desordens e tirando por esse modo o caráter sério e digno de uma manifestação popular?” O editorial de 25 de abril (p. 196) reforça o empenho do periódico A Vida Fluminense em demonstrar que estava imbuído do mesmo espírito nacionalista – sobre o qual discorremos ainda mais, ao longo do presente trabalho: A todo momento esperam-se notícias importantes do teatro da guerra. A população nacional e estrangeira da capital do Império prepara-se para festejar dignamente o termo da luta em que há tanto tempo nos vemos empenhados. Por toda parte correm subscrições, agenciando donativos nos diversos quarteirões da cidade e dos arrabaldes. A província do Rio de Janeiro, seguindo o exemplo do município neutro, confiou a comissões patrióticas, compostas das pessoas mais gardas de cada localidade, a tarefa de dirigir os festivos aprestos. As outras províncias, filhas não menos extremosas do que ela, também envidam os maiores esforços para fazerem bem patente seu acrisolado patriotismo. Breve, em todo Brasil, desde o Amazonas até o Prata, se ouvirá um coro solene, um brado uníssono de entusiasmo e de prazer. Além das festas que as comissões patrióricas prepararam, muitos particulares tencionam fazer a expensas suas, nas frentes de suas moradas, brilhntes iluminações, onde refulgirão entre milhares de luzes, flores e bandeiras os nomes dos heróis e as datas dos grandes feitos da presente campanha. [...] Fig. 361 – Agostini também passou a estampar os retratos dos ‘mui distintos, bravos e valentes’ da guerra. A Vida Fluminense, 18 abr. 1868, p. 183. DiORa-FBN Não satisfeito com a sua já expressiva contribuição ao processo nacionalista em curso, como se depreende da leitura do trecho acima, o editor d’A Vida Fluminense ainda comentava que muitas pessoas já não se lembravam com precisão das datas dos principais feitos da guerra e que “algumas pessoas vieram mesmo no escritório da Vida Fluminense tomar apontamentos.” E para prestar um serviço aos seus assinantes, publicava “as datas mais importantes da guerra atual”, uma lista iniciada pela ‘tomada de Paissandú’ em 2 de janeiro de 1865 e terminada pela ‘ocupação do quadrilátero e fuga de López’, em 21 de março daquele ano. No total, estavam listados 25 feitos. Em 30 de abril, a ansiedade continua: “Toda a cidade se transformou em poucos dias num enorme arco de triunfo, que começa em Mataporcos e acaba na rua de Guanabara, nas Laranjeiras. Todos os olhos estão fitos na barra, para ver quando assoma ao longe a negra pluma de fumaça do transporte Galgo, a cujo bordo vem S. A. o Sr. conde d’Eu. Todos os ouvidos esperam sôfregos a prometida girândola do Castelo.” Agostini estampou retratos em homenagem ao conde d’Eu e depois, ao falecimento da duquesa de Saxe. Ainda em 2 de dezembro de 1872 (pp. 802-803) o jornal declarava: “É hoje o aniversário de S. M. o Imperador. Seja-me lícito, cá do meu cantinho, saudar o monarca, a quem o Brasil e os estrangeiros nele residentes tanto devem. A. de A.” Mas não há dúvidas de que a polêmica que Agostini tentou sustentar, insistentemente e em vão, contra Henrique Fleiuss (que ignorava as provocações) durante o período final da Guerra contra o Paraguai, através de suas acusações e dos cartuns que publicou visando demoli-lo através das figuras do Dr. Semana e seu Moleque, muito contribuíram para depreciar a imagem da Semana Illustrada. Talvez o ‘alemão’ não soubesse como sustentar aquele tipo de polêmica, ou simplesmente não o desejava. Talvez existam outros motivos, que desconhecemos. O depoimento de José do Patrocínio por ocasião da morte de outro célebre polemista, Bordallo Pinheiro, retrata bem o espírito daqueles tempos da polêmica: “Usávamos da liberdade de que os moços se investem, e que é filha do desprezo de uma confiança quimérica no futuro. Éramos artistas à Victor Hugo: nove partes de vaidade e uma de interesse. Convertíamos as contrariedades em bom humor, ridicularizávamos as carrancas ameaçadoras do destino, pouco se nos dava que o mundo desabasse, contanto que não perdêssemos a pilhéria do dia...551 551 Perfil de Bordallo Pinheiro, publicado por José do Patrocínio em A Notícia por ocasião da sua morte, em janeiro de 1905. Apud: ANDRADE, 2004, p. 200. 500 Pois este gênero de embate era moda por aqui, no século 19. Alexei Bueno nos lembra que “essa paixão brasileira pela polêmica é, como aliás quase tudo, de inegável origem lusitana.” (DUELOS, 2005, pp. 11-16). E o duelo havido entre Angelo Agostini (que já havia suscitado uma grande polêmica na sua passagem por São Paulo) e Raphael Bordallo Pinheiro, por exemplo (que aliás, era português) serve como prova. E foi Agostini quem começou, explorando o fato de Bordallo conciliar sua conhecida profissão com as atividades da Valle e Silva, empresa portuguesa dedicada ao fabrico e exportação de chouriço e carne de porco. Os dois duelaram duramente e por um bom tempo – nas páginas da Revista Illustrada, por um lado, e do Psit!!! e d’ O Besouro, pelo outro. 552 Depois de sofrer dois atentados, Bordallo voltou para Portugal, “mas sempre conservando belas lembranças do tempo em que aqui passou.” (CAGNIN, 1996, p. 75) E quando retornou ao Rio de Janeiro em 1899, recebeu homenagens, através do Don Quixote, o novo jornal de Agostini, que inclusive publicou a nova carta de despedida do grande artista e jornalista português. Seria justo, hoje, lançarmos um olhar histórico para Fleiuss taxando-o, de saída, de ‘amigo do imperador’, acusando-o de servilismo em relação à elite imperial e esquecendo ou evitando, até, reconhecer o seu empenho, que seja, no sentido de fomentar o sentimento nacionalista e a unidade nacional, por exemplo? De um ponto de vista da historiografia contemporânea – de suas obras ‘clássicas’, ao menos – ter sido amigo [e foi?] e admirador do Imperador [isto foi] tornou-se algo profundamente demeritório, o que acabou por ofuscar a sua produção, que estende-se muito além das caricaturas e do jornal no seu todo, incluindo diversas importantes realizações no campo estritamente gráfico e da comunicação visual, como já dissemos repetidas vezes. O verdadeiro sentido, o verdadeiro significado e o enorme privilégio que foi, para nossos antepassados, ter presenciado em primeira mão o duelo estabelecido entre aquelas duas figuras [naquele momento, nem tanto] antagônicas (Fleiuss x Agostini), parece-nos, acabou simplificado e obscurecido pelo tempo. Episódios como o “ruidoso incidente” havido em princípios de 1876, em razão da publicação de uma caricatura do Duque de Caxias em O Mosquito (o mesmo jornal citado por Nelson Werneck Sodré!) e que deixou três estrangeiros na berlinda – Luis Borgomainério, Angelo Agostini e Rafael Bordallo Pinheiro – contribuíram para isso e precisam ser reavaliados, à luz de nossos tempos. 553 552 553 CAGNIN, 1996 , pp. 56-79. O ensaio intitula-se Bordallo x Agostini. “Nestas mal-tratadas... intrigas”. Sobre este assunto, ver p. ex.: ANDRADE, 2004, pp. 55-56. 501 Desde quando os historiadores franceses iniciaram há mais de oito décadas, com os Annales, uma verdadeira revolução na maneira de se fazer história, muito caminhamos, muito evoluímos – inclusive no Brasil. Mas no campo específico das imagens, é certo, há muito ainda por fazer em nosso país, no sentido de superarmos aquela mesma “boa dose de ingenuidade analítica” a que se refere José Murilo de Carvalho (CARVALHO, 2000, p. 124), quando discorre sobre a trajetória da história das idéias no Brasil. Voltemos, ainda, à questão da citação de O Mosquito para avaliar o legado da Semana Illustrad