Subido por Marc Cerrogrande

106760441-Fisica-Nuclear-e-Particulas-Subnucleares-Capitulo-1-S-S-Mizrahi-D-Galetti

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Capítulo 1
Introdução
1 Introdução
1
1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Notação e nomenclatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.3 Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas
subnucleares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4 Peso-atômico e abundância isotópica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.5 Energia nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica . . . . . 24
1.7 Apêndice A: A seção de choque de Rutherford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
1.8 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.9 Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementares
recomendados como leitura adicional/complementar . . . . . . . . . . . . 41
1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica
A Física Nuclear trata de uma grande variedade de temas relacionados com a natureza
das interações entre os constituintes dos núcleos atômicos – que, no que segue, poderemos nos referir apenas como núcleos –, e com propriedades dos fragmentos resultantes
de colisões de partículas subatômicas, ou de radiação electromagnética, com núcleos,
e mesmo de núcleos com outros núcleos. Em síntese, a finalidade de seu estudo é compreender a estrutura nuclear, desvendar como seus constituintes interagem, explicar a
estabilidade nuclear e, por fim, apresentar uma teoria geral condizente com os dados
empíricos. O leitor mais interessado poderá encontrar na internet [www.asercriada]
uma imensa quantidade de informações sobre o assunto, especialmente no que diz respeito à parte histórica, onde também está disponível a maioria dos artigos seminais
que reportaram as descobertas fundamentais, podendo também encontrar traduções
para o inglês de artigos originalmente escritos em outros idiomas.
A fim de conduzir o leitor na cronologia das descobertas e avanços da Física Nuclear, faremos aqui uma breve retrospectiva histórica das principais etapas do seu
1
Mizrahi & Galetti
2
Capítulo 1.
Introdução
desenvolvimento. Nesse sentido, uma pergunta pertinente poderia ser feita: Qual
foi o evento determinante que poderia ser considerado, de alguma forma, como um
marco inicial para a Física Nuclear? De fato, a partir do final do século XIX, muitas
pesquisas e descobertas foram feitas e teorias foram propostas – todas importantes
e inter-relacionadas –, e dificilmente seria possível apontar um único evento, e tampouco fixar uma única data, mesmo em uma reconstrução histórica sem o rigor que
seria exigido por um historiador de ciências. Ainda assim, somos tentados a fixar dois
momentos específicos quando ocorreram acontecimentos mais marcantes: em 1911,
quando foi proposto, com base em resultados experimentais e análises quantitativas, o
primeiro modelo do átomo que propunha a existência de um núcleo de tamanho finito
e em 1932, quando o nêutron foi descoberto1 , o que permitiu a elaboração da primeira
teoria do núcleo.
O físico Ernest Rutherford (PNQ-1908)2 inferiu a existência do núcleo atômico
e determinou o seu tamanho após analisar os resultados experimentais obtidos pelos
físicos Hans Geiger e Ernest Marsden, que trabalhavam em seu laboratório na Universidade de Manchester. Em essência, os experimentos consistiam em fazer incidir
partículas α (posteriormente identificadas como átomos ionizados do elemento hélio),
provenientes de uma fonte radioativa, sobre folhas metálicas muito finas, com cerca de
4 µm (1 micrômetro = 10−6 m) de espessura, e estudar os padrões de espalhamento
das α’s. Em 1909, Rutherford havia sugerido tentar detectar partículas α defletidas em
grandes ângulos. Poucos dias depois da sugestão eles o informaram [1] que haviam conseguido observar que uma pequena fração (1 : 20 000) de α’s era espalhada em ângulos
traseiros (ângulo polar θ > π/2)3 . Esta constatação empírica foi de fundamental importância para que, em 1911, Rutherford pudesse enunciar a sua teoria sobre a estrutura
atômica. Na Figura 1.1 temos uma representação pictórica de partículas α incidindo
sobre um alvo e possíveis trajetórias em diversos ângulos de espalhamento.
A concepção dominante até 1911 estava ancorada no modelo atômico de Joseph
John Thomson (PNF - 1906)4 , onde a carga positiva estaria uniformemente distribuída
em uma esfera do tamanho do átomo; cálculos precisos indicavam que, nessa configuração, a deflexão de uma partícula α resultaria de múltiplos espalhamentos e o desvio total, relativamente à trajetória inicial, deveria ser pequeno. Porém, este resultado teórico
entrava em contradição com os dados que provinham das medições feitas por Geiger e
1
O período entre 1911 e 1932 poderia ser chamado de era pré-Física Nuclear, pois os conhecimentos
sobre a estrutura do núcleo e seus constituintes eram ainda vagos, existindo apenas hipóteses e conjecturas.
2
Laureado com o Prêmio Nobel de Química em 1908. Doravante, a sigla PNQ-xxxx ou PNF-xxxx, ao lado
de um nome ou nomes, indicará que as pessoas citadas receberam o prêmio Nobel em Química ou Física, no
ano xxxx.
3
Para se ter uma idéia das frações envolvidas, os autores reportam 1 : 1 000 α´s com desvios em um
ângulo no intervalo (00 , 900 ) e 1 : 200 000 para (1500 , 1800 ).
4
Em 1910, Thomson – o mesmo que descobriu o elétron – propôs o chamado modelo de “pudim de
ameixa” para o átomo. Este foi concebido como uma esfera com massa contendo uma carga elétrica positiva
uniformemente distribuída e os elétrons, objetos pontuais de carga elétrica negativa, ficam distribuídos nessa
esfera como ameixas em um pudim. A carga total é então nula, assegurando-se, portanto, que o átomo é
eletricamente neutro, de acordo com o que se sabia então. Este modelo fora sugerido no início do século XX
por Lord Rayleigh.
Mizrahi & Galetti
1.1
Física nuclear: uma retrospectiva histórica
3
Figura 1.1: Algumas poucas α’s são espalhadas em ângulos traseiros.
Marsden. Elas indicavam que a força que espalhava uma partícula α, e que era responsável pelas grandes deflexões, se originaria de uma única colisão devida a uma partícula
massiva5 , com carga elétrica positiva, que estaria confinada no centro do átomo, em
uma região bem menor que o seu tamanho, e não devido à soma de vários pequenos
espalhamentos.
Em dois artigos seminais [2], publicados em 1911 e 1914, Rutherford refutou o modelo atômico de Thomson, substituindo-o pelo seu próprio, no qual os elétrons orbitariam
um núcleo carregado positivamente – em analogia aos planetas em torno do Sol – situado no centro do átomo. O espalhamento de α’s a grandes ângulos ocorre quando estas
chegam bem perto do núcleo, e a maioria das α’s não sofre espalhamento porque atravessa regiões dentro do átomo que são blindadas pelos elétrons, sentindo, portanto, bem
menos intensamente as forças das cargas nucleares. Neste sentido, deve-se apontar que
Hantaro Nagaoka havia proposto um “modelo saturniano” (um modelo inspirado em
uma proposta de James Clerk Maxwell) para o átomo em 1904, embora este modelo
considere, equivocadamente, que a radiação emitida pelo átomo provém do movimento
mecânico dos anéis de elétrons e a radioatividade beta corresponda à ruptura de um
desses anéis6 .
Os desvios das trajetórias das α´s são causados por uma força repulsiva central
de natureza coulombiana cuja energia potencial é (2e) (Ze) /r, onde o fator 2e corresponde à carga elétrica da α, Ze é a carga elétrica do núcleo (−e é a carga elétrica
do elétron), r é a distância entre a partícula α e o centro espalhador no referencial do
5
Embora a palavra massiva não seja encontrada nos dicionários da língua portuguesa, nós a usaremos
regularmente com o sentido de "com massa".
6
Em seu trabalho, Nagaoka diz que o seu modelo apresenta estabilidade e difere do modelo saturniano de
Maxwell, por considerar que as partículas negativamente carregadas, distribuídas em um círculo, se repelem,
em contraste com massas de satélites, que se atraem [3]. Do ponto de vista histórico, anteriormente, já em
1901, Jean Baptiste Perrin havia proposto um modelo núcleo-planetário para o átomo [4].
Mizrahi & Galetti
4
Capítulo 1.
Introdução
centro de massa (RCM). A fração de partículas α defletidas (por unidade de tempo) –
em relação ao fluxo de α´s incidentes, por um centro espalhador pontual –, que caem
em direção normal sobre uma unidade de área de uma superfície, fazendo um ângulo θ
com a direção de incidência das α´s, é medida pela seção de choque diferencial, que é
escrita como [5]
µ
¶2
0, 36
1
(2Z)2
[b] .
(1.1)
T [M eV ])
sin4 (θ/2)
Nesta fórmula a energia cinética da α, T , deve ser expressa em unidades M eV (esta
unidade de energia, típica da Física Nuclear, será definida na seção 1.3) e a seção de
choque resulta ter dimensão de área, mas sendo o cm2 uma quantidade muito grande
para expressar as dimensões atômicas, usa-se a unidade barn (b) onde 1 b = 10−24 cm2 .
A dedução da seção de choque (1.1) está feita no Apêndice A.
A constatação de colisões frontais (θ = π) de α´s por diversos elementos (folhas de
ouro, prata, cobre, etc.) e a existência de discrepâncias entre o que fora medido e a previsão da expressão (1.1), levou Rutherford a inferir que os núcleos atômicos não seriam
objetos pontuais, mas teriam um tamanho finito de formato aproximadamente esférico
com raio menor que 10−12 cm, dimensão linear cerca de 50 000 vezes menor que o
tamanho do átomo. Em suma, os núcleos seriam muito pequenos comparativamente ao
tamanho do átomo, mas teriam uma estrutura onde praticamente toda a massa do átomo
estaria concentrada e carregariam uma carga elétrica positiva, veja a Figura 1.2.
Figura 1.2: Representação artística do modelo “pudim de ameixa” de Thomson e do modelo
“planetário” de Rutherford. As figuras estão fora de escala para facilitar a visualização.
Em 1913, Niels Bohr (PNF-1922) aperfeiçoou o modelo de Rutherford com a introdução de conceitos quânticos para explicar a estabilidade das órbitas eletrônicas e a
emissão de radiação: ele postulou que as órbitas dos elétrons deveriam ser quantizadas,
Mizrahi & Galetti
1.1
Física nuclear: uma retrospectiva histórica
5
significando que elas poderiam existir somente a certas distâncias específicas do núcleo
[6]. Este foi um modelo bastante sofisticado para a época, embora incompleto pois só
se aplicava para órbitas circulares. Em 1916, Arnold Sommerfeld melhorou o modelo
incluindo efeitos relativísticos, o que permitiu a inclusão de órbitas elípticas, e passou
a ser conhecido como modelo atômico de Bohr-Sommerfeld, tornando-se o principal
ingrediente da chamada velha teoria quântica7 .
Embora tenham ocorrido vários avanços no estudo dos núcleos no período entre
1911 e 1932, a estrutura nuclear ainda era desconhecida, muitos modelos haviam sido
propostos, mas nenhum apresentava uma explicação convincente, pois faltavam fatos
observacionais essenciais para uma formulação teórica consistente. Repentinamente,
em 1932 e 1933 aconteceram descobertas e avanços científicos importantes que possibilitariam, a partir de então, o avanço acelerado das pesquisas em Física Nuclear e em
Física das Partículas Elementares. De maneira informal, o físico britânico Arthur Eddington propôs o ano de 1932 como um marco zero da Física Nuclear [10], que ele
denominou annus mirabilis8 devido aos seguintes fatos (que serão analisados em mais
detalhes em capítulos subseqüentes) :
(1) No laboratório Cavendish (Universidade de Cambridge) James Chadwick (PNF1935) descobriu a existência do nêutron, que veio a se somar ao próton9 e ao elétron, que
eram até então as únicas partículas elementares conhecidas. O nêutron, uma partícula
eletricamente neutra e com massa muito próxima à do próton (foi também chamada próton neutro), foi detectado na colisão de uma partícula α com um núcleo de berílio-9; no
processo representado pela forma,
α + 94 Be → 12
(1.2)
6 C + n,
a partícula α é aborvida e ambos perdem suas identidades. A seguir, o sistema transformase em um núcleo de carbono-12 e um nêutron é ejetado10 . Entretanto, já em 1920, em
uma conferência internacional, Rutherford havia sugerido a existência do nêutron e anos
mais tarde, em 1930, Walther Bothe (PNF-1954) e Hans Becker, assim como Irène
Curie e Fréderic Joliot-Curie (PNQ-1935, ambos), já haviam constatado a presença
7
Sobre este tema veja os textos de M. Born [7], de A. E. Ruark e H. C. Urey [8], e também o de L.
Brillouin [9]
8
Ano maravilhoso.
9
Depois da descoberta do elétron por Thomson em 1897, imaginou-se que deveria haver centros de carga
positiva dentro do átomo a fim de contrabalançar as cargas negativas dos elétrons e assim permitir que os
átomos fossem eletricamente neutros. A descoberta do núcleo por Rutherford permitiu localizar uma carga
positiva concentrada no centro do átomo, ocupando um volume comparativamente ínfimo. Em 1919, fazendo
incidir partículas α sobre certos elementos, Rutherford descobriu que poderia transmutá-los em outros; e,
no início de 1920, diversos experimentos de transmutação estavam sendo feitos na comunidade científica.
Como nestes experimentos núcleos de hidrogênio eram também ejetados, tornava-se evidente que o núcleo do
hidrogênio deveria ter um papel fundamental na estrutura do átomo. Comparando razões de massas nucleares
para cargas, percebeu-se que a carga positiva de qualquer núcleo poderia ser considerada como um múltiplo
inteiro da carga do núcleo de hidrogênio. Já no fim de 1920, os físicos se referiam ao núcleo do átomo de
hidrogênio como “próton”, palavra cunhada pelo próprio Rutherford. Portanto, pode-se considerar o ano de
1920 como o da descoberta do próton, embora não fique clara a indicação de um descobridor único.
10
A notação (1.2) será usada para descrever colisões, também chamadas reações nucleares, que serão
definidas de forma mais precisa no capítulo 2.
Mizrahi & Galetti
6
Capítulo 1.
Introdução
de uma radiação "estranha", mas não a identificaram com o nêutron. Neste contexto,
uma história interessante é contada pelo físico Emílio Segrè (PNF-1959) [11]: a partir
dos dados experimentais de Bothe-Becker e Curie-Joliot, o perspicaz e enigmático Ettore Majorana11 já conseguira vislumbrar que se tratava de um “próton neutro”, mas
mesmo com o incentivo de Enrico Fermi (PNF-1938), alegando motivos pessoais, ele
decidira não publicar sua idéia.
(2) Também no laboratório Cavendish foi realizada a primeira desintegração nuclear
artificial por John D. Cockroft e Ernest T. S. Walton (PNF-1951, ambos). Usando um
acelerador por eles construído, verificaram a reação
p + 73 Li −→ α + α + 17 M eV,
(1.3)
significando que um próton é absorvido por um núcleo de lítio-7, dando como resultado,
após a colisão, a desintegração do sistema em duas partículas α, que emergem com
energia cinética de cerca de 8, 5 M eV para cada uma.
(3) Nos Estados Unidos Carl D. Anderson (PNF-1936) e Seth H. Neddermayer
descobriram o pósitron e+ (elétron com carga elétrica positiva), partícula elementar prevista por Paul A. M. Dirac (PNF-1933) a partir das soluções da sua equação relativística
para o elétron (equação de Dirac).
(4) Também nos Estados Unidos, o químico Harold. C. Urey (PNQ-1934) e colaboradores descobriram o deutério, um átomo de hidrogênio cujo núcleo é constituído de
um próton e um nêutron.
(5) Na Alemanha, Werner Heisenberg (PNF-1932) propôs a primeira teoria para
o núcleo atômico, sugerindo que um núcleo seria constituído de A (número de massa)
núcleons12 , dos quais Z (número atômico) seriam prótons e N = A−Z nêutrons, que se
manteriam coesos por fortes forças atrativas, para contrapor-se à repulsão coulombiana
que atua entre os prótons. Em suas propriedades físicas, os núcleos difeririam entre si
pelos números A e Z. Na mesma época, D. D. Iwanenko e Majorana também chegaram
à mesma concepção para a estrutura nuclear.
(6) Em 1933, na Itália, Fermi desenvolveu a sua teoria sobre o decaimento β dos núcleos radioativos, propondo a existência de um novo tipo de interação entre as partículas
elementares, a interação fraca. Por decaimento β entende-se o fenômeno de transmutação de um elemento de número atômico Z, para um outro com Z + 1 e a emissão
concomitante de um elétron; a soma do número de prótons e nêutrons é conservada.
11
Majorana, engenheiro por formação, foi um físico italiano muito talentoso – conforme reconhecimento
feito pelo próprio Enrico Fermi – desapareceu em uma viagem de navio entre a Itália continental e a Sicília,
aos 31 anos de idade, poucos meses após ter sido nomeado catedrático na Universidade de Nápoles. Outras
histórias e anedotas são contadas por Laura Fermi [12], esposa de Fermi. Por exemplo:
“Majorana era um gênio, um prodígio em aritmética, um portento em visão e potência mental, a mente
mais profunda e crítica de todo o prédio da Física. Ninguém precisava de uma régua de cálculo, ou de calcular
por escrito, quando Majorana estava por perto. ‘Ettore, qual é o logaritmo de 1538?’ perguntava um. Ou,
‘qual é a raiz quadrada de 243 vezes 578 ao cubo?’ Certa vez ele e Fermi competiram: Fermi com lápis, papel
e uma régua de cálculo; Majorana apenas com sua mente. Empataram!”
12
Núcleon é uma designação para próton e nêutron indistintamente. Pode-se considerar que espectroscopicamente o próton é o estado fundamental do núcleon e o nêutron é o primeiro estado excitado, pois no estado
livre seu tempo de vida-média é de cerca de 15 minutos, decaindo para o próton por interação fraca.
Mizrahi & Galetti
1.1
Física nuclear: uma retrospectiva histórica
7
Uma nova partícula está presente nesse processo – cuja descrição deve estar contida na
teoria –, o neutrino13 , assim batizada por Fermi porque, como o nêutron, ela não tem
carga elétrica, mas sua massa é muitíssimo menor que a do nêutron. Historicamente, a
proposta dessa partícula veio de Wolfang Pauli (PNF-1945), em 1930, para dar conta
do princípio de conservação da energia no decaimento β, mas foi na teoria de Fermi que
ela entrou para o rol das partículas elementares subatômicas, mesmo sem ter sido até
então detectada, o que só veio a ocorrer em 1956.
Mesmo que concordemos com Eddington e adotemos 1932 como o ano zero da
Física Nuclear, devemos reconhecer que, fora a descoberta de Rutherford, inúmeras
outras grandes descobertas na física haviam sido feitas anteriormente e que foram fundamentais para o desenvolvimento da Física Nuclear e das Partículas Elementares. A
seguir, faremos uma breve apresentação, em ordem cronológica, dos principais marcos
científicos pré-1932, que estão na origem da procura por uma teoria harmoniosa sobre
a constituição e a origem da matéria:
• 1895 - Na Alemanha, Wilhelm Roentgen (PNF-1901) descobriu os raios X.
• 1896 - Na França, Henry Becquerel (PNF-1903) descobriu a propriedade radioativa do elemento natural urânio.
• 1897 - Na Inglaterra, Thomson descobriu que os raios catódicos eram constituídos de partículas eletricamente carregadas; individualmente identificou-se o
elétron, que se tornou a primeira partícula elementar a ser desvendada.
• 1899 - Rutherford identificou os raios α e β, emitidos pelo elemento rádio, e ele
notou que os raios β são mais penetrantes que os raios α, fato este que permite
distingui-los.
• 1911 - Rutherford descobriu que o átomo possui um núcleo atômico e enunciou
o seu modelo planetário.
• 1913 - Na Inglaterra, Frederick Soddy (PNQ-1921) descobriu que a relação entre a carga e a massa dos núcleos não é linear (Z 6= cA). Embora a massa dos
núcleos dos diversos elementos cresça com o aumento do valor das respectivas
cargas elétricas, ele verificou que para uma dada carga nuclear, existem núcleos
de diversas massas, e que para tais núcleos os átomos correspondentes possuem
um mesmo número de elétrons. Portanto, os átomos que compõem uma substância quimicamente pura de um elemento não possuem todos a mesma massa. Ele
chamou isótopo a um átomo que pertence ao conjunto daqueles que têm mesmas
propriedades químicas, mas tem massa diferente.
• 1919 - Rutherford produziu a primeira reação nuclear induzida resultando na
modificação da estrutura interna de um núcleo, o que é representado pela reação
α+
13
14
7 N
→ 11 H + +
17
8 O.
Depois reconhecida como sendo o antineutrino.
Mizrahi & Galetti
(1.4)
8
Capítulo 1.
Introdução
Esta significa que fazendo-se incidir partículas α em núcleos de nitrogênio-14,
e quando elas forem absorvidas, estes se transformam em núcleos do isótopo
oxigênio-17, havendo ainda emissão de núcleos de hidrogênio 11 H + , ou prótons.
A reação (1.4) permitiu a identificação do núcleo do átomo de hidrogênio como
um constituinte fundamental presente em todos os demais núcleos.
• 1920 - O próton se firma na comunidade científica como uma partícula elementar
com carga elétrica positiva.
Estes foram, portanto, alguns dos principais resultados experimentais no que diz
respeito à Física Nuclear até 1932. Não obstante, significativas descobertas experimentais e avanços teóricos, de âmbito geral, foram alcançados na Física no período que vai
de 1900 a 1932 e que influenciaram decisivamente o progresso da Física Nuclear. Em
1900, na Alemanha, Max Planck (PNF-1918) propôs uma abordagem teórica e formal
para explicar a radiação do corpo negro; ele introduziu a noção de quantum de energia,
contudo em um contexto ainda bastante limitado. Em 1905, na Suiça, Albert Einstein
(PNF-1921) tornou pública a teoria da relatividade restrita e a equivalência entre massa
e energia, E = M c2 (M é a massa de uma partícula ou de um objeto qualquer e c
é a velocidade da luz no vácuo). A partir de 1913, o conceito de quantum de energia é usado para explicar a estabilidade do átomo assim como a emissão e a absorção
de radiação (teoria de Bohr-Sommerfeld). Em 1922, em um experimento engenhoso,
Otto Stern (PNF-1943) e Walther Gerlach descobriram a "quantização do espaço".
Eles verificaram que alguns tipos de átomos têm um grau de liberdade intrínseco que
se manifesta quando um feixe desses átomos é passado por um campo magnético nãouniforme, veja a Figura 1.3. Esta quantização seria o prelúdio para a introdução da
propriedade de spin das partículas subatômicas e elementares e da quantização do momentum angular.
Em 1925, George Uhlenbeck e Samuel Goudsmit14 previram que o elétron possuiria um grau de liberdade adicional, que seria chamado spin. Mais tarde se asseverou
que o spin é um grau de liberdade presente no próton, no nêutron e nas demais partículas elementares. Também em 1925, Pauli enunciou o Princípio da Exclusão, o que é um
conceito essencial para explicar a classificação dos elementos na tabela de Mendeleev.
Entre 1925 e 1927 a Mecânica Quântica foi inventada e veio a englobar e substituir a
velha mecânica quântica; apesar de questionamentos de caráter epistemológico, é uma
teoria prodigiosamente precisa para prever e descrever fenômenos a baixas energias.
Sua paternidade e desenvolvimento são devidos a Heisenberg, Erwin Schrödinger
(PNF-1933), Max Born (PNF-1953), Pascual Jordan e Dirac.
Depois de 1932 a situação da Física Nuclear pôde ser colocada na seguinte perspec14
Ralph Kronig, um jovem doutorando da Universidade de Columbia, EUA, estava estagiando na Europa,
e teve a idéia do spin do elétron alguns meses antes de Uhlenbeck e Goudsmit. Ele a apresentou a Pauli,
então uma autoridade em física, que a achou ridícula, dizendo "...é realmente [uma idéia] muito esperta, mas
obviamente nada tem a ver com a realidade". Assim, Kronig não publicou sua idéia sobre o spin e Uhlenbeck
comentaria mais tarde "sobre a sorte e o privilégio que tiveram [ele e Goudsmit] de terem sido alunos de Paul
Ehrenfest", seu orientador de tese.
Mizrahi & Galetti
1.1
Física nuclear: uma retrospectiva histórica
9
Figura 1.3: Representação pictórica do aparato experimental de Stern e Gerlach. Um feixe de
átomos de prata atravessa um campo magnético não-uniforme, mostrando que o momento de
dipolo magnético é quantizado, o feixe se abre em dois subfeixes e não em um contínuo.
tiva: a estrutura corpuscular dos núcleons ainda não estava posta em questão; eles eram
considerados como partículas fundamentais que interagiam a curtas distâncias (menores
que o tamanho do núcleo) via uma força nuclear atrativa. Para distâncias ainda menores
existiria, adicionalmente, a contribuição de uma força repulsiva. Porém, em 1935 surgiu
uma mudança decisiva: procurando entender e explicar a origem da força nuclear, o
físico Hideki Yukawa (PNF-1949) apresentou uma teoria, inspirada na teoria eletromagnética, pela qual o campo de interação entre os núcleons seria constituído de outras
partículas de massas intermediárias entre a do elétron e a do núcleon (200 ∼ 300 massas
do elétron), a partícula viria a ser denominada méson. Mais tarde, o méson recebeu um
nome mais específico: méson-π ou píon, e em 1947 ele foi identificado experimentalmente pelos físicos Cesar G. M. Lattes, Cecil F. Powell (PNF-1950) e Giuseppe P. S.
Occhialini, em trabalho conjunto. Em Física Nuclear de baixas energias15 considera-se
que todas essas partículas são objetos pontuais e elementares, sem haver maior preocupação com a sua estrutura interna, mas possuem propriedades físicas bem definidas,
como massa, carga, spin, momento de dipolo magnético, etc.
Agora faremos um interregno na seqüência histórica para introduzir a notação e
15
Lembrar que a energia cinética por núcleon é menor
que o equivalente em energia da massa de um
s
p2 c2 + M 2 c4 , a energia associada à sua massa de
núcleon: a energia de uma partícula livre é Es=
repouso
é Mc2 , sua energia cinética é T = p2 c2 + M 2 c4 − Mc2 e o seu momentum linear é p =
√
T 2 + 2T Mc2 /c > T /c. Para momenta lineares p ¿ Mc, T ' p2 /2M.
Mizrahi & Galetti
10
Capítulo 1.
Introdução
nomenclatura que serão usadas subseqüentemente. Por uma questão de completeza
alguns conceitos introduzidos nesta seção serão repetidos na seguinte.
1.2 Notação e nomenclatura
Um núcleo atômico contém dois tipos de partículas, de massas aproximadamente iguais,
o próton que carrega uma unidade de carga elétrica positiva, e o nêutron que é desprovido de carga; ambos são partículas subnucleares ou subatômicas16 . Um átomo ou
um núcleo de uma determinada espécie é chamado nuclídeo, os nuclídeos se distinguem
uns dos outros pelo número de prótons Z (o número atômico)17 e de nêutrons (N ) que
seu núcleo contém. Há nuclídeos que são estáveis, i.e., seus números Z e N não mudam
com o tempo, a menos que sejam perturbados por agentes externos, e há os instáveis
ou radioativos, também chamados radionuclídeos, que mudam os seus valores de Z e
N emitindo espontaneamente uma ou mais partículas ou radiação eletromagnética. Existem tabelas confeccionadas que exibem todos os nuclídeos conhecidos, os naturais e
aqueles produzidos artificialmente (são cerca de 3 200 no total); a título ilustrativo veja
as Figura 1.4 ou 1.5 [13].
Um nuclídeo é denotado como A
Z X, onde X é o símbolo do elemento químico, de
acordo com a tabela dos elementos de Mendeleev. A letra A (= Z + N ) representa o
número de massa. O átomo de menor massa existente na natureza é o hidrogênio 11 H,
seu núcleo tem a estrutura mais simples: é um próton, Z = +1. A diferença entre
o número de massa e o número atômico, N = A − Z, indica o número de nêutrons
presentes no núcleo. Átomos de um elemento químico que se caracterizam por terem
o mesmo número atômico Z e diferentes números de massa A são chamados isótopos;
eles diferem entre si pelos diferentes números de nêutrons que há em seu núcleo. Como
exemplo, o elemento hidrogênio, o mais abundante na natureza, possui outros isótopos
além de 11 H; eles são o deutério 21 H = D e o trítio 31 H = T , cujos núcleos contêm,
além do próton, um e dois nêutrons respectivamente.
A partir do modelo para o núcleo proposto por Heisenberg em 1932, usa-se a denominação núcleon quando se faz referência indistinta a próton ou nêutron. Por possuírem
certas propriedades semelhantes – mas ainda assim nitidamente distinguíveis devido à
carga elétrica – o próton e o nêutron são vistos como uma mesma partícula, porém em
diferentes estados, o que está sendo atualmente corroborado pelo sucesso do modelo
a quarks18 para a representação das partículas subnucleares. Excetuando-se o núcleo
de 11 H, para os demais a razão A/Z não é constante, ela varia de 2 (para os núcleos
mais leves) até 2, 5 (para os núcleos mais pesados), o que implica na existência de um
16
O elétron é considerado como partícula subatômica, mas não subnuclear, por não ter existência própria
no núcleo.
17
A letra Z especifica tanto o número de elétrons de um átomo eletricamente neutro quanto o número de
cargas elétricas elementares positivas em um núcleo.
18
Os quarks são partículas elementares que, no chamado Modelo Padrão, entram na composição dos núcleons e outras partículas subnucleares.
Mizrahi & Galetti
1.3
Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas subnucleares11
excesso de nêutrons em relação ao número de prótons19 . Complementando a nomenclatura, acrescentamos que os nuclídeos com o mesmo valor N , mas diferentes valores
de Z, são chamados isótonos e os de mesmo A mas N e Z diferentes são chamados
isóbaros. Há também os nuclídeos isômeros, que são núcleos de mesmos números A,
N e Z mas que se distinguem por terem energias internas diferentes. Os isômeros são
produzidos em estados excitados e seu tempo de vida é geralmente de algumas horas;
via de regra eles acabam decaindo para o seu estado fundamental com emissão de um
ou mais raios γ (fóton de energia muito mais alta do que aqueles da região visível do
espectro). Eles são denotados com a inserção de um asterisco no símbolo do nuclídeo,
∗
como A
ZX .
1.3 Unidades de massa, energia e propriedades de
algumas partículas subnucleares
Na Tabela 1.1 estão listadas algumas das partículas que exercem o papel principal na
Física Nuclear, com algumas de suas propriedades quantitativas; embora todas sejam
subatômicas ou subnucleares, nem todas são elementares. Enquanto o fóton, o elétron
e o neutrino são elementares (até o presente momento não há evidências de que sejam
constituídas de outras partículas), o próton, o nêutron e os mésons são constituídos de
quarks e antiquarks. Estas últimas pertencem a uma classe de partículas que são as
antipartículas, conceito introduzido por Dirac quando estava desenvolvendo a equação
relativística para o elétron. Dirac notou que metade das soluções da sua equação descreviam o movimento do elétron e de seu spin, enquanto que a outra metade representaria uma partícula hipotética, de mesma massa que o elétron, com carga elétrica igual
em módulo, mas de sinal contrário ao daquele do elétron. Neste contexto, a descoberta
feita por Anderson e Neddermayer, em 1932, viria a ser o pósitron, denotado como
e+ ; o sinal + foi introduzido para distingui-lo do elétron, e− . Excetuando-se o fóton,
encontram-se na natureza, ou produzem-se experimentalmente, as antipartículas associadas ao próton, ao nêutron, aos mésons e aos neutrinos, chamados antipróton, antinêutron, antimésons e antineutrinos. As antipartículas que são eletricamente carregadas
têm carga com sinal oposto ao das partículas, e, para as partículas sem carga elétrica,
as antipartículas são também desprovidas de carga. O spin de partículas e antipartículas é o mesmo, mas existe uma propriedade chamada helicidade20 que as diferencia e
que pode assumir valores ±1. Todos os constituintes dos antinúcleons são antiquarks.
No que se refere aos mésons, eles são constituídos por um quark e um antiquark; os an19
O excesso de nêutrons se explica pela necessidade de garantir a estabilidade nuclear, ele é imprescindível
para manter a coesão dos núcleos mais pesados por meio da força nuclear atrativa (que é de curto alcance e
age de forma indistinta entre prótons e nêutrons), contrabalançando assim a força coulombiana repulsiva que
atua entre os prótons e que é de longo alcance.
20
Helicidade é essencialmente a projeção do spin s sobre a direção de seu momentum linear p, h =
s · p/ |s · p|. Uma partícula massiva tem diferentes helicidades em referenciais inerciais diferentes, somente
para partículas sem massa a helicidade é a mesma em qualquer referencial.
Mizrahi & Galetti
12
Capítulo 1.
Introdução
timésons, em relação aos mésons, têm o quark trocado por seu antiquark e o antiquark
trocado pelo seu quark.
1. Em Física Nuclear a energia é comumente medida em unidades de M eV (um
milhão de elétron-volts ou mega-elétron-volt); o elétron-volt é a energia adquirida por
um elétron com carga elétrica −1, 602176 × 10−19 C (Coulomb) quando acelerado por
uma diferença de potencial de 1 V (volt), logo 1 eV = 1, 602176 × 10−19 C × 1 V =
1, 602176 × 10−19 J (Joule) e 1 M eV = 1, 602176 × 10−13 J. Às vezes também é
usada a unidade keV (quilo-elétron-volt), de onde 1 M eV = 103 keV .
2. A unidade de massa atômica (u ou amu21 ) é definida como um doze-ávos da
1
massa do átomo de carbono eletricamente neutro 1u ≡ 12
M12
= 1, 660539 ×
6 C
−24
10
g, a qual,
através
da
relação
de
equivalência
massa-energia,
corresponde
a uma
´
³
1
2
−10
c = 1, 492232 × 10 J = 931, 494 M eV . Logo, 1u =
energia de 12 M12
6 C
931, 494 M eV /c2 , onde c ' 3 × 1010 cm s−1 é a velocidade da luz no vácuo22 .
3. As massas das partículas e núcleos são expressas em unidades u ou M eV /c2 :
a massa do próton é mp = 1, 007276 u = 938, 272 M eV /c2 ; a massa do nêutron é
mn = 1, 008665 u = 939, 565 M eV /c2 e a massa do átomo de hidrogênio é M1 H =
1, 007825 u = 938, 783 M eV /c2 (a energia de ligação do elétron é desconsiderada por
ser muito menor do que a massa do elétron).
4. A massa do elétron é me = 5, 486×10−4 u = me = 0, 511 M eV /c2 . O pósitron
tem a mesma massa.
5. Elétrons, prótons, nêutrons e neutrinos possuem um grau de liberdade adicional,
o momentum angular intrínseco ou spin, de valor ~/2, onde ~ é a constante de Planck h
dividida por 2π, veja seu valor numérico na Tabela 1.2.
6. Outro grau de liberdade das partículas elementares ou compostas é a chamada
paridade intrínseca, este conceito será melhor discutido no capítulo 2.
7. Elétrons, prótons e nêutrons possuem momento de dipolo magnético intrínseco,
ou simplesmente momento magnético que está associado ao seu spin. O momento magnético do elétron é expresso em unidades de magneton de Bohr, µB = e~/(2me c) e
seu valor experimental é µe ≈ −1, 0011µB . O sinal negativo significa que os vetores
de spin e do momento magnético apontam em direções opostas. Contrariando toda expectativa, os momentos magnéticos do próton e do nêutron não são respectivamente,
µp = e~/(2mp c) (= 1 µN ou 1 magneton nuclear) e µn = 0; de fato, os momentos
magnéticos medidos têm valores
µp = 2, 7928 µN
e
µn = −1, 9130 µN ,
o que sugere que a estrutura interna dessas partículas não deve ser tão simples quanto a
do elétron.
8. A unidade de dimensão espacial comumente usada é 10−13 cm = 1 f m, que
designa o femtômetro. Em Física Nuclear o femtômetro é coloquialmente chamado
21
De atomic mass unit.
Usamos a fórmula de Einstein para a equivalência entre massa e energia, E = Mc2 . Um valor mais
preciso para u é 931, 49432 ± 0, 00028 MeV /c2 .
22
Mizrahi & Galetti
1.3
Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas subnucleares13
fermi, em homenagem a Fermi.
Na Tabela 1.1 está apresentada uma síntese das partículas subatômicas, onde na
primeira coluna estão listadas as partículas ubíquas nos processos nucleares de baixas
energias; para partículas de campo (fóton e mésons) o spin toma um valor inteiro e para
as demais partículas o spin23 é 1/2. Os momentos de dipolo magnético são medidos em
magnetons de Bohr, µB , ou magnetons nucleares, µN .
Nome
fóton (γ )
elétron (e− )
próton (p)
nêutron (n)
méson π +
méson π −
méson π 0
m (MeV/c2 )
0
0,511
938,272
939,565
139,570
139,570
134,977
Q
0
-1
+1
0
+1
-1
0
neutrino (ν e )
<3 eV
0
938,783
931,494
0
Át. Hidr.
u (uma)
(11 H)
s (~)
1
1/2
1/2
1/2
0
0
0
1/2
τ
estável
>1031 anos
886 s
2,6×10−8 s
2,6×10−8 s
8,4½×10−17 s
7×109 s/eV (s)
>
3×102 s/eV (r)
µ
−
-1,0011 µB
2,7928 µN
-1,9130 µN
< 10−10 µB
π int
+
+
+
−
−
−
+
Tabela 1.1. Algumas partículas e suas propriedades. Na segunda coluna estão dadas as massas,
na terceira as cargas elétricas, na quarta os valores do spin, na quinta os tempos de vida-média –
quanto aos neutrinos, a estimativa empírica é a razão τ /mν (vida-média / massa) tanto para o
neutrino solar quanto para aquele produzido em reatores. Na sexta coluna estão os momentos de
dipolo magnético e na sétima as paridades intrínsecas. A paridade do fóton depende do tipo de
radiação ser de multipolo elétrico ou magnético.
Na Tabela 1.2 apresentamos os valores numéricos de algumas constantes fundamen-
23
É comum omitir a constante dimensional ~ na especificação do número quântico spin, e também naqueles
associados com o momentum angular orbital.
Mizrahi & Galetti
14
Capítulo 1.
Introdução
tais24 .
Constantes
Vel. da luz
Carga elét.
Un. massa at.
Massa do elét.
Massa do próton
Massa do nêutron
Símbolo
c
e
u
me
mp
mn
Planck
~
h
Número de
Avogadro
Constante de
Boltzmann
Constante
gravitacional
Na
kB
GN
Valor
2, 997925 × 108 m s−1
1, 602176 × 10−19 C
1, 660539 × 10−27 kg
9, 109382 × 10−31 kg
1, 672622 × 10−27 kg
−27
1,
kg
½ 674927 × 10
1, 054572 J s
−22
½ 6, 582119 × 10−34 M eV s
6, 626071 × 10
Js
4, 135667 × 10−21 M eV s
6, 022142 × 1023
½
1, 380650 × 10−23 J K −1
8, 617342 × 10−11 M eV K −1
6, 6742 m3 kg −1 s−2
¡
¢−2
6, 7087 ×10−39 ~c GeV /c2
Tabela 1.2. Algumas constantes fundamentais.
Na Tabela 1.3 apresentamos um conjunto de constantes compostas que se fazem
presentes ao longo do texto.
Constantes
Carga elétrica
ao quadrado
Const.estr.fina
expressão
valor
e2
1, 439976 M eV f m
Raio de Bohr
Compr. Compton
do elétron
Magneton de Bohr
Magneton nuclear
α = e2 /~c
~c
~2 /me e2
1/137, 0360
197, 329 M eV f m
5, 291772 × 104 f m
λ/2π = ~/me c
386, 1593 f m
e~/ (2me )
e~/ (2mp )
5, 788382 × 10−11 M eV T −1
3, 152451 × 10−14 M eV T −1
Tabela 1.3. Constantes compostas expressas em termos das constantes
fundamentais. Para a constante de estrutura fina α, apresentamos o
valor aproximado mais comumente usado. Esta constante é adimensional.
O símbolo T (Tesla) representa a unidade de campo magnético.
Um T é aproximadamente 104 vezes o campo magnético da Terra.
24
Na Tabela 1.2, o número de Avogadro, Na , é o número de átomos que há em 12 gramas de 12
6 C, ou
Na = 12g/M 12 C . Define-se um mol de uma substância como a quantidade que contém um número Na de
6
constituintes básicos (átomos, moléculas, estrelas, etc.).
Mizrahi & Galetti
1.4
Peso-atômico e abundância isotópica
15
1.4 Peso-atômico e abundância isotópica
O peso-atômico de um nuclídeo A
Z X é a razão entre a massa do átomo e a unidade de
massa atômica u,
=
AA
ZX
MA
ZX
u
=
MA
ZX
M12 C /12
.
(1.5)
Analogamente, o peso-molecular de uma molécula é definido como a razão da massa
da molécula e u; ambos são números adimensionais. Existem tabelas que apresentam os pesos-atômicos de todos os nuclídeos. O peso-atômico (1.5) é um número frado número de massa A, que é um inteiro; de fato, verifica-se que
¯
¯cionário próximo
¯
¯
/A
<
10−2 . Quando o peso-atômico AA
é expresso em u´s, ele é
¯
¯A − AA
ZX
ZX
é aproxichamado massa atômica, por ser a massa do átomo. O peso-atômico AA
ZX
madamente igual ao seu número de massa A, pois (1) a massa do próton é aproximadamente 1 840 vezes maior que a massa do elétron, e (2) a energia necessária para manter
o núcleo coeso é muito menor que o equivalente de sua massa em energia. De (1.5)
pode-se verificar que o número de Avogadro é uma constante universal, por definição
dado como
Na =
[g] · (1 g)
MA
AA X · (1 g)
12g
ZX
=
= Z
;
12 C [g]/12)
M12 C [g]
MA
[g]/
(M
MA
[g]
ZX
ZX
(1.6)
logo a massa atômica de um nuclídeo A
Z X dividida pela sua massa (em gramas) é Na ,
e diz-se que um mol de uma substância qualquer contém Na constituintes básicos (átomos, moléculas, etc.) dessa substância.
Como todo elemento químico possui ao menos dois isótopos [14], define-se a abundância isotópica γ k do k-ésimo isótopo como a percentagem do mesmo com relação ao total de átomos do elemento em uma amostra. Também é definida a abundância relativa
como a fração γ k /100. Essa amostra pode provir da atmosfera, de um minério, de uma
solução, da crosta terrestre ou do sistema solar. O peso-atômico de um elemento é a
média aritmética ponderada
AZ =
X γA
k
k
100
AAk X ,
(1.7)
Z
onde a soma é feita sobre os pesos atômicos AAk X dos isótopos de um dado elemento.
Z
A título ilustrativo, na Tabela 1.4 estão apresentadas, para alguns nuclídeos: as abundâncias isotópicas dos isótopos estáveis – como encontrados na crosta terrestre – e dos
isótopos instáveis, com os seus tempos de meia-vida e modos de decaimento, os pesos-
Mizrahi & Galetti
16
Capítulo 1.
Introdução
atômicos dos isótopos e dos elementos.
Nucl.
1
1H
2
1H
3
1H
7
4 Be
8
4 Be
9
4 Be
10
4 Be
12
6 C
13
6 C
14
6 C
16
8 O
17
8 O
18
8 O
82
∗
37 Rb
83
37 Rb
84
37 Rb
85
37 Rb
86
37 Rb
87
37 Rb
γ k (%)
Meia-vida (modo de decai.)
99, 985
0, 015
−
−
−
100
−
98, 89
1, 11
−
99, 762
0, 038
0, 200
−
−
−
72, 165
−
27, 835
−
−
¡
¢
12, 33 a β − 100%
53, 29 d (CE 100%)
fissão → α + α
−
¡
¢
1, 51 M a β − 100%
−
−
¡
¢
5, 73 ka β − 100%
−
−
−
¡
¢
6, 472 β + 100%
86, 2 d (CE
¡ 100%)
¢
32, 77 d β + 96, 2%; β −
−
¡
¢
18, 631 d ¡ β − 95, 995%;
CE
¢
47, 5 Ga β − 100%
AAk X
Z
1, 007825
2, 014102
3, 016049
7, 016929
8, 005305
9, 012182
10, 013534
12
13, 003355
14, 003242
15, 994915
16, 999131
17, 999160
81, 918208
82, 915112
83, 914835
84, 911789
85, 911167
86, 909183
AZ
1, 00794
9, 012182
12, 0107
15, 9993
85, 4678
Tabela 1.4. Na segunda coluna estão apresentadas as abundâncias isotópicas dos elementos (em percentagem), na terceira coluna estão os tempos de meia-vida e os modos de decaimento dos nuclídeos instáveis. Na quarta coluna são dados os pesos-atômicos dos isótopos e na quinta coluna estão os pesos-atômicos dos elementos. As letras h, d e a representam unidades de tempo, simbolizando horas, dias e anos; a letra k é o símbolo para kilo, M para mega, G para giga e CE significa captura eletrônica. Dados extraídos de [14].
Algumas estimativas podem ser feitas usando cálculos simples, como nos seguintes
exemplos:
1. Qual é o peso-atômico do oxigênio?
Usando a expressão (1.7) temos
AO
= 15, 994915 × 0, 99762 + 16, 999131 × 0, 00038 + 17, 999160 × 0, 002
= 15, 999305
2. Quantos átomos de 87
37 Rb há em m = 100 g de rubídio?
Como há Na (número de Avogadro) átomos em ARb gramas de rubídio (pesoatômico do elemento rubídio), então haverá mNa /ARb átomos em m gramas, mas
Mizrahi & Galetti
1.5
Energia nuclear
17
desses apenas a fração γ 87
/100 será de átomos do isótopo 87
37 Rb, logo
37 Rb
N87
37 Rb
=
γ 87
37 Rb
100
µ
mNa
ARb
¶
= 0, 27835
100 × 6, 022142 × 1023
85, 4678
= 1, 96128 × 1023 átomos
e, complementarmente, o número de átomos de 85
37 Rb é
= 0, 72165
N85
37 Rb
100 × 6, 022142 × 1023
= 5, 08481 × 1023 átomos,
85, 4678
+ N85
= 7, 04609 × 1023 , ou
tal que a soma dos átomos dos dois isótopos é N87
37 Rb
37 Rb
seja, (100/85, 4678) Na .
3. Qual é a massa, em gramas, de um átomo A
Z X?
Da Eq. (1.6) temos
AA X
A
MA
= Z g≈
g,
ZX
Na
Na
. O valor
e, sem erro apreciável, pode-se usar o número de massa A no lugar de AA
ZX
numérico AA
(ou
≈
A)
em
gramas
de
uma
dada
espécie
atômica
é
chamado
pesoZX
atômico-grama e corresponde, aproximadamente, a um mol de átomos.
4. Qual é a massa do átomo de 16
8 O?
M16
=
8 O
16
g = 2, 65686 × 10−23 g.
6, 022142 × 1023
1.5 Energia nuclear
A energia nuclear está presente no dia-a-dia de muitas nações e seu uso civil reverte
em proveito dos cidadãos, graças à: (1) produção de radioisótopos necessários para as
áreas médicas e biológicas, para fins industriais ou para a realização de pesquisas; (2)
produção de energia a partir do combustível nuclear em reatores, construídos especificamente para essa finalidade. Um reator nuclear projetado para a geração de energia
elétrica faz parte de um complexo chamado central nuclear, pois do mesmo constam
não apenas o reator per se, mas também os sistemas auxiliares que irão transformar o
calor gerado no reator em energia elétrica. No Brasil há duas centrais nucleares em
operação, ambas estão situadas no município de Angra dos Reis, RJ. Suplementarmente, há reatores de baixa potência usados para a pesquisa científica, para a produção
de radioisótopos, irradiação de materiais e para o treinamento de estudantes e técnicos. Outros tipos de reatores são projetados para que seu uso tenha fins exclusivamente
estratégico-militares: (1) para a produção de plutônio-239 em grande quantidade – isótopo usado para a confecção de explosivos nucleares – e (2) os modelos compactos que
são instalados em submarinos: eles geram a energia necessária para a sua propulsão e
demais necessidades para submersões de longa duração. Alguns reatores são projetados
Mizrahi & Galetti
18
Capítulo 1.
Figura 1.4: Tabela dos nuclídeos, constituintes mais leves.
Mizrahi & Galetti
Introdução
1.5
Energia nuclear
19
Figura 1.5: Tabela dos nuclídeos, constituintes mais leves. Nos retângulos de cor azul estão
representados os nuclídeos estáveis, e os números são a abundância relativa. Retângulos em
outras cores representam os nuclídeos radioativos com seus respectivos tempos de meia-vida.
Mizrahi & Galetti
20
Capítulo 1.
Introdução
para serem bastante compactos, o que permite sua instalação em satélites que orbitam a
Terra.
Podemos situar os primórdios da energia nuclear entre os anos 1939 e 1942. Este
período se iniciou com a descoberta da fissão nuclear e se prolongou até o dia da realização da primeira reação nuclear em cadeia controlada. Essa foi uma época muito
peculiar porque o mundo passou do prelúdio para plena Segunda Grande Guerra (19391945) e grandes cientistas estavam, em sua maioria, profundamente envolvidos com a
pesquisa tecnológica e científica para fins bélicos, cada um servindo a um governo ou
um regime. Neste cenário a pesquisa impulsionou o grande desenvolvimento da ciência
e tecnologia nucleares porque envolveu pessoas de aguçada perspicácia científica que
trabalharam com afinco, movidos por uma profunda convicção da justeza da causa de
seu país de nascimento ou de adoção, além de contar com amplos recursos financeiros
para erigir a infraestrutura e as instalações necessárias.
Abaixo fazemos uma reconstrução breve daquele período, sendo que uma visão
completa e detalhada desse pedaço marcante da história recente, que envolveu muitas
tramas de fugas, traições, decisões políticas e intrigas, não cabe no escopo do presente
texto. Contudo, um relato detalhado do desenvolvimento e domínio da energia nuclear
é encontrado, por exemplo, nos livros [18, 19, 20]. Consideramos, não obstante, a presente reconstrução, sem rigor histórico, se não exatamente imprescindível, pelo menos
útil para que o leitor possa apreciar a influência que a descoberta e o uso da energia nuclear tiveram sobre os habitantes do planeta e sobre o meio-ambiente, contribuindo assim para a mudança do mundo que existia na era pré-nuclear. Neste contexto, um ponto
importante a salientar é que os projetos originais da maioria dos países que conseguiram
desenvolver e dominar a física e a tecnologia de reatores e do ciclo do combustível nuclear (EUA, Grã-Bretanha, URSS, França, China, Paquistão, Índia), e daqueles que, em
primeira instância, tentaram e não conseguiram (Alemanha, Japão, Líbia), tiveram motivação e finalidades estritamente militares. Na década de 1950, iniciou-se uma nova
etapa no uso da energia nuclear com sua aplicação para fins não-militares, quando os
conhecimentos desenvolvidos e acumulados foram aproveitados e adaptados para projetos civis. Esses conhecimentos contribuiram para a criação de fábricas especializadas
na recém-desenvolvida tecnologia nuclear, e também no estabelecimento de contratos
com institutos de pesquisa e universidades para o desenvolvimento de inovações tecnológicas.
Os dois grandes projetos de construção, na década de 1940, de um artefato explosivo de muito grande potência tiveram como protagonistas os britânicos e os norteamericanos, por um lado, e os soviéticos por outro, que desenvolveram suas pesquisas
independentemente um do outro. Empenhando várias centenas de físicos, químicos e
matemáticos, entre os mais brilhantes da época, os projetos se pautaram por um trabalho
intenso, de muitas pesquisas combinadas com uma espantosa engenhosidade, de confiança e determinação das pessoas engajadas. Pode-se dizer, sem grande exagero, que
esses projetos representaram o trabalho coletivo de maior envergadura e profundidade
intelectual feito até então nas ciências físicas.
A gênese da energia nuclear pode ser situada no ano de 1939, quando foi feita, na
Mizrahi & Galetti
1.5
Energia nuclear
21
Alemanha, a descoberta da fissão nuclear pelos químicos Otto Hahn (PNQ-1944 ) e
Fritz Strassmann [15]. Eles haviam constatado que “ao menos três corpos radioativos” formados a partir do urânio bombardeado por nêutrons, eram quimicamente similares ao elemento bário (Z = 56). Eliminando várias hipóteses, eles concluíram que
[16] isótopos de bário seriam de fato formados como conseqüência do bombardeio de
urânio (Z = 92) por nêutrons. Entretanto, nenhuma análise ou interpretação física do
fenômeno foi proposta; foi então que, algumas semanas mais tarde, informados dos
resultados do experimento de Hahn e Strassmann, os físicos Lise Meitner e Otto R.
Frisch25 (sobrinho de Meitner) escreveram um trabalho seminal [17], onde faziam uma
análise consubstanciada dos resultados de Hahn e Strassmann e apresentavam uma interpretação correta para o fenômeno observado pelos químicos. Eliminando demais
possibilidades, Meitner e Frisch conjecturaram que em núcleos pesados os núcleons se
moveriam de maneira coletiva e o movimento do núcleo se assemelharia ao de uma
gota de um líquido; e se, porventura, o movimento se tornasse violento, por adição
de energia, a gota poderia se dividir em duas outras, porém de tamanhos desiguais.
Eles batizaram o fenômeno de fissão nuclear26 . Em janeiro de 1939, o experimento de
Hahn e Strassmann já havia sido reproduzido por várias equipes na Europa e nos EUA.
Pela própria Meitner na Suécia, por Joliot-Curie na França e em quatro diferentes laboratórios nos EUA. Veja a Figura 1.6 que apresenta uma imagem pictórica do processo
de fissão. Voltaremos a estudar a fissão nuclear em mais detalhes no capítulo 12.
Depois disso, diversos pesquisadores constataram que para cada fissão que ocorre
em um núcleo de urânio, há liberação de cerca de 200 M eV de energia. Portanto, foi
imediato imaginar que, se pudesse ser controlada, a fissão poderia ser aproveitada como
uma nova fonte de energia. Por outro lado, artefatos explosivos de altíssima potência
poderiam ser construídos se fosse possível ocasionar a fissão, em curtíssimo espaço de
tempo – milésimos de segundo –, de uma boa fração de núcleos contidos em alguns
quilos de urânio. A partir de então nasceu o conceito de energia nuclear, a qual poderia ser extraída e liberada a partir da fissão de elementos pesados e da possibilidade
de seu aproveitamento. Já em janeiro de 1939 ficara patente para Fermi e Bohr que
se, juntamente com a fissão, houvesse a emissão de nêutrons, em número suficiente,
poder-se-ia criar e manter uma reação em cadeia auto-sustentada para se construir um
reator nuclear com a potência desejada, desde que se tivesse à disposição alguns quilos de urânio-235, quantidade essa necessária para se conseguir o tamanho crítico do
reator27 . Em fevereiro, foi confirmado de maneira independente por alguns grupos de
25
Na ocasião, ambos se encontraram na Suécia onde Meitner estava exilada. Meitner e Hahn mantiveram
uma longa colaboração científica.
26
O vocábulo fissão foi emprestado à biologia, onde ele é usado para exprimir a divisão de uma célula em
duas outras. Aparentemente, já em 1934, Fermi havia provocado a fissão nuclear, sem entretanto conseguir
reconhecer e interpretar dessa maneira os resultados obtidos. Ele havia bombardeado urânio com nêutrons
para produzir elementos transurânicos, de números de massa 93 e 94. Embora tivesse conseguido produzí-los,
outros elementos mais leves também estavam presentes; contudo, não os reconhecendo, ele não pôde conceber
a ocorrência de fissão.
27
Não obstante, também se abria a possibilidade de construção de armas de grande poder de destruição, a
partir de uma certa massa crítica de urânio-235, 235
92 U. Aqui convém antecipar que, em minérios de urânio, o
Mizrahi & Galetti
22
Capítulo 1.
Introdução
Figura 1.6: Imagens pictóricas das diversas etapas da fissão: incidência de um nêutron sobre um
núcleo, sua absorção e, em seguida, a fissão em dois grandes fragmentos, com emissão de três
nêutrons.
pesquisadores – (1) Leo Szilard e Walter H. Zinn, (2) Fermi, H. L. Anderson e H.
B. Hanstein28 e (3) F. Joliot-Curie – que havia emissão de 2 ou 3 nêutrons em cada
evento de fissão. Nos três anos que se seguiram, a partir da descoberta da fissão, físicos
e químicos dedicaram suas pesquisas para a determinação de propriedades tais como
as probabilidades de absorção de nêutrons pelos nuclídeos mais pesados, a produção e
controle de fontes de nêutrons, tempos de vôo dos nêutrons, quais eram e como era a distribuição dos produtos da fissão que aparecem como núcleos-fragmentos, a distribuição
de energia dos nêutrons e dos fragmentos, etc.
Com o início da Segunda Grande Guerra, em 1 de setembro de 1939, os países
que estavam na vanguarda da pesquisa em Física Nuclear, como Alemanha, França,
Inglaterra, EUA e União Soviética, continuaram a fazê-la no período que se seguiu; no
entanto, a divulgação de resultados mais sensíveis relativos à fissão e às reações em
cadeia passou a ser submetida à censura. Em março de 1940, na Inglaterra, dois físicos
exilados da Alemanha, Frisch e Rudolph Peierls, escreveram um memorando circunstanciado e o endereçaram para o governo britânico, pelo qual eles informavam o min238
isótopo 235
92 U constitui cerca de 0, 7% do urânio natural e o isótopo 92 U é praticamente o resto. Portanto,
para uma maior eficiência é necessário aumentar a fração de 235
U
;
este processo é chamado de enriqueci92
mento.
28
Nos EUA as pesquisas estavam sob a liderança dos físicos emigrados da Europa, Fermi e Szilard.
Mizrahi & Galetti
1.5
Energia nuclear
23
istério da defesa sobre a possibilidade de se construir uma bomba de grande capacidade
destrutiva a partir do uso do isótopo urânio-235.
Em 2 de agosto de 1939 – decorridos apenas seis meses da publicação do trabalho
de Meitner e Frisch –, após uma reunião com Szilard e Eugen Wigner (PNF-1963), e
fazendo proveito do seu prestígio pessoal junto aos dirigentes norte-americanos, Einstein endereçou uma carta ao presidente Franklin D. Roosevelt, informando-o sobre a
possibilidade de se construir, em um futuro imediato, bombas extremamente potentes e
destrutivas, a partir de urânio-235, desde que houvesse apoio oficial (governamental).
O último parágrafo da carta de Einstein foi um sinal de alerta; ele tocou no ponto crucial, dizendo que a Alemanha suspendera a exportação de minério de urânio das minas
da Tchecoslováquia e que os cientistas alemães deveriam estar repetindo os experimentos feitos nos EUA com o urânio. A carta de Einstein só chegou ao conhecimento de
Roosevelt em 11 de outubro, que, de imediato, não se impressionou com o seu teor.
Ele criou um “Comitê do Urânio” e alocou uma módica verba de seis mil dólares para
a compra de grafite (a ser usado como elemento moderador de nêutrons) e dióxido de
urânio (usado como combustível). Um projeto em grande escala só foi aprovado em
dezembro de 1941 e em agosto de 1942 se tornou conhecido como Projeto Manhattan.
Nesse mesmo ano, EUA, Grã-Bretanha e Canadá decidiram somar forças em um único
projeto. Assim, Peierls e Frisch foram incorporarados ao projeto Manhattan junto com
outros cientistas britânicos. Um deles, Klaus Fuchs, que integrava a equipe britânica,
espionava para os soviéticos, passando-lhes regularmente informações sobre o desenvolvimento da construção da bomba e de seu desenho.
Entrementes, pesquisas já vinham sendo conduzidas por Fermi e equipe na universidade de Chicago, local onde estava sendo construído o primeiro reator nuclear, o CP1,
chamado pilha, por causa do empilhamento dos blocos de grafite, entremeados com
pastilhas de dióxido de urânio, U O2 . No dia 2 de dezembro de 1942 conseguiu-se realizar a primeira reação nuclear em cadeia auto-sustentada e controlada; um desenho
artístico da pilha é visto na Figura 1.7.
O sucesso desse experimento foi importante, embora não decisivo, para dar início
ao projeto de construção de uma bomba atômica. O Projeto Manhattan ficou então
sob a direção civil de Robert J. Oppenheimer. Como centro de desenvolvimento das
pesquisas específicas para projetar, montar e testar a bomba foi escolhida uma localidade chamada Los Alamos, situada no estado de Novo México; concomitantemente
ficou a cargo de Wigner o projeto da construção de um reator, usando grafite e água pesada como moderadores, específicamente para a produção de plutônio29 , e também a
fabricação em série de reatores em Oak Ridge, Estado do Tennessee. O primeiro teste
de uma explosão de uma bomba atômica ocorreu em 16 de julho de 1945 (denominada
29
O plutônio é um elemento que não existe na natureza; ele foi descoberto apenas em março de 1940 na
Universidade de Berkeley. Ele é produzido quando se bombardeia urânio-238 com nêutrons, n + 238
92 U →
239 P u. Mais tarde, verificou-se que o 239 P u possui propriedades de captura de nêutrons e de subseqüente
94
94
239
fissão com emissão de nêutrons semelhantes àquelas do 235
92 U. Portanto, o 94 P u seria um elemento adequado para iniciar um processo de fissão em cadeia auto-sustentada e controlada, ou então para produzir
bombas nucleares. Aqui usamos, indistintamente, os termos bomba nuclear e bomba atômica.
Mizrahi & Galetti
24
Capítulo 1.
Introdução
Figura 1.7: Desenho artístico do primeiro reator construído, feito, essencialmente de blocos de
grafite alternados com blocos de urânio.
Trinity, veja a Figura 1.8), no deserto de Alamogordo; sua potência foi estimada em 20
quilotons – um quiloton tem potência explosiva equivalente a 1 000 toneladas do composto químico TNT30 . A epopéia do projeto Manhattan está contada em detalhes no
livro de Richard Rhodes, The making of the atomic bomb [18]. Também a União Soviética teve o seu “projeto Manhattan”: um grupo de cientistas conseguiu produzir um
artefato nuclear e explodí-lo em 1949. A história do desenvolvimento do projeto está
relatada, por exemplo, no livro de David Holloway, Stalin e a bomba [20].
Até a presente data foram construídos centenas de reatores nucleares de fissão, de
diferentes arquiteturas de acordo com sua finalidade específica. Eles diferem na potência da energia gerada, no tipo de combustível usado e no seu grau de enriquecimento,
nos tipos de materiais usados como moderadores, nos elementos que entram na confecção das barras de controle, etc. No capítulo 13 apresentaremos os princípios de
funcionamento e a descrição de alguns tipos de reatores mais comuns.
1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma
retrospectiva histórica
Por partículas elementares entende-se partículas sem estrutura, ou seja, aquelas que não
30
A explosão de uma tonelada de TNT libera uma energia equivalente aproximadamente igual a 4 × 109 J.
Mizrahi & Galetti
1.6
Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica
25
Figura 1.8: A primeira bomba atômica, denominada Trinity, está sendo instalada no topo da torre
onde ocorrerá a explosão.
apresentam indícios de que sejam compostas por outras partículas mais fundamentais.
Ao longo do tempo, os candidatos a partículas fundamentais foram se sucedendo, por
exemplo, no final do século XIX e no início do século XX, os átomos eram considerados como sendo partículas elementares, pois supostamente eles constituíam os blocos
fundamentais da matéria. Porém, as experiências de Geiger, Marsden e Rutherford mudaram essa concepção, pois foi mostrado que o átomo é composto de elétrons e de
um núcleo não pontual, tendo portanto uma estrutura não-trivial. Por sua vez, a descoberta do nêutron mostrou que o núcleo atômico contém duas partículas diferentes, o
próton e o nêutron, que supostamente não teriam estrutura: próton, nêutron e elétron seriam, portanto, partículas elementares. Porém, na década de 1950 Robert Hofstadter
(PNF-1961) mostrou que o próton e o nêutron possuem estrutura; assim, essas partículas, junto com os mésons, deixaram de ser consideradas como elementares. No entanto,
como partícula subatômica, o elétron, e− , ainda mantém este caráter de elementaridade juntamente com dois novos parceiros descobertos posteriormente, o múon, ou µ,
e o tau, ou τ , que partilham propriedades comuns, exceto pelas massas, que são muito
maiores que a do elétron31 . Atualmente, a eles juntam-se muito mais partículas elementares, como os já mencionados neutrinos, que existem em três tipos diferentes, ν e ,
ν µ e ν τ , que estão associados ao elétron, múon e tau respectivamente. Embora não se31
O elétron foi descoberto em 1897, o múon em 1938 e o tau em 1975 – como uma nota pitoresca, segundo
M. Perl [21] (PNF-1995), usa-se a terminologia gerações, por serem partículas descobertas por diferentes
gerações de pesquisadores. As três partículas fazem parte da família dos léptons.
Mizrahi & Galetti
26
Capítulo 1.
Introdução
jam detectáveis diretamente, existem os quarks que também são particulas elementares;
eles têm sua existência inferida a partir de medições de propriedades de partículas compostas. Os quarks podem ser de diferentes tipos, cada um dos quais é caracterizado por
um número quântico exoticamente chamado “sabor”, e cada quark-sabor pode carregar
um tipo diferente de carga chamada “cor” que, analogamente à carga elétrica, é responsável pela interação forte. Atualmente, o Modelo Padrão é o modelo prevalecente para
a descrição da constituição da matéria e tem por base 61 partículas elementares, com as
quais torna-se possível explicar a existência de centenas de partículas (e antipartículas)
não elementares, dentre as quais estão os mésons-π e os núcleons.
Após a descoberta do nêutron por Chadwick e a elaboração da primeira teoria para
a estrutura do núcleo atômico, em 1932, iniciou-se a investigação sobre a natureza das
forças nucleares. A primeira e bem-sucedida teoria foi proposta por Yukawa em 1935,
na qual, em analogia ao campo eletromagnético – cujas partículas de campo são os fótons –, a força nuclear, que mantém os núcleons coesos (como no dêuteron), deveria
ser devida à troca de partículas de um campo nuclear. Seu cálculo mostrou que, caso
existissem, tais partículas deveriam ter spin 0 e uma massa da ordem de 200 me , que
foram chamadas mésons. A procura por tal partícula contou com o empenho de físicos da Europa e dos EUA. Em 1938, uma partícula que era a principal candidata a ser
o méson de Yukawa foi identificada por Anderson em uma emulsão exposta a raios
cósmicos. Porém, mais tarde verificou-se que aquela era uma outra partícula que ficou conhecida como méson µ, cujo nome hoje adotado é múon, não sendo, portanto, a
partícula aventada por Yukawa; de fato, a partícula de Yukawa era ainda uma outra. Em
1947, após análise cuidadosa de emulsões expostas à incidência de raios cósmicos durante um mês em uma estação metereológica situada no monte Chacaltaya, perto de La
Paz, na Bolívia, Lattes, Powell e Occhialini conseguiram identificar, com certeza, o méson de Yukawa. O local para a exposição das placas fora escolhido por Lattes por estar
situado a uma altitude de 5 000 m acima do nível do mar32 , diminuindo assim a camada
atmosférica que os mésons devem atravessar até atingir a emulsão. Esta história é contada pelo próprio Lattes em um pequeno livro autobiográfico com título Descobrindo a
estrutura do universo [22].
A Figura 1.9-a representa esquematicamente o que foi visto por Lattes: o traço
espesso representa um méson π + (massa típica de 300 me ) movendo-se na direção da
seta, este decai no múon µ+ (massa de cerca de 200 me ), quando então ocorre uma
mudança de direção (ponto A) devido à variação da massa (π + → µ+ ). A seguir notase um traço indicando uma nova mudança de direção abrupta (ponto B); esta é uma
direção praticamente oposta à de incidência do π + , e corresponde a um pósitron, e+ .
As linhas tracejadas correspondem à emissão de neutrinos, que não deixam traços nas
emulsões devido à ausência de carga, mas cuja existência e trajetórias são inferidas pela
necessidade de conservação da energia e do momentum linear. Todo o processo pode
32
Lattes mesmo transportou por avião as emulsões da Inglaterra para a Bolívia. Em um relato[22], ele
conta como conseguiu identificar ambos os mésons nas emulsões, o mais pesado como sendo o de Yukawa e
o outro como sendo o de Anderson, que fora chamado de mésotron.
Mizrahi & Galetti
1.6
Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica
27
Figura 1.9: Traços de partículas em emulsões que são evidências da existência (a) do méson
π + ; ?? (b) do méson π − .
então ser escrito como
π+
µ+
−→ µ+ + ν
−→ e+ + ν + ν̄.
Adicionalmente, inferem-se os tempos de vida-média33 das partículas π + (τ '
10 s) e µ+ (τ ' 2×10−6 s); apenas o pósitron34 e os neutrinos “sobrevivem” na emulsão por serem partículas mais estáveis. A Figura 1.9-b é interpretada como sendo a do
registro de uma partícula π − que é absorvida por um núcleo (em contraponto, a aborção
de um méson π + seria bem menos provável devido à repulsão coulombiana causada
pela carga nuclear), localizado na posição O; em seguida, o núcleo emite partículas
carregadas em múltiplas direções, que correspondem aos traços emergentes de O.
Em 1948, os mésons π − e π + foram produzidos artificialmente no acelerador cíclotron da Universidade de Berkeley; o π − foi identificado em emulsões por E. Gardner e Lattes, e o π + por J. Burfering, Gardner e Lattes [22]. Os mésons-π são produzidos fazendo colidir prótons sobre alvos nucleares, sendo as reações mais simples as do
−8
33
Para um conjunto ou uma amostra contendo N partículas idênticas instáveis, que ao longo do tempo vão
perdendo sua identidade, por decaimento ou transmutação em outras (N deve ser suficientemente grande para
permitir um cálculo estatístico); o tempo de vida-média de uma partícula é o tempo em que a amostra se reduz
por um fator e = 2, 718....
34
Em sua trajetória o pósitron colidirá com um elétron, o que leva à aniquilação de ambos, dando origem a
um raio γ, cuja energia deve ser superior a 1, 022 MeV .
Mizrahi & Galetti
28
Capítulo 1.
Introdução
Figura 1.10: Ressonâncias resultando de colisão πp.
tipo
p + p −→
−→
p + n −→
−→
p + p + π0
p + n + π+
p + p + π−
p + n + π0
também referidas como colisões N N (com N simbolizando o núcleon).
Depois de 1948, foram construídos novos aceleradores de partículas e fez-se a substituição das emulsões tradicionais por detetores sensíveis construídos para acusar a
presença de novas partículas resultantes de colisões com alvos específicos e encontrar
padrões em suas propriedades. Assim começou uma nova época marcada por descobertas de muitas partículas novas, de massas variadas, de spin inteiro ou semi-inteiro e com
cargas elétricas positiva, negativa ou neutra, com propriedades inéditas.
Em 1951, na Universidade de Chicago, um grupo de pesquisadores liderado por
Fermi iniciou experimentos envolvendo colisões πN (píon-núcleon), graças à construção do acelerador cíclotron que permitiu a produção de feixes de mésons-π. Isso
levou à descoberta de uma família de ressonâncias mais tarde identificadas como partícu-
Mizrahi & Galetti
1.6
Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica
29
las com tempo de vida-média muito curto. Tipicamente, as reações são da forma
(a) π+ + p
(b) π− + p
(c) π− + p
(d) π− + p
−→
−→
−→
−→
π+ + p
π− + p
π 0 + n,
γ + n (captura radiativa),
onde (a) e (b) correspondem a espalhamentos elásticos, (c) à transferência de carga
e (d) à captura radiativa, todas com energia cinética Tπ < 300 M eV . Analisando
as seções de choque em função das energias de incidência foram observados picos,
cada um identificado com a produção de uma nova partícula de vida-média muito curta
(' 10−22 s); essas partículas foram caracterizadas como ressonâncias. Veja a Figura
1.10 nas energias (no RCM) em torno de 190, 600, 900 e 1 300 M eV . Além das
energias bem resolvidas, elas têm carga elétrica, spin e isospin35 bem definidos, por
isso são consideradas como novas partículas, embora sejam altamente instáveis. Essas
quatro partículas podem ser também consideradas como estados excitados dos núcleons,
mas elas acabam encontrando uma descrição bem mais adequada dentro do modelo a
quarks.
Na década de 1960, o entendimento das inter-relações entre as partículas – supostamente elementares – que surgiam dos experimentos estava bastante confuso. A única
certeza era que elas interagiam fortemente com núcleons e com o núcleo, um comportamento diferente do fóton, elétron, múon e neutrino, visto que um núcleo é quase
transparente ao múon. Havia então a suspeita de que essas novas partículas pertenciam
ao mesmo grupo do núcleon, portanto era necessário encontrar um esquema para classificar e inter-relacionar todas as partículas, que hoje conhecemos como hádrons, que
por suas vez se subdividem em dois subgrupos: os mésons e os bárions. Foi então
que, em 1961, os físicos Murray Gell-Mann (PNF-1969) e Yuval Nééman criaram
(independentemente um do outro) um esquema de classificação dessas partículas elementares, quando propuseram que todas as ressonâncias e partículas descobertas, Λ, Σ,
etc (algumas chamadas estranhas, termo devido a Gell-Mann) e as ressonâncias πN –
denominadas ∆ (delta), e que são em número de quatro (∆− , ∆0 , ∆+ , ∆++ ) –, poderiam ser classificadas de acordo com certas simetrias do grupo chamado SU(3). A título
ilustrativo veja os dois diagramas da Figura 1.11 para uma representação costumeira,
que está baseada em uma relação entre os números quânticos das partículas; partículas
de spin 1/2 formam um grupo de oito, chamado octeto, onde encontramos o próton, o
nêutron, as partículas Σ (com carga elétrica, 0, +1, −1), as Ξ (com carga elétrica 0, −1)
e a partícula Λ desprovida de carga. Partículas com s = 3/2 formam um conjunto de
dez, um decupleto, no qual estão incluídas as quatros ressonâncias ∆, além de outras
partículas. Voltaremos a este assunto com mais detalhes no Capítulo 14.
35
O conceito de isospin, originalmente introduzido por Heisenberg, está associado ao dubleto prótonnêutron, ou seja, é um grau de liberdade que permite diferenciar os núcleons pela sua carga elétrica. Posteriormente, o conceito foi estendido para os núcleos atômicos e para as demais partículas subatômicas. Veja
o Capítulo 14 para mais detalhes.
Mizrahi & Galetti
30
Capítulo 1.
Introdução
Figura 1.11: Classificação de uma classe de partículas chamadas hádrons, feita por Gell-Mann
e Nééman, de acordo com certas simetrias. No esquema à esquerda estão oito partículas de
spin 1/2, chamado octeto; à direita há dez partículas de spin 3/2: é o chamado decupleto. A
distribuição das partículas nos vértices de um hexágono e nos de um triângulo, não são casuais,
eles se justificam pois a ordenada e a abcissa (não desenhados) representam números quânticos
adimensionais associados a leis de conservação.
Nas Tabelas 1.5 e 1.6 estão apresentados valores numéricos das massas e dos tempos
de vida-média relativos a algumas partículas da família dos bárions.
partícula – s = 1/2
p (próton)
n (nêutron)
Σ−
Σ0
Σ+
Ξ−
Ξ0
Λ
massa (M eV )
938, 3
939, 6
1197, 4
1192, 6
1189, 4
1321, 3
1315, 8
1115, 7
Mizrahi & Galetti
vida-média (s)
estável
887
1, 5 × 10−10
7, 4 × 10−20
0, 8 × 10−10
1, 64 × 10−10
2, 90 × 10−10
2, 63 × 10−10
Tabela 1.5. Massas e tempos de
vida-média do octeto de hádrons
da Figura 1.11
1.6
Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica
partícula – s = 3/2
∆
Σ∗
Ξ∗
Ω−
massa (M eV )
1232
1385
1532
1672, 5
vida-média (s)
0, 82 × 10−10
31
Tabela 1.6. Massas e tempos de
vida-média do decupleto de
hádrons da Figura 1.11
As partículas subatômicas que constituem o octeto e o decupleto (cuja descrição
é parte inerente do Modelo Padrão de Partículas e Forças) encontram uma descrição
consistente no modelo a quark36 .
O Modelo Padrão é uma teoria física largamente testada que consegue explicar e
predizer uma vasta gama de fenômenos, pois experimentos de alta precisão verificaram
repetidamente efeitos sutis previstos pela teoria. Não obstante, não se crê que o Modelo Padrão seja uma teoria definitiva, muitos físicos estão à procura de uma "teoria de
tudo", que unifique todas as forças conhecidas da natureza. Com relação a esse assunto sugerimos a leitura dos excelentes textos [23, 24], escritos por eminentes físicos
e direcionados para leitores interessados na história do desenvolvimento da Física de
Partículas, suas descobertas e invenções.
O cenário atual da área de partículas e campos é o seguinte: o Modelo Padrão conta
com seis diferentes tipos de quarks, diferenciados por um número quântico denominado sabor, que são agrupados dois a dois. Diz-se assim que existem três famílias ou
gerações, que são representadas como (u, d), (s, c) e (b, t); seus respectivos antiquarks
¯ (s̄, c̄) e (b̄, t̄). Partículas nãosão denotados com um traço em cima de cada letra (ū, d),
elementares são constituídas ou por um par quark-antiquark (os mésons), ou então por
um sistema de três quarks (os bárions). Todas as partículas constituídas de quarks e/ou
antiquarks são chamadas hádrons, portanto mésons e bárions são hádrons. Os quarks
carregam uma carga elétrica fracionária de +2/3 e, ou −1/3 e (lembrando que e representa a unidade de carga do próton). Dentro de cada família acima citada estão inseridas
partículas elementares chamadas léptons. Há seis dessas partículas que são, o elétron,
o múon, o tau, e os seus respectivos neutrinos (todos têm antipartículas), veja a Tabela
1.7.
quarks
léptons
Família ou
Geração 1
u (+2/3), d (−1/3)
e− , ν e
Família ou
Geração 2
s (+2/3), c (−1/3)
µ− , ν µ
Família ou
Geração 3
b (+2/3), t (−1/3)
τ −, ντ
Tabela 1.7. As partículas listadas têm spin 1/2. Os quarks têm carga elétrica,
cujo valor está entre parêntesis. O sinal que acompanha os léptons indica a
sua carga elétrica. Os neutrinos são desprovidos de carga.
Existem quatro forças fundamentais na natureza que atuam entre as partículas. Duas
já eram conhecidas no século XIX, que são a força gravitacional e a força coulombiana;
36
Elas são constituídas de três diferentes tipos (sabores) de quarks entre os seis diferentes existentes.
Mizrahi & Galetti
32
Capítulo 1.
Introdução
ambas são forças de longo alcance. A força gravitacional é atrativa e sua intensidade
depende essencialmente das massas dos objetos e da distância entre os mesmos. Apesar de terem massas ínfimas as partículas elementares sentem a força gravitacional da
Terra, mas, por ser muito pequena comparativamente às outras, essa força tem um papel irrelevante na Física Nuclear e na Física de Partículas; ademais, ela não está inserida
no Modelo Padrão. A partícula de campo que carrega a força gravitacional – chamada
gráviton – é desprovida de massa e tem spin 2.
Por sua vez, a força coulombiana atua entre objetos eletricamente carregados, e a
teoria que dá conta da unificação das forças elétrica e magnética é o eletromagnetismo,
cuja síntese está nas equações de Maxwell, na força de Lorentz e na equação da continuidade de cargas e correntes. No contexto relativístico, a teoria pode ser escrita em
termos de equações covariantes por transformações de Lorentz. Porém, para dar conta
dos fenômenos quânticos na radiação de átomos e da interação entre partículas carregadas, foi necessário inventar uma nova teoria, que se desenvolveu de pesquisas feitas
na década de 1940. Ela é conhecida como Eletrodinâmica Quântica, ou então pela sigla
QED (Quantum Electrodynamics), e é uma teoria de campos, cuja partícula de campo
é o fóton37 . Três físicos foram laureados com o prêmio Nobel pelas suas importantes
contribuições para a QED: Richard S. Feynman, Julian P. Schwinger e Sin-Itiro
Tomonaga (PNF-1965). A QED é uma das teorias mais completas e de maior sucesso
na física. Algumas de suas predições quantitativas estão de acordo com as medições
experimentais com uma altíssima precisão; alguns valores numéricos apresentam uma
coincidência que se estende até a décima-segunda casa decimal. A QED também explica por que há duas classes fundamentais de partículas, férmions e bósons, e como
suas propriedades estão relacionadas ao seu spin; descreve também como partículas
(fóton, elétron, pósitron, múon, tau) são criadas e aniquiladas. Contudo, a QED é uma
teoria de léptons apenas, ela é incapaz de descrever a interação dos hádrons.
Foi necessário inventar uma nova teoria para tratar os processos envolvendo os hádrons e seus constituintes. A teoria da interação dos quarks intermediada por glúons
(partículas de campo, em analogia com os fótons) recebeu o nome de Cromodinâmica
Quântica; a sigla usada é QCD (Quantum Chromodynamics) e apresenta muitas analogias com a QED. Nessa teoria a força forte é atrativa e se manifesta entre os já mencionados quarks (partículas propostas independentemente por Gell-Mann e George Zweig,
em 1964, embora a denominação quark seja devida ao primeiro), que carregam uma
carga extra associada a esta força, que foi chamada cor38 , que vem em três diferentes
tipos, r, b e g, e também entre as partículas de campo desta força, os glúons, em número
de oito39 . A força se manifesta pela troca de glúons entre os quarks e é suficientemente
intensa, sendo capaz de sobrepujar as forças da repulsão coulombiana que atuam en37
Ele é desprovido de massa e tem spin 1, que é o valor em módulo de sua helicidade (estado de polarização
do fóton).
38
A palavra cor deu origem ao nome da teoria, cromodinâmica, pois no grego cromo significa cor.
39
Diferentemente do que ocorre na QED, onde – por serem desprovidos de carga elétrica – os fótons não interagem entre si, os glúons interagem entre si, por carregarem duas unidades de carga cor; mais precisamente,
uma cor e uma anticor.
Mizrahi & Galetti
1.6
Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica
33
tre os quarks. Apesar da força forte ser de curto alcance, os glúons são desprovidos
de massa e têm spin 1. Entretanto, a curtíssima distância a força deixa de atuar entre
os quarks, que se comportam como partículas livres, mas confinadas; este fenômeno
é conhecido como liberdade assintótica. Assim como os quarks, tampouco os glúons
podem ser detectados, pois não se propagam livremente no espaço. Desta forma, a existência de quarks e glúons é inferida indiretamente, pois ambos só podem existir em
regiões espaciais limitadas pelo tamanho dos hádrons. A força nuclear que atua entre
núcleons é considerada como uma força residual da força forte que age entre as cargas
de cor, quando então as partículas de campo são os píons. Do caldo de quarks e glúons
existentes dentro de um núcleon só podem emergir pares quark-antiquark. Quanto aos
quarks mais pesado, em 1974, um grupo de pesquisadores do Laboratório Brookhaven,
EUA, liderados por Samuel Ting (PNF-1976), e outro grupo do SLAC (Stanford Linear
Accelerator, da Universidade de Stanford), EUA liderados por Burton Richter (PNF1976) observaram umnovo hádron contendo o quarto sabor de quark, o charm; este
hádron foi chamado J/psi, e apresenta uma massa de cerca de três vezes aquela do próton. Pouco anos depois, em 1977, trabalhando no Laboratório Fermilab da Universidade
de Chicago, EUA, o físico Leon Lederman (PNF-1988) e colaboradores descobriram
hádrons contendo o quinto sabor de quark, o quark bottom. que tem uma carga electric
−1/3 e. Finalmente, em 1996, usando o acelerador Tevatron do Fermilab, um grupo
internacional de cientistas reportaram a observação do sexto sabor de quark, o top.
Já a existência da força fraca revelou-se no decaimento β e foi originalmente observada nos núcleos radioativos, cuja primeira teoria é devida a Fermi que a publicou
em 1934, mas ainda restrita aos processos nucleares de baixas energias. No que diz respeito às partículas elementares, no Modelo Padrão considera-se que a força fraca atua
tanto entre os quarks quanto entre os léptons. As partículas de campo desta força, conhecidas como bósons vetoriais, são três: W + , W − e Z 0 , que têm diferentes cargas
elétricas (+1, −1, 0) e o seu spin é 1. Elas também possuem grandes massas, da ordem de 100 vezes a massa de um núcleon, eles transformam quarks de um sabor em
outro, e permitem que um múon decaia num eletron e dois neutrinos. Devido à imensa
massa, o alcance da força é muito curto, cerca de 10−18 m, ou seja, cerca de 0, 1% do
diâmetro do próton. A interação fraca é capaz de trocar o sabor de um quark e sua existência é crucial para a evolução e estruturação do Universo, pois ela é a responsável
pela transmutação do próton em nêutron, o que torna possível a síntese do deutério que
é essencial na produção de energia nas estrelas, assim como na síntese de núcleos mais
pesados. Os bósons vetoriais foram descobertos em 1983 no maior laboratório de altas energias da Europa, o CERN40 , o Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear, que está
situado na fronteira franco-suiça, por uma equipe liderada por Carlo Rubbia (PNF41 1984). Neste CERN foi construído o mais poderoso acelerador de partículas, o LHC42 ,
40
Acrônimo com as letras iniciais de Centre Européen pour la Rechèrche Nucléaire.
O prêmio Nobel foi dividido com o engenheiro Simon Van der Meer, que projetou o anel de armazenamento de prótons.
42
Sigla de Large Hadron Collider, que é um equipamento constituído, essencialmente, de (1) dois imensos
tubos na forma de anel (27 km de perímetro cada) que se cruzam em quatro pontos, (2) mais imensos detec41
Mizrahi & Galetti
34
Capítulo 1.
Introdução
que deve entrar em operação no segundo semestre de 2009.
Quanto aos léptons, em 1976, o físico Martin Perl (PNF43 -1995) e colaboradores
descobriram o terceiro lépton massivo, o τ que tem carga elétrica igual à do elétron mas
de massa de cerca de 4 000 maior, não obstante seja uma partícula elementar, isto é sem
estrutura.
Embora, no presente Universo frio, as forças fraca e eletromagnética são bem distintas, conjectura-se que em um passado remoto, quando a temperatura do Universo
era muito alta, elas estavam unificadas e, no resfriamento, a simetria (qual??) foi quebrada, dando origem, então, às duas. Contudo, para fazer sentido teoricamente, no
Modelo Padrão era necessário postular a existência uma nova partícula, um bóson extra, cuja presença não apenas daria conta da unificação das forças eletromagnética e
fraca na chamada força eletrofraca, mas também resolveria um problema de divergência no cálculo do termo de interação envolvendo dois bósons tipo W . Essa partícula ficou conhecida como bóson de Higgs, sendo identificada com a letra H, segundo um dos
seus proponentes, Peter Higgs44 . O conceito de bóson de Higgs foi usado por Steven
Weinberg (PNF-1979) na elaboração da teoria da força eletrofraca, pela qual ganhou
o prêmio Nobel de Física juntamente com os físicos Sidney Glashow e Abdus Salam
(PNF-1979, ambos, juntos com Weinberg ), que também contribuíram decisivamente
para a sua elaboração.
O bóson de Higgs intermedia a interação entre os bósons do tipo W . Entretanto,
para que no cálculo de probabilidades de transição certas integrais não resultem em
valores infinitos, torna-se necessário que a constante de acoplamento da interação seja
dependente e proporcional à massa da partícula com a qual o H se acopla. Ele deve
também se acoplar ao bóson neutro Z 0 e aos quarks; assim, devido à forma peculiar de
seu acoplamento, acredita-se que o bóson de Higgs seja a partícula responsável por dar
a propriedade de inércia (massa) às partículas, uma vez que ainda não se sabe qual é o
mecanismo que dá inércia à matéria. Um dos grandes desafios do LHC será conseguir
detectar o bóson H, cuja massa é estimada estar em torno de 100 GeV ; o sucesso de
sua descoberta coroaria o Modelo Padrão, porém, não sendo encontrado, isto induziria
os físicos de partículas a repensar o modelo.
Em suma, até o presente momento o Modelo Padrão contabiliza a existência de 61
partículas elementares assim distribuídas: 18 quarks (6 sabores e 3 cores), 18 antiquarks
(6 antisabores e 3 anticores), 3 léptons massivos, 3 antiléptons massivos, 3 neutrinos, 3
tores de partículas. Com o LHC será possível perscrutar a matéria como nunca antes feito. Todo o complexo
entrou em testes iniciais de operação em 2008. Com o LHC será possível fazer colidir prótons, em feixes contrapropagantes nos anéis, a uma energia de 14 T eV (1 T eV = 106 MeV ). Núcleos de chumbo irão colidir
a uma energia de 1 150 T eV .
43
O prêmio foi compartilhado com Frederick Reines, que havia detectado o neutrino em 1956, juntamente
com Clyde L. Cowan, Jr., mas este já havia falecido.
44
Esse bóson teve outros co-descobridores, Robert Brout e François Englert. Os trabalhos dos dois, embora feitos independentemente um do outro, assim como daquele feito por Higgs, foram todos contemporâneos. No entanto, eles só ficaram conhecidos pela comunidade dos físicos depois da divulgação do trabalho
de Higgs. Posteriormente, em 1997, a Sociedade Européia de Física reconheceu que os trabalhos dos três
estavam em pé de igualdade; em virtude disto, eles receberam o prêmio de Altas-Energias e Física de Partículas.
Mizrahi & Galetti
1.7
Apêndice A: A seção de choque de Rutherford
35
antineutrinos e as partículas de campo,?? 8 glúons, 3 bósons vetoriais, o bóson de Higgs
e o fóton.
De acordo com Martinus Veltman (PNF-1999) [24], há ainda enigmas a desvendar na Física de Partículas Elementares, e algumas perguntas pendentes que aguardam
resposta são: haveria uma relação entre o bóson de Higgs e a gravitação? Haveria uma
relação entre o bóson H e a estrutura do Universo? O que fornece a propriedade de
massa às partículas? Por quê cada partícula tem uma massa determinada? Por quê os
quarks e os léptons estão agrupados em famílias? Afora estas questões, existe também
ceticismo acerca da existência do bóson H, com a tese de que ele não existiria realmente e a sua conjectura representaria apenas parte de uma realidade mais complexa,
que envolveria a gravitação de forma mais fundamental.
Uma fonte de desconforto que existe quanto ao Modelo Padrão está no fato de que as
massas das partículas, assim como as cargas e outras propriedades não são deduzidas;
elas participam da teoria como parâmetros cujos valores são obtidos empiricamente.
Por outro lado, em uma teoria ideal esses parâmetros deveriam ser preditos a partir
de algumas poucas constantes universais; assim, todas essas indagações têm estimulado os pesquisadores à procura de uma generalização da teoria quântica de campos.
Uma candidata em voga é a Teoria de Cordas e Membranas [25, ?, 26, 27] na qual é
feita a substituição de objetos pontuais, como o elétron, por estruturas estendidas. Não
obstante, de acordo com o filósofo da ciência Karl Popper [28] nenhuma teoria científica pode ser considerada como definitiva, pois toda teoria deve admitir uma janela de
refutabilidade, ou seja, deve estabelecer seus limites de validade.
1.7 Apêndice A: A seção de choque de Rutherford
Vamos considerar um certo referencial em duas dimensões em cuja origem O encontrase um centro espalhador isotrópico, o qual age com um força A/r2 sobre uma partícula
de massa m a uma distância r de O; A é a constante de acoplamento da partícula com
o centro espalhador. A energia da partícula, que é uma quantidade conservada ao longo
do seu movimento, é escrita como
m 2 m
A
2
ṙ + (rϕ̇) + ,
(1.8)
2
2
r
onde os dois primeiros termos representam a energia cinética da partícula em coordenadas polares no plano (0 ≤ r < ∞, 0 ≤ ϕ < 2π) e o terceiro termo representa a
energia potencial. O ponto acima de uma variável significa derivada com relação ao
tempo. Considerando a interação coulombiana – centro espalhador com carga +Ze e a
partícula com carga +ze – identificamos A = zZe2 . Podemos nos livrar do parâmetro
tempo na Eq. (1.8) usando a definição do momentum angular da partícula, L = mr2 ϕ̇
(que é uma constante do movimento): usando
E=
ϕ̇ =
L
mr2
Mizrahi & Galetti
36
Capítulo 1.
e
ṙ =
onde r0 = dr/dϕ, portanto,
E=
Introdução
dr
dr
L
,
=
ϕ̇ = r0
dt
dϕ
mr2
L2
2m
µ
1
r02
+ 2
r4
r
¶
+
A
.
r
(1.9)
Vamos introduzir uma nova variável, u = r−1 , onde 0 < u < ∞, e escrever a Eq. (1.9)
como
¢
L2 ¡ 02
E=
(1.10)
u + u2 + Au,
2m
que é uma equação diferencial não-linear. A derivada desta com relação a ϕ leva a uma
equação diferencial linear
mA
(1.11)
u00 + u + 2 = 0,
L
cuja solução é
mA (ε cos ϕ − 1)
,
(1.12)
u=
L2
com derivada
mAε sin ϕ
.
(1.13)
u0 = −
L2
−1
2
45
= r (ϕ) = L / [mA (ε cos ϕ − 1)] representa uma órbita hiperNote-se que u
bólica, e o parâmetro adimensional ε é a sua excentricidade, que se expressa em termos
das constantes de movimento E e L e das constantes do problema, m e A. Substituindo
os lados direitos
das
e (1.13) na Eq. (1.10), torna-se imediato verificar que
¡
¢ ¡Eqs. (1.12)
¢
ε2 = 1 + 2EL2 / mA2 ; extraindo-se a raiz, escolhe-se o sinal positivo pois o sinal
negativo não tem significado físico, logo
r
2EL2
ε= 1+
.
mA2
A escolha E > 0 implica ε > 1, o que caracteriza uma trajetória hiperbólica. Como
u é uma variável positiva, o ângulo ϕ pode tomar valores no intervalo (0, arccos ε−1 )
e 0 < u < mA (ε − 1) /L2 , ou em termos da coordenada radial r, r0 ≤ r < ∞ , e
r0 ≡ L2 /mA (ε − 1) é a distância de maior aproximação da partícula com relação à
origem O, que pode ser reescrita como
r0 =
L2
A (ε + 1)
=
,
mA (ε − 1)
2E
veja a Figura 1.12. Sendo ϕ o ângulo polar, assintoticamente, antes e depois do espalhamento, ele assume o mesmo valor ϕ0 com cos ϕ0 = ε−1 e, sendo 2ϕ0 + θ = π,
45
É digno de nota observar que a solução (1.12) é também solução da equação do oscilador harmônico
ẍ + ω 2 x = 0, pois fazendo-se as substituições x → u + mA/L2 , t → ϕ, ω 2 → 1, obtém-se a equação
diferencial (1.11).
Mizrahi & Galetti
1.7
Apêndice A: A seção de choque de Rutherford
37
Figura 1.12: Trajetória hiperbólica de uma partícula de massa m espalhada por um centro de
força repulsivo isotrópico, V (r) = A/r, localizado na origem do sistema de coordenadas. θ
é o ângulo de espalhamente, definido em termos das direções dos momenta incidente e de espalhamento. ϕ0 é o angulo polar da partícula, quando ela?? está longe do centro espalhador
(origem). Note-se a relação entre os dois ângulos. r0 é a distância de maior aproximação (da
origem 0) do projétil.
Mizrahi & Galetti
38
Capítulo 1.
Introdução
Figura 1.13: Uma partícula com velocidade inicial v0 incide sobre um centro espalhador em O,
sendo b o seu parâmetro de impacto e θ é o ângulo de espalhamento.
sua relação com o ângulo de espalhamento é portanto sin (θ/2) = ε−1 , que podemos
escrever como
2EL2
= cot2 (θ/2) .
(1.14)
mA2
Assim, vemos que o ângulo de espalhamento também depende das constantes do movimento E e L, assim como da massa m e de A. Como E e L se mantêm fixos ao longo do
movimento, podemos escrevê-los em termos de seus valores longe do centro espalhador
como
1
e
L = mv0 b,
(1.15)
E = T = mv02
2
onde b é o parâmeto de impacto, v0 é a velocidade inicial do projétil e E = T é a
energia cinética da partícula longe do centro espalhador, veja a geometria da trajetória
planar na Figura 1.13 e, tridimensionalmente, olhe a Figura 1.14. As Eqs. (1.14) e
(1.15) permitem estabelecer uma relação simples entre b e θ
b=
A
cot (θ/2)
2T
(1.16)
Vamos agora obter a seção de choque diferencial: denotando como n o fluxo incidente – número de partículas incidentes sobre o centro espalhador por unidade de
tempo e unidade de área – e sabendo-se que a incidência se dá com diferentes parâmetros de impacto, decorre então que a fração de partículas espalhadas, que atravessam
o anel 2πb db (veja a Figura 1.14), por unidade de tempo, pode ser escrita como
dN = 2πb db n, devido à simetria azimutal do espalhamento. A seção de choque
diferencial é portanto escrita como
dσ =
dN
= 2πb db
n
Mizrahi & Galetti
1.8
Bibliografia
39
Figura 1.14: Figura tridimensional do espalhamento de partículas incidentes sobre um centro
espalhador, distribuídas uniformemente em um anel. O espalhamento é suposto ter uma simetria
azimutal.
e, usando a relação (1.16), resulta que
µ ¶2
A
1
dσ = 2π
dθ
cot (θ/2)
2
2T
sin (θ/2)
µ ¶2
1
A
=
2π sin θ dθ,
2T
4 sin4 (θ/2) | {z }
=dΩ
ce-me que dentro do parên- e finalmente obtém-se a seção de choque de Rutherford
µ
¶2
o fator é 1/2 e há um outro
1
dσ
zZe2
r 1/4 junto com o seno.
,
=
4
dΩ
4T
sin (θ/2)
que expressa, estatisticamente, a distribuição angular de partículas pontuais com energia
cinética T e carga ze espalhadas, depois de haverem incidido sobre centros espalhadores
fixos, de carga Ze. Para a partícula α, z = 2 e como e2 = 1, 44 M eV f m, resulta a
Eq. (1.1).
1.8 Bibliografia
[1] Geiger H. e Marsden E., 1909, Proc. Roy. Soc. A 82, 495.
[2] Rutherford E., Phil Mag. 21, (1911) 660; 27 (1914) 488. Outros artigos seminais
podem ser encontrados nas seguintes paginas da internet
Mizrahi & Galetti
40
Capítulo 1.
Introdução
http://dbhs.wvusd.k12.ca.us/webdocs/Chem-History/Rutherford-1911...
http://web.lemoyne.edu/~GIUNTA/papers.html
[3] Nagaoka H., 1904, Phil. Mag. 6 (7), 445.
[4] Perrin J., 1901, Revue Scientifique 15, 449.
[5] Para a dedução ver, por exemplo, o livro de K. R. Symon, Mecânica, Editora
Campus. 1982.
[6] Bohr N., 1913, Phil. Mag. 25, 857.
[7] Born M.,1947, Atomic Physics, Blackie & Son Limited.
[8] Ruark A. E. e Urey H. C., 1930, Atoms, molecules and quanta, McGraw-Hill.
[9] Brillouin L., 1931, L ´Atome de Bohr, Presses Universitaires de France.
[10] Hardcup G. e Allibone T.E., 1984, Cockroft and the atom, Adam Hilger Ltd., pg
55.
[11] Segrè E. G., 1970, Enrico Fermi Physicist, The University Chicago Press.
[12] Fermi, L, 1994, Atoms in family: My Life with Enrico Fermi, University Chicago
Press.
[13] Uma carta de nuclídeos pode ser encontrada no site http://www.chartofnuclides.com
e dados sobre os nuclídeos estão no site http://www.nndc.bnl.gov/usndp/usndpsubject.html. Uma compilação de dados atômicos e nucleares estão nos sites:
http://www.nndc.bnl.gov, http://physics.nist.gov/PhysRefData/contents.htm,
http://isotopes.lbl.gov, http://wwwndc.tokai.jaeri.go.jp/index.htm,
http://wwwndc.tokai.jaeri.go.jp/nucldata/index.html,
http://nucleardata.nuclear.lu.se/nucleardata/toi, http://atom.kaeri.re.kr.
[14] Audi G. e Wapstra A. H., 1995, Nucl. Phys. A595, Vol. 4, 409.
[15] Hahn, O., and Strassmann, F., 1938, Naturwiss., 26, 756.
[16] Hahn, O., and Strassmann, F., 1939, Naturwiss., 27, 11.
[17] Meitner L. and. Frisch O.R, 1939, Nature, 143, 239-240.
Mizrahi & Galetti
1.9
Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementares recomendados como leitura
41 adicional/complementar
[18] Rhodes R., 1986, The making of the atomic bomb, Simon & Schuster, New York,
1986.
[19] Rhodes R., 1995, Dark sun, the making of the hydrogen bomb, Simon & Schuster,
New York,
[20] Holloway D., 1997, Stalin e a bomba, Editora Record, São Paulo.
[21] Perl M., 1997, Physics Today 50, 34; The Leptons After 100 Years.
[22] Lattes C., 2000, Descobrindo a estrutura do universo, Editora Unesp.
[23] Weinberg S., 1993, Dreams of a final theory, Vintage Books.
[24] Veltman M., 2003, Facts and misteries in elementary particle physics, World Scientific.
[25] Brian Greene B., 2001, O Universo elegante, Ed. Companhia das Letras.
[26] Zwiebach B.,2004, A First course in String Theory, Cambridge University Press.
[27] http://theory.caltech.edu/people/jhs/strings/, http://superstringtheory.com
[28] Popper K. R., 1963, Conjecturas e refutações, Editora Universidade de Brasília.
1.9 Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementares
recomendados como leitura adicional/complementar
• Mukhin K. N., 1987, Experimental nuclear physics, volumes I e II, Mir Publishers, Moscou.
• Mukhin K. N., 1988, Física nuclear recreativa, Editorial Mir, Moscou. Em
espanhol.
• Klimov A., 1975, Nuclear physics and nuclear reactors, Mir Publishers, Moscou.
• Veltman M., 2003, Facts and misteries in elementary particle physics, World
Scientific, Singapore.
• Lattes C., 2000, Descobrindo a estrutura do universo, Ed. Unesp, São Paulo.
• Segrè E. G., 1970, Enrico Fermi physicist, The University Chicago Press.
Mizrahi & Galetti
42
Capítulo 1.
Introdução
• Brian Greene B., 2001, O Universo elegante, Ed. Companhia das Letras.
• Chung K. C., 2001, Introdução à Física Nuclear, Editora UERJ.
• Schechter H. e Bertulani C. A., 2007, Introdução à Física Nuclear, Editora
UFRJ.
• Cottingham W. N. e Greenwood D. A., 2007, An introduction to the Standard
Model of Particle Physics, Cambridge University Press.
Mizrahi & Galetti
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